Jorge Rodrigues Simão VozesPoluição atmosférica e saúde “Advances in the science of epidemiology suggest that even air that would until recently have been considered ‘clean’ may contain pollutants that are hazardous to people’s health. Moreover, in many low and middle income countries, economic growth is still associated with declining air quality.” Air Pollution and Health in Rapidly Developing Countries McGranahan and Frank Murray [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]poluição do ar causa um décimo do total de mortes no mundo e é a principal crise de saúde que enfrentamos. Lançada pela “Organização Mundial de Saúde (OMS)” e pela “Iniciativa da “Coalizão Clima e Ar Limpos (Climate and Clean Air Coalition – CCAC )” criada em 2012, a campanha global “Respirar a Vida” visa aumentar a conscientização pública sobre o impacto da poluição do ar na nossa saúde e no planeta, e criar uma rede de cidadãos, líderes urbanos nacionais e profissionais de saúde para impulsionar a mudança nas nossas comunidades. A CCAC é um programa liderado pelos governos do Canadá, Japão, México e Estados Unidos, conjuntamente, com o “Grupo de Grandes Cidades para Liderança do Clima (C40 designação abreviada na língua inglesa)”, a “International Solid Waste Association (ISWA)”, o “Programa para o Ambiente (UNEP na sigla em língua inglesa) e o Banco Mundial. A campanha destaca medidas políticas e práticas que podem ser aplicadas pelas cidades como melhoria nos sistemas de habitação, transportes, resíduos e energia ou aquelas que podem ser tomadas por indivíduos, em uma comunidade ou individualmente, como por exemplo, parar de queimar resíduos, promover espaços verdes e facilitar viagens a pé ou de bicicleta para melhorar a qualidade do ar. A melhoria dos padrões aplicados aos veículos, dando prioridade ao transporte público limpo e activo, ou usando fogões e combustíveis mais eficientes para cozinhar, iluminar e aquecer são algumas das medidas que podem salvar vidas e contribuir para salvar o planeta. Estima-se que a aplicação de uma série de medidas para reduzir poluentes poderia diminuir o número anual de mortes causadas pela poluição do ar. Todos os anos, cerca de três milhões de mortes estão ligadas à exposição à poluição atmosférica e a poluição do ar interior pode ser igualmente mortal. É de prever que, em 2018, mais de sete milhões de mortes que representam 11,5 por cento da mortalidade mundial total estão relacionadas com a poluição do ar ou de interiores. Os níveis de poluição do ar urbano, por outro lado, tendem a ser maiores em muitas cidades de baixo e médio rendimento e nos bairros degradados e pobres das cidades de alto rendimento, o que significa que a redução de poluentes pode ser particularmente benéfica para a saúde de grupos de baixo rendimento, bem como para crianças, idosos e mulheres. A poluição do ar é um assassino invisível que pode estar à espreita, por exemplo, no caminho de retorno a casa e até mesmo nas nossas casas. É de considerar que 92 por cento das pessoas que vivem nas cidades não respiram ar puro. A resolução da situação da poluição do ar global passa por haver mecanismos para melhorar a qualidade de ar. A poluição do ar, enquanto invisível, pode ser mortal. É a causa de 25 por cento de mortes por doença cardíaca; 34 por cento de mortes por derrames cerebrais e 36 por cento de mortes por cancro do pulmão. A poluição do ar representa um risco ambiental significativo para a saúde. Ao reduzir os níveis de poluição do ar, os países podem reduzir a carga de morbidade causada por derrames, cancro do pulmão e doenças pulmonares agudas e crónicas, incluindo a asma. Quanto mais baixos forem os níveis de poluição do ar, melhor será a saúde cardiovascular e respiratória da população, tanto a longo, como a curto prazo. As Directrizes da OMS sobre “Qualidade do Ar” oferecem uma avaliação dos efeitos da poluição do ar sobre a saúde, bem como os níveis de poluição que são prejudiciais à saúde. É importante recordar que em 2016, 91 por cento da população vivia em locais onde as Directrizes da OMS sobre qualidade do ar não eram respeitadas e de acordo com as estimativas do mesmo ano, a poluição do ar nas cidades e áreas rurais em todo o mundo causou mais de quatro milhões de mortes prematuras a cada ano, sendo que 91 por cento dessas mortes prematuras ocorrem em países de baixo e médio rendimento, e as maiores taxas de morbidade estão nas regiões do Sudeste Asiático e Pacífico Ocidental. As políticas e investimentos para apoiar os meios de transporte menos poluentes, habitação com eficiência energética, geração de electricidade e melhor gestão de resíduos industriais e urbanos reduziriam importantes fontes de poluição do ar nas cidades. Além da poluição do ar, a fumaça interna representa um sério risco para a saúde de cerca de três mil milhões de pessoas que cozinham e aquecem as suas casas com biomassa e carvão. A poluição do ar representa um risco ambiental significativo para a saúde, seja em países desenvolvidos ou em países em desenvolvimento. É de prever que a poluição ambiental do ar, tanto nas cidades como nas áreas rurais, causa milhões de mortes prematuras em todo o mundo por ano e esta mortalidade é devida à exposição a pequenas partículas de 2,5 microns ou menos de diâmetro (PM2,5), que causam doenças cardiovasculares, respiratórias e cancro. As pessoas que vivem em países de baixo e médio rendimento suportam de forma desproporcional o ónus da poluição do ar externo. As últimas avaliações do ónus da doença reflectem o papel muito importante do desempenhado pela poluição do ar em doenças cardiovasculares e mortes. Há cada vez mais evidências para mostrar as ligações entre a poluição do ar ambiente e o risco de doenças cardiovasculares, incluindo estudos em áreas altamente poluídas. A OMS estima que, em 2016, aproximadamente 58 por cento das mortes prematuras relacionadas à poluição do ar foram devidas a doença isquémica do coração e acidente vascular cerebral, enquanto 18 por cento das mortes foram devidas a doença pulmonar obstrutiva crónica e infecções respiratórias agudas, e 6 por cento das mortes foram devidas a cancro do pulmão. É facto que algumas mortes podem ser atribuídas a mais de um factor de risco ao mesmo tempo, como por exemplo, tanto ao uso do tabaco como da poluição do ar ambiente, podendo causar cancro do pulmão e algumas das mortes por esta doença, poderiam ter sido evitadas melhorando a qualidade do ar ambiente ou reduzindo o consumo de tabaco. A avaliação realizada em 2013 pelo “Centro Internacional de Investigação do Cancro da OMS”, concluiu que a poluição do ar livre é carcinogénica para os seres humanos e que partículas do ar contaminado estão intimamente relacionadas à incidência crescente de cancro e também foi observada, uma relação entre a poluição do ar e o aumento do cancro do trato urinário e bexiga. É importante abordar todos os factores de risco de doenças não transmissíveis, incluindo a poluição do ar, pois é essencial para proteger a saúde pública. A maioria das fontes de poluição do ar exterior está fora do controlo das pessoas e exigem medidas por parte das cidades, bem como dos órgãos reguladores nacionais e internacionais em sectores como o transporte, gestão de resíduos, energia, construção e agricultura. É de atender que existem inúmeros exemplos de políticas bem-sucedidas relacionadas com os sectores de transportes, planeamento urbano, produção de electricidade e indústria, que permitem reduzir a poluição do ar. O uso de tecnologias limpas na indústria, permite reduzir as emissões de chaminés industriais, bem como outras medidas que passam pela melhoria na gestão de resíduos urbanos e agrícolas, incluindo a recuperação de gás metano em aterros sanitários como alternativa à incineração para ser usado como biogás; na energia, garantir o acesso a soluções energéticas domésticas limpas e acessíveis para cozinhar, aquecer e iluminar; nos transportes, pela adopção de métodos limpos de produção de electricidade; dar prioridade ao transporte rápido urbano, percursos pedestres e de bicicleta nas cidades, e ao transporte de longa distância de carga e passageiros por via-férrea. O uso de veículos pesados a diesel mais limpos e veículos e combustíveis de baixa emissão, especialmente combustíveis com baixo teor de enxofre seria altamente benéfico, assim como o planeamento urbano pela melhoria da eficiência energética dos edifícios e concentração das cidades para alcançar maior eficiência; na produção de electricidade pelo aumento do uso de combustíveis de baixa emissão e fontes renováveis de energia sem combustão como a solar, eólica ou hidroeléctrica; na produção conjunta de calor e electricidade e produção distribuída de energia, como por exemplo, a produção de electricidade através de pequenas redes e painéis solares. A gestão de resíduos urbanos e agrícolas implica estratégias de redução, separação, reciclagem e reutilização ou reprocessamento de resíduos, bem como a melhoria da gestão de resíduos biológicos como a digestão anaeróbia para a produção de biogás, através de métodos viáveis e alternativas económicas substituindo métodos de incineração de resíduos sólidos. Quando a incineração é inevitável, será crucial usar tecnologias de combustão e controlo de emissão rigorosas. Além da poluição do ar, a fumaça interna representa um sério risco para a saúde de cerca de milhares de milhões de pessoas e cerca de cinco milhões de mortes prematuras em 2017 foram atribuídas à poluição do ar em residências e quase todas ocorreram em países de baixo e médio rendimento. As Directrizes da OMS sobre “Qualidade do Ar”, publicadas em 2005, fornecem orientações gerais sobre limites para os principais poluentes atmosféricos que acarretam riscos para a saúde. As Directrizes indicam que, ao reduzir a poluição por matéria particulada (PM 10) de 70 para 20 microgramas por metro cúbico (μg/m), é possível reduzir em 15 por cento o número de mortes relacionadas com a poluição do ar. As Directrizes são aplicadas em todo o mundo e baseiam-se na avaliação, realizada por especialistas, das evidências científicas actuais sobre (PM), ozono (O3) dióxido de azoto (NO2) e dióxido de enxofre (SO2), em todas as regiões da OMS. As Directrizes da OMS para “Qualidade do Ar” estão actualmente em revisão e devem ser publicadas até 2020. A OMS assiste os Estados Membros no intercâmbio de informações sobre abordagens bem-sucedidas para métodos de avaliação da exposição e monitoramento das consequências para a saúde praticadas pela poluição. A OMS lidera o Grupo de Trabalho Conjunto sobre os “Aspectos Sanitários da Poluição Atmosférica” no âmbito da “Convenção sobre a Poluição Atmosférica Transfronteiriça a Longa Distância”, que visa avaliar os efeitos na saúde de tal poluição e fornecer documentação de apoio. O “Programa Pan-Europeu Transportes, Saúde e Ambiente”, co-patrocinado pela OMS, desenvolveu um modelo de cooperação regional e multissectorial entre os Estados-Membros, a fim de mitigar a poluição atmosférica e as consequências para a saúde relacionadas com o sector dos transportes, sendo fundamental desenvolver instrumentos para avaliar os benefícios para a saúde derivados dessas medidas de mitigação. A educação ambiental é uma das ferramentas fundamentais para ajuda à preservação das componentes do ambiente natural e de prevenção dos componentes ambientais humanos nos quais a poluição se insere. A educação ambiental é um processo que permite que os indivíduos explorem as questões ambientais, e se envolvam na solução de problemas e tomem medidas para melhorar o meio ambiente. Como resultado, os indivíduos desenvolvem uma compreensão mais profunda das questões ambientais e têm as habilidades para tomar decisões informadas e responsáveis. Os componentes da educação ambiental são a conscientização e sensibilidade ao meio ambiente e desafios ambientais; o conhecimento e compreensão do meio ambiente e desafios ambientais; as atitudes de preocupação com o meio ambiente e motivação para melhorar ou manter a qualidade ambiental, as habilidades para identificar e ajudar a resolverem os desafios ambientais e a participação em actividades que levem à resolução de desafios ambientais. A educação ambiental não defende um ponto de vista ou um curso de acção específico. Em vez disso, a educação ambiental ensina as pessoas a pesar os vários lados de um problema através do pensamento crítico e aprimora as suas próprias habilidades de resolução de problemas e de tomada de decisões. A educação ambiental é mais do que informações sobre o meio ambiente, pois aumenta a conscientização pública e o conhecimento das questões ambientais; fornece factos ou opiniões sobre questões ambientais, ensina os indivíduos a pensar criticamente e aumenta as habilidades de resolução de problemas e tomada de decisão dos indivíduos. Jorge Rodrigues Simão Destaque As pessoas que vivem em países de baixo e médio rendimento suportam de forma desproporcional o ónus da poluição do ar externo.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA guerra das tarifas alfandegárias “The biggest single thing that has lifted people out of poverty is free trade.” George Osborne [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] escritor Mark Twain afirmou que a história não se repete, mas rima. As tarifas alfandegárias estão de volta, depois de um longo exílio, e estão a ser aplicadas em milhares de milhões de dólares de produtos comercializados, que vão desde o aço e alumínio até motociclos Harley-Davidson e fazem parte de uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, e entre os Estados Unidos e a “União Europeia (UE) ”, ainda que na reunião realizada entre o presidente Donald Trump e presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, a 25 de Julho de 2018, em Washington, conduziu a um entendimento em que a administração americana vai renegociar as taxas aduaneiras e barreiras ao comércio com a UE, podendo aliviar algumas tensões. As duas partes vão trabalhar em conjunto para estabelecer uma relação comercial livre de taxas alfandegárias, livre de barreiras e de subsídios para bens industriais. O acordo Estados Unidos-UE irá reforçar as trocas comerciais nos serviços, indústrias químicas, farmacêutica, de produtos médicos e agrícolas, destacando neste domínio a integração do comércio de soja, pois os Estados Unidos são os maiores produtores mundiais deste bem agrícola. Existe a esperança em uma solução para as pesadas taxas aduaneiras que os Estados Unidos passaram a aplicar ao aço e alumínio importados a partir da UE, bem como para as taxas que esta, em retaliação, passou a aplicar a diferentes bens americanos, desde os “jeans” ao uísque. A Alemanha recebeu com bom agrado os resultados da reunião pois a indústria automóvel receava a promessa do presidente Trump de passar a aplicar taxas de 25 por cento, sobre os carros importados. O acordo até ser implementado depois das negociações que se vão encetar, contempla a não imposição de taxas adicionais, que podem evitar uma guerra comercial e salvaguardar milhões de postos de trabalho, sendo excelente para a economia mundial. O outro ponto essencial da reunião é a concordância na reestruturação da “Organização Mundial de Comércio (OMC)”. As empresas americanas do sector automóvel, que registaram quedas fortes na sua cotação bolsista, não só têm vindo a queixar-se do impacto da subida das taxas sobre o alumínio e o aço que são matérias-primas importantes para a sua indústria, como também não concordam com taxas mais altas sobre as importações, dado terem muitas fábricas no Canadá e no México e também importam componentes da Europa para as suas fábricas nos Estados Unidos. As tarifas são impostas por um país que torna as importações mais caras. Os Estados Unidos promulgaram essa recente rodada de tarifas como uma resposta ao seu deficit comercial (quando um país compra mais do exterior do que vende). A ideia é tornar os produtos estrangeiros menos desejáveis e, assim, proteger a indústria doméstica. É de recordar que os maiores economistas da história teriam receio de impor impostos para enfrentar um desequilíbrio comercial. A melhor forma de reduzir o deficit comercial é exportar mais e não reduzir as importações tornando-as mais caras. O uso de tarifas para melhorar a posição comercial de um país, foi essencialmente o que a Grã-Bretanha rejeitou há mais de um século. O argumento foi derrotado devido ao trabalho de dois grandes economistas, Adam Smith, pai da economia, e David Ricardo, o pai do comércio internacional. Quando o Reino Unido revogou a “Leis dos Cereais (ou Corn Laws em Inglês)” foram as tarifas sobre a importação de cereais na Grã-Bretanha, em vigor entre 1815 e 1846 para proteger os preços britânicos dos grãos nacionais contra a concorrência de importações. Tal leis são frequentemente vistas como exemplos do mercantilismo britânico, porque foram projectadas para proteger os proprietários ingleses, promovendo a exportação e limitando a importação de grãos, quando os preços caíram abaixo do ponto de referência e foram finalmente abolidos devido à agitação militante da “Anti-Corn Law League”, criada em Manchester em 1839, que argumentava que as leis que constituíam um subsídio aumentavam os custos industriais. Após uma campanha prolongada, os opositores da tarifa finalmente obtiveram o que queriam em 1846, um triunfo significativo que era indicativo do novo poder político da classe média inglesa. Assim, a sua abolição marcou um avanço significativo em direcção ao livre comércio. A “Leis dos Cereais” aumentaram os lucros e o poder político associado dos latifundiários e era uma legislação proteccionista, que em 1846, marcou uma era de maior abertura para a Grã-Bretanha, então o operador dominante no mundo. Ao contrário de muitos economistas, Adam Smith teve a oportunidade de colocar as suas teorias em prática e como comissário de alfândega da Escócia, defendia a remoção de todas as barreiras comerciais, qualificadas apenas pela necessidade de arrecadar receitas, para o que considerava serem os propósitos apropriados de governar um país, como fornecer estradas. O economista Adam Smith apoiou a cobrança de impostos sobre as importações e exportações a um nível moderado, mas não tão alto que o contrabando seria uma actividade lucrativa e fiel às crenças de que sobre políticas governamentais que não distorcem o mercado, estabeleceu, que os deveres fossem iguais para diferentes produtores e importadores, de modo a que um grupo ou um país não teria uma vantagem sobre o outro, tendo por exemplo, observado a iniquidade de isentar o produto da fabricação e destilação privada (que era absorvida pelos ricos) do imposto especial de consumo, enquanto cobrava as gorjetas preferidas dos pobres. Assim, se as tarifas fossem necessárias, deveriam tratar todos os comerciantes e nações comerciais da mesma forma, de modo a não distorcer a “mão invisível” (a sua contribuição mais notável na sua obra “Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações”) do mercado, alocando o que os produtores deveriam fazer. Os economistas posteriores, desviaram-se de Adam Smith no desenvolvimento de novas linhas de pesquisa, mas mantiveram os seus juízos. Inspirado pela riqueza das nações, David Ricardo desenvolveu a teoria da vantagem comparativa, que mostra que as nações devem especializar-se e depois comercializar, o que levou a uma maior prosperidade. É de considerar, que no século XX, grandes economistas como Paul Samuelson, aumentaram ainda mais a nossa compreensão do comércio internacional, destacando que há aqueles que beneficiam mais e outros que beneficiam menos quando uma nação se especializa, mesmo que a economia ganhe em geral. Assim, o seu trabalho destaca o impacto distributivo do comércio e aponta formas de ajudar os perdedores da globalização. É de considerar que mesmo que a nossa compreensão das questões em torno do comércio tenha evoluído, os princípios centrais estabelecidos pelos grandes economistas de há dois séculos permanecem. As tarifas são uma medida proteccionista que é ineficiente, e também distorcida se impostos mais altos em algumas importações significam que se tornam menos competitivos em relação a outros. Os países usaram frequentemente o proteccionismo para fomentar indústrias domésticas, até que possam competir com empresas estabelecidas. Este foi o caso dos Estados Unidos no século XIX, quando competiram contra a Grã-Bretanha, e ainda é o caso da China em vários sectores. A China, em particular, não é tão aberta ao comércio como os Estados Unidos e a UE, que tem sido uma constante queixa das empresas ocidentais, e a China tem sido medida nas suas respostas a cada rodada de tarifas americanas. Os Estados Unidos estão a ameaçar impor tarifas sobre quase todas as exportações chinesas, a menos que a situação comercial Estados Unidos-China melhore. O presidente dos Estados Unidos, a 20 de Julho de 2018, afirmou que estaria disposto a impor tarifas sobre todos os quinhentos mil milhões de dólares de produtos importados da China, ameaçando intensificar um conflito sobre a política comercial que abalou os mercados financeiros. Os seus comentários preocuparam os investidores que já estavam a enfrentar o impacto do fortalecimento do dólar americano nos resultados corporativos, e os principais índices de acções na “Wall Street” caíram no mesmo dia. O dólar americano caiu contra as principais moedas sobre a ameaça do presidente Trump de impor mais tarifas de importação, e a repetição de reclamações sobre o aumento das taxas de juros e a força do dólar americano. O “índice do dólar (DXY na sigla em língua inglesa)”, é um índice que mede o valor do dólar em relação a um cabaz de seis principais moedas. É uma média geométrica ponderada do valor do dólar comparado ao euro, iene, libra, dólar canadiano, coroa sueca e franco suíço e estava prestes a registar a sua maior perda em um dia, no espaço de três semanas. O dólar contra o iene, estava a caminho da sua pior queda diária em dois meses. O DXY foi estabelecido em Março de 1973, logo após o desmantelamento dos acordos de Bretton Woods e inicialmente, o valor do índice do dólar era 100. O dólar, desde então, atingiu altas de pouco mais de 160 e um mínimo de cerca de 71, a 16 de Março de 2008. A composição do cabaz foi alterada apenas uma vez, porque várias moedas de países europeus foram substituídas pelo euro desde 1999. O DXY é actualizado sempre que os mercados estão abertos. A China não poderá facilmente retaliar de maneira semelhante, já que não importa quinhentos mil milhões de dólares de produtos dos Estados Unidos. A China poderia optar pela imposição de restrições de investimento, o que seria muito prejudicial, uma vez que distorceriam as cadeias de suprimentos e as decisões operacionais de empresas multinacionais, o que não seria facilmente revertido, ao contrário das tarifas, que podem ser cobradas um dia e removidas no dia seguinte. Existem alguns sinais de que o investimento foi afectado pelas tensões comerciais. A fabricante de circuitos integrados “Qualcomm”, americana, retirou a sua oferta de quarenta e quatro mil milhões de dólares pela “NXP Semiconductors”, holandesa, a 26 de Julho de 2018, por não conseguir a aprovação dos reguladores “antitrust” da China para a maior aquisição da indústria de circuitos integrados, tornando-se a vítima de maior visibilidade, desde o início da guerra entre as duas economias. O acordo de fusão expirou quase vinte e um meses após a “Qualcomm” se ter oferecido para comprar a fabricante holandesa de circuitos integrados. O silêncio da China sobre a aquisição levou a empresa americana a acreditar de que a aprovação não seria dada, dado o acordo ser eficaz no maior mercado consumidor do mundo. O acordo global de aquisição tinha sido aprovado pelas entidades reguladoras dos Estados Unidos e da UE. A distorção adicional do comércio, que ocorre em parte por meio de empresas que investem em cadeias de suprimento/distribuição e realizam fusões e aquisições através das fronteiras nacionais, seria algo que os grandes economistas se oporiam. Afinal, há consenso que o comércio internacional beneficia uma economia. A “Iniciativa sobre Mercados Globais (IGM na sigla em língua inglesa) é um centro de pesquisa, na Escola de Negócios Booth da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. A IGM apoia pesquisas originais sobre negócios internacionais, mercados financeiros e políticas públicas. A IGM é ainda famosa pelas pesquisas semanais que conduz no seu “Economics Experts Panel”, um painel composto por cinquenta e um economistas líderes nas universidades dos Estados Unidos. A IGM colocou duas questões acerca do livre comércio, sendo a primeira para saber se o comércio mais livre beneficia a eficiência produtiva e oferece aos consumidores melhores escolhas e, a longo prazo, se esses ganhos são muito maiores do que quaisquer efeitos sobre o emprego, tendo 56 por cento dos participantes concordado, 26 por cento, concordado plenamente e 5 por cento de duvidosos. A segunda pergunta era a de saber se os cidadãos dos Estados Unidos, em média, estiveram em melhor situação com o “Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA na sigla em língua inglesa)” do que teriam se as regras comerciais para os Estados Unidos, Canadá e México anteriores ao NAFTA tivessem permanecido, tendo 63 por cento dos participantes concordado, 22 por cento concordado plenamente e 5 por cento de duvidosos. O NAFTA foi assinado pelos líderes do Canadá, Estados Unidos e México a 7 de Outubro de 1992, mas apenas entrou em vigor a 1de Janeiro de 1994 depois de um agitado processo de confirmação por parte dos Estados Unidos, onde a xenofobia, etnocentrismo e o preconceito de certos sectores políticos ofereceram enormes obstáculos. O NAFTA criou uma zona de livre comércio na qual tarifas e outras barreiras ao comércio de bens e serviços e recursos financeiros serão gradualmente eliminadas em um período de quinze anos, mas era de prever que a maior parte das liberalizações ocorresse nos primeiros cinco anos. Os grandes economistas provavelmente diriam que há melhores maneiras de beneficiar a posição comercial de um país, como a abertura do mercado global para o comércio de serviços. Tal beneficiaria desproporcionalmente os Estados Unidos como o maior exportador de serviços em todo o mundo, competindo bem, mesmo com as barreiras comerciais em vigor. Se a China abrisse mais o seu sector de serviços, como já está a proceder com prudência, poderia aumentar as exportações dos Estados Unidos para a China e reduzir o deficit comercial, por exemplo. O Reino Unido, o segundo maior exportador, e outras economias avançadas, como a UE e o Japão, também verão uma melhoria na sua posição comercial, dado que a maior parte dessas economias avançadas compreende serviços. Mesmo considerando o facto de que os serviços nem sempre são negociados (por exemplo, restaurantes), a UE apontou vender mais serviços que reflictam melhor o que produz. A economia da UE é de 70 por cento de serviços, enquanto os mesmos representam apenas um quarto das exportações. O ideal seria vender mais, em vez de importar menos (e, portanto, consumir menos ou produzir com componentes mais caros), que é uma das lições a retirar dos maiores economistas da história e daí se defender a abertura de mercados em todo o mundo para que os países pudessem vender mais do que produzem, o que traria uma maior prosperidade. As suas percepções continuam a sustentar a economia actual. A política, no entanto, tem outra visão.
Jorge Rodrigues Simão PerspectivasA ligação entre o ambiente, conflitos e segurança “There are two directions the connection between conflict and the environment can take that influence security. The degradation of the environment can cause conflict and a reduction in security; or conflict can destroy the resources and services provided by the environment, which also compromises security.” The Blue Marble Report, W. Douglas Smith [dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] evolução da situação estratégica global após a Guerra Fria, sugere a necessidade de expandir a definição de segurança nacional, para incluir ameaças ambientais à estabilidade. Durante as duas últimas décadas, houve uma mudança dramática na forma como percebemos o cenário da segurança nacional contemporânea. Os líderes de organizações governamentais e não-governamentais, vêm progressivamente a aceitar que os efeitos nocivos das alterações climáticas e outros factores ambientais, estão a expor as sociedades vulneráveis à instabilidade e ao potencial conflito violento. A percepção alterada das ligações entre os problemas ambientais globais e os desafios económicos e demográficos, emergiu como uma base para a interpretação de conflitos e segurança. O “Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em língua inglesa)”, dedicou um grande esforço para avaliar a vulnerabilidade das populações humanas, resultante da exposição aos efeitos adversos das alterações climáticas. O “Quarto Relatório de Avaliação do IPCC”, que examina a questão da exposição, adaptação e vulnerabilidade, sugere que os países e as sociedades, especialmente no mundo em desenvolvimento, terão dificuldade em se adaptar à pressão das alterações climáticas em um futuro não muito distante. A adaptação e a resiliência serão prejudicadas pela falta de capacidade, e as pessoas mais atingidas serão aquelas que vivem na pobreza e dentro dos “Estados falhados”, como sendo aqueles em que o governo é ineficaz e não consegue manter o controlo sobre o território, e que tem como consequência altas taxas de criminalidade, corrupção endémica, um enorme mercado informal, poder judiciário ineficaz, interferência militar na política, além da presença de grupos armados paramilitares ou organizações terroristas que controlam parte ou todo o território, como o Sudão do Sul, Somália e República Centro-Africana. O cientista político dinamarquês, George Sorensen, no seu estudo “Newest wars, newest peaces. Conceptual and political challenges” utiliza o conceito de “Estados frágeis”, para descrever um conjunto de Estados com instituições e processos económicos e políticos enfraquecidos, reservando o termo de “Estado falhado” para casos em que essa fragilidade se intensifica. O “Fundo para a Paz” que é uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, americana, que tem por objectivo a pesquisa e o ensino e foi fundada em 1957, que trabalha para prevenir conflitos violentos e promover a segurança sustentável, considerou como primeiros vinte “Estados frágeis” entre um universo de cento e setenta e oito países, o Sudão do Sul, Somália, Iémen, Síria, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Sudão, Chade, Afeganistão, Zimbabué, Iraque, Haiti, Guiné, Nigéria, Etiópia, Guiné-Bissau, Quénia, Burundi, Eritreia e Paquistão. A segurança ambiental refere-se a uma série de questões de segurança, accionadas ou intensificadas por factores ambientais, como alterações climáticas, recursos, factores demográficos, desastres naturais e práticas não sustentáveis. A perturbação ou pressão ambiental tem o potencial de desestabilizar os Estados, especialmente, no mundo em desenvolvimento, porque são caracteristicamente mais dependentes do ambiente para a produtividade económica, e não têm a resiliência para superar esses desafios. Tal perspectiva refinou consideravelmente a lente, pela qual vemos o ambiente, como uma variável no cálculo da segurança nacional. À medida que as procuras populacionais e económicas aumentam, e os efeitos adversos das alterações climáticas se tornam mais aparentes, colectivamente, esses problemas podem perturbar as populações vulneráveis na medida em que erodem a legitimidade governamental, tornando-as mais vulneráveis à instabilidade e conflito. Há quem conteste a relação entre o ambiente e o conflito, e sugerem que o conflito violento resulta apenas de factores políticos e militares. É difícil de identificar conflitos em que as condições ambientais são os factores causais. No entanto, embora os pormenores de um conflito potencial desencadeado por factores ambientais não possam ser previstos, o registo histórico fornece directrizes úteis, porque a evidência é clara de que essa ligação existe. Qualquer perspectiva de segurança ambiental não tem por objectivo afirmar que a natureza do conflito é nova; ao contrário, sugere que, como a perturbação e a pressão ambiental estão a piorar, é de prever um aumento na frequência dos conflitos com uma componente ambiental. Além disso, os efeitos das alterações climáticas não são restritos pelos limites do Estado. As pesquisas, de facto, demonstram que os Estados desenvolvidos e em desenvolvimento são vulneráveis à instabilidade. No entanto, os dados sugerem claramente que o problema está espacialmente concentrado, e grandemente ampliado no mundo em desenvolvimento, e esses Estados são mais vulneráveis, porque sofrem de diversas variáveis ambientais e humanas persistentes, como a degradação ambiental, redução da produção agrícola, declínio económico, má governança, crescimento populacional, deslocamento e a ruptura civil. É de considerar que identificar Estados em risco de instabilidade e violência por causas ambientais, envolve uma ampla e complexa gama de questões de segurança, particularmente se a definirmos de forma muito ampla. O escopo da segurança ambiental, deve concentrar-se exclusivamente, em como o ambiente afecta o conflito, ou seja, o nexo conflito-ambiente que deve ser observado a partir de uma variedade de perspectivas, (por exemplo, a água, alterações climáticas, áreas urbanas) e de diferentes escalas (local a global). O problema que enfrentamos é de que o número de “Estados falhados” está a aumentar, e são mais vulneráveis à instabilidade causada pela perturbação e pressão ambiental, porque sofrem de quatro efeitos causalmente relacionados, como sejam a redução da produção agrícola, declínio económico, deslocamento da população e a perturbação civil, e esses efeitos determinam a vulnerabilidade e adaptabilidade de uma sociedade. A percepção do cenário da segurança nacional, desde o fim da Guerra Fria, evoluiu e as ligações entre o ambiente, instabilidade política e o conflito violento, isto é, segurança ambiental, tornaram-se um paradigma cada vez mais aceite nos assuntos de segurança. A segurança ambiental refere-se a uma ampla gama de questões de segurança desencadeadas ou exacerbadas por factores demográficos e ambientais, como competição por recursos, crescimento populacional e deslocamento, doenças, desastres naturais, alterações climáticas e ambientais, escassez de recursos e práticas não sustentáveis. Durante as últimas duas décadas, houve uma mudança nos meios governamentais e também na percepção da comunidade académica dos problemas ambientais globais, e da sua ligação com sociedades desestabilizadoras. Os relatórios do IPCC de 2007, 2012 e 2014 demonstram o grande esforço a avaliar a vulnerabilidade das populações humanas, resultante da exposição aos efeitos adversos das alterações climáticas. Assim, o ambiente emergiu como uma base para interpretar conflitos e segurança, e torna-se mais complicado porque o paradigma da segurança ambiental abrange uma ampla e complexa série de questões de segurança, se a definirmos de forma muito ampla para incluir o bem-estar social, ambiental, social e económico. Os problemas são ampliados por causa dos efeitos adversos persistentes e problemáticos da alteração climática global, segundo o relatório do IPCC de 2014. Além disso, a dinâmica da globalização eliminou a barreira da distância e criou expectativas no mundo em desenvolvimento do crescimento económico, intensificando, a lacuna entre os Estados desenvolvidos e em desenvolvimento. Apesar de o relatório do IPCC de 2012 indicar que todos os países são vulneráveis às alterações climáticas, os Estados em desenvolvimento são consistentemente mais vulneráveis, o que aguça a lente pela qual vemos o ambiente como uma variável no cálculo da segurança nacional. À medida que as populações crescem e as procuras económicas aumentam, e os efeitos adversos das alterações climáticas se manifestam nos Estados que enfrentam problemas de governança, os efeitos combinados desses problemas podem exceder os recursos naturais, a base económica do Estado e corroer a legitimidade governamental, tornando-os assim mais vulneráveis a conflitos. A prevalência do nexo clima-ambiente, também sugere que a resolução pacífica continuada de conflitos desencadeados pelo ambiente é inconsistente com as realidades do cenário de segurança nacional emergente. Dadas estas circunstâncias, é plausível que testemunhemos um surto de três tipos de conflito relacionados com o nexo entre o ambiente e o conflito, como sejam os conflitos internos causados por perturbação ou pressão ambiental e tendências demográficas; a guerra civil causada por colapso governamental e/ou fracasso económico e conflitos interestaduais de escala limitada, e essa avaliação está relacionada a três realidades persistentes. É de atender primeiro, que as alterações climáticas estão a ampliar os factores demográficos e ambientais existentes, além da capacidade adaptativa de muitos Estados. Segundo, a proliferação de Estados falidos reduziu a resiliência e o potencial de resolução diplomática em muitas regiões. Finalmente, a competição por recursos essenciais, tem sido exacerbada pelo crescimento populacional e pela globalização em muitas regiões. Assim, é de defender que os factores ambientais, provavelmente, fornecerão um ponto de inflexão que levará a conflitos violentos em regiões que podem estar à beira da instabilidade. O nexo conflito-ambiente gerou uma preocupação especial no governo dos Estados Unidos. A “Revisão Quadrienal de Defesa” de 2014, o Departamento de Defesa indicou que, as pressões causadas pelas alterações climáticas influenciarão a competição por recursos, ao mesmo tempo que sobrecarregarão as economias, as sociedades e as instituições de governança em todo o mundo. Esses efeitos são multiplicadores de ameaças que agravarão as perturbações e pressões no exterior, como a pobreza, degradação ambiental, instabilidade política e tensões sociais, condições que podem permitir a actividade terrorista e outras formas de violência. Assim, com conflitos relacionados com o meio ambiente e desastres humanitários na Somália, Ruanda, Timor Leste, Haiti, Banda Achém, Síria e Darfur, o uso de recursos ocidentais e das Nações Unidas (ONU) e força militar para abordar as dimensões humanitárias do conflito regional, está bem estabelecido, e parece que as alterações ambientais e a escassez de recursos podem estar a contribuir para a instabilidade e a violência. É necessário usar do princípio da prudência, pois a perspectiva de segurança ambiental não afirma que a natureza do conflito é nova, e não se deve especular que as ligações causais entre variáveis ambientais e conflito são deterministas. Ao invés, é de propor que conflitos potenciais, relacionados a factores ambientais não podem ser previstos com exactidão, sendo no entanto de sugerir, que podemos determinar quais os Estados que são mais vulneráveis, dado um conjunto de variáveis. O nexo conflito-ambiente abrange um amplo conjunto de factores que põem em risco a segurança humana; e muitos processos antropogénicos combinam-se com processos naturais de condições ambientais, para permitir a instabilidade resultante de ignorância, acidente, má administração ou programas mal estudados. No entanto, o problema é de que o delineamento de factores que contribuem para a instabilidade ambiental, é um método inexacto que envolve a análise de risco ambiental, com base em vínculos complicados entre processos humanos e naturais. Logo, é útil estabelecer uma estrutura ou modelo para delinear os vários factores, que estão a operar em uma região e quais as análises convincentes que podem ser feitas. É certo que poucas ameaças à paz e à sobrevivência da comunidade humana, são maiores do que aquelas apresentadas pelas perspectivas de degradação cumulativa e irreversível da biosfera da qual a vida humana depende. O “Relatório da Comissão Brundtland” de 1987, afirma que a nossa sobrevivência depende não apenas do equilíbrio militar, mas da cooperação global para garantir um ambiente sustentável. Os Estados são susceptíveis ao nexo conflito-ambiente, porque a exposição aos efeitos adversos das alterações ambientais pode desestabilizar os governos e as sociedades, tornando-os assim cada vez mais vulneráveis. No entanto, a ligação entre o ambiente e o conflito é uma questão polémica, e continua a inspirar a discussão nos círculos académicos e profissionais. No entanto, pesquisas contemporâneas sugerem que factores climáticos e ambientais estão a contribuir para a instabilidade política e a violência. No cerne da questão, estão três factores críticos e inter-relacionados. O primeiro factor deve-se aos efeitos adversos da mudança climática e ambiental que estão a ter um efeito mais difundido e debilitante, sobre as pessoas e governos, corroendo, assim, a sua capacidade de adaptação, conforme descreve o relatório do IPCC de 2012. O segundo factor deve-se à governança, pois o número de Estados falidos está a crescer e a capacidade adaptativa, bem como a estabilidade estão fortemente ligadas à governança. Os Estados falidos são problemáticos, porque têm grandes áreas que estão fora do controlo governamental efectivo e são, portanto, severamente afectados por desastres humanitários, perturbação e pressão ambiental e conflitos internos. O terceiro factor é económico. A pobreza aos níveis nacional e familiar intensifica a vulnerabilidade à perturbação e pressão ambiental e degrada a resiliência. É de esperar que este dilema se agrave durante as próximas décadas, dado que a população global excederá nove mil milhões pessoas e, para manter este ritmo de crescimento, a produção económica terá que quintuplicar. A perturbação e pressão ambiental estão a ter um efeito fundamental na estabilidade, porque o bem-estar económico de mais de três mil e quinhentos milhões de pessoas, que representam cerca de metade da população mundial, está ligado à terra e logo os factores como produtividade agrícola, água, combustível e desmatamento são indicadores ambientais cruciais; especialmente, tendo em conta os problemas duplos de crescimento populacional e alterações climáticas, conforme afirma o relatório do IPCC de 2007. A seca, desertificação, desmatamento, erosão do solo e o esgotamento de recursos naturais são problemas importantes em muitas regiões, mas especialmente no mundo em desenvolvimento, onde a exposição aos efeitos adversos das alterações ambientais é de grande importância, porque quase 75 por cento dos habitantes mais pobres do mundo são agricultores de subsistência que enfrentam uma queda na produtividade. Tais dinâmicas têm consequências importantes para a segurança e representam um potencial para minar os Estados que não têm suporte de recursos naturais, força institucional e resiliência para enfrentar esses desafios. No entanto, é atípico que as ligações entre o ambiente e o conflito sejam directa e absolutamente geradoras, pois os fenómenos ambientais contribuam para os conflitos, mas raramente são as únicas causas.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA era digital “We’re moving to this integration of biomedicine, information technology, wireless and mobile now – an era of digital medicine. Even my stethoscope is now digital. And of course, there’s an app for that.” The Future of Medicine, Where Can Technology Take Us? Daniel Kraft [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m uma cena famosa do filme de 1967, “A Primeira Noite”, um amigo da família deixa de lado o personagem de Dustin Hoffman, Benjamin Braddock, e sussurra em tom conspiratório que existe um grande futuro nos plásticos. Se o filme tivesse sido realizado em outra época, o conselho ao jovem Braddock poderia ser diferente, e ter sido aconselhado a envolver-se em caminhos-de-ferro, negócios com electrónica ou simplesmente a ir para o Oeste, pois todas as idades têm situações que parecem novas e maravilhosas na época, mas frouxas e banais para as gerações futuras. A tecnologia digital é a última moda porque, depois de décadas de desenvolvimento, tornou-se incrivelmente útil. Ainda assim, quem observe melhor, poderá ver os contornos da sua inevitável descida ao mundano. As pessoas precisam de começar a preparar-se para uma nova era de inovação em que diferentes tecnologias, como a genómica, ciência dos materiais e a robótica, se destacam e para entender o que está a acontecer, é necessário observar as tecnologias anteriores. A ascensão da electricidade, por exemplo, começou no início da década de 1830, quando Michael Faraday inventou o dínamo eléctrico e o motor. Ainda assim, só cinquenta anos depois, Edison abriu a sua primeira fábrica e quarenta anos passados, durante a década de 1920, a electricidade começou a ter um impacto mensurável na produtividade. Toda a tecnologia segue um caminho semelhante de descoberta, engenharia e transformação. No caso da electricidade, Faraday descobriu novos princípios, mas ninguém realmente sabia como torná-los úteis, dado que primeiro tinham que ser entendidos suficientemente bem, para que pessoas como Edison, Westinghouse e Tesla, pudessem descobrir como fazer produtos que as pessoas estariam dispostas a comprar. Todavia, realizar uma verdadeira transformação exige mais do que uma única tecnologia, pois as pessoas precisam de mudar os seus hábitos, e então as inovações secundárias necessitam de entrar em jogo. É de considerar que para a electricidade, as fábricas precisavam de ser redesenhadas e o trabalho tinha que ser re-imaginado, antes de começar a ter um impacto económico real, e os electrodomésticos, radiocomunicações e outros produtos mudaram a vida conforme a conhecíamos, o que levou algumas décadas. O nosso mundo foi completamente transformado pela tecnologia digital. Seria difícil explicar a alguém que olhava para um computador de grande porte da IBM nos anos 1960, que algum dia máquinas semelhantes substituiriam livros e jornais, nos dariam recomendações sobre onde comer e instruções sobre como lá chegar, e até mesmo falar connosco, mas actualmente tais aplicações fazem parte dos nossos hábitos quotidianos. É de considerar que ainda hoje existem várias razões para acreditar que o crepúsculo da era digital paira sobre nós, o que não significa qualquer tipo de argumentação de que deixaremos de usar a tecnologia digital, pois afinal, ainda usamos a indústria pesada, não significando que ainda estamos na “Era Industrial”. Existem três razões principais para mencionar que a era digital está a terminar, sendo a primeira a tecnologia em si. O que impulsionou todo o entusiasmo com os computadores foi a nossa capacidade de colocar cada vez mais transístores em uma placa de silício, um fenómeno que conhecemos como Lei de Moore, e que permitiu tornar a nossa tecnologia exponencialmente mais poderosa, anualmente. A Lei de Moore está a terminar a sua aplicação. As empresas como a “Microsoft” e a “Google” estão a projectar circuitos integrados personalizados para executar os seus algoritmos, porque não é mais possível esperar por uma nova geração de circuitos integrados e para maximizar o desempenho. É preciso cada vez mais optimizar a tecnologia para uma tarefa específica. Deve-se considerar, em segundo lugar, que a habilidade técnica necessária para criar tecnologia digital diminuiu drasticamente, marcada pela crescente popularidade das chamadas plataformas sem código. Assim como os mecânicos e electricistas, a capacidade de trabalhar com a tecnologia digital está a tornar-se cada vez mais uma habilidade de nível médio e com a democratização, vem a comoditização que é o processo de transformação de bens e serviços (ou coisas que podem não ser normalmente percebidos como bens e serviços) em uma mercadoria. Os aplicativos digitais, finalmente, estão a tornar-se bastante evoluídos. Se comprarmos um computador portátil ou um telemóvel praticamente faz as mesmas coisas que o comprado há cinco anos. As novas tecnologias, como os alto-falantes inteligentes sem fios com comando de voz, como o “Amazon Echo” e o “Google Home”, que adicionaram a conveniência das “interfaces” de voz, mas pouco mais. Ainda que haja um valor novo limitado a ser aproveitado em objectos como processadores de texto e aplicativos de telemóvel, existe um extraordinário valor a ser libertado na aplicação de tecnologia digital a campos como a genómica e ciência dos materiais, para alimentar indústrias tradicionais como a fabricação, energia e medicina. O desafio essencial é aprender como usar “bits” para direccionar átomos. É fácil entender o seu funcionamento observando no “Atlas do Genoma do Cancro (TCGA na sigla na língua inglesa)”, que é um projecto iniciado em 2005 e supervisionado pelo “National Institute of Health (NIH)” e o “National Human Genome Research Institute (NHGRI)”, ambos dos Estados Unidos, que visam a catalogação de alterações moleculares responsáveis pelo aparecimento da importância biológica do cancro utilizando a sequenciação do genoma e a geoinformática. A sua missão era simplesmente sequenciar genomas de tumores e colocá-los “online” e até ao momento, catalogou mais de dez mil genomas em mais de trinta tipos de cancro e libertou um dilúvio de inovações na ciência do cancro e também, ajudou a inspirar um programa similar para materiais chamado de “Iniciativa do Genoma Material (GMI na sigla em língua inglesa)” que vem na sequência do “Projecto Genoma Humano (HGP na sigla em língua inglesa)”, que é um programa internacional de pesquisa colaborativa para sequenciar e entender todos os genes dos seres humanos. A HPG foi declarada completa em Abril de 2003 e deu-nos a incrível capacidade de ler o mapa genético completo do ser humano, tendo iniciado uma nova era da medicina molecular. O GMI é uma iniciativa relativamente nova destinada a desenvolver políticas, recursos e infra-estrutura para apoiar a descoberta e o fabrico de materiais funcionais a um ritmo acelerado, e com custos substancialmente reduzidos. Qual a razão de se referir à iniciativa como um projecto “genoma”? É mais como uma metáfora do que uma analogia directa com o mapa do ADN humano, e deve ser interpretado como sendo um componente crítico da descoberta, desenho e manufactura moderna de materiais que envolvem a integração de uma grande quantidade de dados com origens diversas, desde caracterizações experimentais e análise computacional até experiências em condições realistas. A forma de recolher, organizar, distribuir e usar esses dados com eficiência é um desafio significativo, semelhante ao enfrentado pelo HPG no seu esforço que durou quinze anos. Além disso, os pesquisadores esperam que o impacto a longo prazo do GMI nas investigações de materiais, seja igual ao impacto do HPG na pesquisa biomédica. O GMI foi lançado em 2011 pelo governo americano e envolve várias agências federais, como os Departamentos de Defesa e de Energia, Fundação Nacional de Ciência, Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (NASA na sigla em língua inglesa), Instituto Nacional de Normas e Tecnologia (NIST na sigla em língua inglesa), e muito outros. Quanto ao GMI, os esforços estão a aumentar muito a capacidade de inovar, sendo de considerar o esforço para desenvolver químicas avançadas de baterias para impulsionar a economia de energia limpa, o que requer a descoberta de materiais que ainda não existem. É de entender, que historicamente, tal envolveria o teste de centenas ou milhares de moléculas, mas os pesquisadores puderam aplicar super computadores de alto desempenho, para executar simulações em genomas de materiais e reduzir muito as possibilidades. É de acreditar que durante a próxima década, essas técnicas incorporarão cada vez mais algoritmos de aprendizagem da máquina, bem como novas arquitecturas de computação, como a quântica e os “chips” neuromórficos, que funcionam de forma muito diferente dos computadores digitais. As possibilidades desta nova era de inovação são profundamente impressionantes. A revolução digital, apesar de todos os seus encantos, teve um impacto económico bastante limitado, em comparação com tecnologias anteriores, como a electricidade e o motor de combustão interna. As tecnologias da informação, mesmo actualmente, representam apenas cerca de 6 por cento do PIB nas economias avançadas. Se compararmos com a manufactura, saúde e energias, que compõem 17 por cento, 10 por cento e 8 por cento do PIB global, respectivamente, pode-se ver como existe muito mais potencial para causar impacto além do mundo digital. Todavia, para capturar esse valor, é preciso repensar a inovação para o nosso século. A tecnologia digital, velocidade e agilidade são os principais atributos competitivos. As técnicas como prototipagem rápida e interacção, aceleraram o desenvolvimento e muitas vezes melhoraram a qualidade, porque se deve entender muito bem as tecnologias subjacentes. As três grandes tecnologias para a próxima década serão a genómica, nanotecnologia e robótica. A tecnologia está a mudar o mundo e o economista americano, Robert Gordon, no seu último livro “The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living since the Civil War”, afirma o oposto e aponta com precisão que a produtividade, que surgiu entre 1920 e 1970, parou desde então, e é provável que assim continue e argumenta, que as tecnologias anteriores, como a electricidade, motor de combustão interna e os antibióticos, tiveram efeitos muito variados, enquanto a tecnologia digital é relativamente diminuta em comparação. É um argumento sério e que pode estar certo, mas não leva em conta outros efeitos importantes. O cientista americano da computação e inventor, Ray Kurzweil, no seu livro “The Singularity Is Near : When Humans Transcend Biology”, declara que o ponto final da tecnologia digital não são os melhores dispositivos e aplicativos, mas as novas tecnologias, como a genómica, nanotecnologia e robótica que estão apenas a começar a ter um impacto, mas na próxima década vão determinar se Robert Gordon está certo ou não. Os engenheiros de “Sillicon Valley” são famosos pelas suas habilidades com códigos de computador. Todavia, o avanço exponencial do poder de computação permitiu que os cientistas começassem a desvendar os mistérios de um enigma ainda mais importante, o código genético e o novo campo da genómica. A primeira área em que está a causar impacto é o cancro. O mapeamento do genoma do cancro está a possibilitar novas terapias, mais direccionadas, que tratam pacientes com base na composição genética do cancro, e não apenas na localização do tumor, como na próstata ou na mama, que combinado com novas imunoterapias, está a dar esperança de que a cura para o cancro pode em breve ser uma realidade. A nova técnica denominada de “Repetições Palindrómicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçada (CRISPR na sigla em língua inglesa)”, permite que os cientistas editem sequências de ADN para, por exemplo, desabilitar genes-chave de um vírus HIV, desactivar outras doenças auto-imunes como a “Esclerose Múltipla” ou reprogramar o ADN de levedura para criar petroquímicos como plásticos. A genómica ainda é uma ciência muito jovem, com pouco mais de uma década de existência, e está apenas a começar a arranhar a superfície, mas as primeiras indicações são de que mudará as concepções sobre o que é possível. Os antibióticos foram verdadeiramente transformadores, mas o seu efeito limitou-se a doenças infecciosas. A genómica tem o potencial de ir muito além. Apenas alguns dias após o Natal de 1959, Richard Feynman subiu ao pódio na reunião anual da “American Physical Society” para dar uma palestra intitulada “Há muito espaço no fundo” e em uma hora falando ao nível do ensino médio, criou uma nova ciência, denominada de nanotecnologia que está a trazer uma ampla gama de novos materiais físicos, como os “pontos quânticos (QD na sigla em língua inglesa)”, que estão a revolucionar os dispositivos electrónicos, de computadores mais eficientes a televisões mais baratas e nítidas. O grafeno, é outro material de nanotecnologia, que pode ser usado para fazer uma ampla variedade de produtos, desde próteses super-fortes, mas incrivelmente leves, até fios supercondutores. A fim de entender o incrível impacto da nanotecnologia, é preciso analisar apenas uma área, a das células solares. Enquanto a energia solar está a lutar para ser viável, no futuro a nossa energia pode custar cerca de metade do preço actual em dez anos, e apenas um quinto em vinte anos. Devemos considerar que a energia representa cerca de 8 por cento do PIB, e que tem o potencial de causar um grande impacto na produtividade. Durante a maior parte da história, tivemos que nos conformar com os materiais que a natureza nos deu, mas estamos prestes a projectar materiais com as propriedades que desejamos. A genómica, nanotecnologias como pontos quânticos e grafeno só se tornaram viáveis recentemente, não sendo possível prever o que o futuro reserva. Os primeiros robôs industriais atingiram a linha de montagem em uma fábrica da General Motors, em 1961, realizando tarefas como soldagem de corpos e nas décadas que se seguiram, os robôs fizeram uma parte crescente do trabalho de fábrica, mas sempre sós, sendo muito perigosos para rodear as pessoas. As primeiras ATMs foram instalados, em 1969, e os robôs começaram a substituir trabalhadores administrativos em vez de operários e estamos a ver cada vez mais robôs ao nosso redor. O “Da Baxter”, é um robô barato para as pequenas empresas comprarem e seguro para colaborar com trabalhadores. Os robôs “Roomba” podem aspirar de forma inteligente os pisos das casas e os robôs de software que automatizam o planeamento de viagens tornaram-se essenciais à vida. O campo militar é o local privilegiado para entender o futuro da robótica, na qual os Estados Unidos investiram milhares de milhões de dólares, usando onze mil drones e doze mil robôs terrestres para realizar trabalhos como a remoção de bombas e o transporte de equipamentos. Os militares estão a estabelecer vínculos emocionais com os robôs, dando-lhes nomes e arriscando as suas vidas para os salvar, mas também vemos robôs a tornarem-se cada vez mais integrados na vida civil. Os drones estão a ser implantados comercialmente para pesquisar cultivos e a “Amazon” está a planear lançar um serviço de entrega por drones . O “Watson” da IBM está a ajudar médicos a diagnosticar pacientes. À medida que a tecnologia avança, os robôs substituirão cada vez mais os seres humanos como conduzir camiões. Robert Gordon teve um pensamento correcto e excepto por um período relativamente breve no final da década de 1990, vimos pouco benefício mensurável da tecnologia digital. O impacto, certamente nada tem a ver com inovações anteriores, como a electricidade, antibióticos ou motor de combustão interna. Todavia, talvez esteja a ser um pouco rápido para julgar. Faraday inventou o dínamo eléctrico e o motor de combustão interna foi desenvolvido na década de 1870. Ainda assim, o maior impacto ocorreu entre 1920 e 1970. Nesse intervalo de tempo, outras tecnologias, como a direcção, freios, estradas, electrodomésticos e computadores precisavam de ser desenvolvidos. A inovação nunca é um evento único pois requer a descoberta de novos “insights”, engenharia de soluções à volta deles e, em seguida, a transformação de uma indústria. A tecnologia não produz progresso por si, sendo preciso encontrar problemas importantes para resolver e, então, mudar a forma como se trabalha para retirar vantagens. Assim, enquanto os aplicativos de telemóveis adicionam conveniência às nossas vidas, o real impacto da tecnologia digital está à nossa frente, quando tecnologias de segunda ordem são aplicadas a problemas completamente novos. As tecnologias emergentes que estão a surgir, não se criam com a frequência desejada, não sendo possível prototipar rapidamente um computador quântico, uma cura para o cancro ou um material não descoberto. É de atender que existem sérios problemas éticos que envolvem tecnologias como a genómica e inteligência artificial, pois passámos as últimas décadas a aprender e a andar rápido, mas nas próximas décadas, teremos que reaprender a caminhar novamente devagar. Assim, enquanto os “mantras” para a era digital foram a agilidade e ruptura, para esta nova era de exploração e descoberta de inovação, mais uma vez se tornarão proeminentes. É hora de pensar menos sobre “hackaton” e mais sobre como enfrentar os grandes desafios.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA inteligência artificial (II) “Artificial intelligence will reach human levels by around 2029. Follow that out further to, say, 2045, we will have multiplied the intelligence, the human biological machine intelligence of our civilization a billion-fold.” The Age of Spiritual Machines: When Computers Exceed Human Intelligence Ray Kurzweil Se considerarmos o caso de uma grande empresa agrícola que queria implantar a tecnologia da IA para ajudar os agricultores e uma enorme quantidade de dados estava disponível sobre as propriedades do solo, padrões climáticos, colheitas históricas, e o plano inicial era criar um aplicativo de IA que pudesse prever com mais precisão o rendimento futuro das colheitas, mas nas discussões com os agricultores, a empresa aprendeu sobre uma necessidade mais premente. O que os agricultores realmente queriam era um sistema que pudesse fornecer recomendações, em tempo real, sobre como aumentar a produtividade, quais os terrenos e onde cultivar e quanto nitrogénio a usar no solo. A empresa desenvolveu um sistema de IA para fornecer tais conselhos, e os resultados iniciais foram promissores; os agricultores ficaram felizes com o rendimento das colheitas obtido com a orientação da IA. Os resultados desse teste inicial foram então enviados de volta ao sistema para refinar os algoritmos usados. Assim, como na etapa de descoberta, novas técnicas analíticas e de IA podem auxiliar na co-criação, sugerindo novas abordagens para melhorar os processos. O terceiro passo para as empresas é escalonar e depois sustentar a solução proposta. O SEB, por exemplo, implantou originalmente uma versão da “Aida”, internamente, para ajudar os quinze mil trabalhadores do banco, mas depois, implementou o “chatbot” em um milhão de clientes. O último estudo realizado nos Estados Unidos com uma sondagem a centenas de empresas, foram identificadas cinco características dos processos de negócios, que as empresas normalmente desejam melhorar que são a flexibilidade, velocidade, escala, tomada de decisões e personalização. Ao reinventar um processo de negócios, é necessário determinar qual dessas características é central para a transformação desejada, como a colaboração inteligente poderia ser aproveitada para resolvê-lo, e quais os ajustamentos e compensações com outras características do processo seriam essenciais. Os braços “cobot” na Mercedes-Benz, tornam-se uma extensão do corpo do trabalhador e para os executivos da empresa, os processos inflexíveis apresentaram um desafio crescente. Os clientes que maior lucro dava à empresa, vinham a exigir cada vez mais, carroçarias individualizadas da classe S, mas os sistemas de montagem não conseguiam oferecer a personalização que as pessoas queriam. A fabricação de automóveis, tradicionalmente, tem sido um processo rígido com etapas automatizadas, executadas por robôs “pouco inteligentes”. A fim de melhorar a flexibilidade, a Mercedes substituiu alguns desses robôs por “cobots” com IA, e redesenhou os seus processos em torno de colaborações entre seres humanos e máquinas. Os braços robotizados, na fábrica da empresa, perto de Estugarda, guiados por trabalhadores pegam e colocam peças pesadas, tornando-se uma extensão do corpo do trabalhador. O sistema coloca o trabalhador no controlo da construção de cada carro, fazendo menos trabalho manual e mais um trabalho de pilotagem com o robô. As equipas de máquinas humanas da empresa podem adaptar-se rapidamente. Os “cobots” na fábrica, podem ser reprogramados facilmente com um “tablet”, permitindo que trabalhem em tarefas diferentes, dependendo das alterações no fluxo de trabalho. Tal agilidade, permitiu que o fabricante atingisse níveis sem precedentes de personalização. A Mercedes pode individualizar a produção de veículos de acordo com as escolhas em tempo real que os consumidores fazem nas concessionárias, alterando tudo, desde os componentes do painel do veículo até à pele do assento ou às tampas das válvulas dos pneus, e como resultado, não existem dois carros iguais a sair da linha de montagem da fábrica na Alemanha. Algumas empresas estão a usar a IA para descobrir incógnitas desconhecidas nos seus negócios. A “GNS Healthcare (GNS)” é uma empresa privada de análise de dados, sediada em Cambridge, nos Estados Unidos, que aplica “software” de aprendizagem de máquinas para encontrar relações negligenciadas, entre os dados nos registos de saúde dos pacientes e em outros locais. O “software” depois de identificar um relacionamento, elabora várias hipóteses para explicá-lo e, em seguida, sugere quais delas são mais prováveis. Tal abordagem, permitiu que o GNS descobrisse uma nova interacção medicamentosa escondida em anotações de pacientes não estruturados, não se tratando de uma peneira de dados para encontrar associações, pois a plataforma de aprendizagem de máquinas não vê apenas padrões e correlações nos dados. É de considerar que para algumas actividades de negócios, o prémio está na velocidade e uma dessas operações é a detecção de fraudes com cartões de crédito. As empresas têm apenas alguns segundos para determinar se devem aprovar uma determinada transacção. Se for fraudulenta, provavelmente terão que repor essa perda, mas se negarem uma transacção legítima, perdem a taxa da compra e irritam o cliente. O “The Hongkong and Shanghai Banking Corporation (HSBC)”, como a maioria dos grandes bancos, desenvolveu uma solução baseada em IA que melhora a velocidade e a precisão da detecção de fraudes. A IA monitora e marca milhões de transacções diariamente, usando dados sobre o local de compra e o comportamento do cliente, endereços IP e outras informações para identificar padrões subtis que sinalizam possíveis fraudes. O HSBC implementou pela primeira vez o sistema nos Estados Unidos, reduzindo significativamente a taxa de fraudes e falsos positivos não detectados e, em seguida, implementou-o no Reino Unido e na Ásia. Um sistema de IA diferente usado pelo Danske Bank melhorou a sua taxa de detecção de fraudes em 50 por cento e diminuiu os falsos positivos em 60 por cento. A redução no número de falsos positivos, liberta os investigadores para concentrar os seus esforços em transacções equívocas, que a IA sinalizou, onde o julgamento humano é necessário. A luta contra a fraude financeira é como uma corrida armamentista, pois uma melhor detecção conduz a criminosos mais perigosos, levando por conseguinte a uma melhor detecção, que continua o ciclo. Assim, os algoritmos e modelos de pontuação para combater fraudes têm uma vida útil muito curta e exigem actualização contínua. Além disso, diferentes países e regiões usam modelos diferentes e por essas razões, legiões de analistas de dados, profissionais de “Tecnologia de Informação (TI)” e especialistas em fraudes financeiras são necessárias no sistema de meios de ligação entre os seres humanos e as máquinas, para manter o “software” na dianteira dos criminosos. A baixa escalabilidade, para muitos processos de negócios, é o principal obstáculo para a melhoria e é particularmente verdadeiro em processos que dependem de trabalho humano intensivo com assistência mínima da máquina. É de considerar, por exemplo, o processo de recrutamento de trabalhadores da “Unilever” que é uma multinacional britânica-neerlandesa de bens de consumo, que estava à procura de uma forma de diversificar a sua força de trabalho de cento e setenta mil pessoas. Os recursos humanos da empresa, determinaram que precisavam de se concentrar em contratações de nível básico e, de seguida, contratar o melhor para a gestão, mas os processos existentes na empresa não foram capazes de avaliar potenciais candidatos em número suficiente, ao mesmo tempo que davam atenção individual a cada aspirante para garantir uma população diversificada de talentos excepcionais. A “Unilever” combinou recursos humanos e de IA para dimensionar a contratação individualizada, e na primeira fase do processo de inscrição, os candidatos são convidados a brincar com jogos “on-line” que ajudam a avaliar características como a aversão ao risco. Os jogos não têm respostas certas ou erradas, mas ajudam a IA da “Unilever”, a descobrir quais os indivíduos que podem ser mais adequados para uma determinada posição. Os candidatos, na fase seguinte, são convidados a enviar um vídeo em que respondem a perguntas específicas, para a posição em que estão interessados. As suas respostas são analisadas por um sistema de IA, que considera não apenas o que dizem, mas também a sua linguagem corporal e tom de voz. Os melhores candidatos dessa fase, conforme o decidido pela IA, são então convidados à “Unilever” para realizarem entrevistas pessoais, após as quais os seres humanos tomam as decisões finais de contratação. É muito cedo para dizer se o novo processo de recrutamento resultou na contratação dos melhores trabalhadores. A empresa tem acompanhado de perto o sucesso dessas contratações, mas ainda são necessários mais dados. É claro, no entanto, que o novo sistema ampliou enormemente a escala do recrutamento da “Unilever”, em parte, porque os candidatos a emprego podem ter acesso facilmente ao sistema por “smartphone”. O número de candidatos duplicou para trinta mil em um ano, o de universidades representadas subiu de oitocentas e quarenta para duas mil e seiscentas, e a diversidade socioeconómica das novas contratações aumentou. Além disso, o tempo médio entre a aplicação e a decisão de contratação, baixou de quatro meses para apenas quatro semanas, enquanto o tempo que o pessoal que recruta a fazer a revisão dos aplicativos baixou 75 por cento. O facto de fornecer aos trabalhadores informações e orientações personalizadas, a IA pode ajudá-los a tomar melhores decisões, que pode ser especialmente valioso para os trabalhadores, pois onde fazer a escolha certa tem um enorme impacto. É de considerar a forma pela qual a manutenção de equipamentos está a ser aprimorada com o uso de “gémeos digitais”, que são modelos virtuais de equipamentos físicos, ou cópias elaboradas das linhas de produção. A “General Electric (GE)” constrói esses modelos de “software” das suas turbinas e outros produtos industriais e actualiza-os continuamente, com a transmissão de dados operacionais do equipamento. Ao recolher leituras de um grande número de máquinas, a GE acumulou uma grande quantidade de informações sobre o desempenho normal e aberrante. O seu aplicativo “Predix”, que usa algoritmos de aprendizagem da máquina, pode prever quando uma peça específica em uma máquina pode falhar. A tecnologia mudou fundamentalmente o processo decisivo de manutenção de equipamentos industriais. A “Predix” pode, por exemplo, identificar algum desgaste inesperado do rotor, em uma turbina, verificar o histórico operacional da turbina, informar que o dano quadruplicou nos últimos meses e avisar que, se nada for feito, o rotor perderá cerca de 70 por cento da sua vida útil. O sistema pode, então, sugerir acções apropriadas, tendo em consideração a condição actual da máquina, o ambiente operacional e os dados agregados sobre os danos e reparações semelhantes em outras máquinas. A “Predix” conjuntamente, com as suas recomendações, pode gerar informações sobre os custos e benefícios financeiros e fornecer um nível de confiança (por exemplo, de 95 por cento) para as hipóteses usadas na sua análise. Os trabalhadores sem o “Predix” teriam sorte de descobrir o dano do rotor em uma verificação de manutenção de rotina. É possível que não seja detectado até que o rotor falhe, resultando em uma interrupção custosa. Os funcionários de manutenção, com a “Predix” são alertados sobre possíveis problemas antes de se tornarem sérios, e têm as informações necessárias na ponta dos dedos para tomar boas decisões, que por vezes podem economizar milhões de dólares à GE. A questão da personalização é importante, pois fornecer aos clientes experiências de marcas personalizadas individualmente é o santo graal do marketing e com a IA, essa personalização pode ser alcançada com precisão inimaginável e em larga escala. É de pensar como o serviço de “streaming” de música “Pandora” usa algoritmos de IA para criar listas de reprodução personalizadas para cada um dos seus milhões de utilizadores de acordo com suas preferências em músicas, artistas e géneros, ou se considerarmos a “Starbucks”, que, com a permissão dos clientes, usa a IA para reconhecer os seus dispositivos móveis, e ter acesso ao seu histórico de pedidos para ajudar a fazer recomendações de serviços. A tecnologia da IA faz melhor, analisando e processando grandes quantidades de dados para recomendar certas ofertas ou acções, que não é possível ao ser humano, A “Carnival Corporation”, é a maior empresa de viagens de lazer do mundo, que oferece aos viajantes férias extraordinárias com um valor excepcional, com uma frota de cento e dois navios que visitam mais de setecentos portos em todo o mundo, e está a aplicar a IA para personalizar a experiência de cruzeiro para milhões de turistas, através de um dispositivo “wearable” chamado “Ocean Medallion” e uma rede que permite que dispositivos inteligentes se conectem. A máquina processa dinamicamente os dados que fluem do medalhão e dos sensores e sistemas em todo o navio, para ajudar os hóspedes a tirar o máximo proveito das suas férias. O medalhão agiliza os processos de embarque e desembarque, rastreia as actividades dos hóspedes, simplifica a compra conectando os seus cartões de crédito ao dispositivo, e actua como uma chave, como também se conecta a um sistema que antecipa as preferências dos hóspedes, ajudando os membros da equipa a oferecer um serviço personalizado a cada hóspede, sugerindo roteiros personalizados de actividades e experiências gastronómicas. A questão da necessidade de novas tarefas e talentos, passa por re-imaginar um processo de negócios que envolve mais do que a implementação da tecnologia da IA; também requer um compromisso significativo para desenvolver trabalhadores com habilidades de fusão, ou seja os que permitem que se trabalhe efectivamente no sistema de comunicação homem-máquina. As pessoas, para começar, devem aprender a delegar tarefas à nova tecnologia, como os médicos confiam nos computadores para ajudar na leitura de raios X e ressonância magnética. Os trabalhadores também devem saber combinar as suas habilidades humanas distintas, com as de uma máquina inteligente para obter um resultado melhor do que qualquer um poderia alcançar só, como na cirurgia assistida por robô. Os trabalhadores devem ser capazes de ensinar novas habilidades aos agentes inteligentes e passar por formação para trabalhar bem nos processos aprimorados por IA. Assim, por exemplo, devem saber a melhor forma de formular perguntas a um agente de IA para obter as informações de que precisam. É de esperar que, no futuro, as funções da empresa sejam redesenhadas ao redor dos resultados desejados dos processos reinventados, e as empresas sejam cada vez mais organizadas ao redor de diferentes tipos de habilidades, e não à volta de dísticos de trabalho rígidos. A “AT&T” iniciou essa transição ao mudar de serviços de rede telefónica fixa para redes móveis e começa a treinar cem mil trabalhadores para novas colocações. A empresa, como parte desse esforço, reformulou completamente seu organograma, e aproximadamente, dois mil empregos foram simplificados em um número muito menor de categorias abrangentes, englobando habilidades similares. Algumas dessas habilidades são o que se pode esperar (por exemplo, proficiência em ciência e disputas de dados), enquanto outras são menos óbvias (por exemplo, a capacidade de usar ferramentas simples de aprendizagem da máquina para serviços de venda cruzada). A maioria das actividades no sistema de comunicação homem-máquina, exige que as pessoas façam coisas novas e diferentes (como treinar um “chatbot”) e façam de forma diferente (usar esse “chatbot” para fornecer um melhor atendimento ao cliente). Actualmente, apenas um pequeno número de empresas começou a re-imaginar os seus processos de negócios para optimizar a inteligência colaborativa. Mas a lição é clara, pois as organizações que usam máquinas, apenas para deslocar trabalhadores através da automação perderão todo o potencial da IA. Tal estratégia é mal orientada desde o início. Os líderes de amanhã serão aqueles que abracem a inteligência colaborativa, transformando as suas operações, mercados, indústrias e a força de trabalho.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA inteligência artificial (I) “Artificial intelligence (AI) is taking an increasingly important role in our society. From cars, smartphones, airplanes, consumer applications, and even medical equipment, the impact of AI is changing the world around us. The ability of machines to demonstrate advanced cognitive skills in taking decisions, learn and perceive the environment, predict certain behavior, and process written or spoken languages, among other skills, makes this discipline of paramount importance in today’s world. Although AI is changing the world for the better in many applications, it also comes with its challenges.” Artificial Intelligence: Emerging Trends and Applications Marco Antonio Aceves-Fernandez [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] inteligência artificial (IA) está a tornar-se benéfica em muitas actividades humanas, ao diagnosticar doenças, traduzir idiomas e fornecer atendimento ao cliente, entre muitas outras. A situação está a melhorar rapidamente, fazendo criar razoáveis receios de que a IA acabará por substituir os trabalhadores em toda a economia. Mas esse não é o resultado inevitável ou o mais provável, pois nunca antes as ferramentas digitais foram tão receptivas aos seres humanos e estes àquelas. Ainda que a IA altere radicalmente a forma como trabalho é realizado e quem o faz, o maior impacto da tecnologia será complementar e aumentar as capacidades humanas, não substituí-las. É um dado certo que muitas empresas utilizam a IA para automatizar processos, mas são implantadas principalmente para substituir os trabalhadores e verão apenas lucros de produtividade a curto prazo. A última sondagem realizada nos Estados Unidos que envolveu mil e quinhentas empresas, revelou que as empresas alcançam melhorias de desempenho mais significativas, quando os seres humanos e máquinas trabalham conjuntamente. Através dessa inteligência cooperativa, os seres humanos e a IA aumentam activamente os pontos fortes e complementares uns dos outros, como a liderança, trabalho em equipa, criatividade e as habilidades sociais dos primeiros, bem como a velocidade, escalabilidade e as capacidades quantitativas dos últimos. O que é natural para as pessoas pode ser complicado para as máquinas, e o que é simples para as máquinas (analisando gigabytes de dados), permanece praticamente impossível para os seres humanos. Os negócios requerem ambos os tipos de recursos e para aproveitar ao máximo essa colaboração, as empresas precisam de entender como os seres humanos podem efectivamente aumentar a capacidade das máquinas, como as máquinas podem aprimorar o que os seres humanos fazem de melhor, e como redesenhar os processos de negócios para apoiar a parceria. Os seres humanos precisam de desempenhar três papéis cruciais, pois devem treinar máquinas para executar determinadas tarefas; explicar os seus resultados, especialmente quando são contra intuitivos ou controversos; e sustentar o uso responsável de máquinas (evitando, por exemplo, que robôs prejudiquem os seres humanos). Os algoritmos de aprendizagem da máquina devem ser ensinados a executar o trabalho para o qual foram projectados e nesse esforço, enormes conjuntos de dados de treino são acumulados, para ensinar aplicativos de tradução automática para lidar com expressões idiomáticas, aplicativos médicos para detectar doenças e mecanismos de recomendação para apoiar a tomada de decisões financeiras. Além disso, os sistemas de IA devem ser treinados da melhor forma para interagir com os seres humanos. Ainda que as organizações em todos os sectores estejam nos estágios iniciais de preenchimento das funções de instrutor, as principais empresas de tecnologia e grupos de pesquisa contam com equipas de formação e especialização amadurecidas. Se considerarmos a assistente de IA da Microsoft, “Cortana”, deparamos que o “bot” que é uma aplicação de “software” criado para simular acções humanas repetidas vezes de forma padrão, como faria um robô, exigia treino extensivo para desenvolver apenas a personalidade certa, confiante, carinhosa e prestativa, mas não autoritária. Incutir essas qualidades, exigiu incontáveis horas de atenção de uma equipa que incluía um poeta, um romancista e um dramaturgo. É de notar que de igual forma, eram necessários treinadores humanos para desenvolver as personalidades do aplicativo “Siri” (que é uma maneira fácil e rápida de fazer tudo), da “Apple”, e da “Alexa” da “Amazon”, para garantir que reflectissem com precisão as marcas das suas empresas. A “Siri”, por exemplo, tem apenas um toque de inconveniência, como os consumidores podem esperar da “Apple”. Os assistentes de IA estão a ser treinados para exibir características humanas ainda mais complexas e subtis, como a simpatia. O “start-up” “Koko”, um desdobramento do “MIT Media Lab”, desenvolveu uma tecnologia que pode ajudar os assistentes da IA a parecerem solidários, como por exemplo, se um utilizador está a ter um dia mau, o sistema “Koko” não responde de forma automática, como “sinto muito ouvir tal situação”, mas ao invés pode pedir mais informações e depois oferecer conselhos para ajudar a pessoa. Há que ver os problemas sob uma luz diferente e se estiver a sentir “stress”, o sistema recomendaria pensar na tensão, como uma emoção positiva que poderia ser canalizada para a acção. À medida que as IAs chegam cada vez mais a conclusões por meio de processos que são opacos (o chamado problema da caixa-preta), exigem especialistas humanos no terreno para explicar o seu comportamento a utilizadores não especialistas. Os explicadores são particularmente importantes em indústrias baseadas em evidências, como leis e medicina, onde um profissional precisa de entender, como uma IA pesou todo o que é disponível para o uso e desenvolvimento da vida humana em uma sentença ou recomendação médica. Os explicadores, são igualmente importantes, para ajudar as seguradoras e a polícia a entenderem porque razão um automóvel, realizou acções que levaram a um acidente, ou não conseguiu evitá-lo. E os explicadores estão a tornar-se parte integrante de sectores regulados, em qualquer indústria voltada para o consumidor, onde a produção de uma máquina poderia ser desafiada como injusta, ilegal ou simplesmente errada, como por exemplo menciona o “Regulamento 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho”, que é o novo “Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados (RGPD)” da “União Europeia (UE)”, que estabelece as regras relativas ao tratamento, por uma pessoa, ou organização, de dados pessoais relativos a pessoas na UE. O RGPD concede aos consumidores o direito de receber uma explicação para qualquer decisão baseada em algoritmos, como a oferta de tarifa em um cartão de crédito ou hipoteca. Esta é uma área onde a IA contribuirá para o aumento do emprego, dado que os especialistas estimam que as empresas terão que criar cerca de setenta e cinco mil novos empregos para administrar os requisitos do GDPR. Além de ter pessoas que podem explicar os resultados da IA, as empresas precisam de sustentadores, ou seja funcionários que trabalham continuamente para garantir que os sistemas de IA estejam a funcionar de forma adequada, segura e responsável. A IA pode impulsionar as nossas habilidades analíticas e de tomada de decisão, bem como aumentar a criatividade, como por exemplo, um conjunto de especialistas, às vezes chamados de engenheiros de segurança, quando se concentram para antecipar e tentar evitar danos causados por IAs. Os desenvolvedores de robôs industriais que trabalham ao lado das pessoas, prestaram cuidadosa atenção para garantir que reconheçam os seres humanos por perto e não os ponham em perigo. Tais especialistas, também, podem rever a análise dos explicadores quando as IAs causam danos, como quando um carro autónomo está envolvido em um acidente fatal. É de considerar que outros grupos de sustentadores garantem que os sistemas de IA mantenham as normas éticas. Se um sistema de IA para aprovação de crédito, por exemplo, for discriminatório contra pessoas em determinados grupos, esses gerentes de ética são responsáveis por investigar e resolver o problema. Os responsáveis pela conformidade de dados, desempenhando um papel semelhante, tentam garantir que os dados que alimentam os sistemas de IA estejam em conformidade com o GDPR e outras regulamentações de protecção ao consumidor, e um papel relacionado ao uso de dados envolve garantir que as IAs façam a gestão das informações com responsabilidade. A “Apple”, como muitas empresas de tecnologia, usa a IA para recolher detalhes pessoais sobre os utilizadores quando se envolvem com os dispositivos e “softwares” da empresa. O objectivo é melhorar a experiência do utilizador, mas a recolha de dados irrestrita pode comprometer a privacidade, enfurecer os clientes e entrar em conflito com a lei. As empresas beneficiam da optimização da colaboração entre seres humanos e a IA. É de considerar a existência de cinco princípios que podem ajudar como reimaginar os processos de negócios; abraçar a experiência/envolvimento do funcionário; estratégia de IA activamente directa; recolher dados com responsabilidade e redesenhar o trabalho para incorporar a IA e cultivar as habilidades dos funcionários relacionados com o processo. A última pesquisa realizada nos Estados Unidos com mil e setenta e cinco empresas em doze sectores descobriu que quanto mais adoptadas por essas empresas, melhores são as iniciativas de IA, realizadas em termos de velocidade, redução de custos, receitas ou outras medidas operacionais. As máquinas inteligentes estão a ajudar os seres humanos a expandir as suas habilidades de três formas, pois podem ampliar as nossas forças cognitivas; interagir com clientes e funcionários para nos libertar para tarefas de alto nível e incorporar habilidades humanas para alargar as nossas capacidades físicas. A inteligência artificial pode impulsionar as nossas habilidades analíticas e de tomada de decisão, fornecendo as informações certas no momento correcto, mas também podem aumentar a criatividade. Se considerarmos o “Dreamcatcher” da “Autodesk” que aumenta a imaginação de desenhadores excepcionais, deparamos que um desenhador fornece ao “Dreamcatcher” critérios sobre o produto desejado, por exemplo, uma cadeira capaz de suportar até centro e trinta quilogramas, com um assento de quarenta e cinco centímetros de altura, feita de materiais que custam menos de setenta e cinco euros, e assim por diante, e também pode fornecer informações sobre outras cadeiras que considera atraentes. O “Dreamcatcher” produz milhares de desenhos que combinam com esses critérios, muitas vezes criando ideias que o desenhador pode não ter considerado inicialmente, e pode então orientar o “software”, dizendo quais as cadeiras que gosta, levando a uma novo círculo de projectos. Ao longo do processo interactivo, o “Dreamcatcher” realiza os diversos cálculos necessários para garantir que cada projecto proposto atenda aos critérios especificados. Tal, liberta o projectista para se concentrar na implantação de forças exclusivamente humanas, como o julgamento profissional e a sensibilidade estética. A colaboração homem-máquina, permite que as empresas interajam com funcionários e clientes de formas novas e mais eficazes. Os agentes de IA como a “Cortana”, por exemplo, podem facilitar a comunicação entre pessoas ou em nome de pessoas, como transcrever uma reunião e distribuir uma versão de voz pesquisável para aqueles que não puderam comparecer. Tais aplicativos são inerentemente escalonáveis, pois um único “chatbot” (é um programa de computador que tenta simular um ser humano na conversação com as pessoas), por exemplo, pode fornecer serviço de rotina ao cliente para um grande número de pessoas simultaneamente, onde quer que se encontrem. O “Skandinaviska Enskilda Banken (SEB)”, um dos principais bancos suecos usa um assistente virtual chamado “Aida” para interagir com milhões de clientes. O “Aida” tem a capacidade para trabalhar com conversas em linguagem natural, com acesso a vastos repositórios de dados e pode responder a muitas perguntas feitas frequentemente, como abrir uma conta ou fazer pagamentos internacionais, bem como também pode fazer perguntas de acompanhamento aos telespectadores para resolver os seus problemas, e é capaz de analisar o tom de voz de um chamador (por exemplo, frustrado versus apreciativo) e usar essa informação para fornecer um serviço melhor posteriormente. Se o sistema não conseguir resolver um problema, o que acontece em cerca de 30 por cento das situações, encaminha o interlocutor para um representante humano de atendimento ao cliente, e monitora essa interacção para aprender a resolver problemas semelhantes no futuro, e com o “Aida” a trabalhar com os pedidos básicos, os representantes humanos podem concentrar-se em abordar questões mais complexas, especialmente, as de interlocutores infelizes que podem precisar de apoio extraordinário. É de entender que muitas IAs, como o “Aida” e a “Cortana”, existem principalmente como entidades digitais, mas em outras aplicações, a inteligência é incorporada em um robô que dá mais-valia a um trabalhador humano. Os motores e actuadores com os seus sofisticados sensores, as máquinas habilitadas por IA, podem reconhecer pessoas e objectos e trabalhar com segurança ao lado dos seres humanos em fábricas, armazéns e laboratórios. Os robôs na fabricação, por exemplo, estão a evoluir de máquinas industriais potencialmente perigosas e “tolas” para “cobots” inteligentes e sensíveis ao contexto. Um braço “cobot” pode, por exemplo, trabalhar com acções repetitivas que exigem tarefas pesadas, enquanto uma pessoa realiza funções complementares que exigem destreza e julgamento humano, como a montagem de um motor da engrenagem. A “Hyundai” está a ampliar o conceito de “cobot” com exoesqueletos. Esses dispositivos robóticos vestíveis, que se adaptam ao utilizador e à localização em tempo real, permitirão que os trabalhadores industriais executem os seus trabalhos com resistência e força sobre-humanas. A fim de obter o máximo de valor da IA, as operações precisam ser redesenhadas e para o fazer, as empresas devem primeiro descobrir e descrever uma área operacional que possa ser melhorada. Pode ser um processo interno desajeitado (como a lentidão dos RHs para preencher vagas de pessoal), ou pode ser um problema anteriormente intratável que pode ser resolvido usando IA (como identificar rapidamente reacções adversas a medicamentos em multidões de pacientes). Além disso, uma série de novas técnicas analíticas avançadas e de IA, podem ajudar a detectar problemas anteriormente invisíveis passíveis de soluções de IA. As empresas, de seguida, devem desenvolver uma solução por meio da co-criação, fazendo que as partes interessadas visualizem como podem colaborar com sistemas de inteligência artificial para melhorar um processo.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesAs eleições turcas [dropcap style=’circle’] O [/dropcap] presidente Recep Tayyip Erdogan da Turquia acabou por ganhar a reeleição, e um conjunto perigoso de novos poderes, a 24 de Junho de 2018. O acontecimento não constituiu surpresa, e tornou-se o presidente mais poderoso da história da Turquia. A Turquia que vive no meio de uma generalizada repressão e com uma economia enfraquecida, a sua aliança conquistou a maioria parlamentar. O ex-primeiro-ministro, foi eleito presidente em 2014 e, após um golpe fracassado em 2016, persuadiu os eleitores a mudar a Constituição. A eleição sinalizou uma nova era para a Turquia, um país central na Europa e no Médio Oriente. A reeleição de Erdogan como presidente, em teoria, concede-lhe poderes arrebatadores que nunca exerceu antes e por causa das mudanças na constituição turca realizadas em 2017, o presidente, e não o primeiro-ministro, será o chefe formal do governo turco. O presidente Erdogan pode nomear ministros, emitir decretos, fazer nomeações cruciais no poder judicial e autorizar investigações de funcionários públicos. A natureza do papel do presidente mudará pouco, na prática, dado que exercia informalmente muito mais poder do que a sua posição tecnicamente permitia. O presidente, por exemplo, lidera as reuniões do gabinete desde 2015, embora essa seja geralmente a prerrogativa do primeiro-ministro. É sabido que poucos juízes se atreveram a emitir julgamentos desfavoráveis a Erdogan, particularmente, desde o início de uma depuração do poder judicial que levou à demissão de cerca de um quarto de todos os juízes, desde 2016 e nada tem de revolucionário, mas uma codificação e solidificação de algo que está em andamento há uma década. Tendo mais de 86 por cento dos turcos participantes, a votação foi considerada livre. Mas os observadores internacionais afirmam que ocorreu em circunstâncias que claramente favoreceram Erdogan. O controlo da média estatal e a sua influência sobre a maioria dos estabelecimentos privados, deram-lhe uma vantagem notável, segundo observadores eleitorais da “Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE)”, que é uma organização de países do Ocidente, dirigida à promoção da democracia e do liberalismo económico na Europa. A maioria dos candidatos da oposição recebeu apenas alguns minutos de cobertura das emissoras estatais, em comparação com centenas de horas destinadas a Erdogan. É sabido que um dos principais competidores de Erdogan, Selahattin Demirtas, de etnia curdo-zaza e co-líder do partido esquerdista “Partido Democrático dos Povos” foi forçado a conduzir a sua campanha da prisão, porque tinha sido preso por acusações politizadas há quase dois anos, conjuntamente com vários dos seus legisladores e desde que a eleição aconteceu sob estado de emergência, severas restrições afectaram a capacidade da oposição de realizar comícios e protestos. O total de supostos dissidentes presos nos últimos dois anos ascendia a mais de cem mil, bem como um número semelhante de demitidos ou suspensos dos seus empregos estatais. A campanha teve lugar, em um clima de medo descrito por organizações defensoras dos direitos humanos, no meio de uma repressão que se seguiu ao fracassado golpe militar de 2016. As recentes intervenções económicas de Erdogan ajudaram a causar uma perda no valor da lira, e o problema da moeda poderá piorar desde que voltou ao poder. O presidente turco, durante a maior parte do seu tempo no poder, tinha uma reputação de deter uma forte administração económica, em parte por causa do crescimento económico espectacular, sob a sua vigilância durante os anos 2000, mas a sua notoriedade económica enfraqueceu, em Maio de 2018, quando ameaçou tomar maior controlo do Banco Central da Turquia se fosse reeleito, uma medida que assustou os investidores, fez a lira cair e o preço dos alimentos subir. É interessante notar que os eleitores não o conseguiram punir pela sua intervenção, e assim, pode-se sentir encorajado a cumprir a sua promessa que seria um desastre para a lira, inflação e os pagamentos de dívidas como um investimento, pelo que se irá assistir a uma enorme crise económica de uma forma ou de outra. A vitória de Erdogan é problemática para os aliados da Turquia na Europa e nos Estados Unidos. Quando chegou ao poder pela primeira vez em 2003, aproximou a Turquia da Europa, acelerando as negociações de adesão com a União Europeia, e procurou um acordo histórico com a minoria curda do país. Mas, para manter o apoio dos eleitores nacionalistas nos últimos anos, elegeu cada vez mais contendas com os políticos europeus, liderou uma campanha de repressão em áreas curdas e para a frustração dos Estados Unidos, aproximou-se cada vez mais do presidente russo. Tais dinâmicas provavelmente serão agravadas pelo resultado das eleições. A vitória de Erdogan foi em parte o resultado da sua aliança com um partido de extrema-direita, o “Partido do Movimento Nacionalista”, com visões anti-ocidentais e anti-curdas que o presidente deve continuar a acomodar. A vitória de Erdogan também é uma má notícia para as forças curdas sírias, apoiadas pelos americanos, que construíram um enclave independente no norte da Síria, ao longo da fronteira sul da Turquia, que o presidente considera uma ameaça à segurança turca. Encorajado pela sua vitória, Erdogan pode não ver razão para abandonar a sua estratégia de expulsar os curdos sírios das principais áreas do norte da Síria. A actuação invulgarmente espirituosa da oposição em circunstâncias tão duras é um bom presságio no futuro, ou destaca a futilidade de concorrer contra Erdogan em circunstâncias tão tendenciosas. O mais próximo rival de Erdogan na corrida presidencial, Muharrem Ince, membro do “Partido Republicano do Povo”, recebeu aplausos por participar de uma campanha inclusiva e agressiva, e pode ter força suficiente para iniciar um novo movimento. A Turquia está fortemente polarizada, mas Muharrem Ince está interessado em alcançar os curdos e os conservadores religiosos, e se jogar bem suas cartas, poderá ser o homem para o futuro. Todavia, outros analistas foram mais pessimistas e questionaram se a oposição deveria continuar a legitimar um sistema fraudulento participando das eleições. Se as liberdades civis básicas e as regras fundamentais de direito não forem respeitadas, não devem contribuir para a ilusão de que a Turquia é uma democracia real. É hora de considerarem se querem continuar a facilitar o “status quo”, na esperança de que em algum momento, novas realidades surjam, ou chamar a atenção para a forma como essas normas democráticas foram esvaziadas. Após as eleições presidenciais, Erdogan afirmou que “parecia que a Turquia lhe tinha confiado o dever da presidência, que seria uma responsabilidade muito grande na legislatura e que o vencedor era a Turquia, a nação turca e todas as pessoas lesadas da região, bem como todos os oprimidos do mundo”. O presidente manteve o poder na Turquia por quinze anos, primeiro como primeiro-ministro de 2003 a 2014, e depois como presidente, cargo que ocupa desde 2014. O presidente turco também tudo fez para preservar o seu poder, pois silenciou os seus adversários, prendeu dezenas de jornalistas, alterou a constituição e sobreviveu a um golpe militar fracassado, em 2016, que tentou expulsá-lo do poder. As eleições de 24 de Junho de 2018, que ganhou com 52,4 por cento dos votos, veio com alegações de que o partido de Erdogan é corrupto. O presidente derrotou Muharrem Ince, que conseguiu obter 30,6 por cento dos votos. Erdogan está mais preparado que nunca para exercer o poder. O presidente da Turquia costumava ter um papel primordialmente cerimonial, enquanto o país era governado principalmente por um primeiro-ministro em uma democracia parlamentar. Mas tudo mudou, a 26 de Abril de 2017, quando o referendo constitucional liderado pelo partido de Erdogan anulou a estrutura governamental existente e aboliu o papel de primeiro-ministro, abrindo o caminho para o líder turco ampliar os limites do seu poder. O presidente provavelmente permanecerá na presidência até 2023. E se for reeleito, poderá permanecer no poder até 2028. Tal, é um golpe para os seus críticos, activistas de direitos humanos e potencialmente preocupante para a região. O presidente permanece relativamente popular na Turquia, entre os cidadãos turcos, dados os seus métodos de decisão não convencionais. É um dos motivos, o facto de ter reforçado a integração de mais ensinamentos islâmicos nas escolas públicas. A Turquia é tecnicamente um país secular, mas a maioria da sua população é muçulmana, e as suas reformas educacionais ganharam o apoio moderado do “Partido da Justiça e Desenvolvimento Islâmico”, ou do “AK Party”. O presidente também promulgou reformas económicas significativas na Turquia há vários anos, o que melhoraram a prosperidade do país na época. O seu partido político, o “AK” ganhou o poder em 2002, e entre 2002 e 2006, a economia turca expandiu-se a uma taxa anual de 7,2 por cento. A situação não é tão boa nos últimos anos, e a Turquia tem vindo a passar por turbulências económicas, mas apesar disso, o presidente ainda tem boa reputação quando se trata de reforma económica, pois o povo vive dos sucessos do seu passado, e a sua vitória também pode ser explicada pela sua postura antiterrorista. O líder turco há muito afirmou que era necessário, um governo central forte para afastar as ameaças de terrorismo e manter uma nação estável, conquistando assim, com sucesso os cidadãos turcos com a sua convincente narrativa de que a Turquia está sob ameaça em várias direcções, incluindo o terrorismo, e que Erdogan está a proteger o povo, tomando as medidas necessárias para combatê-la. O seu controlo sobre o país não se circunscreve à presidência. Ainda que o governo, tenha mudado para um sistema presidencial executivo, a Turquia ainda tem um parlamento. O partido de Erdogan e o partido nacionalista concordaram em fazer uma aliança, assegurando uma maioria no parlamento, o que significa basicamente que, enquanto puder preservar o apoio do partido nacionalista, Erdogan possui um poder legislativo ainda maior. Mas também é importante notar que a vitória do presidente terá um impacto além da política interna, devido à localização geográfica e à importância regional da Turquia. A vitória de Erdogan terá um impacto sobre o resto da região, e o mundo e um exemplo, é a Síria, que faz fronteira com a Turquia. O país está actualmente atolado em um sangrento conflito de sete anos, e a Turquia tem sido um dos principais financiadores das forças de oposição da Síria. A Turquia enviou tropas para a região devastada pela guerra nos últimos anos, liderou ataques aéreos contra alvos do Estado Islâmico e combateu grupos curdos apoiados pelos Estados Unidos, que a Turquia considera terroristas. A Turquia também abriga actualmente três milhões e quinhentos mil refugiados, a maioria dos quais fugiu da Síria, segundo a “Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR na sigla inglesa)”. Durante o seu primeiro discurso após a vitória presidencial, Erdogan disse que a Turquia continuaria a combater o terrorismo para libertar as terras sírias, para que os refugiados possam retornar em segurança. A última vitória de Erdogan também pode prejudicar o relacionamento da Turquia com a “Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)”. Ainda que a Turquia, seja um dos membros mais antigos da OTAN, tenha cooperado com os seus parceiros ocidentais, a crescente relação de Erdogan com o presidente russo, poderá ser um poço de complicações. O presidente teria comprado um avançado sistema de defesa antimísseis russo e planeia trazer um reactor nuclear russo para a Turquia. A vitória de Erdogan abre a porta para exercer mais poder do que nunca, o que certamente terá um impacto significativo na Turquia e na região nos próximos anos.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA ameaça das armas biológicas [dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap]s países estão preparados para a crescente ameaça das bio-armas artificiais? Face aos actuais surtos de Ébola na República Democrática do Congo e do vírus Nipah na Índia, uma ameaça ainda mais assustadora se aproxima. Os pesquisadores recriaram um vírus extinto, semelhante à varíola com o ADN comprado “on-line” por apenas cem mil dólares, em 2017. O seu sucesso aumenta a preocupação de que regimes e terroristas desonestos possam, similarmente, modificar ou projectar patógenos e usá-los como armas. O físico Ashton Baldwin Carte, que serviu como Secretário de Defesa dos Estados Unidos no governo do presidente Barack Obama alertou para o facto de que tal artilharia biológica poderia vir a rivalizar com o poder destrutivo das armas nucleares. Se um agente altamente contagioso fosse solto em uma grande cidade, poderia espalhar-se por toda a parte e matar milhares de pessoas, antes de se descobrir o que estava a acontecer. A capacidade para responder de forma eficaz a essas ameaças exigirá uma mudança de paradigma para abordagens mais rápidas, ágeis e descentralizadas do que as existentes actualmente. A acessibilidade de baixo custo e “faça for si” das tecnologias genómicas, torna possível que tais armas sejam criadas e implantadas por qualquer agressor. Mesmo as pequenas mudanças são suficientes para produzir efeitos perigosos, pois uma única mutação foi necessária para transformar o vírus da Zika de uma infecção relativamente rotineira, em outra que pudesse causar danos cerebrais em recém-nascidos. O facto de que não haveria forma de saber quem desencadeou tal ataque, também reduz potencialmente o limite para o seu uso. Os criminosos podem até projectar e libertar vários patógenos mortais ao mesmo tempo, dificultando a capacidade dos governos de responder e espalhar a confusão. Após o agente patógeno ser lançado, provavelmente existiria um curto período de tempo de apenas algumas semanas para evitar que causasse uma catástrofe global. Tal requer o controlo da transmissão, de modo que cada pessoa infectada contamine em média, menos de uma pessoa, fazendo que a epidemia pare e comece a diminuir. O historial recente contra epidemias que ocorrem naturalmente, no entanto, é preocupante e fazer mais do que se está a fazer com os meios disponíveis, não será suficiente para impedir que agentes com planos projectados se espalhem e matem mais rapidamente. Os actuais esforços de resposta dependem do desenvolvimento de vacinas, sistemas terapêuticos e de saúde que centralizem a capacidade de diagnóstico, isolamento e tratamento em hospitais. As vacinas e terapias, no entanto, levam anos para se desenvolverem e alguns patógenos, como o HIV e a malária, desenvolvem formas de iludir a imunidade ou abrigar resistências que dificultam a sua erradicação, mesmo quando o tempo e os recursos não são limitados. Vivemos em uma era de biologia sintética, armas biológicas codificadas com tais características evasivas, que podem ser criadas mais rapidamente do que vacinas e terapias para combatê-las. As inovações, como plataformas de vacinas sintéticas e anticorpos monoclonais, poderiam permitir uma implantação mais rápida, mas mesmo no melhor dos casos levaria meses, o que seria demasiado tempo para possibilitar contágios que duplicam em algumas semanas, e são difíceis de controlar quando estão disseminados. Sem vacinas e terapias, é usado o rastreamento de contacto para despistar e isolar pessoas infectadas, para evitar que exponham outras pessoas e fornecer-lhes cuidados de suporte, como fluidos intravenosos, para aumentar as suas possibilidades de sobrevivência, mas essa capacidade está concentrada em hospitais, que, mesmo em países de alto rendimento, podem rapidamente ser sobrecarregados e também potencialmente, promover a transmissão entre pessoas que neles se aglomeram. Os Estados Unidos têm apenas cerca de cinco mil e quinhentos hospitais, com um total combinado de aproximadamente novecentas mil camas, o suficiente para albergar menos de 0,3 por cento da população. A dar-se um contágio de rápida dispersão poderia preencher essas camas em poucos dias com pacientes infectados, assim como, outras pessoas que temem ter sido expostas e não é necessário ir muito além da época de gripe deste ano, quando até mesmo os Estados Unidos e o Reino Unido enfrentaram escassez de camas hospitalares, profissionais de saúde e bens essenciais, como fluidos intravenosos. Assim, e de igual forma, a capacidade de testes de laboratório foi superada durante a crise do vírus da Zika, quando, mesmo na Florida, muitas mulheres grávidas não puderam fazer o teste. É de prever que em caso de ataques com armas biológicas, pacientes contagiantes que entram em instalações de saúde ou laboratórios comerciais para testes, sobrecarregam essa capacidade e expõem outros que correm para os mesmos locais durante o processo. Tais lacunas não podem ser corrigidas simplesmente com a construção de mais hospitais e laboratórios, que permanecerão sem uso até que haja uma emergência. São necessárias abordagens mais ágeis e descentralizadas, apoiadas por novas tecnologias, que aproximem as funções de diagnóstico e tratamento das pessoas que vivem com menos necessidade de pessoal especializado e infra-estruturas que não podem ser dimensionadas. É de entender que este tipo de abordagem permitiria que os pacientes fossem diagnosticados em casa, na escola, no escritório ou na comunidade e ficassem isolados antes de infectar outras pessoas. As várias plataformas de tecnologia actuais e emergentes (por exemplo, o sistema “Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats [CRISPR na sigla inglesa], ou seja, Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas)”, nanotecnologia, nanoporos e imunoensaios) poderiam melhorar essa capacidade. As plataformas visam detectar qualquer patógeno, incluindo micróbios de engenharia, com precisão a partir de pequenas amostras de sangue e urina, que não requerem técnicos qualificados para recolher ou processar. Os diagnósticos podem evoluir ao ponto de poderem ser usados em “telefones inteligentes (smartphone na palavra inglesa)” ou “computadores portáteis (laptops ou notebooks nas palavras inglesas)”, que permitirão que os pacientes façam a sua varridela e, como detectores de fumaça, monitorizem continuamente o ambiente na procura de ameaças. Além dos diagnósticos, também são necessárias formas mais eficientes de isolamento e capacidade de tratamento. Os hospitais de campanha rapidamente implantáveis, como os usados em zonas de guerra, podem ser rapidamente colocados e, quando a transmissão é amplamente disseminada, as pessoas também podem ficar isoladas nas suas casas. As abordagens de autoteste poderiam ser combinadas com consultas de telemedicina usando tecnologias do tipo “Skype” ou “FaceTime” para avaliar pacientes e serviços semelhantes aos da “Amazon” para medicamentos e tratamentos ao domicilio. As equipas médicas móveis poderiam ser enviadas para visitar pacientes que necessitassem de mais cuidados práticos nas suas casas, enquanto as preciosas camas hospitalares e o risco de transportar pacientes contagiosos poderiam ser reservados para aqueles que realmente necessitam de cuidados intensivos. Assim, essas abordagens ou estratégias e as ferramentas necessárias para a sua implementação devem ser desenvolvidas e preparadas, bem como os avanços tecnológicos que nos levaram ao precipício de uma fusão entre duas das maiores ameaças da humanidade, a doença e a guerra, novos pensamentos e inovações podem ajudar a estarmos preparados para responder de forma eficaz, dado essas ameaças se tornarem uma realidade cada vez mais palpável. Se recuarmos na história deparamos que os verdadeiros inventores da guerra química e biológica foram caçadores que, usavam a fumaça produzida por ramos verdes e relva molhada, e forçavam os animais selvagens a deixar as suas cavernas, sendo também adoptado em ataques contra outros seres humanos. Tendo como fim tornar esses fumos mais eficientes, acrescentavam substâncias diferentes nos incêndios, como resinas vegetais, e gorduras animais e lembremos que é considerada como arma bacteriológica qualquer patógeno (bactéria, vírus ou outro organismo causador de doenças) que é usado como arma de guerra. É o uso de produtos tóxicos não vivos, mesmo que sejam produzidos por organismos vivos (por exemplo, toxinas). A arma biológica pode ser projectada para matar, desactivar ou impedir indivíduos, cidades ou países. A guerra biológica é uma técnica militar que pode ser usada por países ou grupos de pessoas. Se um país a utiliza clandestinamente, também pode ser considerado como bioterrorismo. Os textos de uma antiga seita maçónica falavam que no século V a.C., existiam foles onde era introduzida uma fumaça tóxica feita de sementes de mostarda e outras espécies de plantas. Essa fumaça era introduzida nos túneis que os atacantes cavaram durante os cercos (situações de guerra em que uma área é cercada pelo inimigo, que tenta capturá-lo). Alguns manuscritos chineses ainda mais antigos contêm catálogos com dezenas de receitas para produzir fumaça tóxica, bem como registos desses gases em situações de guerra. Entre estes, por exemplo, fala-se dos “espíritos das armadilhas de névoa” (fumaça com arsénico), ou o cálcio pulverizado, que séculos depois foi usado em 178 d.C. para apaziguar uma revolta camponesa. O ser humano, desde a antiguidade, usou fumaça, gases, vapores, névoas artificiais para irritar o inimigo. O primeiro dano verdadeiro ao trato respiratório ocorreu quando o óxido sulfúrico começou a ser usado, e que foi obtido pela simples combustão de pó de enxofre ao ar livre. A prioridade no uso de gases venenosos recentemente foi reivindicada pelos chineses, que afirmam que no século II a.C. causou a cegueira dos seus inimigos soprando nuvens de pó de pimenta. Os primeiros exemplos historicamente comprovados do uso de substâncias irrespiráveis remontam à Guerra do Peloponeso, entre Esparta e Atenas em 431 a.C., O historiador Arriano, cronista de Alexandre, o Grande, diz -nos que em 332 a.C. na cidade fenícia de Tiro, os sitiados repetidamente recorreram ao uso de enxofre para defender os muros da cidade. A história romana é frequente na menção de guerras travadas com o auxílio de substâncias produtoras de fumaça irritante. O filósofo romano de etnia grega, Plutarco, conta que durante a campanha de Espanha contra a província de Guadalajara, no ano 81 a.C. o cônsul romano ordenou a preparação de uma corda contendo uma mistura de terra muito fina, cal viva e enxofre. Foi movida por cavalos a galope, de modo que a nuvem tóxica carregada pelo vento tornou os inimigos cegos a renderem-se. Os livros escritos por Frontinus, por volta do ano 90 do calendário juliano, fala em acções, como a introdução de nuvens de abelhas nos túneis, arremessar aos navios inimigos recipientes cheios com cobras venenosas, deixar animais famintos livres contra os sitiados e atirar partes de animais em decomposição pelas paredes. As bactérias são organismos minúsculos que vivem livremente e se reproduzem por divisão simples e são fáceis de crescer. Os vírus são organismos que requerem células vivas para se reproduzir e são intimamente dependentes do corpo que infectam. As toxinas são substâncias venenosas que são encontradas e extraídas de plantas, animais ou microrganismos vivos. Algumas toxinas podem ser produzidas ou alteradas por meios químicos. As “Rickettsias” são as bactérias que produzem a chamada riquetsiose, normalmente vivem em carrapatos, ácaros, pulgas e piolhos que pode ser transmitida aos seres humanos por picadas destes agentes sugadores de sangue, e geralmente vivem dentro das células que revestem os pequenos vasos sanguíneos, fazendo com que fiquem inflamadas ou entupidas. A forma de fazer a guerra tem estado a mudar rapidamente da área cibernética para a biotecnologia. Não existem certezas de que situações realizadas de forma autónoma irão competir com o poder destrutivo físico das armas nucleares. A autonomia é um conceito complicado e é preciso não esquecer de que, quando se trata de usar a força para proteger a civilização, um dos princípios deve ser o envolvimento dos seres humanos na tomada de decisões críticas. É um princípio importante, consistente com a plena exploração desse potencial e que terá um grande efeito na guerra. Mas é muito difícil comparar qualquer situação com armas nucleares por causa do incrível poder destrutivo físico, pois completaram-se setenta anos e nada se ajustou. É de esperar que algo vai rivalizar com as armas nucleares em termos de pura destreza da sua capacidade de destruição, sendo o mais provável que venha da biotecnologia do que qualquer outra tecnologia. Olhando décadas atrás, realizamos que a revelação biológica poderia rivalizar com a revolução atómica dado o efeito do seu potencial. Os países começaram a investir secretamente nesses programas e tem sido utilizado em conflitos e desde logo na Síria (apesar de ter sido usado desde a antiguidade e mais recentemente pelo regime nazi, exércitos alemão, egípcio, soviético, espanhol, japonês, italiano, americano e a seita japonesa “Verdade Suprema”), podendo cair nas mãos de grupos religiosos radicais como o Estado Islâmico ou outros grupos terroristas. A biotecnologia não tem sido uma área tradicional para a defesa e as novas pontes que constroem não devem ser apenas para a comunidade de “Tecnologia da Informação (IT na sigla inglesa)”, mas também para as comunidades de biotecnologia.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA guerra comercial da administração Trump [dropcap style=’circle’] A [/dropcap] política comercial dos Estados Unidos está a confundir os mercados. O mercado de acções americano, a 22 de Março de 2018, caiu 700 pontos, pois as bolsas sentiram-se fortemente, pressionadas pelas preocupações de uma potencial guerra comercial e um declínio nas acções de tecnologia. O mercado mais amplo, também foi pressionado por um declínio nos “stocks” dos bancos. A média industrial do Dow Jones caiu 724,42. A queda de 2,9 por cento foi a pior desde 8 de Fevereiro de 2018. O índice de trinta acções também entrou brevemente no território de correcção, pela primeira vez desde essa data, caindo 10 por cento, desde a sua contínua alta durante cinquenta e duas semanas. O S&P 500 caiu 2,5 por cento, com sete dos onze sectores, incluindo tecnologia e finanças, a desmoronarem mais de 2 por cento. O sector financeiro foi o de pior desempenho no índice, caindo 3,7 por cento. O composto Nasdaq recuou 2,3 por cento. A venda intensificou-se no encerramento, com o Dow Jones a perder mais de 250 pontos no final da sessão. A Administração Trump tinha divulgado tarifas destinadas a punir a China por roubo de propriedade intelectual, impondo cerca de sessenta mil milhões de dólares em encargos retaliatórios. As acções começaram a estar sob pressão à medida que a Administração Trump promovia uma agenda comercial proteccionista e, no início de Março de 2018, teve um pico de receio, com o anúncio da implementação de tarifas sobre as importações de aço e alumínio, levantando preocupações sobre uma potencial guerra comercial. Investidores nervosos O proteccionismo do presidente Trump está a deixar cada vez mais nervosos os investidores e a última crise de nervos deu-se na Cimeira do G7, no Canadá, entre os dias 9 e 10 de Junho de 2018, quando Estados Unidos e os demais parceiros do grupo das nações mais industrializadas do mundo, submergiram em uma crise comercial e diplomática, marcada por uma troca de críticas incisivas, depois de o presidente americano, ter retirado o seu apoio à declaração conjunta, após a reunião. A experiência do passado indica que essas políticas são falidas e mesmo as barreiras moderadas ao comércio podem prejudicar as complexas cadeias de fornecimento globais. As acções da Boeing caíram 5,2 por cento, enquanto as da Caterpillar e da 3M caíram 5,7 por cento e 4,7 por cento, respectivamente. O rendimento dos títulos de Tesouro dos Estados Unidos com vencimento a dez anos registou a sua maior queda em apenas um dia, desde Setembro de 2017, com os investidores a subirem os preços dos títulos, enquanto os futuros de ouro subiram 0,5 por cento. Os títulos do Tesouros e ouro são vistos como activos mais seguros do que acções. As acções dos bancos caíram conjuntamente com os rendimentos do Tesouro. O “exchange-traded fund (ETF)”, que é um fundo de investimento negociado na Bolsa de Valores como se fosse uma acção, os fundos “SPDR (conhecidos por spiders)” são uma família de fundos negociados em bolsa (ETFs), e negociados nos Estados Unidos, Europa e Ásia-Pacífico e administrados pela “State Street Global Advisors (SSGA)” e o “S&P Bank” (KBE que é um puro investimento em empresas de capital aberto que operam como bancos ou fundos. Esses bancos operam como bancos comerciais ou bancos de investimento) caiu 3,7 por cento, enquanto o Citigroup, JP Morgan Chase e Bank of America fecharam em baixa. O “Índice de Volatilidade Cboe (VIX)”, amplamente considerado o melhor indicador de medo no mercado, subiu acima de vinte e dois, podendo ser observada a maior pressão sobre as acções se a emissão comercial crescer. A questão é de saber qual a razão para tais acontecimentos? Todos sob pressão A resposta principal é de que a política americana prejudica a economia global. As perdas na tecnologia também ajudaram as acções a cair. As acções de tecnologia têm estado sob pressão, ultimamente, face ao forte declínio das acções do Facebook, devido ao facto da empresa de pesquisa de dados “Cambridge Analytica” ter colectado dados de cinquenta milhões de perfis no Facebook, sem a permissão dos seus utilizadores. As acções do Facebook ainda não saíram da pressão a que têm estado submetidas, tendo caído 8,5 por cento até 21 Março de 2018 e no dia seguinte, caíram mais 2,7 por cento. O vice-director executivo do Facebook, Mark Zuckerberg, quebrou o silêncio sobre a notícia, tendo afirmado à CNN que tinha sido uma grande quebra de confiança, e que lamentava o acontecido. A notícia aumentou a preocupação de que os legisladores dos Estados Unidos poderiam elaborar legislação sobre o uso de dados para o Facebook e outras grandes empresas de tecnologia. A marca Google, que se prevê valer cerca de cem mil milhões de dólares, mais que o valor da Microsoft, Apple ou Coca-Cola, ou seja, é considerado o nome mais valioso do mundo, caiu 3,6 por cento e mergulhou no terreno de correcção. As empresas de tecnologia também estão entre as empresas que poderiam estar na mira de uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Os investidores também digeriram a mais recente decisão de política monetária da Reserva Federal, que tal como era previsto pelos mercados, elevou as taxas de juros em 25 pontos-base e melhorou a sua perspectiva económica, afirmando que a actividade económica e os aumentos de emprego foram fortes nos últimos meses. O mercado espera que o banco central aumente três vezes em 2018, enquanto a Reserva Federal, anunciou que estava a ampliar a sua previsão de aumento de taxa para 2019. As acções fecharam em baixa no dia 21 de Março de 2018 após o anúncio, pois em geral, o ímpeto ascendente das acções estava a ser quebrado. A bolsa de Nova Iorque perdeu no total nos dias 22 e 23 de Março de 2018, 1100 pontos. O que está a acontecer é que o investidor médio está mais sintonizado com o reequilíbrio e a obtenção de lucros quando as suas posições são superadas. O grau de volatilidade e incerteza continuou desde então, à medida que as tarifas continuaram em onda de incerteza. O Canadá, China, Europa, Índia e México estão a preparar-se para retaliar. Na verdade, existem dois conjuntos de tarifas que causam prejuízos no momento. Aço, alumínio e sombras chinesas O primeiro, sobre aço e alumínio, veio sob a Secção 232, uma provisão sob a Lei de Comércio de 1962, que permite ao presidente proteger a indústria dos Estados Unidos por razões de segurança nacional. O segundo, sobre as exportações chinesas, foi accionado sob a Secção 301 da Lei de Comércio de 1974, uma medida unilateral não usada durante décadas. Tomadas em conjunto, essas tarifas confundiram os negócios, criaram incertezas no país e no exterior e lançaram dúvidas sobre o compromisso dos Estados Unidos com o livre comércio, que eram de prever desde a campanha eleitoral do presidente Trump. No entanto, a economia global não está a mergulhar no caos, em grande parte porque os protagonistas são mais limitados do que os títulos da média sugerem. Apesar das ameaças de grande retaliação, a Organização Mundial do Comércio (OMC) restringe rigidamente o que os países podem fazer, ou seja, a disciplina jurídica da OMC torna os facto mais previsíveis do que aparentam, e aqui está uma das grandes respostas, pois para proteger os fabricantes de aço e alumínio dos Estados Unidos, o presidente Trump invocou a segurança nacional sob a Secção 232, o que se torna difícil, pois a grande maioria das importações de aço e alumínio do país vem dos aliados. Os Estados Unidos poderiam ter adoptado uma acção de salvaguarda, dado que tais medidas estão previstas pelo sistema da OMC, que permite que um seu membro pode tomar uma acção de salvaguarda, ou seja, restringir importações de um produto temporariamente, para proteger uma indústria doméstica específica, de um aumento nas importações de qualquer produto que esteja a causar, ou que esteja ameaçando causar, sérios danos à indústria. As medidas de salvaguarda estiveram sempre previstas no “Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT na sigla inglesa)”, (Artigo XIX). Todavia, foram usadas com pouca frequência, e alguns governos preferiram proteger as suas indústrias através de medidas de área cinzenta, como arranjos voluntários de restrição à exportação de produtos como carros, aço e semicondutores. O “Acordo sobre Salvaguardas” da OMC abriu novos caminhos ao proibir medidas de área cinzenta e estabelecer limites de tempo, como a “cláusula de caducidade” em todas as acções de salvaguarda. A restrição às importações causam danos significativos à indústria doméstica, mas isso exigiria que a compensação fosse estendida aos países visados por essas tarifas. O que a China, Europa e os queixosos fazem na OMC, é redefinir as tarifas da Secção 232 do presidente Trump como uma salvaguarda para compensar, através de tarifas de retaliação, que os Estados Unidos não conseguiram oferecer. Em resposta, os Estados Unidos provavelmente desafiarão essa reinterpretação, bem como o valor das tarifas de retaliação. A maior preocupação é que os Estados Unidos acabem por defender as tarifas da Secção 232, invocando o Artigo XXI do GATT, intitulado “Excepções Relativas à Segurança”. Em 1947, os redactores do GATT, o antecessor da OMC, procurou dar aos países-membros uma forma de saírem das suas obrigações de livre comércio se a segurança nacional estivesse em jogo. É o que impede a Rússia de levar um caso à OMC contra a Austrália, Canadá, UE e os Estados Unidos sobre as sanções pela sua incursão na Ucrânia. Se a OMC for, pela primeira vez, decidir sobre o significado do GATT XXI, por causa das tarifas de aço e alumínio da Administração Trump, o medo é que a instituição não acerte no cerne da questão. Se a OMC disser não à Administração Trump, isso parecerá uma repreensão à capacidade dos Estados Unidos de definir, por si, os seus interesses de segurança nacional. Segurança ou proteccionismo? Se, por outro lado, a OMC disser sim à Administração Trump, isso incentivará o proteccionismo sob o disfarce de segurança nacional. A Índia, por exemplo, está ansiosa para ver até onde essa lógica pode ser impulsionada, e terá um lugar na primeira fila num painel da OMC, abrindo o seu próprio caso contra os Estados Unidos. Assim, casos nefastos fazem a má jurisprudência. Não há jurisprudência sobre o GATT XXI. As tarifas da Secção 232, que afectarão principalmente os aliados dos Estados Unidos, não devem ser a disputa sobre a qual a OMC faz figas para não ter de opinar. Os reclamantes devem agir com cautela. As suas ameaças retaliatórias têm como premissa a reinterpretação das tarifas da Secção 232 do presidente Trump como uma salvaguarda. É criativo, mas é para a OMC decidir. Agir unilateralmente vai contra a lei da OMC e, ironicamente, minaria o outro caso da OMC da China contra os Estados Unidos – as tarifas da Secção 301. É esta, na verdade, a segunda repetição de uma disputa da OMC impetrada pela Europa na década de 1990. Então, como agora, o cerne da questão é se um país membro da OMC pode julgar a culpa de um parceiro comercial por supostas infracções, ou se apenas a OMC o pode fazer. Para evitar que a Secção 301 fosse derrubada em 2000, os Estados Unidos concordaram que sempre aguardariam um julgamento da OMC, antes de promulgar tarifas punitivas. O desafio da China é afirmar que os Estados Unidos não estão a cumprir o que declararam. É importante ressaltar que os Estados Unidos são simpáticos à visão da China. No final de Março de 2018, a Administração Trump conduziu discretamente uma disputa contra a China pela propriedade intelectual, para que, em teoria, pudesse aguardar uma decisão da OMC. Se os Estados Unidos não esperarem, outros países inovarão as suas próprias tarifas unilaterais, paralisando a economia global baseada em regras. Não há boas jogadas disponíveis para os protagonistas além de negociar a sua saída dessa brilhante confusão. Alguns dizem que o plano do presidente Trump, foi o tempo todo, o de forçar as negociações; se for esse o caso, existem formas bem menos arriscadas de o fazer. Por exemplo, o aço é um problema, em grande parte porque nenhum país quer ser o último mercado aberto para exportações em dificuldades. Um acordo de estrutura que enfrenta esse problema, em vez de abordar os sintomas, seria um vencedor político. Da mesma forma, as tarifas da Secção 301 estão a ser usadas para tratar de tensões que têm mais a ver com investimento do que com comércio. O presidente Trump faria bem em retomar as negociações sobre um “Tratado Bilateral de Investimento (BIT na sigla inglesa)” com a China. Afinal, a preocupação do presidente Trump com questões como a transferência forçada de tecnologia já foi abordada no “Modelo US BIT 2012”. As tensões comerciais recentes servem como um lembrete pungente de que a economia global não é sem fronteiras. A boa notícia é que as disciplinas jurídicas da OMC estão a funcionar e apesar de toda a retórica sobre guerras comerciais, a economia global não se parece em nada com a dos anos de 1930.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO desafio das alterações climáticas [dropcap style=’circle’] A [/dropcap] s alterações climáticas são possivelmente o desafio ambiental mais significativo do nosso tempo e representa uma séria ameaça ao desenvolvimento sustentável no mundo e, mais ainda, na maioria dos países em desenvolvimento. O impacto das alterações climáticas afecta os ecossistemas, os recursos hídricos, a alimentação e a saúde. Assim, as políticas governamentais inter-relacionadas, devem ser projectadas para evitar conflitos no seu desenho e implementação. Existe uma ligação directa entre as alterações climáticas e a insegurança alimentar global, mais ainda nos países em desenvolvimento, onde as alterações climáticas agravadas com a pobreza exacerbaram os impactos. A fim de enfrentar os desafios colocados pelas alterações climáticas, é necessário examinar os factores que contribuem para as mesmas e como tais, os que influenciam a produção de alimentos a nível global. Factores climáticos como a precipitação, evaporação, humidade e a duração do sol, formam a base para a melhoria da segurança alimentar. É necessário que os formuladores de políticas, comunidades e provedores de ajuda incorporem tecnologias baseadas em evidências de sistemas e conhecimento de alimentos. As tecnologias baseadas em evidências que são as que foram empiricamente testadas e usadas, incluem plantio directo, gestão integrada da fertilidade do solo, tecnologias de irrigação, como por exemplo a irrigação por gotejamento, melhoramento de sementes, captação de água, agricultura orgânica e incorporação do conhecimento local. O impacto de algumas das tecnologias pode ser visto à luz da melhoria global da produtividade de grãos, através do uso de tecnologias integradas de gestão da fertilidade do solo, chuva e do ambiente irrigado. As culturas de grãos tolerantes à seca, também podem ajudar a aumentar os rendimentos. Os resultados dos estudos realizados nesta área são pertinentes aos formuladores de políticas no campo da segurança alimentar e sustentabilidade dos meios de subsistência. As medidas de mitigação e adaptação devem ser eficazes, acessíveis e apropriadas para a sustentabilidade e desenvolvimento ambiental. Tal controlo, defende a integração de sistemas convencionais baseados na agrociência, com o conhecimento tradicional da agricultura, a fim de mitigar a severidade das alterações climáticas e o seu impacto na segurança alimentar e na sustentabilidade dos meios de subsistência. A integração de agrociência e sistemas agrícolas tradicionais é importante para que a segurança alimentar seja sustentada. A expressão “alterações climáticas” significa a alteração do clima do mundo como resultado das actividades humanas através da queima de combustíveis fósseis, desmatamento de florestas e outras práticas que aumentam a concentração de “Gases de Efeito Estufa (GEE)” na atmosfera. Tal está de acordo com a definição oficial da “Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima UNFCCC (na sigla inglesa)”, que afirma que as alterações climáticas podem ser atribuídas directa ou indirectamente à actividade humana que altera a composição da atmosfera global e a variabilidade climática natural observada ao longo de períodos de tempo comparáveis. O “Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)” define as alterações climáticas, como uma transformação no estado do clima que pode ser identificada por mudanças na média e ou na variabilidade das suas propriedades, e que persiste por um período prolongado, tipicamente décadas. As alterações climáticas são uma mudança sistemática nas principais dimensões do clima, incluindo a temperatura média e os padrões de vento e precipitação durante um longo período de tempo. No uso recente, especialmente no contexto da política ambiental, as alterações climáticas, geralmente, referem-se a mudanças no clima moderno. Pode ser qualificado como alterações climáticas antropogénicas, mais geralmente conhecida como aquecimento global ou “Aquecimento Global Antropogénico (AGW na sigla inglesa)”. É de considerar que devido à natureza predominante do efeito estufa melhorado na atmosfera, os seus efeitos ocorrem a nível global, regional e nacional. Tem havido evidências de aumento nas temperaturas globais que levaram às alterações climáticas a nível global, regional e nacional nos últimos cem anos. O aumento das temperaturas globais experimentadas ao longo do século passado, é o resultado da acumulação de GEE na atmosfera, levando ao aquecimento global. Utilizando modelos climáticos complexos, o IPCC, no seu terceiro relatório de avaliação, previu que a temperatura média da superfície global aumentará de 1,4 graus Célsius para 5,8 graus Célsius até ao final de 2100. Os múltiplos conjuntos de dados mostram essencialmente, a mesma tendência de aquecimento global nos últimos cem anos, com o aumento mais acentuado do aquecimento nas últimas décadas. A evidência das alterações climáticas induzida pelo ser humano vai além do aumento observado nas temperaturas médias da superfície, pois inclui a fusão do gelo no Árctico, derretimento de geleiras ao redor do mundo, aumento da temperatura dos oceanos, incremento do nível do mar, acidificação dos oceanos devido ao excesso de dióxido de carbono, mudança nos padrões de precipitação e das funções do ecossistema e da vida selvagem. A produtividade agrícola reduzida com a escassez de alimentos, consequente, foi experimentada. Os estudos mostram que com menores concentrações de CO2, as plantas podem crescer mais e de forma rápida. No entanto, o efeito do aquecimento global pode afectar a circulação geral da atmosfera e, assim, alterar o padrão de precipitação global, bem como modificar os teores de humidade do solo em vários continentes. Houve um aumento no nível do mar observado em algumas partes do mundo devido ao excesso de aquecimento do ar que causou a fusão em grande escala de coberturas de gelo, inundações de grandes proporções na Califórnia em 1999 e partes da costa ocidental da Índia nos últimos cinco a oito anos, que são testemunhos dos efeitos da elevação do nível do mar. É de atender que se o nível do mar subir oitenta a noventa centímetros, talvez muitas das cidades costeiras do mundo sejam arrastadas, além de grandes mudanças nos portos e suas instalações, rotas marítimas e na indústria pesqueira, bem como a perda de terras agrícolas férteis, ocasionada por inundações, impactos na segurança alimentar e meios de subsistência a nível doméstico e nacional. Existiu um aumento da seca e inundações a nível global e ironicamente, alterações no clima devido ao excesso de gases causadores do efeito estufa, estão a causar o aumento da seca e das inundações. A actividade violenta das tempestades cresce à medida que a temperatura aumenta e mais água se evapora dos oceanos. Tal inclui a ocorrência de furacões mais poderosos, tufões e um aumento na frequência de tempestades e tornados considerados severos. As tempestades muitas vezes resultam em inundações e danos às terras agrícolas, causando insegurança alimentar. O aquecimento também causa a evaporação mais rápida em terras, levando à fome induzida pela seca. As alterações/mudanças nas estações e no carácter sazonal, ocorrem em todo o mundo devido à mudança na temperatura do ar e nos padrões de precipitação. Algumas estações foram reduzidas ou prolongadas. Os invernos estenderam-se em muitos locais, enquanto o verão é mais severo em outros lugares. O grau de confiabilidade diminuiu e o elemento de incerteza aumentou. Tal desorienta os agricultores das comunidades rurais que dependiam do conhecimento local na previsão de padrões climáticos para a produção de alimentos. As grandes mudanças ocorreram nos recursos hídricos do mundo, devido a perturbações nos ciclos hidrológicos. As zonas de chuvas intensas são gradualmente convertidas em áreas de baixa pluviosidade, com muitas áreas húmidas a serem transformadas em superfícies áridas e da mesma forma, a depleção de água subterrânea é alta e a recarga é muito baixa. Houve uma mudança nos ciclos de doenças/pragas de plantas e animais. Muitas das pragas/doenças insignificantes, estão a atingir grandes proporções porque a composição da população microbiana é afectada pela mudança de temperatura e ciclos hidrológicos. Estes tiveram impacto na produção de alimentos e perda pós-colheita ocasionando escassez de alimentos e perda de meios de subsistência. Os ecossistemas modificam e as alterações no clima farão que algumas espécies mudem de uma região para outra e, em combinação com outros factores de “stress” como o desenvolvimento, fragmentação de habitats e espécies invasoras, podem ter consequências negativas sobre a biodiversidade e os benefícios que os ecossistemas saudáveis proporcionam aos seres humanos e ao meio ambiente. O jacinto-de-água, uma espécie invasora no Lago Vitória, reduziu tremendamente as actividades pesqueiras com impacto nos meios de subsistência. As alterações climáticas afectarão sempre os meios de subsistência. A economia e o meio ambiente podem ser afectados como resultado das alterações climáticas, especialmente na ausência de contra medidas. Os impactos no sector da saúde afectarão as populações alterando o estado de saúde de milhões de pessoas, inclusive através do aumento de mortes, doenças e ferimentos devido a ondas de calor, enchentes, tempestades, incêndios e secas. O aumento da desnutrição, doenças relacionadas ao meio ambiente, como a cólera, disenteria, meningite, filariose linfática, febre-amarela, malária, tuberculose, entre outras, exercerão grande pressão sobre os recursos de saúde pública e as metas de desenvolvimento serão ameaçadas por danos de longo prazo à saúde. Torna-se necessário limitar o aquecimento global a 1,5 graus Célsius que poderá evitar cerca de três milhões e trezentas mil mortes de casos de dengue por ano, apenas na América do Sul e nas Caraíbas de acordo com uma nova pesquisa da “Universidade de East Anglia. (UEA)”. O novo relatório publicado na revista “Proceedings of National Academy of Sciences (PNAS)”, a 28 de Maio de 2018, revela que limitar o aquecimento à meta do “Acordo de Paris”, também impediria a disseminação do dengue para áreas onde a incidência actualmente é baixa. A trajectória de aquecimento global de 3,7 graus Célsius pode levar a um aumento de até sete milhões e quinhentos mil de casos de dengue, adicionais por ano até meados deste século. A dengue é uma doença tropical causada por um vírus transmitido por mosquitos, com sintomas que incluem febre, dor de cabeça, dores musculares e articulares. É endémica em mais de cem países e infecta cerca de trezentas e noventa milhões de pessoas em todo o mundo anualmente, com uma estimativa de cinquenta e quatro milhões de casos na América do Sul e Caraíbas. Os mosquitos que transportam e transmitem o vírus prosperam em condições quentes e húmidas, sendo mais comum em áreas com essas condições climáticas. Não existe tratamento específico ou vacina para a dengue e, em casos raros, pode ser letal.
Jorge Rodrigues Simão PerspectivasAs ambições do combate às alterações climáticas [dropcap style≠’circle’]”T[/dropcap]he reality we now face implores us to act. Today we’re dumping 70 million tons of global-warming pollution into the environment, and tomorrow we will dump more, and there is no effective worldwide response. Until we start sharply reducing global-warming pollution, I will feel that I have failed.” Al Gore O que seria necessário para combater as alterações climáticas? Como seria esse combate na realidade sem atrasos, truques, falhas, e fugas de responsabilidade? Só será possível responder a esta e a muitas outras questões se conseguirmos entender o superior limite da ambição no combate às alterações climáticas. A meta acordada pelos países no “Acordo de Paris”, em 12 de Dezembro 2015, é de o aquecimento global se situar muito abaixo de 2 graus Célsius, com esforços de boa-fé para manter a elevação da temperatura em 1,5 graus Célsius. Os países não estão a mover-se em uma direcção que se aproxime o suficientemente rápido para atingir esse alvo, daí estarmos actualmente no caminho certo para atingir algo à volta de 3 graus Célsius. É geralmente aceite que atingir 2 graus Célsius seria bastante ambicioso, enquanto atingir 1,5 Célsius seria menos que milagroso. Ainda que não exista nada, como um plano do mundo real para atingir essa meta, os modeladores climáticos criaram muitos cenários sobre como seria possível realizar. No entanto, a maioria desses cenários dependem fortemente de emissões negativas, ou seja, formas de puxar o dióxido de carbono para fora da atmosfera. Se as tecnologias de emissões negativas puderem ser ampliadas no final do século, o argumento vai dar espaço para emitir mais no início do século. E é o que a maioria dos cenários actuais de 2 graus Célsius ou 1,5 graus Célsius mostram, pois as emissões globais de carbono aumentam a curto prazo, e precipitam rapidamente para se tornarem negativas por volta de 2060, com giga toneladas de carbono, posteriormente, capturadas e enterradas no restante do século. A gigante petrolífera Shell lançou um cenário nesse sentido há algumas semanas. Espera-se que o principal instrumento de emissões negativas seja a “Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono (BECCS na sigla inglesa)” que é bioenergia (queima de plantas para gerar electricidade) com captura e sequestro de carbono. A ideia é de que as plantas absorvam carbono à medida que crescem quando são queimadas, sendo possível capturar e armazenar esse carbono. O resultado é a electricidade gerada à medida que o carbono é removido do ciclo electricidade de carbono líquido negativo. A maioria dos cenários actuais recorre a muitos “BECCS” no final do século para compensar os pecados de carbono do passado e do futuro próximo. A pequena complicação é que actualmente não há indústria comercial de “BECCS”. Nem a parte “Bionergia (BE na sigla inglesa)” nem a “Captura, Sequestro e Armazenamento (CCS na sigla inglesa)” foram demonstradas em qualquer escala séria, muito menos na escala necessária. A área de terra necessária para cultivar toda essa biomassa para a “BECCS” nesses modelos é estimada em cerca de uma a três vezes o tamanho da Índia. Talvez se pudesse compelir rapidamente uma indústria “BECCS” massiva. Mas apostar em emissões negativas no final do século é, no mínimo, um jogo enorme e fatídico, pois aposta a vida e o bem-estar de milhões de pessoas futuras em um sector que, para todos os efeitos, ainda não existe. Muitas pessoas concluem razoavelmente que é uma má ideia, mas as alternativas têm sido difíceis de encontrar. É de recordar que não tem havido muita construção de cenários em torno de objectivos realmente ambiciosos e anular o carbono o mais rápido possível, manter o aumento da temperatura o mais próximo dos 1,5 graus Célsius e, o mais importante, minimizar a necessidade de emissões negativas. Essa é a limite superior do que é possível. Três situações recentes ajudam a preencher essa lacuna que é a “Transformação Global de Energia: Um Roteiro para 2050”, da “Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA na sigla inglesa)”, que é uma organização intergovernamental que apoia os países na sua transição para um futuro energético sustentável, traduzido em um plano que visa uma oportunidade de 66 por cento de permanecer abaixo de 2 graus Célsius, principalmente através de energia renovável. Os analistas da “Ecofys”, que é uma empresa de consultoria líder em energia renovável, energia e eficiência de carbono, sistemas e mercados de energia e política de energia e clima, divulgaram recentemente um cenário para anular as emissões globais até 2050, limitando assim a temperatura a 1,5 graus Célsius e eliminando a necessidade de emissões negativas. Um grupo de académicos da “Agência de Avaliação Ambiental da Holanda”, publicou um artigo na revista “Nature Climate Change” em que investigam como alcançar a meta de 1,5 graus Célsius, minimizando a necessidade de emissões negativas. Porque razão atingir 1,5 graus Célsius é urgente? Os americanos não atribuem muito sentido a temperaturas Celsius, e meio grau de temperatura não parece muito importante. Mas a diferença entre 1,5 graus Célsius e 2 graus Célsius de aquecimento global é um assunto muito sério. O “Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla inglesa)”, publicará uma revisão científica sobre o tema em Outubro de 2018, e um outro trabalho recente publicado na “Nature Climate Change” enfatiza claramente a ambição do combate de 2 graus Célsius para 1,5 graus Célsius, que evitaria cento e cinquenta milhões de mortes prematuras até 2100, noventa milhões de mortes através da exposição reduzida a partículas e sessenta milhões de mortes devido à redução do ozono. É de considerar que mais de um milhão de mortes prematuras seriam evitadas em muitas áreas metropolitanas da Ásia e da África, e mais de duzentas mil mortes em áreas urbanas individuais em todos os continentes habitados, excepto na Austrália. E não é tudo! É, claro, que a diferença entre 1,5 graus Célsius, e 2 graus Célsius, pode significar a diferença entre a vida e a morte de alguns países ilhas. Não há tempo a perder. De facto, pode haver um tempo negativo. Limitar a elevação da temperatura a 1,5 graus Célsius, é possível, mesmo em teoria, somente se o orçamento de carbono para essa meta estiver no limite das estimativas actuais, pelo que, e novamente 1,5 graus Célsius, só é possível se começarmos, com os auxílios, imediatamente, e tivermos sorte. O tempo não está a acabar, estamos além dele. O que é necessário para limitar o aumento de temperatura a 1,5 graus Célsius? Os três cenários são diferentes de várias formas. Os dois primeiros projectos consideram até 2050, mas o trabalho da “Nature Climate Change” é uma previsão para 2100 e têm como alvo situações diferentes e usa ferramentas distintas, mas compartilham algumas grandes cláusulas de acção, características que qualquer plano climático ambicioso inevitavelmente envolverá. O primeiro será aumentar radicalmente a eficiência energética. Quanta energia será necessária até 2050? Isso depende da população e do crescimento económico, mas também depende da intensidade energética das economias do mundo e quanta energia primária necessitam para produzir uma unidade de PIB. O aumento da eficiência reduz as emissões e existe uma corrida com crescimento populacional e económico e para descarbonizar radicalmente com emissões negativas mínimas, a eficiência precisará de superar o crescimento. O cenário da Shell mostra uma procura global de energia muito maior nas próximas décadas e o crescimento supera a eficiência. O cenário da “IRENA”, reduz as emissões globais relacionadas à energia em 90 por cento até 2050 e dessa percentagem é de considerar que 40 por cento é proveniente da eficiência energética. A “IRENA” afirma que a intensidade energética da economia global deve cair dois terços até 2050. Os avanços na intensidade energética terão de acelerar de uma média de 1,8 por cento entre os anos de 2010 a 2015 para uma média de 2,8 por cento ao ano até 2050. No cenário da “Ecofys”, a eficiência energética é tão elevada que a procura total de energia global é menor em 2050 do que actualmente, apesar de uma população muito maior e uma economia global três vezes superior à actual. O documento da “Nature Climate Change” resume a abordagem necessária à eficiência em primeiro lugar, através da aplicação rápida das melhores tecnologias disponíveis para a eficiência energética e material em todos os sectores relevantes em qualquer a região. Todos os sectores relevantes em todas as regiões significa electricidade, transporte, edifícios e indústria, com os materiais e tecnologias disponíveis mais eficientes, em todo o mundo, começando imediatamente, em segundo lugar, pelo aumento radical da energia renovável. Todos os cenários prevêem que as energias renováveis, principalmente a eólica e a solar estão rapidamente a dominar a electricidade. O cenário da “IRENA” prevê que as energias renováveis cresçam seis vezes mais rápido, fornecendo 85 por cento da electricidade global até 2050. A “Ecofys” faz com que forneçam 100 por cento da electricidade global, com esse sector completamente descarbonizado até 2040, mesmo que a procura global por electricidade triplique. O documento da “Nature Climate Change” observa que a visão do domínio das energias renováveis rápidas em todos esses cenários, tem em comum o envolvimento de suposições optimistas sobre a integração de energias renováveis variáveis e custos de transmissão, distribuição e armazenamento e em terceiro lugar, a ideia é de electrizar tudo, pois notavelmente, todos os três cenários envolvem fortemente a electrificação de sectores e aplicações que actualmente operam com combustíveis fósseis. No caso da “IRENA”, a electricidade sobe de 21 por cento do consumo total de energia global actual para 40 por cento até 2050. No cenário da “Ecofys”, atinge os incríveis 70 por cento. O estudo da “Nature Climate Change” é aumentado para 46 por cento em comparação com 31 por cento no caso de referência e defender a electrificação não é complicado. Sabemos como aumentar radicalmente a oferta de electricidade com zero carbono e a oferta de combustíveis líquidos com zero carbono é muito mais difícil. Daí que faça sentido mover o máximo de energia possível para a electricidade, principalmente para veículos, aquecimento, refrigeração domésticos e aplicações industriais de baixa temperatura. O cenário da “Ecofys” é particularmente claro, pois se a energia renovável e a eficiência energética forem as ferramentas primárias de descarbonização, esta de forma completa requer que se faça a electrificação e em quarto lugar, é de considerar que se gere um pouco de emissões negativas. Ainda que as intenções dos pesquisadores da “Ecofys” e da “Nature Climate Change”, em particular, fossem minimizar a necessidade de emissões negativas, também não foram capazes de eliminá-las completamente. É de considerar que independentemente da rápida descarbonização os pesquisadores da “Ecofys” afirmam que o orçamento de carbono de 1,5 graus Célsius é provavelmente, excedido. A única forma de se manter em 1,5 graus Célsius é absorver o excesso de carbono com emissões negativas. A “Ecofys” acredita que as aplicações de “CCS” serão confinadas principalmente à indústria e o restante pode ser trabalhado por florestamento, reflorestamento e sequestro de carbono no solo, ou seja, por métodos “não-CCS” de emissões negativas, e acrescenta que esse excesso de carbono remanescente é significativamente menor do que a maioria dos outros cenários de baixo carbono. No estudo da “Nature Climate Change”, a necessidade de “BECCS” pode ser completamente eliminada somente se cada uma das outras estratégias for maximizada Os pesquisadores concluíram que sobre as emissões negativas, que embora o estudo mostre que opções alternativas podem reduzir bastante o volume de “Remoção de Dióxido de Carbono (CDR na sigla inglesa) para atingir a meta de 1,5 graus Célsius, quase todos os cenários ainda dependem do “BECCS” e/ou reflorestamento, mesmo a combinação hipotética de todas as opções alternativas que ainda capturou 400 GtCO2 por reflorestamento). Logo, o investimento no desenvolvimento de opções de “CDR” continua a ser uma estratégia importante se a comunidade internacional pretender implementar a meta do “Acordo de Paris” pelo que os formuladores de políticas devem procurar estratégias de emissões negativas, mas a pensar em cenários alternativos como um seguro contra a possibilidade de que essas estratégias encontrem obstáculos sociais ou económicos imprevistos.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesAs cidades sustentáveis e a eficiência de recursos “Problems Of Poverty Are, On Most Occasions, Inextricably Linked With Those Of Water – Its Availability, Its Proximity, Its Quantity, And Its Quality.” United Nations’ World Water Report, 2015 [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]té 2050, o número de pessoas que vivem nas cidades terá quase duplicado, de três mil e seiscentos milhões de pessoas para mais de seis mil milhões de pessoas. No entanto, as áreas urbanas do mundo estão superlotadas e, particularmente nos países em desenvolvimento, sofrem com a escassez de água limpa, electricidade e outros recursos essenciais para o apoio das suas explosivas populações e economias frágeis. Os problemas criados pela urbanização desenfreada estão entre os desafios mais importantes do nosso tempo, mas também representam uma das maiores oportunidades e responsabilidades para o sector privado. Os negócios estão posicionados de maneira única para moldar as cidades sustentáveis e economicamente competitivas do futuro. Muitas empresas e investidores assumem que a fixação de cidades é da competência dos governos que devem agir em conformidade. Os governos ao redor do mundo estão presos, financeira e politicamente. Não é possível acreditar e esperar que resolvam sós os problemas da urbanização ou concebam soluções, como a electrificação eficiente e o transporte público confiável, que impulsionarão o crescimento económico. A implementação dessas soluções requer grandes quantidades de capital, habilidade em termos de gestão excepcional, alinhamento significativo de interesses, e frequentemente todos são escassos nos governos municipais, mas abundam no sector privado. É possível concluir de estudos recentes que consultadorias com governos municipais, urbanistas, empresas e empreendedores nos Estados Unidos, Europa, América do Sul e Ásia, pela existência de muitas estratégias empresariais diferentes para enfrentar os desafios impostos pela rápida urbanização e recursos escassos. Muitas vezes, concentram-se na expansão do provimento, fornecendo mais água, electricidade, estradas e veículos. As empresas estão a descobrir, cada vez mais, como criar e reivindicar valor, melhorando a eficiência de recursos, por meio da contratação de desempenho energético, por exemplo, e outras estratégias que superam as barreiras comerciais, reduzem o desperdício e ampliam os recursos. Para tal é necessário criar uma estrutura para identificar e perseguir tais oportunidades. A estrutura deve basear-se em três pilares como novos modelos de negócios que geram lucros optimizando o uso de recursos; engenharia financeira que incentiva investimentos em eficiência e selecção cuidadosa de mercados. Ainda que qualquer abordagem de determinada empresa dependa das suas capacidades e objectivos e do mercado em que está a penetrar, as estratégias gerais a fornecer devem ser relevantes tanto para os participantes, como para as empresas de infra-estruturas e fornecedores de turbinas, comboios e outros equipamentos, e empresas de maior dimensão, como as dos sectores da tecnologia de informação, serviços financeiros e produtos de construção. Seja qual for a indústria, os investimentos estratégicos em eficiência de recursos à medida que as cidades estão a ser construídas ou reconstruídas, podem gerar valor para as empresas a longo prazo, ao mesmo tempo que aumentam a competitividade das cidades. Uma empresa ou um investidor pode ter como alvo uma série de iniciativas de gestão de recursos devendo os projectos de água, electricidade e trânsito merecer a maior atenção. As empresas que têm água para processar alimentos e materiais, em que as luzes e computadores são alimentados de forma confiável, cujos produtos podem chegar ao mercado e que os funcionários podem trabalhar com rapidez e eficiência, estão claramente em vantagem. Os cidadãos com acesso fácil a água potável, cujos filhos têm luz para ler e estudar, e que podem viajar com eficiência e economia têm uma base sobre a qual prosperarem. Todos os outros serviços oferecidos por uma cidade competitiva, como moradia funcional, escolas, hospitais, lojas, instituições de polícia e bombeiros, aquecimento, arrefecimento, gestão de resíduos dependem de uma infra-estrutura confiável de água, electricidade e trânsito. Para entender esta oportunidade, deve considerar-se como as iniciativas de eficiência de recursos se comparam à sofisticação tecnológica e financeira. Os produtos e serviços que as novas cidades precisarão, e que proporcionam o retorno necessário aos investidores e empreendedores, optimizam ambos. As ofertas de uma empresa podem ser posicionadas de acordo com essas características em uma matriz de eficiência. Se imaginarmos quatro quadrantes, a sofisticação tecnológica aumenta da esquerda para a direita, enquanto a sofisticação financeira aumenta de baixo para cima. As mercadorias de baixa tecnologia, como a compra de isolamento em uma transacção simples entre o comprador e o vendedor, ocupariam o canto inferior esquerdo e programas sofisticados, como a optimização da procura resposta na electricidade, ocupariam o canto superior direito. O termo engenharia financeira na ciência matemática, descreve o uso de algoritmos para criar estratégias de negociação, mas neste contexto, refere-se a um conjunto geral de estratégias de financiamento e estrutura de capital para empresas e projectos. Em um projecto rodoviário de baixa engenharia financeira, por exemplo, um governo arrecadaria impostos para pagar a construção de uma só vez. A alta engenharia financeira para uma rodovia privada pode incluir dívida de curto prazo; obrigações de longo prazo; “swaps” de taxa de juros; contribuições de terrenos em troca de títulos, instrumentos de dívida ou acções; financiamento de fornecedores para apreciações futuras; e equidade no promotor, operador e na empresa de engenharia. Tal abordagem é projectada para atrair mais capital para o projecto, oferecendo diferentes níveis de risco e retorno, prioridades de fluxo de caixa e oportunidades para investidores de curto e longo prazo. Quando os governos estão amarrados e não podem fornecer infra-estruturas básicas, sendo essas técnicas tão particularmente úteis, caso contrário, pode ser difícil igualar o custo do investimento inicial em eficiência de recursos, com os benefícios extensivos e amplamente distribuídos que são realizados a longo prazo. Os produtos e serviços de eficiência de recursos de uma empresa podem ser combinados de acordo com a sua sofisticação financeira e tecnológica. À medida que a sofisticação aumenta, as ofertas aproximam-se da fronteira de eficiência no perímetro da matriz. A matriz é útil para determinar a actual posição estratégica dos produtos, serviços e investimentos de uma empresa, mas é mais valiosa para prever onde a empresa poderia ter melhores lucros. O novo valor pode ser criado e capturado movendo-se horizontalmente ou verticalmente dentro de qualquer parte do quadrante. No entanto, as empresas que mudam os seus modelos de negócios e ofertas para a parte superior direita do quadrante podem ganhar mais, e também terão maior impacto sobre as necessidades de recursos das cidades em expansão do mundo. Frequentemente significa desempenhar o papel de coordenador ou descobrir como financiar um serviço, algo que os jogadores individuais não podem fazer sós É nessa parte do quadrante que as ofertas de uma empresa são mais diferenciadas, favorecem soluções multipartidárias e são mais propensas a criar valor para todos os participantes. Antes de considerar as principais empresas que estão a fazer essa mudança, é necessário analisar cada quadrante. O primeiro quadrante mostra que a maioria das empresas que vendem produtos e serviços com eficiência de recursos competem com ofertas de mercadorias relativamente simples, como equipamentos que economizam água e iluminação eficiente em termos energéticos. Os mercados neste quadrante são grandes e as empresas sabem operar dentro deles. No entanto, as ofertas mostram pouca distinção e, embora o volume de vendas possa ser alto, as margens são baixas. Os produtos vendidos tendem a ter um impacto bastante pequeno sobre a sustentabilidade e a competitividade a longo prazo nas cidades. O segundo quadrante, mostra que as empresas que participam de projectos básicos de infra-estruturas e serviços públicos, como a construção de estradas e redes eléctricas e transporte colectivo, geralmente operam nesta área. Os projectos neste quadrante podem implicar financiamentos sofisticados que dividem os riscos e recompensas de investimento entre as partes e podem atrair mais capital do que os governos normalmente conseguem. O terceiro quadrante mostra que as empresas industriais de produtos e tecnologia geralmente operam nessa área com ofertas como ar condicionado, bombas e roteadores de rede que competem em desempenho aperfeiçoado. As tecnologias aperfeiçoadas podem ajudar a alargar recursos, mas geralmente são fornecidas em vendas únicas a utilizadores individuais. O quarto quadrante, mostra que as empresas que aí operam, combinam tecnologias sofisticadas com novos modelos financeiros para dimensionar ofertas de eficiência de recursos e gerar economias ou lucros substanciais, geralmente para várias partes e frequentemente actuam como agregadores de informações que lhes permitem coordenar a entrega eficiente e o uso de recursos entre muitos fornecedores e consumidores. A fronteira da eficiência é conceitual e separa os produtos e serviços de eficiência de recursos convencionais dos novos e sofisticados, que oferecem eficiência e retornos exponencialmente superiores. Produtos de mercadorias de baixa tecnologia ficam bem aquém dessa fronteira. Assim como uma empresa de alta tecnologia, com uma nova central de dessalinização de água, pode ultrapassar a fronteira. A melhor eficiência de recursos é difícil para as empresas conseguirem agindo sós; arranjos multipartidários, muitas vezes envolvendo serviços terciarizados, ajudam a mudar as inovações para a fronteira. As soluções de eficiência de recursos não são realmente soluções, a menos que sejam também empresas lucrativas. As soluções mais convincentes avançam em direcção à fronteira da eficiência de três formas, são multipartidárias ou multiempresas; alavancam tecnologias de informação e comunicação em exclusivo; e atraem capital oferecendo aos participantes vários níveis de risco e recompensa ao longo de vários períodos. Existem assim, algumas soluções nas três áreas mais merecedoras de atenção. A água limpa está em escassez cada vez maior em todo o mundo. Quase metade da população mundial vive em áreas onde a água é escassa ou as infra-estrutura necessárias para colectá-la, purificá-la e distribuí-la é parca. Se as tendências actuais de consumo continuarem, até 2030 a procura excederá a oferta actual acessível e confiável em 40 por cento. A Índia, vive uma dramática situação, com cento e cinquenta milhões de pessoas a viverem aquém do alcance das infra-estruturas de água potável existente. A “Piramal Sarvajal” é uma empresa social, criada pela “Fundação Piramal”, em 2008, localizada em Gujarat, orientada por missões que projecta e implementa soluções inovadoras para a criação do acesso económico a água potável em áreas carentes e está na vanguarda do desenvolvimento de tecnologias e práticas de negócios no sector de água potável segura, projectadas para tornar um modelo puramente baseado no mercado, sustentável tanto em condições de implantação rurais quanto urbanas, A“Piramal Sarvajal” combina tecnologias antigas e novas e engenharia financeira para fornecer água limpa com eficiência. As unidades de purificação de água osmose reversa com lâmpada UV estão no centro do sistema da empresa que associa essas tecnologias convencionais a monitoramento remoto, baseado em nuvem que fornece dados de desempenho do sistema em tempo real, e máquinas de venda automática que fornecem água com o cartão pré-pago. As pessoas podem comprar água nas caixas electrónicas de água, e a empresa também abastece hospitais e outras instituições em assentamentos urbanos por meio de micro-redes aquáticas. A empresa depende de um modelo de franquia, trabalhando com empreendedores aos quais fornece formação, equipamentos de filtragem e outros recursos. Essa forma de engenharia financeira traz substancialmente mais capital para a P&D e para operações do que qualquer um dos empreendedores poderia ter adquirido. Actualmente, cerca de cento e cinquenta franqueados venderam mais de duzentos milhões de litros de água potável em seis Estados indianos. A “Piramal Sarvajal” aplica uma solução eficiente de distribuição de recursos para atender a uma necessidade não satisfeita, economizando dinheiro de governos e pessoas (a compra de caixas electrónicas de água é menos dispendiosa do que a purificação de água em casa) e a eliminação do desperdício resultante de filtração individual ou distribuição em larga escala. A empresa mudou de uma abordagem do status quo d primeiro quadrante para uma solução do quarto quadrante de alta tecnologia e financeiramente projectada para o fornecimento de água rural e urbana fora da rede. A uma escala muito maior, a “General Electric” também fornece soluções do quarto quadrante. Além de equipamentos como bombas e filtros, a “GE Intelligent Platforms” vende serviços que colectam e analisam dados de componentes de infra-estrutura hídrica. No passado, os operadores de equipamentos tinham pouca informação sobre como os componentes de um sistema interagiam. A falta de visibilidade dos padrões de procura, “stocks” em reservatórios ou tanques e questões de desempenho como a eficiência e vazamentos da bomba significaram que a extracção, o tratamento e a entrega de água eram ineficientes. A alta procura por soluções de água limpa, electricidade e trânsito é certa em qualquer cidade em crescimento nos mercados emergentes. Muitos dos critérios naturais para a segmentação de mercados que se aplicam a economias desenvolvidas e cidades existentes também se aplicam a novas cidades, com características como tamanho e crescimento da população, rendimento per capita, maturidade da restante da cadeia de fornecimento e presença de concorrentes. Mas, obviamente, as circunstâncias nessas cidades são imensamente variadas e particulares às situações políticas e económicas e por vezes caóticas. Uma nova tecnologia de água ou modelo de negócio que é bem-sucedido em um mercado pode falhar em outro por razões que têm pouco a ver com a procura e muito com as características do mercado, recursos e capacidades do participante.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA China e a inovação (II) “China’s innovative ability languished after the fourteenth century. Today, however, China is determined not only to catch up with the West, but to re-establish itself at the forefront of technological innovation. Two forces are driving the surge of Chinese innovation. One is based on need-China’s pressing need to solve the myriad domestic problems that rapid economic development has created. The other is based on a new strategic direction for Chinese corporations: to enter high-value, high-margin sectors that are internationally competitive and where they will be matching global corporations, innovation for innovation. Much of this recent drive is through mergers with and acquisitions of successful Western firms that were made to gain brands, technology, and markets” “China’s Next Strategic Advantage: From Imitation to Innovation” – George S. Yip and Bruce McKern [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] sucesso do sítio de leilões, “Taobao”, acabou por forçar o “eBay” a sair da China. Se analisarmos o “Baidu”, líder de mecanismos de busca chinês, que cresceu maciçamente no mercado doméstico com uma oferta que não fractura nenhum campo tecnológico e não desafia a ortodoxia política e adaptou o seu produto, organização e processos às necessidades da manta de retalhos chinesa dos mercados regionais. O “Baidu” tem uma procura de 80 por cento, tendo-se tornado no maior motor de busca do mundo. Assim como o Japão alcançou os Estados Unidos tecnologicamente em muitas indústrias durante as três décadas após a II Guerra Mundial, a China está a fazer o mesmo através de inovações. Adaptar a tecnologia tornou-se uma prática padrão e altamente lucrativa. Obter essa tecnologia por meio de aquisições, no entanto, é uma nova tendência importante. A escrita tem sido volumosa sobre a actual onda de investimentos directos estrangeiros no exterior, a maioria dos quais se concentrou em recursos de matérias-primas, particularmente na África e na América Latina. A mudança para os Estados Unidos e Europa pela tecnologia, no entanto, não é menos significativa. As empresas chinesas cansadas de pagar taxas de licenciamento, marcas e patentes, têm cada vez mais, e com o incentivo do governo, tentado comprar, em vez de alugar, capacidades revolucionárias de inovação por meio da aquisição de tecnologia e talento. Se observarmos o caso da “Huawei” que é retratada como a maior empresa da qual nunca se ouviu falar, que engloba centros de P&D em todo o mundo, e as controvérsias geradas sobre as suas tentativas de aquisição nos Estados Unidos. A “Haier” é uma das principais fabricantes chinesas de electrodomésticos e electroelectrónicos, possui uma rede similarmente ampla de centros globais de projecto e P&D nos Estados Unidos, Japão, Coreia, Itália, Holanda e Alemanha. Para os fabricantes de automóveis chineses, Turim é o lugar para se localizar, com os centros de P&D operacionais em Zhuhai, Changchun e Changan. As correntes culturais anti-ocidentais podem ser fortes domésticamente, mas empresas chinesas privadas que operam no exterior adoptaram talentos seniores locais. A “Huawei” tem contratado os melhores executivos estrangeiros americanos e ingleses para liderar os esforços de P&D nos Estados Unidos e supervisionar todo o orçamento e operações. Todos estão subordinados ao fundador e presidente da “Huawei”, um ex-oficial militar chinês. A fabricante de turbinas “Goldwind”, de igual forma contratou executivos de créditos firmados no campo de energia limpa, para representar a empresa nas suas operações nos Estados Unidos. A fabricante de máquinas “Sany”, cujos principais concorrentes internacionais incluem a “Caterpillar” e a “Komatsu”, tentou inicialmente ter sucesso nos mercados europeu e americano, contando com talentos e tecnologia locais. Mas alguns passos errados encorajaram a empresa a estabelecer centros de P&D intimamente ligados à sede regional europeia e americana e a contratar profissionais desses países. A aquisição pela “Sany” da “Putzmeister”, líder na fabricação de bombas de cimento da Alemanha, em 2012, deu à empresa acesso à tecnologia de um único concorrente. Vemos as empresas chinesas a fazer um esforço concertado e eficaz para preencher grandes lacunas na sua capacidade de inovação por meio de aquisições e parcerias estrangeiras cada vez mais difundidas. Ainda assim, para se tornar uma força líder de inovação no século XXI, os chineses precisam de alimentar os inovadores do futuro. Esse é o trabalho das universidades chinesas. Na primeira metade do século XX, a China desenvolveu fortes instituições estatais como a “Universidade de Pequim”, “Universidade Jiao Tong”, “Universidade Nacional Central” e, no apogeu da pesquisa, a “Academia Sinica” que foram acompanhadas por um conjunto criativo de faculdades e universidades privadas. Actualmente, as faculdades e universidades particulares são responsáveis por mais de um quarto de todas as instituições de ensino superior na China, e estão a crescer mais rapidamente que as públicas. As grandes empresas também estão a envolver-se. A unidade “Taobao” do “Alibaba”, por exemplo, estabeleceu a “Universidade Taobao”, inicialmente para treinar proprietários de “e-business”, gestores e vendedores e com o tempo, oferecerá educação de negócios para mais de um milhão de estudantes “on-line”. A China em breve obterá mais “PhDs”, a cada ano do que qualquer outro país do mundo, dado que as universidades chinesas pretendem ser berços de pesquisa e forças criativas de alto nível, capazes de transformar pesquisa e inovação em maior produtividade. O governo chinês e muitas outras fontes estão a injectar enormes receitas nas principais instituições. Dentro de dez anos, os orçamentos de pesquisa das universidades de elite da China aproximar-se-ão das suas congéneres americanas e europeias, e em engenharia e ciências, as universidades chinesas estarão entre os líderes mundiais. Será que as universidades chinesas estabelecerão padrões globais no século XXI? É possível (mesmo que nenhuma actualmente esteja na lista das cinquenta melhores a nível mundial) simplesmente por causa dos recursos que provavelmente terão. Mas a questão mais importante é se a China tem um bom quadro institucional para a inovação. A resposta é que a muito curto prazo terão. A independência de procurar ideias onde quer que possam levar é uma pré-condição para a inovação nas universidades. Mas, por qualquer medida comparativa, os membros do corpo docente nas instituições chinesas terão maior poder na sua governança. Tal como na indústria, na educação, a China pode desfrutar por algum tempo daquilo que Joseph Schumpeter chamou de vantagem inicial que é a capacidade de aprender e melhorar o trabalho dos seus antecessores imediatos. A China mostrou inovação através da adaptação criativa nas últimas décadas e agora tem capacidade para fazer muito mais. A China terá a sabedoria para aliviar e a paciência para permitir o surgimento pleno do que Schumpeter chamou de verdadeiro espírito de empreendedorismo? Sobre isso, não há que ter dúvidas. [primeira parte]
Jorge Rodrigues Simão PerspectivasA China e a inovação (I) “China’s innovative ability languished after the fourteenth century. Today, however, China is determined not only to catch up with the West, but to re-establish itself at the forefront of technological innovation. Two forces are driving the surge of Chinese innovation. One is based on need-China’s pressing need to solve the myriad domestic problems that rapid economic development has created. The other is based on a new strategic direction for Chinese corporations: to enter high-value, high-margin sectors that are internationally competitive and where they will be matching global corporations, innovation for innovation. Much of this recent drive is through mergers with and acquisitions of successful Western firms that were made to gain brands, technology, and markets.” “China’s Next Strategic Advantage: From Imitation to Innovation” – George S. Yip and Bruce McKern [dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap]s chineses inventaram a pólvora, bússola, roda de água, papel-moeda, serviço bancário de longa distância, serviço civil e a promoção de mérito. Até ao início do século XIX, a economia da China era mais aberta e estimulada pelo mercado do que as economias da Europa. Actualmente, porém, muitos acreditam que o Ocidente é o lar de pensadores e inovadores de negócios criativos, e que a China é em grande parte uma terra de aprendizes rotineiros, um lugar onde a P&D é diligentemente perseguida, mas as descobertas são raras. Quando perguntamos qual a razão, as respostas em geral variam, segundo um estudo conduzido pela Universidade de Harvard, pois algumas pessoas culpam os engenheiros. A maioria das “start-ups” chinesas não é fundada por desenhadores ou artistas, mas por engenheiros que não têm criatividade para pensar em novas ideias ou projectos. Outros culpam o governo pela escala sem precedentes da sua falha em proteger os direitos de propriedade intelectual, chegando mesmo a invocar que os produtos da “Apple” foram pirateados em todo o mundo, mas absurdamente apenas a China abriu lojas totalmente falsificadas repletas de funcionários que pensam que trabalham para a empresa americana. Ainda outros culpam o sistema de ensino chinês, com a sua versão modernizada do que os japoneses denominam de inferno dos exames da China. Como é possível que estudantes tão completamente focados nos resultados dos testes possam ser inovadores? As décadas de experiência de campo e pesquisa na China e as dezenas de estudos de casos que foram analisados e publicados, permitem observar a existência e pouco mérito em todos esses pontos de vista, devendo ressaltar que muitas das empresas ocidentais mais inovadoras foram fundadas por engenheiros. Tais críticas não contam toda a história. A China não tem falta de empreendedores ou procura de mercado e dada a enorme riqueza e vontade política do governo, o país tem o potencial de definir o tipo de políticas económicas e construir o modelo de instituições de ensino e pesquisa idênticas às que impulsionam os Estados Unidos no domínio tecnológico. Mas esse potencial é usado? É possível ver desafios consideráveis. A observação de como a inovação está a acontecer na China, de cima para baixo e vice-versa, através de aquisições e educação, lança luz sobre as complexidades da questão, destacando a promessa e os problemas que o país enfrenta na sua procura para se tornar o líder da inovação mundial. O “Programa Nacional de Médio e Longo Prazo para o Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (MLP, na sigla em inglês)”, criado em 2006, declara a sua intenção de transformar a China em uma sociedade inovadora até 2020 e líder mundial em ciência e tecnologia até 2050. Tal declaração não é vazia, pois tem um histórico sólido de estabelecer políticas e incentivos, e depois observar os cidadãos e autoridades dos governos locais, até ao nível das aldeias, a segui-la. O governo chinês, durante quarenta anos, tem usado a sua riqueza de recursos e vontade política para estimular a inovação de topo. É de recordar que nas décadas de 1980 e 1990, a China criou a “National Natural Science Foundation of China” e o “State Laboratory”, e reformulou a “Academia Chinesa de Ciências” de estilo soviético para financiar pesquisas universitárias pré-comerciais em bases revistas pelos seus pares (em vez de políticas), da mesma forma que a “National Science Foundation” faz nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, o Estado, com o apoio dos governos regionais, financiou o desenvolvimento de zonas de alta tecnologia para promover a comercialização da inovação. A partir de 1985, quando a primeira dessas zonas foi desenvolvida, em Shenzhen, proliferaram a ponto de serem uma paragem usual nas excursões oficiais de qualquer grande cidade chinesa. O poder do governo de moldar indústrias inovadoras novas pode ser visto nos efeitos das suas políticas no sector de turbinas eólicas, pois em 2002, lançou um processo aberto de licitação para projectos de parques eólicos para incentivar a concorrência entre os fabricantes de turbinas. As importações estrangeiras inundaram o mercado incipiente da China, e em um modelo que se repetiria em outras indústrias, o governo exigiu que as empresas estatais adquirissem 70 por cento dos componentes das empresas domésticas. As empresas estrangeiras continuaram a investir directamente na China, mas até 2009, seis das dez maiores empresas de turbinas eólicas eram chinesas, o que culminou em um crescimento notável na participação das empresas domésticas nas vendas totais, que passaram de 51 por cento em 2006 para 93 por cento em 2010. O objectivo do MLP de 2006, era reduzir a dependência da China de tecnologia importada para uma cifra não superior a 30 por cento em poucos anos, aumentar o financiamento interno em P&D e ultrapassar os rivais estrangeiros no que o governo identificou como sectores estratégicos emergentes, biotecnologia, tecnologias de eficiência energética, produção de equipamentos, tecnologia da informação e materiais avançados. A fim de atingir tal objectivo, o governo chinês introduziu subsídios à exportação para as empresas chinesas e uma política que exige que os ministérios e as empresas estatais adquirissem bens, quando viável, de empresas de propriedade chinesa. Apesar das objecções de que esses movimentos violassem os termos da participação da China na Organização Mundial do Comércio, poucas firmas internacionais saíram do país, tendo-se resignado a apoiar a inovação chinesa. Assim, enquanto em 2004 havia cerca de seiscentos centros estrangeiros de P&D na China, em 2010 esse número mais do que duplicou, e a sua grandeza e importância estratégica aumentaram. A “Pfizer” mudou a sua sede na Ásia para Xangai no mesmo ano e em 2011, a “Microsoft” abriu o seu centro de P&D na região Ásia-Pacífico, em Pequim, e a “General Motors” abriu um Centro Técnico Avançado, composto por vários laboratórios de engenharia e desenho. A sede da P&D da Ásia da “Merck”, em Pequim entrou em actividade em 2014. Talvez não exista uma demonstração mais possante da capacidade da China de estabelecer e realizar metas ambiciosas do que o apoio do governo ao transporte ferroviário de alta velocidade e os esforços para colocar seres humanos na Lua, em que ambos os projectos exigem financiamento em uma escala aparentemente impossível para o país. É de acreditar na sua capacidade de inventar e adaptar numerosas tecnologias e que tais ambições podem impulsionar a inovação da mesma forma que os programas financiados pelo governo resultaram nos Estados Unidos na segunda metade do século XX. Há quem defenda limites, no entanto, para os que ainda consideram um governo demasiado musculado e motivado como o da China quanto às exigências em matéria de inovação e contra as intenções do governo e dos recursos nacionais, devido às correntes poderosas que se originam no sistema comunista e amenizadas pela forte liderança do presidente Xi Jinping e na cultura antiga da China. Existia o medo de que essas forças pudessem restringir a criatividade empreendedora que borbulha na China. No início da década de 1990, Edward Tian, um empreendedor educado nos Estados Unidos, fundou a “AsiaInfo”, que em três anos cresceu e se transformou em uma próspera empresa de trezentas e vinte pessoas e uma receita de quarenta e cinco milhões de dólares. O então primeiro-ministro, em 1996, frustrado com o ritmo lento das mudanças tecnológicas no sector das telecomunicações da China, convenceu Tian de que era seu dever deixar a empresa para liderar uma nova empresa, a “China Netcom”, para construir uma nova rede de fibra óptica que ligasse cerca de trezentas cidades e passados cinco anos era uma empresa inovadora, com uma cultura aberta e criativa, apesar de ser propriedade conjunta de quatro agências governamentais. Em 2002, quando o gigante das telecomunicações “China Telecom” foi desmembrado pelo governo, os seus dez mercados provinciais do norte foram integrados à “China Netcom” e do dia para a noite, Tian tornou-se responsável por uma organização de duzentas e trinta mil pessoas. O choque cultural entre as duas organizações foi extraordinário. Tian foi visto por muitos funcionários da “China Telecom” como um “outsider” americano que tentava reconstruir uma empresa estatal de forma inaceitável. Seis meses após a fusão, o estudo sobre o caso da “China Netcom” foi apresentado a setenta executivos chineses de topo, incluindo vinte da indústria de telecomunicações que em vez de extraírem lições sobre a relação entre mudança organizacional e o sucesso nos negócios, o grupo atacou Tian pela sua forma não-chinesa de administrar e de incompetência por apresentar a cultura do “Silicon Valley” na China de uma forma tão positiva, o que fez Tian abandonar o cargo na “China Netcom”. A “China Netcom” acabou por se parecer com uma empresa de telecomunicações moderna, com as estruturas de governança necessárias para serem cotadas nas bolsas de valores internacionais, mas permaneceu no coração de uma empresa estatal. Quando se pretende descobrir os gestores da empresa na procura do real proprietário poder-se-á pensar que é o secretário do partido, pois o “Partido Comunista da China” exige que um representante esteja presente em todas as empresas com mais de cinquenta funcionários. Todas as empresas com mais de cem funcionários devem ter uma célula partidária, cujo líder se reporta directamente ao partido no município ou província. Tais requisitos não se vêem que possam comprometer a natureza proprietária da direcção estratégica, das operações e da vantagem competitiva de uma empresa, restringindo assim o comportamento competitivo normal. Mas mesmo se o governo dissolver as células partidárias e, em vez disso, redobrar os seus esforços para incentivar inovações revolucionárias, não haverá um desincentivo maior que seriam as realidades económicas dos mercados nos quais as empresas chinesas operam e há quem se interrogue qual o motivo de ter o trabalho de ser pioneiro em ofertas inovadoras, quando as recompensas e as perspectivas de crescimento para melhorias são tão grandes, quer no mercado doméstico como no exterior? Se considerarmos a plataforma de serviço “business-to-business (B2B) Alibaba”, que em 2001 era tão insegura que se temia que fosse à falência, mas que adaptou criativamente as tecnologias estrangeiras às necessidades dos mercados em desenvolvimento, e que serve cem milhões de clientes em quase duzentos e cinquenta países. [continuação]
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO progresso da China [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] colossal progresso da China nas últimas décadas apanhou muitos analistas ocidentais de surpresa. Os que previam um futuro pessimista para o país acabaram por estar errados. A China é a maior economia do mundo em termos de “Paridade de Poder de Compra (PPC) ” (método para se calcular o poder de compra de dois países), com a maior classe média do mundo, reservas cambiais, classe proprietária e número de turistas que passeiam pelo exterior. A China também é o líder mundial em energia renovável em termos de investimento e produção, e do multilateralismo e globalização. A China tem a sua parcela de problemas, alguns dos quais são sérios e exigem soluções cuidadosas, mas o sucesso geral do país ao longo destes anos é incontestável. A que se deve este sucesso? Alguns estudiosos afirmam que é devido ao “Investimento Estrangeiro Directo (IDE)”. O “Relatório dos Investimentos Mundiais de 2017”, publicado pela “Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (CNUCED), classifica a China como sendo o segundo maior recebedor de IDE do mundo, ultrapassado apenas pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido. A recepção de IDE é parte da política de abertura da China ao mundo, e em 2016 foi de cento e trinta e três mil milhões de dólares, enquanto os fluxos de IDE da China para o exterior foram de cento e oitenta e três mil milhões de dólares. É de realçar que a Europa Oriental recebeu muito mais IDE em termos per capita; outros analistas afirmam que é devido a uma abundância de mão-de-obra barata, mas a Índia e a África fornecem ofertas menos dispendiosas; alguns afirmam que é devido a um estilo de governo autoritário, mas governos denominados de autoritários abundam na Ásia, na África, na América Latina e no mundo árabe sem o mesmo nível de sucesso que a China. Se essas explicações por si só se revelarem insuficientes para explicar como a China alcançou o seu êxito, deve-se procurar em outros lugares as respostas. Em essência, tem a ver com a natureza fundamental da China como Estado e o seu modelo de desenvolvimento. A China não é uma Alemanha Oriental alargada, nem é qualquer outro estado socialista comum. É um Estado civilizatório, indubitavelmente talvez o mais singular, uma vez que é o único país do mundo com uma história de Estado unificado por mais de dois mil anos. É também a única civilização do mundo a durar continuamente por mais de cinco mil anos, reunida em uma grande nação moderna. Qualquer país deste tipo é obrigado a ser exclusivo. A China é uma amálgama de quatro factores, ou seja, uma população enorme, um território super dimensionado, tradições longas e uma cultura extremamente rica. A China possui uma população maior que as populações totais da União Europeia, Estados Unidos, Rússia e Japão. O “Festival da Primavera da China” que se realiza anualmente, tem uma média de mais de três mil milhões de viagens nas vastas redes de transporte do país, o que equivale a mover as populações das Américas, Europa, Rússia, Japão e África de um lugar para outro em menos de um mês, o que serve de alguma forma para descrever a grandeza do país, bem como os desafios e oportunidades que se esperam. Os mais importantes líderes da China moldaram em grande parte o progresso do país, bem como o seu modelo único de desenvolvimento, do qual alguns remédios podem ser inspiradores. A filosofia orientadora do país é a de procurar a verdade a partir dos factos. Esse antigo conceito chinês foi revivido por Deng Xiaoping, o arquitecto do programa de reforma da China, após a revolução cultural de 1966 a 1976. Deng acreditava que os factos, emanados do Oriente ou do Ocidente, deveriam servir como critério último para estabelecer a verdade. Ao examinar os factos contemporâneos, a China concluiu que nem o modelo soviético de comunismo, nem o sistema ocidental de democracia liberal poderiam realmente habilitar um país em desenvolvimento a alcançar a modernização. A China decidiu explorar o seu caminho de desenvolvimento e, em 1978, adoptou uma abordagem pragmática de tentativa e erro para o seu programa maciço de desenvolvimento. Tal decisão constitui o fundamento filosófico do modelo da China que é o de colocar os meios de subsistência das pessoas em primeiro lugar, como conceito tradicional na governança política chinesa. Deng deu prioridade à erradicação da pobreza como principal objectivo nacional e prosseguiu uma estratégia realista. A reforma da China começou no campo, dado que a maioria dos chineses eram habitantes rurais. O sucesso dessas reformas iniciais colocou a economia chinesa em movimento e provocou uma reacção em cadeia, levando ao surgimento de milhões de pequenas e médias empresas, que imediatamente representaram mais de metade da produção industrial da China, preparando o caminho para a rápida expansão de indústrias manufactureiras e comércio exterior. A atenção da China para colocar os meios de subsistência das pessoas em primeiro lugar pode ter implicações positivas a longo prazo de forma a ampliar e melhorar os direitos económicos, sociais e culturais do povo. A natureza gradual da reforma é outro aspecto crucial do desenvolvimento do país, pois dado o seu tamanho e complexidade, Deng estabeleceu uma estratégia prudente descrita como “Atravessar o rio sentindo as pedras”, o que significa que mesmo que a China estivesse a avançar em novas direcções, precisava de permanecer com os pés assentes no chão, melhorar, sentir o caminho a seguir, mesmo no meio da incerteza e dessa forma incentivar a experiência em todas as grandes iniciativas de reforma, uma abordagem exemplificada pelas zonas económicas especiais da China, nas quais as novas ideias, como a venda de terrenos, empreendimentos conjuntos de alta tecnologia e uma economia orientada para a exportação foram testadas. Apenas quando as novas iniciativas estão provadas como aptas a funcionar, devem ser alargadas a todo o país. A China rejeitou a terapia de choque e trabalhou através das suas instituições, imperfeitas, gradualmente reformando-as para melhor servir o desenvolvimento e a modernização do país. A China tentou combinar a força da mão invisível do mercado com a mão visível da intervenção estatal para corrigir as falhas do mercado no que se tornou conhecido como a economia de mercado socialista. À medida que as forças do mercado foram libertadas pela mudança económica tremenda da China, o estado chinês garantiu a macro estabilidade política e económica, afastando o país das catástrofes financeiras em 1997 e 2008. O governo, actualmente, está a procurar uma estratégia para promover as energias renováveis e abraçar a nova revolução industrial e científica. O modelo de economia mista não é perfeito, mas desde a sua criação em 1992, a China é a única grande economia mundial que não sofreu crises financeiras ou económicas, enquanto o padrão de vida das pessoas está a aumentar de forma mais rápida que em qualquer outro lugar do mundo e a sua contribuição para o crescimento da economia mundial é maior que a dos Estados Unidos, Europa e Japão, em conjunto. O modelo não é perfeito, mas está a melhorar mais que outros modelos, quiçá inclusive que o do Ocidente. A transformação da China foi liderada por um Estado visionário e orientado para o desenvolvimento. O Estado chinês é capaz de moldar o consenso nacional sobre a necessidade de reformas e modernização e garantir a estabilidade política e macroeconómica global, bem como procurar objectivos estratégicos difíceis, como a aplicação da reforma das empresas estatais e do sector financeiro e estimular a economia contra a desaceleração global e que tem origem em uma tradição confuciana de um Estado forte e benevolente apoiado pela meritocracia a todos os níveis. É de considerar que apesar das suas fraquezas, ao longo das últimas quatro décadas, o Estado chinês presidiu ao crescimento económico mais rápido e à melhoria dos padrões de vida na história humana, e os principais inquéritos independentes, incluindo os da “Pew Research Center (PEW)”, que é uma organização não partidária que informa o público sobre as questões, atitudes e tendências que moldam o mundo, realizando pesquisas de opinião pública, demográfica, análise de conteúdo e outras no âmbito das ciências sociais orientadas a dados e que não tomam posições políticas e da “Ipsos”, que é uma organização que realiza estudos sobre pessoas, mercados, marcas e sociedade, fornecendo informações e análises que tornam o mundo complexo mais fácil e rápido para navegar e inspira os destinatários a tomar decisões mais inteligentes assim revelam. Ambas as organizações mostraram um padrão consistente no qual as autoridades chinesas tiveram um alto grau de respeito e apoio no país. A pesquisa da “Ipsos”, em 2016, mostra que 90 por cento dos chineses ficaram satisfeitos com o rumo que o país estava a levar, enquanto apenas 37 por cento dos americanos e 11 por cento dos franceses disseram o mesmo para os seus respectivos países. Segundo a pesquisa as pegadas dos turistas chineses foram encontradas em todos os cantos do mundo entre 2014 e 2016. As cidades asiáticas ainda eram os destinos mais escolhidos pelos turistas chineses (77,67 por cento), seguidos das cidades europeias (32,07 por cento) e das cidades americanas (20,29 por cento). A Coreia do Sul e o Japão eram os destinos mais populares na Ásia, seguidos por cidades no sudeste da Ásia. Na Europa, a França, Grã-Bretanha e Itália foram os mais visitados e, na América, os Estados Unidos. As cidades com voos directos foram mais visitadas pelos turistas chineses. A reputação dos voos também teve um impacto directo em excursões para esses destinos. A Ásia é a escolha preferida dos turistas chineses, mas à medida que o seu rendimento aumentava, tendiam a escolher viagens de média e longa distância, primeiro para a Europa, depois para a América, Oceânia e África. A pesquisa mostrou que, embora o número absoluto de turistas chineses para a África fosse pequeno, o crescimento era proeminente. As dez cidades que os turistas chineses escolheram para viagens de curta distância, em 2016, foram Seul, Bangkok, Tóquio, Osaka, Nagoya, Ilha de Jeju, Singapura, Incheon, Kobe e Nara e as dez cidades que os turistas chineses escolheram para viagens de longa distância foram Paris, Londres, Sydney, Los Angeles, Roma, Nova Iorque, Washington, São Francisco, Melbourne e Veneza. Descrever a política da China como falta de legitimidade ou mesmo à beira do colapso, como por vezes aparece nos meios de comunicação social, é estar fora de contacto com a realidade da China. A experiência chinesa, desde 1978, mostra que o teste final de um bom sistema é até que ponto pode garantir a boa governança julgada pelas pessoas. A dicotomia sagrada da democracia versus a autocracia é por vezes vazia no mundo complexo que vivemos, dado o grande número de democracias mal governadas em todo o mundo. A experiência da China pode, eventualmente, criar uma mudança paradigmática no discurso político internacional longe dessa dicotomia antiga para uma nova, de boa versus má governança, na qual a boa governança pode parecer um sistema político ocidental ou um não -ocidental. De igual forma, a má governança pode assumir a forma do sistema político ocidental ou não. Em resposta ao politólogo americano, Francis Fukuyama, autor do livro “The End of History e Last Man”, actualmente não se vive o fim da história, mas o fim do fim da história, não sendo apenas bom para a China, mas beneficiando o Ocidente e o mundo, dado que se pode explorar conjuntamente novas formas e melhor governança e desenvolvimento no interesse da humanidade.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA Grande Baía de Guangdong – Hong Kong – Macau “China will continue to explore new mechanisms and pathways for achieving coordinated development among regions, and “build world-class city clusters and foster new sources of growth.” 2017 APEC CEO Summit – President Xi Jinping [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]o longo da última década, a China tem trabalhado para mudar o modelo de crescimento dirigido pela produção, alimentado por mão-de-obra de baixo custo, para um modelo de maior valor acrescentado, liderado pela inovação e sustentado por fortes ganhos de produtividade. A urbanização é fundamental para facilitar essa mudança, inclusive através de economias de escala. Ainda que a China seja o país mais populoso do mundo e a segunda maior economia, a taxa de urbanização do país permanece muito abaixo da média global. Apenas metade da população vive em áreas urbanas e menos de 10 por cento são residentes permanentes nas suas megacidades. É nas megacidades da China que se encontra o maior potencial para impulsionar o progresso futuro da produtividade e, logo, do crescimento do PIB. A China tem quatro principais cidades em termos de população e desenvolvimento que são Pequim, Xangai, Guangzhou e Shenzhen e, dado o tamanho da população e da sua economia, pode-se considerar muito pouco e, de facto, não existem motivos para acreditar que essas megacidades tenham atingido a sua capacidade, em termos de população ou contribuição para o crescimento económico. A China tem muitas cidades dinâmicas de segundo nível, como Chengdu, Tianjin, Hangzhou, Wuhan e Suzhou, que são capazes de atingir o estatuto de primeiro nível se tiverem oportunidade. Mas, para maximizar o potencial das cidades da China, o governo terá que ser muito mais adaptável e flexível, especialmente no que se refere ao controlo rigoroso dos rácios de desenvolvimento da área urbana, caso contrário, a urbanização continuará a fazer subir os custos de habitação que já são altos, mas não eficientes para impulsionar o desenvolvimento sustentado. A boa notícia é que os governos locais estão a trabalhar para aliviar, ou mesmo eliminar, as restrições administrativas existentes e estão a introduzir as chamadas conversões das cidades e vilas, para expandir os distritos urbanos para as jurisdições rurais. Tais esforços podem permitir maior construção de habitações e expansão industrial e comercial. A outra estratégia electiva para promover a transição da China para um modelo de crescimento liderado pela cidade, é expandir o papel desempenhado pelos aglomerados urbanos que incentivam a força das cidades de primeiro nível para impulsionar o crescimento em áreas menos desenvolvidas. O rio Yangtzé e o “Delta do Rio das Pérolas” são do ponto de vista económico, as áreas mais importantes. O primeiro-ministro, em Março de 2017, anunciou um plano para o “Desenvolvimento de um Cluster da Cidade (CCD na sigla em língua inglesa)”, que é uma abordagem de desenvolvimento liderada por cidades, que melhoram as suas capacidades de promover o crescimento económico em uma zona urbana alargada, que é definida por esferas espaciais de influência económica e não jurisdições administrativas. O CCD foi adoptado pelo “Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB na sigla em língua inglesa)” como uma nova estratégia a longo prazo (Estratégia 2020) para reduzir a pobreza nos países membros em progresso, através do desenvolvimento inclusivo e das actividades de promoção do crescimento, que oferece uma excelente oportunidade para atingir um crescimento económico e social sustentável. O desenvolvimento assente em “clusters” converteu-se em um tema cada vez mais atractivo durante a última década no campo da competitividade empresarial e desenvolvimento económico. O CCD é uma visão conduzida pelas cidades que melhoram o potencial de desenvolvimento de urbes e pessoas dentro de uma região urbana ao vincular estrategicamente os seus campos de desenvolvimento, através da provisão eficiente de infra-estruturas, serviços urbanos e financiamento inovador. O termo “cluster” ligado às indústrias foi introduzido pelo economista americano, Michel Porter, em 1990, no seu livro “Competitive Advantages of Nation”. O CCD na “Área da Grande Baía de Guangdong – Hong Kong – Macau” abrange onze cidades, sendo Dongguan, Foshan, Guangzhou, Huizhou, Jiangmen, Shenzhen, Zhaoqing, Zhongshan e Zhuhai da província de Guangdong, Hong Kong e Macau. É de considerar que entre 2010 e 2016, o PIB anual da “Área da Grande Baía (AGB)” subiu de oitocentos e vinte mil milhões de dólares para quase o dobro, tornando-se a terceira maior economia urbana do mundo, depois de Tóquio e Nova Iorque. Todavia, a população da AGB está a crescer rapidamente, e o seu PIB per capita é menos de metade de Tóquio, indicando que o seu potencial está longe de se esgotar. Os líderes chineses estudam uma segunda AGB, centrada na Baía de Hangzhou, que, por sobrepor-se ao “Delta do Rio Yangtze”, poderia percorrer um longo caminho para integrar a região já próspera. Esse CCD poderia cobrir a megacidade do litoral de Xangai, bem como cerca de dez cidades mais importantes nas províncias vizinhas de Zhejiang e Jiangsu, que incluiu portos de categoria mundial, como o Porto de Ningbo – Zhoushan, que é o mais movimentado do mundo em termos de tonelagem de carga e abarcaria duas das onze zonas de comércio livre da China. O ritmo do crescimento económico da China nas últimas quatro décadas não tem antecedentes. A China ainda não completou a sua elevação ao estatuto de país rico e à medida que moderniza a sua economia para se tornar mais assente no conhecimento e orientada para a tecnologia, é novamente impulsionada nos seus pontos fortes e não existe melhor exemplo do esforço em curso para aproveitar o potencial das megacidades. O novo plano de desenvolvimento e integração regional consubstanciado no projecto da AGB foi concebido como parte da estratégia nacional da “Iniciativa Cinturão e Rota (Iniciativa)”, que é o maior plano de desenvolvimento do país. É de esperar que o projecto da AGB tenha um apoio mais forte do governo central do que a cidade de Shenzhen tem desfrutado no seu caminho para o sucesso. Ainda que se encontre no seu estádio inicial, a fase de planeamento, ainda é caracterizada pela falta de detalhes, pois o projecto de desenvolvimento regional e de integração, atraiu muitos cépticos, que se tiverem a preocupação em observar a história do sucesso de Shenzhen e possuírem uma visão a longo prazo, poderão quiçá, visualizar o sucesso final do projecto da AGB, bem como as enormes oportunidades que oferecerá a todas as cidades participantes. O apoio total do governo central faz antever que a região de Guangdong, Hong Kong e Macau tem todas as condições necessárias para que um CCD de super cidade se desenvolva com sucesso e que incluem excelentes portos de águas profundas, centros de inovação possantes, mercados financeiros sofisticados, centros de transporte, bem como um enorme agrupamento de talentos. O plano preliminar para converter a AGB no maior contribuinte mundial em termos de Produto Interno Bruto (PIB) até 2030, foi apresentado à “Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China (CNDR)” de onde consta o desenvolvimento de um grupo de cidades na área, que abrange a maioria das regiões da China, onde o cantonense é falado. O “Centro Internacional de Intercâmbios Económicos e Técnicos de China (CIIETCH)”, estabelece os objectivo, gestão, desenvolvimento e as principais tarefas do plano para a área. É de esperar que a AGB até 2020, se torne uma das principais áreas de baía do mundo e forme o quadro básico para um agrupamento de cidades de categoria mundial. É de esperar que também, em 2030, a AGB tenha o PIB mais alto de todas as áreas de baía do mundo e seja um centro de produção avançado, bem como um importante elo global para a inovação, finanças, transportes e comércio. A AGB registará melhorias substanciais no seu dinamismo, em termos de cooperação e competitividade globais, e elevar-se-á à frente dos grupos de cidades de renome mundial no mesmo ano. As estimativas sugerem que o PIB da AGB chegará a quatro triliões e sessenta e dois mil milhões de dólares até 2030, acima do das áreas da baía de Tóquio, Nova Iorque e São Francisco e tornar-se-á líder entre as suas congéneres. O plano inclui importantes projectos de infra-estruturas, plataformas de desenvolvimento e cooperação económica e comercial que terão um impacto muito para além da AGB. A ideia de criar este plano surgiu em 2009, em um relatório de pesquisa para o desenvolvimento coordenado do grupo de cidades na grande região do “Delta do Rio das Pérolas”, publicado em conjunto pelos governos locais das três regiões. A iniciativa proposta é uma prova do significativo desenvolvimento económico da região. O PIB combinado das onze cidades da área atingiu um trilião e quatrocentos mil milhões de dólares em 2016, ou seja, 12 por cento da economia nacional, ainda que represente apenas 5 por cento da população do país. À medida que a área se desenvolve, a sua influência provavelmente estender-se-á para além dos limites geográficos do “cluster” da cidade, para desempenhar um papel fundamental na Iniciativa, servindo como um vínculo fundamental, que ligará os países da “Rota Marítima da Seda” ao longo do século XXI. O objectivo da iniciativa da AGB é ambicioso, pois combina Hong Kong, Macau e as cidades do “Delta do Rio das Pérolas” da província de Guangdong para criar uma região com o peso económico que é comparável às “Áreas da Baía de S. Francisco e de Nova Iorque” e à “Grande Área de Tóquio”, e para ter sucesso, as relevantes infra-estruturas, políticas e regulamentos terão que estar funcionáveis para garantir que pessoas, bens e serviços possam fluir livremente dentro da região. A transformação da China de uma economia agrícola em uma poderosa fonte de produção nas últimas décadas tem sido admirável. O país encontra-se a meio de outra mudança importante, para um serviço impulsionado pela economia e em nenhuma outra parte do mundo é mais verdadeiro que no “Delta do Rio das Pérolas”, onde Shenzhen, por exemplo, é um dos principais centros de inovação de alta tecnologia do mundo. A região também está no centro de uma rede de cadeias de fornecimento que ligam Guangdong ao resto do mundo, e é capaz de recorrer a uma forte base de produção. A região também é apoiada por indústrias de serviços financeiros e profissionais dos melhores do mundo. O crescimento futuro da região exige maior coordenação de recursos financeiros, materiais e humanos, daí a pressão da China para o estabelecimento da AGB. Esta iniciativa visa reunir as principais cidades da região do “Delta do Rio das Pérolas”, para construir uma nova potência, comparável a outros “clusters” da cidade como a “Grande Área de Tóquio”, a “Área da Baía de S. Francisco” e a “Grande Nova Iorque” . As onze cidades da AGB têm uma população total de quase sessenta e sete milhões de habitantes, sendo maior que a área metropolitana de Tóquio, que é o maior conjunto de cidades do mundo, com uma população de quarenta e quatro milhões de pessoas. A AGB possui um PIB combinado de um trilião e trezentos e quarenta mil milhões de dólares, que é inferior ao da “Grande Nova Iorque”, com um trilião e seiscentos e dez mil milhões de dólares e ao da “Grande Tóquio” com um trilião e setecentos e oitenta mil milhões de dólares, em 2016. Hong Kong continua a ser a maior economia da AGB. O seu PIB de trezentos e dezanove mil milhões de dólares, em 2016, será provavelmente ultrapassado no futuro previsível por Guangzhou com duzentos e oitenta e cinco mil milhões de dólares e Shenzhen com duzentos e oitenta e três mil milhões de dólares. Macau com um PIB de quarenta e quatro mil milhões e setecentos milhões de dólares, apenas está à frente das cidades de Jiangmen e Zhuhai. O conceito detalhado da AGB remonta a 2011, com um estudo chamado de ” Plano de Acção para a Zona da Baía do Estuário do Rio das Pérolas”, elaborado em conjunto por funcionários de Hong Kong, Macau, Shenzhen, Dongguan, Guangzhou, Zhuhai e Zhongshan. A ideia de uma cidade “cluster” no sul da China foi reforçada pelo “Décimo Terceiro Plano Quinquenal” para o período de 2016 a 2020 que foi aprovado na “Quinta Sessão Plenária do Décimo Oitavo Comité Central do Partido Comunista da China”, celebrada em Pequim, de 26 a 29 de Outubro de 2015, que levou à celebração de um acordo – quadro, em Julho de 2017, que foi assinado pelo principal órgão de formulação de políticas da China, a “Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (NDRC na sigla em língua inglesa) ” e os governos de Guangdong, Hong Kong e Macau. Um dos principais objectivos da AGB é melhorar o nível de cooperação dentro da região, que inclui a identificação das principais vantagens competitivas das cidades e explora formas para que se complementem como por exemplo, construir sobre a conjuntura forte de recursos financeiros e profissionais dos sectores de serviços de Hong Kong, a fabricação de alta tecnologia e capacidades de inovação de Shenzhen, e as forças de produção de Dongguan e Guangzhou. A AGB, tem o potencial de estender o seu alcance para além do “Delta do Rio das Pérolas”, para as províncias próximas de Fujian, Jiangxi, Hunan, Guangxi, Hainan, Guizhou e Yunnan, e tem como objectivo alcançar mercados no Sudeste e Sul da Ásia. O desenvolvimento da AGB, também deve actuar como um catalisador para a Iniciativa, que é uma estratégia ambiciosa que visa ligar as economias ao longo do “Cinturão Económico da Rota da Seda” (Ásia Central para a Europa) e a “Rota da Seda Marítima” (Sul da Ásia para a África e Médio Oriente), conjuntamente. As cidades da região oferecem uma ampla gama de competências e serviços e devem desenvolver-se de acordo com as suas vantagens comparativas. A possível abordagem prevê que a R&D deverá ser realizada em Shenzhen, Hong Kong ou Guangzhou e a produção em Dongguan e outras cidades do “Delta do Rio das Pérolas”. As empresas podem tirar proveito de Hong Kong com base no princípio “um país, dois sistemas “, que faz parte da China, mas com seus próprios regimes legais e financeiros, e também podem aproveitar o seu estatuto de Região Administrativa Especial, como porta de entrada entre a China e o mundo e como um centro financeiro internacional para angariação de fundos, gestão de activos, passivos e riscos, serviços de tesouraria corporativa, seguros e re-seguros e, mais recentemente serviços de renminbi no mercado offshore. A região possui algumas das cadeias de fornecimentos mais eficientes do mundo, bem como um grupo de talentos bem desenvolvido e bilingues. Os maiores movimentos transfronteiriços de capital, pessoas, bens e serviços dentro da AGB são essenciais para o desenvolvimento bem sucedido da região. As cidades da AGB enquadram-se em diferentes zonas alfandegárias, bem como em sistemas administrativos, pelo que as melhorias nos movimentos transfronteiriços dependem da cooperação e esforços das instituições e organismos interinstitucionais. A questão mais urgente é para os governos locais dentro da região colaborarem em uma ampla gama de temas, que incluem as políticas económicas, meio ambiente, transporte e as questões de harmonização regulatória. A conclusão da ponte Macau – Zhuhai – Hong Kong e a ligação ferroviária de alta velocidade vão melhorar a ligação terrestre e induzir maior cooperação entre as cidades da AGB, pelo que este tipo projectos somados a muitas outras iniciativas fará da região um contribuinte chave para a maior abertura da economia chinesa.
Jorge Rodrigues Simão PerspectivasA Nova Rota da Seda (II) [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China é o maior credor da Ásia Central e Oriental e as instituições políticas da China encaminharam para as principais “empresas estatais (SOE na sigla em língua inglesa)”, para começarem a fazer negócios com as empresas dos países que participam no projecto, pois parece existir uma pressão política, para que este tenha sucesso. É de considerar que grandes empresas públicas com recursos enormes acumulavam aproximadamente 1 trilião de dólares nos últimos anos e representam entre 25 a 30 por cento da produção industrial da China. É crucial que as empresas públicas adoptem projectos para a Iniciativa, para sobreviverem. O plano “Uma Faixa, Uma Rota” irá enfrentar muitos desafios no futuro. O equilíbrio de poder instável em muitas áreas do mundo e a incerteza política em países considerados fulcrais e que receberão os investimentos da Iniciativa, aumentou para níveis críticos e muitos países por onde passará a “Nova Rota da Seda”, enfrentarão políticas internas instáveis e desafios de segurança. O Paquistão, Afeganistão, Síria e Turquia, estão entre os países que têm de reavaliar as suas políticas e áreas de actuação internas para fornecer a credibilidade necessária à China para os investimentos em curso. O governo chinês deve ter em consideração a frágil situação em uma infinidade de países euro-asiáticos, na perspectiva das relações internacionais. Existem também, desafios a nível económico e mais especificamente, interrogações sobre se a liderança chinesa na Iniciativa terá em conta o crescimento da economia chinesa. É de acreditar que a economia chinesa está no bom caminho, e o presidente chinês defende que a economia deve ser menos dependente das exportações e da construção de infra-estruturas públicas. Parece que não existe uma estratégia clara, nem prioridades concretas, sobre quais os tipos de projectos que devem ser realizados. Quanto a corrupção, vários relatórios chegaram à conclusão de que muitos fundos não podem ter sido descaminhados no suborno a funcionários e, em olear as rodas, para que o projecto avance. É de esperar que a China perca 80 por cento dos seus investimentos no Paquistão, 50 por cento no Myanmar, e 30 por cento na Ásia Central. Existe a possibilidade de um aumento do terrorismo e outras ameaças à segurança. O movimento radical islâmico terá mais oportunidades de se mover através de toda a região e maiores formas de financiamento do terrorismo podem ocorrer, e ainda se desconhece como a União Europeia (UE) retribuirá aos movimentos chineses no sistema económico internacional. A Comissão da UE aceitou muitos investimentos chineses, mas declarou que examinará estritamente todos os outros investimentos, que deveriam ser implementados sob os valores de transparência empresarial, com respeito ao meio ambiente e aos direitos laborais. É de esperar que a Rússia tente suavizar o plano chinês fazendo que China respeite as leis e os direitos acima mencionados dos países com quem irá cooperar. Por outro lado, os Estados Unidos parecem incapazes de reagir à iniciativa chinesa. Há quem acredite que, através dos efeitos colaterais de capital para investimentos, a China também possa transmitir alguns problemas internos, de natureza militarista e nacionalista, aos países vizinhos, e muitos países da região temem essa ideia, sendo que tal suspeita que parece de todo infundada, cresce em torno das razões do projecto. O interesse pela área de Caxemira aumentou, especialmente no Paquistão e Índia. A Índia preocupa-se com os movimentos da China, e expressou a sua oposição ao projecto que se realizará em Caxemira e no Myanmar, uma linha de caminho-de-ferro planeada no valor de vinte mil milhões de dólares que ligará as cidades de Kyaukpyu e de Kunming, irritou os habitantes locais que enfrentam o interesse chinês como recordação do “Império do Meio”. É de realçar que na Ásia Central, existe uma geral desconfiança sobre os chineses devido ao facto de que ainda não passaram muitos anos desde que reinaram a região, e existe uma falta de compreensão cultural das populações locais e como resultado, há muitas fricções entre as empresas locais e as chinesas. A Grécia, devido à sua posição geográfica e geopolítica única, parece ser a principal entrada da China para a Europa, através da “Rota Marítima da Seda”. A localização ideal do porto de Pireu, na encruzilhada da África, Ásia e Europa, e uma capacidade de acomodação grande, o suficiente, mesmo para grandes e modernos navios porta-contentores, converte o porto em um bem valioso da Iniciativa, pelo que dá a entender que muitas e boas oportunidades surgirão no futuro próximo, com origem na realização de negócios de investimentos em transportes, sector da energia, telecomunicações e na área do turismo. A distância do porto de Pireu de outras significativas cidades costeiras e movimentados portos, destacam a importância estratégica do porto por economizar tempo e dinheiro, se for explorado pela “Rota Marítima da Seda”. O primeiro passo para a presença chinesa no país ocorreu em 2009, quando a “China Ocean Shipping (Group) Company (COSCO na sigla em língua inglesa)”, uma empresa estatal da China, que é uma das maiores empresas de transporte marítimo do mundo, começou a operar a parte do terminal de porta-contentores por um período de trinta e cinco anos e nos termos do acordo, um montante inicial de cinquenta milhões de euros seriam pagos à Grécia, e durante todo o período de actividade, estima-se que em um total de quatro mil milhões e trezentos milhões de euros seja pago pela COSCO. A privatização do terminal de contentores da “Autoridade do Porto de Atenas (OLP)”, foi outro marco importante para o envolvimento chinês no porto de Pireu. Os próximos passos incluíram a assinatura de um acordo entre a empresa chinesa de telecomunicações, ZTE Corporation e a empresa grega Forthnet, e a aquisição da empresa grega “Independent Power Transmission Operator S.A. (IPTO sigla em língua inglesa ou ADMIE na sigla em língua grega)”, que é a empresa operadora do sistema de transmissão de electricidade helénica, pela empresa chinesa “State Grid Corporation of China (SGCC na sigla em língua inglesa)”, por um montante de trezentos e vinte milhões de euros. É de notar que qualquer aquisição por parte das empresas chinesas está sob o olhar microscópico da Comissão Europeia, que, aparentemente, leva em conta os interesses geopolíticos da UE. Além disso, espera-se que a Iniciativa OBOR aumente o comércio chinês e influencie a região e mudança do modelo económico do país, baseado em exportações e infra-estruturas para um mais consumidor. A Iniciativa OBOR pode enfrentar algumas dificuldades sérias em relação ao seu planeamento e implementação, devido à natureza altamente ambiciosa da Iniciativa. O envolvimento de vários países no projecto também pode desacelerar o processo de tomada de decisão e, aumentar o tempo necessário para a construção de infra-estruturas e, em geral, o desenvolvimento de projectos que são vitais para a sustentabilidade da Iniciativa. Quanto mais países participarem no projecto, mais provável é ter interesses nacionais opostos e um aumento de risco económico e político a ser regulado pelo principal investidor de todo o projecto que é a China. Todos esses factores devem ser levados em consideração pela China durante a implementação da Iniciativa OBOR. A China deve decidir sobre o dilema de como prosseguir com a Iniciativa, apoiando as empresas estatais chinesas, ou por regiões com desempenho menor. As empresas públicas desempenham um papel importante na economia chinesa e essas empresas poderiam arrastar a economia chinesa e, consequentemente, poderiam causar desvantagens também no desenvolvimento de todo o projecto. O sinal precoce com imediato impacto foi o facto de a Moody’s ter anunciado a 24 de Maio de 2017, a redução da nota atribuída à dívida pública da China de “Aa3” para “A1”, devido à queda das reservas cambiais e prevendo que as autoridades aprovem mais estímulos económicos. A baixa do “rating” da China pela primeira vez desde 1989, faz questionar se as instituições têm a capacidade de proceder com reformas (especialmente na área de SOEs). A verdadeira questão que fica em aberto é o de saber se a China apoia as suas empresas, ou conseguirá mudar o seu modelo económico e respeitar os seus vizinhos? [primeira parte]
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA Nova Rota da Seda (I) “President Xi’s Belt and Road initiative (BRI), aimed to promote economic development and exchanges with China for over 60 countries, necessitates a wide range of security procedures. While the threats to Chinese enterprises and Chinese workers based on foreign soil are poised to increase, there is an urgent need to develop new guidelines for risk assessment, special insurance and crisis management.” “Securing the Belt and Road Initiative: Risk Assessment, Private Security and Special Insurances Along the New Wave of Chinese Outbound Investments” – Alessandro Arduino and Xue Gong [dropcap style=’circle’] A [/dropcap] “Nova Rota da Seda”, também conhecida como a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota (OBOR na sigla em língua inglesa)” ou “Iniciativa Faixa e Rota (BRI na sigla em língua inglesa)” abreviadamente designada por “Iniciativa”, é uma estratégia de desenvolvimento proposta pela China, que visa promover a cooperação económica e a ligação, principalmente, entre países euro-asiáticos. A Iniciativa é denominada, por comparação com a “Rota da Seda”, que era um caminho antigo de seis mil e quatrocentos e trinta e sete quilómetros de comprimento, que remonta à Dinastia Han Ocidental (206 aC – 220 dC) e costumava ligar as regiões da Ásia Oriental com o Médio Oriente e a Europa, tendo feito prosperar numerosas civilizações euro-asiáticas durante séculos. Assim, com a implementação da estratégia “Nova Rota da Seda”, a China pretende reavivar a rota de dois mil anos, investindo em alguns projectos de infra-estrutura sérios em todo o percurso, que se assemelha em grande parte à lendária “Rota da Seda”. A promoção do desenvolvimento e dos benefícios económicos para os países envolvidos e o estreitar dos laços culturais dos participantes são os principais objectivos da Iniciativa OBOR , ou seja, baseia-se em uma estratégia de desenvolvimento de ganhos para os países que estão localizados ao longo do percurso da “Nova Rota da Seda”. Os primeiros indícios da ideia da OBOR foram vieram à superfície durante as Olimpíadas de 2008, mas o plano ambicioso da China foi declarado pela primeira vez no segundo semestre de 2013, pelo presidente chinês Xi Jinping. O projecto OBOR consiste em duas rotas diferentes, sendo uma terrestre e outra marítima, começando e terminando ambas na China. A primeira rota denominada de “Faixa Económica da Rota da Seda” começa na cidade de Xian, onde se encontra localizado o exército de terracota, na China Central, e leva ao norte da Europa, até Roterdão, como o mais movimentado porto europeu, percorrendo todo o caminho da Ásia Central, Médio Oriente, Europa Oriental, Rússia e o centro da Europa. A “Rota Marítima da Seda”, por outro lado, liga o Mar Mediterrâneo com o Mar da China Meridional, em um longo caminho que vem através do Canal de Suez, Oceano Índico e Estreito de Malaca. É de prever que cerca de sessenta e cinco a setenta países e um total de quatro mil milhões e quatrocentos milhões de pessoas que representam 60 por cento da população global, beneficiarão da participação no projecto OBOR, que levará no mínimo entre trinta a trinta e cinco anos a ser realizado. Tendo em vista implementar com êxito este plano ambicioso, a China está a planear a construção de seis corredores económicos, a fim de unir a “Faixa Económica da Rota da Seda”, com a “Rota Marítima”, enquanto em alguns corredores a infra-estrutura existente será explorada, em outras áreas e será construída, de acordo com o projecto OBOR. Os corredores parecem ter uma orientação para oeste e sul, o que significa que as regiões do Japão e Coreia do Norte e do Sul são excluídas do projecto, pelo menos por enquanto. Os seis corredores económicos que diferem em tamanho e comprimento, são a Península da China-Indochina, o “Fórum Bangladesh-China-Índia-Myanmar para a Cooperação Regional (BCIMEC na sigla em língua inglesa)”, o “Corredor Económico China-Paquistão (CPEC na sigla em língua inglesa)”, a Nova Ponte Continental da Eurásia, a China-Ásia Central-Ásia Ocidental e a China-Mongólia-Rússia. É de ressaltar que o planeamento e a construção desses corredores estão actualmente em vários estádios quanto à sua implementação, aparentemente, devido à natureza multilateral dos acordos mencionados. Quanto ao projecto, os primeiros esforços da China ocorreram com a assinatura de acordos de negócios no valor de trinta mil milhões de dólares com o Cazaquistão, a melhoria das infra-estruturas no Sri Lanka e mais especificamente, a reconstrução do porto de Colombo, em um acordo no valor de mil milhões e quatrocentos milhões de dólares. A China prosseguiu a um ritmo acelerado para o estabelecimento do “Banco Asiático de Investimento em Infra-estrutura (AIIB na sigla em língua inglesa) ” (Portugal é membro desde 15 de Abril de 2015), com um capital inicial de cem mil milhões de dólares. Aparentemente, o objectivo principal do banco é financiar todos os projectos relacionados com a “Rota da Seda”. É de realçar que muitos países desenvolvidos adquiriram o estatuto de membros no AIIB, ainda que a maioria seja aliada dos Estados Unidos, como a Alemanha, França, Reino Unido e outros. Existe uma grande apreensão entre os países ocidentais de que a “Rota da Seda”, conjuntamente com o AIIB tentará substituir o sistema financeiro actual estabelecido pelo Banco Mundial. A China estabeleceu o ambicioso objectivo de alcançar um investimento de um trilião de dólares em projectos de infra-estruturas. O plano abrangerá um número considerável de países que acumulam 30 por cento do PIB mundial. Existem, actualmente, sessenta e oito países que participam na Iniciativa e mais de novecentos acordos estão a ser preparados, que representam um total de oitocentos e noventa mil milhões de dólares, enquanto a China declarou que está disposta a investir o total de quatro triliões de dólares em todo o projecto. É notável que o AIIB tenha apenas fornecido crédito no valor de mil milhões e setecentos e trinta milhões de dólares para o projecto. A Iniciativa tem quatro objectivos chave, que são melhorar as infra-estruturas regionais, aumentar a coordenação da política económica regional, integração de mercados e incentivar os laços culturais para construir apoios para o projecto mais alargado. O plano baseia-se em um conjunto de infra-estruturas de transporte, energia e projectos de telecomunicações, juntamente com planos para aumentar a cooperação diplomática regional, redução de custos financeiros, provisão de mais crédito e integração cultural. Apresenta três propostas básicas, sendo a primeira relativa às telecomunicações e satélites, com o estabelecimento de uma rede de cabos ópticos para melhorar a conectividade internacional e ter uma transmissão de dados mais rápida, reduzindo assim os custos para os países participantes. As multinacionais de telecomunicações chinesas como “Zhong Xing Telecommunication Equipment Company Limited (ZTE Corporation na sigla em língua inglesa) ” e a “Huawei Technologies Co., Ltd. (Huawei)”, assinaram grandes acordos para a construção de redes, como a de um cabo de fibra óptica no Afeganistão. A adopção do sistema de posicionamento global “Compass ou BeiDou-2” chinês, rival do GPS, aumentará a independência dos sistemas ocidentais de telecomunicações. A segunda proposta é relativa às áreas urbanas, com a manutenção de vastos dados que poderiam melhorar todos os aspectos diários das cidades. Actualmente, existe uma integração de informações e avanços tecnológicos. A cidade de Yinchuan, capital da província de Ningxia, por exemplo, oferece aos cidadãos uma variedade de serviços inovadores, incluindo o acesso a informações da cidade, através de “Códigos QR” (código de barras bidimensional que pode ser facilmente digitalizado usando a maioria dos telefones celulares equipados com câmara), e a capacidade de pagar tarifas de autocarros no embarque através de suporte lógico de reconhecimento facial. A terceira proposta é relativa ao comércio electrónico, como as empresas chinesas “Grupo Alibaba (Alibaba)” e “JD.Com (JD)”, que estabelecerão armazéns em todas as regiões da Iniciativa, de modo a melhorar o sistema de fornecimentos e logística, trazendo melhores negócios para cada membro da Iniciativa, devido a uma enorme redução nos custos. A Iniciativa será financiada pelo “Banco Popular da China (PBC na sigla em língua inglesa)” que transferiu oitenta e dois mil milhões de dólares para três bancos estatais. A China criou um fundo especial para a Iniciativa com um capital total de quarenta mil milhões de dólares e conjuntamente com o AIIB, são os pilares do gigantesco projecto em termos de financiamento. Além disso, o “Banco de Exportação e Importação da China” emprestou oitenta mil milhões de dólares em 2015, enquanto no mesmo período, o “Banco Asiático de Desenvolvimento (BAD) ” emprestou vinte e sete mil milhões de dólares. [continuação]
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesAs leis da globalização (II) “The BRI launched by President Xi Jinping in 2013, which is intended to promote economic development and exchanges between China and more than 60 countries, is gaining momentum. The revival of the ancient Silk Road economic ‘belt’, combined with the 21st Century sea lanes of communication known as the ‘road’, is intended to enhance global connectivity and increase commercial activity.” Alessandro Arduino [dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] comércio internacional pode realizar-se sem a multinacionalização, e muitos são os que acreditam ser a vaga do futuro. A revista “The Economist” prevê uma diminuição crescente de pequenas empresas que usam o comércio electrónico para comprar e vender, em uma escala global. O comércio “online”, ainda é significativamente menos internacionalizado, que o comércio “off-line”. É à luz das mudanças que se fazem no ambiente político, que parece ser o momento particularmente inoportuno, para pensar que se pode ser global, apenas criando um “site” ou juntando-se a uma plataforma “online”. Os que pensam que a sua empresa deve continuar a fazer negócios em uma diversidade de mercados, precisa de descobrir se deve mudar o tipo de estratégias que usa, em resposta às pressões proteccionistas. As empresas usam a adaptação quando desejam ajustar-se às diferenças entre países para serem responsáveis localmente, e usam a associação de empresas para alcançar economias de escala e capacidade que se estende através das fronteiras nacionais, sendo que as estratégias de arbitragem são utilizadas para explorar as diferenças, como os baixos custos laborais em um país ou melhores incentivos fiscais em outro. As empresas devem usar essas estratégias, pelo que terão de mudar algo, mesmo que seja pouco, em um mundo proteccionista, mas talvez menos do que se pensa. O presidente da “General Electric (GE)”, Jeffrey Immelt, não está só quando fala do suporte arrojado da sua empresa distanciado da associação e dá importância à localização no ambiente actual. As empresas devem procurar oportunidades para ampliar os seus esforços de adaptação, porque tornarem-se mais sensíveis às diferenças pode ajudar a reduzir o impacto do proteccionismo. A forma mais óbvia para uma empresa se adaptar é a multiplicidade de produtos, políticas e posicionamento no mercado para se adequarem aos mercados locais. No entanto, cada mudança aumenta os custos e a complexidade. Logo, a adaptação inteligente, geralmente, envolve a limitação da quantidade ou variedade de produtos, bem como encontrar formas de melhorar a eficácia e a eficiência de qualquer alteração introduzida. As empresas, por exemplo, podem projectar plataformas comuns sobre as quais as alterações locais são oferecidas, ou podem externalizar alguns dos custos da adaptação, através de franquias, empreendimentos conjuntos ou outros tipos de parcerias. Mas, enquanto uma maior adaptação pode ter sentido, as multinacionais não devem colocá-la automaticamente como prioridade, o que só prejudicaria as suas fontes de vantagem competitiva em relação aos concorrentes locais. As empresas globais, especialmente as de economias avançadas, normalmente justificam as suas estratégias transfronteiriças principalmente com base na associação. Os casos mais clássicos, revelam investimentos em activos tecnológicos ou de “marketing” intangíveis que podem escalar através das fronteiras nacionais. Tais vantagens normalmente devem ser bastante grandes, para superar a vantagem do juízo doméstico dos concorrentes locais. A lógica económica para a associação não se evaporará para multinacionais que tenham construído um negócio saudável e lucrativo em mercados estrangeiros, mesmo que alguns países tornem mais caro operar dentro das suas fronteiras. Quanto à arbitragem, as oportunidades para que as multinacionais verticais se globalizem no lado da oferta, em vez do lado da procura, reduziram um pouco nos últimos anos, mas ainda permanecem imensas. Mesmo com o aumento da prosperidade nos grandes mercados emergentes, o PIB “per capita” dos Estados Unidos ainda é sete vezes maior que o da China e trinta e três vezes o da Índia. As diferenças nos regimes fiscais entre países, também não vão desaparecer e continuarão a proporcionar oportunidades de arbitragem. Assim, e de acordo com a “Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE)”, a dispersão das taxas de imposto sobre as empresas entre os países pouco mudou desde 2007, e o progresso na contenção dos paraísos fiscais tem sido lento. Além disso, as diferenças entre países em termos de segurança, saúde e ambiente continuam a persistir também, embora a exploração dessas diferenças suscite preocupações éticas. As multinacionais que saem dos mercados emergentes tendem a começar as suas vantagens com as primazias arraigadas em arbitragem, concorrentes no exterior com base em baixos custos domésticos. Tal estratégia continua a ser o motor que impulsiona o crescimento e a lucratividade e rentabilidade da indústria “offshore” de serviços de “Tecnologia de Informação (TI)” da Índia, que inspirou o “The World Is Flat: A Brief History of the Twenty-first Century” de Thomas L. Friedman, iniciando uma onda de interesse em estratégias de avaliação. Após mais de uma década, os salários dos programadores na Índia, ainda são apenas uma fracção dos praticados nos Estados Unidos, e a redução de custos contínua sendo a principal razão pela qual as empresas optam por terciarizar. Os maiores fornecedores centrados na Índia, ultrapassaram os concorrentes ocidentais em termos de crescimento e rentabilidade e, a partir de Junho de 2016, os quatro principais vendedores concentrados na Índia, desfrutaram de arbitragens de mercado superiores a 50 por cento maiores, do que os seus quatro principais concorrentes ocidentais. À medida que as empresas de países avançados e emergentes se dedicam à liderança global, cada um deve reforçar a sua fraqueza tradicional, para os operadores históricos, a arbitragem e para os insurgentes, a associação. Os donos do mundo desenvolvido em serviços de TI, como a Accenture e a IBM, expandiram os seus esforços na Índia, enquanto as empresas indianas estão a tentar fortalecer as suas marcas e capacidades tecnológicas. O alicerce de Immelt para a localização implica um impulso à sua estratégia de adaptação. A GE, como a maioria das outras multinacionais, não pode desistir da associação ou da arbitragem. As vantagens baseadas em associação da GE são o que sustentam a sua capacidade de competir em cento e setenta países. A sua máquina de “Pesquisa e Desenvolvimento (P&D)” ou “Investigação e Desenvolvimento (I&D)” de quase seis mil milhões de dólares de investimentos anuais, produz inovações tecnológicas de destaque mundial, o valor da marca de trinta e quatro mil milhões de dólares abre as portas em todos os locais, os seus famosos programas de formação de gestão atraem e cultivam talentos, e o seu alcance em produtos, serviços e geografias contribui para o imenso potencial de intercâmbios de associação de fronteira, e enquanto as observações de Immelt minimizam a arbitragem salarial, tal como o fez na década de 1980, em contraste com a direcção focada, actualmente, na venda de mais produtos ao exterior, a arbitragem tornou-se suficientemente enraizada na empresa nas últimas décadas, que provavelmente não vai desaparecer e continuará a ser parte da sua estratégia de globalização. É de entender que a estratégia de localização da GE é melhor entendida, como a que mantém uma força central na associação enquanto atenua a prioridade da empresa na arbitragem e torna-se mais adaptável. Quanto ao ajustamento com a sociedade, associar-se com, onde e como competir, são as questões principais, salientando como fundamental, o modo de como se deve envolver com a sociedade, que está a tornar-se cada vez mais proeminentes nas agendas dos líderes empresariais, excepto em indústrias altamente regulamentadas, as empresas historicamente tratam as interacções com os governos, a média e o público, como uma reflexão posterior na definição das estratégias. Mas, em muitos casos, as empresas estão a ter maiores impactos de factores políticos e macroeconómicos do que de considerações competitivas. Tais factores, incluem movimentos de taxas de câmbio impulsionados pelo “Brexit”, compartilham flutuações de preços em resposta às alterações de políticas e ao custo de mudança de planos de investimento à luz das modificações antecipadas na política comercial. É de acrescentar à lista o aumento das ONGs, a proliferação das médias sociais e o aumento do sentimento anti-globalização. As empresas são constrangidas nas suas respostas a esses desenvolvimentos por uma série de factores. Em primeiro lugar, a reacção contra a globalização também é, em parte, uma reacção contra os grandes negócios. A reputação geral dos negócios está em um mínimo histórico. O “Pew Research Center”, em uma pesquisa recente, perguntou aos entrevistados nos Estados Unidos, o quanto as pessoas em dez profissões contribuíram para o bem-estar da sociedade. Os executivos de empresas classificaram o futuro, com excepção dos advogados, e apenas 24 por cento dos entrevistados disseram ter pensado que os líderes empresariais contribuíram muito. O “Barómetro de Confiança Edelman” de 2017, também relata um mínimo histórico para a credibilidade dos executivos empresariais e das decisões das empresas sobre como implantar o capital de reputação que possuem e que são dificultadas pelas tensões entre os cidadãos de um país e o seu governo. O presidente executivo da Uber, Travis Kalanick enfrentou problemas com a percepção pública de se ter juntado ao conselho consultivo de negócios de Trump, pelas incertezas acerca de como evoluiria a situação económica e social nos Estados Unidos, acabando por renunciar ao cargo a 21 de Junho de 2017, depois de um conjunto de acusações, desde assédio sexual a sexismo na empresa, passando pelo uso de um programa de computador para enganar autoridades reguladoras de várias cidades no mundo, até suspeitas de roubo de propriedade intelectual para o fabrico de carros auto guiados. Assim e nesse contexto, é necessário falar mais sobre questões sociais e entender porque os líderes empresariais são muitas vezes instruídos a ter certos comportamentos, para não ser considerado como uma panaceia. Ainda que seja difícil oferecer instruções simples sobre como lidar com essas complexidades, a lei da semi-globalização sugere uma liminar e uma visão. Em primeiro lugar, a injunção é estar em consonância com o facto de os governos pensarem sempre que uma empresa que opera é uma actividade incerta, e que tal seja uma estratégia sustentável. [continua]
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesAs leis da globalização (I) “Since about 2010, double-digit economic growth rates have been observed across Africa. This growth is partly due to rising international commodity prices, and partly due to internal economic structural changes. Over the last decade, six of the world’s 10 fastest-growing countries were African. In eight of the last 10 years, Africa’s lion states have grown faster than the Asian tigers.” “Middle Classes in Africa: Changing Lives and Conceptual Challenges” [dropcap]L[/dropcap]ena Kroeker, David O’Kane and Tabea Scharrer. Os empresários esforçam-se para se adaptar a um mundo imaginado apenas há apenas um ano. O mito de um mundo sem fronteiras desapareceu. Os pilares tradicionais dos mercados abertos, como os Estados Unidos e o Reino Unido estão a cambalear, e a China está-se a posicionar como o mais firme defensor da globalização. O voto no “Brexit”, em 23 Junho de 2016, surpreendeu a União Europeia, e as ideias sobre a globalização tornaram-se cada vez mais negativas nos Estados Unidos, à medida que a campanha eleitoral presidencial progredia. Após a eleição de Donald Trump, com medo de uma guerra comercial, começou a ser defendida a tese de que a maior pensamento comercial das últimas três décadas está a passar por sérios problemas, e que as vantagens da economia de escala desapareceram. O pilar dinâmico da empresa e da sua localização abanavam. A grande questão que se coloca é de saber se a retirada massiva do exército empresarial de um país é a abordagem correcta para as empresas nestes tempos incertos, ou, apesar de embalar e voltar a casa, devem concentrar-se na localização, ou seja, produzir e até inovar onde vendem, como opção estratégica? É de recordar que, há apenas uma década, os empresários acreditavam que o mundo estava a tornar-se plano para as empresas globais, sem restrições, através das fronteiras dos países, e que rapidamente dominariam a economia mundial. Tais afirmações exageradas foram provadas como erradas. Os clamores actuais por um enorme retrocesso da globalização, diante de novas pressões proteccionistas, também são uma reacção exagerada, em outra direcção. Ainda que, uma certa euforia sobre a globalização se tenha deslocado para a sombra, especialmente nos Estados Unidos, a globalização ainda não sofreu uma séria reversão. A retirada em grande escala ou um excesso de localização prejudicaria a capacidade das empresas de criar valor através das fronteiras e à distância usava-se a rica variedade de estratégias da globalização que ainda são eficazes e continuarão a funcionar bem no futuro. A turbulência actual exige uma reformulação mais subtil das estratégias das multinacionais, das estruturas organizacionais e das abordagens do ajuste social. As falsas percepções comuns sobre o que é, e o que está a mudar sobre a globalização, oferecem directrizes para ajudar os empresários a decidir onde e como competir e a examinar o papel das multinacionais em um mundo complexo. As dúvidas sobre o futuro da globalização começaram a surgir durante a crise financeira de 2008-2009, mas à medida que as condições macroeconómicas melhoraram, a escuridão deu lugar a uma mistura obscura de perspectivas. Por exemplo, em apenas três semanas, em 2015, foram defendidas ideias como as da globalização a uma velocidade extremamente alta ou o fim da globalização. Face a tanta ambiguidade, é essencial analisar os dados fornecidos pelo “Global Connectedness Index (GCI)”, que é uma análise detalhada do estado da globalização em todo o mundo, rastreando os fluxos internacionais de comércio, capital, informações e pessoas. Os dois componentes do índice de maior interesse comercial que são o comércio de mercadorias e investimento estrangeiro directo, foram atingidos duramente durante a crise financeira, mas nenhum deles sofreu um declínio similar desde então. O comércio sofreu uma grande queda em 2015, mas foi quase inteiramente um efeito preço, impulsionado pela queda dos preços das mercadorias e pela revalorização do dólar. Os dados actualizados sugerem que, em 2016, o investimento estrangeiro directo diminuiu, em parte, devido à repressão dos Estados Unidos sobre inversões fiscais. Os dados completos para 2017, ainda não estão disponíveis, mas o estímulo comercial em pessoas e fluxos de informações provavelmente reforçará a ideia de que a globalização permaneceu igual ou aumentou. O que mergulhou de nariz foi o tom do discurso público nos Estados Unidos e em outras economias avançadas. A análise das referências dos meios de comunicação social para o termo globalização nos mais proeminentes jornais e revistas mundiais revela uma acentuada sensação de sensibilidade, com decréscimo das quedas em 2016. O contraste entre os dados que vão do misto ao positivo sobre os fluxos internacionais reais e o balanço negativo no discurso sobre a globalização podem ser fixados, ironicamente, na tendência de até mesmo os executivos experientes, exageradamente preverem a intensidade dos fluxos de negócios internacionais em relação à actividade doméstica, ou seja, acreditam que o mundo é muito mais globalizado do que realmente é. As percepções exageradas sobre a profundidade da globalização, quanto à actividade, são internacionais versus doméstica e têm um custo. As sondagens revelam que os entrevistados que exageraram acerca das previsões acerca da intensidade da globalização, foram mais propensos a acreditar em declarações erróneas sobre estratégias de negócios internacionais e políticas públicas. Quando os empresários pensam que o mundo é mais globalizado do que realmente é, tendem a subestimar a necessidade de entender e responder às diferenças entre os países, quando operam no exterior e na esfera das políticas públicas, e os líderes políticos tendem a subestimar os ganhos potenciais da globalização e a super-estimarem as consequências nocivas para a sociedade. As pesquisas sugerem que as pessoas também subestimam a amplitude da globalização, ou seja, até que ponto a actividade internacional é distribuída globalmente e não focada de forma restrita. Um inquérito realizado aos leitores do “Washington Post”, revelou que 62 por cento dos inquiridos concordaram que o livro mais lido de Thomas Friedman era “The World Is Flat: A Brief History of the Twenty-first Century”, que menciona que as empresas actuam em um campo de jogo global, habilitado para a rede mundial de computadores, que permite colaboração em pesquisa e trabalho em tempo real, sem importar a geografia, distância ou, no futuro próximo, até mesmo a linguagem. Todavia, os dados mostram que a actividade internacional real continua a ser amortecida fortemente por todos esses factores, e para contrariar as ideias contraditórias sobre as questões globais, devem ser consideradas duas leis que regem, respectivamente, a profundidade e amplitude da globalização que são a lei da semi-globalização, que é a actividade comercial internacional, que embora significativa, é muito menos intensa do que a actividade doméstica, e a lei da distância que determina que as interacções internacionais são atenuadas pela distância ao longo de dimensões culturais, administrativas, geográficas e, muitas vezes, económicas. Tais princípios podem ser muito úteis para a elaboração de estratégias futuras. É de considerar que dados os fortes sentimentos proteccionistas e possivelmente até uma guerra comercial, continuarão a ser válidos. A melhor forma de os testar será no momento, e apesar do tempo, as políticas da administração Trump e de outros governos ainda não são claras, e estudar o que aconteceu pela última vez que uma grande guerra comercial explodiu, que foi na década de 1930, e o que levou à maior regressão da história da globalização. Existem duas leituras fundamentais, correspondentes às duas leis da globalização. A primeira lição é de que, embora o comércio tenha regredido precipitadamente na década de 1930, não deixou de existir. O colapso que começou em 1929 foi surpreendente, e no início de 1933, os fluxos comerciais caíram dois terços. A queda no valor reflectiu uma queda mais nos preços do que nas quantidades, que diminuíram em menos de 30 por cento. Mesmo na sequência do colapso, os volumes de comércio continuaram a ser muito grandes para ignorar os estrategas de negócios. A segunda lição é de que a distância de vários tipos continuou a atenuar a actividade comercial internacional. A relação entre os fluxos comerciais e a distância geográfica mal se moveu, de 1928 a 1935. Os efeitos benéficos de uma língua comum e os laços coloniais permaneceram poderosos, pois conjuntos de países com esses laços continuaram a negociar cerca de cinco vezes mais entre si, comparados com conjuntos de países sem tais laços. O resultado líquido foi de que os parceiros comerciais com os quais os países (ou grupos de países) fizeram a maior parte dos seus negócios, antes do incidente continuaram posteriormente, em grande parte inalterados. Quanto ao futuro e se o comércio global não estagnou na década de 1930, é razoavelmente seguro afirmar que também não acontecerá na década de 2020. As análises da possibilidade de uma guerra comercial durante a administração Trump, poderia parecer sugerir declínios muito menores no comércio dos que ocorreram na década de 1930. A “Moody’s Analytics” estima que, se os Estados Unidos impusessem tarifas à China e México, e esses dois países retaliassem, esse e outros factores fariam contrair as exportações dos Estados Unidos em oitenta e cinco mil milhões de dólares em 2019, o que representa apenas cerca de 4 por cento do total de exportações dos Estados Unidos em 2015. É claro que uma guerra comercial mais ampla teria um efeito mais significativo, mas é muito improvável que as consequências sejam tão terríveis como na década de 1930. Da mesma forma, se a amplitude do comércio não mudou muito, apesar da drástica queda durante a “Grande Depressão”, provavelmente, não mudaria muito no caso de uma guerra comercial actual. Vale a pena acrescentar que, com muitos outros países independentes, além de cadeias de abastecimento mais fragmentadas verticalmente, os efeitos estimados da distância geográfica no comércio de mercadorias são realmente maiores do que na década de 1930. Quanto à questão de onde competir, é de observar, se é improvável que as interacções transfronteiriças desapareçam, qual o argumento para a retirada das multinacionais? O recuo das empresas globais, que provocou uma discussão significativa, apontou para os problemas de desempenho que experimentaram, mas os declínios nos últimos três a quatro anos ocorreram em um ambiente de preços de mercadorias, diminuição da procura por serviços relacionados à globalização e, para as empresas dos Estados Unidos, mudanças nas taxas de câmbio, factores que cumpriram claramente papéis exagerados. E as quedas a longo prazo na última década coincide com um período em que a globalização realmente diminuiu. Os problemas de desempenho fraco durante este período deveriam forçar à reconsideração da multinacionalização, que seria como argumentar que Singapura, o país mais conectado do mundo, de acordo com o DHL, deve afastar-se da globalização devido aos problemas de crescimento que observou desde a crise financeira. O último relatório oficial acerca do futuro da economia de Singapura rejeita essa noção, dizendo que a globalização através do comércio, capital e fluxos de conhecimento ainda é o futuro no que diz respeito à cidade-estado. E, mesmo em países muito menos dependentes das exportações do que Singapura, um retrocesso maciço da globalização seria contraproducente. Mesmo quando as condições económicas são favoráveis e a globalização está a avançar rapidamente, como aconteceu há várias décadas atrás, as multinacionais podem enfrentar problemas de execução. Os estudos, observaram que, entre 1990 e 2001, as empresas da “Fortune Global 500”, apresentaram consistentemente menores rendimentos médios nas vendas para suas as operações no exterior do que para as suas empresas domésticas. Dadas as dificuldades provocadas pela lei da distância, a multinacionalização sempre foi uma opção, não um imperativo. Algumas empresas e indústrias, claramente sobreviveram, especialmente nos anos anteriores à crise financeira. O que falta em grande parte do debate actual é a noção de contingência, ou seja, uma abordagem caso a caso, em que um movimento relacionado à globalização é avaliado pelos seus próprios méritos, em vez de ser submetido a algum limiar sobre se deve avançar e globalizar ou voltar para casa. Assim, muitas empresas multinacionais precisam de renovar a atenção para onde competem, ou seja, para a selecção do mercado e devem também, resistir à ideia de que uma empresa verdadeiramente global deve competir em todos os principais mercados. É de ponderar que cerca de 64 por cento dos entrevistados de um estudo da Universidade de Harvard, realizado em 2017, concordaram com esta (não) dictum, porém, uma análise dos dados financeiros internos de dezasseis multinacionais, indicou que oito tinham grandes unidades geográficas que destruíram a sua valia, depois dos seus custos de financiamento serem tomados em conta. Tais problemas ainda persistem. A Toyota, por exemplo, parece ser a única concorrente importante no sector automobilístico, altamente globalizada, que conseguiu aumentar a participação de mercado significativa no Japão, América do Norte, Europa e nas principais economias emergentes, ainda que seja altamente rentável. A maioria das grandes fabricantes de automóveis, em contrapartida, seria melhor servida seguindo o exemplo da General Motors (GM), proprietária das marcas Vauxhall e Opel, e da francesa PSA Group, fabricante dos carros Peugeot, Citroen e DS, que tinham uma série de iniciativas estratégicas com o objectivo de aumentar a rentabilidade e a eficiência operacional, incluindo uma potencial aquisição da Opel, cuja operação europeia era deficitária. A PSA Group discutia então a compra das operações europeias da GM, tornando-se a segunda maior da região e permitindo que a GM se concentrasse na América do Norte e na China. Os dados recentes sobre empresas classificadas entre as cem melhores com a maioria dos activos localizados fora dos seus países de origem revelam uma história semelhante. Enquanto essas empresas tendem a operar em dezenas de países, os seus quatro principais mercados, incluindo o mercado doméstico, representam cerca de 60 por cento das suas receitas e provavelmente uma fatia maior de lucros totais, e apenas uma percentagem de um dígito da “Fortune Global 500” que representa as maiores empresas do mundo por receitas, ganham pelo menos 20 por cento das mesmas em cada uma das regiões da tríade da América do Norte, Europa e Ásia-Pacífico. Ao classificar os mercados para se concentrar, é importante notar que a lei da distância se aplica ao investimento directo estrangeiro, bem como ao comércio. Embora o IDE seja menos sensível à distância geográfica do que o comércio é de estimar que o efeito de uma linguagem comum e uma ligação colonizado – colonizador e o IDE, seja mais sensível às diferenças no rendimento per capita. Assim, como as empresas pesam as suas opções, devem procurar oportunidades onde possam encontrar afinidades culturais, administrativas, políticas, geográficas e económicas. Tal ressoa ainda mais fortemente, pois é de recordar que as relações com os países se tornaram ainda mais importantes durante a década de 1930. À medida que o ambiente político muda, os líderes empresariais precisam de manter um olhar cuidadoso sobre como os seus países de origem estão a realinhar os seus laços internacionais e a engajarem-se na sua diplomacia corporativa. É de lembrar também de que operar apenas domesticamente é uma opção. Apenas cerca de 0,1 por cento das empresas mundiais são multinacionais, ainda que a multinacionalização seja altamente distorcida em relação às empresas maiores, isso enfatiza grandemente o seu impacto global. (As suas filiais estrangeiras geram 10 por cento do PIB global, e as multinacionais representam mais de 50 por cento do comércio mundial). Para as empresas com base em grandes economias emergentes, concentrando-se no mercado interno, onde gozam de vantagem doméstica e bem-sucedido crescimento, pode ser uma proposta particularmente atraente. Os líderes empresariais devem resistir à ideia de que uma empresa global deve competir em todos os mercados.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA China no Ano do Cão “Compared with the congress of two parties (Republican Party and Democratic Party) in the United States, the National Congress of the Communist Party of China takes a longer time for the change of state leadership compared with the President selection of the United States, the democratic form is more completed, the democratic selection procedure is more completed, the democratic contents are more adequate, the democratic essence is more effective and the democratic achievements are more abundant, already exceeding the United States.” “China’s Road and China’s Dream: An Analysis of the Chinese Political Decision-Making Process Through the National Party Congress” – Angang Hu [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Ano Novo Chinês do Cão, que começa oficialmente a 16 de Fevereiro de 2018 e termina em 4 de Fevereiro de 2019, será palco da realização e execução de profundas e sérias alterações na China, no seguimento do decidido pelo Comité Central do Partido Comunista Chinês (PCC), a 19 de Janeiro de 2018, ao propor e escrever o pensamento do presidente Xi Jinping sobre o “Socialismo com Características Chinesas para uma nova era na Constituição da China”, a lei fundamental do país. O presidente Xi Jinping, que também é Secretário-geral do Comité Central do PCC, pronunciou um discurso na Segunda Sessão Plenária do 19.º Comité Central do PCC, realizada em Pequim entre 18 a 19 de Janeiro de 2018. A Segunda Sessão Plenária aprovou uma proposta do Comité Central do PCC sobre a revisão da Constituição. As principais conquistas teóricas, princípios e políticas adoptadas no 19.º Congresso Nacional do PCC devem ser incorporadas em uma revisão da Constituição, de acordo com o conteúdo divulgado após a dita Sessão Plenária. As novas realizações, experiências e requisitos do desenvolvimento do Partido e do país devem ser incorporados na Constituição revista, em que se deve manter o compasso dos tempos e melhorar a Constituição, mantendo a sua consistência, estabilidade e autoridade. O Comité Central do PCC convidou o Partido a unir-se, com o presidente Xi Jinping, no seu centro, e aderir ao Estado de direito socialista com características chinesas. A sessão foi presidida pelo Politburo Político do Comité Central do PCC. O presidente Xi fez um discurso na dita sessão, tendo contado com a participação de duzentos e três membros e cento e setenta e dois membros suplentes do Comité Central do PCC, membros do Comité Permanente da Comissão Central de Inspecção Disciplinar do PCC, responsáveis principais em assuntos proeminentes, alguns deputados ao 19.º Congresso Nacional do PCC, eleitos de base de organizações e especialistas. Na sessão, os líderes adoptaram uma proposta de alteração de algumas partes da Constituição. O presidente da Comissão Permanente do Congresso Nacional do Povo apresentou o projecto de proposta na referida sessão, pelo que se tornava necessário alterar a Constituição da China, nesta nova era. A República Popular da China (RPC) promulgou a sua primeira Constituição em 1954. O Quinto Congresso Nacional do Povo, em 1982, aprovou a presente Constituição, que sofreu quatro alterações, em 1988, 1993, 1999 e 2004, respectivamente. A Constituição tem desempenhado um papel importante no progresso do país, pois foi alterada em conformidade com a realidade e desenvolvimento do Partido e do país, e desde a última alteração em 2004, o Partido e o país passaram por importantes mudanças. O 19.º Congresso Nacional do PCC fez importantes implementações estratégicas no socialismo com características chinesas para a nova era, pelo que é essencial alterar a Constituição para incorporar realizações teóricas, práticas e institucionais feitas pelo Partido e pelo povo. O processo de modificação deve levar o marxismo-leninismo, o “Pensamento de Mao Tse Tung”, a “Teoria de Deng Xiaoping”, a “Teoria dos Três Representantes” que têm como pilares os interesses da maioria do povo, a cultura e as forças produtivas avançadas, a “Perspectiva Científica do Desenvolvimento”, e o “Pensamento do presidente Xi Jinping sobre o Socialismo com Características Chinesas” para uma nova era, como guia. O pensamento do presidente Xi Jinping sobre o socialismo com características chinesas para uma nova era é uma orientação que o Partido e o país defenderão a longo prazo. É de enfatizar que o pensamento do presidente Xi Jinping é a última conquista na adaptação do marxismo ao contexto chinês e é o tipo de marxismo para a China contemporânea e para o século XXI. O pensamento deve ser uma ideologia orientadora a ser mantida a longo prazo pelo PCC e pelo país, pelo que a liderança do Partido, deve ser fortalecida e confirmada em todas as áreas de actuação. A adesão à liderança do PCC é justificada como um princípio na revisão da Constituição e a liderança do PCC é o atributo essencial do socialismo com características chinesas e a maior força do sistema. O plano integrado de cinco alcances, que é de promover de forma coordenada o avanço económico, político, cultural, social e ecológico, e a nova visão do desenvolvimento inovador, verde, aberto e universal, são vitais para o rejuvenescimento nacional. Os objectivos passam pela finalização da construção de uma sociedade moderadamente próspera, em todos os aspectos até 2020, basicamente, realizando a modernização socialista em 2035 e construindo a China, como um grande país socialista moderno, em meados do século XXI. É de atender que, seguindo o caminho do desenvolvimento pacífico, procurar uma estratégia mutuamente benéfica de abrir e promover a construção de uma comunidade com um futuro compartilhado, é de grande importância para a causa do desenvolvimento pacífico da humanidade. A reforma para estabelecer um sistema de supervisão nacional, que está sob a liderança do Partido e abrange todos os que exercem o poder público é uma reforma significativa do sistema político e uma decisão importante para fortalecer a auto-supervisão do Partido e do Estado, pelo que todos, devem obedecer à Constituição. É de destacar o importante papel da Constituição na governança estadual e o comprometimento universal na garantia da sua implementação. Os empenhos para aderir ao domínio da lei devem dar prioridade à regra da Constituição. Os esforços para aderir ao governo pela lei devem colocá-lo em conformidade com a supremacia da Constituição. É de entender que todo comportamento anti-constitucional deve ser corrigido, sem falhas, e nenhuma organização ou indivíduo tem o poder de violar a Constituição ou a lei. Assim, todas as pessoas, órgãos do Estado, forças armadas, partidos políticos, grupos civis, instituições públicas e empresas devem ter a Constituição como seu guia fundamental. As pessoas em todos os níveis de cargos públicos, especialmente os principais funcionários, devem exercer o poder e trabalhar de acordo com a Constituição e a lei, e submeterem-se à supervisão do povo. É obrigação geral enriquecer as principais disposições institucionais da Constituição, o que desempenharia um papel importante na melhoria e desenvolvimento do sistema de socialismo com características chinesas. A revisão da Constituição, proporcionará uma garantia poderosa para o desenvolvimento do socialismo com características chinesas na nova era, dado que a Constituição é o cerne do sistema de direito socialista chinês, e a adesão ao Estado de Direito deve dar prioridade à regra da Constituição. Os esforços para aderir ao governo pela lei devem fazer, que se actue em conformidade com a Constituição, como sendo a máxima prioridade. Esta experiência, que é aprendida com a história do desenvolvimento da China, deve ser respeitada e amada. A partir do 18.º Congresso Nacional do PCC, em 2012, o Comité Central do PCC com o presidente Xi no centro do poder, levou o país a manter e a desenvolver o socialismo com características chinesas, estabelecendo o referido Pensamento. A revisão pode manter a Constituição ao ritmo do desenvolvimento do Partido e do país, mantendo a sua consistência, estabilidade e autoridade. Este é o compromisso do Comité Central do PCC de oferecer o seu conceito de governança de acordo com a Constituição. O PCC também fortalecerá a supervisão para garantir o cumprimento da Constituição, avançar na revisão constitucional e salvaguardar a poder da Constituição. O Comité Central do PCC, desde 2012, tomou medidas significativas para salvaguardar a dignidade e autoridade da Constituição, como por exemplo, ao estabelecer o “Dia Nacional da Constituição”, que é um mecanismo que tem por fim assegurar fidelidade à Constituição. A revisão proposta reforçará a implementação e a adesão à Constituição por toda a sociedade, aumentará a confiança das organizações de base em reformas e desenvolvimento, e fornecerá orientação constitucional para diversos sectores com vista a acelerar a reforma. O presidente Xi Jinping pediu, em 4 de Dezembro de 2017, no “Dia Nacional da Constituição”, para aumentar a conscientização pública sobre a Constituição e a sua implementação, que tem sido observada pela China desde 2014. A Constituição contém as regras fundamentais do país, e deve ser cumprida durante a implementação da lei, como disse o presidente Xi, em uma instrução enviada para a abertura de uma sala de exposições em Hangzhou. O salão apresenta documentos sobre a primeira Constituição da RPC, que foi redigida no mesmo local e promulgada em 1954. A legislatura da Assembleia Popular Nacional, adoptou a actual Constituição, a 4 de Dezembro de 1982, com base na versão de 1954. A sala de exposições é importante para a promoção da Constituição, para que mais pessoas se tornem conscientes e respeitem as leis do país de acordo com o Pensamento do presidente Xi, que solicitou ainda, à administração da sala de exposições para defender a liderança e o Estado de Direito e do Partido, e desempenhar o seu papel na promoção e implementação da Constituição. A partir de 4 de Dezembro de 2016, todos os funcionários eleitos ou nomeados, têm que fazer juramento público de fidelidade à Constituição. É importante salientar que a 28 de Novembro de 2017, um conjunto de regulamentos para promover a transparência nos assuntos do Partido foi revisto e adoptado, em uma reunião do Politburo Central do PCC, e publicados a 25 de Dezembro de 2017. O Regulamento do PCC sobre “Transparência nos Assuntos do Partido (Julgamento)”, foi o primeiro documento oficial divulgado desde o 19.º Congresso Nacional do PCC, em Outubro de 2017, que estabelecem as bases para as futuras regras de divulgação dos assuntos do Partido e especificam a definição, princípios, conteúdo, procedimentos e formas de trabalho. A transparência foi um passo importante para a implementação do espírito do 19.º Congresso Nacional do PCC e uma obrigação para o desenvolvimento da democracia intrapartidária e democracia socialista. O PCC, nos últimos anos, fez grandes esforços para explorar o caminho para a transparência nos assuntos do Partido, tendo revelado um conjunto de documentos, como o “Regulamento sobre o Estabelecimento de um Sistema de Porta-Vozes para os Comités do PCC”, o “Regulamento para Promover a Transparência dos Assuntos do Partido nas Organizações Primárias do PCC” e do “Regulamento de Estabelecimento e Melhoramento de Mecanismos de Divulgação de Informações e Interpretação de Políticas”. A partir do 18.º Congresso Nacional do PCC, em 2012, o Partido acelerou a sua campanha anticorrupção. A divulgação de informações sobre funcionários corruptos de alto nível e os casos de violações do Código de Austeridade de oito pontos do Comité Central do PCC, atraiu a atenção das pessoas para a “Comissão Central de Inspecção Disciplinar do PCC (CCDI) ”, em uma clara demonstração dos esforços para promover a transparência nos assuntos do Partido. Além disso, um relatório anual divulgado pelo Departamento de Organização do Comité Central do PCC, contém o número de membros e organizações do Partido, bem como a composição das organizações a todos os níveis. Além de promover a transparência em alguns assuntos dentro do escopo das suas funções, alguns departamentos do Partido, incluindo o CCDI, bem como a organização e os departamentos internacionais do Comité Central do PCC, também realizaram eventos do dia aberto aos diplomatas estrangeiros, agências de média estrangeira e público. Todavia, permanece um fosso entre o actual nível de transparência nos assuntos do Partido e os requisitos da nova era. O propósito da informação a divulgar não é suficientemente amplo, os procedimentos não são totalmente institucionalizados e a transmissão ao público muitas vezes mostra-se rígida e restrita. Algumas organizações e departamentos do Partido não conseguiram divulgar as informações mais interessantes para as pessoas mas, em vez disso, tornam públicas informações inadequadas, como segredos de comemorações. Os regulamentos sobre a transparência nos assuntos do Partido são de grande importância no exercício de uma governança completa e rigorosa, fortalecendo a supervisão intrapartidária e aproveitando o entusiasmo, a iniciativa e a criatividade de todo o PCC. É de considerar que há muito tempo houve divergências em teorias e práticas sobre a conotação de transparência nos assuntos do Partido. Os novos regulamentos do PCC pela primeira vez dão uma definição clara e autorizada a este respeito, pois exigem que as organizações do Partido divulguem assuntos relativos à sua liderança e construção, entre os seus membros. Assim, a liderança e a construção do Partido constituem todos os assuntos do PCC. Os assuntos do Partido, referem-se principalmente ao seu funcionamento interno, são o que as suas organizações e os membros têm o direito de conhecer, pois o PCC é o partido no poder na China e os seus assuntos e políticas influenciarão o desenvolvimento nacional.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO turismo e a cidade “There can be little doubt that tourist areas are dynamic, that they evolve and change over time. This evolution is brought about by a variety of factors including changes in the preferences and needs of visitors, the gradual deterioration and possible replacement of physical plant and facilities, and the change (or even disappearance) of the original natural and cultural attractions which were responsible for the initial popularity of the area.” “The Tourism Area Life Cycle, Vol. 1: Applications And Modifications” – Richard Butler [dropcap]O[/dropcap] turismo está a passar por mudanças fundamentais em relação ao mercado, à estrutura da indústria e ao produto em si, sendo transformações impulsionadas por uma fundamental transição para padrões pós-modernos de consumo, tornando o turismo, uma das marcas de referência dos modos de produção e consumo na economia do conhecimento. Os modelos tradicionais de gestão do turismo e planeamento estão a adaptar-se rapidamente a uma nova realidade em que o turismo joga, quantitativa e qualitativamente, um papel sem precedentes na formação do desenvolvimento económico. Tendo em consideração as interconexões entre o turismo e a cidade do ponto de vista da pesquisa orientada para as políticas, o turismo penetra e influencia cada vez mais as decisões políticas em todas as áreas do desenvolvimento da cidade, tais como o uso da terra, desenvolvimento de locais, regulamentos de construção, infra-estruturas, inovação, qualidade ambiental, inclusão social, empreendedorismo e governança urbana, o que torna urgente incluir perspectivas de turismo nos modelos implementados para enfrentar questões e desafios urbanos. O turismo pode apoiar as cidades na construção da sua reputação, promoção do seu capital relacional na arena global, ao propor e apoiar um modelo de qualidade do desenvolvimento urbano. Além disso, o turismo urbano é, por si, um fenómeno multifacetado. Os diversos tipos de viajantes chegam a uma cidade com propósitos muito diferentes, e as suas múltiplas interacções com os moradores e com as atracções e infra-estruturas da cidade, dão origem a uma variedade de tipos de turismo, daí a existência de uma ampla gama de modelos de turismo sobreposto (e modelos de negócios) que coexistem. O turismo é uma função essencial de contextos urbanos contemporâneos. O potencial e as limitações da integração do turismo nas políticas urbanas são realizados por meio de uma variedade multifacetada e multidisciplinar de contribuições. A partir de diferente perspectivas, pode ser analisada a forma como a procura do desempenho do turismo pode contribuir para qualidade da vida urbana e para o bem-estar das comunidades locais (qualidade dos espaços, emprego, acessibilidade, inovação e aprendizagem), mas também pode criar riscos, tensões e conflitos, como é atestado pelo aumento de acções anti-turismo em reacção à mercantilização cultural e ao turismo de gentrificação induzida. A esse respeito, a integração do turismo na agenda urbana é condição (tanto intelectual e política), por abordar de forma crítica e positiva as assimetrias produzidas pelo fenómeno do turismo urbano. Tais assimetrias levam a uma (manejável) troca entre os interesses dos residentes e os dos turistas ou desencadeiam um jogo positivo, para o bem-estar dos residentes permanentes e temporários. É de considerar que um ressurgimento do interesse no fenómeno do turismo urbano deve ser conectado com uma variedade de factores de natureza contingente e estrutural. O turismo tem vindo a crescer e a diversificar-se na última década, e num contexto global em rápida mudança, a indústria de viagens tem-se vindo a transformar. As previsões da “Organização Mundial de Turismo (OMT) ”, apontam que o número de chegadas internacionais de turistas no mundo aumentará 3,3 por cento anualmente, em média, até 2030, enquanto, o “Fórum Económico Mundial”, que se realiza anualmente em Davos, prevê que o sector de viagens e turismo crescerá 4 por cento anualmente, a uma velocidade maior do que outros sectores económicos, como a produção, transportes e serviços financeiros. Além das tendências crescentes, a diversificação e a transformação global do fenómeno do turismo tem estado a ser observado e questionado. Os tipos de inovação devem ser analisados, como resumindo os campos em que a novidade e as trajectórias emergentes podem ser procuradas; a inovação a novos nichos de mercado, concentrando-se na abertura de novas oportunidades de mercado através do uso de tecnologias; a inovação regular que segue padrões históricos de acréscimo de mudança; a inovação revolucionária, que deriva do uso intensivo de tecnologias em produtos ou serviços específicos, ainda não envolvendo toda a indústria do turismo; e, finalmente, a inovação arquitectónica que afecta a indústria do turismo como um todo. É importante considerar que um dos desafios actuais no domínio da pesquisa do turismo consiste na identificação de inovações turísticas e na análise dos seus aspectos sociais, efeitos económicos e culturais, bem como da sua capacidade de mudar profundamente a forma como os viajantes, por um lado, e os operadores turísticos se envolvem com desenvolvimento do turismo. O turismo é um fenómeno situado e ao longo da sua evolução na sociedade global, não foi um insignificante factor nas trajectórias evolutivas das cidades. E, no entanto, o turismo urbano parece persistir à margem do debate sobre as cidades, pois raramente é estudado como parte de uma economia, sendo principalmente confinado como um agente de gentrificação e como resultado directo (e quase aceite) da regeneração liderada por processos de cultura. Quais são os motivos da marginalização do turismo em estudos urbanos? A resposta tem em parte a ver com uma história intelectual de que o turismo é relegado a desempenhar o papel de alternativa fácil por atraso das regiões periféricas que permaneceram fora dos processos de industrialização. Têm sido propostos dois tipos ideais, como sejam o turismo de urbanização e a urbanização do turismo, sendo ambos destinados a sinalizar a incorporação do turismo em processos de urbanização. O último (urbanização do turismo), identifica o turismo como o principal motor de moldagem física, social e económica da cidade. O turismo urbano e o lazer desempenham um papel predominante na produção local. O turismo de urbanização não prevalece na economia urbana, e é uma das muitas dimensões para explicar a trajectória evolutiva das cidades. Existe consciência do crescimento no discurso global do turismo, sobre a necessidade de convergir em um caminho do turismo sustentável que parece coincidir com o turismo de urbanização racional, onde o turismo não assume a liderança na economia local, mas contribui para a diversidade urbana, lazer e cultura atmosférica de consumo. A conceitualização sustentável do turismo urbano é a principal resposta aos efeitos negativos que o seu rápido crescimento tem provocado. Todavia, esforços significativos de pesquisa devem abordar o turismo de urbanização, as suas formas, políticas e práticas que o caracterizam e os seus efeitos e limites. O papel do turismo na formação do desenvolvimento social, económico e tecido físico das cidades, faz pressupor a necessidade da existência de aprofundamento de muitas formas intermediárias que o turismo carrega em contextos urbanos. O desenvolvimento do turismo global está intimamente interligado com a trajectória de transformação urbana e urbanização. A população residente deve ser articulada com uma população temporária e oscilante de visitantes, com impacto no tecido físico e socioeconómico urbano. O crescimento desproporcionado em números, aumento de receitas e expansão da presença de turistas em várias áreas urbanas analisados por estudos de vizinhança, instam ao tratamento do turismo como facto urbano significativo. As cidades não são apenas os principais destinos ou pontos de atenção dos itinerários dos viajantes, mas também são a origem da maioria dos viajantes, dado que 80 por cento dos turistas são provenientes das cidades, e esta é uma das razões fundamentais para a reconsideração do turismo como um factor crucial no desenvolvimento da cidade, como afirma a “Declaração de Istambul de 2012”, promovida pelo OMT, que é a agência da ONU encarregada da promoção turística sustentável e universalmente acessível. Muitos são os países que aceitam que o turismo é um recurso fundamental para as cidades e seus residentes, porque pode contribuir para o rendimento local, bem como para a manutenção de infra-estruturas e prestação de serviços públicos. A “Declaração de Istambul” descreveu o turismo como a maior indústria do mundo, criadora de benefícios económicos e promoção da cultura e bem-estar, bem como da coesão e preservação do património. A OMT enfatizou a importância das políticas públicas que impulsionam os impactos positivos do turismo urbano, enquanto evitam ou mitigam os efeitos negativos, ou seja, se a maioria das políticas de turismo forem concebidas como estratégias autónomas de mercadologia e promoção, em tempo, realizarão uma reflexão estruturada sobre as políticas urbanas integradas. A questão crucial é a de saber em que medida as instituições de ensino superior podem ajudar a comprovar estas afirmações e orientar o debate para a definição de base teórica e acção empírica, responsável, sustentável e acessível ao turismo. Os impactos das viagens nas cidades de destino que recebem visitantes são significativos das perspectivas comerciais, sociais e culturais do turismo. Os gastos dos visitantes constituem uma fonte de negócios cada vez mais importante, constituindo receitas para as cidades de destino, abrangendo a hospitalidade, vendas a retalho, transportes, desporto e indústrias culturais. É um importante motor económico para o emprego e fonte de rendimento para as cidades, e conjuntamente com o fluxo de visitantes, agrega o conjunto de novas ideias e experiências que beneficiam os visitantes e as cidades de destino. Se, por um lado, o turismo é representado como uma panaceia panglossiana para muitos (em alguns casos, até para todos), os problemas de desenvolvimento (como fonte de receita, ideias, emprego, conexão e dinamismo), por outro lado, a consciência dos muitos efeitos negativos do turismo tem alimentado interpretações cada vez mais críticas dos seus impactos e papel nas áreas urbanas, marcando o fim da lua-de-mel das cidades com o turismo urbano, com o surgimento de movimentos anti-turismo pela reivindicação dos moradores ao seu direito à cidade. É de considerar os argumentos esgrimidos na descrição dos efeitos desiguais de aumento de rendimento e deslocamento induzido pela dinâmica urbana associada ao turismo, lazer e consumo, com as consequentes implicações sociais, económicas e exclusão política. O turismo urbano continua a ser um campo imaturo de pesquisa simplista e as descrições sobre o fenómeno turístico da cidade são o resultado, e não se entende como é possível a feitura de legislação sem suporte científico. A falta de estudos científicos sobre o turismo abundam, e desde logo ressaltam os estudos de negligência do turismo nas cidades e das cidades que negligenciam o turismo. É evidente que tem havido uma espécie de consenso implícito sobre a negligência do turismo no processo de urbanização e desenvolvimento económico. A imaturidade do turismo urbano como domínio analítico tem raízes históricas, pois até à década de 1980, a literatura académica sobre o turismo urbano era muito limitada para não dizer quase inexistente, posteriormente, o turismo urbano começou a tornar-se parte integrante dos estudos de turismo, embora como um fenómeno bastante distinto e consequente área de pesquisa, pois uma profunda visão rural continuou a caracterizar o turismo por longo tempo. O preconceito anti-urbano caracterizou especialmente o contexto anglo-americano, onde o turismo estava principalmente ligado à ideia de recreação ao ar livre, no campo, onde o contacto directo com a natureza podia ser experimentado, e por contraste, na visão industrial, as cidades foram concebidas como lugares para o trabalho árduo, para as tarefas sérias dos serviços, comércio e governo. Desde a década de 1980, o interesse no turismo urbano cresceu rapidamente, em paralelo com a crescente atenção dada à necessidade de regular e contrariar as externalidades negativas do turismo em cidades históricas. O modelo de férias marinhas ao sol que surgiu na década de 1960 começou a diminuir, enquanto o turismo urbano cresceu. Esta tendência foi impulsionada pelo surgimento e fortalecimento do transporte aéreo de baixo custo, conjuntamente com a melhoria da conectividade das cidades europeias. A liberalização do transporte aéreo na União Europeia significou uma revolução no turismo, uma vez que afecta fortemente os fluxos de viajantes, tanto quantitativamente quanto qualitativamente. As “Transportadoras de Baixo Custo (LCCs na sigla na língua inglesa)” estão a deslocar viajantes para fora das rotas tradicionais, criando novos destinos. Os destinos emergentes são muitas vezes cidades pequenas, geralmente não famosas, onde as companhias aéreas de baixo custo pagam tarifas e taxas aeroportuárias mais baixas. O entusiasmo por um cenário turístico radicalmente dinâmico levou à concepção das LCCs como uma oportunidade não só para expandir a geografia do turismo, mas também para reposicionar destinos bem estabelecidos. O governo de Malta, por exemplo, em 2006, ofereceu incentivos às companhias aéreas de voos baratos em uma tentativa de favorecer curtas férias urbanas e expandir o turismo cultural/patrimonial na despesa do modelo sol e praia. O resultado foi um aumento no número de chegadas, mesmo que não tenham ocorrido mudanças estruturais na procura turística. Ao mesmo tempo, as LCCs desencadearam uma nova onda de discussão sobre a contribuição do turismo para o desenvolvimento local. Tem sido defendido que o facto de o maior número de turistas fluírem, como os permitidos pelas LCCs, nem sempre significam desenvolvimento do turismo local e que nos negócios do destino turístico, sendo necessários modelos que maximizem os benefícios e mitiguem as externalidades negativas.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO erro médico “Misdiagnoses, wrong prescriptions, operating on the wrong patient, even operating on the wrong limb (and amputating it): these are the consequences of rampant carelessness, overwork, ignorance, and hospitals trying to get the most out of their caregivers and the most money out of their patients.” “Killer Care: How Medical Error Became America’s Third Largest Cause of Death, and What Can Be Done About It” – James B. Lieber [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]rrar é humano, perdoar é divino. Embora possa ser aplicado em geral, perdoar, esquecer ou ignorar erros na medicina não é aceitável, uma vez que as consequências podem ser desastrosas. Os erros na vida quotidiana conduzem a acidentes de trânsito e à existência de vítimas. Os erros na indústria prejudicam os trabalhadores e as comunidades. Ambas as situações são motivo fértil de erros que os profissionais da saúde podem praticar ao cuidar dos pacientes. Os erros em medicina são evidências de que algo correu mal nos cuidados de saúde do paciente e da comunidade e que causou danos, que devem ser prevenidos e corrigidos. As evidências são inúmeros, pelo que os médicos podem e devem trabalhar muito para os evitar. Os exemplos de erros médicos abundam, como procedimentos exploratórios e diagnósticos injustificados, efeitos adversos previsíveis mas imprevistos de intervenções médicas ou drogas, decisões cirúrgicas indesejáveis ou incorrectas e os seus resultados, tratamento não suportado pela evidência da sua eficácia e eficiência. Todos os tipos de erros e as suas consequências, sejam de natureza médica ou não, têm múltiplas implicações, como correcção e prevenção, actividades legais, reclamações para reparação e compensação, procura e implementação de melhorias ou avaliações dessas iniciativas e actividades. As consequências económicas, sociais, físicas e de saúde mental são importantes para aqueles que cometem erros e para as suas vítimas. A vida moderna nem sempre simplifica ou elimina problemas e desafios de erros. Pode, de facto, torná-los mais frequentes, sofisticados e desafiadores para os controlar. No plano social, os erros médicos são considerados para os tribunais como matéria de vários litígios que devem levar a correcções solicitadas pelos autores e feitas por profissionais da saúde, suas instituições e ambientes de trabalho e outras compensações das vítimas pelos perpetradores. Qualquer erro médico é um produto de várias circunstâncias externas, incluindo o ambiente, condições de trabalho e pressões, considerando a tecnologia em rápida evolução e o sistema administrativo. Tais factores externos só contribuem para a essência (os factores internos) por trás do erro médico, ou seja, o raciocínio defeituoso do médico, lógica, pensamento crítico e tomada de decisão. Os factores internos são sobre o que acontece no nosso cérebro, no cérebro daqueles com quem se trabalha e nos cérebros dos que criaram o ambiente de trabalho e as ferramentas da situação da saúde que se tem em mãos e que incluem os atributos fisiológicos e patológicos, atitudes, habilidades motoras e sensoriais, bem como as respostas a factores externos. Os factores externos são sobre o que acontece fora do cérebro. O convívio com o erro médico é uma experiência aprendida como qualquer outro acontecimento. O dano também é causado por não ensinar, aprender e compreender erros médicos como falhas no pensamento crítico. A compreensão, prevenção e correcção dessas falhas é a principal responsabilidade de todos os profissionais de saúde. A mensagem que deve ser revelada é de que erro e dano médico está interconectado, não sendo idênticos a nível teórico, nem a nível prático. A metodologia do estudo e gestão de erros e danos médicos é dividida entre casos únicos e múltiplos e eventos. O erro humano (individual) e do sistema, no entanto interligados, não são idênticos, pois o seu entendimento e controlo são metodologicamente complementares e mais úteis se forem tratados separadamente. Os usos de evidências sobre erros e danos médicos e a forma de os tratar por meio de argumentação, pensamento crítico e lógica informal são tão importantes como produzir a melhor evidência, pois ambos estão necessariamente ligados. O erro e o dano médicos são fenómenos conjuntos, como a doença e a saúde e daí o dever de serem estudados e controlados por métodos epidemiológicos. Por mais desconfortável que possa parecer a alguns humanistas, os cuidados clínicos de pacientes individuais e em grupo, protecção e promoção da saúde, tanto a nível individual como comunitário, também significam saúde industrial (no âmbito de uma ética e leis rigorosas). A medicina beneficia e deve usar da experiência retirada de erros e danos de fontes externas, como indústria, desenvolvimento de novas tecnologias, transporte, negócios, economia, administração e gestão, finanças, além da psicologia, ergonomia, cinesiologia, sociologia e bioestatística para humanamente e efectivamente produzir a melhor saúde possível de indivíduos e grupos de indivíduos. O facto de cometer erros, compreender as suas causas e ocorrências, e preveni-los sempre será parte integrante da medicina, por mais lamentável que isso possa ser e parecer. As consequências, de facto, do erro podem ser desastrosas para os pacientes, profissionais de saúde e comunidades. O domínio de erro médico tem muitas partes interessadas, incluindo pacientes, médicos, outros profissionais de saúde, magistrados, advogados, investigadores, economistas de saúde, sociólogos, psicólogos, ergonomistas e assistentes sociais. A segurança do paciente como um todo pode ser considerada sinónimo de ausência de erro médico e na prática e pesquisa não só de medicamentos, mas também de qualquer domínio relacionado com a saúde. As relações actuais com o erro na fabricação, no desenvolvimento de novas tecnologias e seus usos, e no transporte beneficiam das principais contribuições e progressos provocados por muitos especialistas que trabalham principalmente em campos não médicos. Os profissionais da saúde estão actualmente a adicionar uma nova dimensão ao mundo cada vez mais integrado da literatura médica. Os erros médicos não só ocorrem esporadicamente, mas também podem ser epidémicos, endémicos e até mesmo de natureza pandémica. A epidemiologia clínica e de campo está a concentrar-se gradualmente na pesquisa das causas de erro médico, na investigação da sua ocorrência e na efectividade de programas correctivos e intervenções. O seu envolvimento na alfabetização está a crescer, assim como a argumentação do pensamento crítico moderno e a lógica informal subjacente ao raciocínio médico, à tomada de decisão e às contribuições epidemiológicas. A grande variedade de causas de erro médico, como formação inadequada, falhas das tecnologias médicas tradicionais e novas nos seus desenvolvimentos e usos, influências fisiológicas, psicológicas e ambientais, gestão de dados e informações, deficiências de execução, falhas de funcionamento do sistema de saúde e de comunicação, erros baseados em regras e de raciocínio, bem como tomada de decisão. A noção de erro médico é separada dos danos. O erro médico nem sempre causa danos, ou seja, o erro e o dano médico tem causas específicas por vezes sinónimas e outras vezes distintas. O estudo de ambos é crucial para melhorar a segurança do paciente. A medicina em domínios clínicos e comunitários avança de várias formas, incluindo os resultados espectaculares em áreas fundamentais, como pesquisa de células estaminais, genética médica ou explorações moleculares. A produção, avaliação e uso das melhores evidências em farmacologia básica e clínica, disciplinas cirúrgicas e outros cuidados clínicos que cobrem todas as faixas etárias são de extrema importância. A melhoria contínua da pesquisa, raciocínio, pensamento crítico e metodologia de tomada de decisão em todos os domínios torna-se essencial. Só melhorando e reorientando a educação médica e estruturando e expandindo o processo e impacto da avaliação do atendimento médico, incluindo a tradução do conhecimento se poderão obter resultados palpáveis na senda de uma melhor prática médica. O desenvolvimento de novas tecnologias, incluindo o seu contexto ético, a melhor atenção e acções para entender, prevenir e controlar os erros humanos e de sistemas em atendimento clínico, medicina comunitária e saúde pública em todos os domínios mencionados, bem como na experiência em expansão resultante de sua correcção poderão diminuir as estatísticas do erro e dano médico. É de considerar que muitas vezes esquecemos que aprender com os nossos erros e corrigi-los é uma ferramenta educacional e de aprendizagem extremamente poderosa (se feita correctamente) e que os pacientes beneficiarão imensamente de outros erros infelizes cometidos no passado. Esta é talvez a maior vantagem de aumentar a atenção que se atribui ao domínio do erro médico. Os erros na medicina, tão temidos pelos médicos e seus pacientes, e são, sem dúvida, mais do que alertar a evidência de que algo está errado, causa danos e deve ser prevenido e corrigido. Os erros médicos ocorrem como avaliação de risco, diagnóstico, tratamento, prognóstico e decisões relacionadas, mas também ocorrem, às vezes endemicamente, na pesquisa e na prática de medicina clínica, familiar e comunitária ou saúde pública. Às vezes, raramente, esperadas, explicadas ou não, são uma parte importante do problema de erro geral em vários empreendimentos humanos. Ainda que a maior parte do esforço na medicina esteja focada em boas evidências de acções benéficas e os seus resultados, usos e efeitos, deve notar-se que eventos nefastos, como os erros médicos, boas evidências sobre os mesmos, bem como seu controlo exigem igual atenção, compreensão, e prevenção. O contrário seria o oposto da ética médica. Os erros médicos também desempenham um duplo papel, mencionado excepcionalmente, do ponto de vista das relações causa-efeito. Os erros médicos são causados por algo. Metodologicamente, são variáveis dependentes, consequências de alguma situação. É necessário conhecer as suas causas, preveni-las e corrigi-las. Por outro lado, os erros médicos causam danos como morte ou lesão. Os erros neste contexto são as causas do dano e servem como variáveis independentes na associação com as suas consequências. O dano pode levar a uma cascata de outras consequências. Os erros médicos pertencem a uma família maior de erros em vários domínios, como os erros no desenvolvimento e uso de novas tecnologias, ergonomia, administração, gestão, política e economia. A experiência em todos esses campos, adquirida ao longo das três últimas gerações, é parcialmente aplicada em medicina. As especificidades da medicina exigem atenção adicional aos factores humanos e outros que afectam tanto os prestadores de cuidados, quanto os pacientes ou comunidades na configuração e no contexto da sua prática. Os erros ocorrem não apenas na pesquisa e avaliação de saúde, fundamentalmente, clínica e comunitária, mas também em situações directamente perturbadoras na prática e na prestação de cuidados diários. Os erros também ocorrem na tradução de conhecimento e em consequências benéficas ou nocivas de usos ou não de evidências. Qualquer erro médico é um produto de várias circunstâncias, incluindo o ambiente, condições de trabalho e pressões, tecnologia em rápida evolução, gestão, administração ou funcionamento do sistema e outros factores externos. Tais factores externos contribuem apenas para a essência (factores internos) por trás do erro médico, ou seja, o próprio raciocínio defeituoso do médico, lógica, pensamento crítico, tomada de decisão e seu desempenho sensório-motor. A fronteira entre o primeiro e o último é a realidade diária. A patologia humana ensina sobre mecanismos subjacentes comuns e, em seguida, sobre cada transtorno e doença individualmente considerada e sobre como tratá-la. Ao lidar com os erros atribuídos ao pensamento crítico na medicina, da mesma forma, aprende-se sobre paradigmas, elementos e regras do pensamento crítico, e depois de se estar familiarizado com a sua patologia (ou seja, os transtornos, falhas e falácias) como doenças do raciocínio que, em última instância, levam e produzem erros médicos e as suas consequências. Sem essa aprendizagem e experiência, como é possível prevenir e, de qualquer forma, minimizar os erros médicos? É de entender que conviver com erro médico é uma experiência aprendida, como qualquer outra situação. O dano também é causado por não ensinar, aprender e compreender erros médicos como falhas no pensamento crítico? Erros médicos ocorreram muitas vezes no passado, ocorrem actualmente e ocorrerão infelizmente, no futuro. Deve-se aprender a viver com os erros e a evitar da melhor forma que se puder, dada a evolução das circunstâncias da prática e da pesquisa médica, pois é de atender aos variados e principais estímulos médicos, a urgência e a magnitude do problema em medicina interna e cirurgia. Alguns dos principais jornais, revistas e monografias tentam explicar o desafio (especialmente o diagnóstico) do público oferecendo uma selecção de grandes relatórios e artigos sobre o problema do erro médico. Algumas Universidades e instituições internacionais desenvolvem rotas e estratégias para lidar com o problema dos erros em medicina e cirurgia e todo o movimento de prevenção e controlo de erros médicos, está a ganhar propósitos mais claros e a atenção está a tornar-se estruturada e organizada. Se considerarmos uma perspectiva mais ampla de erros na medicina, enfrentamos o problema geral de erros médicos como a diferença entre o comportamento real ou a medição e as regras de expectativas para o comportamento ou medição, mais especificamente enfrentando o problema de falhas na acção planeada e o seu cumprimento (erro de execução) ou uso de um plano incorrecto para atingir um objectivo (erro de planeamento). A acumulação de erros resulta em acidentes. Um erro pode ser um acto de comissão ou de omissão. Por exemplo, em cirurgia, um erro é mais do que dar um mau nó ou uma sutura mal executada. Muitos erros médicos são, em um sentido mais amplo, erros clínicos que podem ser realizados por outros profissionais de saúde ou quando trabalham em conjunto. Em termos mais gerais, talvez seja correcto dizer que um erro médico é algo que aconteceu no consultório e que não deveria ter acontecido e que absolutamente não é para voltar a acontecer. Os erros na medicina são imputáveis em diversas situações como na formação (conhecimento, atitudes e habilidades), falha de tecnologias médicas (o equipamento está mal instalado, projectado ou avariado), utilizações inadequadas de tecnologias médicas (o equipamento é usado onde, quando, e no que não deve), factores fisiológicos e psicológicos como a condição física e psicológica do médico e outros profissionais de saúde como a fadiga ou stress, registo, processamento e recuperação de dados e informações causados por tecnologias da informações e seu uso (inadequação da tecnologia da informação e avaria), competências deficientes na execução (movimento ou actividades sensoriais baseadas em experiência passada), erros taxonómicos devido a enganos (classificação de actividades defeituosas devido a etiologia mal explicada ou usada), falhas do sistema (funcionamento dos serviços de saúde, triagem e subsequente atendimento de emergência que não funcionam como deveriam), erros de comunicação e avarias, erros fundados em regras (orientações, guias de utilizador não seguidos), erros no raciocínio e decisões sobre problemas de saúde. É de ponderar que praticar um erro médico não é necessariamente negligência com todas as suas consequências jurídicas e financeiras, mas pode acontecer e causar algum tipo de dano. Os erros médicos são estudados e avaliados de duas formas que nem sempre são claramente especificados, sendo que uma abordagem é investigar as causas de erros médicos (erros são consequências ou variáveis dependentes), e em outra apreciação, os erros médicos estão relacionados como causas prejudiciais (erros são causas ou variáveis independentes). As taxonomias actuais de erros médicos nem sempre especificam o possível duplo papel dos erros. Os erros médicos não se limitam ao diagnóstico ou a decisões de tratamento, pois podem ocorrer em qualquer fase do trabalho médico, como a avaliação do risco de doença, compreensão das suas causas e eficácia de intervenção para prevenir, curar ou controlar de outra forma um problema de saúde ou o seu prognóstico a nível individual ou comunitário. Os erros médicos também podem ser estudados através de métodos quantitativos, tais como a bioestatística ou informática, de métodos adoptados de outros domínios como a aviação, ou de métodos qualitativos e com o lugar reconhecido das humanidades em medicina, a porta abre-se para lógica informal e pensamento crítico (um companheiro natural para a medicina fundamentada em evidências e epidemiologia clínica) como guardiões contra os erros médicos.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA humanização da medicina “The term ‘epidemic of error’ has been coined. In the United States, the Institute of Medicine, acting under the National Academy of Sciences, has identified errors in healthcare as a leading cause of death and injury, comparable with that of road accidents.” “Errors, Medicine and the Law” – Alan Merry and Warren Brookbanks [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] luto, doença e a dor derrubam as ilusões brilhantes e superficiais da vida. As doenças, bem como as pequenas necessidades corporais, são, respectivamente, as óptimas e pequenas epifanias diárias da nossa limitação e são, de facto, um mistério, mas não podemos deixar o sofrimento no “não dito”. Não se trata de dar a resposta à dor e sofrimento na doença, mas de adoptar uma pesquisa inesgotável e essencial para a humanização do homem, bem como responder à pergunta de “quem sou eu?”. A doença muitas vezes pode levar à angústia, à desistência da vida e ao desespero e existe a necessidade de convidar todo o pessoal envolvido no sistema de saúde, do médico ao auxiliar a não escaparem de uma tarefa tão maravilhosa, como é a de humanizar a medicina e a doença. A importância de humanizar a doença deve-se ao facto de que o sorriso, a palavra gentil, o abraço não custa nada, mas pode fazer milagres, consolar e dar serenidade ao coração do paciente. Um antigo provérbio senegalês lembra uma grande verdade esquecida pela medicina tecnológica de que “o cuidado do homem é o homem “. O Corpus Hippocraticum afirma que onde existe amor pelo homem também há amor pela arte médica. Na ética do médico hipocrático, a filantropia aparece inseparavelmente combinada com a filosofia e Galeno de Pergamo é muito claro ao afirmar que o médico deve conhecer o remédio, mas também saber como compreender o paciente e respeitar a sua vontade, ser que é ao mesmo tempo técnico e filantrópico. À luz desses eventos passados, a ideia de se pensar numa medicina para humanizar pode parecer paradoxal. Todavia, desde há anos, com uma insistência cada vez maior, se tem vindo a falar de humanização da medicina e, em geral de cuidados de saúde. O termo humanização que não deixa de ser um vil neologismo, refere-se à necessidade de trazer de volta a prática da arte médica, e em geral, aos cuidados de saúde, os momentos de humanidade que parece ter perdido e desde logo põe a questão de saber como e onde foi perdida a filantropia? Ao olharmos sobre o contexto verificamos que a relação médico-paciente se revela imediatamente inadequada à luz dessa dualidade, não só porque a relação envolve outras matérias, mas também e sobretudo porque a complexidade dos temas, estruturas e factores culturais envolvidos exige que essa relação seja considerada em uma perspectiva mais ampla, pois é inserida, determina e é o produto em um processo circular, de uma rede de relacionamentos da nossa sociedade. A sociedade onde estão incluídos os serviços e relação médico-paciente, é constituída pela cultura, ciência, valores onde se enquadra o homem, saúde e solidariedade, estruturas produtivas e a organização social. O serviço onde se inclui o médico-paciente é uma relação sujeita a complexas interferências. A perda de filantropia tem a ver com diversos contextos onde se integram as transformações na medicina, a gestão pública da saúde, a medicina entre ciência e a tecnologia, a indústria da saúde e mais a montante, um horizonte cultural alterado, a crise da ética, os resultados da concentração na autonomia e a influência do utilitarismo. Tendo em atenção a transformações na medicina damos conta que a nacionalização dos cuidados de saúde levou, com a gestão da saúde pública, à melhoria geral do estado de saúde da população mas, ao mesmo tempo, a relação médico-paciente retornou aos mecanismos do aparelho estatal. O paciente tornou-se um utilizador e o médico ficou sobrecarregado com tarefas burocráticas e entre os dois interpõe-se o Estado, sendo que o médico, muitas vezes não depende da tarefa que deve enfrentar. Se observarmos de forma mais analítica, vemos que os componentes mais degradados, geralmente, denunciam burocratização, ineficiência e subdivisões de tarefas com tendência a aumentar as despesas; fragmentação do acto médico em uma sequência de relações entre o paciente e um número crescente de trabalhadores da saúde, com pouca flexibilidade para necessidades individuais e pedidos de intervenção de emergência; participação dos pacientes no serviço de saúde garantido com uma mentalidade passiva-assistida, que exige direitos e não se sente obrigada a desempenhar funções. Tais atitudes são facilmente combinadas em pacientes com abordagem fetichista de drogas e, na medicina básica, a tendência de não responsabilizar um único médico em relação à instituição hospitalar, bastando ver a multiplicidade de testes laboratoriais, a elefantíase de serviços especializados e a excessiva facilidade de admissões, pelo que um relacionamento médico-paciente é afectado negativamente. A deterioração do relacionamento nos hospitais, na qual a ênfase é colocada na relação médico-paciente, muitas vezes é desconsiderada pela mesma modalidade pela qual é organizada a vida de um hospital ou, de acordo com os termos actuais, a empresa hospitalar. A maioria dos pacientes que se dirigem a um hospital, de facto, confia na medicina mais do que no médico que conhecerão pela primeira vez. O médico que atende o paciente está inserido em uma organização de trabalho, que tende a subdividir as diversas especialidades e competências, e pode estar a exercer a sua profissão na especialidade ao qual o caso se enquadra, sendo que a percepção da sua responsabilidade está centrada na doença e é muito menos dirigida para as emoções, experiências e tolerância do paciente. Os que se transformam em um mecanismo da estrutura hospitalar entram em um processo mais ou menos complexo, no qual faz pouco sentido usar a noção de cuidar do outro, não sendo de negar que o horizonte da arte médica é o de cuidar, o que significa preocupação com o outro. O propósito médico é completamente penhorado por métodos e meios que são impessoais, mas muito eficazes. A crise do Estado de bem-estar e a relação médico-paciente é influenciada pela globalização da economia. A necessidade estrutural de conter cuidados de saúde levou as autoridades a tomar precauções que, apesar da boa fé em tentar preservar a sustentabilidade do serviço de saúde, afectam negativamente a relação médico-paciente. O médico vem assumir e conjuntamente todo o pessoal de saúde, dois contratos, um com o Estado que o contrata, enquadra, e paga, e com o paciente. O risco é que a relação de aliança, confiança e assistência, que existe entre o médico e o paciente, torna-se secundária e, portanto, objecto de responsabilização. As razões do Estado e os motivos do paciente parecem ser conflituantes. A este respeito, muitos economistas, administradores e especialistas em bioética acreditam que os médicos, conjuntamente com a obrigação de cuidar do paciente individualmente considerado, têm a obrigação de economizar recursos para a sociedade, ou seja, o médico não seria simplesmente o agente dos seus pacientes, mas um agente duplo, que também deveria avaliar se os benefícios do tratamento aos seus pacientes são dignos dos custos pela sociedade. Assim, de acordo com esta perspectiva, o médico deve equilibrar as necessidades médicas do paciente e o material gasto pela comunidade no processo de tomada de decisão, ou decidir se um determinado acto ou processo médico é, em última instância, um custo para a sociedade. Neste cenário, o relacionamento médico-paciente aproxima-se de outras prioridades de valor, como as do utilitarismo, sendo determinantes a qualidade de vida e a relação custo-benefício. A relação de tratamento, durante muito tempo, foi implementada e pensada como uma relação interpessoal, parcialmente mediada pelos meios do médico. Tais tratamentos são realizados através de meios que reduzem a interacção pessoal ao mínimo. Este facto determina várias mudanças na mesma forma de praticar a profissão médica. O médico está cada vez mais orientado a pensar em si e na sua actividade como função da ciência, que é de conhecimento e ninguém ousaria dizer que a figura do paciente está-se a tornar uma variável dentro da medicina No entanto, o facto é que a extensão dos ensaios clínicos, embora orientada, em princípio, para resolver a obscurecer patologias humanas, leva, de facto, a um número cada vez maior de pessoas a serem pensadas também, embora certamente não só, como meio para a implementação de um programa de pesquisa (e esta condição central assume uma conotação adicional nos casos em que o paciente faz parte do grupo de controlo que está sujeito a placebo). Esta situação, que tem a sua própria legitimidade, corre o risco, no entanto, de mudar progressivamente o horizonte finalista da pesquisa e da medicina. A competência do médico é medida cada vez mais por referência às suas publicações científicas, que qualificam de facto, o conhecimento disponibilizado à comunidade científica, e obviamente são conhecimentos que, potencialmente e oralmente, têm uma queda próxima ou remota, de impressão terapêutica, mas inevitavelmente desaparece a centralidade do paciente como uma realidade singular, substituído por um universal que é a patologia do mesmo. A doença sempre tem duas faces. A primeira corresponde ao que o médico pode diagnosticar, através de diferentes modalidades, e que é representável de forma objectiva e impessoal. Este rosto da doença é o que faz de cada paciente um caso clínico, um componente das estatísticas médicas, uma ocasião para o exercício da arte médica e para o desenvolvimento profissional do médico. A outra face, é o da vida do paciente, enquanto a doença é, desde logo, uma nova forma de existir e de pensar sobre a condição de alguém, uma percepção nova e desagradável da identidade física e psíquica. Face à tentação de conceber, uma relação técnica com os organismos vivos, a medicina é chamada a salvar a verdade da relação entre uma pessoa (o médico) perante outra pessoa, que está em estado de fragilidade, e que pede ajuda para alcançar a sua capacidade individual. O valor da pesquisa científica está fora de questão, mas devemos sempre lembrar que, no universo dos valores, a pessoa humana vem em primeiro plano. O Papa João Paulo II a este propósito afirmou, que a ciência não é o valor mais elevado ao qual todos os outros devem ser subordinados. Mais alto, na classificação dos valores, reside o direito pessoal do indivíduo à vida física e espiritual, à sua integridade psíquica funcional. A humanização significa uma relação médico-paciente que não se baseia no paternalismo, mas em uma atitude cada vez mais activa do paciente, com base em uma aliança terapêutica entre pessoas, onde o paciente não é apenas dotado de direitos precisos, mas participa do diagnóstico e estratégias terapêuticas necessárias ao seu corpo e doença. É uma relação terapêutica que deve ser uma aliança de humanidade, a do doente e do médico ou operador profissional. Se do ponto de vista jurídico a expressão do consentimento, tende a permitir que o médico seja responsável por quaisquer consequências negativas da intervenção, do ponto de vista ético é igualmente fundamental, uma vez que constitui a única legitimidade moral possível, excepto para casos de aflição e necessidade urgente, para a sua intervenção, sendo necessário, de facto, reconhecer o paciente na sua subjectividade e envolver em um relacionamento baseado na participação verbal, sensibilidade linguística, compreensão da sua formação social e cultural. O consentimento informado, em princípio, não pode ser reduzido a uma folha de informação simples, mais ou menos detalhada, que o paciente (ou quem quer que seja) deve assinar, o que representa o ponto de referência da relação médico-paciente, uma vez que é realmente sobre o que tem de ser feito, no momento, do ponto de vista clínico, que se deve exercer o respeito interpessoal, a preocupação com o outro, o reconhecimento da profissionalismo e atenção à situação exigida. Somente se o consenso continuar a ser um instrumento de diálogo, e não uma folha de informações simples, é possível atenuar essa tensão conflituante que muitas vezes actua como base. A discussão sobre o valor das declarações antecipadas não pode ser exercida no nível estritamente jurídico e factual, pois de facto, deve ter em consideração o nível ético da questão. É de que, no reconhecimento, ao menos ideal, do valor das declarações antecipadas, a vontade revela claramente a dignidade da pessoa humana em todas as condições da vida, sem que isso se torne abandono terapêutico ou em uma delegação de responsabilidade do médico. Vivemos uma era de relativa escassez de recursos, e um orçamento equilibrado corre o risco de ser percebido cada vez mais como um objectivo prioritário, e não apenas como uma restrição a ter em mente, ao questionar e trabalhar para proteger a saúde das pessoas, objectivo primeiro do serviço de saúde. A alocação de recursos destinados à saúde, orientando-os para a obtenção do melhor resultado possível, é uma decisão louvável quando se trata de propósitos postos ao serviço de pessoas; o mesmo não pode ser dito quando a optimização dos recursos aumentam para o objectivo principal a ser perseguido, porque as pessoas e não as necessidades orçamentais, são o maior valor que pode orientar o critério sobre as decisões a serem tomadas. A exigência da humanização, no plano social, traduz-se no compromisso directo de todos os profissionais de saúde a promoverem na sua área e de acordo com a sua competência, condições adequadas para a saúde, a melhorar instalações inadequadas, favorecer a distribuição correcta dos recursos para garantir que a política de saúde tenha como objectivo apenas, o bem da pessoa humana e como homens, até antes como pacientes ou médicos (e ninguém pode esquecer que o prestador de cuidados pode-se tornar paciente), que vivem dentro de uma sociedade e cultura complexa e articulada, é necessário encontrar tempo para repensar o tema da dor, sofrimento, existência, vida e morte não sendo possível cuidar do homem sem pôr em prática a sua imagem, que é também de todos.