Brexit, nacionalismo e anti-migração

“Trump was a supporter of Brexit- the proposition that the UK should leave the EU – and had accurately proclaimed during his campaign that Brexit was a sign that he would win, too. The voters were in revolt against their traditional rulers. The election in the US was so similar to the Brexit campaign; the result was always going to be the same, too: victory for those on the outside.”
“The Rise of the Outsiders: How Mainstream Politics Lost its Way” – Steve Richards

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] referendo de 2016 sobre a saída ou permanência na União Europeia (UE) deveria oferecer uma resolução final ao debate sobre a Europa, que dividiu os partidos políticos da Grã-Bretanha durante décadas. No entanto, ao invés de pôr fim ao debate, os resultados das eleições gerais, de 8 de Junho de 2017 demonstraram que o “Brexit” continuará a ser um factor de divisão e influência na política britânica dos próximos anos. A palavra “Brexit” continua a ser usada como uma abreviatura para descrever o voto da Grã-Bretanha para abandonar a UE, em 23 de Junho de 2016 e activar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, a 29 de Março de 2017, tendo o significado do termo sido objecto de reflexão.

A primeira-ministra britânica no discurso proferido na Conferência do Partido Conservador, em Birmingham, a 2 de Outubro de 2016, afirmou que o significado do termo era simples, pois “Brexit significa Brexit”. O objectivo desta divisa era duplo.  Por um lado, Theresa May claramente afirmou a sua intenção de retirar o Reino Unido da UE.  Por outro lado, a sua mensagem “Brexit significa Brexit” procura eliminar todas as sugestões de que haveria um segundo referendo.  O andamento rápido para o momento actual é difícil de avaliar se qualquer uma dessas mensagens intencionadas atingiu o público-alvo.  Todas as situações consideraram a incerteza sobre o que esta palavra realmente significa, e que ainda é generalizada.

O resultado confuso do referendo, as múltiplas possibilidades e tecnicismos do “Brexit” e o prazo prolongado significam que, tanto para o Reino Unido como para a UE, as relações futuras se assemelham a cinquenta tons de cinza, ao invés de alguma divisão estabelecida, a preto e branco. O objectivo dos analistas acerca do tema não é fazer um balanço das extensas prosas em torno do que significa o “Brexit”. Mesmo após os resultados das eleições gerais de 8 de Junho de 2017, esta palavra significa muitas realidades para pessoas diferentes.  Não tem uma iteração singular.  Não tem voz unificada.  Pelo contrário, esse termo está em evolução, pois desde o referendo de 2016, ouve-se falar de um “Brexit duro”, um “Brexit suave” e um Brexit “áspero”, para citar apenas alguns rótulos linguísticos frequentemente associados a este termo.

À medida que as tentativas da primeira-ministra britânica de recuperar o equilíbrio depois de perder a maioria no Parlamento se produzem, é motivo para especular que não tem autoridade para garantir um “Brexit duro”. Pelo contrário, é de esperar que a aliança com o “Partido Unionista Democrático (DUP na sigla inglesa) ” da Irlanda do Norte signifique o surgimento de estratégias de negociação alteradas e mais suaves.  É difícil avaliar os efeitos que os resultados das eleições gerais terão na posição de negociação do Reino Unido com a UE. À medida que os jogos de linguagem do “Brexit” continuam a acumular, é importante não perder de vista um argumento omnipresente que os mantém juntos.  Para evitar tal descuido, deve-se demonstrar que a securitização da migração continua a ser uma âncora linguística constante, em relação às vagas de incerteza criadas pelo “Brexit”, e das consequências das eleições gerais de 8 de Junho de 2017, ou seja, a argumentação usada pelos actores políticos quando falam de segurança para enquadrar os migrantes como uma ameaça existencial para o país e legitimar o uso de medidas extraordinárias.

O segundo objectivo é considerar visões alternativas do “Brexit” oferecidas por meios de poder concorrentes.  Em particular, é de destacar os movimentos opostos à securitização, realizados pelo gabinete do Prefeito de Londres, através da campanha “London Is Open”. O slogan “Vote Leave, Take Back Control” adoptado pelos chamados “Brexiteers”, reflecte o que exactamente está em jogo, pois durante a acumulação dos argumentos do referendo de 2016, afirmou-se que o “Brexit” salvaria o país de despender enormes somas de dinheiro, em vez de aforrar os bolsos dos burocratas em Bruxelas, ou pagar o cheque em branco da crescente crise de refugiados.  Outros “Brexiteers” observaram rapidamente que o “Brexit” iria habilitar o governo a recuperar a autonomia completa sobre as leis e regulamentos nacionais.

A campanha ” Vote to Leave “, em vez disso, assegurou aos eleitores que o “Brexit” faria o Reino Unido recuperar o controlo completo das fronteiras e, portanto, uma maior capacidade de regular a migração. O “Vote to Leave” defendia que se votassem a favor do “Brexit”, conseguiriam economizar trezentos e cinquenta milhões de libras por semana, que podiam ser gastos em prioridades, como o “Sistema Nacional de Saúde”, escolas e habitações, e em um mundo com tantas ameaças, é mais seguro controlar as fronteiras e decidir por si quem pode entrar no país, e não ser governados pelos juízes da UE, bem como controlar a imigração e ter um sistema mais justo que acolhe pessoas no Reino Unido, com base nas aptidões que possuem, e não no passaporte que têm, e iriam comerciar livremente com todo o mundo, dado que a UE não permite a assinatura dos acordos comerciais com aliados chave como a Austrália e Nova Zelândia e economias em crescimento, como a Índia, China e Brasil e seriam livres para aproveitar novas oportunidades, que significam novos empregos e poderiam fazer as suas leis, por pessoas que pudessem escolher e retirar, o que seria mais democrático.

Se votassem por permanecer na UE, esta alargar-se-ia, o que representaria a adesão de cinco países como a Turquia com setenta e seis milhões de habitantes, a Sérvia com sete milhões e duzentos mil habitantes, a Albânia com dois milhões e oitocentos mil habitantes, a Macedónia com dois milhões e cem mil habitantes e o Montenegro com seiscentos mil habitantes. A UE custaria cada vez mais para o Reino Unido. Se a UE custa actualmente os referidos trezentos e cinquenta milhões de libras semanalmente, que seriam suficientes para construir um hospital para o “Sistema Nacional de Saúde” semanalmente, sendo que o Reino Unido recebe menos de metade desse dispêndio e não se pronuncia acerca da forma como os fundos foram gastos, bem como a imigração continuaria fora de controlo, pois quase dois milhões de pessoas vieram para o Reino Unido da UE nos últimos dez anos. É de imaginar o que seria nas próximas décadas, quando países novos e mais pobres aderissem à UE. O Reino Unido teria de continuar a resgatar o Euro, pois os países que o usam já têm uma maioria construída. Teriam de pagar a conta pelo fracasso do Euro. O Tribunal Europeu continuaria a monitorizar as leis, dado que controla tudo, de quanto impostos pagam, quem podem deixar entrar e sair do país e quais os trâmites. Escusado será dizer que essas linhas de argumentação não apareceram do vazio.

Os mais bem entendidos na política britânica devem estar profundamente conscientes de que securitização da migração não é um fenómeno novo no Reino Unido, nem é uma característica única do “Brexit”, mas pelo contrário, a sua base foi esculpida pelo ex-primeiro-ministro David Cameron, e pelo seu governo muito antes do termo “Brexit” ter sido inventado. É de recordar do furor político criado pelas  observações de David Cameron, a 30 de Julho de 2015, aquando da “Crise de Calais”, referindo-se a “enxame de migrantes” que foi condenada e considerada desumanizadora. Os comentários de Theresa May no seu papel como Secretária do Interior, também, podem sugerir a mesma condenação, quando a 6 de Outubro de 2015, afirmou que a imigração prejudicava a coesão social, e a 19 de Maio de 2017, os Conservadores afirmavam que os altos níveis de imigração tornavam impossível uma sociedade mais coesa.

É de considerar que essas tramas culminaram na construção de políticas governamentais, que deliberadamente visavam a migração líquida que ainda estão vivas actualmente. Torna-se claro que a liderança de “Brexiteers” soou forte e orgulhosamente a partir dessa lista de hinos securitizada ao longo do referendo de 2016. O cartaz “break point” anti-migrante, com a imagem de Nigel Farage, que foi líder do “Partido de Independência do Reino Unido (UKIP na sigla inglesa)”, de 5 de Novembro de 2010 a 28 de Novembro de 2016, que defende ideais conservadores e eurocépticos, mostra uma fila de migrantes e refugiados e incita ao ódio racial. Esse cartaz pode ser visto como um acto de linguagem visual que mobilizou, reforçou e acelerou activamente as intrigas preexistentes, que enquadraram os migrantes como uma ameaça existencial para o Reino Unido. A imagem na opinião de muitos constituiu um discurso de ódio e fazia eco da propaganda nazi.

Se considerarmos as consequências dessas intrigas securitizadas e imagens, damos conta que um céptico pode perguntar, porque as devemos considerar se os migrantes foram securitizados todo o tempo que o ex-primeiro-ministro David Cameron exerceu funções?  Porque devemos chamar a atenção de Farage e do seu cartaz anti-imigração?  Um ano após o referendo da UE, não é o momento de aceitar o consenso anti-imigração no Reino Unido e não nos devemos preocupar mais com a luta contra os difíceis negociadores da UE que aguardam o Reino Unido? Embora seja tentador evitar que essas questões sejam inconsequentes, é de argumentar que o discurso sobre a imigração que prevaleceu tão fortemente durante o referendo da EU, ainda exige um exame por dois motivos.   O primeiro, porque o plano dessas tramas de securitização semeadas antes do voto do “Brexit” ajudam a explicar, porque Theresa May está disposta a retirar o Reino Unido da UE, mesmo que isso signifique afastar o país do mercado único, mesmo que o possa prejudicar grandemente.

Se analisarmos os principais discursos que pronunciou desde que se tornou primeira-ministra, é claro que Theresa May colocou a soberania nacional acima de tudo, e até ao presente absteve-se de negar categoricamente que existe a necessidade da Grã-Bretanha manter o acesso ao mercado único e aos passaportes comunitários em matéria de prestação de serviços de investimento financeiros ao abrigo da “Directiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (2004/39/CE – DMIF) ”. A prática revelará o prejuízo futuro quanto a estas matérias, e o efeito certamente serão o suicídio político e comercial. Poderá existir um suspiro colectivo de alívio e talvez possa aparecer um final alternativo depois de tudo? Talvez a securitização da migração possa ser desfeita para prevenir tais eventualidades extremas? Os “Brexiteers” alcançaram o seu objectivo e podemos ver um amolecimento da sua posição anti-imigração? É entendimento que esses cenários são improváveis de acontecerem.

A falta de clareza sobre os direitos e o estatuto dos cidadãos da UE serve como uma recordação importante de que Theresa May não mostrou sinais de atenuar a securitização de contextos de migração, durante as negociações que começaram a 19 de Junho de 2017. A UE considera como temas fundamentais e prioritários, o estatuto dos cidadãos prejudicados pelo “Brexit” , ou seja, os europeus que vivem no Reino Unido e os britânicos que residem nos vinte e sete Estados-membros, descrever as contribuições financeiras assumidas pelo Reino Unido enquanto membro do bloco comunitário e conhecida como factura do divórcio, e o estatuto da fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda.

A primeira-ministra britânica pretende fechar as portas do Reino Unido ao princípio da liberdade de movimento que está no centro do projecto constitutivo da UE. Deste ponto de vista, a probabilidade de um “Brexit duro” se materializar no futuro próximo parece crescer em vez de diminuir. Embora os resultados das rápidas eleições que Theresa May convocou tenham lançado uma luz caótica sobre as negociações do “Brexit”, não é sensato esperar que renuncie à sua promessa de retirar o Reino Unido do mercado único. Também não é óbvio que a UE tenha a intenção de repensar este ponto. É de observar que de uma perspectiva europeia, não importa se o Reino Unido tem um governo minoritário ou não, pois depende de como essas negociações desenrolarem e quais as cartas estratégicas que serão colocados na mesa de negociações, sendo possível que o contexto da securitização ressurja com vingança em vez de desaparecer.

A segunda razão pela qual é necessário (re)considerar as questões descritas é porque existem argumentos alternativos a serem considerados quando viajamos pela estrada com destino ao “Brexit”. Se voltarmos atrás na revisão dos contextos secuturizantes que saíram do governo e das atitudes políticas que envolveram as eleições gerais de 2017, damo-nos conta de uma questão que muitas vezes não é formulada. Qual é a alternativa para o “Brexit”? Esta questão estava visivelmente ausente da campanha. Ao dar um passo para trás para encontrar uma resposta adequada, foi refrescante descobrir que existem movimentos desidratadores em jogo.  A resposta da capital do Reino Unido ao “Brexit” com a campanha “London Is Open”, liderada pelo prefeito de Londres, Sadiq Khan, reflecte um contraste deliberado com o enquadramento descrito.

As mensagens de interiorização, nacionalismo e anti-imigração do governo, e as do município, foram refutadas intencionalmente e publicamente por uma nova campanha sob a bandeira de “Londres é aberta”.  A campanha foi lançada a 16 de Julho de 2016, menos de um mês após os resultados do referendo do “Brexit”, com o objectivo de mostrar que “Londres está unida e aberta para os negócios e para o mundo, após o referendo da UE”. O pequeno vídeo produzido pelo gabinete do Prefeito tornou-se viral, poucos dias após o seu lançamento, enquanto os cartazes que reforçavam a mensagem, eram colocados no metro de Londres. A campanha defende não apenas o relacionamento de Londres com a Europa e os cidadãos da UE, mas também a diversidade global da cidade com a garantia de que continuaria a ser bem-vindo e celebrado em Londres. A ênfase da campanha na inclusão global, em vez de meramente europeia, confirma a noção de que o “Brexit” não se trata apenas de melhores negócios ou de retorno do controlo da UE, mas tem sido sobre imigração, identidade, raça e história.

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