Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO segundo Brexit “Britain faces a simple and inescapable choice – stability and strong Government with me, or chaos with Ed Miliband.” David Cameron [dropcap]O[/dropcap] processo caótico de saída do Reino Unido da União Europeia (UE) surpreendeu a comunidade internacional, que não só observa o terramoto político que ocorreu no país, mas também como os valores do bloco regional estão a ser questionados. Ainda que após o referendo de 2016, o Brexit tenha sido descrito como um evento sem precedentes, os britânicos já passaram por uma situação semelhante há quatrocentos e oitenta e cinco anos, quando o Rei Henrique VIII cortou relações com Roma para dissolver o seu casamento com a Rainha Catarina de Aragão, e assim casar com a Rainha Ana Bolena, o que levou à Reforma Anglicana. O conceito deste especial divórcio com a UE foi descrito pelo conselheiro político e estrategista britânico, Dominic Cummings, director da campanha oficial em favor do referendo de 2016. O Rei Henrique VIII, por comparação, tem sido apelidado de um tipo de britânico ao estilo de Donald Trump, que realizou uma outra campanha de propaganda sobre a opressão do papado de Roma, em que era necessário recuperar a soberania e o controlo das leis, fronteiras e dinheiro. O profundo legado da Reforma Anglicana era a tradição do excepcionalismo inglês e dentro desse costume, a Inglaterra era diferente, separada, superior, abençoada e livre das regras e restrições dos outros e apartou-se de Roma e das ideias conservadoras de qualquer tipo. Tal legado não desapareceu e essa convicção terminou na expansão colonial, construção do império e na criação de uma identidade com poder mercantil. A data previamente marcada para o divórcio entre a UE e o Reino Unido, era 19 de Março de 2019, mas tudo não tem passado de um sobressalto. O Reino Unido uma semana após a data execrável continuava a ser Estado-membro da EU, e a sua caminhada para a famigerada saída continua a ser percorrida com mais recuos que avanços, e quiçá nunca termine. Quase três anos após o referendo sobre a sua saída, ninguém sabe exactamente o que acontecerá nas próximas semanas, se haverá eleições, se existirá um novo governo, se o Reino Unido finalmente sairá ou se o Brexit será anulado. Mas algumas interrogações são claras, como o facto de como foi possível chegar a esta situação e quais as opções existentes. O Brexit é um caos sem fim e não se deu na data inicialmente marcada que era de dois anos, após o Reino Unido ter activado o mecanismo de saída. Todavia e na impossibilidade política de cumprir essa data, o governo inglês solicitou ao Conselho Europeu composto pelos Chefes de Estado e de Governo dos vinte e sete Estados-membros, uma extensão para evitar uma saída caótica, dado o parlamento inglês ter recusado por três vezes uma saída ordenada. Assim, o Brexit foi adiado temporariamente, criando amargura nas empresas que tinham fabricado placas comemorativas da data, e do Banco de Inglaterra que iria emitir uma moeda especial de cinquenta centavos como comemoração. O Reino Unido, em princípio, devia sair da UE na segunda data fixada, a 12 de Abril de 2019, sem acordo, ou em 22 de Maio de 2019, pouco antes das eleições europeias, com o acordo que não tem tido o governo a capacidade de o ratificar. Mas a 4 de Abril de 2019, o governo inglês, solicitou uma nova prorrogação até 30 de Junho de 2019, o que significa participar nas eleições europeias, que se realizam entre 23 e 26 de Maio de 2019. A UE podia rejeitar esse pedido e expulsar o Reino Unido a 12 de Abril de 2019, mas imporá uma prorrogação de um período que poder ser de até ano, esperando que o Parlamento britânico esclareça imediatamente, para evitar o que parece ter-se tornado o mau hábito de pedir a extensão do Brexit a cada duas semanas. Assim e logo que consiga ratificar rapidamente o acordo poderia sair sem ter de esperar pela decurso de um período longo. Se o caos continuar no Reino Unido e o acordo nunca for ratificado, existe o seguro de que enquanto houver eurodeputados britânicos, o Brexit pode ser adiado até ao infinito ou nunca se concretizar. O Conselho Europeu voltará a reunir-se entre 10 e 11 de Abril de 2019. O pedido de prorrogação do prazo até 30 de Junho de 2019, foi motivado pela votação do Parlamento a 3 de Abril de 2019, que por trezentos e doze votos contra trezentos e onze votos, autorizou o governo inglês a solicitar ao Conselho Europeu a extensão para a saída ou um período mais longo como foi sugerido pela UE. A última palavra pertence aos vinte e sete Estados-membros e a decisão deve ser por unanimidade. Qualquer país poderia criar a saída imediata do Reino Unido se vetasse a prorrogação que é algo improvável mas não impossível, ou seja que a Grécia, Malta ou Roménia têm a palavra final sobre a estabilidade económica do Reino Unido. O acordo de saída ainda não foi ratificado pelo Parlamento não por falta de tentativas. A primeira-ministra tentou por três vezes a votação do seu plano de acordo, com alterações pontuais para evitar a regra de que não pode voltar ao plenário um assunto rejeitado na mesma sessão. Todavia, deparou-se com um problema insolúvel que é a fronteira com a Irlanda. Se o Reino Unido abandona o mercado comum, o governo teria de introduzir controlos na fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte. Em princípio, não seria grave se não fosse uma região que passou décadas por uma guerra civil metida entre o grupo terrorista denominado de “Exército Republicano Irlandês (IRA na sigla inglesa)” e grupos paramilitares unionistas. A solução acordada com a UE tem sido a chamada de “salvaguarda”, ou seja separar a Irlanda do Norte do resto do país e forçá-la a seguir as leis comerciais europeias para evitar ter de inspeccionar as mercadorias que atravessem a fronteira. O resultado foi a rebelião dos parceiros do governo da primeira-ministra, os sindicalistas do “Partido Unionista Democrático (DUP na sigla inglesa)” da Irlanda do Norte, que se recusam a ver a sua província legalmente separada do resto do país. A sua recusa deu motivo à mais radical ala eurocéptica do seu partido, que encontrou uma desculpa para se recusar a aprovar o acordo, e dado que os radicais querem uma saída dura, decidiram rejeitar permanentemente o plano da primeira-ministra, mesmo que signifique manter o Reino Unido na UE e aliar-se à oposição pró-europeia. Tão entrincheirados estão, que insistem em rejeitá-lo, mesmo depois da primeira-ministra, que odeiam, ter oferecido a 27 de Março de 2019 a sua demissão em troca dos seus votos ao acordo, tendo um dos seus líderes loucamente afirmado que se o acordo fosse aprovado, seria capaz de demolir o Parlamento e atirá-lo ao Rio Tamisa. Se a saída da UE acabar por ser cancelada, os europeístas agradecerão para sempre. Existem muitos tipos de divórcio, mas basicamente são três, como o “Brexit duro”, difícil ou sem acordo que significaria deixar a UE, sem o Reino Unido pagar os quarenta e um mil e oitocentos milhões de euros que deve de contribuições ao orçamento, as pensões dos funcionários ingleses e outras despesas acordadas. Se tal vier a ocorrer, a UE trataria o Reino Unido como um país estrangeiro de imediato, impondo restrições ao comércio, transportes e circulação de pessoas, como aplica por exemplo a Moçambique ou à Indonésia. A UE anunciou um conjunto de medidas de emergência como por exemplo, no caso da Iberia, cuja matriz é a “International Airlines Group (IAG)”, que é uma empresa holding, constituída em 8 de Abril de 2010, como resultado da fusão da companhia aérea espanhola com a British Airways, com sede em Londres e que possa continuar a voar na Europa, até que a sua situação seja resolvida. Mas tudo depende da boa vontade da UE nesse tipo de Brexit, no qual as pessoas estão a precaver-se acumulando alimentos e medicamentos nas suas casas. A primeira-ministra inglesa defende um “Brexit suave”, pois o seu acordo inclui restrições à circulação de pessoas entre o Reino Unido e a UE e propõe um amplo acordo comercial para os bens, mas mais restrito aos serviços. O Reino Unido teria que continuar a obedecer a alguns dos regulamentos europeus, mas a abandonaria a maioria dos sectores, como o financeiro, fechando as portas do livre comércio com a UE, traduzido em maior liberdade regulatória e menos relacionamento económico. O “Brexit suave” também conhecido como “plano norueguês” é o modelo de relacionamento que o país nórdico tem com a UE, tendo dentro do mercado comum liberdade de circulação de pessoas, obedecendo a todas as normas impostas pelo bloco europeu e não fazendo parte da união política, pelo que não elege deputados, nem o seu primeiro-ministro é convidado para as reuniões do Conselho Europeu, nem poderá ter o euro como moeda. A relação é fundamentalmente comercial, defendida por muitos eurocépticos britânicos. Ainda que uma vez sentado à mesa, terá de se levantar para ir para a sala do lado, esperando que lhe tragam as sobras do menu, o que não parece ser um modelo particularmente atraente. Mas pode ser o mal menor para sair da UE, ainda que o prejuízo económico que estão a sofrer poderia ser minorado. O Reino Unido chegou à actual crise do Brexit após vinte e seis anos de erros catastróficos. Qual o impacto imediato do Brexit na UE? Tudo depende de qual o tipo de saída, mas se não houver acordo, os danos seriam múltiplos. Por exemplo, o número de turistas britânicos diminuiria, as empresas que vendem para o Reino Unido teriam novos obstáculos comerciais, o sector agro-alimentar sofreria e se o caos espalhasse, a Ibéria por exemplo não poderia voar no espaço aéreo europeu depois de alguns meses. A situação afectaria todas as economias, uma vez que o Reino Unido é um bom parceiro comercial e poderia causar danos a muitas empresas e aos seus trabalhadores. Mas se o Brexit for mais suave, os efeitos serão menores. No caso de optar pelo “plano norueguês”, o efeito seria pequeno, mas alguma parte do comércio seria afectado. É de recordar que Theresa May, que votou a favor de permanecer na UE, foi a única sobrevivente das primárias dos “Tories” e foi nomeada primeira-ministra. Como é possível chegar a esta situação? A história do Brexit é, em si, uma história de calamidades. O ex-primeiro-ministro David Cameron prometeu realizar um referendo para satisfazer os eurocépticos do seu partido, pensando que nunca obteria a maioria absoluta, mas contra todas as probabilidades, obtêm trezentos e trinta e um assentos no Parlamento a 8 de Maio de 2015, não limitando o poder do governo, apoiou a opção de permanecer na UE, enquanto o Partido Trabalhista elegia Jeremy Corbyn, um líder eurocéptico, no meio de uma rebelião esquerdista contra o “centrismo” e tudo repentinamente ficava a favor da saída. Após a estreita vitória da opção de saída do Reino Unido da UE por 52 por cento contra 48 por cento, David Cameron renunciou ao cargo para dar espaço a que um primeiro-ministro eurocéptico formasse governo. Mas todos os candidatos pró-Brexit caíram em uma campanha primária cheia de traições públicas e erros, e no final Theresa May foi a única que permaneceu de pé e foi nomeada primeira-ministra sem ter sido votada pelos militantes do seu partido. A primeira-ministra inglesa jogou as duas principais cartas que detinha de forma desastrosa, tendo primeiro instalado o cronómetro para o processo de saída em Março de 2017, sem o ter preparado, dando à UE todo o poder de impor as regras de negociação e prazos. A segunda cartada refere-se à convocação de uma eleição antecipada para obter a esmagadora maioria previstas pelas pesquisas que davam 20 por cento de vantagem sobre o Partido Trabalhista, e usar o poder parlamentar para fazer aprovar o seu acordo. Assim, Theresa May colocou-se à mercê da oposição e dos extremistas do seu partido, e é recordada como as mais horríveis eleições, tendo-lhe sido dado o apelido de “Maybot” pela atitude robótica das suas acções e por perder a maioria a 08 de Junho de 2017 com trezentos e dezoito assentos, menos doze que os, dois partidos que não têm nada mais em comum do que uma retumbante rejeição pelo “Brexit suave” que propõe. Todavia, o maior problema é que durante esses anos, a polarização do país aumentou e muitos dos cidadãos que viam a UE como algo positivo mas distante tornaram-se pró-europeus radicais, dispostos a demonstrar e a recolher seis milhões de assinaturas para a sua permanência na UE. É de salientar que a 30 de Março de 2019, um milhão de pessoas contrárias à saída do Reino Unido da UE, desfilaram pelo centro de Londres para exigir um novo referendo e muito eleitores que decidiram deixar a esperança no “plano norueguês”, pedem uma larga pausa e acusam a primeira-ministra de traição. As ameaças aos deputados aumentaram e a situação é cada vez mais tensa, pois nem os parlamentares sabem o que fazer, tudo indicando que Theresa May deixará de ser primeira-ministra antes do final do ano, embora o seu partido tenha medo de convocar eleições pela possível punição do eleitorado. Ninguém sabe o que vai acontecer no dia seguinte, tal é o clima de incerteza que o Reino Unido vive, com a mais difícil decisão a ser tomada desde a II Guerra Mundial, e tudo se deve à laracha do ex-primeiro-ministro David Cameron que uma semana antes das eleições de 2015, afirmou que o Reino Unido estava a enfrentar uma decisão simples e inevitável, o de ter um governo estável com ele ou o caos com o Partido Trabalhista. Será impossível imaginar maior caos do que vive o Reino Unido. O Conselho Europeu extraordinário reuniu-se a 10 de Abril de 2019 e decidiu em princípio conceder mais uma nova prorrogação até 31 de Outubro de 2019, com a revisão da prorrogação solicitada pelo Reino Unido para 30 de Junho de 219, o que significa que teoricamente que o Reino Unido estará fora da UE a 1 de Novembro de 2019, e não terá poder de decisão na escolha da Comissão Europeia e seu presidente que entrará em funções nessa data. Os eurodeputados ingleses eleitos podem apenas momentaneamente alterar o equilíbrio de forças dos principais grupos políticos no Parlamento Europeu. É impossível saber qual a exacta data do divórcio, dado o momento de grave crise política que o Reino Unido vive e talvez remotamente, o caos político britânico se concretize no sonho do Presidente do Conselho Europeu, de nunca se produzir o Brexit.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA economia e psicologia da reciclagem “What a piece of work is a man! how noble in reason! how infinite in faculty! in form and moving how express and admirable! in action how like an angel! in apprehension how like a god! The beauty of the world, the paragon of animals”. Act II, scene 2, of Hamlet [dropcap]T[/dropcap]odos nós sabemos que devemos reciclar, mas mesmo os recicladores comprometidos podem ser erráticos, limpar e separar garrafas em um dia e colocar no lixo no dia seguinte. Porquê? Acontece que uma série de factores influencia as nossas decisões sobre o que colocar ou não na lixeira verde. É de considerar que dois desses factores surgiram em pesquisas recentemente realizadas sobre os hábitos de descarte. Foi descoberto primeiro, que as pessoas têm mais probabilidade de reciclar itens que não foram distorcidos, como latas de refrigerante e papel que não foi rasgado em pedaços e que se denomina por ” factor de distorção”. Os resultados de vários estudos demonstram que a decisão do consumidor de reciclar um produto ou colocá-lo no lixo pode ser determinada pela medida em que o produto foi distorcido durante o processo de consumo. Especificamente, se o processo de consumo distorce um produto suficientemente da sua forma original ou seja, mudanças no tamanho ou na forma, os consumidores percebem como menos útil e, por sua vez, são mais propensos a colocá-los no lixo, ao invés de os reciclar. Tais descobertas apontam para resultados importantes do processo de consumo que foram amplamente ignorados, e fornecem percepções iniciais sobre os processos psicológicos que influenciam o comportamento da reciclagem. A segunda descoberta refere-se ao facto de que são mais propensos a reciclar itens ligados a um elemento da sua identidade, como por exemplo, um copo da McDonald’s ou da Starbucks, que contém o nome da marca e que é denominado por “factor de identidade”. É sabido que as identidades dos consumidores influenciam as decisões de compra e as pessoas criam fortes conexões de identidade, ou ligações com produtos e marcas. Os estudos sobre a matéria, ainda necessitam de determinar se os produtos ligados à identidade são tratados de forma diferencial à disposição em comparação com os produtos que não estão ligados à identidade. Os actuais estudos realizados, mostram que quando um produto consumido diariamente como por exemplo, papel, copos e latas de alumínio estão ligados à identidade do consumidor, é menos provável que seja descartado e tenha maior probabilidade de ser reciclado. Além disso, a tendência de reciclar um produto vinculado à identidade aumenta com a força e a positividade da conexão entre o consumidor e o produto ou marca. O comportamento de descarte pode ser explicado pela motivação dos consumidores para evitar a destruição de um produto que esteja ligado a si, porque é visto como uma ameaça à identidade Os consumidores estarão mais propensos a reciclar, em vez de colocar no lixo um produto se estiver vinculado à identidade de um consumidor, e ocorre porque colocar um produto vinculado à sua identidade no lixo é simbolicamente semelhante a destruir uma parte do “eu”, uma situação que os consumidores estão motivados a evitar. O terceiro factor afecta não o que reciclamos, mas o quanto fazemos. As pessoas que sabem que vão reciclar depois de concluir uma tarefa que gera resíduos usam mais muito mais recursos do que teriam de outra forma. Alguns ambientalistas propõem um modelo utilitarista em que a reciclagem pode reduzir as emoções negativas dos consumidores de desperdiçar recursos ou seja, retirar mais recursos do que está a ser consumido e aumentar as emoções positivas dos consumidores, a partir da disposição dos recursos consumidos, fornecendo evidências para cada componente da função utilidade, usando uma série de problemas de escolha e formulando hipóteses baseadas em um modelo utilitário parcimonioso. As experiências com comportamento real de descarte apoiam as hipóteses do modelo. Os estudos sugerem que as emoções positivas associadas à reciclagem podem dominar as emoções negativas associadas ao desperdício e como resultado, os consumidores poderiam usar uma quantidade maior de recursos quando a reciclagem é uma opção e, de modo mais impressionante, esse montante poderia ir além do ponto em que a sua utilidade de consumo marginal se torna zero. Os proponentes ampliam o modelo teórico e introduzem a utilidade de aquisição e o efeito moderador do custo de reciclagem (financeiro, físico e mental) e de uma perspectiva política, esta proposta defende uma melhor compreensão do comportamento de disposição dos consumidores para aumentar a eficácia das políticas e campanhas ambientais. É de notar que o “factor de distorção” é importante quando se examina por exemplo, o conteúdo da colecta selectiva no ecoponto nos contentores de metal e de papel e do espaço dedicado ao lixo para não reciclagem. Os pedaços de papel intactos, em geral, foram reciclados e os fragmentos de papel foram destruídos e quanto às latas de alumínio, as intactas foram recicladas e as amassadas ou esmagadas foram descartadas. O que explica este factor? Quando um item é suficientemente distorcido ou alterado em tamanho ou forma, as pessoas percepcionam como inútil e como algo sem futuro e colocam no lixo. Tal facto explica parcialmente porque tanto material reciclável termina no aterro. Ainda que, as pessoas estejam sensibilizadas para reciclar muitos itens comuns, apenas 65 por cento do papel e 55 por cento do alumínio são reciclados. Ao conscientizar as pessoas desse factor poder-se-ia potencialmente mudar o comportamento do descarte. As empresas direccionadas para a sustentabilidade poderiam melhorar as taxas de reciclagem por meio de inovações em embalagens que, por exemplo, aumentam a facilidade de abertura e diminuem a distorção, o que poderia melhorar a probabilidade de as embalagens serem recicladas e até mesmo reutilizadas. A exploração ao factor de identidade, foi revelado em um recente estudo da Universidade de Yale, em que foi efectuada uma visita a um café onde o empregado escreveu incorrectamente o nome do cliente na chávena descartável, e escrever os nomes dos clientes nas chávenas tornou-se um padrão em muitos cafés, ligando o produto a alguma parte da identidade do cliente. Foi pedido a um grupo de voluntários para provar e avaliar o café. Os participantes foram questionados sobre os seus nomes, e os que foram soletrados correctamente ou intencionalmente grafados erroneamente nas suas chávenas. Aqueles cujos nomes foram escritos correctamente eram significativamente mais propensos a reciclar a sua chávena do que aqueles cujos nomes foram escritos incorrectamente. Foram realizados diversos outros estudos com diferentes produtos e formas de vincular o produto às identidades dos consumidores, como usar bandeiras americanas ou logótipos de universidades, que ligam as pessoas a importantes identidades de grupo. Foi descoberto consistentemente que as pessoas são mais propensas a reciclar do que a descartar produtos ligados à identidade, e que a destruição desses produtos pode reduzir a auto-estima e como seria de esperar, é uma pena jogar um pedaço de si no lixo, para que as pessoas o evitem fazer. Ao criar uma ligação de identidade ou tornar uma conexão existente mais forte, pode-se transformar os consumidores menos propensos a colocar itens no lixo reciclável. Muitas empresas já vinculam produtos às nossas identidades, mas podem não estar cientes das consequências do descarte. A Coca-Cola, por exemplo na sua campanha “Compartilhe uma Coca-Cola” teve um estrondoso sucesso, pois os consumidores encontram os seus nomes nas garrafas, tendo aumentado as taxas de reciclagem para aqueles que bebem uma garrafa com o seu nome. A campanha da Coca-Cola retornou aos Estados Unidos em Maio de 2014 e os fãs americanos sedentos têm clamado por encontrar os seus nomes em garrafas de Coca-Cola, Diet Coke ou Coca-Cola Zero. A Coca-Cola passou a personalizar as garrafas com o primeiro e último nome e mais de mil nomes e sobrenomes estão disponíveis, com quase duzentos sobrenomes incluídos. Às vezes, a opção de reciclar pode influenciar a quantidade de um item que é usado. Por exemplo, no estudo foram examinados o quanto as pessoas consomem quando têm a opção de reciclar versus colocar no lixo. Os sujeitos da pesquisa foram instruídos a usar a quantidade do produto que queriam. Em um estudo, umas pessoas embrulharam presentes; em outro, usavam papel para resolver problemas matemáticos. Em cada experiência, metade dos participantes poderia reciclar o que usavam; a outra metade só podia descartá-lo. Foi constatado que as pessoas usavam muito mais recursos como papel de embrulho, papel, copos e embalagens plásticos quando sabiam que iriam reciclar. Como é possível explicar tais situações? As descobertas sugerem que as emoções positivas associadas à reciclagem podem dominar as emoções negativas, como a culpa, associada ao desperdício e como resultado, os consumidores sentem-se à vontade para usar uma quantidade maior de recursos quando a reciclagem é uma opção. A conservação de recursos em um domínio pode levar a desperdiçar recursos em outro, que tem a ver com o bom comportamento anterior e cujo fenómeno é conhecido nas ciências sociais como licenciamento moral. A grande questão é reciclar ou colocar no lixo? O sucesso da reciclagem depende da resposta que milhares de milhões de pessoas dão a essa pergunta diariamente. É de realçar que aprendemos com os economistas comportamentais nos últimos anos, que muitas das nossas decisões são, nas palavras de Dan Ariely no seu livro “Predictably Irrational: The Hidden Forces That Shape Our Decisions“ previsivelmente irracionais. Assim, é com essa decisão. Mas ao trazer os nossos factores à disposição, podemos alterar o comportamento individual, estimular a criação de embalagens que incentivem a reciclagem e aumentar a eficácia das políticas e campanhas ambientais. A previsível irracionalidade de que fala Dan Ariely é de que a nossa irracionalidade acontece da mesma forma e sempre. Na economia convencional, a suposição que todos somos racionais implica que, na vida quotidiana, computemos o valor de todas as opções que enfrentamos e depois seguimos o melhor caminho possível de acção, e se cometermos um erro e fizermos algo irracional? Aqui também a economia moderna tem uma resposta pois as forças do mercado vão cair sobre nós e rapidamente colocar-nos de volta ao caminho da justiça e racionalidade. É com base nessas suposições, de facto, que gerações de economistas desde Adam Smith foram capazes de pensar conclusões sobre tudo, desde a tributação e políticas de saúde até aos preços de bens e serviços. Mas, somos muito menos racionais do que a teoria económica padrão assume. Os nossos comportamentos irracionais não são aleatórios nem sem sentido, são sistemáticos, e desde que os repetimos sempre, de forma previsível, então não faria sentido modificar a economia padrão, para afastá-la da “ingénua” psicologia que muitas vezes falha os testes da razão e da introspecção, e que talvez seja mais importante o escrutínio empírico.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA priorização da segurança humana [dropcap]”[/dropcap]At the end of the day, the goals are simple: safety and security.” Jodi Rell A 10 de Março de 2019, um avião da Ethiopian Airlines despenhou-se logo após a descolagem, matando cento e cinquenta e sete pessoas que se encontravam a bordo e nas horas após o acidente, mesmo antes de as autoridades recuperarem as caixas negras do avião, o mundo começou a questionar a segurança da aeronave. O Boeing 737 Max 8, foi anunciado como o futuro da aviação, graças à sua impressionante economia de combustível e toques futuristas, como música na cabine e nova iluminação LED. É um avião que começa uma nova fase na era da economia de combustível de dois dígitos em relação à geração anterior. Os dois acidentes com aviões Boeing 737 Max 8 em apenas cinco meses, deixou o mundo consternado pelas consequências de perdas de tantas vidas humanas, e torna-se difícil não pensar a razão pela qual a Boeing resistiu aos esforços de manter os aviões no solo. A Southwest Airlines e a American Airlines, duas companhias aéreas americanas continuaram a voar, até o presidente Trump anunciar que os aviões se manteriam no solo, revertendo uma decisão anterior da Administração Federal de Aviação (FAA na sigla inglesa). A União Europeia (UE), a 12 de Março de 2019, proibiu o uso de aviões Boeing 737 Max 8 e 9, e que voassem no seu espaço aéreo. Os Estados Unidos ainda não tinham tomado qualquer decisão nessa data. Todavia, em questão de meses, dois acidentes de avião Boeing 737 Max 8, pertencentes à Lion Air e a Ethiopian Airlines deixaram aos especialistas o benefício de descobrir se o avião é parte da equação ou se é apenas uma coincidência horrível. As companhias aéreas de muitos países, no entanto, não esperaram pela resposta e poucas horas após o acidente, a Ethiopian Airlines anunciou que iria manter no solo todos os seus aviões Boeing 737 Max 8. A China seguiu o exemplo, bem como Singapura, Austrália, Malásia e Reino Unido. Mas nesse momento, enquanto muitos países decidiam manter os seus aviões Boeing 737 Max 8 no solo, os mesmos continuavam em serviço nos Estados Unidos. A American Airlines, enquanto apresentava as suas condolências às famílias e amigos dos passageiros que estavam a bordo do voo 302 da Ethiopian Airlines, afirmava que continuaria a voar com tais aeronaves pois não existiam factos concretos sobre a causa do acidente, além das notícias propagadas e que as suas equipas de voo, operações técnicas e de segurança, monitorizariam a investigação na Etiópia, dado ser o seu protocolo padrão para qualquer acidente de aeronaves. A American Airlines continuaria a colaborar com a FAA e outras autoridades reguladoras, dado que a segurança dos membros das suas equipas e clientes eram a sua prioridade número um, e que tinham total confiança na aeronave e nos membros da sua tripulação, que eram os melhores e os mais experientes do sector. A FAA, entretanto, compartilhou a sua declaração de apoio à Boeing e aos aviões modelo 737 Max 8, afirmando que relatórios externos estavam a ser elaborados, delineando semelhanças entre o acidente da Ethiopian Airlines e o da Lion Air, ocorrido a 29 de Outubro de 2018, bem como as instruções de aeronavegabilidade continuada para a comunidade internacional, pelo que a investigação apenas tinha começado e não tinham recebido dados suficientes para retirar conclusões ou tomar quaisquer medidas. A FAA observou que exigiu mudanças de projecto na aeronave para serem realizadas até Abril de 2019. As alterações eram o resultado do acidente da Lion Air e não do recente acidente na Etiópia. A Boeing defendeu os seus planos e declarou que especular sobre a causa do acidente ou discuti-lo sem deter todos os factos necessários não era apropriado e poderia comprometer a integridade da investigação. A outra companhia aérea americana, a Southwest Airlines, que actualmente opera com aviões Boeing 737 Max 8, disse que planeava continuar a usar os aviões, mas monitorizaria a investigação em curso. A Southwest Airlines possui trinta e quatro aeronaves modelo MAX 8, sendo a sua frota de setecentos e cinquenta Boeings 737, pelo que continuavam confiantes na sua segurança e aeronavegabilidade, e as aeronaves do modelo MAX 8 tinham produzido milhares de dados positivos durante cada voo, que são constantemente monitorizados, tendo realizado mais de quarenta e um mil voos e detinham informação suficiente que indicava a eficácia dos seus padrões operacionais, procedimentos e treino. Todavia a Southwest Airlines, estava a ajudar a retirar o medo dos seus clientes, permitindo que as pessoas mudassem de avião se desejassem. Após dois dias do acidente da Ethiopian Airlines e de pressão crescente, os Estados Unidos mantiveram no solo os aviões Boeing 737 Max 8, revertendo uma decisão anterior em que os reguladores americanos afirmaram que os aviões poderiam continuar a voar. A decisão, anunciada pelo presidente Trump, seguiu determinações de reguladores de segurança de quarenta e dois países de proibir os voos desses aviões, que se encontram imobilizados no solo em todo o mundo. Os pilotos, comissários de bordo, consumidores e políticos dos principais partidos políticos americanos reivindicavam que os aviões permanecessem no solo nos Estados Unidos. Apesar do clamor, a FAA estava decidida, e afirmava que não havia problemas sistémicos de desempenho que levassem as duas companhias aéreas a suspender os voos dos aviões. A 13 de Março de 2019, tudo muda quando, em uma sucessão relativamente rápida, autoridades de aviação americanas e canadenses disseram que estavam a manter no solo os aviões depois de dados de rastreamento por satélite, sugerirem similaridades entre o acidente na Etiópia e o da Indonésia. A segurança do povo americano e de todas as pessoas era a sua preocupação primordial, afirmaria o presidente Trump a repórteres na Casa Branca ao fazer o anúncio. É de entender que à medida que os aviões se tornam mais automatizados, alguns pilotos perdem habilidades de voo. O acidente do voo 302 da Ethiopian Airlines tem muitas semelhanças com o acidente da Lion Air. Os dados sobre a trajectória vertical do avião etíope na descolagem e os dados comparáveis do acidente da Lion Air mostraram flutuações verticais e oscilações, e poucas horas depois, a FAA confirma que a sua decisão surgia depois da investigação que desenvolveu e de novas informações reveladas a partir dos destroços a respeito da configuração da aeronave logo após a descolagem. Tomados em conjunto com dados recentemente refinados do rastreamento por satélite da trajectória de voo da aeronave, as informações indicaram semelhanças entre as quedas etíopes e indonésias que justificam investigações adicionais sobre a possibilidade de uma causa compartilhada para os dois incidentes e que necessitam de ser melhor compreendidos e abordados. A Ethiopian Airlines desde logo, informou que um dos dois pilotos da aeronave relatou ter problemas de controlo de voo aos controladores de tráfego aéreo, minutos antes de o avião cair e disse que queria voltar ao Aeroporto Internacional de Bole em Addis Abeba. O piloto foi autorizado, três minutos antes do contacto se ter perdido com a cabine. Essa divulgação sugere que um problema com o controlo da aeronave, ou com o sistema computadorizado de controlo de voo poderia ter sido um factor. São descartadas qualquer hipótese de terrorismo ou outra interferência externa no funcionamento da aeronave, que tinha apenas alguns meses. As autoridades ao examinar o acidente da Lion Air levantaram a possibilidade de que um novo sistema de controlo de voo possa ter contribuído para esse acidente. A FAA, alertou que a investigação sobre o acidente da Ethiopian Airlines estava incompleta, e nenhuma determinação quanto à sua causa foi feita, nem qualquer conclusão final foi elaborada para o acidente indonésio. Os dados de voo e os gravadores de voz, conhecidos como caixas negras no desastre da Etiópia foram recuperados e serão analisados na França, pelo que ainda se tem muito para aprender antes de se poder afirmar que tiveram a mesma causa e efeito. Os acidentes colocaram a Boeing na defensiva. A companhia aérea de baixo custo, Norwegian Air, que tem uma das maiores frotas de Boeing 737 Max 8 fora dos Estados Unidos, disse que pedirá uma indemnização por manter os aviões no solo. O Boeing 737 Max 8 é o avião mais vendido da Boeing de todos os tempos e deve ser um grande estimulador de lucro, com mais de quatro mil e quinhentos aviões encomendados. As acções da empresa caíram cerca de 11 por cento na semana do acidente. A Boeing por seu lado está a apoiar esta fase proactiva com extrema cautela, e a cooperar para entender a causa dos acidentes em parceria com os investigadores, implantar melhorias de segurança e ajudar a garantir que tal facto não aconteça novamente. Após o acidente indonésio, os sindicatos de pilotos reclamaram que não tinham conhecimento de uma mudança no sistema de controlo de voo do Boeing 737 Max 8 que poderia empurrar o nariz do avião automaticamente para baixo em certas situações. Acredita-se que a mudança no “software” tenha desempenhado um papel no acidente da Lion Air e também tenha sido um factor no acidente na Etiópia. A Boeing está a planear lançar uma actualização de “software” que está em desenvolvimento desde o acidente na Indonésia. A introdução de um novo recurso de controlo de voo consequente, sem qualquer requisito para o treino de pilotos, está a atrair mais atenção. As autoridades americanas planeiam conduzir uma investigação sobre a certificação do Boeing 737 Max 8 pela FAA, com o objectivo de saber o motivo pelo qual o órgão regulador não exigiu o treino dos pilotos a aprenderem a voar a nova versão. A FAA, transportadoras e fabricante irão trabalhar arduamente para tornar a imobilização dos aviões no solo no mais curto tempo possível, pois situações como estas são um alto teste para os líderes. Ainda não está claro porque razão o avião da Ethiopian Airlines caiu. Os reguladores estiveram divididos, enquanto os da Ásia e Europa avançaram relativamente rápido com as proibições de voo, e nos Estados Unidos a FAA manteve a decisão de que a análise não mostra problemas sistemáticos de desempenho e não fornece uma base para ordenar a manutenção das aeronaves no solo. Os políticos e líderes da Boeing telefonaram ao presidente Trump garantindo a segurança dos aviões da empresa após um “tweet” presidencial que queixava de que os aviões estavam a tornar-se um caso muito complexo, afirmando desvairadamente “Eu não quero que Albert Einstein seja meu piloto”. A 13 de Março de 2019 mais de quarenta países imobilizavam os seus aviões. Toda esta confusão não traz benefícios nem aos investidores das empresas envolvidas, nem aos trabalhadores e passageiros. Ter-se-ia evitado grande parte da turbulência se os líderes da empresa tivessem feito um trabalho melhor em enquadrar a situação. Os líderes têm uma tarefa crucial no início de um desastre em formação, devendo usar a arte de enquadrar para descrever a natureza do problema que a organização está a enfrentar. Os modelos adequam a forma como pensamos os problemas e também as oportunidades e dizem qual a categoria de dificuldade que estamos a lidar, porque ao identificar um tipo de problema, também contém as sementes de acção e resposta. É de lembrar que durante a crise de envenenamento por Tylenol em 1982, a J&J, empresa multinacional americana de produção de dispositivos médicos, produtos farmacêuticos e bens de consumo embalados fundada em 1886, notoriamente declarou que se tratava de um problema de saúde pública. Tal enquadramento deu início a todas as actividades que associamos à reacção padrão da J&J e a uma crise em que vidas humanas estão em jogo. Assim, todas as embalagens de cápsulas de Tylenol, contra o conselho do Food and Drug Administration (FDA), foram pela J&J substituídas por novas embalagens resistentes a adulterações e entregou as cápsulas recém-embaladas em um período de seis semanas. Quando um segundo surto de envenenamento ocorreu quatro anos após o primeiro, a J&J declarou que só oferecia Tylenol em cápsulas, que não podiam ser separadas e lacradas sem que os consumidores soubessem. A J&J poderia ter descrito a natureza do envenenamento por Tylenol de muitas maneiras diferentes, como um ataque à empresa, um problema em algum lugar no processo de distribuição do Tylenol das fábricas para lojas de venda a retalho, bem como as acções de um assassino solitário e cada um desses enquadramentos teria levado a um conjunto diferente de acções. Se a J&J tivesse chamado de ataque ao envenenamento, teria desencadeado uma guerra dispendiosa e difícil de vencer contra estranhos e desconhecidos tentando destruir a empresa. Se fosse um problema de processo, haveria uma revisão minuciosa da cadeia de fornecimento de Tylenol e possíveis falhas no sistema, e se acaso pudesse ser trabalho de um homicida? Sabemos como tais generalidades podem levar à inacção no sector e a culpar sistemas muito distantes da empresa e das suas responsabilidades. É de acreditar que o presidente da Boeing insistiu com o presidente Trump e outros de que a aeronave era segura. O treino é projectado para ajudar os pilotos a identificar e substituir os controlos automáticos do avião se os mesmos erroneamente dirigirem o seu nariz para baixo. Assim, o quadro do presidente da Boeing foi pintado no sentido de que se é um problema técnico podia ser corrigido com o treino dos pilotos. Tarde demais. É um quadro bastante comum para o mau funcionamento de um produto, mas ainda não sabemos se a semelhança nos dois acidentes é uma coincidência ou o sinal de um problema sistemático que precisa de ser corrigido. Além disso, o quadro parece perder o momento, pois centenas de vidas humanas foram perdidas, e mais podem estar em risco, e os reguladores em muitos países imobilizaram os aviões. As acções dos reguladores reflectem um quadro de priorização da segurança humana, que parece reflectir melhor os altos níveis de incerteza e risco que a Boeing está a pedir que aceitemos. O que poderia a Boeing ter dito de forma mais sensata? Talvez fosse melhor dizer que é um problema técnico que não dominam por completo e à luz dessa incerteza, recomendar a aterragem dos Boeings 737 Max 8 e 9 até terem a certeza de descobrir o que está a provocar as falhas e poder contentar a empresa, reguladores globais, transportadoras e passageiros e que possam ter todos a certeza do que está a causar essas falhas e de que os aviões são seguros para voar de novo. Tal enquadramento leva a um caminho de acção muito mais claro e reconhece uma parceria com reguladores encarregados de proteger vidas humanas e teria sido melhor para todos os interessados se a Boeing tivesse chegado a essa conclusão antes que o presidente americano aparentemente o fizesse. A questão principal para os líderes é o facto de ser necessário tornar a situação e o pensamento difícil. É necessário decidir que tipo de problema se está a enfrentar, e descrevê-lo em linguagem clara que ajudará as pessoas que o têm de resolver na empresa, bem como os que estão a julgar de fora, a entender como a empresa está a pensar e que tipo de problema enfrenta. O enquadramento é uma ferramenta para ser usada conscientemente. Se for bem utilizada, pode fazer uma enorme diferença em inspirar a acção responsável e confiar no julgamento e nos valores da empresa, mesmo que, como no caso da J&J, o problema não esteja totalmente resolvido e precise de ser abordado de novo.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA olvidada paisagem sonora [dropcap]S[/dropcap]e fechar os olhos por um momento e escutar o espaço que me rodeia dou conta que da minha cadeira, ouço a agitação rítmica do ciclo de centrifugação da máquina de lavar, abafada apenas levemente por uma porta fechada. Na sala ao lado, ouço uma melodia cadenciada de bandolim. Ainda mais longe, a sugestão de um zumbido baixo, como o de um raro jacto cruzando o céu, que me faz lembrar a presença do frigorífico no espaço contíguo à cozinha. Se eu me concentrar mais, posso ouvir o gemido distante de sopradores de folhas na rua, embora o que poderiam estar a soprar no meio do inverno esteja além de mim. E ao lado do “click clack” da minha digitação, ao enviar estas palavras à página, está o ronronar de um disco rígido externo, um som reconfortante da era digital. Estes são os sons da minha e da nossa vida diária. Os sons possuem muitas universalizações compartilhadas pelos povos do mundo como lembretes sonoros de electricidade, canalização interna e motor de combustão. No entanto, são simultaneamente e totalmente exclusivos do local onde ocorrem e podem incluir o clamor longínquo de um raro galo ou um chamado árabe à oração. Ao ler a passagem acima, provavelmente ouviu os sons descritos na sua mente, em um processo chamado de audição. Ainda que a minha audição possa ser diferente de outra pessoa, a imagem sonora mental vívida ilustra o poder do som como meio de comunicação. Pode transmitir significado, emoção, memória e factos por meio de linguagem, música e gravações. O som, quando entendido como um ambiente, é uma paisagem sonora; uma ferramenta poderosa que ajuda os seres humanos a se relacionarem com o ambiente. Os sons podem ser conscientemente projectados por um indivíduo ou grupo de indivíduos, ou o subproduto de circunstâncias históricas, políticas e culturais. Podem ser composições musicais, gravações de campo antropológicas etnográficas ou de uma floresta tropical tomadas por um ecologista, ou ainda imaginações de um projectista de som/historiador ruminando os sons do passado. As paisagens sonoras definem comunidades e os seus limites, actores, complexidades geográficas e indústrias. Os sons surgem através das interacções entre forças externas e internas dentro de uma comunidade. O que torna a paisagem sonora de um lugar diferente de qualquer outro local no mundo são as marcas sonoras. A marca sonora da nossa casa pode ser uma pequena fonte borbulhando no canto da sala de estar, ou o tilintar de um carrilhão de vento no seu quintal, se o urbanismo tresloucado ainda o permitir. Por certo gosta desses sons porque o fazem sentir-se de alguma forma feliz, e coloram a impressão de todos os outros sobre o ambiente sonoro do seu espaço pessoal. A marca sonora do local onde mora pode ser a piscina local, quiçá metida no meio dos arranha-céus dos prédios que constituem as edificações da utilização de um lote urbano, pensado para engaiolar gente que não merece ter o mínimo de qualidade de vida, com o som de salpicos e gente rindo dominando a paisagem sonora, sempre que a temperatura sobe acima dos vinte e cinco graus centígrados. Mas durante os Outonos e Invernos que se misturaram selvaticamente com as outras estações, por força das alterações climáticas que os seres humanos irresponsavelmente tiveram a ousadia de atiçar, talvez a paisagem sonora da sua cidade seja dominada pela marca sonora do fole diário dos apitos e ronronar de motores de carros e motociclos, altamente causadores das maiores poluições atmosféricas e sonoras que o mundo conhece e que a boas e más governanças nacionais não querem ou não podem resolver. Talvez tenha adicionado a fonte e o som do vento na sua casa se não viver enjaulado para combater a estética desagradável desses sons, pois criamos a nossa paisagem sonora em diálogo com a comunidade e como sua reacção. Tais escolhas iluminam aspectos da nossa sensibilidade estética e formação pessoal e cultural. A resposta do vizinho ao som que medido virou ruído, pode ser cultivar um jardim atraente para os pássaros na marquise improvisada da minúscula varanda, de modo que a nossa paisagem sonora pessoal fosse constantemente preenchida com o canto dos pássaros. Todos os membros da comunidade podem ter reacções individuais à paisagem sonora, e o contraste entre a paisagem sonora aos níveis micro e macro, ajuda a pintar uma imagem da composição diversificada de uma comunidade. Este é o poder da paisagem sonora. Se fecharmos os olhos novamente, podemos imaginar um espaço que não seja diferente do descrito e o ronronar baixo do frigorífico lentamente desaparece e o gemido distante do soprador de folhas foi substituído pelos cascos rítmicos dos cavalos. O ciclo de centrifugação da máquina de lavar roupa foi substituído por roupas batendo em um estendal no quintal. Escutamos passos barulhentos e o rangido de um cesto de vime pressionado contra um corpo. É mais fácil ouvir o seu batimento cardíaco, respiração, suspiros ecoando e o vento assobiando pelas rachaduras na janela. É uma paisagem sonora de um tempo passado. Esta poderia ser a paisagem sonora de uma casa do século XIX, até mesmo de uma casa singular do século XX. Em um contexto ambiental, a paisagem sonora ajuda-nos a entender a ecologia acústica de um lugar. A floresta repleta de muitos tipos de pássaros e outras actividades animais indicaria um ecossistema saudável, diversificado e resiliente. Por outro lado, um ecossistema dominado por uma única fonte sonora, como o canto da cigarra, ilustra uma possível falta de diversidade e resiliência. Quanto mais resiliente for um ambiente, maior será a sua capacidade de resistir a um distúrbio significativo sem danos e mudanças irreparáveis. Também são importantes as maneiras pelas quais os sons interagem entre si. A hipótese do “nicho acústico” desenvolvido por Bernard Krause, músico americano e ecologista de paisagem sonora, que afirma que todos os organismos ocupam uma faixa de frequência funcionalmente específica dentro de um ecossistema. Por exemplo, se em um pasto houver grilos e pássaros, a chamada de críquete estará em uma faixa de frequência diferente ou ocorrerá em um horário distinto do canto dos pássaros, de modo que cada grupo de comunicação dos organismos sobreviva, tais como chamadas de emparelhamento, podem ser mais facilmente ouvidas. Os ruídos conflituantes decorrentes da actividade humana forçam os organismos a alterar o seu comportamento para se adaptarem a novas frequências, como o tráfego automóvel e os nichos acústicos nítidos tornam-se confusos, à medida que os modos naturais de comunicação dos organismos se tornam ineficazes face às mudanças, comprometendo a aptidão e a sobrevivência das espécies. As comunidades humanas não são diferentes. A distinção entre as facetas sónicas das comunidades é cada vez mais difícil de discernir no nível superficial. Muito parecido com uma nota à cigarra, é o clamor da música pop ocidental em restaurantes e táxis que dominam as paisagens sonoras de todo o mundo. É de considerar que milhares de quilómetros quadrados da floresta tropical brasileira deram lugar a herdades de gado e pastagens, trazendo consigo paisagens e marcas sonoras completamente novas. No entanto, mesmo entre essa mudança, é importante lembrar que, sob a superfície aparentemente homogénea, ainda existem ricos recantos culturais na forma de música de fundo, narrativa e industrial. Tudo isso requer uma pequena amplificação para ser ouvida. A experiência humana é altamente sonora e como uma das propriedades centrais do som é sua efemeridade, não perdura muito além da sua produção, e até mesmo uma gravação é apenas uma representação subjectiva da realidade, fácil de esquecer, embora seja um dos nossos principais sentidos. É fundamental que não nos esqueçamos do som, por causa do seu papel decididamente cultural dentro da nossa ecologia acústica. Lembrar os sons do passado pode-nos fornecer indícios da evolução de uma comunidade, proporcionando às pessoas as ferramentas para olhar o futuro. Uma comunidade costeira pode mobilizar as memórias dos sons do martelo em madeira de um estaleiro, como uma força motriz para revitalizar uma indústria. A promoção da diversidade cultural global ajuda a incutir nas pessoas um senso de lugar e pertença. Os sons dão-nos uma representação do mundo ao nosso redor tão vívido e evocativo das paisagens visuais que competem pela nossa atenção. A geografia preocupou-se sempre e principalmente com a compreensão do mundo através de termos inerentemente visuais. As obsessões geográficas com mapas e cartografia, actividade que tem sido intrinsecamente ligada à conquista e construção de impérios, dependiam muito do olhar visual para quantificar, entender e, finalmente, ordenar o mundo. O mundo foi estruturado a partir de uma perspectiva ocidental e foi o resultado pretendido e não uma consequência imprevista. As estreitas ligações que a geografia compartilha com os militares continuam na actualidade, e quem viu a magistral peça de teatro “Translations” do dramaturgo irlandês Brian Friel, escrita em 1980, tem a noção de que é uma peça apenas sobre linguagem, mas lida com uma ampla gama de conteúdos, que se estende da linguagem e comunicação à história irlandesa e ao imperialismo cultural. As relações uniram-se durante o período em que a peça é adaptada, e foi a primeira pesquisa completa em qualquer país do mundo. O mapeamento, limites e o controlo definem essa actividade, e o visual foi usado para o codificar e validar. O papel desempenhado pelos sons na paisagem, pelo contrário, só recentemente começou a receber a atenção que merece. Assim como as pistas visuais, os sons combinam-se para formar sistemas de significado que podem servir para transmitir, reificar, desafiar ou reinventar simultaneamente normas e valores socioculturais. O termo paisagem sonora está a começar a desafiar o domínio da paisagem na escrita geográfica e no pensamento. As paisagens sonoras são o som entendido como um ambiente. Se alguém fechar os olhos, se estiver de pé na beira de uma rua movimentada ou sentado em uma mesa de um escritório, o fluxo de barulhos concorrentes orienta o ouvinte ao seu ambiente imediato da mesma forma que as dicas visuais o fazem. Se o fizer por tempo suficiente, os sons começarão a assumir ressonâncias espaciais maiores à medida que o ouvinte distingue as distâncias dos ruídos individuais, o nível de ameaça que o objecto que os produz, ou os tipos de respostas emocionais que provocam e tudo se combina, para nos dar uma representação do mundo ao nosso redor, tão vívida e evocativa das paisagens visuais que competem pela nossa atenção. O poder dos sons afecta-nos de várias maneiras. Só se tem que assistir a uma cena de um filme de terror, com o volume baixo para se aperceber de uma diferença na nossa percepção do que pode ser uma ameaça. Uma figura sombria que se aproxima da tela, geralmente, não parece tão ameaçadora sem as pistas de áudio que sinalizam o perigo. As paisagens sonoras e as marcas sonoras que os compõem contribuem e informam os conhecimentos que experimentamos ao longo da vida. Por exemplo, os povos aborígenes australianos usavam mapas mentais audiovisuais, esboçados em sons através de canções que ajudavam os iniciados a navegar pelo vasto continente australiano. Cantando versos na sequência correcta, foram capazes de usar marcadores visuais identificáveis na paisagem, como rios ou cordilheiras, para observar quais as áreas seguras para viajar. Ainda que sejam mais frequentemente ignorados até desaparecerem, as marcas de som em uma paisagem sonora são tão importantes quantos os pontos de referência visuais para identificar ou lembrar um lugar. Os cantos icónicos das cigarras evocam imagens de um verão japonês para os ouvintes que lá passaram. O cinema japonês abunda com esses cantos, especialmente quando retrata uma cena de verão. O codornizão, na Irlanda, foi a omnipresente ave campestre de verão que se encontrava em todo o país. O seu canto, agora ausente e em perigo de extinção na Irlanda, excepto em algumas concavidades vulneráveis ao longo dos rios, costumava ocupar um espaço semelhante no folclore irlandês como a cigarra no Japão. As ligações muito próximas que os sons têm em contextos específicos de tempo e lugar, tornaram-se um crescente campo de interesse em todas as disciplinas desde a década de 1940. Os estudiosos de música, antropologia, cinema e ecologia reconheceram a importância cultural e ecológica do som em ambientes humanos e naturais. É de recordar que Bernard Krause tem vindo a coleccionar gravações do mundo natural desde 1968. Nesse período, demonstrou como os ambientes naturais são profundamente afectados pelos seres humanos, mesmo quando realizam actividades relativamente ecológicas em uma determinada área, e no seu livro “Great Animal Orchestra”, descreve algumas das paisagens sonoras bioacústicas mais atraentes do planeta, e como podem ter ajudado a contribuir para o desenvolvimento da música e da fala humana. O músico e ecologista americano divide os sons em três categorias, que são a biofania (sons feitos por animais e plantas); geofania (sons naturais como os produzidos pelo vento e chuva) e antropania (ruídos induzidos pelo homem que impactam desproporcionalmente os ecossistemas que os sofrem) e formula a hipótese de que, quanto mais saudável e estável for o habitat, maior a complexidade e o alcance da musicalidade expressa pelas criaturas que o ocupam. Essencialmente, reduções na biodiversidade levam à desertificação do sinal de acústica de um habitat. O livro de Bernard Krause fornece um exemplo de uma floresta antiga no oeste dos Estados Unidos, onde registou a biofania da área antes e depois da extracção selectiva de madeira. O entendimento convencional, sugeriu que as práticas de exploração selectiva teriam um impacto mínimo sobre a biodiversidade da floresta, especialmente quando comparadas ao desmatamento que geralmente ocorre. Quanto mais saudável e estável for o habitat, maior será a complexidade e variedade de musicalidade expressas pelas criaturas que o ocupam. Mas através das suas gravações, Bernard Krause foi capaz de demonstrar que a paisagem sonora bioacústica tinha mudado dramaticamente, embora a floresta parecesse ser intocada em termos visuais. O impacto real da exploração madeireira, mesmo práticas ambientalmente sensíveis, como neste caso, só pode realmente ser entendido medindo-se a paisagem sonora. Com efeito, a sinalética bioacústica foi devastada após a extracção tendo sido registada a ausência da maioria das espécies de pássaros e insectos capturados durante a primeira gravação. É de considerar que vivemos uma era de extinção em massa de espécies animais e compreender a importância da paisagem sonora de um habitat como um indicador de um bioma saudável é profundamente importante, especialmente se fizermos uma tentativa realista de verificar o colapso da biodiversidade.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesOs resíduos orgânicos e o desperdício alimentar “With shortages, volatile prices and nearly one billion people hungry, the world has a food problem-or thinks it does. Farmers, manufacturers, supermarkets and consumers in North America and Europe discard up to half of their food-enough to feed all the world’s hungry at least three times over. Forests are destroyed and nearly one tenth of the West’s greenhouse gas emissions are released growing food that will never be eaten. While affluent nations throw away food through neglect, in the developing world crops rot because farmers lack the means to process, store and transport them to market.” Waste: Uncovering the Global Food Scandal Tristram Stuart [dropcap]A[/dropcap]credita-se que o acúmulo de resíduos orgânicos sólidos esteja a atingir níveis críticos em quase todas as regiões do mundo. Os resíduos orgânicos precisam de ser geridos de forma sustentável para evitar o esgotamento dos recursos naturais, minimizar os riscos para a saúde humana, reduzir os custos ambientais e manter um equilíbrio geral no ecossistema. Embora haja uma enorme variação anual na composição e nas características, dependendo da fonte de resíduos produzidos, a fracção de resíduos orgânicos biodegradáveis, incluindo resíduos alimentares, é relativamente alta no fluxo de resíduos dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. A grande maioria desses resíduos provenientes dos alimentos acaba em um aterro sem qualquer reciclagem. Verifica-se que uma grande parte da emissão total de “gases de efeito estufa (GEE)” é obtida na cadeia de fornecimento de alimentos. Os países no âmbito das alterações climáticas necessitam de desempenhar acções no cumprimento das metas nacionais de redução de emissões de GEE. A Directiva 1999/31/CE do Conselho, de 26 de Abril de 1999 relativa à “Deposição de Resíduos em Aterros da União Europeia (UE)”, também tem um objectivo definido para a redução de resíduos biodegradáveis que são depositados em aterro. A redução das emissões de GEE para todos os sectores de emissão de carbono, incluindo a gestão de resíduos, é uma necessidade e não uma escolha, porque as alocações de capital dos governos estão vinculadas à sua capacidade de redução de carbono. A Comissão Europeia, a 2 de Julho de 2014, adoptou uma proposta legislativa para rever os objectivos relacionados com os resíduos contidos na “Directiva de Deposição de Resíduos em Aterros”, bem como os objectivos de reciclagem e outros relacionados com resíduos na Directiva 2008/98/CE relativa aos resíduos e na Directiva 94/62/CE relativa às embalagens e resíduos de embalagens. A proposta visou a eliminação progressiva da deposição em aterro até 2025 de resíduos recicláveis (incluindo plásticos, papel, metais, vidro e bio-resíduos) em aterros de resíduos não perigosos, o que corresponde a uma taxa máxima de deposição em aterro de 25 por cento. Atendendo a problemas associados à deposição em aterro e ao aumento das preocupações públicas sobre a degradação da qualidade ambiental, a reciclagem de resíduos orgânicos incluindo resíduos alimentares para produzir bioenergia, fertilizantes através de compostagem e/ou digestão anaeróbica (DA) estão a tornar-se economicamente mais viáveis. A procura mundial de matérias-primas está a enfrentar um aumento exponencial desde a explosão económica registada no cenário do pós-guerra. A energia e as indústrias transformadoras dependem estritamente do emprego de recursos não renováveis nos processos de transformação e produção, contribuindo para a melhoria das emissões de GEE na atmosfera e para a perda de capital natural. É com o objectivo de aumentar a preservação ambiental em termos de biodiversidade e acesso a matérias-primas, que os estudos dos impactos ambientais causados pelos diversos sectores das economias nacionais em termos de produção de resíduos, contribui para examinar os benefícios da abordagem da economia circular e para a promoção de práticas de simbiose industrial, com base na colaboração e cooperação horizontais. Assim, o desperdício de uma empresa pode tornar-se matéria-prima secundária para outras empresas que operam no mesmo ou em diferentes sectores, implementando a integração territorial e as redes no sistema industrial. Existem diversos métodos que são actualmente aplicados no tratamento de diferentes resíduos orgânicos sólidos, mais comummente, através do metabolismo microbiano anaeróbico e como em todos os processos biológicos, as condições ambientais ideais são essenciais para o bom funcionamento da digestão anaeróbica. Os processos metabólicos das arqueias arqueológicas dos compostos orgânicos dependem de vários parâmetros que devem ser considerados e cuidadosamente controlados na prática e curiosamente, os requisitos ambientais de bactérias fermentativas acidogénicas diferem dos requisitos da arqueia metanogénica. Desde que todas as etapas do processo de degradação tenham que ocorrer em um único reagente (processo de uma fase única), os requisitos dos arqueamentos metanogénicos devem ser considerados com prioridade. Os requisitos incluem maior tempo de regeneração, crescimento muito mais lento e maior sensibilidade às condições ambientais do que outras bactérias presentes na cultura mista. É de considerar o papel de diferentes resíduos orgânicos, bem como o processo metabólico de digestão anaeróbia de resíduos por arqueias na produção de biogás, que é considerado uma das opções mais viáveis para a reciclagem da fracção orgânica de resíduos sólidos. É importante considerar também uma visão geral da produção de digestibilidade e de energia (biogás) de uma variedade de substratos. O envolvimento de uma multiplicidade de microrganismos e o papel desempenhado pelos metanogénicos, bem como os efeitos de co-substratos e factores ambientais na eficiência do processo, tem sido abordado de forma abrangente. Os estudos recentes indicam que a digestão anaeróbica pode ser uma opção atraente para a conversão de resíduos orgânicos sólidos brutos em produtos úteis, como o biogás e outros compostos ricos em energia, que podem desempenhar um papel crítico no atendimento das crescentes exigências energéticas do mundo no futuro. A crescente urbanização e industrialização resultaram em um aumento dramático no volume de resíduos gerados em todo o mundo. O tratamento de efluentes resulta em grandes quantidades de lodo de esgotos tratados pelos municípios ou biosólidos. O lodo tem sido tradicionalmente descartado por meio de despejo oceânico, aterro ou incineração. Mas, devido às regulamentações ambientais cada vez mais rigorosas, esses métodos de disposição estão a ser eliminados. O aumento das populações em todo o mundo, a produção de biosólidos provavelmente continuará a aumentar em um futuro próximo. O descarte seguro de biosólidos é um grande desafio ambiental. A aplicação terrestre de biosólidos é amplamente considerada a melhor opção de descarte porque oferece a possibilidade de reciclagem de nutrientes vegetais, fornece material orgânico, melhora as propriedades químicas e físicas do solo e aumenta a produtividade das culturas. O uso de biosólidos é cada vez mais considerado como uma solução viável e técnica para reverter terras degradadas e menos produtivas e promover o restabelecimento de uma cobertura vegetal. No entanto, os benefícios devem ser cuidadosamente ponderados contra potenciais efeitos deletérios, relacionados com a fonte não pontual de poluição. Os riscos ambientais incluem o aumento da entrada de poluição potencial de oligoelementos tóxicos (PTE na sigla inglesa), a lixiviação de nitrogénio na drenagem e águas subterrâneas, contaminação de águas superficiais com fósforo solúvel, particulado biodisponível, atracção de vectores e redução da qualidade do ar por emissão de compostos orgânicos voláteis, entre outros. A maioria dos países regula as concentrações de “Toneladas Equivalentes de Petróleo (TEP)” e patógenos nos biosólidos, determinando as taxas máximas de concentrações permissíveis no solo para o manuseamento de poluentes. As preocupações associadas a efeitos ambientais adversos devido à aplicação de biosólidos no solo continuam. O desperdício de alimentos é uma preocupação importante devido aos impactos ambientais e económicos adversos e em todo o mundo, a comida é um dos impulsores mais importantes das pressões ambientais. As emissões de GEE durante o ciclo de vida dos alimentos, incluindo agricultura, fabricação, embalagem, distribuição, retalho, transporte para casa, armazenamento, preparação em casa e descarte de resíduos, são o principal impacto ambiental indesejável do desperdício de alimentos. Além das emissões de GEE, há outros impactos ambientais prejudiciais e questões de recursos relacionados ao desperdício de alimentos, incluindo o uso da terra e da água, eutrofização de corpos de água, poluição, esgotamento dos solos e mudanças subsequentes de clima e habitat. Os alimentos e bebidas na UE são responsáveis por 17 por cento das emissões directas de GEE e 28 por cento do uso de recursos materiais. As emissões de GEE associados a todos os resíduos alimentares na UE são de muitas dezenas de milhões de toneladas métricas de CO2 por ano, sendo que cerca de 0,25 por cento das emissões de CO2, ocorrem como resultado do desperdício de alimentos depostos por meio dos esgotos. É de entender que esses números incluem contribuições da produção, fabricação e distribuição de alimentos e bebidas, mas não incluem emissões relacionadas à preparação e consumo dos alimentos. A cada ano, a gestão de resíduos alimentares gera um alto custo com um significativo desperdício de dinheiro associado à manutenção de aterros sanitários, custos de transporte para o aterro e das operações nas estações de tratamento de resíduos alimentares e em todo o mundo, cerca de mais de 4 mil milhões de toneladas métricas de resíduos alimentares são produzidas por ano, sendo que 50 por cento são desperdiçadas, o que requer considerações ambientais significativas sobre opções sustentáveis de reciclagem e manuseamento. É de prever que a população mundial atinja nove mil milhões e quinhentos milhões de pessoas em 2075, pelo que a humanidade precisa de garantir a existência de recursos alimentares disponíveis para alimentar todas essas pessoas, mas com as práticas actuais de desperdiçar até 50 por cento de todos os alimentos produzidos, os engenheiros ambientais precisam de agir de imediato e promover formas sustentáveis de reduzir os resíduos do local da colheita ao supermercado e consumidor. Os engenheiros ambientais, cientistas, agricultores e outros técnicos têm o conhecimento, ferramentas e sistemas que ajudarão a alcançar aumentos de produtividade. No entanto, a pressão crescerá em recursos finitos de terra, energia e água. Embora o aumento da produtividade nos países famintos seja uma resposta apropriada à emergente crise alimentar, para garantir que se possa atender de forma sustentável às necessidades alimentares de mais de três mil milhões de pessoas no planeta até 2075, terão que ser tomadas iniciativas para reduzir a quantidade substancial de alimentos e comida desperdiçada anualmente em todo o mundo. A capacidade para fornecer entre 60 por cento a 100 por cento mais de alimentos, eliminando perdas e, ao mesmo tempo, libertando recursos de terra, energia e água para outros usos, é uma oportunidade que não deve ser ignorada. Os factores que afectam os resíduos estão relacionados à infra-estrutura projectada, actividade económica, formação vocacional, transferência de conhecimento, cultura e política. A “Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO na sigla inglesa)” deve trabalhar com a comunidade internacional de engenharia para garantir que os governos dos países desenvolvidos implementem programas que transfiram conhecimentos de engenharia, “know-how de design” e tecnologia adequada para os países em desenvolvimento. Tal ajudará a melhorar a gestão do produto na colheita e os estágios imediatos de pós-colheita da produção de alimentos. Os governos dos países em rápido desenvolvimento devem incorporar o pensamento sobre a minimização de resíduos na infra-estrutura de transporte e instalações de armazenamento que planeiam, projectam e constroem. Os governos dos países desenvolvidos devem elaborar e implementar políticas que modifiquem as expectativas dos consumidores e que devem desencorajar os retalhistas de práticas de desperdício que levam à rejeição de alimentos com base em características cosméticas e perdas em casa devido à compra excessiva pelos consumidores.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesDa Meca turística ao gueto turístico “Any city however small, is in fact divided into two, one the city of the poor, the other of the rich. These are at war with one another.” The Republic – Plato [dropcap]H[/dropcap]á um consenso geral e crescente de que o turismo tem sido considerado um elemento insignificante no processo de desenvolvimento urbano e económico no debate académico; e só recentemente foi considerado como um importante domínio da mudança urbana. O turismo urbano ainda é um campo de pesquisa imaturo, que muitas vezes parece atrasar a prática do seu desenvolvimento em vez de o orientar. Essa imaturidade levou a pontos de vista tendenciosos, que promovem descrições simplistas do turismo, como uma panaceia para todos os problemas de desenvolvimento ou interpretações extremamente críticas do fenómeno do turismo. A necessidade de uma mudança de paradigma na pesquisa e na prática do turismo na cidade, foi afirmada na “3.ª Cúpula Global sobre Turismo da Cidade” que se realizou em Barcelona, entre 9 e 10 de Dezembro de 2014, intitulada de “Novos Paradigmas no Desenvolvimento do Turismo Urbano”. A cúpula destacou a necessidade de uma mudança de paradigma e uma conexão forte entre o turismo e a construção de uma “cidade inteligente, sustentável e inclusiva”. Foram convidados profissionais do sector e académicos a aceitar o desafio e superar as fraquezas das abordagens actuais para estudar e praticar o turismo na cidade. A mudança de caminho no desenvolvimento do turismo da cidade é necessária também à luz do rápido crescimento dos movimentos anti-turismo em várias cidades. Esses movimentos, enfatizam e dão voz a problemas e assimetrias que o turismo urbano cria em detrimento das comunidades locais, que reclamam o direito dos moradores à cidade, chamando a atenção para a necessária construção e gestão da relação entre moradores e turistas, que desempenham um papel crucial no desenvolvimento do turismo. Muitas vezes este aspecto foi negligenciado, com a consequência de uma explosão do fenómeno do turismo que, em certos contextos, está fora de controlo e reduz a multifuncionalidade dos centros urbanos, como é o caso de Veneza e o desenvolvimento massificado do turismo urbano em Praga. Ao invés de limitar a observação do turismo urbano à sua estigmatização como grande inimigo da cidade habitável, há a necessidade de produzir estruturas analíticas capazes de apoiar o planeamento, gestão e até mesmo a engenharia do turismo da cidade. Para este fim, a pesquisa académica pode desempenhar um primeiro papel, ao identificar o “carácter” do turismo urbano, distinguindo-o de qualquer outro tipo de turismo, colocando o “urbano” no centro do conceito de turismo. Os pesquisadores em segundo lugar, podem fornecer aos analistas, modelos analíticos, informando e orientando as políticas, não apenas por meio da promoção e comercialização do destino, mas também através da regulamentação do desenvolvimento do turismo e da sua integração no planeamento urbano mais amplo e no quadro de desenvolvimento económico, em que se destaca o surgimento de domínios analíticos que, além de abordagens consolidadas, estão a ampliar a arena de pesquisa, e fornecem evidências de uma mudança de perspectiva no campo. Tais domínios contribuem para reafirmar o turismo além da agenda pós-industrial da cidade turística, e chamam a atenção para a complexidade das cidades onde o turismo dá forma ao espaço urbano e, inversamente, é moldada por ele e pelas dinâmicas sociais e económicas que nele ocorrem. As contínuas revoluções urbanas e de viagens criam uma oportunidade única para tornar o turismo na cidade, um forte impulsionador de cidades mais inteligentes, sustentáveis e inclusivas. O turismo urbano deve abordar questões chave como o engajamento da comunidade, melhores pesquisas e dados para orientar o planeamento e a gestão, parcerias privadas, criação de “clusters” e a modernização da tecnologia, inovação e sustentabilidade. O turismo tornou-se um componente central da economia, da vida social e da geografia de muitas cidades no mundo, e está idealmente posicionado a contribuir para o aproveitamento das oportunidades decorrentes da urbanização. É necessário construir novos paradigmas no turismo urbano que passam por quatro áreas principais, como o ambiente em mutação, o conhecimento e a tecnologia, a medição e como tornar o turismo na cidade um benefício para si e suas áreas adjacentes. É de ressaltar a necessidade de desenvolver produtos orientados para o mercado e baseados em pesquisa, alertando para a falta de estudos para medir adequadamente o turismo urbano, os seus impactos e tendências. Além disso, é importante destacar a necessidade de tornar a cidade agradável a todos, quer sejam cidadãos e turistas, quer sejam investidores e distribuir os benefícios do turismo da cidade fomentando o seu progresso, multiplicando assim o seu impacto e gerindo o congestionamento. O desenvolvimento de “clusters” que envolvem actores públicos e privados de todos os sectores é apontado como central para o novo paradigma do desenvolvimento do turismo na cidade; um desenvolvimento que precisa de estar atento ao facto de que o turismo é um instrumento de política de coesão social e preservação cultural, além da sua contribuição fundamental como actividade económica, sendo necessário discutir os novos modelos de negócios emergentes da chamada economia compartilhada e avaliar a sua integração no planeamento e desenvolvimento do turismo. É importante entrosar a população local em todo o processo de desenvolvimento do turismo urbano, devendo ter sempre em mente que o turismo acontece em uma comunidade e o que não é bom para a cidade não é para os cidadãos, pelo que nunca será um bom destino turístico. Uma cidade que é boa para os seus cidadãos é boa para os turistas; uma cidade que é amada pelos seus cidadãos será amada pelos seus visitantes. O turismo de cidade é uma prioridade, pois é capaz de cumprir dois principais objectivos estratégicos, como o de superar outras indústrias e aumentar os gastos médios. As cidades são também alguns dos maiores destinos do turismo do mundo. Os turistas são atraídos, em número crescentes pela vibração, excitação e diversidade que oferecem as cidades. O impacto socioeconómico desses visitantes é extraordinário, sejam visitas de lazer, negócios ou para encontrar amigos e familiares. Os turistas contribuem para a economia local e empregos em toda a cidade. As preferências dos turistas e expectativas mudam, o mesmo acontecendo com as cidades, com o turismo e investimento constante em infra-estrutura, promoção e conservação, beneficiando turistas e moradores locais. A metade da população mundial vive em vilas e cidades e este número deverá atingir quase cinco mil milhões até 2030. O turismo urbano, em termos económicos, cria oportunidades de emprego e tornou-se um factor chave no planeamento urbano global e aumento do bem-estar de milhares de milhões de pessoas que vivem nas cidades. À medida que as áreas metropolitanas se expandem rapidamente, tanto o sector público quanto o privado enfrentam mudanças radicais, bem como oportunidades significativas. A gestão de forma sustentável do aumento do número de turistas no meio de uma paisagem urbana em constante mudança, garantindo que a cidade seja desenvolvida para atender às necessidades dos visitantes e das comunidades locais é essencial. A cidade é material, social e política, ou seja, é o produto cultural mais sofisticado para a convivência civilizada, de acordo com os clássicos. A cidade é parte da nossa cultura e história sendo o epicentro de muitas das nossas tradições. Todos vivemos e trabalhamos nas cidades e ainda assim visitamos outras cidades durante o nosso tempo livre. Como a sociedade está em constante mudança, as cidades estão a tentar adaptar-se e atender às necessidades dos moradores e visitantes, além de se tornarem atraentes. Sendo destino para os futuros visitantes, esta é uma oportunidade económica e social única, que traz dinamismo e vitalidade, crescimento e desenvolvimento, e se torna um elemento importante na vida das pessoas. O crescimento da cidade e o objectivo final do planeamento urbano devem ser a resposta lógica às necessidades dos seus moradores para aumentar sua qualidade de vida, bem-estar, qualidade ambiental e identidade cultural. As cidades estão a mudar constantemente e são construídas, transformadas e em contínuo crescimento. As cidades são também ocupadas por diferentes tipos de grupos e cada um usa a cidade de uma forma diferente, gerando uma organização espacial, alguns tipos de diferenciação residencial que também criam fronteiras invisíveis reflectindo como essa sociedade é estruturada. As cidades oferecem novas oportunidades e têm um grande impacto no crescimento económico local, por exemplo, tornando-se um elemento-chave para reduzir a pobreza. A urbanização de facto desempenha um papel positivo na redução geral da pobreza, particularmente quando apoiada por políticas bem adaptadas. É nesse processo complexo e interminável que devemos esforçar para construir a cidade o mais integrada e coesa possível. As cidades também podem ajudar a reduzir os custos de transacção, como infra-estrutura e serviços; comportando-se como redes sociais, fornecendo informações e facilitando a difusão do conhecimento. Desde a sua primeira formação, as cidades serviram como pontes entre culturas. As cidades têm sido motores de inovação desde o tempo em que os grandes filósofos discutiam no mercado ateniense. As cidades realmente unem seus cidadãos mais inteligentes e são centros de transmissão de ideias, informação e conhecimento; e as ideias e a força que emanam da colaboração humana constituem a última fonte de criação de riqueza. A necessidade de entender e estudar mais de perto a cidade como um elemento dinâmico e orgânico na vida das pessoas torna-se crucial não apenas para fins de marketing ou de produtos, mas também para ser capaz de organizar a sua sociedade, infra-estrutura e instituições da forma mais eficaz e económica. É importante realçar que não apenas vivemos ou visitamos as cidades, mas evoluímos conjuntamente com elas. Tem sido justamente assinalado que uma maneira apropriada de enfrentar a crise global é a abordagem de baixo para cima, tentando alcançar o crescimento ao nível local. Muitos países prosperam porque existem duas ou três cidades que são os motores do progresso geral. É de argumentar que o paradoxo central da metrópole moderna é que a proximidade se tornou cada vez mais valiosa, à medida que o custo de se conectar através das distâncias diminuiu. As cidades representam proximidade e densidade populacional, mas também privacidade ao mesmo tempo. Em um mundo cada vez mais globalizado, as cidades são laços interconectados. O turismo é um elemento muito importante em todas as políticas relacionadas com o desenvolvimento urbano, não sendo apenas uma estratégia para fornecer um produto competitivo e atender às expectativas dos visitantes, mas uma forma de desenvolver a cidade e fornecer mais e melhores infra-estruturas. A “Organização Mundial do Turismo (OMT)” refere-se ao turismo urbano como sendo as viagens feitas por viajantes a cidades ou locais de alta densidade populacional. A duração destas viagens é geralmente curta (um a três dias), podendo-se dizer que o turismo urbano está intimamente ligado ao mercado de férias por períodos curtos. As grandes áreas metropolitanas são, em geral, mais produtivas e em todos os países há uma correlação quase perfeita entre urbanização e prosperidade. Mas as cidades também prosperam como centros de consumo, prazer e lazer. O turismo urbano, de uma forma ou de outra, esteve presente desde a Mesopotâmia à Suméria, gerando o fenómeno de urbanização. As pessoas com os meios e propensão para o fazer foram atraídas para cidades e vilas apenas para visitar e tentar uma multiplicidade situações e estas foram os caldeirões da cultura nacional, arte, música, literatura, magnífica arquitectura e design urbano. Foi a concentração, variedade e qualidade dessas actividades e atributos que criaram a sua atracção e colocaram certas cidades no mapa do turismo. O turismo urbano sempre foi uma tarefa difícil tanto para o sector público quanto para o sector privado. A sua natureza multifuncional torna complicado planear e gerir. As áreas metropolitanas estão a crescer rapidamente e novas questões e desafios estão a surgir. A literatura insuficiente também contribuiu para a falta de compreensão do turismo e seus efeitos no desenvolvimento das cidades, daí a necessidade de examinar e identificar os novos desafios e oportunidades colocados pelo turismo de cidade. As cidades no início do século XX, começaram a conhecer-se como atracções turísticas; e as que reagiram a esse fenómeno desfrutaram de um impulso económico graças às actividades que proporcionaram aos visitantes. O turismo nos Estados Unidos, por exemplo, cresceu rapidamente, e todas as grandes cidades atraíram o turismo, o que significou uma mudança na forma como as pessoas viviam, mas também percebiam as cidades. Viajar tornou-se um elemento importante na vida das pessoas; pois queriam visitar e conhecer outras cidades. O turismo urbano torna-se uma área de interesse durante a década de 1980; e as pesquisas e publicações a partir dessa data identificam como um complexo fenómeno que afecta muitas partes interessadas na cadeia de valor. O nascimento de companhias aéreas de baixo custo, também trouxe um interesse crescente nas cidades e seu desenvolvimento em termos de turismo, por exemplo, as cidades europeias tiveram que adaptar as suas actividades de marketing para atrair um novo tipo de produto que são os curtos feriados em uma grande cidade. As cidades apelam para um mercado mais amplo, são fáceis de alcançar e têm muito a oferecer, o que também traz um novo padrão de gastos que pode ir dos que ficam em hotéis económicos ao cliente de hotéis de cinco estrelas, mas todos têm algo em mente, que é a vontade de descobrir e visitar outras cidades. As cidades precisam avaliar os seus produtos e entender quais das suas ofertas de produtos atraem o mercado. A grande questão é a de saber se o turismo urbano pugna pelo turismo de massa ou prefere o turismo sustentável ou se serão compatíveis.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA confiabilidade da inteligência artificial (II) “A robot can acquire thousands of pieces of information about its environment through its sensors in a second—more accurate and detailed information than you or I ever could—and it will still drive off a cliff or into a wall unless you tell it not to. Robots are not really stopping at a wall. They are stopping (if you remember to tell them to) when they sense something using a very particular sensor” Sensors and the Environment (Robotics) Ian Chow-Miller [dropcap]A[/dropcap] quarta área-chave contende com a localização e rotulagem tendo em vista ensinar as máquinas. A IA responde à grande questão sobre os dados, que foram definidos em 2018, ou seja como transformá-los em valor. A principal prioridade de dados relacionados à IA para 2019, é integrar os sistemas de IA e de análise para obter informações de negócios a partir dos dados, o que constitui um objectivo realista. A IA pode ser usada com dados e análises para gerir melhor os riscos, ajudar os trabalhadores a tomar decisões mais eficientes e automatizar as operações dos clientes. Todavia existe uma grande dificuldade, pois as pesquisas indicam que as empresas não estão a fornecer a base que a IA precisa para ter sucesso. É de considerar que menos de um terço dos líderes empresariais afirmam que os dados de rotulagem são uma prioridade para os seus negócios em 2019. A grande questão é de saber como a IA aprende. A aprendizagem de máquina para detectar padrões significativos no presente e prever o futuro, deve passar por um processo de ensino e mostrar dados históricos suficientes sobre o comportamento do consumidor, por exemplo, se eventualmente será capaz de prever como esses consumidores se comportarão no futuro. Mas, para criar conjuntos de dados necessários para o treino é necessário rotular os dados, e um exemplo simplificado é determinar se um consumidor está satisfeito ou não. É de atender que para que esses conjuntos de dados possam ajudar a suportar a IA em toda a empresa (os consumidores podem interagir com mais de uma linha de negócios) é preciso criar padrões para rotulá-los de forma consistente. Um AI CoE pode criar e monitorizar padrões de dados, bem como desenvolver sistemas e processos que facilitam os trabalhadores a criar conjuntos de dados rotulados e úteis para uso futuro. A questão de novas ferramentas para preencher as lacunas passa pelo facto de que mesmo com uma melhor governança de dados, haverá desafios. Alguns problemas de negócios têm soluções de IA que exigem dados de treino que as empresas podem não ter disponíveis, mas novas técnicas de aprendizagem de máquinas simples e alargadas podem permitir que a IA produza os seus próprios dados com base em algumas amostras. e também podem transferir modelos de uma tarefa com muitos dados para outra que não tenha dados. Às vezes, a IA pode sintetizar os seus dados de treino usando técnicas como aprendizagem por reforço, aprendizagem activa, redes geradoras de adversários e gémeos digitais. As simulações baseadas em probabilidades, também podem criar dados “sintéticos” que podem ser usados para treinar a IA. Há que dar atenção à política, pois o cenário da política da IA ainda está a dar os primeiros passos e muitos formuladores de políticas, vêem esse momento como o início de uma corrida armamentista da IA que precisa de financiamento público e desregulamentação, enquanto outros estão a pedir directrizes abrangentes que abordem algoritmos éticos. O Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados (RGPD) (UE) 2016/679, é um regulamento de direito europeu sobre a privacidade e protecção de dados pessoais, aplicável a todos os indivíduos na EU e Espaço Económico Europeu (EEE). Regulamenta também a exportação de dados pessoais para o exterior da UE e EEE. O RGPD tem como objectivo dar aos cidadãos e residentes, formas de controlar os seus dados pessoais e unificar o quadro regulamentar europeu e a Lei de Privacidade do Consumidor da Califórnia (CCPA na sigla em língua inglesa) são legislações diferenciadas, mas dão aos indivíduos o direito de ver e controlar como as organizações recolhem e usam os seus dados pessoais, bem como reclamarem, recorrerem ou demandarem caso sofram danos devido a violações da segurança cibernética. As empresas devem adoptar uma abordagem global para questões reguladoras, harmonizando equipas que estão a ajudar a moldar políticas em diferentes jurisdições e a abordar a conformidade, aplicando as práticas recomendadas globalmente e de acordo com o GDPR, por exemplo, mesmo que sua empresa não tenha operações na Europa, estará disposto a fazer uso de práticas do CCPA e outras regulamentações futuras. A quinta área-chave diz respeito à reinvenção, monitorizando a IA através da personalização e maior qualidade. O aumento do limite superior e inferior do conhecimento e produtividade com a IA não é um sonho distante e muitas empresas estão a usar a IA para melhorar as operações e aperfeiçoar a experiência do cliente, mas em 2019, vários deles planearão ou desenvolverão novos modelos de negócios baseados em IA e investigarão novas oportunidades de rendimento, bem como muitos cultivarão esses novos negócios em partes separadas da sua organização, distintos dos CoEs que são mais focados internamente. Os maiores ganhos da IA, vêm de melhorias na produtividade, pois as empresas usam a IA para automatizar processos e ajudam os trabalhadores a tomarem melhores decisões. A maioria do impacto económico da IA virá do lado do consumo, através de produtos e serviços de alta qualidade, mais personalizados e mais orientados a dados. A saúde, venda a retalho e indústria automobilística podem ter benefícios imediatos. A IA na saúde, por exemplo, poderá permitir novos modelos de acordos baseados na monitorização de dados de estilo de vida do paciente; diagnósticos mais rápidos e precisos de cancro e outras doenças, bem como seguro de saúde personalizado e adaptativo. Os vendedores a retalho estão a usar a IA para antecipar tendências e orientar os negócios com o fim de atingir os seus objectivos. A próxima fase é a venda a retalho hiper-personalizada, pois a IA e a automação tornam viável aos vendedores a retalho oferecer um número crescente de produtos ou serviços feitos especificamente para um indivíduo. A partir do terceiro trimestre de 2018, existiam novecentas e quarenta empresas de IA nos Estados Unidos. O investimento em capital de risco nos Estados Unidos, que é privado, abrange setecentas e noventa empresas, representando seis mil milhões e seiscentos milhões de dólares nos três primeiros trimestres de 2018, comparados com os três mil milhões e novecentos milhões de dólares no mesmo período de 2017, e nem todo esse dinheiro está a fluir da estrada arterial no oeste do Vale do Silício, Califórnia, e das empresas de capital privado, pois os valores recordes vêm de corporações, seja através de recursos de capital de risco ou investimentos directos. É de considerar que em 2018, cerca de novecentos e trinta e oito milhões de dólares foram investidos por empresas que procuram investir fora do desenvolvimento da IA. O investimento, para desenvolver a IA, é uma tendência que se prevê de aceleramento, mas não o suficiente. Apenas 8 por cento das empresas americanas estavam a fazer investimentos directos e significativos em IA e outras 52 por cento das empresas americanas procuravam aquisições ou alianças, em 2018. A sexta área-chave refere-se à convergência que combina a IA com a Inteligência Analítica e a IoT. O poder da IA cresce ainda mais quando é integrado a outras tecnologias, como a Inteligência Analítica, Planeamento de Recurso Corporativo (ERP na sigla em língua inglesa), (IoT), Protocolo da Confiança e até eventualmente, Computação Quântica. Os benefícios dessa tendência de convergência não se limitam à IA, que é de onde os maiores ganhos de todas as oito tecnologias essenciais virão, sem descurar que 36 por cento dos líderes empresariais afirmam que gerir a convergência da IA com outras tecnologias é um dos principais desafios da IA para 2019, colocando-a em pé de igualdade com a reciclagem de trabalhadores, abaixo da garantia da confiança na IA. Ajudar a análise avançada, preditiva e de fluxo de média a evoluir ainda mais com IA é uma prioridade comum. A convergência pode tornar os novos modelos de negócios baseados em dados mais poderosos. A IoT também pode colher grandes benefícios quando combinada com a IA. Uma grande empresa pode em breve ter milhões de sensores de IoT, reunindo informações de equipamentos comerciais e dispositivos de consumo. A IA e a análise desempenharão um papel crítico na localização de padrões nessa onda de dados para suportar tudo, desde a manutenção de sistemas até à penetração de marketing. A IA incorporada contém os conjuntos de componentes electrónicos da IA directamente ligados aos dispositivos de IoT para criar inteligência local, ajudará a enfrentar esse desafio. A integração bem-sucedida da IA com outras tecnologias começa com os dados. As organizações que investiram na identificação, agregação, padronização e rotulagem de dados, com a infra-estrutura de dados e o seu armazenamento como respaldo estarão bem posicionadas para combinar IA com análises, o IoT e outras tecnologias. No entanto, para integrar a IA a outros sistemas corporativos, os especialistas terão que convergir também. Em vez de cientistas de dados concluírem um algoritmo e depois entregá-lo a um especialista em TI para codificar uma Interface de Programação de Aplicações (API na sigla em língua inglesa) ou enviá-lo para alguém da empresa que o aplicará, devem trabalhar juntos desde o início do processo. A grande parte da resposta envolve técnicas de Desenvolvimento e Operações (DevOps), que colocam equipas de desenvolvimento e operações em um ciclo de retorno da informação ou processo para colaboração constante e mudanças interactivas para novos produtos. A outra parte envolverá a criação de novas funções para os trabalhadores servirem como tradutores e contactos entre as várias equipas. É importante considerar como é a IA integrada a tecnologias e sistemas avançados que funcionam ininterruptamente, em que os seus algoritmos precisarão de um fluxo contínuo de novos dados para aprender. Caso contrário, os modelos de IA estarão a trabalhar com dados desactualizados, o que prejudicará o desempenho da IA. Os modelos também precisarão de testes, actualizações e substituições regulares. O presente ano é o tempo de se pensar em ocupar e estabelecer a estratégia da IA. A IA precisará da sua estrutura organizacional e planos de força de trabalho; algoritmos confiáveis e dados correctos para treinar esses algoritmos; um plano para reinventar o negócio e aumentar a receita e os lucros; e convergência com outras tecnologias existentes e emergentes. É uma lista de tarefas ambiciosa. Mas as empresas que estabelecem as suas prioridades também se diferenciam.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA confiabilidade da inteligência artificial (II) “Artificial intelligence is changing our world faster than we can imagine? It will impact every area of our lives. And this is happening whether we like it or not. Artificial intelligence will help us do almost everything better, faster, and cheaper, and it will profoundly change industries, such as transportation, tourism, healthcare, education, retail, agriculture, finance, sales, and marketing. In fact, AI will dramatically change our entire society.” “Artificial Intelligence: 101 Things You Must Know Today About Our Future” – Lasse Rouhiainen [dropcap]A[/dropcap] segunda área-chave diz respeito à força de trabalho ensinando os cidadãos e os especialistas de IA a trabalharem em conjunto. A melhoria da qualificação de profissionais não conhecedores da Ciência de Dados e IA para trabalhar com esta, tornou-se uma parte crucial da estratégia da força de trabalho, e uma nova classe de ferramentas, incluindo a Aprendizagem Automática de Máquina (AutoML na sigla em língua inglesa) que é a automatização do processo total de aplicação de aprendizagem de máquina a problemas do mundo real e que simplificam e automatizam parte do processo de criação de modelos de IA, está a democratizá-la e cerca de 38 por cento dos líderes empresariais concentrarão esforços em ferramentas de IA para pessoas envolvidas em negócios, como a capacidade de segundo nível que cultivarão por trás de conjuntos de dados e modelos reutilizáveis. Todavia a IA amigável ao utilizador ainda é um processo complexo e mesmo com formação básica, os líderes empresariais podem não entender completamente os diferentes parâmetros e níveis de desempenho dos seus algoritmos e poderiam acidentalmente aplicá-los de forma errada, com resultados não intencionais. A resposta é uma estratégia de força de trabalho que cria três níveis de funcionários experientes em IA, e fornece meios para que todos trabalhem em conjunto com êxito. A força de trabalho é composta por cidadãos utilizadores, desenvolvedores de cidadãos e cientistas de dados. À medida que a IA se dissemina, a maioria dos funcionários de uma empresa precisará de formação para se tornarem cidadãos utilizadores do sistema, aprendendo como devem usar os aplicativos avançados da empresa, dar suporte à boa governança de dados e obter ajuda especializada quando necessário. Um grupo mais especializado, talvez de 5 a 10 por cento da sua força de trabalho, deve receber formação adicional, para se tornarem desenvolvedores de cidadãos que são profissionais de negócios, utilizadores avançados e podem identificar casos de uso e conjuntos de dados e trabalhar em estreita colaboração com os especialistas de IA. Quanto às novas aplicações de IA, um pequeno mas crucial grupo de engenheiros e cientistas de dados fará o trabalho pesado para criar, implantar e gerir aplicativos de IA. Para colocar esses três grupos em funcionamento, é necessário identificar sistematicamente novas competências e funções profissionais e desde logo surgem perguntas como o tipo de trabalho que é necessário para que os utilizadores ou desenvolvedores possam manipular? Quais os aplicativos que exige um cientista de dados experiente? É necessária então uma abordagem igualmente sistemática para preencher esses papéis, interna e externamente, e incentivar os diferentes grupos a colaborar. A qualificação profissional em toda a empresa deve abordar tanto as competências técnicas quanto as formas digitais de trabalho. As estruturas de desempenho e compensação terão que se adaptar, e muitos trabalhadores serão bem-sucedidos na qualificação para preencher novas funções, mas alguns não poderão fazer a transição, e nesse caso torna-se imprescindível a preparação para algum volume de negócios. Conhecer o desafio de empregos da IA é essencial e para muitos líderes empresariais, tentar dimensionar o impacto da IA nos empregos tornou-se uma tarefa absurda, pois sabem o que acontece e qual a quantidade do que está em jogo, seja grande ou pequeno em número, e quando constitui tema de debate. As previsões variam amplamente, incluindo as do estudo de automação de empregos internacionais, que colocaram o impacto de curto prazo em menos de 3 por cento dos empregos perdidos até 2020, mas chega a 30 por cento na metade da década de 2030. Os líderes empresarias sondados, concordam que, por enquanto, a IA não está a tirar empregos nas suas organizações e de facto, o dobro de executivos afirmou e que a IA levará a um aumento no número de funcionários (38 por cento), e os que disseram que a IA levará a cortes de empregos (19 por cento) na sua organização. O desafio, neste momento, é de preencher vagas e 31 por cento dos líderes empresariais estão preocupados com a incapacidade de dar resposta à procura por competências de IA nos próximos cinco anos. O ensino de competências adicionais a um empregado pode criar utilizadores e desenvolvedores de cidadãos, mas é provável que se necessite de contratar programadores e cientistas de dados altamente treinados. Forjar parcerias com universidades e alunos é uma forma de começar. A cultura do local de trabalho também é um grande factor. Muitos especialistas em IA querem trabalhar para uma empresa que pense em usar o sistema por longo prazo e também valorizam os locais de trabalho com a configuração organizacional, recursos, definição de funções, pesquisa empolgante e empoderamento individual que os inspirará a fazer um óptimo trabalho em colaboração com outras pessoas talentosas. A terceira área-chave contende com a confiança traduzida em responsabilizar a IA em todas as suas dimensões, pois aumentaram as preocupações sobre a mesma, que pode afectar a privacidade, segurança cibernética, emprego, desigualdade e o meio ambiente. Os clientes, trabalhadores, consultores, reguladores e parceiros corporativos questionam se podem confiar na IA, daí que não seja surpresa que os líderes empresariais digam que garantir que os sistemas de IA sejam confiáveis é o principal desafio de 2019, e como vão superar esse desafio, depende se estão a trabalhar com todas os aspectos da IA responsável, como seja a justiça, interrogando se estão a minimizar os dados e modelos da mesma e estarão a trabalhar com preconceitos quando a usam? A questão de interpretabilidade é importante pois derivam várias questões como a possibilidade de explicar como um modelo de IA toma decisões? Se podem garantir que essas decisões sejam precisas? A questão da robustez e segurança traz interrogações sobre a possibilidade de confiar no desempenho de um sistema de IA? Se os sistemas de IA estão vulneráveis a ataques? A questão da governança põe questões sobre quem é responsável pelos sistemas de IA? Se existem os controlos apropriados? A questão da ética do sistema interroga se os sistemas de IA estão em conformidade com os regulamentos e como afectarão os trabalhadores e clientes? É necessário construir a responsabilidade por cada área, seja dentro da IA CoE ou em um grupo adjacente que trabalhe de perto com o CoE. Um número cada vez maior de empresas está a supervisionar a IA responsável por meio de conselhos de ética ou directores de ética em tecnologia, como parte das suas atribuições. É uma tendência encorajadora, que é de esperar que se desenvolva. É também necessário criar funções de trabalho que combinem conhecimento técnico com um entendimento de preocupações reguladoras, éticas e de reputação. É importante configurar controlos e balancear conflitos de escolha e para estabelecer controlos sobre os dados, algoritmos, processos e estruturas de relatórios da IA, é fundamental a existência de equipas combinadas de especialistas técnicos, comerciais e de auditoria interna que testem e monitorizem continuamente os controlos. Tais equipas terão que considerar as compensações apropriadas e com a interpretabilidade, por exemplo, podem encontrar o equilíbrio certo entre desempenho, custo, importância do caso de uso e extensão da experiência humana envolvida. É de entender que um carro autónomo, um diagnóstico de assistência à saúde por IA e uma campanha de marketing conduzida por IA exigiriam diferentes níveis e tipos de interpretabilidade e controlos relacionados. As outras formas de tornar a IA mais confiável vêm dos seus avanços, particularmente na área da IA Explicável (XAI na sigla em língua inglesa). O programa XAI da Agência de Projectos de Pesquisa Avançada de Defesa dos Estados Unidos (DARPA na sigla em língua inglesa), por exemplo, está a trabalhar em algoritmos mais interpretáveis. A XAI é uma agência do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, responsável pelo desenvolvimento de novas tecnologias para uso militar. Foi criado em 1958 como uma consequência tecnológica da Guerra Fria e da qual surgiram as bases da ARPANET, a rede que deu origem à Internet. [primeira parte]
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA confiabilidade da inteligência artificial (I) “Artificial intelligence is changing our world faster than we can imagine? It will impact every area of our lives. And this is happening whether we like it or not. Artificial intelligence will help us do almost everything better, faster, and cheaper, and it will profoundly change industries, such as transportation, tourism, healthcare, education, retail, agriculture, finance, sales, and marketing. In fact, AI will dramatically change our entire society.” “Artificial Intelligence: 101 Things You Must Know Today About Our Future” – Lasse Rouhiainen [dropcap]A[/dropcap]s empresas americanas esperam que o seu investimento em inteligência artificial (IA), que muitas vezes faz parte de iniciativas inteligentes de automação vá além da melhoria da produtividade e diminuição de custos. É de considerar que 20 por cento dos líderes empresariais americanos com iniciativas de IA relatam que a vão introduzir nos seus negócios em 2019, de acordo com o último relatório sobre a matéria publicado pela PricewaterhouseCoopers (PWC) que é uma multinacional de serviços sediada em Londres. As empresas vêem a IA como um caminho para o crescimento de lucros e receitas em 2019. No entanto, existem desafios, como treinar funcionários para usar sistemas de IA, e ameaças à segurança continuam a ser uma séria preocupação. O sucesso na alavancagem da IA será construído com base em estratégias para a organização e força de trabalho, para criar dados de IA responsáveis, reinventar o negócio e integrá-la a outras tecnologias. A maioria dos líderes empresariais sabe que a IA tem o poder de mudar praticamente tudo o que faz em termos negócios e pode contribuir com até 15,7 triliões de dólares para a economia global até 2030. Mas o que muitos líderes empresariais não sabem é como implantar a IA, não apenas em um projecto-piloto, mas em toda a organização empresarial, onde pode criar o máximo valor. O “como” é o ponto de atrito com qualquer tecnologia emergente, e a IA não é excepção. Como se define a estratégia de IA? Como encontrar trabalhadores conhecedores de IA ou treinar pessoal existente? O que se pode fazer para obter dados disponíveis para a IA? Como se garante que a IA é confiável? As respostas a essas perguntas geralmente variam de uma empresa para outra e o ambiente está em constante evolução. Mas as empresas não podem esperar que a poeira se estabilize. A adopção de IA, que aconteceu com intermitência, será acelerada em 2019. Para obter uma leitura acerca do actual estado das organizações, o estudo do qual resultou o relatório, entrevistou mais de mil líderes empresariais americanos que estão a investigar ou a implementar a IA. Se esses planos ambiciosos forem bem-sucedidos, muitas empresas americanas de ponta serão aperfeiçoadas por IA, não apenas em termos de custos de organização, mas em todas as suas operações. Os especialistas afirmavam que em 2018, existiam oito previsões sobre como a IA provavelmente se desenvolveria ao longo do ano, com implicações para os negócios, governo e sociedade. As tendências que foram identificadas incluíam o verdadeiro impacto da força de trabalho na IA, a necessidade de todas as empresas se concentrarem na IA responsável e as ameaças emergentes à volta da segurança cibernética e na competitividade interna americana serem ainda mais relevantes actualmente, com a actual política comercial e industrial da administração Trump. À medida que se foi aproximando 2019, com a IA a mudar cada vez mais do laboratório para os escritórios, fábricas, hospitais, locais de construção e vida dos consumidores, uma abordagem diferente tornou-se necessária e não se trata apenas de destacar o que é provável que aconteça, mas o que os líderes empresariais devem fazer com a IA. A lista de prioridades da IA para 2019, é acerca das grandes previsões nesta área que é das mais importantes a nível global, e que passa pelas empresas concentrarem os seus esforços em seis áreas-chave, o que lhes permitirá uma vantagem substancial em relação a outras empresas em 2019. A estratégia de IA deve abordar a estrutura que é a organização para o retorno sobre investimento (ROI na sigla em língua inglesa) e esforço; a força de trabalho; a formação com os especialistas de IA para trabalharem em conjunto; a confiança que é tornar a IA responsável em todas as suas dimensões; os dados que permitam localizar e classificar para ensinar as máquinas; a reinvenção que é monitorizar a IA através de personalização e maior qualidade e convergência que é combinar IA com inteligência analítica, Internet das Coisas (IoT na sigla em língua inglesa), entre outras. Quanto à primeira área-chave, sabemos que com a IA, é tempo de aumentar a produtividade ou desistir. As empresas líderes estão a começar a transferir os seus modelos de IA para a produção, onde executarão operações para melhorar a tomada de decisões e fornecer inteligência voltada para o futuro e pessoas em todas as funções. A IA vai transformar quase tudo nos negócios e mercados, sendo um bom motivo para agir, mas não o suficiente para fazer muito de forma rápida. Se for realizado correctamente, o desenvolvimento de um modelo de IA para uma tarefa específica, pode melhorar um processo existente ou resolver um problema de negócios bem definido, ao mesmo tempo que cria o potencial de se alargar a outras áreas da empresa. Acerca dos algoritmos de IA existe o facto de haver poucos, o que pode surpreender os utilizadores de negócios. Os mesmos algoritmos são capazes de resolver a maioria dos problemas de negócios para os quais a IA é relevante, portanto, se puderem ser aplicados com sucesso em uma área da empresa, geralmente poderão ser usados em outras. É exemplo, o facto, de toda a empresa precisar de processar facturas. Ao extrair informações automaticamente, mesmo de facturas que não são totalmente padronizadas, as ferramentas de IA podem automatizar o processo para reduzir custos e tempo de processamento. É possível modificar e usar o componente IA para acelerar outras áreas da empresa, como o atendimento ao cliente, marketing, impostos e gestão da cadeia de suprimentos, que também consomem enormes quantidades de dados não estruturados e semi-estruturados. O objectivo é conceber um portfólio de blocos de construção reutilizáveis, para criar um ROI rápido e um momento de escala. Os líderes empresariais estão a adoptar essa estratégia, pois classificaram os modelos de IA e os conjuntos de dados que podem ser usados em toda a organização, como a capacidade mais importante na qual se concentrarão em 2019. Quando as iniciativas de IA começam a ser praticadas por especialistas, por vezes lutam para obter uma ampla simpatia, mas quando vêm o lado comercial, os projectos podem ter um foco limitado ou não aproveitar totalmente a tecnologia e em ambos os casos, as equipas isoladas podem criar esforços duplicados ou incompatíveis. A resposta é a supervisão de uma equipa diversificada que inclui pessoas com competências em negócios, TI e IA especializadas, e que representem todas as áreas da organização. É preciso ser disciplinado, criar uma estrutura organizacional que cruze funções e permita estabelecer uma estratégia clara de IA e um centro de excelência (CoE na sigla em língua inglesa) que é frequentemente a melhor forma de construir essa base de IA, e o modelo que se espera tornar mais predominante. As empresas podem optar por adicionar responsabilidades de IA a grupos existentes de análise ou automação, ou a outros CoEs estabelecidos. Onde quer que este grupo resida, as suas responsabilidades devem abarcar questões de negócios, tais como identificar casos de uso e como desenvolver responsabilidade e governança, devendo estabelecer e supervisionar políticas de dados em toda a empresa e devem determinar ainda os padrões de tecnologia, incluindo arquitectura, ferramentas, técnicas, gestão de fornecedores e propriedade intelectual, e como os sistemas inteligentes de IA necessitam de ser e evoluir. A equipa de IA deve criar e gerir uma plataforma digital para colaboração, suporte e administração de recursos, devendo ser esse o objectivo único para os esforços de IA, como sendo um ambiente virtual com ferramentas ligáveis, onde os profissionais de negócios e de tecnologia compartilharão recursos como conjuntos de dados, metodologias e componentes reutilizáveis e colaborarão em iniciativas. [continuação]
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO “Made in China 2025” China will succeed in building a powerful technology industry that will rival the United States, even if President Trump starts a trade war to stop it. The reason can be found on the fourth floor of a nondescript factory in a city (Dongguan) once famous for cheap manufacturing. By Li Yuan [dropcap]O[/dropcap]s Estados Unidos, a União Europeia (UE) e o Japão, apresentaram um pacote de propostas ao “Conselho para o Comércio de Bens da Organização Mundial do Comércio (OMC)”, a 12 de Novembro de 2018, que pretende ajudar a reduzir significativamente as práticas chinesas de subsidiar fortemente as suas empresas estatais e discutem, igualmente, formas de impedir a China de forçar as empresas ocidentais a transferir tecnologia para empresas chinesas. É de esperar que a ameaça do governo Trump de escalar a guerra de tarifas com a China a persuadiria a aceitar tais reformas. A China anunciou que planeia injectar trezentos e cinquenta mil milhões de dólares a dez indústrias chave do futuro, como a robótica, veículos eléctricos e baterias EV, computadores avançados e dispositivos móveis em conformidade com a sua política “Made in China 2025”, conforme consta da “Secção 301 do Acto sobre Comércio e Tarifas de 1974”, relativo ao “Relatório sobre Actos, Políticas e Práticas da China Relacionados à Transferência de Tecnologia, Propriedade Intelectual e Inovação” do “Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos” e datado de 22 de Março de 2018. Ao contrário dos incentivos de toda a economia, como o crédito fiscal para P&D, as regras da OMC proíbem subsídios a empresas específicas por causa da vantagem competitiva que conferem. As regras da OMC obrigam que nenhum país pode obter qualquer benefício com impostos para compensar os subsídios sem provas concretas que fundamentem esses subsídios. Embora os membros da OMC sejam obrigados a dar “aviso imediato” quando cada programa de subsídio é criado, a realidade é que muitos não o fazem. A China divulgou no referido Relatório produzido pelo governo dos Estados Unidos, apenas uma fracção dos seus subsídios vários anos após terem sido criados. Além disso, os subsídios da China são protegidos por orçamentos governamentais não publicados, instruções internas, directivas orais e uma lei que permite que informações comerciais sejam tratadas como “segredos de Estado”. O relatório americano de duzentas e quinze páginas têm enormes falhas como se pode constatar e vale pela pouca idoneidade que Administração têm mostrado desde o início da “guerra comercial” com a China, e que convém que se reflicta porque atinge lateralmente as duas Regiões Administrativas Especiais da China. Os Estados Unidos, a UE e o Japão concordaram em propor duas mudanças com o objectivo de pressionar os abusadores a divulgar os subsídios sendo a primeira rever as regras para estipular que a falta de aviso prévio de subsídios resultaria na presunção de que o subsídio causa prejuízo, o que tornaria muito mais fácil para o país afectado pedir indemnização em um prazo muito mais curto e a segunda seria introduzir um sistema de escalonamento de sanções administrativas que reduziria a influência do infractor na OMC e o seu acesso à informação. Os Estados Unidos, a UE e o Japão também concordaram em solicitar uma expansão da lista existente da OMC de subsídios proibidos a empresas estatais para incluir as garantias ilimitadas de obrigações financeiras, subsídios a empresas insolventes ou falidas sem plano de reestruturação confiável e preços preferenciais para empresas estatais como matérias-primas e componentes. Ainda que os Estados Unidos, a UE e o Japão tentem chegar a um acordo sobre os detalhes, também pretendem encontrar “soluções direccionados contra subsídios” como consta da “Declaração Conjunta sobre a Reunião Trilateral dos Ministros do Comércio dos Estados Unidos, Japão e EU”, realizada em Paris, a 31 de Maio de 2018. A Declaração reitera a sua preocupação com as políticas não orientadas para o mercado de países terceiros e analisam as acções que estão a ser tomadas e possíveis medidas que poderiam ser tomadas em um futuro próximo, confirmando o objectivo comum de abordar políticas e práticas não orientadas para o mercado que gerem severo excesso de capacidade, criem condições de concorrência desleal aos trabalhadores e empresas, dificultem o desenvolvimento e o uso de tecnologias inovadoras e prejudiquem o bom funcionamento do comércio internacional, inclusive onde as regras existentes não são eficazes. Os subsídios são um grande problema e por exemplo, a China é o maior produtor e exportador de aço e a maior fonte de excesso de capacidade de produção no sector siderúrgico. O seu excesso de capacidade excede a capacidade total de produção de aço dos Estados Unidos e, em um mês, a produção de aço da China é igual à produção anual total dos Estados Unidos. As empresas estatais frequentemente fornecem subsídios às empresas chinesas da mesma forma que o governo o faz. Os Estados Unidos, a UE e o Japão querem que tais práticas estejam sujeitas às mesmas regras que os subsídios do governo para as empresas estatais e para as empresas privadas, mas ainda tentam chegar a um consenso sobre as melhores formas de o realizar. A UE propõe uma clarificação das regras da OMC para determinar o que constitui um “órgão público”, o que ajudaria a compreender se uma empresa estatal está a desempenhar uma função governamental ou a promover uma política governamental, e adoptar critérios para determinar se um país membro exerce controlo significativo sobre uma empresa estatal. Os Estados Unidos sugerem regras que forçam as empresas estatais a fornecer divulgações detalhadas que possam facilitar os desafios dos membros prejudicados e que incluem uma listagem de todas as empresas estatais em um sítio público e a difusão da percentagem de participação do governo nas empresas estatais, títulos de oficiais do governo ou funcionários no conselho das empresas estatais, as suas receitas anuais e factos detalhados sobre qualquer política ou programa que fornece subsídios às empresas estatais. Qualquer opção aumentaria significativamente as oportunidades para restringir os abusos das empresas estatais. Os Estados Unidos, a UE e o Japão também estão a tomar medidas dentro e fora da OMC, para combater as transferências forçadas de tecnologia, tanto no mercado interno da China quanto, por meio de fusões e aquisições, no exterior. O grupo de potências económicas para o mercado chinês, defende limites e exigências das empresas estrangeiras formarem acordos de associação com um parceiro chinês, limites de capital estrangeiro, revisões administrativas baseadas em regras pouco claras e grande pressão sobre empresas estrangeiras para licenciarem as suas tecnologias a empresas chinesas. As regras da OMC referente a investimentos transfronteiriços são limitadas. Os Estados Unidos estão a compartilhar informações com a UE e o Japão sobre a legislação em vigor no país acerca da triagem de investimentos estrangeiros, como por exemplo, a “Lei de Modernização da Revisão do Risco de Investimento Estrangeiro (FIRRMA, na sigla em língua inglesa) ”, que entrou em vigor em Agosto de 2017, que ordena ao governo fazer investigações a longo prazo acerca do impacto de tais investimentos na segurança nacional. O governo dos Estados Unidos reivindicou ao Congresso que modernize a FIRRMA, para melhorar ainda mais a protecção do país em relação às ameaças novas e transformações trazidas pelo investimento estrangeiro. É interessante notar que doze dos vinte e oito Estados-membros da UE não possuem nenhum sistema para rever os investimentos estrangeiros. A UE propôs recentemente um novo mecanismo de selecção que esclareceria o escopo da análise de cada membro do investimento recebido, e que ajudaria a identificar os investimentos das empresas estatais chinesas que são problemáticos. Tais medidas seriam consideradas como etapas úteis. Quanto às transferências forçadas ou o roubo de tecnologias digitais, os ministros do comércio dos Estados Unidos, EU e Japão emitiram a dita “Declaração Conjunta sobre Reunião Trilateral dos Ministros do Comércio dos Estados Unidos, Japão e EU”, de 31 de Maio de 2018. condenando “acções do governo que apoiam… roubos de redes de computadores de empresas estrangeiras de informações comerciais e segredos comerciais” para usá-los para ganhos comerciais. As três potências concordaram em encontrar uma regra que impeça os membros da OMC de exigir que as empresas divulguem seus códigos-fonte, tecnologia básica altamente competitiva, que é produzida com grandes custos. Ainda que os ministros não tenham concordado em ferramentas para atingir esses objectivos, o acordo para persegui-los pode ser promissor, mas certamente é perigoso e sensível na era global. Os Estados Unidos, a UE e o Japão concordam que a expansão do seu grupo é essencial. Os candidatos mais prováveis a aderir em breve são a Austrália, Nova Zelândia, Canadá e México. Entre as muitas razões pelas quais a administração Trump deve aliviar os seus ataques à OMC, é o facto de que estão a criar maiores dificuldades à contratação de talentos de países em desenvolvimento, embora muitos compartilhem as preocupações dos Estados Unidos sobre a China. A China não perdeu nenhuma oportunidade de usar os ataques dos Estados Unidos para se apresentar como um defensor do sistema comercial da OMC. Os Estados Unidos, a UE e o Japão também pensam pressionar a China a juntar-se ao processo de reforma. Tal pode parecer uma ideia tola, mas dado que qualquer membro da OMC pode bloquear as mudanças de regras propostas, seria muito melhor envolver a China no início desses esforços. Qual a razão que levaria a China a concordar com essas reformas? A primeira razão é que não se pode dar ao luxo de ficar isolada das principais economias industriais, pois depende do acesso à sua tecnologia para alcançar os seus objectivos “Made in China”. A segunda razão é o aumento do isolamento que poderia matar o fulgor comercial que permite que os líderes chineses produzam a prosperidade da qual depende a sua legitimidade. Os subsídios da China e as práticas de transferência de tecnologia representam uma grande ameaça para a ordem global do comércio segundo as três potências e devem ser controlados. Se as propostas dos Estados Unidos, UE e o Japão que acordaram ou estão a elaborar forem adoptadas pela OMC, representariam quiçá grande passo para alcançar esse objectivo. A UE pensa que os Estados Unidos deveriam explorar a influência da guerra de tarifas para trazer a China à mesa das negociações. A China tem exactamente a visão oposta da questão e o Relatório americano é baseado em presunções que podem ser ilídiveis. O governo chinês lançou o “Made in China 2025”, que é uma política industrial liderada pelo Estado que procura tornar a China dominante na produção global de alta tecnologia. O programa visa usar os subsídios do governo, mobilizar empresas estatais e procurar a aquisição de propriedade intelectual para acompanhar, e depois superar, as proezas tecnológicas ocidentais em indústrias avançadas. Os Estados Unidos e outras grandes democracias industrializadas, consideram que essas tácticas não apenas prejudicam a adesão declarada da China às regras do comércio internacional, mas também representam um risco para a segurança. Os Estados Unidos argumentam que a política depende do tratamento discriminatório do investimento estrangeiro, transferências forçadas de tecnologia, roubo de propriedade intelectual e espionagem cibernética, levando o presidente Donald Trump a impor tarifas sobre produtos chineses e a bloquear várias aquisições de empresas de tecnologia apoiadas por chineses. Enquanto tal acontece, muitos outros países reforçaram a supervisão do investimento estrangeiro, intensificando o debate sobre a melhor forma de reagir ao comportamento da China. O “Made in China2025” foi criado em 2015, e trata-se de um plano de dez anos do governo para actualizar a base de produção da China, desenvolvendo rapidamente dez indústrias de alta tecnologia, sendo as principais os carros eléctricos e outros veículos novos de energia, tecnologia da informação de última geração e telecomunicações, robótica avançada e inteligência artificial. Os outros sectores importantes incluem tecnologia agrícola, engenharia aeroespacial, novos materiais sintéticos, equipamentos eléctricos avançados, bio-medicina emergente, infra-estruturas ferroviárias de alta qualidade e engenharia marítima de alta tecnologia. Tais sectores são centrais para a chamada quarta revolução industrial, que se refere à integração de “big data”, computação em nuvem e outras tecnologias emergentes nas cadeias globais de provimentos de fabricação. A esse respeito, os formuladores de políticas chineses inspiraram-se no plano de desenvolvimento da Indústria 4.0 do governo alemão. O objectivo final da China é reduzir a dependência do país de tecnologia estrangeira e promover fabricantes chineses de alta tecnologia no mercado global. Os semicondutores são uma área de particular realce, dada a sua importância em quase todos os produtos electrónicos. A China representa cerca de 60 por cento da procura global por semicondutores, mas produz apenas cerca de 13 por cento da oferta global. O “Made in China 2025” estabelece metas específicas, como a de até 2025, alcançar 70 por cento de “auto-suficiência” nas indústrias de alta tecnologia e, em 2049, aquando do centésimo aniversário da República Popular da China, ter uma posição “dominante” nos mercados globais. As autoridades chinesas, cautelosas com o retrocesso, têm moldado cada vez mais o plano como uma aspiração e não uma política oficial.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO conturbado Brexit “Of course Brexit means that something is wrong in Europe. But Brexit means also that something was wrong in Britain.” Jean-Claude Juncker [dropcap]A[/dropcap] saída do Reino Unido da União Europeia (UE), mais conhecida como Brexit (abreviação das palavras Grã-Bretanha e saída), teve o seu começo há cerca de dois anos e meio, quando o resultado do referendo foi favorável à saída do país. A resposta positiva ao Brexit, naquela época, foi surpreendente, porque nas sondagens anteriores havia uma pequena vantagem dos contra à saída. O primeiro-ministro de então, David Cameron, tinha-se manifestado a favor da permanência na EU As consequências económicas desde então foram importantes para a economia britânica e espera-se que também tenham um impacto significativo sobre os principais parceiros comerciais do Reino Unido, após o processo de saída ter sido concluído. O resultado negativo parecia óbvio, dado que 60 por cento da economia britânica depende do comércio exterior e a UE é o principal parceiro comercial do Reino Unido, seguido dos Estados Unidos e China. O Reino Unido é também um dos Estados-membros que mais recursos dão à UE. Segundo o último estudo publicado a 30 de Setembro de 2018 pelo “Centro para a Reforma Europeia (CER)”, mostra que o Reino Unido perdeu seiscentos e cinquenta milhões de dólares por semana, e que o custo da decisão do Brexit para a economia inglesa foi de 2,5 por cento do PIB. O FMI, em um relatório recente, prevê efeitos económicos negativos na UE como resultado do Brexit e que o PIB dos restantes vinte e sete países caia 1,5 por cento num período entre cinco a dez anos, caso não seja alcançado um acordo comercial. A queda será menor, em caso da existência de acordo, ou seja de 0,8 por cento do PIB. O cenário mais pessimista revela que um dos principais parceiros comerciais do Reino Unido, como a Irlanda, sofreria uma queda de 4 por cento do seu PIB. A Bélgica e os Países Baixos, que também têm uma importante relação comercial e dependência económica, contrairiam em 1 por cento o seu PIB. O processo de negociação do Brexit será encerrado a 29 de Março de 2019. A primeira-ministra britânica e a UE negociaram os termos da saída do Reino Unido, tendo como principais obstáculos o pagamento da dívida, a título de penalidade conhecido de “divórcio” pelo Reino Unido e avaliado e acordado em sessenta e quatro mil milhões de euros, em 28 de Novembro de 2017, bem como as relações comerciais com o resto dos países da UE. O principal problema era sem dúvida, o custo da saída. O Reino Unido, sem um acordo, teoricamente deixaria de pagar não apenas os possíveis sessenta e quatro mil milhões de euros, mas também a sua contribuição anual para os Orçamentos Comunitários de 2019 e 2020, como planeado. A possibilidade de um Brexit sem acordo era latente e a 19 de Julho de 2018, a Comissão Europeia alertou os governos, empresas e indivíduos de que se deviam preparar para a possibilidade de o Reino Unido deixar a UE sem um acordo. No caso de as negociações serem frutíferas, um período de transição seria estabelecido até 31 de Dezembro de 2020, durante o qual as regras da UE permaneceriam em vigor para o Reino Unido, o que dará mais tempo às empresas, indivíduos e governos para se prepararem para o novo tipo de relacionamento. Se não houver acordo, o Brexit será realizado abruptamente com importantes consequências económicas, sociais e políticas. Ainda que o governo britânico apoie a decisão do Brexit, a falta de acordo e clareza no plano de saída estão a reacender opiniões contrárias na população e no Parlamento, e um novo debate foi aberto sobre a possibilidade de convocar um novo referendo, promovido por alguns legisladores como a ex-ministra da Educação Justine Greening. Todavia, a decisão parece estar definitivamente tomada. O fim deste processo está próximo e tudo aponta que seja com um acordo com a UE. O Brexit poderá vir a encerrar os quarenta e cinco anos de adesão do Reino Unido ao mecanismo de integração regional. As negociações da Grã-Bretanha com a UE estão em um momento crucial, com o governo conservador britânico a viver no meio de um terramoto político interno. O Brexit é a forma abreviada de se referir à saída da Grã-Bretanha da UE. É parcialmente baseado na palavra “Grexit”, que se referia à possibilidade de a Grécia sair da zona do euro. A batalha da primeira-ministra britânica, para obter um apoio mais amplo ao seu acordo com o Brexit, foi severamente abalada por uma série de demissões ministeriais, incluindo a do membro do gabinete responsável por negociar a saída da Grã-Bretanha da UE. A primeira-ministra do Reino Unido conseguiu garantir o apoio do gabinete ao acordo de saída da Grã-Bretanha em uma frenética reunião de cinco horas a 14 de Novembro de 2018. Mas no dia seguinte pela manhã as brechas na aparente união do seu governo rapidamente começaram a aparecer, com os Brexiters alegando que o acordo cedia muita soberania à UE e Dominic Raab, Secretário de Estado para a Saída da UE entre Julho e Novembro de 2018, a afirmar na carta de demissão que não poderia apoiar um acordo onde a UE tem poder de veto sobre a capacidade de saída do Reino Unido. A sua demissão foi rapidamente seguida pela da Secretária de Estado do Trabalho e Pensões, Esther McVey, ao dizer na sua carta de demissão que o acordo alcançado pela chefe de governo não honrava o resultado do referendo de 2016 de saída da UE, e de Jacob Rees-Mogg, líder pró-Brexit do “Euroceptic European Research Group” do Parlamento, que pediu um voto de desconfiança da primeira-ministra como líder do Partido Conservador. A primeira-ministra defendeu o seu plano de Brexit na Câmara dos Comuns a 15 de Novembro de 2018, insistindo que as alternativas não eram Brexit ou nenhum acordo. O que foi provisoriamente acordado entre o Reino Unido e a UE constituíam segundo os políticos ingleses um recuo, para evitar uma fronteira difícil na ilha da Irlanda que manteriam toda a Grã-Bretanha em uma união aduaneira com a UE, até que uma solução mais consistente e duradoura fosse acordada. A união alfandegária de todo o Reino Unido substituiria a exigência original da EU, de que o acordo incluísse um consenso alfandegário especial para a Irlanda do Norte, que é uma exigência que a primeira-ministra britânica afirmou que nenhum chefe de governo inglês poderia aceitar. A UE, em troca, teria voz activa quando a Grã-Bretanha deixasse uma união alfandegária do tamanho e importância existente. O texto do acordo, com mais de quinhentas páginas, também estabelece um período de transição prolongado (programado para durar até 31 de Dezembro de 2020), além de abordar questões como os direitos dos cidadãos da UE e do Reino Unido nas jurisdições de ambos e o Brexit da Grã-Bretanha. Quanto à questão de saber se o Brexit causará uma recessão, sabe-se que a incerteza sobre o resultado das negociações afectou a economia do Reino Unido, corroendo a confiança e o investimento das empresas, causando muito menos impacto nos gastos do consumidor e no mercado de trabalho. O rescaldo do referendo de 2016 levou a alguns prejuízos nos negócios dada a maior volatilidade da libra no último meio século e que deverá continuar até 29 de Março de 2019. A métrica mais amplamente observada do desempenho da libra é o seu comportamento em relação ao dólar. No entanto, os seus movimentos em relação ao euro, que também têm sido altamente voláteis, são amplamente vistos como substitutos do risco do Brexit. Os agentes imobiliários dizem que as incertezas e o desconhecimento que cercam o Brexit estão a pesar no mercado imobiliário britânico. Apesar de o mercado inicialmente parecer pouco afectado pelo referendo de 2016, o governador do Banco da Inglaterra, advertiu recentemente que um Brexit não negociável poderia reduzir em 35 por cento os preços das casas. O Reino Unido ainda estará sujeito às regras da EU, uma vez que uma união alfandegária do Reino Unido com a UE foi escrita no acordo de divórcio como uma medida “preventiva” para evitar uma fronteira irlandesa difícil, e a Comissão Europeia deu garantias em áreas como a concorrência, tributação e meio ambiente, o que restringem a capacidade do Reino Unido de divergir enquanto o impedimento estiver em vigor. As regras são conhecidos como provisões de “level playing field”. A França, Alemanha, Dinamarca e os Países Baixos pressionaram por garantias e mecanismos de execução muito exigentes, com a França a pedir ao Reino Unido que dinamicamente se alinhe com futuras mudanças na legislação da UE. Algumas das condições ao nível de concorrência mais sensíveis são as metas ambientais acordadas pela UE para 2030. Estas visam reduzir o consumo de energia em 32,5 por cento em comparação com as projecções normais. A outra é a exigência de que o Tribunal de Justiça da União Europeia supervisione como o Reino Unido aplica as restrições do bloco aos subsídios estatais às empresas. Qual a razão pela qual a pesca é tão importante? Os pescadores da França, Espanha, Dinamarca, Países Baixos, Suécia e Bélgica dependem, em graus variáveis, das quotas atribuídas pela UE de peixe proveniente de águas britânicas. A UE, inicialmente, procurou tornar o acesso às águas britânicas como uma condição prévia explícita para qualquer acordo comercial futuro que abrangesse toda a economia do Reino Unido. A primeira-ministra britânica, em oposição, quer que o Reino Unido tenha poder total para decidir sobre o acesso às suas águas como um Estado costeiro independente. A disputa espalhou-se às negociações sobre o acordo de saída da Grã-Bretanha da UE, uma vez que inclui uma união aduaneira do Reino Unido-UE como parte do plano de apoio para a Irlanda do Norte. No âmbito de um compromisso assumido pelas duas partes, o sector das pescas será excluído dessa união aduaneira, até que seja alcançado um acordo sobre o acesso recíproco às águas. Tal significaria que a Grã-Bretanha não precisa de dar concessões iniciais ao acesso. Mas poderia atingir a indústria britânica, porque 75 por cento das exportações do Reino Unido são para a UE e dependem da união aduaneira. No entanto, alguns Estados-membros da UE com grandes indústrias pesqueiras queriam mais concessões do Reino Unido sobre a matéria. O que está a acontecer com os preparativos financeiros em caso de não haver acordo? O comissário europeu responsável pela regulamentação financeira, disse que os bancos e empresas da UE poderiam continuar a usar câmaras de compensação baseadas no Reino Unido para processar negociações de derivativos, mesmo que as negociações do Brexit fracassassem, mas a curto prazo e condicionalmente. As preocupações de bancos e outras instituições sobre as consequências de um rompimento acrimonioso entre o Reino Unido e a UE estão longe de terminar com a aproximação do “Brexit day”. As inquietações são agravadas pelo fracasso notável das duas partes nas últimas semanas para conseguir um acordo satisfatório de divórcio. As outras grandes questões em que um cenário de não negociação poderia colocar a estabilidade financeira em risco, incluem a validade dos contratos de derivativos, capital de emergência para bancos e os pedidos da UE para que os credores continuem a planear um Brexit sem acordo. Apesar do progresso recente, ambos os lados ainda suspeitam que o outro pretende explorar o debate sobre a estabilidade financeira em benefício próprio, seja para replicar as vantagens do mercado único ou para tentar negócios através do canal. A união aduaneira e o mercado único têm o seu fundamento em 1968, pouco mais de uma década após a fundação da Comunidade Económica Europeia, tendo a união aduaneira europeia sido concluída com uma tarifa externa comum (TEC) e a intenção de estabelecer o livre comércio dentro da área. O mercado interno ou mercado único como veio a ser conhecido, quase 50 anos depois, continua ser um trabalho em prossecução. As “quatro liberdades”como são o movimento de bens, serviços, capital e trabalho são um princípio fundador da UE. As negociações do Brexit contêm os tipos de ligações que o Reino Unido terá com o mercado único e a união alfandegária, o que poderia moldar o futuro da Grã-Bretanha durante décadas. O referendo histórico da Grã-Bretanha foi realizado a 23 de Junho de 2016. O governo britânico inicialmente formulava a pergunta se o Reino Unido deveria continuar a ser membro da UE. A Comissão Eleitoral do país, que por lei tem que ser consultada, não estava satisfeita com as frases usadas, e tendo dúvidas de que a questão era tendenciosa e poderia encorajar as pessoas a votarem sim, em Setembro de 2015, recomendou que a questão fosse alterada para se “O Reino Unido deveria permanecer como membro da UE ou a deixar”? O governo e o parlamento aceitaram as mudanças e essa foi a pergunta que foi feita. As pessoas que votaram no Brexit atingiram o recorde de 72,2 por cento, ou seja, dezassete milhões e quatrocentas mil pessoas, (51,9 por cento) votaram a favor, e dezasseis milhões e cem mil, (48,1 por cento) votaram contra no referendo. A margem entre os que estiveram a favor e contra foi de um milhão e trezentos mil votos. Mesmo na presunção da existência de acordo de divórcio, muitos britânicos estão arrependidos de ter votado a favor da saída. A recente sondagem do grupo pró-europeu “YouGov” mostra que cerca de dois milhões e seiscentos mil eleitores britânicos que votaram a favor do Brexit votariam hoje Remain, o que significa a permanência do Reino Unido na UE. A UE convocou uma cimeira extraordinária para assinar acordo do Brexit a 25 de Novembro de 2018, em Bruxelas. É claro que, na perspectiva negocial, o acordo de divórcio é uma grande vitória para a UE, que esvaiu o poder do Reino Unido e garantiu que os riscos pertenciam aos britânicos e não aos Estados-membros. Mas conjecturar vitórias neste tipo de processo será sempre errado, pois com o Brexit, todos perderão. O Brexit foi um grande desastre, porque se tratou desde a primeira hora de uma grande patranha.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO Brasil retorna a 1964 ou talvez não “I went to a Quilombo (territory inhabited by Afro-Brazilian descendants of escaped slaves). The lightest Afro-descendant weighed seven arrobas (around 225 pounds). They do nothing. I think they don’t even serve to procreate. Over US$245 million is spent on them every year. … There will be not one centimeter for an Indigenous reserve or for a Quilombola.” Jair Bolsonaro [dropcap]O[/dropcap] Brasil elegeu o candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro, como presidente na segunda volta das eleições, realizadas a 28 de Outubro de 2018 que tinha por lema “Brasil Acima de Tudo e Deus Acima de Todos”. O “Trump do Brasil” que elogiou a ditadura e prometeu uma “limpeza” dos seus opositores políticos liderará a quarta maior democracia do mundo. A ascensão de movimentos e partidos de direita em todo o mundo deram um salto gigantesco e perigoso, quando Jair Bolsonaro venceu as eleições presidenciais. O presidente eleito era um deputado federal do Rio de Janeiro que anteriormente serviu como oficial do Exército, apoiante da ditadura militar que governou o Brasil de 1964 a 1985, e que expressou múltiplas vezes o seu gosto por autoritários do passado e do presente, e que derrotou com 55,13 por cento dos votos, o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT), que obteve 44,87 por cento dos votos. O presidente eleito e Haddad enfrentaram-se, por terem sido os dois candidatos mais votados na primeira volta das eleições realizada a 7 de Outubro de 2018, quando Bolsonaro ficou aquém da maioria, com 46,16 por cento dos votos. A sua vitória colocará o Brasil e a maior democracia da América do Sul, nas mãos de uma figura de extrema-direita que manifestou pouco apreço pela governança democrática e sempre procurou uma retórica violenta contra os brasileiros negros, pessoas LGBTQ (lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros ou que questionam a sua identidade sexual), mulheres e povos indígenas. O presidente eleito foi esfaqueado durante um evento da campanha eleitoral, na cidade de Juiz de Fora, a 6 de Setembro de 2018, que lhe causou três perfurações no intestino delgado e uma lesão grave e extensa no intestino grosso, tendo sido submetido a duas intervenções cirúrgicas, e passou a maior parte dos últimos dois meses da campanha em um leito de hospital, devendo tomar posse a 1 de Janeiro de 2019, assumindo os destinos de um país sitiado e descontente. O Brasil nos últimos quatro anos, viveu uma profunda recessão económica, um aumento acentuado dos crimes violentos de que resultaram sessenta mil homicídios por ano, tantos ou mais que as mortes anuais da guerra na Síria e uma ampla investigação de corrupção política que envolveu centenas de políticos. O Brasil foi assaltado por perturbações e escândalos políticos desde as eleições de 2014, como a da ex-presidente Dilma Roussef, que foi destituída, a 31 de Agosto de 2016, pois o Senado aprovou o “impeachment” por 61 votos favoráveis e 20 contrários, tendo assumido a presidência o actual presidente Michel Temer, ex-vice-presidente, bem como do outro ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, que foi preso a 18 de Abril de 2018 por corrupção. É de realçar que o actual presidente, Michel Temer, foi também ligado a um esquema de suborno político. O descontentamento resultante para com os partidos políticos que detêm a maior parte do poder e da influência no Estado, e especialmente o PT, de esquerda, corroeu a fé entre o eleitorado e abriu o caminho para um candidato como Jair Bolsonaro, que se apresentou como um libertador que poderia “salvar” o Brasil. Todavia, ao invés de parecer querer resolver os problemas do país, durante a campanha eleitoral continuou com as suas mais duras propostas e retórica, apesar de existir uma diminuta probabilidade de governar como um neofascista, mesmo tendo prometido “limpar” o Brasil dos seus oponentes à esquerda. O presidente eleito poderia em breve oferecer uma lição dura sobre como o fracasso da elite e o descontentamento político podem causar o colapso da democracia moderna. A directora de estudos latino-americanos da Universidade Johns Hopkins afirmou que era um ditador, o que é difícil de se tornar realidade, dado o sistema constitucional brasileiro o não permitir, apesar de na Câmara de Deputados ter trezentos deputados aliados e a maioria das matérias exige maioria simples para aprovação, ou seja metade dos deputados, mais um, devendo votar pelo menos duzentos e cinquenta e sete deputados de um total de quinhentos e treze deputados. A votação para as mesmas matérias exige a aprovação de quarenta e um senadores dos oitenta e um senadores que constituem o Senado, sendo que apesar da indefinição, a oposição mais firme é dos partidos de esquerda que somam dezassete senadores. As alterações à Constituição necessitam do apoio de três quintos das duas Câmaras, ou seja trezentos e oito votos na Câmara de Deputados e quarenta e nove votos no Senado. A ascensão de Jair Bolsonaro ao poder foi inspirada e modelada a partir da ascensão de líderes semelhantes na Europa e nos Estados Unidos, tendo usado a média social para dar uma reviravolta pelas fontes da média tradicional do Brasil, que denunciou como “notícias falsas”, mesmo quando a sua campanha e apoiantes usaram o “WhatsApp” e “Facebook” para espalhar rumores sem base e relatos sobre os seus oponentes. Jair Bolsonaro conduziu uma campanha nacionalista baseada na identidade que promoveu e prosperou a reacção racial e social, particularmente contra o PT e as populações mais marginalizadas do Brasil, tendo prometido parar de “mimar” os grupos como os LGBTQ e brasileiros negros e libertar o país de “ideologias estrangeiras”, por referência aos esquerdistas de qualquer cor, tipo e variedade. O presidente eleito beneficiou da sua posição como candidato mais forte para os brasileiros à procura de uma alternativa ao PT, que ocupou a presidência de 2003 a 2016 sob o comando de Lula e Dilma. O PT orientou a explosão económica do Brasil durante o mandato de Lula e o colapso durante os mandatos de Dilma. Os problemas económicos do país e as ligações do PT à corrupção, incluindo a condenação de 2017 de Lula por suborno, minaram a confiança na capacidade do PT de governar e inspirar forte oposição e o seu potencial retorno ao governo. Ainda assim, Lula liderou as pesquisas pré-eleitorais durante a maior parte de 2017, antes de ser proibido de concorrer devido à acusação de corrupção. Fernando Haddad, substituiu Lula como candidato presidencial pelo PT, tendo os partidos de centro-direita sido esmagados pelos seus próprios problemas de corrupção e envolvimento com a impopular coligação do governo de Michel Temer. O actual presidente e o centro-direita tentaram adoptar algumas das políticas da linha dura defendidas por Jair Bolsonaro sobre a violência que eram factores fundamentais na eleição. O presidente eleito obteve apoio de quase todo o espectro político e social do Brasil, dado a maioria dos brasileiros estarem cansados da corrupção e com medo da violência. Mas o seu apoio mais forte, veio de um crescente movimento evangélico conservador que compartilha a sua visão sobre as questões sociais e das elites financeiras e empresariais, ainda que alguns líderes religiosos sejam detentores de fortunas inexplicáveis. Tais apoios foram influenciados pela sua oposição às políticas económicas do PT e pelo suposto apoio de Bolsonaro à sua abordagem preferencial à economia de mercado. As elites financeiras e empresariais, no entanto, provavelmente não enfrentarão o resultado mais duro e previsível da vitória, como a maior violência política. O presidente eleito prometeu militarizar ainda mais a segurança pública e entregar à polícia, que é das mais mortais do mundo, “carta-branca” para matar supostos criminosos, à semelhança do presidente Rodrigo Duterte nas Filipinas no seu tresloucado combate ao consumo de drogas e narcotráfico. Tal poderá exacerbar uma guerra às drogas em que a esmagadora maioria das vítimas de homicídios e assassinatos cometidos pela polícia são jovens negros. Alguns activistas brasileiros consideraram a violência como um “genocídio negro”. A sua retórica contra as mulheres, as pessoas LGBTQ e as ameaças de reverter a sua protecção, também só poderão vir a piorar a situação desses grupos, em um país que sofre altos níveis de feminicídio e violência anti-gay. O presidente eleito denominou a era de ditadura militar do Brasil de “período glorioso”, e o seu companheiro de eleição e vice-presidente eleito é um general aposentado do Exército, que se recusou a rejeitar o possível retorno do regime militar. Jair Bolsonaro tem uma longa história de defesa da violência contra os seus adversários políticos, e nos dias que antecederam a eleição, afirmou que o país seria palco de uma “limpeza nunca antes vista no Brasil. ” Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral referiu que os defensores da esquerda, “podem sair ou ir para a cadeia” e no mesmo discurso, ameaçou aprisionar Fernando Haddad, encerrar organizações de direitos humanos, prender líderes de outros importantes movimentos esquerdistas e retirar fundos da Folha de São Paulo, um dos maiores jornais do Brasil. Apesar das comparações com Trump, Bolsonaro, é mais parecido com o presidente filipino, Rodrigo Duterte, cuja expansão mortal da guerra às drogas no país, levou a cerca de vinte mil assassinatos extrajudiciais às mãos das autoridades. Mas apesar dos protestos generalizados de oposição nas últimas semanas que antecederam as eleições, Bolsonaro pode ter apoio para as suas políticas domésticas. O Brasil apresenta a maior tolerância ao conceito de autoritarismo e mais apoio à violência policial e estatal que a maioria dos seus vizinhos democráticos, e muitos dos eleitores continuam não convencidos ou indiferentes à retórica violenta e antidemocrática de Bolsonaro. O pequeno Partido Socialista Liberal, de direita, de Bolsonaro, ganhou cinquenta e dois deputados nas eleições, tendo elegido apenas um deputado nas eleições anteriores. Os seus aliados foram projectados para ganhar os principais governos e as eleições estaduais. As implicações da vitória de Bolsonaro estender-se-ão muito além das fronteiras brasileiras. As suas propostas para encerrar instituições ambientais e abrir a floresta amazónica destinando a interesses agrícolas e de mineração, poderão ter efeitos devastadores na luta global contra as alterações climáticas e devido ao tamanho e influência do país no mundo, a ascensão de um autoritário de direita poderá ser um sinal claro de que a democracia liberal está a enfrentar uma crise global em grande escala. O cientista político de Harvard, Steven Levitsky acerca da eleição de Bolsonaro afirma não aceitar a ideia de o Brasil sofrer uma erosão democrática e de se poder entrar em uma recessão democrática global. A acção governativa de Bolsonaro num Brasil em profunda crise ética, moral e fiscal e cujas grandes ideias se encontram no seu programa político, será musculado, dando à justiça e à segurança pública a maior autoridade possível, a bem da dignidade há muito perdida e que sirva de encorajamento no combate acirrado que vai reforçar contra a violência e a corrupção. Tal directriz é confirmada pelo do convite endereçado ao juiz Sérgio Moro, figura central da “Operação Lava Jato (OLJ)” que aceitou ser um super ministro, ocupando as áreas da justiça e da segurança pública e que pretende levar o modelo da OLJ onde para o combate ao crime, corrupção e privilégios que terão tolerância zero. A violência verbal intimidativa durante as eleições será posta de parte e a acção política seguirá as regras democráticas de defesa das leis e obediência à Constituição pelo que a politização das forças armadas e a militarização do governo, bem como uma revisão da constituição que atribua mais poderes presidenciais e permitam um autoritarismo com emprego de métodos ditatoriais, também não são possíveis pela fragmentação política no Congresso Nacional. O governo será liberal democrata, assente no liberalismo que reduz a inflação, baixa os juros, eleva a confiança e os investimentos, gera crescimento, emprego e oportunidades. A segurança, saúde e educação onde cinquenta e um milhões e seiscentos mil jovens dos catorze aos vinte e nove anos de idade não completaram o ensino médio, serão as prioridades. A economia de mercado é maior instrumento como fonte de rendimento, emprego, prosperidade e inclusão social. O novo governo herda um deficit primário elevado de cento e cinquenta e nove mil milhões de reais, sendo o deficit nominal para 2019, incluindo os juros de quatrocentos e oitenta e nove mil milhões de reais que representam 6,5 por cento do PIB, gastando anualmente um Plano Mashall, que reconstruiu a Europa após a II Guerra Mundial, bem como uma situação fiscal explosiva, baixo crescimento e elevado desemprego, sendo outras das prioridades inverter a situação pelo equilíbrio das contas públicas. É de crer que o presidente eleito irá durante o seu governo manter uma relação amistosa com os demais países, apesar do alinhamento com os Estados Unidos, poder alimentar as forças de direita e extrema-direita na região, principalmente na oposição à Venezuela e outros países com ideologias de esquerda. Todavia, deve proceder a uma maior abertura do comércio internacional. O investimento chinês sem ser predatório e a política de cooperação com a República Popular da China são demasiado importantes para o Brasil, e não é de acreditar em turbulência assinalável.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA questão da sustentabilidade (III) “Sustainability, ensuring the future of life on Earth, is an infinite game, the endless expression of generosity on behalf of all.” “Drawdown: The Most Comprehensive Plan Ever Proposed to Reverse Global Warming” – Paul Hawken and Tom Steyer [dropcap]Q[/dropcap]uando a fabricante de mobiliário Herman Miller, reconhecida pela sua inovação em móveis de interiores, soluções para ambientes de assistência médica, tecnologias e serviços relacionados, com sede em Michigan nos Estados Unidos e fábricas na China, Itália e Reino Unido, bem como escritórios de vendas, revendedores licenciados e clientes em mais de cem países, examinou a composição da sua cadeira de escritório líder do mercado, encontrou mais de duzentos componentes. A “McDonough Braungart Design Chemistry (MBDC)”, foi fundada em 1995 pelo arquitecto William McDonough e pelo químico Dr. Michael Braungart, que defende abordagens infalivelmente engenhosas do “berço ao berço”, trabalhando com empresas para projectar intencionalmente produtos que eliminem o conceito de resíduos, usam energia alternativa, valorizam a água limpa e celebram diversidade há mais de vinte anos, sendo grandes defensores da sustentabilidade, e que inspeccionaram a mesma cadeira, descobrindo que os duzentos componentes continham mais de oitocentos compostos químicos. Ainda que o uso de diversos materiais seja uma prática padrão da indústria, as matérias-primas a essa escala confunde a sustentabilidade. A Herman Miller aproveitou esse conhecimento para o projecto subsequente da sua premiada cadeira “Mirra”, cuja composição de materiais é dramaticamente simplificada, sendo 96 por cento reciclável, mostrando como qualquer empresa deve começar a repensar as suas escolhas de materiais e sabemos que várias empresas usam conjuntos de materiais para eliminar componentes ambientalmente suspeitos das suas cadeias de fornecimentos. Tais agregados vão desde uma simples lista de produtos químicos proibidos enviados aos fornecedores de uma empresa até protocolos sofisticados que exigem análises laboratoriais das matérias-primas de um produto. O processo de triagem exige que as empresas consigam informações detalhadas dos seus fornecedores sobre os componentes químicos dos seus produtos e avaliem o seu impacto na saúde humana e ambiente. Os materiais suspeitos são assinalados para eliminação. Os conjuntos de materiais podem ser bastante restritivos, como o faz a gigante química suíça Ciba-Geigy que compreendeu na década de 1990, quando os mil e seiscentos corantes químicos da Ciba passaram por uma inspecção da MBDC e apenas dezasseis foram aprovados no teste. Os testes de materiais tóxicos eliminam os materiais perigosos, ao invés de seleccionar os melhores. Tentar eliminar de forma crescente os resíduos e as toxinas, seja por meio de ecoeficiência ou triagem, é um caminho muito lento. Os líderes empresariais podem encontrar a solução substituindo a análise pela acção. As empresas podem avançar directamente para uma acção parcimoniosa, indo além dos critérios tradicionais de fornecimento, como o desempenho e a estética. A segunda regra da biosfera fornece dois critérios adicionais, um físico e outro económico. Os materiais devem ser fisicamente capazes de ser reciclados e nem todos os materiais o são. O Nylon 6 na carpete da Shaw, por exemplo, pode ser reciclado, mas o seu parente mais próximo, Nylon 6,6 não pode e ambos são usados na indústria de carpetes, mas apenas o primeiro é transformado em fibra de carpete de alto valor agregado. O Nylon 6,6, se for reciclado, é fundido para uso em produtos de valor muito mais baixo, como caixas de plástico e madeira, apenas constituindo uma parte do seu trajecto para a deposição. A reciclagem de materiais deve ser rentável. É mais barato comprar novas matérias-primas no mercado ou usar materiais reprocessados? Se os materiais recuperados forem mais baratos ter-se-á encontrado um vencedor virtuoso e por exemplo, até 75 por cento do aço e mais de 50 por cento do alumínio são reciclados, principalmente, porque é necessária apenas uma fracção da energia para produzir metal virgem. A terceira regra é repensar o projecto. Quando os engenheiros enfrentam um novo desafio de projecto, geralmente questionam qual será o melhor material para a aplicação que idealizam, mas com uma combinação de materiais limitada, a pergunta é sobre qual o projecto que atenderá às especificações dos produtos que possuem, e será usando os materiais existentes ou como se pode projectar um novo produto fidedigno feito a partir de materiais exíguos? Integrar esse tipo de pensamento ao projecto de um produto significa começar pelo fim. É de considerar que para tornar o trabalho de reciclagem virtuoso, os líderes empresariais devem planear desde o início do projecto até ao final da vida útil do produto. As bactérias, na natureza, reciclam a carcaça de um coelho porque tem muita energia e valor nutritivo. Os líderes empresariais ambientalmente conscientes, em contraste, tentam minimizar os materiais nos seus produtos em nome da ecoeficiência, fazendo sentido se os produtos forem reciclados ou depositados, quando os clientes pretendem substituí-los no final do seu ciclo de vida útil, mas pode ser pérfido se estiverem a tentar recuperar os materiais economicamente. Um enorme problema de desperdício no mundo ocidental é a carpete usada. As carpetes usadas geralmente são depositadas em depósitos de resíduos ou queimadas em incineradores. A Polyamid 2000 AG desenvolveu um processo para reciclar carpetes de poliamida (PA). A central da Polyamid 2000 AG utilizou, pela primeira vez na produção industrial, a tecnologia da inovadora de decomposição para reciclar carpetes, ou seja produzir PA, a partir da contida na fibra da carpete, pela extracção de monómero. As unidades de produção têm todos os componentes de produção necessários para separar a PA da matéria-prima da carpete usada, e não tratada para processar a PA, em um material sintético comercializável. Assim, a história da Polyamid 2000 AG é importante, pois tinha quase cinco mil milhões de quilos de resíduos de carpetes usadas a serem depositados em aterros anualmente, e menos de 5 por cento para serem recicladas na década de 1990, sendo os fabricantes de carpetes criticados pelas Organizações não Governamentais e autoridades governamentais. A indústria, em resposta às críticas, voltou-se para a monstruosa instalação da Polyamid 2000 AG, instalada em uma fábrica da era comunista na antiga Alemanha Oriental na cidade de Premnitz, que foi projectada para reciclar a fibra de nylon das carpetes usadas. A fibra facial era atraente porque constituía a parte mais valiosa de uma carpete e podia ser alterada quimicamente e transformada em material renovado, tão bom como o novo, e como o processo consumia menos energia do que fabricar nylon a partir de reservas de matérias-primas, também era de esperar que fosse rentável. As instalações da Polyamid 2000 AG eram uma maravilha industrial, contando com uma de linha de fabricação altamente eficiente. As carpetes usadas eram limpas, analisadas e levadas em transportadores aéreos para equipamentos químicos que alteravam a fibra em matérias-primas. Esperava-se que a instalação extraísse cerca de dez milhões de quilos do novo Nylon 6 de mais de cento e cinquenta milhões de quilos de carpetes usadas anualmente, mas inesperadamente encerrou a laboração passado três anos. O espanto foi geral e todos se interrogaram de como tinha sido possível que uma solução verde demasiado promissora falhasse de forma espectacular? Os especialistas em PA, atribuíram ao facto do conteúdo de nylon nas carpetes usadas europeias ser menor que o esperado e diminuir anualmente. As carpetes americanas eram fabricadas com 45 por cento de fibra de nylon, e os fabricantes de carpetes europeus reduziram o conteúdo de nylon para 25 por cento. Tal economizou matérias-primas, mas tornou economicamente inviável recolher e reciclar carpetes usadas. A estratégia ambiental bem-intencionada levou à interrupção de actividade da Polyamid 2000 AG. Os fabricantes podem evitar o mesmo destino usando ciclos e devem projectar o valor de recuperação desde o início do processo. A quarta regra magna é pensar em economias de escala. É de entender que uma paleta parcimoniosa e um processo virtuoso de reciclagem podem estabelecer plataformas sustentáveis para séries integrais de produtos. A empresa americana Patagonia, tem por lema construir o melhor produto, não causando danos desnecessários e usando os negócios para inspirar e implementar soluções para a crise ambiental e que se dedica fundamentalmente, à venda por retalho de equipamentos para actividades ao ar livre. A Patagonia tem uma longa história de inovação para reduzir o impacto ambiental, desde o uso de garrafas de refrigerantes recicladas em casacos desde 1993 até à mudança para 100 por cento de algodão orgânico em 1996. O programa “Common Threads Garment Recycling (CTGR)”, lançado no Outono de 2005, marca o pilar mais recente da história de inovação ambiental da empresa. Através desse programa de reciclagem a Patagonia tem vido a coleccionar peças de vestuário desgastadas e usadas dos clientes, a fim de as reciclar em novo poliéster, o polímero quimicamente conhecido como “tereftalato de polietileno (PET na sigla em língua inglesa)” que é usado para fabricar novos fios de filamentos. O programa CTGR que usa o sistema de reciclagem de fibra-para-fibra denominado de “EcoCircle”, em parceria com a Teijin, uma fabricante japonesa de tecidos. A Teijin recicla virtuosamente a roupa interior da marca “Capilene”, da Patagonia, em fibras de poliéster de segunda geração, que esta reutiliza nas roupas da época seguinte. A Patagonia estendeu a plataforma além da roupa interior, incluindo roupas de lã. À medida que outras empresas a acompanham, incentivando materiais padrão e sistemas de produção cíclicos para produtos novos e existentes, fomentam as economias de escopo e escala que geram lucratividade operacional duradoura e seguem as regras da biosfera para aumentar a economia de custos. É necessário, em primeiro lugar, simplificar um conjunto de materiais por questões de sustentabilidade que reduz a complexidade da cadeia de fornecimentos, reduz o número de fornecedores, gera descontos por volume e melhora o serviço destes à medida que mais negócios lhes são enviados. A Interface Fabric, por exemplo, economiza trezentos mil dólares por ano, apenas com a simplificação do conjunto de matérias-primas. Em segundo lugar, as empresas podem descobrir que as economias de custos surgem da virtuosa reciclagem de materiais. Por exemplo, os custos de energia da Patagonia para reciclar os materiais das suas roupas interiores são de 76 por cento menos. Para tornar o trabalho de reciclagem virtuoso, os líderes empresariais devem planear desde o início do projecto até ao final da vida útil do produto. As bactérias, na natureza, reciclam a carcaça de um coelho porque tem muita energia e valor nutritivo. Os líderes empresariais ambientalmente conscientes, em contraste, tentam minimizar os materiais nos seus produtos. A Shaw Industries descobriu que a virtuosa reciclagem do Nylon 6 requer 20 por cento menos energia e 50 por cento menos água do que a produção normal exige, e como expande o seu processo de produção verticalmente integrado para novos produtos, pode alargar os investimentos e vantagens de processamento sobre o aumento da produção. A empresa tinha anunciado, em 2006, a ampliação da sua plataforma de carpetes, o que representa 70 por cento de todo o mercado de carpetes. A alavancagem de uma plataforma de produtos sustentáveis pode criar vantagens competitivas de longo prazo e as economias não são automáticas uniformes nas empresas, pois exigem mudanças disruptivas e investimentos baseados na visão de um futuro mais verde. A rentabilidade final depende de quão efectivamente as empresas executam as regras da biosfera que é uma fonte provável de diferenciação competitiva no futuro. Em terceiro lugar há que repensar a relação comprador-fornecedor. As empresas terão que gerir o período de transição, pois um produto vai de 100 por cento de materiais virgens a quase 100 por cento de materiais virtualmente reciclados, o que exigirá encontrar formas de recuperar com lucro os produtos instalados nas residências, garagens e prédios de escritórios dos clientes e colocá-los de volta ao processo de produção. Seguir as regras da biosfera irá mudar radicalmente o tradicional relacionamento comprador-fornecedor, pois os clientes passarão a desempenhar um papel duplo como compradores dos produtos e fornecedores da empresa, dos seus bens intermediários, adicionando um novo conceito ao aforismo de ficar próximo dos seus clientes. Tal exigirá que os líderes empresariais repensem o fornecimento, marketing, vendas e o serviço, como por exemplo, o de prever os suprimentos futuros de bens intermediários quando a taxa de retorno está atrelada à próxima decisão de compra dos clientes e que depende em parte do ciclo de vida do produto. A Patagonia pode esperar que as matérias-primas recicladas retornem à empresa em cerca de dezoito meses. A Shaw, no entanto, tem que esperar de três a sete anos para que o ciclo de vida da carpete siga o seu curso. As empresas precisarão de antecipar as taxas de retorno e podem mesmo gerir os ciclos de vida dos produtos, talvez fornecendo incentivos para que os clientes actualizem prematuramente para o modelo mais novo. Tal como na biosfera, a obsolescência planeada de forma virtuosa tornar-se-á um requisito de sustentabilidade. Os líderes empresariais também enfrentarão a complexa questão da logística oposta, levando o produto usado de volta à fábrica para reprocessamento. Algumas empresas estão a apresentar soluções inteligentes. No mundo da Patagonia, por exemplo, latas usadas transformam-se em caixas de correio e a empresa pede aos clientes que devolvam as suas roupas interiores usadas ou as deixem em lojas de vendas a retalho. Esta não é uma opção para as carpetes Shaw e torna-se importante alinhar a colecta do produto usado com a entrega de novos, para ter a certeza de que os camiões estão repletos, saindo e voltando para a fábrica. Os líderes empresariais podem ver o esforço necessário para gerir a obsolescência planeada e a logística reversa como um desincentivo à adopção das regras da biosfera, o que seria pura miopia. As empresas gastam grandes quantias de dinheiro em propaganda e marketing para persuadir os clientes a contratarem, pelo que existe um valor em cada cliente que telefone para a empresa a dizer que gostaria que recolhesse o seu produto usado. O astuto vendedor veria como uma liderança de vendas muito forte. Se, por meio da obsolescência planeada, uma empresa pudesse converter uma percentagem dos seus clientes em compradores fiéis, poderia obter ganhos financeiros importantes. E, apesar dos seus críticos, a obsolescência planeada também pode produzir ganhos ambientais. Os ciclos de produtos mais rápidos trarão produtos da próxima geração que geralmente apresentam um desempenho melhor e são ambientalmente superiores aos seus predecessores. É de considerar por exemplo, que um refrigerador é 75 por cento mais eficiente em energia do que há duas décadas, custando 50 por cento menos. A aplicação das regras da biosfera pode reencarnar rapidamente os materiais em produtos mais eficientes, aumentando ainda mais os ganhos de sustentabilidade. A sustentabilidade é o melhor segredo da natureza. Ao reutilizar os mesmos materiais em um ciclo sempre crescente de desenvolvimento evolutivo, a biosfera sustentou o planeta Terra por milhares de milhões de anos e com sorte, se forem seguidas as regras da biosfera pode ajudar a sustentar negócios de muitos milhares de milhões de dólares.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA questão da sustentabilidade (II) “In his book Collapse, Jared Diamond (2005) lists eight environmental problems that contributed to the collapse of past civilizations: deforestation and habitat destruction, soil problems (erosion, salinization, and soil fertility losses), water management problems, overhunting, overfishing, effects of introduced species on native species, human population growth, and increased per capita impact of people. For modern civilization, Diamond adds four new global problems: human-caused climate change, the buildup of toxic chemicals in the environment, energy shortages, and full human utilization of the earth’s photosynthetic capacity.” “Sustainability: An Environmental Science Perspective 1st Edition” – John C. Ayers [dropcap]A[/dropcap] biosfera não reduz o ciclo de materiais. Um castor morto pode ser reencarnado como uma árvore, molusco, águia ou até mesmo outro castor, ou seja, todas as aplicações de alto valor dos materiais reciclados da natureza e das primeiras cianobactérias aos seres humanos, o ciclo virtuoso da reciclagem é contra-intuitiva, porque depende da obsolescência planeada que é a ruína dos ambientalistas. Os fabricantes conscientes entendem compreensivelmente a obsolescência planeada como um vício e projectar um fim prematuro em novos produtos tornou-se uma parte infame da estratégia de Detroit para vender mais carros na década de 1960, e foi amplamente condenada como um desperdício. A obsolescência biológica é também conhecida como morte e desempenha um papel vital na biosfera. O processo informal de inaugurar o antigo e o novo permite a mudança e sem a biosfera não poderia evoluir, pois no contexto das regras da biosfera, a obsolescência planeada pode-se tornar sustentabilidade, levando a empresa a projectos ecologicamente superiores. A terceira regra é a de explorar o poder das plataformas. A Terra é povoada por espantosos trinta a cem milhões de espécies, as quais compartilham miraculosamente um desenho subjacente. A arquitectura básica da vida foi estabelecida pelos primeiros organismos multicelulares, há mais de três mil milhões de anos e desde então, embora o processo de evolução tenha tornado a vida mais complexa, cada criatura, das trilobites à humana, tem sido uma repetição no projecto original da natureza. O projecto é uma plataforma de propósito geral que foi aproveitada repetidamente para criar a biodiversidade surpreendente do planeta. Essa estratégia é tão bem-sucedida que a vida pode-se adaptar e existir em qualquer lugar do planeta, das planícies abissais dos oceanos aos picos do Monte Everest, e felizmente para os líderes empresariais, a indústria-lógica concorda com essa regra da biosfera. As empresas de vários sectores exploram há muito tempo o poder das plataformas. O Windows da Microsoft, por exemplo, é uma plataforma computacional de propósito geral que a empresa utilizou em qualquer número de aplicativos, do Word ao Media Player. A produção também aprecia estratégias de plataforma e no sector automobilístico, por exemplo, diferentes modelos podem usar as mesmas peças ou sistemas de transmissão. Mas o projecto de plataforma na indústria tende a ocorrer ao nível do componente, permitindo que as peças sejam trocadas entre as ofertas de produtos. A indústria precisa de permanecer abaixo desse nível e examinar minuciosamente a composição dos próprios componentes, pois os materiais são uma plataforma mais fundamental, na qual os componentes e os produtos finais são construídos. As regras da biosfera em acção demonstram o seu valor real quando estão integradas em uma estratégia global para explorar o potencial das plataformas de produtos sustentáveis. Se uma empresa estende essa estratégia a uma linha de produtos, os custos relativos diminuem à medida que a escala de produção cresce, promovendo retornos lucrativos em investimentos na sustentabilidade. A sustentabilidade económica garante a sustentabilidade ambiental e actualmente poucas empresas construíram sistemas de produção sustentáveis que estão em conformidade com as três regras. A Shaw Industries Group, Inc., é uma subsidiária da Berkshire Hathaway, Inc., sendo a maior fabricante de carpetes do mundo, com mais de quatro mil milhões de dólares de vendas anuais e aproximadamente vinte e dois mil e trezentos trabalhadores em todo o mundo, em Dalton, nos Estados Unidos. A empresa também produz telhas de carpete, um piso industrial instalado em edifícios de escritórios em todo o mundo e há cerca de vinte anos quando confrontada com a crescente preocupação ambiental e com o descarte de carpetes (mais de 95 por cento das antigas carpetes foi retirada e depositada em aterros sanitários) e com o aumento dos custos das matérias-primas, a Shaw aderiu a uma importante iniciativa repensando os seus negócios e criando o que denomina de tapete do século XXI. A telha de carpete da Shaw é composta pelo suporte, que mantém o tapete liso, e a fibra da face, que cria uma superfície de caminhada suave. A Shaw, até metade da década de 1990 produziu um suporte de marca feito de “policloreto de polivinila (PVC na sigla em língua inglesa)”. O PVC é potencialmente tóxico e difícil de reciclar e a um custo substancial, a empresa procurou uma solução mais sustentável e com uma compreensão intuitiva da sustentabilidade, reconheceu a necessidade de uma simples paleta de materiais não tóxicos para o seu produto, tornando como meta o círculo virtuoso da reciclagem. A escolha de fibra de face nylon 6 e suporte de poliolefina deu aos materiais da empresa que podiam ser reciclados de aplicações de alto valor para outras aplicações sem nunca perder desempenho ou funcionalidade. A empresa desenvolveu um sistema de produção integrado que poderia levar a carpete ao final da sua vida útil, separar o suporte, triturá-lo e recolocá-lo no processo de fabricação e no final resultava uma carpete nova denominado de “EcoWorx”. A “Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA na sigla em língua inglesa)” reconheceu o “EcoWorx”, atribuindo o prémio “Presidential Green Chemistry Challenge”. Assim, a Shaw podia olhar para o futuro quando os arranha-céus das cidades do mundo, começaram a fazer as suas encomendas, e cujo êxito começou pela cidade de Dubai. A plataforma de produtos sustentáveis da Shaw também ajudou a libertar a empresa dos caprichos dos mercados de matérias-primas que afligem a indústria. A entrada principal para o suporte e a fibra da maioria dos tapetes é o petróleo. Quando a Shaw começou os seus esforços, o petróleo estava a dezanove dólares por barril e com os preços actuais do petróleo, a empresa parece um visionário experiente. As realizações da Shaw não foram de forma alguma fáceis, embora tenham conquistado elogios e produzido benefícios a longo prazo. Os líderes da empresa fizeram uma aposta de dois milhões de dólares em uma tecnologia não comprovada, que ameaçava tornar obsoletas as suas instalações de produção de última geração. A aposta foi feita sem evidências concretas de que os clientes valorizariam a sustentabilidade da carpete. Os líderes da Shaw reuniram a convicção e a fé necessárias para construir uma plataforma de produto sustentável que criaria uma vantagem competitiva futura. Nem todas as empresas estão dispostas a fazer tal aposta e como a mudança para a produção sustentável é dramática, os líderes empresariais provavelmente enfrentarão a rigidez organizacional enquanto tentam implementar as regras da biosfera. Tais regras podem, no entanto, ser introduzidas ao longo do tempo de uma forma que limita a interrupção e mais uma vez, há algo análogo da biosfera para este processo, pois na natureza, novos ecossistemas, como florestas de pinheiros e prados alpinos não surgem totalmente formados, desenvolvem-se através de um processo gradual conhecido como sucessão, no qual as espécies colonizadoras alteram o ambiente local e o tornam hospitaleiro para uma comunidade maior e mais diversificada de organismos. As regras da biosfera podem criar um ambiente organizacional hospitaleiro para as etapas subsequentes, pois faseando-as minimiza custos e permite uma transição ordenada e o mais importante, é a possibilidade de pode criar vantagens a curto prazo que proporcionam motivação para esforços contínuos. A primeira fase seria a de pensar em menos materiais. O primeiro passo para os líderes empresariais que desejam implementar as regras da biosfera será o de repensar as suas estratégias de fornecimento e simplificar drasticamente o número e os tipos de materiais usados na produção das suas empresas. Tal etapa é fundamental se a empresa espera reciclar de forma económica. A fórmula tradicional para a gestão de materiais ambientalmente responsável tem sido “reduzir, reutilizar e reciclar”, mas a sua má aplicação pode levar as empresas a um beco sem saída no caminho para a sustentabilidade. Quanto a reduzir a eco eficiência procura produzir mais “widgets” com menos material de entrada. Mas se no final da sua vida útil um produto contiver muito pouco material valioso para tornar a recuperação económica, está fadado ao enterro em um aterro municipal. Quanto ao reuso, faz sentido para produtos simples, como copos e garfos, mas pode dificultar os esforços de sustentabilidade para os mais complexos, como carros e fornos de microondas e como os novos produtos são mais eficientes e têm um impacto ambiental reduzido, o ciclo de vida mais curtos de produtos podem trazer avanços mais rápidos e para os maiores ganhos de sustentabilidade, a reutilização deve ocorrer no material e não ao nível do produto. Quanto a reciclar é fundamental entender que a reciclagem é crucial para a sustentabilidade, mas pode realmente incentivar o uso de materiais nocivos que as empresas devem evitar completamente. Os esforços para reciclar cloreto de polivinil, por exemplo, poderiam criar uma procura perpétua pelo material. No entanto, empresas como a Nike, Honda e Mattel estão a eliminar o PVC por causa de problemas de saúde.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA questão da sustentabilidade (I) “In his book Collapse, Jared Diamond (2005) lists eight environmental problems that contributed to the collapse of past civilizations: deforestation and habitat destruction, soil problems (erosion, salinization, and soil fertility losses), water management problems, overhunting, overfishing, effects of introduced species on native species, human population growth, and increased per capita impact of people. For modern civilization, Diamond adds four new global problems: human-caused climate change, buildup of toxic chemicals in the environment, energy shortages, and full human utilization of the earth’s photosynthetic capacity.” “Sustainability: An Environmental Science Perspective 1st Edition” – John C. Ayers [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] sustentabilidade que os cientistas definem como a capacidade de os ecossistemas saudáveis, continuarem a funcionar, interminavelmente, tornou-se um aviso para os negócios. Se considerarmos o ambicioso projecto “Ecomagination” da General Electric, os esforços da Coca-Cola para proteger a qualidade da água, a tentativa da Wal-Mart de reduzir o desperdício de embalagens e a remoção de produtos químicos tóxicos da Nike dos seus calçados, chegamos à conclusão que esses e outros esforços louváveis são passos em uma estrada descrita pela gigante de alumínio Alcan, no seu último relatório de sustentabilidade corporativa, de como a sustentabilidade não é um destino, mas sim uma caminhada contínua de aprendizagem e mudança. A Alcan, infelizmente, estava errada, pois na melhor das hipóteses, a visão de sustentabilidade como uma viagem interminável de etapas adicionais, é um prejuízo para os líderes empresariais que procuram criar uma ruptura entre a economia e a ecologia, mas mais cedo ou mais tarde e na pior das hipóteses, serve como desculpa para a inacção quando se trata de construir um negócio verdadeiramente sustentável. É de acreditar que a sustentabilidade não deve ser um objectivo distante e enevoado, mas sim um destino real. Tal visão surgiu de uma pesquisa iniciada na década de 1980, que tinha por fim ajudar a limpar a falta de organização tóxica das empresas da Fortune 500 e que inspirou a lançar um longo esforço para se descobrir a verdadeira base da sustentabilidade, o que levou à realização de centenas de entrevistas com líderes empresariais, cientistas, engenheiros, académicos, projectistas e arquitectos, tendo-se chegado à conclusão de que se conhecia exactamente como é a sustentabilidade no planeta Terra, como um modelo perfeito, refinado por milhares de milhões de anos de tentativas e erros, sendo a biosfera do nosso planeta, definida em 1875 pelo geólogo Eduard Suess, como o lugar na superfície da Terra onde a vida habita. Os pesquisadores apenas recentemente começaram a explorar como a tecnologia da natureza pode ser imitada, e posta ao serviço da produção e comércio sustentáveis. A complexa biosfera auto-reguladora da Terra é, em essência, um sistema operacional brilhante que formou a vida prolífica, sem interrupção por mais de 3,5 mil milhões de anos. Ao estudar os princípios interdependentes que colectivamente representam a sustentabilidade da Terra, os líderes empresariais podem aprender a construir produtos ecologicamente correctos, que reduzem os custos de produção e demonstram ser altamente atraentes para os consumidores. Além disso, as empresas não precisam de esperar por uma revolução tecnológica verde para implementar práticas de produção que sejam sustentáveis e rentáveis, pois podem aplicar as lições da biosfera à tecnologia industrial actual. É de considerar que existem três importantes regras da biosfera e as empresas empreendedoras estão a adaptá-las, tendo lucros ambientais e económicos, existindo a necessidade de ser descritivo e não prescritivo, pois os líderes empresariais necessitarão de interpretar e traduzir a arquitectura da natureza para os seus modelos de negócios, e as empresas obviamente terão que resolver inúmeros desafios antes que essas regras possam ser totalmente implementadas. Seguir as regras vai contra a prática padrão, e a mudança é sempre difícil. Todavia, as empresas acabarão por não ter outra opção senão adaptar-se a um mundo, em que os encargos materiais e energéticos das economias em desenvolvimento, estão a sobrecarregar o nosso planeta e a criar condições de mercado voláteis. Assim com a China, Índia, Brasil e Rússia a industrializaram-se rapidamente, as procuras adicionais obrigarão as empresas a desenvolver plataformas de produção mais sustentáveis. Os primeiros impulsionadores que podem alinhar as suas estratégias de produção com as leis da natureza serão os vencedores. As regras para o sistema operacional da biosfera são construídas sobre a bio-lógica, que a natureza usa para criar a vida e estruturar os ecossistemas, e em contraste com a indústria-lógica da produção humana, que pressupõe que materiais em grande parte sintéticos devem ser montados ou moldados em formas desejadas, a bio-lógica constrói objectos de baixo para cima, contando com a nanotecnologia sofisticada para montar organismos molécula por molécula. É alimentada por nada mais que raios de sol, podendo a natureza produzir milagrosamente uma árvore ou um cacto. Este processo de vida ocorre silenciosamente e usa uma simples placa de materiais, extraídos do ar e da água, como meio de produção, sendo que a primeira regra é o uso de uma placa económica. Os elementos da tabela periódica, do actínio ao zircónio, são os blocos de construção de tudo o que vemos. Surpreendentemente, porém, dos mais de cem elementos, a natureza optou por usar apenas quatro, que são o carbono, hidrogénio, oxigénio e nitrogénio para produzir todos os seres vivos. Se adicionarmos um pouco de enxofre e fósforo, teremos 99 por cento do peso de todos os seres vivos do planeta. O teólogo escolástico inglês Guilherme de Ockham, do século XIV, derivou a sua “Lex Parsimoniae” da afirmação de Aristóteles de que quanto mais perfeita a natureza é, menos meios requer para a sua actividade, e actualmente dizemos, simplesmente, que o menos é mais ou seja, é o princípio de resolução de problemas em que a solução mais simples tende a ser a correcta, e quando apresentado com hipóteses concorrentes para resolver um problema, deve-se seleccionar a solução com o menor número de hipóteses. A simplicidade elegante da biosfera é exactamente o oposto da abordagem adoptada pelos fabricantes que aceitam prontamente cada novo material sintético, do Teflon ao Kevlar, que a ciência apresenta ao público. O impulso é compreensível e diferentes materiais, adicionam distintas características de desempenho. Se observarmos um pacote de leite, ainda que pareça uma embalagem simples, é na verdade, uma sanduíche altamente elaborada de materiais finamente fatiados, cada um desempenhando uma função diferente. A camada mais interna pode ser de um plástico especial que não reage aos componentes electrónicos e sobreposta tem uma camada de material que impede a humidade, seguida de uma fina camada de folha de metal para manter a luz solar, tendo sobreposta uma camada que aceita a impressão para mensagens de marketing. As camadas claras no exterior impedem a impressão de ser removida, e qualquer projectista habituado a usar a quase infinita série de materiais especiais da indústria sentiria o prejuízo de não retirar toda a vantagem que oferecem. É de entender que há uma razão primordial para imitar a parcimónia da natureza, pois facilita a reciclagem. (Em contraste, a fina camada de folha metálica em um invólucro de madeira não pode ser recuperada economicamente.) Além disso, a paleta simples da natureza resulta em produtos muito mais avançados do que os produzidos pela ciência industrial humana. Os moluscos produzem madrepérola duas vezes mais dura que a melhor cerâmica da ciência. As aranhas podem rolar a seda que é mais forte que o aço e leve o suficiente para flutuar ao vento. A natureza sugere que o potencial para usos inventivos de materiais facilmente reciclados é enorme. A segunda regra é o ciclo biológico da integridade. A padronização garante que as matérias-primas estejam sempre disponíveis para os organismos, e não precisam de ser enviados ou classificados. Quando um organismo morre, a biosfera recupera os seus materiais e reinsere-os nos seus processos de produção. A natureza repetidamente reutiliza esses materiais no crescimento e desenvolvimento evolucionários, continuamente fazendo-os circular. O ciclo biológico mantém o valor dos materiais entre gerações de produtos reciclados sem perda de qualidade ou desempenho. O ciclo oposto, em contraste, destrói o valor original, como quando um invólucro de computador de plástico é derretido. (continua)
Jorge Rodrigues Simão VozesPoluição atmosférica e saúde “Advances in the science of epidemiology suggest that even air that would until recently have been considered ‘clean’ may contain pollutants that are hazardous to people’s health. Moreover, in many low and middle income countries, economic growth is still associated with declining air quality.” Air Pollution and Health in Rapidly Developing Countries McGranahan and Frank Murray [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]poluição do ar causa um décimo do total de mortes no mundo e é a principal crise de saúde que enfrentamos. Lançada pela “Organização Mundial de Saúde (OMS)” e pela “Iniciativa da “Coalizão Clima e Ar Limpos (Climate and Clean Air Coalition – CCAC )” criada em 2012, a campanha global “Respirar a Vida” visa aumentar a conscientização pública sobre o impacto da poluição do ar na nossa saúde e no planeta, e criar uma rede de cidadãos, líderes urbanos nacionais e profissionais de saúde para impulsionar a mudança nas nossas comunidades. A CCAC é um programa liderado pelos governos do Canadá, Japão, México e Estados Unidos, conjuntamente, com o “Grupo de Grandes Cidades para Liderança do Clima (C40 designação abreviada na língua inglesa)”, a “International Solid Waste Association (ISWA)”, o “Programa para o Ambiente (UNEP na sigla em língua inglesa) e o Banco Mundial. A campanha destaca medidas políticas e práticas que podem ser aplicadas pelas cidades como melhoria nos sistemas de habitação, transportes, resíduos e energia ou aquelas que podem ser tomadas por indivíduos, em uma comunidade ou individualmente, como por exemplo, parar de queimar resíduos, promover espaços verdes e facilitar viagens a pé ou de bicicleta para melhorar a qualidade do ar. A melhoria dos padrões aplicados aos veículos, dando prioridade ao transporte público limpo e activo, ou usando fogões e combustíveis mais eficientes para cozinhar, iluminar e aquecer são algumas das medidas que podem salvar vidas e contribuir para salvar o planeta. Estima-se que a aplicação de uma série de medidas para reduzir poluentes poderia diminuir o número anual de mortes causadas pela poluição do ar. Todos os anos, cerca de três milhões de mortes estão ligadas à exposição à poluição atmosférica e a poluição do ar interior pode ser igualmente mortal. É de prever que, em 2018, mais de sete milhões de mortes que representam 11,5 por cento da mortalidade mundial total estão relacionadas com a poluição do ar ou de interiores. Os níveis de poluição do ar urbano, por outro lado, tendem a ser maiores em muitas cidades de baixo e médio rendimento e nos bairros degradados e pobres das cidades de alto rendimento, o que significa que a redução de poluentes pode ser particularmente benéfica para a saúde de grupos de baixo rendimento, bem como para crianças, idosos e mulheres. A poluição do ar é um assassino invisível que pode estar à espreita, por exemplo, no caminho de retorno a casa e até mesmo nas nossas casas. É de considerar que 92 por cento das pessoas que vivem nas cidades não respiram ar puro. A resolução da situação da poluição do ar global passa por haver mecanismos para melhorar a qualidade de ar. A poluição do ar, enquanto invisível, pode ser mortal. É a causa de 25 por cento de mortes por doença cardíaca; 34 por cento de mortes por derrames cerebrais e 36 por cento de mortes por cancro do pulmão. A poluição do ar representa um risco ambiental significativo para a saúde. Ao reduzir os níveis de poluição do ar, os países podem reduzir a carga de morbidade causada por derrames, cancro do pulmão e doenças pulmonares agudas e crónicas, incluindo a asma. Quanto mais baixos forem os níveis de poluição do ar, melhor será a saúde cardiovascular e respiratória da população, tanto a longo, como a curto prazo. As Directrizes da OMS sobre “Qualidade do Ar” oferecem uma avaliação dos efeitos da poluição do ar sobre a saúde, bem como os níveis de poluição que são prejudiciais à saúde. É importante recordar que em 2016, 91 por cento da população vivia em locais onde as Directrizes da OMS sobre qualidade do ar não eram respeitadas e de acordo com as estimativas do mesmo ano, a poluição do ar nas cidades e áreas rurais em todo o mundo causou mais de quatro milhões de mortes prematuras a cada ano, sendo que 91 por cento dessas mortes prematuras ocorrem em países de baixo e médio rendimento, e as maiores taxas de morbidade estão nas regiões do Sudeste Asiático e Pacífico Ocidental. As políticas e investimentos para apoiar os meios de transporte menos poluentes, habitação com eficiência energética, geração de electricidade e melhor gestão de resíduos industriais e urbanos reduziriam importantes fontes de poluição do ar nas cidades. Além da poluição do ar, a fumaça interna representa um sério risco para a saúde de cerca de três mil milhões de pessoas que cozinham e aquecem as suas casas com biomassa e carvão. A poluição do ar representa um risco ambiental significativo para a saúde, seja em países desenvolvidos ou em países em desenvolvimento. É de prever que a poluição ambiental do ar, tanto nas cidades como nas áreas rurais, causa milhões de mortes prematuras em todo o mundo por ano e esta mortalidade é devida à exposição a pequenas partículas de 2,5 microns ou menos de diâmetro (PM2,5), que causam doenças cardiovasculares, respiratórias e cancro. As pessoas que vivem em países de baixo e médio rendimento suportam de forma desproporcional o ónus da poluição do ar externo. As últimas avaliações do ónus da doença reflectem o papel muito importante do desempenhado pela poluição do ar em doenças cardiovasculares e mortes. Há cada vez mais evidências para mostrar as ligações entre a poluição do ar ambiente e o risco de doenças cardiovasculares, incluindo estudos em áreas altamente poluídas. A OMS estima que, em 2016, aproximadamente 58 por cento das mortes prematuras relacionadas à poluição do ar foram devidas a doença isquémica do coração e acidente vascular cerebral, enquanto 18 por cento das mortes foram devidas a doença pulmonar obstrutiva crónica e infecções respiratórias agudas, e 6 por cento das mortes foram devidas a cancro do pulmão. É facto que algumas mortes podem ser atribuídas a mais de um factor de risco ao mesmo tempo, como por exemplo, tanto ao uso do tabaco como da poluição do ar ambiente, podendo causar cancro do pulmão e algumas das mortes por esta doença, poderiam ter sido evitadas melhorando a qualidade do ar ambiente ou reduzindo o consumo de tabaco. A avaliação realizada em 2013 pelo “Centro Internacional de Investigação do Cancro da OMS”, concluiu que a poluição do ar livre é carcinogénica para os seres humanos e que partículas do ar contaminado estão intimamente relacionadas à incidência crescente de cancro e também foi observada, uma relação entre a poluição do ar e o aumento do cancro do trato urinário e bexiga. É importante abordar todos os factores de risco de doenças não transmissíveis, incluindo a poluição do ar, pois é essencial para proteger a saúde pública. A maioria das fontes de poluição do ar exterior está fora do controlo das pessoas e exigem medidas por parte das cidades, bem como dos órgãos reguladores nacionais e internacionais em sectores como o transporte, gestão de resíduos, energia, construção e agricultura. É de atender que existem inúmeros exemplos de políticas bem-sucedidas relacionadas com os sectores de transportes, planeamento urbano, produção de electricidade e indústria, que permitem reduzir a poluição do ar. O uso de tecnologias limpas na indústria, permite reduzir as emissões de chaminés industriais, bem como outras medidas que passam pela melhoria na gestão de resíduos urbanos e agrícolas, incluindo a recuperação de gás metano em aterros sanitários como alternativa à incineração para ser usado como biogás; na energia, garantir o acesso a soluções energéticas domésticas limpas e acessíveis para cozinhar, aquecer e iluminar; nos transportes, pela adopção de métodos limpos de produção de electricidade; dar prioridade ao transporte rápido urbano, percursos pedestres e de bicicleta nas cidades, e ao transporte de longa distância de carga e passageiros por via-férrea. O uso de veículos pesados a diesel mais limpos e veículos e combustíveis de baixa emissão, especialmente combustíveis com baixo teor de enxofre seria altamente benéfico, assim como o planeamento urbano pela melhoria da eficiência energética dos edifícios e concentração das cidades para alcançar maior eficiência; na produção de electricidade pelo aumento do uso de combustíveis de baixa emissão e fontes renováveis de energia sem combustão como a solar, eólica ou hidroeléctrica; na produção conjunta de calor e electricidade e produção distribuída de energia, como por exemplo, a produção de electricidade através de pequenas redes e painéis solares. A gestão de resíduos urbanos e agrícolas implica estratégias de redução, separação, reciclagem e reutilização ou reprocessamento de resíduos, bem como a melhoria da gestão de resíduos biológicos como a digestão anaeróbia para a produção de biogás, através de métodos viáveis e alternativas económicas substituindo métodos de incineração de resíduos sólidos. Quando a incineração é inevitável, será crucial usar tecnologias de combustão e controlo de emissão rigorosas. Além da poluição do ar, a fumaça interna representa um sério risco para a saúde de cerca de milhares de milhões de pessoas e cerca de cinco milhões de mortes prematuras em 2017 foram atribuídas à poluição do ar em residências e quase todas ocorreram em países de baixo e médio rendimento. As Directrizes da OMS sobre “Qualidade do Ar”, publicadas em 2005, fornecem orientações gerais sobre limites para os principais poluentes atmosféricos que acarretam riscos para a saúde. As Directrizes indicam que, ao reduzir a poluição por matéria particulada (PM 10) de 70 para 20 microgramas por metro cúbico (μg/m), é possível reduzir em 15 por cento o número de mortes relacionadas com a poluição do ar. As Directrizes são aplicadas em todo o mundo e baseiam-se na avaliação, realizada por especialistas, das evidências científicas actuais sobre (PM), ozono (O3) dióxido de azoto (NO2) e dióxido de enxofre (SO2), em todas as regiões da OMS. As Directrizes da OMS para “Qualidade do Ar” estão actualmente em revisão e devem ser publicadas até 2020. A OMS assiste os Estados Membros no intercâmbio de informações sobre abordagens bem-sucedidas para métodos de avaliação da exposição e monitoramento das consequências para a saúde praticadas pela poluição. A OMS lidera o Grupo de Trabalho Conjunto sobre os “Aspectos Sanitários da Poluição Atmosférica” no âmbito da “Convenção sobre a Poluição Atmosférica Transfronteiriça a Longa Distância”, que visa avaliar os efeitos na saúde de tal poluição e fornecer documentação de apoio. O “Programa Pan-Europeu Transportes, Saúde e Ambiente”, co-patrocinado pela OMS, desenvolveu um modelo de cooperação regional e multissectorial entre os Estados-Membros, a fim de mitigar a poluição atmosférica e as consequências para a saúde relacionadas com o sector dos transportes, sendo fundamental desenvolver instrumentos para avaliar os benefícios para a saúde derivados dessas medidas de mitigação. A educação ambiental é uma das ferramentas fundamentais para ajuda à preservação das componentes do ambiente natural e de prevenção dos componentes ambientais humanos nos quais a poluição se insere. A educação ambiental é um processo que permite que os indivíduos explorem as questões ambientais, e se envolvam na solução de problemas e tomem medidas para melhorar o meio ambiente. Como resultado, os indivíduos desenvolvem uma compreensão mais profunda das questões ambientais e têm as habilidades para tomar decisões informadas e responsáveis. Os componentes da educação ambiental são a conscientização e sensibilidade ao meio ambiente e desafios ambientais; o conhecimento e compreensão do meio ambiente e desafios ambientais; as atitudes de preocupação com o meio ambiente e motivação para melhorar ou manter a qualidade ambiental, as habilidades para identificar e ajudar a resolverem os desafios ambientais e a participação em actividades que levem à resolução de desafios ambientais. A educação ambiental não defende um ponto de vista ou um curso de acção específico. Em vez disso, a educação ambiental ensina as pessoas a pesar os vários lados de um problema através do pensamento crítico e aprimora as suas próprias habilidades de resolução de problemas e de tomada de decisões. A educação ambiental é mais do que informações sobre o meio ambiente, pois aumenta a conscientização pública e o conhecimento das questões ambientais; fornece factos ou opiniões sobre questões ambientais, ensina os indivíduos a pensar criticamente e aumenta as habilidades de resolução de problemas e tomada de decisão dos indivíduos. Jorge Rodrigues Simão Destaque As pessoas que vivem em países de baixo e médio rendimento suportam de forma desproporcional o ónus da poluição do ar externo.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA guerra das tarifas alfandegárias “The biggest single thing that has lifted people out of poverty is free trade.” George Osborne [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] escritor Mark Twain afirmou que a história não se repete, mas rima. As tarifas alfandegárias estão de volta, depois de um longo exílio, e estão a ser aplicadas em milhares de milhões de dólares de produtos comercializados, que vão desde o aço e alumínio até motociclos Harley-Davidson e fazem parte de uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, e entre os Estados Unidos e a “União Europeia (UE) ”, ainda que na reunião realizada entre o presidente Donald Trump e presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, a 25 de Julho de 2018, em Washington, conduziu a um entendimento em que a administração americana vai renegociar as taxas aduaneiras e barreiras ao comércio com a UE, podendo aliviar algumas tensões. As duas partes vão trabalhar em conjunto para estabelecer uma relação comercial livre de taxas alfandegárias, livre de barreiras e de subsídios para bens industriais. O acordo Estados Unidos-UE irá reforçar as trocas comerciais nos serviços, indústrias químicas, farmacêutica, de produtos médicos e agrícolas, destacando neste domínio a integração do comércio de soja, pois os Estados Unidos são os maiores produtores mundiais deste bem agrícola. Existe a esperança em uma solução para as pesadas taxas aduaneiras que os Estados Unidos passaram a aplicar ao aço e alumínio importados a partir da UE, bem como para as taxas que esta, em retaliação, passou a aplicar a diferentes bens americanos, desde os “jeans” ao uísque. A Alemanha recebeu com bom agrado os resultados da reunião pois a indústria automóvel receava a promessa do presidente Trump de passar a aplicar taxas de 25 por cento, sobre os carros importados. O acordo até ser implementado depois das negociações que se vão encetar, contempla a não imposição de taxas adicionais, que podem evitar uma guerra comercial e salvaguardar milhões de postos de trabalho, sendo excelente para a economia mundial. O outro ponto essencial da reunião é a concordância na reestruturação da “Organização Mundial de Comércio (OMC)”. As empresas americanas do sector automóvel, que registaram quedas fortes na sua cotação bolsista, não só têm vindo a queixar-se do impacto da subida das taxas sobre o alumínio e o aço que são matérias-primas importantes para a sua indústria, como também não concordam com taxas mais altas sobre as importações, dado terem muitas fábricas no Canadá e no México e também importam componentes da Europa para as suas fábricas nos Estados Unidos. As tarifas são impostas por um país que torna as importações mais caras. Os Estados Unidos promulgaram essa recente rodada de tarifas como uma resposta ao seu deficit comercial (quando um país compra mais do exterior do que vende). A ideia é tornar os produtos estrangeiros menos desejáveis e, assim, proteger a indústria doméstica. É de recordar que os maiores economistas da história teriam receio de impor impostos para enfrentar um desequilíbrio comercial. A melhor forma de reduzir o deficit comercial é exportar mais e não reduzir as importações tornando-as mais caras. O uso de tarifas para melhorar a posição comercial de um país, foi essencialmente o que a Grã-Bretanha rejeitou há mais de um século. O argumento foi derrotado devido ao trabalho de dois grandes economistas, Adam Smith, pai da economia, e David Ricardo, o pai do comércio internacional. Quando o Reino Unido revogou a “Leis dos Cereais (ou Corn Laws em Inglês)” foram as tarifas sobre a importação de cereais na Grã-Bretanha, em vigor entre 1815 e 1846 para proteger os preços britânicos dos grãos nacionais contra a concorrência de importações. Tal leis são frequentemente vistas como exemplos do mercantilismo britânico, porque foram projectadas para proteger os proprietários ingleses, promovendo a exportação e limitando a importação de grãos, quando os preços caíram abaixo do ponto de referência e foram finalmente abolidos devido à agitação militante da “Anti-Corn Law League”, criada em Manchester em 1839, que argumentava que as leis que constituíam um subsídio aumentavam os custos industriais. Após uma campanha prolongada, os opositores da tarifa finalmente obtiveram o que queriam em 1846, um triunfo significativo que era indicativo do novo poder político da classe média inglesa. Assim, a sua abolição marcou um avanço significativo em direcção ao livre comércio. A “Leis dos Cereais” aumentaram os lucros e o poder político associado dos latifundiários e era uma legislação proteccionista, que em 1846, marcou uma era de maior abertura para a Grã-Bretanha, então o operador dominante no mundo. Ao contrário de muitos economistas, Adam Smith teve a oportunidade de colocar as suas teorias em prática e como comissário de alfândega da Escócia, defendia a remoção de todas as barreiras comerciais, qualificadas apenas pela necessidade de arrecadar receitas, para o que considerava serem os propósitos apropriados de governar um país, como fornecer estradas. O economista Adam Smith apoiou a cobrança de impostos sobre as importações e exportações a um nível moderado, mas não tão alto que o contrabando seria uma actividade lucrativa e fiel às crenças de que sobre políticas governamentais que não distorcem o mercado, estabeleceu, que os deveres fossem iguais para diferentes produtores e importadores, de modo a que um grupo ou um país não teria uma vantagem sobre o outro, tendo por exemplo, observado a iniquidade de isentar o produto da fabricação e destilação privada (que era absorvida pelos ricos) do imposto especial de consumo, enquanto cobrava as gorjetas preferidas dos pobres. Assim, se as tarifas fossem necessárias, deveriam tratar todos os comerciantes e nações comerciais da mesma forma, de modo a não distorcer a “mão invisível” (a sua contribuição mais notável na sua obra “Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações”) do mercado, alocando o que os produtores deveriam fazer. Os economistas posteriores, desviaram-se de Adam Smith no desenvolvimento de novas linhas de pesquisa, mas mantiveram os seus juízos. Inspirado pela riqueza das nações, David Ricardo desenvolveu a teoria da vantagem comparativa, que mostra que as nações devem especializar-se e depois comercializar, o que levou a uma maior prosperidade. É de considerar, que no século XX, grandes economistas como Paul Samuelson, aumentaram ainda mais a nossa compreensão do comércio internacional, destacando que há aqueles que beneficiam mais e outros que beneficiam menos quando uma nação se especializa, mesmo que a economia ganhe em geral. Assim, o seu trabalho destaca o impacto distributivo do comércio e aponta formas de ajudar os perdedores da globalização. É de considerar que mesmo que a nossa compreensão das questões em torno do comércio tenha evoluído, os princípios centrais estabelecidos pelos grandes economistas de há dois séculos permanecem. As tarifas são uma medida proteccionista que é ineficiente, e também distorcida se impostos mais altos em algumas importações significam que se tornam menos competitivos em relação a outros. Os países usaram frequentemente o proteccionismo para fomentar indústrias domésticas, até que possam competir com empresas estabelecidas. Este foi o caso dos Estados Unidos no século XIX, quando competiram contra a Grã-Bretanha, e ainda é o caso da China em vários sectores. A China, em particular, não é tão aberta ao comércio como os Estados Unidos e a UE, que tem sido uma constante queixa das empresas ocidentais, e a China tem sido medida nas suas respostas a cada rodada de tarifas americanas. Os Estados Unidos estão a ameaçar impor tarifas sobre quase todas as exportações chinesas, a menos que a situação comercial Estados Unidos-China melhore. O presidente dos Estados Unidos, a 20 de Julho de 2018, afirmou que estaria disposto a impor tarifas sobre todos os quinhentos mil milhões de dólares de produtos importados da China, ameaçando intensificar um conflito sobre a política comercial que abalou os mercados financeiros. Os seus comentários preocuparam os investidores que já estavam a enfrentar o impacto do fortalecimento do dólar americano nos resultados corporativos, e os principais índices de acções na “Wall Street” caíram no mesmo dia. O dólar americano caiu contra as principais moedas sobre a ameaça do presidente Trump de impor mais tarifas de importação, e a repetição de reclamações sobre o aumento das taxas de juros e a força do dólar americano. O “índice do dólar (DXY na sigla em língua inglesa)”, é um índice que mede o valor do dólar em relação a um cabaz de seis principais moedas. É uma média geométrica ponderada do valor do dólar comparado ao euro, iene, libra, dólar canadiano, coroa sueca e franco suíço e estava prestes a registar a sua maior perda em um dia, no espaço de três semanas. O dólar contra o iene, estava a caminho da sua pior queda diária em dois meses. O DXY foi estabelecido em Março de 1973, logo após o desmantelamento dos acordos de Bretton Woods e inicialmente, o valor do índice do dólar era 100. O dólar, desde então, atingiu altas de pouco mais de 160 e um mínimo de cerca de 71, a 16 de Março de 2008. A composição do cabaz foi alterada apenas uma vez, porque várias moedas de países europeus foram substituídas pelo euro desde 1999. O DXY é actualizado sempre que os mercados estão abertos. A China não poderá facilmente retaliar de maneira semelhante, já que não importa quinhentos mil milhões de dólares de produtos dos Estados Unidos. A China poderia optar pela imposição de restrições de investimento, o que seria muito prejudicial, uma vez que distorceriam as cadeias de suprimentos e as decisões operacionais de empresas multinacionais, o que não seria facilmente revertido, ao contrário das tarifas, que podem ser cobradas um dia e removidas no dia seguinte. Existem alguns sinais de que o investimento foi afectado pelas tensões comerciais. A fabricante de circuitos integrados “Qualcomm”, americana, retirou a sua oferta de quarenta e quatro mil milhões de dólares pela “NXP Semiconductors”, holandesa, a 26 de Julho de 2018, por não conseguir a aprovação dos reguladores “antitrust” da China para a maior aquisição da indústria de circuitos integrados, tornando-se a vítima de maior visibilidade, desde o início da guerra entre as duas economias. O acordo de fusão expirou quase vinte e um meses após a “Qualcomm” se ter oferecido para comprar a fabricante holandesa de circuitos integrados. O silêncio da China sobre a aquisição levou a empresa americana a acreditar de que a aprovação não seria dada, dado o acordo ser eficaz no maior mercado consumidor do mundo. O acordo global de aquisição tinha sido aprovado pelas entidades reguladoras dos Estados Unidos e da UE. A distorção adicional do comércio, que ocorre em parte por meio de empresas que investem em cadeias de suprimento/distribuição e realizam fusões e aquisições através das fronteiras nacionais, seria algo que os grandes economistas se oporiam. Afinal, há consenso que o comércio internacional beneficia uma economia. A “Iniciativa sobre Mercados Globais (IGM na sigla em língua inglesa) é um centro de pesquisa, na Escola de Negócios Booth da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. A IGM apoia pesquisas originais sobre negócios internacionais, mercados financeiros e políticas públicas. A IGM é ainda famosa pelas pesquisas semanais que conduz no seu “Economics Experts Panel”, um painel composto por cinquenta e um economistas líderes nas universidades dos Estados Unidos. A IGM colocou duas questões acerca do livre comércio, sendo a primeira para saber se o comércio mais livre beneficia a eficiência produtiva e oferece aos consumidores melhores escolhas e, a longo prazo, se esses ganhos são muito maiores do que quaisquer efeitos sobre o emprego, tendo 56 por cento dos participantes concordado, 26 por cento, concordado plenamente e 5 por cento de duvidosos. A segunda pergunta era a de saber se os cidadãos dos Estados Unidos, em média, estiveram em melhor situação com o “Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA na sigla em língua inglesa)” do que teriam se as regras comerciais para os Estados Unidos, Canadá e México anteriores ao NAFTA tivessem permanecido, tendo 63 por cento dos participantes concordado, 22 por cento concordado plenamente e 5 por cento de duvidosos. O NAFTA foi assinado pelos líderes do Canadá, Estados Unidos e México a 7 de Outubro de 1992, mas apenas entrou em vigor a 1de Janeiro de 1994 depois de um agitado processo de confirmação por parte dos Estados Unidos, onde a xenofobia, etnocentrismo e o preconceito de certos sectores políticos ofereceram enormes obstáculos. O NAFTA criou uma zona de livre comércio na qual tarifas e outras barreiras ao comércio de bens e serviços e recursos financeiros serão gradualmente eliminadas em um período de quinze anos, mas era de prever que a maior parte das liberalizações ocorresse nos primeiros cinco anos. Os grandes economistas provavelmente diriam que há melhores maneiras de beneficiar a posição comercial de um país, como a abertura do mercado global para o comércio de serviços. Tal beneficiaria desproporcionalmente os Estados Unidos como o maior exportador de serviços em todo o mundo, competindo bem, mesmo com as barreiras comerciais em vigor. Se a China abrisse mais o seu sector de serviços, como já está a proceder com prudência, poderia aumentar as exportações dos Estados Unidos para a China e reduzir o deficit comercial, por exemplo. O Reino Unido, o segundo maior exportador, e outras economias avançadas, como a UE e o Japão, também verão uma melhoria na sua posição comercial, dado que a maior parte dessas economias avançadas compreende serviços. Mesmo considerando o facto de que os serviços nem sempre são negociados (por exemplo, restaurantes), a UE apontou vender mais serviços que reflictam melhor o que produz. A economia da UE é de 70 por cento de serviços, enquanto os mesmos representam apenas um quarto das exportações. O ideal seria vender mais, em vez de importar menos (e, portanto, consumir menos ou produzir com componentes mais caros), que é uma das lições a retirar dos maiores economistas da história e daí se defender a abertura de mercados em todo o mundo para que os países pudessem vender mais do que produzem, o que traria uma maior prosperidade. As suas percepções continuam a sustentar a economia actual. A política, no entanto, tem outra visão.
Jorge Rodrigues Simão PerspectivasA ligação entre o ambiente, conflitos e segurança “There are two directions the connection between conflict and the environment can take that influence security. The degradation of the environment can cause conflict and a reduction in security; or conflict can destroy the resources and services provided by the environment, which also compromises security.” The Blue Marble Report, W. Douglas Smith [dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] evolução da situação estratégica global após a Guerra Fria, sugere a necessidade de expandir a definição de segurança nacional, para incluir ameaças ambientais à estabilidade. Durante as duas últimas décadas, houve uma mudança dramática na forma como percebemos o cenário da segurança nacional contemporânea. Os líderes de organizações governamentais e não-governamentais, vêm progressivamente a aceitar que os efeitos nocivos das alterações climáticas e outros factores ambientais, estão a expor as sociedades vulneráveis à instabilidade e ao potencial conflito violento. A percepção alterada das ligações entre os problemas ambientais globais e os desafios económicos e demográficos, emergiu como uma base para a interpretação de conflitos e segurança. O “Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em língua inglesa)”, dedicou um grande esforço para avaliar a vulnerabilidade das populações humanas, resultante da exposição aos efeitos adversos das alterações climáticas. O “Quarto Relatório de Avaliação do IPCC”, que examina a questão da exposição, adaptação e vulnerabilidade, sugere que os países e as sociedades, especialmente no mundo em desenvolvimento, terão dificuldade em se adaptar à pressão das alterações climáticas em um futuro não muito distante. A adaptação e a resiliência serão prejudicadas pela falta de capacidade, e as pessoas mais atingidas serão aquelas que vivem na pobreza e dentro dos “Estados falhados”, como sendo aqueles em que o governo é ineficaz e não consegue manter o controlo sobre o território, e que tem como consequência altas taxas de criminalidade, corrupção endémica, um enorme mercado informal, poder judiciário ineficaz, interferência militar na política, além da presença de grupos armados paramilitares ou organizações terroristas que controlam parte ou todo o território, como o Sudão do Sul, Somália e República Centro-Africana. O cientista político dinamarquês, George Sorensen, no seu estudo “Newest wars, newest peaces. Conceptual and political challenges” utiliza o conceito de “Estados frágeis”, para descrever um conjunto de Estados com instituições e processos económicos e políticos enfraquecidos, reservando o termo de “Estado falhado” para casos em que essa fragilidade se intensifica. O “Fundo para a Paz” que é uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, americana, que tem por objectivo a pesquisa e o ensino e foi fundada em 1957, que trabalha para prevenir conflitos violentos e promover a segurança sustentável, considerou como primeiros vinte “Estados frágeis” entre um universo de cento e setenta e oito países, o Sudão do Sul, Somália, Iémen, Síria, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Sudão, Chade, Afeganistão, Zimbabué, Iraque, Haiti, Guiné, Nigéria, Etiópia, Guiné-Bissau, Quénia, Burundi, Eritreia e Paquistão. A segurança ambiental refere-se a uma série de questões de segurança, accionadas ou intensificadas por factores ambientais, como alterações climáticas, recursos, factores demográficos, desastres naturais e práticas não sustentáveis. A perturbação ou pressão ambiental tem o potencial de desestabilizar os Estados, especialmente, no mundo em desenvolvimento, porque são caracteristicamente mais dependentes do ambiente para a produtividade económica, e não têm a resiliência para superar esses desafios. Tal perspectiva refinou consideravelmente a lente, pela qual vemos o ambiente, como uma variável no cálculo da segurança nacional. À medida que as procuras populacionais e económicas aumentam, e os efeitos adversos das alterações climáticas se tornam mais aparentes, colectivamente, esses problemas podem perturbar as populações vulneráveis na medida em que erodem a legitimidade governamental, tornando-as mais vulneráveis à instabilidade e conflito. Há quem conteste a relação entre o ambiente e o conflito, e sugerem que o conflito violento resulta apenas de factores políticos e militares. É difícil de identificar conflitos em que as condições ambientais são os factores causais. No entanto, embora os pormenores de um conflito potencial desencadeado por factores ambientais não possam ser previstos, o registo histórico fornece directrizes úteis, porque a evidência é clara de que essa ligação existe. Qualquer perspectiva de segurança ambiental não tem por objectivo afirmar que a natureza do conflito é nova; ao contrário, sugere que, como a perturbação e a pressão ambiental estão a piorar, é de prever um aumento na frequência dos conflitos com uma componente ambiental. Além disso, os efeitos das alterações climáticas não são restritos pelos limites do Estado. As pesquisas, de facto, demonstram que os Estados desenvolvidos e em desenvolvimento são vulneráveis à instabilidade. No entanto, os dados sugerem claramente que o problema está espacialmente concentrado, e grandemente ampliado no mundo em desenvolvimento, e esses Estados são mais vulneráveis, porque sofrem de diversas variáveis ambientais e humanas persistentes, como a degradação ambiental, redução da produção agrícola, declínio económico, má governança, crescimento populacional, deslocamento e a ruptura civil. É de considerar que identificar Estados em risco de instabilidade e violência por causas ambientais, envolve uma ampla e complexa gama de questões de segurança, particularmente se a definirmos de forma muito ampla. O escopo da segurança ambiental, deve concentrar-se exclusivamente, em como o ambiente afecta o conflito, ou seja, o nexo conflito-ambiente que deve ser observado a partir de uma variedade de perspectivas, (por exemplo, a água, alterações climáticas, áreas urbanas) e de diferentes escalas (local a global). O problema que enfrentamos é de que o número de “Estados falhados” está a aumentar, e são mais vulneráveis à instabilidade causada pela perturbação e pressão ambiental, porque sofrem de quatro efeitos causalmente relacionados, como sejam a redução da produção agrícola, declínio económico, deslocamento da população e a perturbação civil, e esses efeitos determinam a vulnerabilidade e adaptabilidade de uma sociedade. A percepção do cenário da segurança nacional, desde o fim da Guerra Fria, evoluiu e as ligações entre o ambiente, instabilidade política e o conflito violento, isto é, segurança ambiental, tornaram-se um paradigma cada vez mais aceite nos assuntos de segurança. A segurança ambiental refere-se a uma ampla gama de questões de segurança desencadeadas ou exacerbadas por factores demográficos e ambientais, como competição por recursos, crescimento populacional e deslocamento, doenças, desastres naturais, alterações climáticas e ambientais, escassez de recursos e práticas não sustentáveis. Durante as últimas duas décadas, houve uma mudança nos meios governamentais e também na percepção da comunidade académica dos problemas ambientais globais, e da sua ligação com sociedades desestabilizadoras. Os relatórios do IPCC de 2007, 2012 e 2014 demonstram o grande esforço a avaliar a vulnerabilidade das populações humanas, resultante da exposição aos efeitos adversos das alterações climáticas. Assim, o ambiente emergiu como uma base para interpretar conflitos e segurança, e torna-se mais complicado porque o paradigma da segurança ambiental abrange uma ampla e complexa série de questões de segurança, se a definirmos de forma muito ampla para incluir o bem-estar social, ambiental, social e económico. Os problemas são ampliados por causa dos efeitos adversos persistentes e problemáticos da alteração climática global, segundo o relatório do IPCC de 2014. Além disso, a dinâmica da globalização eliminou a barreira da distância e criou expectativas no mundo em desenvolvimento do crescimento económico, intensificando, a lacuna entre os Estados desenvolvidos e em desenvolvimento. Apesar de o relatório do IPCC de 2012 indicar que todos os países são vulneráveis às alterações climáticas, os Estados em desenvolvimento são consistentemente mais vulneráveis, o que aguça a lente pela qual vemos o ambiente como uma variável no cálculo da segurança nacional. À medida que as populações crescem e as procuras económicas aumentam, e os efeitos adversos das alterações climáticas se manifestam nos Estados que enfrentam problemas de governança, os efeitos combinados desses problemas podem exceder os recursos naturais, a base económica do Estado e corroer a legitimidade governamental, tornando-os assim mais vulneráveis a conflitos. A prevalência do nexo clima-ambiente, também sugere que a resolução pacífica continuada de conflitos desencadeados pelo ambiente é inconsistente com as realidades do cenário de segurança nacional emergente. Dadas estas circunstâncias, é plausível que testemunhemos um surto de três tipos de conflito relacionados com o nexo entre o ambiente e o conflito, como sejam os conflitos internos causados por perturbação ou pressão ambiental e tendências demográficas; a guerra civil causada por colapso governamental e/ou fracasso económico e conflitos interestaduais de escala limitada, e essa avaliação está relacionada a três realidades persistentes. É de atender primeiro, que as alterações climáticas estão a ampliar os factores demográficos e ambientais existentes, além da capacidade adaptativa de muitos Estados. Segundo, a proliferação de Estados falidos reduziu a resiliência e o potencial de resolução diplomática em muitas regiões. Finalmente, a competição por recursos essenciais, tem sido exacerbada pelo crescimento populacional e pela globalização em muitas regiões. Assim, é de defender que os factores ambientais, provavelmente, fornecerão um ponto de inflexão que levará a conflitos violentos em regiões que podem estar à beira da instabilidade. O nexo conflito-ambiente gerou uma preocupação especial no governo dos Estados Unidos. A “Revisão Quadrienal de Defesa” de 2014, o Departamento de Defesa indicou que, as pressões causadas pelas alterações climáticas influenciarão a competição por recursos, ao mesmo tempo que sobrecarregarão as economias, as sociedades e as instituições de governança em todo o mundo. Esses efeitos são multiplicadores de ameaças que agravarão as perturbações e pressões no exterior, como a pobreza, degradação ambiental, instabilidade política e tensões sociais, condições que podem permitir a actividade terrorista e outras formas de violência. Assim, com conflitos relacionados com o meio ambiente e desastres humanitários na Somália, Ruanda, Timor Leste, Haiti, Banda Achém, Síria e Darfur, o uso de recursos ocidentais e das Nações Unidas (ONU) e força militar para abordar as dimensões humanitárias do conflito regional, está bem estabelecido, e parece que as alterações ambientais e a escassez de recursos podem estar a contribuir para a instabilidade e a violência. É necessário usar do princípio da prudência, pois a perspectiva de segurança ambiental não afirma que a natureza do conflito é nova, e não se deve especular que as ligações causais entre variáveis ambientais e conflito são deterministas. Ao invés, é de propor que conflitos potenciais, relacionados a factores ambientais não podem ser previstos com exactidão, sendo no entanto de sugerir, que podemos determinar quais os Estados que são mais vulneráveis, dado um conjunto de variáveis. O nexo conflito-ambiente abrange um amplo conjunto de factores que põem em risco a segurança humana; e muitos processos antropogénicos combinam-se com processos naturais de condições ambientais, para permitir a instabilidade resultante de ignorância, acidente, má administração ou programas mal estudados. No entanto, o problema é de que o delineamento de factores que contribuem para a instabilidade ambiental, é um método inexacto que envolve a análise de risco ambiental, com base em vínculos complicados entre processos humanos e naturais. Logo, é útil estabelecer uma estrutura ou modelo para delinear os vários factores, que estão a operar em uma região e quais as análises convincentes que podem ser feitas. É certo que poucas ameaças à paz e à sobrevivência da comunidade humana, são maiores do que aquelas apresentadas pelas perspectivas de degradação cumulativa e irreversível da biosfera da qual a vida humana depende. O “Relatório da Comissão Brundtland” de 1987, afirma que a nossa sobrevivência depende não apenas do equilíbrio militar, mas da cooperação global para garantir um ambiente sustentável. Os Estados são susceptíveis ao nexo conflito-ambiente, porque a exposição aos efeitos adversos das alterações ambientais pode desestabilizar os governos e as sociedades, tornando-os assim cada vez mais vulneráveis. No entanto, a ligação entre o ambiente e o conflito é uma questão polémica, e continua a inspirar a discussão nos círculos académicos e profissionais. No entanto, pesquisas contemporâneas sugerem que factores climáticos e ambientais estão a contribuir para a instabilidade política e a violência. No cerne da questão, estão três factores críticos e inter-relacionados. O primeiro factor deve-se aos efeitos adversos da mudança climática e ambiental que estão a ter um efeito mais difundido e debilitante, sobre as pessoas e governos, corroendo, assim, a sua capacidade de adaptação, conforme descreve o relatório do IPCC de 2012. O segundo factor deve-se à governança, pois o número de Estados falidos está a crescer e a capacidade adaptativa, bem como a estabilidade estão fortemente ligadas à governança. Os Estados falidos são problemáticos, porque têm grandes áreas que estão fora do controlo governamental efectivo e são, portanto, severamente afectados por desastres humanitários, perturbação e pressão ambiental e conflitos internos. O terceiro factor é económico. A pobreza aos níveis nacional e familiar intensifica a vulnerabilidade à perturbação e pressão ambiental e degrada a resiliência. É de esperar que este dilema se agrave durante as próximas décadas, dado que a população global excederá nove mil milhões pessoas e, para manter este ritmo de crescimento, a produção económica terá que quintuplicar. A perturbação e pressão ambiental estão a ter um efeito fundamental na estabilidade, porque o bem-estar económico de mais de três mil e quinhentos milhões de pessoas, que representam cerca de metade da população mundial, está ligado à terra e logo os factores como produtividade agrícola, água, combustível e desmatamento são indicadores ambientais cruciais; especialmente, tendo em conta os problemas duplos de crescimento populacional e alterações climáticas, conforme afirma o relatório do IPCC de 2007. A seca, desertificação, desmatamento, erosão do solo e o esgotamento de recursos naturais são problemas importantes em muitas regiões, mas especialmente no mundo em desenvolvimento, onde a exposição aos efeitos adversos das alterações ambientais é de grande importância, porque quase 75 por cento dos habitantes mais pobres do mundo são agricultores de subsistência que enfrentam uma queda na produtividade. Tais dinâmicas têm consequências importantes para a segurança e representam um potencial para minar os Estados que não têm suporte de recursos naturais, força institucional e resiliência para enfrentar esses desafios. No entanto, é atípico que as ligações entre o ambiente e o conflito sejam directa e absolutamente geradoras, pois os fenómenos ambientais contribuam para os conflitos, mas raramente são as únicas causas.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA era digital “We’re moving to this integration of biomedicine, information technology, wireless and mobile now – an era of digital medicine. Even my stethoscope is now digital. And of course, there’s an app for that.” The Future of Medicine, Where Can Technology Take Us? Daniel Kraft [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m uma cena famosa do filme de 1967, “A Primeira Noite”, um amigo da família deixa de lado o personagem de Dustin Hoffman, Benjamin Braddock, e sussurra em tom conspiratório que existe um grande futuro nos plásticos. Se o filme tivesse sido realizado em outra época, o conselho ao jovem Braddock poderia ser diferente, e ter sido aconselhado a envolver-se em caminhos-de-ferro, negócios com electrónica ou simplesmente a ir para o Oeste, pois todas as idades têm situações que parecem novas e maravilhosas na época, mas frouxas e banais para as gerações futuras. A tecnologia digital é a última moda porque, depois de décadas de desenvolvimento, tornou-se incrivelmente útil. Ainda assim, quem observe melhor, poderá ver os contornos da sua inevitável descida ao mundano. As pessoas precisam de começar a preparar-se para uma nova era de inovação em que diferentes tecnologias, como a genómica, ciência dos materiais e a robótica, se destacam e para entender o que está a acontecer, é necessário observar as tecnologias anteriores. A ascensão da electricidade, por exemplo, começou no início da década de 1830, quando Michael Faraday inventou o dínamo eléctrico e o motor. Ainda assim, só cinquenta anos depois, Edison abriu a sua primeira fábrica e quarenta anos passados, durante a década de 1920, a electricidade começou a ter um impacto mensurável na produtividade. Toda a tecnologia segue um caminho semelhante de descoberta, engenharia e transformação. No caso da electricidade, Faraday descobriu novos princípios, mas ninguém realmente sabia como torná-los úteis, dado que primeiro tinham que ser entendidos suficientemente bem, para que pessoas como Edison, Westinghouse e Tesla, pudessem descobrir como fazer produtos que as pessoas estariam dispostas a comprar. Todavia, realizar uma verdadeira transformação exige mais do que uma única tecnologia, pois as pessoas precisam de mudar os seus hábitos, e então as inovações secundárias necessitam de entrar em jogo. É de considerar que para a electricidade, as fábricas precisavam de ser redesenhadas e o trabalho tinha que ser re-imaginado, antes de começar a ter um impacto económico real, e os electrodomésticos, radiocomunicações e outros produtos mudaram a vida conforme a conhecíamos, o que levou algumas décadas. O nosso mundo foi completamente transformado pela tecnologia digital. Seria difícil explicar a alguém que olhava para um computador de grande porte da IBM nos anos 1960, que algum dia máquinas semelhantes substituiriam livros e jornais, nos dariam recomendações sobre onde comer e instruções sobre como lá chegar, e até mesmo falar connosco, mas actualmente tais aplicações fazem parte dos nossos hábitos quotidianos. É de considerar que ainda hoje existem várias razões para acreditar que o crepúsculo da era digital paira sobre nós, o que não significa qualquer tipo de argumentação de que deixaremos de usar a tecnologia digital, pois afinal, ainda usamos a indústria pesada, não significando que ainda estamos na “Era Industrial”. Existem três razões principais para mencionar que a era digital está a terminar, sendo a primeira a tecnologia em si. O que impulsionou todo o entusiasmo com os computadores foi a nossa capacidade de colocar cada vez mais transístores em uma placa de silício, um fenómeno que conhecemos como Lei de Moore, e que permitiu tornar a nossa tecnologia exponencialmente mais poderosa, anualmente. A Lei de Moore está a terminar a sua aplicação. As empresas como a “Microsoft” e a “Google” estão a projectar circuitos integrados personalizados para executar os seus algoritmos, porque não é mais possível esperar por uma nova geração de circuitos integrados e para maximizar o desempenho. É preciso cada vez mais optimizar a tecnologia para uma tarefa específica. Deve-se considerar, em segundo lugar, que a habilidade técnica necessária para criar tecnologia digital diminuiu drasticamente, marcada pela crescente popularidade das chamadas plataformas sem código. Assim como os mecânicos e electricistas, a capacidade de trabalhar com a tecnologia digital está a tornar-se cada vez mais uma habilidade de nível médio e com a democratização, vem a comoditização que é o processo de transformação de bens e serviços (ou coisas que podem não ser normalmente percebidos como bens e serviços) em uma mercadoria. Os aplicativos digitais, finalmente, estão a tornar-se bastante evoluídos. Se comprarmos um computador portátil ou um telemóvel praticamente faz as mesmas coisas que o comprado há cinco anos. As novas tecnologias, como os alto-falantes inteligentes sem fios com comando de voz, como o “Amazon Echo” e o “Google Home”, que adicionaram a conveniência das “interfaces” de voz, mas pouco mais. Ainda que haja um valor novo limitado a ser aproveitado em objectos como processadores de texto e aplicativos de telemóvel, existe um extraordinário valor a ser libertado na aplicação de tecnologia digital a campos como a genómica e ciência dos materiais, para alimentar indústrias tradicionais como a fabricação, energia e medicina. O desafio essencial é aprender como usar “bits” para direccionar átomos. É fácil entender o seu funcionamento observando no “Atlas do Genoma do Cancro (TCGA na sigla na língua inglesa)”, que é um projecto iniciado em 2005 e supervisionado pelo “National Institute of Health (NIH)” e o “National Human Genome Research Institute (NHGRI)”, ambos dos Estados Unidos, que visam a catalogação de alterações moleculares responsáveis pelo aparecimento da importância biológica do cancro utilizando a sequenciação do genoma e a geoinformática. A sua missão era simplesmente sequenciar genomas de tumores e colocá-los “online” e até ao momento, catalogou mais de dez mil genomas em mais de trinta tipos de cancro e libertou um dilúvio de inovações na ciência do cancro e também, ajudou a inspirar um programa similar para materiais chamado de “Iniciativa do Genoma Material (GMI na sigla em língua inglesa)” que vem na sequência do “Projecto Genoma Humano (HGP na sigla em língua inglesa)”, que é um programa internacional de pesquisa colaborativa para sequenciar e entender todos os genes dos seres humanos. A HPG foi declarada completa em Abril de 2003 e deu-nos a incrível capacidade de ler o mapa genético completo do ser humano, tendo iniciado uma nova era da medicina molecular. O GMI é uma iniciativa relativamente nova destinada a desenvolver políticas, recursos e infra-estrutura para apoiar a descoberta e o fabrico de materiais funcionais a um ritmo acelerado, e com custos substancialmente reduzidos. Qual a razão de se referir à iniciativa como um projecto “genoma”? É mais como uma metáfora do que uma analogia directa com o mapa do ADN humano, e deve ser interpretado como sendo um componente crítico da descoberta, desenho e manufactura moderna de materiais que envolvem a integração de uma grande quantidade de dados com origens diversas, desde caracterizações experimentais e análise computacional até experiências em condições realistas. A forma de recolher, organizar, distribuir e usar esses dados com eficiência é um desafio significativo, semelhante ao enfrentado pelo HPG no seu esforço que durou quinze anos. Além disso, os pesquisadores esperam que o impacto a longo prazo do GMI nas investigações de materiais, seja igual ao impacto do HPG na pesquisa biomédica. O GMI foi lançado em 2011 pelo governo americano e envolve várias agências federais, como os Departamentos de Defesa e de Energia, Fundação Nacional de Ciência, Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (NASA na sigla em língua inglesa), Instituto Nacional de Normas e Tecnologia (NIST na sigla em língua inglesa), e muito outros. Quanto ao GMI, os esforços estão a aumentar muito a capacidade de inovar, sendo de considerar o esforço para desenvolver químicas avançadas de baterias para impulsionar a economia de energia limpa, o que requer a descoberta de materiais que ainda não existem. É de entender, que historicamente, tal envolveria o teste de centenas ou milhares de moléculas, mas os pesquisadores puderam aplicar super computadores de alto desempenho, para executar simulações em genomas de materiais e reduzir muito as possibilidades. É de acreditar que durante a próxima década, essas técnicas incorporarão cada vez mais algoritmos de aprendizagem da máquina, bem como novas arquitecturas de computação, como a quântica e os “chips” neuromórficos, que funcionam de forma muito diferente dos computadores digitais. As possibilidades desta nova era de inovação são profundamente impressionantes. A revolução digital, apesar de todos os seus encantos, teve um impacto económico bastante limitado, em comparação com tecnologias anteriores, como a electricidade e o motor de combustão interna. As tecnologias da informação, mesmo actualmente, representam apenas cerca de 6 por cento do PIB nas economias avançadas. Se compararmos com a manufactura, saúde e energias, que compõem 17 por cento, 10 por cento e 8 por cento do PIB global, respectivamente, pode-se ver como existe muito mais potencial para causar impacto além do mundo digital. Todavia, para capturar esse valor, é preciso repensar a inovação para o nosso século. A tecnologia digital, velocidade e agilidade são os principais atributos competitivos. As técnicas como prototipagem rápida e interacção, aceleraram o desenvolvimento e muitas vezes melhoraram a qualidade, porque se deve entender muito bem as tecnologias subjacentes. As três grandes tecnologias para a próxima década serão a genómica, nanotecnologia e robótica. A tecnologia está a mudar o mundo e o economista americano, Robert Gordon, no seu último livro “The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living since the Civil War”, afirma o oposto e aponta com precisão que a produtividade, que surgiu entre 1920 e 1970, parou desde então, e é provável que assim continue e argumenta, que as tecnologias anteriores, como a electricidade, motor de combustão interna e os antibióticos, tiveram efeitos muito variados, enquanto a tecnologia digital é relativamente diminuta em comparação. É um argumento sério e que pode estar certo, mas não leva em conta outros efeitos importantes. O cientista americano da computação e inventor, Ray Kurzweil, no seu livro “The Singularity Is Near : When Humans Transcend Biology”, declara que o ponto final da tecnologia digital não são os melhores dispositivos e aplicativos, mas as novas tecnologias, como a genómica, nanotecnologia e robótica que estão apenas a começar a ter um impacto, mas na próxima década vão determinar se Robert Gordon está certo ou não. Os engenheiros de “Sillicon Valley” são famosos pelas suas habilidades com códigos de computador. Todavia, o avanço exponencial do poder de computação permitiu que os cientistas começassem a desvendar os mistérios de um enigma ainda mais importante, o código genético e o novo campo da genómica. A primeira área em que está a causar impacto é o cancro. O mapeamento do genoma do cancro está a possibilitar novas terapias, mais direccionadas, que tratam pacientes com base na composição genética do cancro, e não apenas na localização do tumor, como na próstata ou na mama, que combinado com novas imunoterapias, está a dar esperança de que a cura para o cancro pode em breve ser uma realidade. A nova técnica denominada de “Repetições Palindrómicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçada (CRISPR na sigla em língua inglesa)”, permite que os cientistas editem sequências de ADN para, por exemplo, desabilitar genes-chave de um vírus HIV, desactivar outras doenças auto-imunes como a “Esclerose Múltipla” ou reprogramar o ADN de levedura para criar petroquímicos como plásticos. A genómica ainda é uma ciência muito jovem, com pouco mais de uma década de existência, e está apenas a começar a arranhar a superfície, mas as primeiras indicações são de que mudará as concepções sobre o que é possível. Os antibióticos foram verdadeiramente transformadores, mas o seu efeito limitou-se a doenças infecciosas. A genómica tem o potencial de ir muito além. Apenas alguns dias após o Natal de 1959, Richard Feynman subiu ao pódio na reunião anual da “American Physical Society” para dar uma palestra intitulada “Há muito espaço no fundo” e em uma hora falando ao nível do ensino médio, criou uma nova ciência, denominada de nanotecnologia que está a trazer uma ampla gama de novos materiais físicos, como os “pontos quânticos (QD na sigla em língua inglesa)”, que estão a revolucionar os dispositivos electrónicos, de computadores mais eficientes a televisões mais baratas e nítidas. O grafeno, é outro material de nanotecnologia, que pode ser usado para fazer uma ampla variedade de produtos, desde próteses super-fortes, mas incrivelmente leves, até fios supercondutores. A fim de entender o incrível impacto da nanotecnologia, é preciso analisar apenas uma área, a das células solares. Enquanto a energia solar está a lutar para ser viável, no futuro a nossa energia pode custar cerca de metade do preço actual em dez anos, e apenas um quinto em vinte anos. Devemos considerar que a energia representa cerca de 8 por cento do PIB, e que tem o potencial de causar um grande impacto na produtividade. Durante a maior parte da história, tivemos que nos conformar com os materiais que a natureza nos deu, mas estamos prestes a projectar materiais com as propriedades que desejamos. A genómica, nanotecnologias como pontos quânticos e grafeno só se tornaram viáveis recentemente, não sendo possível prever o que o futuro reserva. Os primeiros robôs industriais atingiram a linha de montagem em uma fábrica da General Motors, em 1961, realizando tarefas como soldagem de corpos e nas décadas que se seguiram, os robôs fizeram uma parte crescente do trabalho de fábrica, mas sempre sós, sendo muito perigosos para rodear as pessoas. As primeiras ATMs foram instalados, em 1969, e os robôs começaram a substituir trabalhadores administrativos em vez de operários e estamos a ver cada vez mais robôs ao nosso redor. O “Da Baxter”, é um robô barato para as pequenas empresas comprarem e seguro para colaborar com trabalhadores. Os robôs “Roomba” podem aspirar de forma inteligente os pisos das casas e os robôs de software que automatizam o planeamento de viagens tornaram-se essenciais à vida. O campo militar é o local privilegiado para entender o futuro da robótica, na qual os Estados Unidos investiram milhares de milhões de dólares, usando onze mil drones e doze mil robôs terrestres para realizar trabalhos como a remoção de bombas e o transporte de equipamentos. Os militares estão a estabelecer vínculos emocionais com os robôs, dando-lhes nomes e arriscando as suas vidas para os salvar, mas também vemos robôs a tornarem-se cada vez mais integrados na vida civil. Os drones estão a ser implantados comercialmente para pesquisar cultivos e a “Amazon” está a planear lançar um serviço de entrega por drones . O “Watson” da IBM está a ajudar médicos a diagnosticar pacientes. À medida que a tecnologia avança, os robôs substituirão cada vez mais os seres humanos como conduzir camiões. Robert Gordon teve um pensamento correcto e excepto por um período relativamente breve no final da década de 1990, vimos pouco benefício mensurável da tecnologia digital. O impacto, certamente nada tem a ver com inovações anteriores, como a electricidade, antibióticos ou motor de combustão interna. Todavia, talvez esteja a ser um pouco rápido para julgar. Faraday inventou o dínamo eléctrico e o motor de combustão interna foi desenvolvido na década de 1870. Ainda assim, o maior impacto ocorreu entre 1920 e 1970. Nesse intervalo de tempo, outras tecnologias, como a direcção, freios, estradas, electrodomésticos e computadores precisavam de ser desenvolvidos. A inovação nunca é um evento único pois requer a descoberta de novos “insights”, engenharia de soluções à volta deles e, em seguida, a transformação de uma indústria. A tecnologia não produz progresso por si, sendo preciso encontrar problemas importantes para resolver e, então, mudar a forma como se trabalha para retirar vantagens. Assim, enquanto os aplicativos de telemóveis adicionam conveniência às nossas vidas, o real impacto da tecnologia digital está à nossa frente, quando tecnologias de segunda ordem são aplicadas a problemas completamente novos. As tecnologias emergentes que estão a surgir, não se criam com a frequência desejada, não sendo possível prototipar rapidamente um computador quântico, uma cura para o cancro ou um material não descoberto. É de atender que existem sérios problemas éticos que envolvem tecnologias como a genómica e inteligência artificial, pois passámos as últimas décadas a aprender e a andar rápido, mas nas próximas décadas, teremos que reaprender a caminhar novamente devagar. Assim, enquanto os “mantras” para a era digital foram a agilidade e ruptura, para esta nova era de exploração e descoberta de inovação, mais uma vez se tornarão proeminentes. É hora de pensar menos sobre “hackaton” e mais sobre como enfrentar os grandes desafios.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA inteligência artificial (II) “Artificial intelligence will reach human levels by around 2029. Follow that out further to, say, 2045, we will have multiplied the intelligence, the human biological machine intelligence of our civilization a billion-fold.” The Age of Spiritual Machines: When Computers Exceed Human Intelligence Ray Kurzweil Se considerarmos o caso de uma grande empresa agrícola que queria implantar a tecnologia da IA para ajudar os agricultores e uma enorme quantidade de dados estava disponível sobre as propriedades do solo, padrões climáticos, colheitas históricas, e o plano inicial era criar um aplicativo de IA que pudesse prever com mais precisão o rendimento futuro das colheitas, mas nas discussões com os agricultores, a empresa aprendeu sobre uma necessidade mais premente. O que os agricultores realmente queriam era um sistema que pudesse fornecer recomendações, em tempo real, sobre como aumentar a produtividade, quais os terrenos e onde cultivar e quanto nitrogénio a usar no solo. A empresa desenvolveu um sistema de IA para fornecer tais conselhos, e os resultados iniciais foram promissores; os agricultores ficaram felizes com o rendimento das colheitas obtido com a orientação da IA. Os resultados desse teste inicial foram então enviados de volta ao sistema para refinar os algoritmos usados. Assim, como na etapa de descoberta, novas técnicas analíticas e de IA podem auxiliar na co-criação, sugerindo novas abordagens para melhorar os processos. O terceiro passo para as empresas é escalonar e depois sustentar a solução proposta. O SEB, por exemplo, implantou originalmente uma versão da “Aida”, internamente, para ajudar os quinze mil trabalhadores do banco, mas depois, implementou o “chatbot” em um milhão de clientes. O último estudo realizado nos Estados Unidos com uma sondagem a centenas de empresas, foram identificadas cinco características dos processos de negócios, que as empresas normalmente desejam melhorar que são a flexibilidade, velocidade, escala, tomada de decisões e personalização. Ao reinventar um processo de negócios, é necessário determinar qual dessas características é central para a transformação desejada, como a colaboração inteligente poderia ser aproveitada para resolvê-lo, e quais os ajustamentos e compensações com outras características do processo seriam essenciais. Os braços “cobot” na Mercedes-Benz, tornam-se uma extensão do corpo do trabalhador e para os executivos da empresa, os processos inflexíveis apresentaram um desafio crescente. Os clientes que maior lucro dava à empresa, vinham a exigir cada vez mais, carroçarias individualizadas da classe S, mas os sistemas de montagem não conseguiam oferecer a personalização que as pessoas queriam. A fabricação de automóveis, tradicionalmente, tem sido um processo rígido com etapas automatizadas, executadas por robôs “pouco inteligentes”. A fim de melhorar a flexibilidade, a Mercedes substituiu alguns desses robôs por “cobots” com IA, e redesenhou os seus processos em torno de colaborações entre seres humanos e máquinas. Os braços robotizados, na fábrica da empresa, perto de Estugarda, guiados por trabalhadores pegam e colocam peças pesadas, tornando-se uma extensão do corpo do trabalhador. O sistema coloca o trabalhador no controlo da construção de cada carro, fazendo menos trabalho manual e mais um trabalho de pilotagem com o robô. As equipas de máquinas humanas da empresa podem adaptar-se rapidamente. Os “cobots” na fábrica, podem ser reprogramados facilmente com um “tablet”, permitindo que trabalhem em tarefas diferentes, dependendo das alterações no fluxo de trabalho. Tal agilidade, permitiu que o fabricante atingisse níveis sem precedentes de personalização. A Mercedes pode individualizar a produção de veículos de acordo com as escolhas em tempo real que os consumidores fazem nas concessionárias, alterando tudo, desde os componentes do painel do veículo até à pele do assento ou às tampas das válvulas dos pneus, e como resultado, não existem dois carros iguais a sair da linha de montagem da fábrica na Alemanha. Algumas empresas estão a usar a IA para descobrir incógnitas desconhecidas nos seus negócios. A “GNS Healthcare (GNS)” é uma empresa privada de análise de dados, sediada em Cambridge, nos Estados Unidos, que aplica “software” de aprendizagem de máquinas para encontrar relações negligenciadas, entre os dados nos registos de saúde dos pacientes e em outros locais. O “software” depois de identificar um relacionamento, elabora várias hipóteses para explicá-lo e, em seguida, sugere quais delas são mais prováveis. Tal abordagem, permitiu que o GNS descobrisse uma nova interacção medicamentosa escondida em anotações de pacientes não estruturados, não se tratando de uma peneira de dados para encontrar associações, pois a plataforma de aprendizagem de máquinas não vê apenas padrões e correlações nos dados. É de considerar que para algumas actividades de negócios, o prémio está na velocidade e uma dessas operações é a detecção de fraudes com cartões de crédito. As empresas têm apenas alguns segundos para determinar se devem aprovar uma determinada transacção. Se for fraudulenta, provavelmente terão que repor essa perda, mas se negarem uma transacção legítima, perdem a taxa da compra e irritam o cliente. O “The Hongkong and Shanghai Banking Corporation (HSBC)”, como a maioria dos grandes bancos, desenvolveu uma solução baseada em IA que melhora a velocidade e a precisão da detecção de fraudes. A IA monitora e marca milhões de transacções diariamente, usando dados sobre o local de compra e o comportamento do cliente, endereços IP e outras informações para identificar padrões subtis que sinalizam possíveis fraudes. O HSBC implementou pela primeira vez o sistema nos Estados Unidos, reduzindo significativamente a taxa de fraudes e falsos positivos não detectados e, em seguida, implementou-o no Reino Unido e na Ásia. Um sistema de IA diferente usado pelo Danske Bank melhorou a sua taxa de detecção de fraudes em 50 por cento e diminuiu os falsos positivos em 60 por cento. A redução no número de falsos positivos, liberta os investigadores para concentrar os seus esforços em transacções equívocas, que a IA sinalizou, onde o julgamento humano é necessário. A luta contra a fraude financeira é como uma corrida armamentista, pois uma melhor detecção conduz a criminosos mais perigosos, levando por conseguinte a uma melhor detecção, que continua o ciclo. Assim, os algoritmos e modelos de pontuação para combater fraudes têm uma vida útil muito curta e exigem actualização contínua. Além disso, diferentes países e regiões usam modelos diferentes e por essas razões, legiões de analistas de dados, profissionais de “Tecnologia de Informação (TI)” e especialistas em fraudes financeiras são necessárias no sistema de meios de ligação entre os seres humanos e as máquinas, para manter o “software” na dianteira dos criminosos. A baixa escalabilidade, para muitos processos de negócios, é o principal obstáculo para a melhoria e é particularmente verdadeiro em processos que dependem de trabalho humano intensivo com assistência mínima da máquina. É de considerar, por exemplo, o processo de recrutamento de trabalhadores da “Unilever” que é uma multinacional britânica-neerlandesa de bens de consumo, que estava à procura de uma forma de diversificar a sua força de trabalho de cento e setenta mil pessoas. Os recursos humanos da empresa, determinaram que precisavam de se concentrar em contratações de nível básico e, de seguida, contratar o melhor para a gestão, mas os processos existentes na empresa não foram capazes de avaliar potenciais candidatos em número suficiente, ao mesmo tempo que davam atenção individual a cada aspirante para garantir uma população diversificada de talentos excepcionais. A “Unilever” combinou recursos humanos e de IA para dimensionar a contratação individualizada, e na primeira fase do processo de inscrição, os candidatos são convidados a brincar com jogos “on-line” que ajudam a avaliar características como a aversão ao risco. Os jogos não têm respostas certas ou erradas, mas ajudam a IA da “Unilever”, a descobrir quais os indivíduos que podem ser mais adequados para uma determinada posição. Os candidatos, na fase seguinte, são convidados a enviar um vídeo em que respondem a perguntas específicas, para a posição em que estão interessados. As suas respostas são analisadas por um sistema de IA, que considera não apenas o que dizem, mas também a sua linguagem corporal e tom de voz. Os melhores candidatos dessa fase, conforme o decidido pela IA, são então convidados à “Unilever” para realizarem entrevistas pessoais, após as quais os seres humanos tomam as decisões finais de contratação. É muito cedo para dizer se o novo processo de recrutamento resultou na contratação dos melhores trabalhadores. A empresa tem acompanhado de perto o sucesso dessas contratações, mas ainda são necessários mais dados. É claro, no entanto, que o novo sistema ampliou enormemente a escala do recrutamento da “Unilever”, em parte, porque os candidatos a emprego podem ter acesso facilmente ao sistema por “smartphone”. O número de candidatos duplicou para trinta mil em um ano, o de universidades representadas subiu de oitocentas e quarenta para duas mil e seiscentas, e a diversidade socioeconómica das novas contratações aumentou. Além disso, o tempo médio entre a aplicação e a decisão de contratação, baixou de quatro meses para apenas quatro semanas, enquanto o tempo que o pessoal que recruta a fazer a revisão dos aplicativos baixou 75 por cento. O facto de fornecer aos trabalhadores informações e orientações personalizadas, a IA pode ajudá-los a tomar melhores decisões, que pode ser especialmente valioso para os trabalhadores, pois onde fazer a escolha certa tem um enorme impacto. É de considerar a forma pela qual a manutenção de equipamentos está a ser aprimorada com o uso de “gémeos digitais”, que são modelos virtuais de equipamentos físicos, ou cópias elaboradas das linhas de produção. A “General Electric (GE)” constrói esses modelos de “software” das suas turbinas e outros produtos industriais e actualiza-os continuamente, com a transmissão de dados operacionais do equipamento. Ao recolher leituras de um grande número de máquinas, a GE acumulou uma grande quantidade de informações sobre o desempenho normal e aberrante. O seu aplicativo “Predix”, que usa algoritmos de aprendizagem da máquina, pode prever quando uma peça específica em uma máquina pode falhar. A tecnologia mudou fundamentalmente o processo decisivo de manutenção de equipamentos industriais. A “Predix” pode, por exemplo, identificar algum desgaste inesperado do rotor, em uma turbina, verificar o histórico operacional da turbina, informar que o dano quadruplicou nos últimos meses e avisar que, se nada for feito, o rotor perderá cerca de 70 por cento da sua vida útil. O sistema pode, então, sugerir acções apropriadas, tendo em consideração a condição actual da máquina, o ambiente operacional e os dados agregados sobre os danos e reparações semelhantes em outras máquinas. A “Predix” conjuntamente, com as suas recomendações, pode gerar informações sobre os custos e benefícios financeiros e fornecer um nível de confiança (por exemplo, de 95 por cento) para as hipóteses usadas na sua análise. Os trabalhadores sem o “Predix” teriam sorte de descobrir o dano do rotor em uma verificação de manutenção de rotina. É possível que não seja detectado até que o rotor falhe, resultando em uma interrupção custosa. Os funcionários de manutenção, com a “Predix” são alertados sobre possíveis problemas antes de se tornarem sérios, e têm as informações necessárias na ponta dos dedos para tomar boas decisões, que por vezes podem economizar milhões de dólares à GE. A questão da personalização é importante, pois fornecer aos clientes experiências de marcas personalizadas individualmente é o santo graal do marketing e com a IA, essa personalização pode ser alcançada com precisão inimaginável e em larga escala. É de pensar como o serviço de “streaming” de música “Pandora” usa algoritmos de IA para criar listas de reprodução personalizadas para cada um dos seus milhões de utilizadores de acordo com suas preferências em músicas, artistas e géneros, ou se considerarmos a “Starbucks”, que, com a permissão dos clientes, usa a IA para reconhecer os seus dispositivos móveis, e ter acesso ao seu histórico de pedidos para ajudar a fazer recomendações de serviços. A tecnologia da IA faz melhor, analisando e processando grandes quantidades de dados para recomendar certas ofertas ou acções, que não é possível ao ser humano, A “Carnival Corporation”, é a maior empresa de viagens de lazer do mundo, que oferece aos viajantes férias extraordinárias com um valor excepcional, com uma frota de cento e dois navios que visitam mais de setecentos portos em todo o mundo, e está a aplicar a IA para personalizar a experiência de cruzeiro para milhões de turistas, através de um dispositivo “wearable” chamado “Ocean Medallion” e uma rede que permite que dispositivos inteligentes se conectem. A máquina processa dinamicamente os dados que fluem do medalhão e dos sensores e sistemas em todo o navio, para ajudar os hóspedes a tirar o máximo proveito das suas férias. O medalhão agiliza os processos de embarque e desembarque, rastreia as actividades dos hóspedes, simplifica a compra conectando os seus cartões de crédito ao dispositivo, e actua como uma chave, como também se conecta a um sistema que antecipa as preferências dos hóspedes, ajudando os membros da equipa a oferecer um serviço personalizado a cada hóspede, sugerindo roteiros personalizados de actividades e experiências gastronómicas. A questão da necessidade de novas tarefas e talentos, passa por re-imaginar um processo de negócios que envolve mais do que a implementação da tecnologia da IA; também requer um compromisso significativo para desenvolver trabalhadores com habilidades de fusão, ou seja os que permitem que se trabalhe efectivamente no sistema de comunicação homem-máquina. As pessoas, para começar, devem aprender a delegar tarefas à nova tecnologia, como os médicos confiam nos computadores para ajudar na leitura de raios X e ressonância magnética. Os trabalhadores também devem saber combinar as suas habilidades humanas distintas, com as de uma máquina inteligente para obter um resultado melhor do que qualquer um poderia alcançar só, como na cirurgia assistida por robô. Os trabalhadores devem ser capazes de ensinar novas habilidades aos agentes inteligentes e passar por formação para trabalhar bem nos processos aprimorados por IA. Assim, por exemplo, devem saber a melhor forma de formular perguntas a um agente de IA para obter as informações de que precisam. É de esperar que, no futuro, as funções da empresa sejam redesenhadas ao redor dos resultados desejados dos processos reinventados, e as empresas sejam cada vez mais organizadas ao redor de diferentes tipos de habilidades, e não à volta de dísticos de trabalho rígidos. A “AT&T” iniciou essa transição ao mudar de serviços de rede telefónica fixa para redes móveis e começa a treinar cem mil trabalhadores para novas colocações. A empresa, como parte desse esforço, reformulou completamente seu organograma, e aproximadamente, dois mil empregos foram simplificados em um número muito menor de categorias abrangentes, englobando habilidades similares. Algumas dessas habilidades são o que se pode esperar (por exemplo, proficiência em ciência e disputas de dados), enquanto outras são menos óbvias (por exemplo, a capacidade de usar ferramentas simples de aprendizagem da máquina para serviços de venda cruzada). A maioria das actividades no sistema de comunicação homem-máquina, exige que as pessoas façam coisas novas e diferentes (como treinar um “chatbot”) e façam de forma diferente (usar esse “chatbot” para fornecer um melhor atendimento ao cliente). Actualmente, apenas um pequeno número de empresas começou a re-imaginar os seus processos de negócios para optimizar a inteligência colaborativa. Mas a lição é clara, pois as organizações que usam máquinas, apenas para deslocar trabalhadores através da automação perderão todo o potencial da IA. Tal estratégia é mal orientada desde o início. Os líderes de amanhã serão aqueles que abracem a inteligência colaborativa, transformando as suas operações, mercados, indústrias e a força de trabalho.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA inteligência artificial (I) “Artificial intelligence (AI) is taking an increasingly important role in our society. From cars, smartphones, airplanes, consumer applications, and even medical equipment, the impact of AI is changing the world around us. The ability of machines to demonstrate advanced cognitive skills in taking decisions, learn and perceive the environment, predict certain behavior, and process written or spoken languages, among other skills, makes this discipline of paramount importance in today’s world. Although AI is changing the world for the better in many applications, it also comes with its challenges.” Artificial Intelligence: Emerging Trends and Applications Marco Antonio Aceves-Fernandez [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] inteligência artificial (IA) está a tornar-se benéfica em muitas actividades humanas, ao diagnosticar doenças, traduzir idiomas e fornecer atendimento ao cliente, entre muitas outras. A situação está a melhorar rapidamente, fazendo criar razoáveis receios de que a IA acabará por substituir os trabalhadores em toda a economia. Mas esse não é o resultado inevitável ou o mais provável, pois nunca antes as ferramentas digitais foram tão receptivas aos seres humanos e estes àquelas. Ainda que a IA altere radicalmente a forma como trabalho é realizado e quem o faz, o maior impacto da tecnologia será complementar e aumentar as capacidades humanas, não substituí-las. É um dado certo que muitas empresas utilizam a IA para automatizar processos, mas são implantadas principalmente para substituir os trabalhadores e verão apenas lucros de produtividade a curto prazo. A última sondagem realizada nos Estados Unidos que envolveu mil e quinhentas empresas, revelou que as empresas alcançam melhorias de desempenho mais significativas, quando os seres humanos e máquinas trabalham conjuntamente. Através dessa inteligência cooperativa, os seres humanos e a IA aumentam activamente os pontos fortes e complementares uns dos outros, como a liderança, trabalho em equipa, criatividade e as habilidades sociais dos primeiros, bem como a velocidade, escalabilidade e as capacidades quantitativas dos últimos. O que é natural para as pessoas pode ser complicado para as máquinas, e o que é simples para as máquinas (analisando gigabytes de dados), permanece praticamente impossível para os seres humanos. Os negócios requerem ambos os tipos de recursos e para aproveitar ao máximo essa colaboração, as empresas precisam de entender como os seres humanos podem efectivamente aumentar a capacidade das máquinas, como as máquinas podem aprimorar o que os seres humanos fazem de melhor, e como redesenhar os processos de negócios para apoiar a parceria. Os seres humanos precisam de desempenhar três papéis cruciais, pois devem treinar máquinas para executar determinadas tarefas; explicar os seus resultados, especialmente quando são contra intuitivos ou controversos; e sustentar o uso responsável de máquinas (evitando, por exemplo, que robôs prejudiquem os seres humanos). Os algoritmos de aprendizagem da máquina devem ser ensinados a executar o trabalho para o qual foram projectados e nesse esforço, enormes conjuntos de dados de treino são acumulados, para ensinar aplicativos de tradução automática para lidar com expressões idiomáticas, aplicativos médicos para detectar doenças e mecanismos de recomendação para apoiar a tomada de decisões financeiras. Além disso, os sistemas de IA devem ser treinados da melhor forma para interagir com os seres humanos. Ainda que as organizações em todos os sectores estejam nos estágios iniciais de preenchimento das funções de instrutor, as principais empresas de tecnologia e grupos de pesquisa contam com equipas de formação e especialização amadurecidas. Se considerarmos a assistente de IA da Microsoft, “Cortana”, deparamos que o “bot” que é uma aplicação de “software” criado para simular acções humanas repetidas vezes de forma padrão, como faria um robô, exigia treino extensivo para desenvolver apenas a personalidade certa, confiante, carinhosa e prestativa, mas não autoritária. Incutir essas qualidades, exigiu incontáveis horas de atenção de uma equipa que incluía um poeta, um romancista e um dramaturgo. É de notar que de igual forma, eram necessários treinadores humanos para desenvolver as personalidades do aplicativo “Siri” (que é uma maneira fácil e rápida de fazer tudo), da “Apple”, e da “Alexa” da “Amazon”, para garantir que reflectissem com precisão as marcas das suas empresas. A “Siri”, por exemplo, tem apenas um toque de inconveniência, como os consumidores podem esperar da “Apple”. Os assistentes de IA estão a ser treinados para exibir características humanas ainda mais complexas e subtis, como a simpatia. O “start-up” “Koko”, um desdobramento do “MIT Media Lab”, desenvolveu uma tecnologia que pode ajudar os assistentes da IA a parecerem solidários, como por exemplo, se um utilizador está a ter um dia mau, o sistema “Koko” não responde de forma automática, como “sinto muito ouvir tal situação”, mas ao invés pode pedir mais informações e depois oferecer conselhos para ajudar a pessoa. Há que ver os problemas sob uma luz diferente e se estiver a sentir “stress”, o sistema recomendaria pensar na tensão, como uma emoção positiva que poderia ser canalizada para a acção. À medida que as IAs chegam cada vez mais a conclusões por meio de processos que são opacos (o chamado problema da caixa-preta), exigem especialistas humanos no terreno para explicar o seu comportamento a utilizadores não especialistas. Os explicadores são particularmente importantes em indústrias baseadas em evidências, como leis e medicina, onde um profissional precisa de entender, como uma IA pesou todo o que é disponível para o uso e desenvolvimento da vida humana em uma sentença ou recomendação médica. Os explicadores, são igualmente importantes, para ajudar as seguradoras e a polícia a entenderem porque razão um automóvel, realizou acções que levaram a um acidente, ou não conseguiu evitá-lo. E os explicadores estão a tornar-se parte integrante de sectores regulados, em qualquer indústria voltada para o consumidor, onde a produção de uma máquina poderia ser desafiada como injusta, ilegal ou simplesmente errada, como por exemplo menciona o “Regulamento 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho”, que é o novo “Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados (RGPD)” da “União Europeia (UE)”, que estabelece as regras relativas ao tratamento, por uma pessoa, ou organização, de dados pessoais relativos a pessoas na UE. O RGPD concede aos consumidores o direito de receber uma explicação para qualquer decisão baseada em algoritmos, como a oferta de tarifa em um cartão de crédito ou hipoteca. Esta é uma área onde a IA contribuirá para o aumento do emprego, dado que os especialistas estimam que as empresas terão que criar cerca de setenta e cinco mil novos empregos para administrar os requisitos do GDPR. Além de ter pessoas que podem explicar os resultados da IA, as empresas precisam de sustentadores, ou seja funcionários que trabalham continuamente para garantir que os sistemas de IA estejam a funcionar de forma adequada, segura e responsável. A IA pode impulsionar as nossas habilidades analíticas e de tomada de decisão, bem como aumentar a criatividade, como por exemplo, um conjunto de especialistas, às vezes chamados de engenheiros de segurança, quando se concentram para antecipar e tentar evitar danos causados por IAs. Os desenvolvedores de robôs industriais que trabalham ao lado das pessoas, prestaram cuidadosa atenção para garantir que reconheçam os seres humanos por perto e não os ponham em perigo. Tais especialistas, também, podem rever a análise dos explicadores quando as IAs causam danos, como quando um carro autónomo está envolvido em um acidente fatal. É de considerar que outros grupos de sustentadores garantem que os sistemas de IA mantenham as normas éticas. Se um sistema de IA para aprovação de crédito, por exemplo, for discriminatório contra pessoas em determinados grupos, esses gerentes de ética são responsáveis por investigar e resolver o problema. Os responsáveis pela conformidade de dados, desempenhando um papel semelhante, tentam garantir que os dados que alimentam os sistemas de IA estejam em conformidade com o GDPR e outras regulamentações de protecção ao consumidor, e um papel relacionado ao uso de dados envolve garantir que as IAs façam a gestão das informações com responsabilidade. A “Apple”, como muitas empresas de tecnologia, usa a IA para recolher detalhes pessoais sobre os utilizadores quando se envolvem com os dispositivos e “softwares” da empresa. O objectivo é melhorar a experiência do utilizador, mas a recolha de dados irrestrita pode comprometer a privacidade, enfurecer os clientes e entrar em conflito com a lei. As empresas beneficiam da optimização da colaboração entre seres humanos e a IA. É de considerar a existência de cinco princípios que podem ajudar como reimaginar os processos de negócios; abraçar a experiência/envolvimento do funcionário; estratégia de IA activamente directa; recolher dados com responsabilidade e redesenhar o trabalho para incorporar a IA e cultivar as habilidades dos funcionários relacionados com o processo. A última pesquisa realizada nos Estados Unidos com mil e setenta e cinco empresas em doze sectores descobriu que quanto mais adoptadas por essas empresas, melhores são as iniciativas de IA, realizadas em termos de velocidade, redução de custos, receitas ou outras medidas operacionais. As máquinas inteligentes estão a ajudar os seres humanos a expandir as suas habilidades de três formas, pois podem ampliar as nossas forças cognitivas; interagir com clientes e funcionários para nos libertar para tarefas de alto nível e incorporar habilidades humanas para alargar as nossas capacidades físicas. A inteligência artificial pode impulsionar as nossas habilidades analíticas e de tomada de decisão, fornecendo as informações certas no momento correcto, mas também podem aumentar a criatividade. Se considerarmos o “Dreamcatcher” da “Autodesk” que aumenta a imaginação de desenhadores excepcionais, deparamos que um desenhador fornece ao “Dreamcatcher” critérios sobre o produto desejado, por exemplo, uma cadeira capaz de suportar até centro e trinta quilogramas, com um assento de quarenta e cinco centímetros de altura, feita de materiais que custam menos de setenta e cinco euros, e assim por diante, e também pode fornecer informações sobre outras cadeiras que considera atraentes. O “Dreamcatcher” produz milhares de desenhos que combinam com esses critérios, muitas vezes criando ideias que o desenhador pode não ter considerado inicialmente, e pode então orientar o “software”, dizendo quais as cadeiras que gosta, levando a uma novo círculo de projectos. Ao longo do processo interactivo, o “Dreamcatcher” realiza os diversos cálculos necessários para garantir que cada projecto proposto atenda aos critérios especificados. Tal, liberta o projectista para se concentrar na implantação de forças exclusivamente humanas, como o julgamento profissional e a sensibilidade estética. A colaboração homem-máquina, permite que as empresas interajam com funcionários e clientes de formas novas e mais eficazes. Os agentes de IA como a “Cortana”, por exemplo, podem facilitar a comunicação entre pessoas ou em nome de pessoas, como transcrever uma reunião e distribuir uma versão de voz pesquisável para aqueles que não puderam comparecer. Tais aplicativos são inerentemente escalonáveis, pois um único “chatbot” (é um programa de computador que tenta simular um ser humano na conversação com as pessoas), por exemplo, pode fornecer serviço de rotina ao cliente para um grande número de pessoas simultaneamente, onde quer que se encontrem. O “Skandinaviska Enskilda Banken (SEB)”, um dos principais bancos suecos usa um assistente virtual chamado “Aida” para interagir com milhões de clientes. O “Aida” tem a capacidade para trabalhar com conversas em linguagem natural, com acesso a vastos repositórios de dados e pode responder a muitas perguntas feitas frequentemente, como abrir uma conta ou fazer pagamentos internacionais, bem como também pode fazer perguntas de acompanhamento aos telespectadores para resolver os seus problemas, e é capaz de analisar o tom de voz de um chamador (por exemplo, frustrado versus apreciativo) e usar essa informação para fornecer um serviço melhor posteriormente. Se o sistema não conseguir resolver um problema, o que acontece em cerca de 30 por cento das situações, encaminha o interlocutor para um representante humano de atendimento ao cliente, e monitora essa interacção para aprender a resolver problemas semelhantes no futuro, e com o “Aida” a trabalhar com os pedidos básicos, os representantes humanos podem concentrar-se em abordar questões mais complexas, especialmente, as de interlocutores infelizes que podem precisar de apoio extraordinário. É de entender que muitas IAs, como o “Aida” e a “Cortana”, existem principalmente como entidades digitais, mas em outras aplicações, a inteligência é incorporada em um robô que dá mais-valia a um trabalhador humano. Os motores e actuadores com os seus sofisticados sensores, as máquinas habilitadas por IA, podem reconhecer pessoas e objectos e trabalhar com segurança ao lado dos seres humanos em fábricas, armazéns e laboratórios. Os robôs na fabricação, por exemplo, estão a evoluir de máquinas industriais potencialmente perigosas e “tolas” para “cobots” inteligentes e sensíveis ao contexto. Um braço “cobot” pode, por exemplo, trabalhar com acções repetitivas que exigem tarefas pesadas, enquanto uma pessoa realiza funções complementares que exigem destreza e julgamento humano, como a montagem de um motor da engrenagem. A “Hyundai” está a ampliar o conceito de “cobot” com exoesqueletos. Esses dispositivos robóticos vestíveis, que se adaptam ao utilizador e à localização em tempo real, permitirão que os trabalhadores industriais executem os seus trabalhos com resistência e força sobre-humanas. A fim de obter o máximo de valor da IA, as operações precisam ser redesenhadas e para o fazer, as empresas devem primeiro descobrir e descrever uma área operacional que possa ser melhorada. Pode ser um processo interno desajeitado (como a lentidão dos RHs para preencher vagas de pessoal), ou pode ser um problema anteriormente intratável que pode ser resolvido usando IA (como identificar rapidamente reacções adversas a medicamentos em multidões de pacientes). Além disso, uma série de novas técnicas analíticas avançadas e de IA, podem ajudar a detectar problemas anteriormente invisíveis passíveis de soluções de IA. As empresas, de seguida, devem desenvolver uma solução por meio da co-criação, fazendo que as partes interessadas visualizem como podem colaborar com sistemas de inteligência artificial para melhorar um processo.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesAs eleições turcas [dropcap style=’circle’] O [/dropcap] presidente Recep Tayyip Erdogan da Turquia acabou por ganhar a reeleição, e um conjunto perigoso de novos poderes, a 24 de Junho de 2018. O acontecimento não constituiu surpresa, e tornou-se o presidente mais poderoso da história da Turquia. A Turquia que vive no meio de uma generalizada repressão e com uma economia enfraquecida, a sua aliança conquistou a maioria parlamentar. O ex-primeiro-ministro, foi eleito presidente em 2014 e, após um golpe fracassado em 2016, persuadiu os eleitores a mudar a Constituição. A eleição sinalizou uma nova era para a Turquia, um país central na Europa e no Médio Oriente. A reeleição de Erdogan como presidente, em teoria, concede-lhe poderes arrebatadores que nunca exerceu antes e por causa das mudanças na constituição turca realizadas em 2017, o presidente, e não o primeiro-ministro, será o chefe formal do governo turco. O presidente Erdogan pode nomear ministros, emitir decretos, fazer nomeações cruciais no poder judicial e autorizar investigações de funcionários públicos. A natureza do papel do presidente mudará pouco, na prática, dado que exercia informalmente muito mais poder do que a sua posição tecnicamente permitia. O presidente, por exemplo, lidera as reuniões do gabinete desde 2015, embora essa seja geralmente a prerrogativa do primeiro-ministro. É sabido que poucos juízes se atreveram a emitir julgamentos desfavoráveis a Erdogan, particularmente, desde o início de uma depuração do poder judicial que levou à demissão de cerca de um quarto de todos os juízes, desde 2016 e nada tem de revolucionário, mas uma codificação e solidificação de algo que está em andamento há uma década. Tendo mais de 86 por cento dos turcos participantes, a votação foi considerada livre. Mas os observadores internacionais afirmam que ocorreu em circunstâncias que claramente favoreceram Erdogan. O controlo da média estatal e a sua influência sobre a maioria dos estabelecimentos privados, deram-lhe uma vantagem notável, segundo observadores eleitorais da “Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE)”, que é uma organização de países do Ocidente, dirigida à promoção da democracia e do liberalismo económico na Europa. A maioria dos candidatos da oposição recebeu apenas alguns minutos de cobertura das emissoras estatais, em comparação com centenas de horas destinadas a Erdogan. É sabido que um dos principais competidores de Erdogan, Selahattin Demirtas, de etnia curdo-zaza e co-líder do partido esquerdista “Partido Democrático dos Povos” foi forçado a conduzir a sua campanha da prisão, porque tinha sido preso por acusações politizadas há quase dois anos, conjuntamente com vários dos seus legisladores e desde que a eleição aconteceu sob estado de emergência, severas restrições afectaram a capacidade da oposição de realizar comícios e protestos. O total de supostos dissidentes presos nos últimos dois anos ascendia a mais de cem mil, bem como um número semelhante de demitidos ou suspensos dos seus empregos estatais. A campanha teve lugar, em um clima de medo descrito por organizações defensoras dos direitos humanos, no meio de uma repressão que se seguiu ao fracassado golpe militar de 2016. As recentes intervenções económicas de Erdogan ajudaram a causar uma perda no valor da lira, e o problema da moeda poderá piorar desde que voltou ao poder. O presidente turco, durante a maior parte do seu tempo no poder, tinha uma reputação de deter uma forte administração económica, em parte por causa do crescimento económico espectacular, sob a sua vigilância durante os anos 2000, mas a sua notoriedade económica enfraqueceu, em Maio de 2018, quando ameaçou tomar maior controlo do Banco Central da Turquia se fosse reeleito, uma medida que assustou os investidores, fez a lira cair e o preço dos alimentos subir. É interessante notar que os eleitores não o conseguiram punir pela sua intervenção, e assim, pode-se sentir encorajado a cumprir a sua promessa que seria um desastre para a lira, inflação e os pagamentos de dívidas como um investimento, pelo que se irá assistir a uma enorme crise económica de uma forma ou de outra. A vitória de Erdogan é problemática para os aliados da Turquia na Europa e nos Estados Unidos. Quando chegou ao poder pela primeira vez em 2003, aproximou a Turquia da Europa, acelerando as negociações de adesão com a União Europeia, e procurou um acordo histórico com a minoria curda do país. Mas, para manter o apoio dos eleitores nacionalistas nos últimos anos, elegeu cada vez mais contendas com os políticos europeus, liderou uma campanha de repressão em áreas curdas e para a frustração dos Estados Unidos, aproximou-se cada vez mais do presidente russo. Tais dinâmicas provavelmente serão agravadas pelo resultado das eleições. A vitória de Erdogan foi em parte o resultado da sua aliança com um partido de extrema-direita, o “Partido do Movimento Nacionalista”, com visões anti-ocidentais e anti-curdas que o presidente deve continuar a acomodar. A vitória de Erdogan também é uma má notícia para as forças curdas sírias, apoiadas pelos americanos, que construíram um enclave independente no norte da Síria, ao longo da fronteira sul da Turquia, que o presidente considera uma ameaça à segurança turca. Encorajado pela sua vitória, Erdogan pode não ver razão para abandonar a sua estratégia de expulsar os curdos sírios das principais áreas do norte da Síria. A actuação invulgarmente espirituosa da oposição em circunstâncias tão duras é um bom presságio no futuro, ou destaca a futilidade de concorrer contra Erdogan em circunstâncias tão tendenciosas. O mais próximo rival de Erdogan na corrida presidencial, Muharrem Ince, membro do “Partido Republicano do Povo”, recebeu aplausos por participar de uma campanha inclusiva e agressiva, e pode ter força suficiente para iniciar um novo movimento. A Turquia está fortemente polarizada, mas Muharrem Ince está interessado em alcançar os curdos e os conservadores religiosos, e se jogar bem suas cartas, poderá ser o homem para o futuro. Todavia, outros analistas foram mais pessimistas e questionaram se a oposição deveria continuar a legitimar um sistema fraudulento participando das eleições. Se as liberdades civis básicas e as regras fundamentais de direito não forem respeitadas, não devem contribuir para a ilusão de que a Turquia é uma democracia real. É hora de considerarem se querem continuar a facilitar o “status quo”, na esperança de que em algum momento, novas realidades surjam, ou chamar a atenção para a forma como essas normas democráticas foram esvaziadas. Após as eleições presidenciais, Erdogan afirmou que “parecia que a Turquia lhe tinha confiado o dever da presidência, que seria uma responsabilidade muito grande na legislatura e que o vencedor era a Turquia, a nação turca e todas as pessoas lesadas da região, bem como todos os oprimidos do mundo”. O presidente manteve o poder na Turquia por quinze anos, primeiro como primeiro-ministro de 2003 a 2014, e depois como presidente, cargo que ocupa desde 2014. O presidente turco também tudo fez para preservar o seu poder, pois silenciou os seus adversários, prendeu dezenas de jornalistas, alterou a constituição e sobreviveu a um golpe militar fracassado, em 2016, que tentou expulsá-lo do poder. As eleições de 24 de Junho de 2018, que ganhou com 52,4 por cento dos votos, veio com alegações de que o partido de Erdogan é corrupto. O presidente derrotou Muharrem Ince, que conseguiu obter 30,6 por cento dos votos. Erdogan está mais preparado que nunca para exercer o poder. O presidente da Turquia costumava ter um papel primordialmente cerimonial, enquanto o país era governado principalmente por um primeiro-ministro em uma democracia parlamentar. Mas tudo mudou, a 26 de Abril de 2017, quando o referendo constitucional liderado pelo partido de Erdogan anulou a estrutura governamental existente e aboliu o papel de primeiro-ministro, abrindo o caminho para o líder turco ampliar os limites do seu poder. O presidente provavelmente permanecerá na presidência até 2023. E se for reeleito, poderá permanecer no poder até 2028. Tal, é um golpe para os seus críticos, activistas de direitos humanos e potencialmente preocupante para a região. O presidente permanece relativamente popular na Turquia, entre os cidadãos turcos, dados os seus métodos de decisão não convencionais. É um dos motivos, o facto de ter reforçado a integração de mais ensinamentos islâmicos nas escolas públicas. A Turquia é tecnicamente um país secular, mas a maioria da sua população é muçulmana, e as suas reformas educacionais ganharam o apoio moderado do “Partido da Justiça e Desenvolvimento Islâmico”, ou do “AK Party”. O presidente também promulgou reformas económicas significativas na Turquia há vários anos, o que melhoraram a prosperidade do país na época. O seu partido político, o “AK” ganhou o poder em 2002, e entre 2002 e 2006, a economia turca expandiu-se a uma taxa anual de 7,2 por cento. A situação não é tão boa nos últimos anos, e a Turquia tem vindo a passar por turbulências económicas, mas apesar disso, o presidente ainda tem boa reputação quando se trata de reforma económica, pois o povo vive dos sucessos do seu passado, e a sua vitória também pode ser explicada pela sua postura antiterrorista. O líder turco há muito afirmou que era necessário, um governo central forte para afastar as ameaças de terrorismo e manter uma nação estável, conquistando assim, com sucesso os cidadãos turcos com a sua convincente narrativa de que a Turquia está sob ameaça em várias direcções, incluindo o terrorismo, e que Erdogan está a proteger o povo, tomando as medidas necessárias para combatê-la. O seu controlo sobre o país não se circunscreve à presidência. Ainda que o governo, tenha mudado para um sistema presidencial executivo, a Turquia ainda tem um parlamento. O partido de Erdogan e o partido nacionalista concordaram em fazer uma aliança, assegurando uma maioria no parlamento, o que significa basicamente que, enquanto puder preservar o apoio do partido nacionalista, Erdogan possui um poder legislativo ainda maior. Mas também é importante notar que a vitória do presidente terá um impacto além da política interna, devido à localização geográfica e à importância regional da Turquia. A vitória de Erdogan terá um impacto sobre o resto da região, e o mundo e um exemplo, é a Síria, que faz fronteira com a Turquia. O país está actualmente atolado em um sangrento conflito de sete anos, e a Turquia tem sido um dos principais financiadores das forças de oposição da Síria. A Turquia enviou tropas para a região devastada pela guerra nos últimos anos, liderou ataques aéreos contra alvos do Estado Islâmico e combateu grupos curdos apoiados pelos Estados Unidos, que a Turquia considera terroristas. A Turquia também abriga actualmente três milhões e quinhentos mil refugiados, a maioria dos quais fugiu da Síria, segundo a “Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR na sigla inglesa)”. Durante o seu primeiro discurso após a vitória presidencial, Erdogan disse que a Turquia continuaria a combater o terrorismo para libertar as terras sírias, para que os refugiados possam retornar em segurança. A última vitória de Erdogan também pode prejudicar o relacionamento da Turquia com a “Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)”. Ainda que a Turquia, seja um dos membros mais antigos da OTAN, tenha cooperado com os seus parceiros ocidentais, a crescente relação de Erdogan com o presidente russo, poderá ser um poço de complicações. O presidente teria comprado um avançado sistema de defesa antimísseis russo e planeia trazer um reactor nuclear russo para a Turquia. A vitória de Erdogan abre a porta para exercer mais poder do que nunca, o que certamente terá um impacto significativo na Turquia e na região nos próximos anos.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA ameaça das armas biológicas [dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap]s países estão preparados para a crescente ameaça das bio-armas artificiais? Face aos actuais surtos de Ébola na República Democrática do Congo e do vírus Nipah na Índia, uma ameaça ainda mais assustadora se aproxima. Os pesquisadores recriaram um vírus extinto, semelhante à varíola com o ADN comprado “on-line” por apenas cem mil dólares, em 2017. O seu sucesso aumenta a preocupação de que regimes e terroristas desonestos possam, similarmente, modificar ou projectar patógenos e usá-los como armas. O físico Ashton Baldwin Carte, que serviu como Secretário de Defesa dos Estados Unidos no governo do presidente Barack Obama alertou para o facto de que tal artilharia biológica poderia vir a rivalizar com o poder destrutivo das armas nucleares. Se um agente altamente contagioso fosse solto em uma grande cidade, poderia espalhar-se por toda a parte e matar milhares de pessoas, antes de se descobrir o que estava a acontecer. A capacidade para responder de forma eficaz a essas ameaças exigirá uma mudança de paradigma para abordagens mais rápidas, ágeis e descentralizadas do que as existentes actualmente. A acessibilidade de baixo custo e “faça for si” das tecnologias genómicas, torna possível que tais armas sejam criadas e implantadas por qualquer agressor. Mesmo as pequenas mudanças são suficientes para produzir efeitos perigosos, pois uma única mutação foi necessária para transformar o vírus da Zika de uma infecção relativamente rotineira, em outra que pudesse causar danos cerebrais em recém-nascidos. O facto de que não haveria forma de saber quem desencadeou tal ataque, também reduz potencialmente o limite para o seu uso. Os criminosos podem até projectar e libertar vários patógenos mortais ao mesmo tempo, dificultando a capacidade dos governos de responder e espalhar a confusão. Após o agente patógeno ser lançado, provavelmente existiria um curto período de tempo de apenas algumas semanas para evitar que causasse uma catástrofe global. Tal requer o controlo da transmissão, de modo que cada pessoa infectada contamine em média, menos de uma pessoa, fazendo que a epidemia pare e comece a diminuir. O historial recente contra epidemias que ocorrem naturalmente, no entanto, é preocupante e fazer mais do que se está a fazer com os meios disponíveis, não será suficiente para impedir que agentes com planos projectados se espalhem e matem mais rapidamente. Os actuais esforços de resposta dependem do desenvolvimento de vacinas, sistemas terapêuticos e de saúde que centralizem a capacidade de diagnóstico, isolamento e tratamento em hospitais. As vacinas e terapias, no entanto, levam anos para se desenvolverem e alguns patógenos, como o HIV e a malária, desenvolvem formas de iludir a imunidade ou abrigar resistências que dificultam a sua erradicação, mesmo quando o tempo e os recursos não são limitados. Vivemos em uma era de biologia sintética, armas biológicas codificadas com tais características evasivas, que podem ser criadas mais rapidamente do que vacinas e terapias para combatê-las. As inovações, como plataformas de vacinas sintéticas e anticorpos monoclonais, poderiam permitir uma implantação mais rápida, mas mesmo no melhor dos casos levaria meses, o que seria demasiado tempo para possibilitar contágios que duplicam em algumas semanas, e são difíceis de controlar quando estão disseminados. Sem vacinas e terapias, é usado o rastreamento de contacto para despistar e isolar pessoas infectadas, para evitar que exponham outras pessoas e fornecer-lhes cuidados de suporte, como fluidos intravenosos, para aumentar as suas possibilidades de sobrevivência, mas essa capacidade está concentrada em hospitais, que, mesmo em países de alto rendimento, podem rapidamente ser sobrecarregados e também potencialmente, promover a transmissão entre pessoas que neles se aglomeram. Os Estados Unidos têm apenas cerca de cinco mil e quinhentos hospitais, com um total combinado de aproximadamente novecentas mil camas, o suficiente para albergar menos de 0,3 por cento da população. A dar-se um contágio de rápida dispersão poderia preencher essas camas em poucos dias com pacientes infectados, assim como, outras pessoas que temem ter sido expostas e não é necessário ir muito além da época de gripe deste ano, quando até mesmo os Estados Unidos e o Reino Unido enfrentaram escassez de camas hospitalares, profissionais de saúde e bens essenciais, como fluidos intravenosos. Assim, e de igual forma, a capacidade de testes de laboratório foi superada durante a crise do vírus da Zika, quando, mesmo na Florida, muitas mulheres grávidas não puderam fazer o teste. É de prever que em caso de ataques com armas biológicas, pacientes contagiantes que entram em instalações de saúde ou laboratórios comerciais para testes, sobrecarregam essa capacidade e expõem outros que correm para os mesmos locais durante o processo. Tais lacunas não podem ser corrigidas simplesmente com a construção de mais hospitais e laboratórios, que permanecerão sem uso até que haja uma emergência. São necessárias abordagens mais ágeis e descentralizadas, apoiadas por novas tecnologias, que aproximem as funções de diagnóstico e tratamento das pessoas que vivem com menos necessidade de pessoal especializado e infra-estruturas que não podem ser dimensionadas. É de entender que este tipo de abordagem permitiria que os pacientes fossem diagnosticados em casa, na escola, no escritório ou na comunidade e ficassem isolados antes de infectar outras pessoas. As várias plataformas de tecnologia actuais e emergentes (por exemplo, o sistema “Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats [CRISPR na sigla inglesa], ou seja, Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas)”, nanotecnologia, nanoporos e imunoensaios) poderiam melhorar essa capacidade. As plataformas visam detectar qualquer patógeno, incluindo micróbios de engenharia, com precisão a partir de pequenas amostras de sangue e urina, que não requerem técnicos qualificados para recolher ou processar. Os diagnósticos podem evoluir ao ponto de poderem ser usados em “telefones inteligentes (smartphone na palavra inglesa)” ou “computadores portáteis (laptops ou notebooks nas palavras inglesas)”, que permitirão que os pacientes façam a sua varridela e, como detectores de fumaça, monitorizem continuamente o ambiente na procura de ameaças. Além dos diagnósticos, também são necessárias formas mais eficientes de isolamento e capacidade de tratamento. Os hospitais de campanha rapidamente implantáveis, como os usados em zonas de guerra, podem ser rapidamente colocados e, quando a transmissão é amplamente disseminada, as pessoas também podem ficar isoladas nas suas casas. As abordagens de autoteste poderiam ser combinadas com consultas de telemedicina usando tecnologias do tipo “Skype” ou “FaceTime” para avaliar pacientes e serviços semelhantes aos da “Amazon” para medicamentos e tratamentos ao domicilio. As equipas médicas móveis poderiam ser enviadas para visitar pacientes que necessitassem de mais cuidados práticos nas suas casas, enquanto as preciosas camas hospitalares e o risco de transportar pacientes contagiosos poderiam ser reservados para aqueles que realmente necessitam de cuidados intensivos. Assim, essas abordagens ou estratégias e as ferramentas necessárias para a sua implementação devem ser desenvolvidas e preparadas, bem como os avanços tecnológicos que nos levaram ao precipício de uma fusão entre duas das maiores ameaças da humanidade, a doença e a guerra, novos pensamentos e inovações podem ajudar a estarmos preparados para responder de forma eficaz, dado essas ameaças se tornarem uma realidade cada vez mais palpável. Se recuarmos na história deparamos que os verdadeiros inventores da guerra química e biológica foram caçadores que, usavam a fumaça produzida por ramos verdes e relva molhada, e forçavam os animais selvagens a deixar as suas cavernas, sendo também adoptado em ataques contra outros seres humanos. Tendo como fim tornar esses fumos mais eficientes, acrescentavam substâncias diferentes nos incêndios, como resinas vegetais, e gorduras animais e lembremos que é considerada como arma bacteriológica qualquer patógeno (bactéria, vírus ou outro organismo causador de doenças) que é usado como arma de guerra. É o uso de produtos tóxicos não vivos, mesmo que sejam produzidos por organismos vivos (por exemplo, toxinas). A arma biológica pode ser projectada para matar, desactivar ou impedir indivíduos, cidades ou países. A guerra biológica é uma técnica militar que pode ser usada por países ou grupos de pessoas. Se um país a utiliza clandestinamente, também pode ser considerado como bioterrorismo. Os textos de uma antiga seita maçónica falavam que no século V a.C., existiam foles onde era introduzida uma fumaça tóxica feita de sementes de mostarda e outras espécies de plantas. Essa fumaça era introduzida nos túneis que os atacantes cavaram durante os cercos (situações de guerra em que uma área é cercada pelo inimigo, que tenta capturá-lo). Alguns manuscritos chineses ainda mais antigos contêm catálogos com dezenas de receitas para produzir fumaça tóxica, bem como registos desses gases em situações de guerra. Entre estes, por exemplo, fala-se dos “espíritos das armadilhas de névoa” (fumaça com arsénico), ou o cálcio pulverizado, que séculos depois foi usado em 178 d.C. para apaziguar uma revolta camponesa. O ser humano, desde a antiguidade, usou fumaça, gases, vapores, névoas artificiais para irritar o inimigo. O primeiro dano verdadeiro ao trato respiratório ocorreu quando o óxido sulfúrico começou a ser usado, e que foi obtido pela simples combustão de pó de enxofre ao ar livre. A prioridade no uso de gases venenosos recentemente foi reivindicada pelos chineses, que afirmam que no século II a.C. causou a cegueira dos seus inimigos soprando nuvens de pó de pimenta. Os primeiros exemplos historicamente comprovados do uso de substâncias irrespiráveis remontam à Guerra do Peloponeso, entre Esparta e Atenas em 431 a.C., O historiador Arriano, cronista de Alexandre, o Grande, diz -nos que em 332 a.C. na cidade fenícia de Tiro, os sitiados repetidamente recorreram ao uso de enxofre para defender os muros da cidade. A história romana é frequente na menção de guerras travadas com o auxílio de substâncias produtoras de fumaça irritante. O filósofo romano de etnia grega, Plutarco, conta que durante a campanha de Espanha contra a província de Guadalajara, no ano 81 a.C. o cônsul romano ordenou a preparação de uma corda contendo uma mistura de terra muito fina, cal viva e enxofre. Foi movida por cavalos a galope, de modo que a nuvem tóxica carregada pelo vento tornou os inimigos cegos a renderem-se. Os livros escritos por Frontinus, por volta do ano 90 do calendário juliano, fala em acções, como a introdução de nuvens de abelhas nos túneis, arremessar aos navios inimigos recipientes cheios com cobras venenosas, deixar animais famintos livres contra os sitiados e atirar partes de animais em decomposição pelas paredes. As bactérias são organismos minúsculos que vivem livremente e se reproduzem por divisão simples e são fáceis de crescer. Os vírus são organismos que requerem células vivas para se reproduzir e são intimamente dependentes do corpo que infectam. As toxinas são substâncias venenosas que são encontradas e extraídas de plantas, animais ou microrganismos vivos. Algumas toxinas podem ser produzidas ou alteradas por meios químicos. As “Rickettsias” são as bactérias que produzem a chamada riquetsiose, normalmente vivem em carrapatos, ácaros, pulgas e piolhos que pode ser transmitida aos seres humanos por picadas destes agentes sugadores de sangue, e geralmente vivem dentro das células que revestem os pequenos vasos sanguíneos, fazendo com que fiquem inflamadas ou entupidas. A forma de fazer a guerra tem estado a mudar rapidamente da área cibernética para a biotecnologia. Não existem certezas de que situações realizadas de forma autónoma irão competir com o poder destrutivo físico das armas nucleares. A autonomia é um conceito complicado e é preciso não esquecer de que, quando se trata de usar a força para proteger a civilização, um dos princípios deve ser o envolvimento dos seres humanos na tomada de decisões críticas. É um princípio importante, consistente com a plena exploração desse potencial e que terá um grande efeito na guerra. Mas é muito difícil comparar qualquer situação com armas nucleares por causa do incrível poder destrutivo físico, pois completaram-se setenta anos e nada se ajustou. É de esperar que algo vai rivalizar com as armas nucleares em termos de pura destreza da sua capacidade de destruição, sendo o mais provável que venha da biotecnologia do que qualquer outra tecnologia. Olhando décadas atrás, realizamos que a revelação biológica poderia rivalizar com a revolução atómica dado o efeito do seu potencial. Os países começaram a investir secretamente nesses programas e tem sido utilizado em conflitos e desde logo na Síria (apesar de ter sido usado desde a antiguidade e mais recentemente pelo regime nazi, exércitos alemão, egípcio, soviético, espanhol, japonês, italiano, americano e a seita japonesa “Verdade Suprema”), podendo cair nas mãos de grupos religiosos radicais como o Estado Islâmico ou outros grupos terroristas. A biotecnologia não tem sido uma área tradicional para a defesa e as novas pontes que constroem não devem ser apenas para a comunidade de “Tecnologia da Informação (IT na sigla inglesa)”, mas também para as comunidades de biotecnologia.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA guerra comercial da administração Trump [dropcap style=’circle’] A [/dropcap] política comercial dos Estados Unidos está a confundir os mercados. O mercado de acções americano, a 22 de Março de 2018, caiu 700 pontos, pois as bolsas sentiram-se fortemente, pressionadas pelas preocupações de uma potencial guerra comercial e um declínio nas acções de tecnologia. O mercado mais amplo, também foi pressionado por um declínio nos “stocks” dos bancos. A média industrial do Dow Jones caiu 724,42. A queda de 2,9 por cento foi a pior desde 8 de Fevereiro de 2018. O índice de trinta acções também entrou brevemente no território de correcção, pela primeira vez desde essa data, caindo 10 por cento, desde a sua contínua alta durante cinquenta e duas semanas. O S&P 500 caiu 2,5 por cento, com sete dos onze sectores, incluindo tecnologia e finanças, a desmoronarem mais de 2 por cento. O sector financeiro foi o de pior desempenho no índice, caindo 3,7 por cento. O composto Nasdaq recuou 2,3 por cento. A venda intensificou-se no encerramento, com o Dow Jones a perder mais de 250 pontos no final da sessão. A Administração Trump tinha divulgado tarifas destinadas a punir a China por roubo de propriedade intelectual, impondo cerca de sessenta mil milhões de dólares em encargos retaliatórios. As acções começaram a estar sob pressão à medida que a Administração Trump promovia uma agenda comercial proteccionista e, no início de Março de 2018, teve um pico de receio, com o anúncio da implementação de tarifas sobre as importações de aço e alumínio, levantando preocupações sobre uma potencial guerra comercial. Investidores nervosos O proteccionismo do presidente Trump está a deixar cada vez mais nervosos os investidores e a última crise de nervos deu-se na Cimeira do G7, no Canadá, entre os dias 9 e 10 de Junho de 2018, quando Estados Unidos e os demais parceiros do grupo das nações mais industrializadas do mundo, submergiram em uma crise comercial e diplomática, marcada por uma troca de críticas incisivas, depois de o presidente americano, ter retirado o seu apoio à declaração conjunta, após a reunião. A experiência do passado indica que essas políticas são falidas e mesmo as barreiras moderadas ao comércio podem prejudicar as complexas cadeias de fornecimento globais. As acções da Boeing caíram 5,2 por cento, enquanto as da Caterpillar e da 3M caíram 5,7 por cento e 4,7 por cento, respectivamente. O rendimento dos títulos de Tesouro dos Estados Unidos com vencimento a dez anos registou a sua maior queda em apenas um dia, desde Setembro de 2017, com os investidores a subirem os preços dos títulos, enquanto os futuros de ouro subiram 0,5 por cento. Os títulos do Tesouros e ouro são vistos como activos mais seguros do que acções. As acções dos bancos caíram conjuntamente com os rendimentos do Tesouro. O “exchange-traded fund (ETF)”, que é um fundo de investimento negociado na Bolsa de Valores como se fosse uma acção, os fundos “SPDR (conhecidos por spiders)” são uma família de fundos negociados em bolsa (ETFs), e negociados nos Estados Unidos, Europa e Ásia-Pacífico e administrados pela “State Street Global Advisors (SSGA)” e o “S&P Bank” (KBE que é um puro investimento em empresas de capital aberto que operam como bancos ou fundos. Esses bancos operam como bancos comerciais ou bancos de investimento) caiu 3,7 por cento, enquanto o Citigroup, JP Morgan Chase e Bank of America fecharam em baixa. O “Índice de Volatilidade Cboe (VIX)”, amplamente considerado o melhor indicador de medo no mercado, subiu acima de vinte e dois, podendo ser observada a maior pressão sobre as acções se a emissão comercial crescer. A questão é de saber qual a razão para tais acontecimentos? Todos sob pressão A resposta principal é de que a política americana prejudica a economia global. As perdas na tecnologia também ajudaram as acções a cair. As acções de tecnologia têm estado sob pressão, ultimamente, face ao forte declínio das acções do Facebook, devido ao facto da empresa de pesquisa de dados “Cambridge Analytica” ter colectado dados de cinquenta milhões de perfis no Facebook, sem a permissão dos seus utilizadores. As acções do Facebook ainda não saíram da pressão a que têm estado submetidas, tendo caído 8,5 por cento até 21 Março de 2018 e no dia seguinte, caíram mais 2,7 por cento. O vice-director executivo do Facebook, Mark Zuckerberg, quebrou o silêncio sobre a notícia, tendo afirmado à CNN que tinha sido uma grande quebra de confiança, e que lamentava o acontecido. A notícia aumentou a preocupação de que os legisladores dos Estados Unidos poderiam elaborar legislação sobre o uso de dados para o Facebook e outras grandes empresas de tecnologia. A marca Google, que se prevê valer cerca de cem mil milhões de dólares, mais que o valor da Microsoft, Apple ou Coca-Cola, ou seja, é considerado o nome mais valioso do mundo, caiu 3,6 por cento e mergulhou no terreno de correcção. As empresas de tecnologia também estão entre as empresas que poderiam estar na mira de uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Os investidores também digeriram a mais recente decisão de política monetária da Reserva Federal, que tal como era previsto pelos mercados, elevou as taxas de juros em 25 pontos-base e melhorou a sua perspectiva económica, afirmando que a actividade económica e os aumentos de emprego foram fortes nos últimos meses. O mercado espera que o banco central aumente três vezes em 2018, enquanto a Reserva Federal, anunciou que estava a ampliar a sua previsão de aumento de taxa para 2019. As acções fecharam em baixa no dia 21 de Março de 2018 após o anúncio, pois em geral, o ímpeto ascendente das acções estava a ser quebrado. A bolsa de Nova Iorque perdeu no total nos dias 22 e 23 de Março de 2018, 1100 pontos. O que está a acontecer é que o investidor médio está mais sintonizado com o reequilíbrio e a obtenção de lucros quando as suas posições são superadas. O grau de volatilidade e incerteza continuou desde então, à medida que as tarifas continuaram em onda de incerteza. O Canadá, China, Europa, Índia e México estão a preparar-se para retaliar. Na verdade, existem dois conjuntos de tarifas que causam prejuízos no momento. Aço, alumínio e sombras chinesas O primeiro, sobre aço e alumínio, veio sob a Secção 232, uma provisão sob a Lei de Comércio de 1962, que permite ao presidente proteger a indústria dos Estados Unidos por razões de segurança nacional. O segundo, sobre as exportações chinesas, foi accionado sob a Secção 301 da Lei de Comércio de 1974, uma medida unilateral não usada durante décadas. Tomadas em conjunto, essas tarifas confundiram os negócios, criaram incertezas no país e no exterior e lançaram dúvidas sobre o compromisso dos Estados Unidos com o livre comércio, que eram de prever desde a campanha eleitoral do presidente Trump. No entanto, a economia global não está a mergulhar no caos, em grande parte porque os protagonistas são mais limitados do que os títulos da média sugerem. Apesar das ameaças de grande retaliação, a Organização Mundial do Comércio (OMC) restringe rigidamente o que os países podem fazer, ou seja, a disciplina jurídica da OMC torna os facto mais previsíveis do que aparentam, e aqui está uma das grandes respostas, pois para proteger os fabricantes de aço e alumínio dos Estados Unidos, o presidente Trump invocou a segurança nacional sob a Secção 232, o que se torna difícil, pois a grande maioria das importações de aço e alumínio do país vem dos aliados. Os Estados Unidos poderiam ter adoptado uma acção de salvaguarda, dado que tais medidas estão previstas pelo sistema da OMC, que permite que um seu membro pode tomar uma acção de salvaguarda, ou seja, restringir importações de um produto temporariamente, para proteger uma indústria doméstica específica, de um aumento nas importações de qualquer produto que esteja a causar, ou que esteja ameaçando causar, sérios danos à indústria. As medidas de salvaguarda estiveram sempre previstas no “Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT na sigla inglesa)”, (Artigo XIX). Todavia, foram usadas com pouca frequência, e alguns governos preferiram proteger as suas indústrias através de medidas de área cinzenta, como arranjos voluntários de restrição à exportação de produtos como carros, aço e semicondutores. O “Acordo sobre Salvaguardas” da OMC abriu novos caminhos ao proibir medidas de área cinzenta e estabelecer limites de tempo, como a “cláusula de caducidade” em todas as acções de salvaguarda. A restrição às importações causam danos significativos à indústria doméstica, mas isso exigiria que a compensação fosse estendida aos países visados por essas tarifas. O que a China, Europa e os queixosos fazem na OMC, é redefinir as tarifas da Secção 232 do presidente Trump como uma salvaguarda para compensar, através de tarifas de retaliação, que os Estados Unidos não conseguiram oferecer. Em resposta, os Estados Unidos provavelmente desafiarão essa reinterpretação, bem como o valor das tarifas de retaliação. A maior preocupação é que os Estados Unidos acabem por defender as tarifas da Secção 232, invocando o Artigo XXI do GATT, intitulado “Excepções Relativas à Segurança”. Em 1947, os redactores do GATT, o antecessor da OMC, procurou dar aos países-membros uma forma de saírem das suas obrigações de livre comércio se a segurança nacional estivesse em jogo. É o que impede a Rússia de levar um caso à OMC contra a Austrália, Canadá, UE e os Estados Unidos sobre as sanções pela sua incursão na Ucrânia. Se a OMC for, pela primeira vez, decidir sobre o significado do GATT XXI, por causa das tarifas de aço e alumínio da Administração Trump, o medo é que a instituição não acerte no cerne da questão. Se a OMC disser não à Administração Trump, isso parecerá uma repreensão à capacidade dos Estados Unidos de definir, por si, os seus interesses de segurança nacional. Segurança ou proteccionismo? Se, por outro lado, a OMC disser sim à Administração Trump, isso incentivará o proteccionismo sob o disfarce de segurança nacional. A Índia, por exemplo, está ansiosa para ver até onde essa lógica pode ser impulsionada, e terá um lugar na primeira fila num painel da OMC, abrindo o seu próprio caso contra os Estados Unidos. Assim, casos nefastos fazem a má jurisprudência. Não há jurisprudência sobre o GATT XXI. As tarifas da Secção 232, que afectarão principalmente os aliados dos Estados Unidos, não devem ser a disputa sobre a qual a OMC faz figas para não ter de opinar. Os reclamantes devem agir com cautela. As suas ameaças retaliatórias têm como premissa a reinterpretação das tarifas da Secção 232 do presidente Trump como uma salvaguarda. É criativo, mas é para a OMC decidir. Agir unilateralmente vai contra a lei da OMC e, ironicamente, minaria o outro caso da OMC da China contra os Estados Unidos – as tarifas da Secção 301. É esta, na verdade, a segunda repetição de uma disputa da OMC impetrada pela Europa na década de 1990. Então, como agora, o cerne da questão é se um país membro da OMC pode julgar a culpa de um parceiro comercial por supostas infracções, ou se apenas a OMC o pode fazer. Para evitar que a Secção 301 fosse derrubada em 2000, os Estados Unidos concordaram que sempre aguardariam um julgamento da OMC, antes de promulgar tarifas punitivas. O desafio da China é afirmar que os Estados Unidos não estão a cumprir o que declararam. É importante ressaltar que os Estados Unidos são simpáticos à visão da China. No final de Março de 2018, a Administração Trump conduziu discretamente uma disputa contra a China pela propriedade intelectual, para que, em teoria, pudesse aguardar uma decisão da OMC. Se os Estados Unidos não esperarem, outros países inovarão as suas próprias tarifas unilaterais, paralisando a economia global baseada em regras. Não há boas jogadas disponíveis para os protagonistas além de negociar a sua saída dessa brilhante confusão. Alguns dizem que o plano do presidente Trump, foi o tempo todo, o de forçar as negociações; se for esse o caso, existem formas bem menos arriscadas de o fazer. Por exemplo, o aço é um problema, em grande parte porque nenhum país quer ser o último mercado aberto para exportações em dificuldades. Um acordo de estrutura que enfrenta esse problema, em vez de abordar os sintomas, seria um vencedor político. Da mesma forma, as tarifas da Secção 301 estão a ser usadas para tratar de tensões que têm mais a ver com investimento do que com comércio. O presidente Trump faria bem em retomar as negociações sobre um “Tratado Bilateral de Investimento (BIT na sigla inglesa)” com a China. Afinal, a preocupação do presidente Trump com questões como a transferência forçada de tecnologia já foi abordada no “Modelo US BIT 2012”. As tensões comerciais recentes servem como um lembrete pungente de que a economia global não é sem fronteiras. A boa notícia é que as disciplinas jurídicas da OMC estão a funcionar e apesar de toda a retórica sobre guerras comerciais, a economia global não se parece em nada com a dos anos de 1930.