O Ocidente dividido

“Make no mistake, the normative authority of the United States of America lies in ruins. The decision to go to war in Iraq, without the explicit backing of a Security Council Resolution, opened up a deep fissure in the West which continues to divide erstwhile allies and to hinder the attempt to develop a coordinated response to the new threats posed by international terrorism”.

The Divided West – Jürgen Habermas

(continuação)

Revela também a perplexidade dos dirigentes israelitas, que não imaginavam que os terroristas palestinianos fossem tecnicamente capazes de uma tal operação. Como disse o general israelita Giora Eiland, a coligação de direita e de ultra-direita no poder prejudicou gravemente a imagem e a credibilidade de Israel ao lançar a represália de dois meses no interior de Gaza, em vez de se limitar a controlar o “Corredor de Filadelfia” (o corredor Filadelfia é uma zona limite entre a Faixa de Gaza e Egipto. Este corredor, de 100 metros de largura e 14 km de comprimento, poderia ser a única via de passagem para centenas de milhares de palestinianos no caso de um grande ataque do exército israelita em Rafah) e isolar a “Faixa” para obrigar o inimigo a render-se, pelo que “Sentimo-nos vítimas do 7 de Outubro, um ataque frio e impiedoso e agora toda a gente nos considera carniceiros”.

Abriu-se um novo capítulo na disputa secular entre judeus e árabes palestinianos. Ninguém sabe nem pode saber onde vai acabar. Depois de se ter afastado a quimera dos dois Estados, uma hipótese que nunca existiu mas que era conveniente para todos, restam três possibilidades, a de um Estado, nenhum ou “cem mil”. No primeiro caso, Israel formalizaria o facto de que, entre o rio Jordão e o Mar Mediterrâneo, existe apenas um Estado, o seu. O resto são territórios ocupados, corroídos todos os dias pelo impulso dos colonos. É suposto estabelecer-se assim a quota de palestinianos que é tolerável no Estado-nação do povo judeu.

Os restantes terão de emigrar, espontaneamente ou não. A 28 de Janeiro de 2024, realizou-se em Jerusalém uma manifestação festiva, com a presença de doze ministros, para anunciar a recolonização de Gaza. Com um mapa detalhado dos colonatos. O ministro das Comunicações, Shlomo Karhi, criou para a ocasião o conceito de “emigração voluntária imposta”. O resultado de com a acção desencadeada pelo Hamas deve, portanto, consistir num grau de limpeza étnica determinado por meras relações de poder. Os “Estados Zero” seriam, em vez disso, a consequência de um conflito alargado com a Cisjordânia, o Líbano e a Síria, mas também para o Irão e os Estados Unidos com os seus respectivos associados. Sem excluir a utilização da “bomba atómica”.

Todos os conflitos do Médio Oriente seriam perturbados e redesenhados ou ficariam fora do alcance de qualquer entidade estatal. Israel e os “Territórios”, tal como são actualmente, deixariam de existir. Improvável, mas não impossível. Por “cem mil” entende-se a tribalização paroxística que afecta as populações de Israel, profeticamente denunciada pelo antigo Presidente Reuven Rivlin em 2015. Nos meses que antecederam a guerra, multiplicaram-se os projectos de federalização, de cantonização e de parcelizações diversas, talhados a bisturi no espaço exíguo do Estado judaico. Desde os panfletos da Cisjordânia aos de Israel. A homogeneidade étnico-cultural-religiosa determinaria a divisão de territórios considerados heterogéneos. Um gosto pela escultura que sempre animou os projectos de reconfiguração de espaços estreitos e disputados.

Tal como no “Plano Eiland” para Gaza, que na versão de 2008, previa o alargamento da “Faixa de Gaza” a uma fatia do Sinai Egipto em troca de uma parte do Negev (região de Paran) atribuída ao Cairo e 12 por cento da Cisjordânia anexada a Israel. Ou os oito emirados palestinianos entre Gaza e a Cisjordânia, fruto da acrimónia de Mordechai Kedar, antigo oficial dos serviços secretos. A tentativa de resolver o insolúvel convida à auto-destruição. Mas nesta altura a “Caixa de Pandora” já foi aberta. A responsabilidade recai sobre todos os actores envolvidos na região. Deixar às armas a imposição de projectos geopolíticos que serão sempre contestados pelos adversários do momento significa resvalar para a guerra permanente. Potencialmente suicida. Tudo menos uma vitória decisiva. Poder-se-ia estabelecer neste contexto dez dogmas da guerra de Israel contra o Hamas num conflito de longa data que resultou em inúmeras baixas e destruição de ambos os lados em que Primeiro, o Hamas é uma organização terrorista: Um dos dogmas centrais da guerra de Israel contra o Hamas é a rotulagem do grupo como uma organização terrorista. O Hamas tem sido responsável por numerosos actos de terrorismo, incluindo ataques com foguetes contra civis israelitas e a utilização de bombistas suicidas. Este dogma justifica as acções militares de Israel contra o Hamas, enquadrando-as como medidas necessárias para proteger os seus cidadãos da violência.

Segundo, Israel tem o direito à auto-defesa: Outro dogma fundamental da guerra de Israel contra o Hamas é a crença no direito do país à auto-defesa. Israel argumenta que as suas acções militares são necessárias para proteger os seus cidadãos dos ataques do Hamas e de outros grupos militantes da região. Este dogma constitui a base das operações militares de Israel em Gaza, incluindo os ataques aéreos e as incursões terrestres. Terceiro, o Hamas utiliza escudos humanos: Israel acusa o Hamas de utilizar escudos humanos, uma táctica em que os militantes se escondem entre os civis para dissuadir os ataques das forças inimigas. Este dogma é utilizado para justificar o ataque de Israel a áreas civis em Gaza, uma vez que os militares israelitas afirmam que o Hamas está deliberadamente a pôr em risco vidas inocentes ao utilizá-las como escudos. Os críticos argumentam que esta justificação constitui uma violação do direito humanitário internacional, que proíbe o ataque intencional a civis durante um conflito armado.

Quarto, o bloqueio de Gaza é necessário para a segurança: Israel mantém um bloqueio a Gaza, controlando o fluxo de bens e pessoas que entram e saem do território. Este dogma afirma que o bloqueio é necessário para a segurança de Israel, uma vez que restringe o movimento de armas e militantes para Gaza. Os críticos argumentam que o bloqueio é uma forma de punição colectiva contra a população civil de Gaza, uma vez que restringe o acesso a bens e serviços essenciais. Quinto, a solução de dois Estados é a única via para a paz: Muitos apoiantes da guerra de Israel contra o Hamas argumentam que a solução dos dois Estados é o único caminho viável para a paz na região. Este dogma afirma que a criação de um Estado palestiniano ao lado de Israel é a melhor forma de resolver o conflito e de responder às aspirações de ambos os povos. Os críticos argumentam que a solução dos dois Estados já não é viável devido à expansão contínua dos colonatos israelitas na Cisjordânia e à falta de vontade política de ambas as partes para negociar um acordo de paz duradouro.

Sexto, o direito internacional apoia as acções de Israel: Israel afirma que as suas operações militares em Gaza estão em conformidade com o direito internacional, nomeadamente com as leis dos conflitos armados. Este dogma afirma que as acções de Israel são respostas proporcionais e necessárias às ameaças colocadas pelo Hamas e por outros grupos militantes na região. Os críticos argumentam que Israel violou o direito internacional ao visar zonas civis em Gaza, ao utilizar força excessiva e ao ignorar os princípios da distinção e da proporcionalidade. Sétimo, o Hamas rejeita o direito de Israel à existência: Outro dogma central da guerra de Israel contra o Hamas é a rejeição, por parte do grupo, do direito de Israel a existir. O ideário do Hamas apela à destruição de Israel e à criação de um Estado palestiniano no seu lugar. Este dogma é utilizado para justificar as acções militares de Israel contra o Hamas, enquadrando-as como medidas defensivas contra uma ameaça existencial. Os críticos argumentam que a rejeição pelo Hamas do direito de Israel a existir é uma posição política que deve ser abordada através da diplomacia e das negociações, e não da força militar.

Oitavo, o papel dos actores externos no conflito: a guerra de Israel contra o Hamas não é apenas um conflito localizado entre duas partes, mas uma luta geopolítica complexa que envolve múltiplos actores externos. Este dogma reconhece a influência de países como o Irão e o Qatar no apoio ao Hamas e a outros grupos militantes na região. Reconhece também o papel dos Estados Unidos e de outras potências ocidentais no apoio militar e diplomático a Israel. Este dogma salienta a necessidade de cooperação e empenhamento internacionais para abordar as causas profundas do conflito e promover uma resolução pacífica. Nono, o impacto do conflito na população civil: O actual conflito entre Israel e o Hamas tem tido um impacto devastador na população civil de ambos os lados. Este dogma reconhece o sofrimento e as perdas sofridas por pessoas inocentes apanhadas no fogo cruzado do conflito, incluindo crianças, mulheres e idosos. Sublinha a necessidade de assistência humanitária, de protecção dos civis e de respeito pelos direitos humanos no meio de um conflito armado. Este dogma apela a uma maior atenção às dimensões humanitárias do conflito e a um empenhamento na defesa dos princípios do direito internacional humanitário.

Décimo, a necessidade de diálogo político e de negociação: Apesar da profunda animosidade e desconfiança entre Israel e o Hamas, reconhece-se a necessidade de diálogo político e de negociação para resolver o conflito. Este dogma sublinha a importância da diplomacia, do compromisso e do reconhecimento mútuo na abordagem das causas profundas do conflito e na obtenção de um acordo de paz sustentável. Apela ao reinício das conversações de paz, à implementação de medidas de confiança e ao envolvimento de mediadores externos para facilitar uma resolução pacífica do conflito. Os dogmas da guerra de Israel contra o Hamas reflectem a natureza complexa e multifacetada do conflito em curso entre as duas partes. Embora cada dogma apresente uma perspectiva diferente sobre as causas e as consequências do conflito, todos eles apontam para a necessidade urgente de uma solução abrangente e sustentável para alcançar a paz e a segurança para o povo de Israel e de Gaza. Só através do diálogo, da negociação e de um verdadeiro empenhamento na defesa dos direitos humanos e do direito internacional será possível quebrar o ciclo de violência e alcançar uma paz duradoura na região.

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