DSEDJ | Aposta em “poder suave” e interesse pela leitura

O interesse pela leitura e o desenvolvimento do “poder suave dos alunos” são estes os objectivos destacados pela Direcção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude em relação ao plano do ensino não superior. A explicação consta da resposta a uma interpelação escrita do deputado Ho Ion Sang.

“O Governo da RAEM atribui grande importância à formação da capacidade de leitura dos alunos. O ‘Planeamento a Médio e Longo Prazo do Ensino Não Superior (2021-2030)’ definiu, como objectivos principais de “desenvolver o poder suave dos alunos”, “o reforço do interesse pela leitura, a formação da literacia em leitura dos alunos e a disponibilização de recursos e condições para promover o ensino da leitura”, pode ler-se no documento.

Para levar as crianças a lerem mais, foram instalados cacifos de levantamento de livros em algumas escolas, para que não seja sempre necessário ir à biblioteca. “Para facilitar o empréstimo e a devolução de livros e materiais audiovisuais da Biblioteca Pública por docentes e alunos, a DSEDJ e o Instituto Cultural (IC) cooperaram e convidaram, em 2023, algumas escolas do ensino não superior para instalarem, a título experimental, cacifos automatizados para o levantamento de livros nas suas instalações”, foi acrescentado.

Em relação ao próximo ano lectivo, a DSEDJ promete uma maior aposta na cultura nacionalista, com um novo manual sobre segurança nacional. “Relativamente à promoção da cultura tradicional chinesa e ao cultivo do sentimento patriótico nos alunos, a DSEDJ está a elaborar, em cooperação com uma instituição profissional, os materiais didácticos complementares da educação da segurança nacional para uso das escolas primárias e secundárias e instituições de ensino superior, que prevê lançar no ano lectivo de 2024/2025”, foi revelado.

27 Fev 2024

UM | Estudantes de engenharia em visita nacionalista

Estudantes e docentes do departamento de engenharia civil e ambiental da faculdade de ciência e tecnologia da Universidade de Macau (UM) visitaram a Universidade Tecnológica do Sul da China, em Guangzhou, para “alargar os horizontes profissionais e melhor o espírito competitivo”.
Durante a visita de 10 dias, a comitiva da UM visitou “o Salão Memorial do Terceiro Congresso Nacional do Partido Comunista da China para aprofundarem a compreensão da história da Revolução Chinesa e reforçarem o seu patriotismo”.
Guiados por uma equipa da escola de engenharia civil e transportes da universidade chinesa, a comitiva da UM visitou também Centro de Exposições de Planeamento Urbano de Guangzhou, passeram no Rio das Pérolas e subiram à Torre de Cantão.
A UM indicou ontem que a visita foi um dos “importantes resultados de um acordo de cooperação assinado” entre as duas universidades, com o objectivo de “aumentar os intercâmbios e cooperação no domínio do ensino da engenharia civil, da investigação e desenvolvimento de talentos, bem como reforçar os laços entre as instituições de ensino superior da área da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”.
Estudantes e membros do corpo docente de ambas as universidades visitaram o Laboratório Estatal de Ciências da Construção Subtropical, e tomaram conhecimento da forma como funciona o equipamento de impressão 3D para construção e detectores de tomografia computadorizada.

9 Jul 2023

China Media Group | Assinada parceria para criar conteúdos para jovens

O Chefe do Executivo e o presidente do China Media Group presidiram este fim-de-semana à cerimónia de lançamento da Campanha de Promoção do Interesse dos Jovens de Macau pelo Desenvolvimento dos Meios de Comunicação Social no âmbito do Programa “Juventude e Futuro”.
O acordo prevê que “ambas as partes aproveitem bem as vantagens obtidas pelos seus recursos para proceder adequadamente ao programa de desenvolvimento profissional dos jovens, o programa de formação no âmbito da capacidade de emprego e de empreendedorismo e o programa sobre o estudo e prática na indústria de alta tecnologia no Interior da China.”
O Gabinete de Comunicação Social acrescentou ainda que a parceria assinada pelo Governo e o grupo de Media dirigido pelo vice-ministro do departamento de publicidade do comité central do Partido Comunista Chinês, Shen Haixiong tem como objectivo apoiar “os jovens de Macau a observar profundamente e sentir as mudanças no desenvolvimento do país”.
Ho Iat Seng agradeceu o apoio do China Media Group, nomeadamente “através dos documentários realizados sobre a RAEM, tais como ‘Sabor de Macau’ e ‘Viagem de Duas Vias em Macau’, os quais trouxeram efeitos notórios à economia”.
As restantes intervenções, tanto de Ho Iat Seng como Shen Haixiong, reforçaram a “atenção afectuosa e de grande importância ao desenvolvimento e formação” com que Xi Jinping encara a juventude de Macau.
Ho Iat Seng afirmou que o Governo está empenhado “em orientar os jovens de Macau no sentido de estabelecerem uma visão correcta sobre o país, a vida e os valores, reforçarem o seu orgulho nacional e para serem donos do seu destino”.

3 Jul 2023

Nacionalismo | Ho Iat Seng garante que poder só pode passar por patriotas

O nacionalismo dos governantes e a protecção de segurança nacional foram dois objectivos da política actual destacados por Ho Iat Seng, em entrevista ao China Media Group. O Chefe do Executivo quer ainda uma cidade mais integrada no Interior

 

As políticas de segurança nacional e a governação de Macau por “patriotas” foram dois objectivos assumidos por Ho Iat Seng, em declarações ao canal estatal chinês China Media Group. A entrevista foi divulgada ontem, numa altura em que, de acordo com o Boletim Oficial, o Chefe do Executivo está em Macau, depois da estadia de dois dias em Pequim.

Ho Iat Seng apresentou o princípio Um País, Dois Sistemas, e Macau Governado por “patriotas” como duas políticas a ser implementadas “de forma correcta e sem hesitações”. Além disso, o líder do Governo destacou o “alto grau de autonomia” da RAEM, assim como o lema “Macau governado pelas suas gentes”.

Quanto ao futuro, Ho sublinhou “a responsabilidade constitucional de manutenção da segurança nacional”, ao mesmo tempo que frisou a meta de desenvolvimento da economia para “melhorar as condições de vida da população” e garantir a estabilidade e prosperidade “a longo prazo”.

Na vertente económica, o chefe do Governo mostrou-se confiante de que Macau vai conseguir “acompanhar o ritmo de desenvolvimento do país”, devido ao que considerou dois factores positivos para o crescimento: a Zona de Cooperação Aprofundada entre Macau e Cantão, na Ilha da Montanha; e a Zona da Grande Baía Cantão-Hong Kong-Macau.

Um mais quatro

Ao canal estatal chinês, Ho Iat Seng justificou também a estratégia de diversificação económica “1 + 4”. De acordo com as explicações do Chefe do Executivo, o “um” representa a construção da RAEM num centro mundial de turismo e lazer. Este é um objectivo do qual o Governo não abdica, mesmo depois de ter isolado a RAEM ao mundo durante os últimos três anos.

Por sua vez, o “quatro” é a aposta em serviços de saúde modernos, finanças, tecnologia de ponta e ainda a organização de eventos culturais e desportivos. Segundo Ho, estes quatro caminhos “não se limitam a ser os objectivos de Macau para a Grande Baía”, são também a forma de “integrar Macau no Desenvolvimento Geral do Interior”.

Sobre as quatro áreas escolhidas, o Chefe do Executivo argumentou que Macau “é um lugar pequeno” e que “não pode fazer tudo” apontando que estas quatro indústrias se enquadram “na direcção certa para o desenvolvimento”.

No mesmo sentido, Ho Iat Seng prometeu mobilizar as empresas do território para “aproveitarem as oportunidades do desenvolvimento nacional”.

Inclusiva e acolhedora

Ao falar com o canal do China Media Group, que no Interior é também conhecido como ‘A Voz da China’, Ho Iat Seng aproveitou para deixar uma mensagem “para todos os turistas do mundo”. “Somos uma cidade muito inclusiva e acolhedora. Espero que todos tentem vir a Macau para nos conhecer”, apelou numa mensagem deixada em mandarim.

9 Mar 2023

Nacionalismo com características chinesas

Não se pode falar de um nacionalismo chinês, mas de vários. Estes desenvolveram-se na sequência de acontecimentos que levaram os chineses a formar determinadas ideias da sua nação. Como lemos no artigo de Jean Pierre Cabestan dedicado a este tema no dicionário Compreeender a China Contemporânea, dirigido por Thierry Sanjuan (2009). O autor distingue quatro tipos de nacionalismo, eu acrescentarei mais um.

Há, por exemplo, um primeiro tipo, quase instintivo, advindo do sentimento de insegurança, que conduz ao fechamento da China sempre que esta se sente atacada do exterior. Recordemos que o país foi várias vezes invadido, tendo mesmo recebido dinastias estrangeiras como a Jin (金, 1115 -1234), a Yuan (元, 1271-1368) e a Qing (请,1644-1911). No entanto, conseguiu resistir parcialmente ao longo das duas Guerras do Ópio (1839-1842;1856-1860), tentou fechar-se, mas foi liminarmente aberta e à força. A insegurança resultante de uma ameaça externa, conduz a um forte nacionalismo, seja ele fruto de guerras ou de epidemias e, consequentemente, a uma tendência para a recriação da grande muralha.

Há um segundo tipo de nacionalismo, que surge no discurso político chinês. Este assume a forma de patriotismo, tendo como objetivo específico fomentar a união das 56 nacionalidades chinesas, as cinquenta e cinco minorias, mais a maioria Han (汉 hàn) em torno de um mesmo amor ao país, o Aiguozhuyi (爱国主义/愛國主義 Àiguózhǔyì) , à letra, o “Amor à Pátria”, que como tive oportunidade de salientar em Cultura Chinesa, Uma Perspetiva Ocidental (Alves, 2022: pp. 64-70) vem colmatar e completar a nova ideologia chinesa, que se desenvolveu num socialismo espiritual e ecológico, manifestado num grande amor à terra, após anos de exploração intensa e pouco ecológica dos recursos naturais.

Encontramos um terceiro tipo de nacionalismo, o vingativo, alimentado pelas elites chinesas, cansadas das incompreensões a que a imagem da China é sujeita nos vários países ocidentais e que alimentam no povo chinês o ódio ao exterior, porque também não recebem dos outros países um tratamento carinhoso. Os chineses recolhem nos meios de comunicação ocidentais uma série de epítetos, dos quais “estranhos” e “distantes” estão entre os mais suaves.

Ainda não há muitos anos, quando a nova vaga de emigração chinesa nos primeiros anos do século XXI chegou a Portugal para estabelecer as suas lojas comerciais, ouviu-se de tudo um pouco contra os reccém-chegados, por causa da concorrência que vinham oferecer à classe média portuguesa, com as suas horas de trabalho a perder de vista e a incapacidade de se regerem pelos padrões horários ocidentais. Foi um passo até se espalhar pela sociedade portuguesa que não havia mortos por entre os chineses, com obscuras insinuações agregadas, e que eram todos espiões das autoridades do país.

Um exemplo bem recente da imagem dos chineses divulgada pelos países europeus, são as supostas esquadras policiais que terão surgido em Portugal, França, etc., ou ainda mais próximo o episódio de um balão meteorológico, supostamente espião, que entrou no espaço americano, mantendo-se a teoria da espionagem e interrompendo-se uma viagem do secretário de estado norte-americano Antony Blinken à China, mesmo depois das autoridades chineses terem apresentado desculpas pelo erro de cálculo que levou o engenho a penetrar no espaço aéreo americano.

Já para não falar das teorias da conspiração que grassaram durante o primeiro ano de guerra declarada a que Rússia forçou a Ucrânia, tendo havido quem afirmasse que estavam os chineses por detrás dos russos a alimentar o expansionismo bélico destes, quando, de facto, os chineses têm vindo a manter, de acordo com a sua tradição pacifista, uma posição de neutralidade relativamente ao conflito em curso.

É por isso natural que encontremos entre a população chinesa, informada pelas suas elites, quem pague da mesma moeda aos ocidentais, formando a pior imagem possível das nossas gentes.

Um quarto tipo de nacionalismo surge em nome da modernização do país e à procura de um lugar de destaque no cenário internacional. Este recua aos tempos de presidência de Hu Jintao (胡锦涛 2003-2013) e à sua ideia de “emergência pacífica” (Cabestan, 2009: 229) e tem vindo a ser oportunamente desenvolvido pelas iniciativas do atual presidente chinês Xi Jinping (习近平, 2013-) , através, por exemplo, da pré-pandémica da Rota da Seda e das ideias de uma Nova Era (新时/時代Xīn shídài) assente nas Quatro Modernizações (四个现代化/四個現代化Sì gè xiàndàihuà), a saber, no campo, na indústria, na ciência e tecnologia, com vista à prosperidade da China e à sua colocação inter pares na nova ordem internacional.

Um quinto tipo de nacionalismo, na minha perspetiva, é aquele com características mais especificamente chinesas, ou seja, um nacionalismo cultural assente na plena consciência da cultura chinesa e no modo como esta é vivida e lida por autores contemporâneos, por exemplo por Lin Yutang (林语堂/林語堂, 1895-1976), que foi inventor, romancista, tradutor e filósofo. Este espírito enciclopédico, tanto se interessou por mecânica, dando ao mundo uma máquina de escrever chinesa, a Mingkwai, ou seguindo o alfabeto fonético chinês atual, a Mingkuai (明快 Míngkuài) que significa “clara e rápida”, tendo sido comercializada durante a guerra com Japão, além de ter desempenhado um papel de relevo durante a Guerra Fria. Mas Lin Yutang é também um filósofo, que andou a conhecer mundo, deixou vasta bibliografia em Inglês e Chinês. Entre a sua criação, gostaria de distinguir o best seller escrito em inglês My Country and My People (吾国与吾民) de 1935, ano em que chegaria aos Estados Unidos.

À época também ele notou que os chineses eram sistematicamente mal compreendidos pela comunidade internacional: “É o destino dos grandes ser mal compreendidos, portanto é também o destino da China. A China tem sido imensa e magnificamente mal compreendida.” (Lin, 1998: 6) E diz-nos mais, com um orgulho claramente cultural a respeito do seu país: “É a nação viva mais antiga com uma cultura contínua” (Lin, 1998: 4) . Adiante, distinguirá como característica da mente cultural especificamente chinesa estabelecer uma ligação direta entre a cabeça e o coração, dando origem à ideia que nós atualmente, na sequência dos estudos do sinólogo e filósofo Chad Hansen, apelidamos de “coração- mente (心 xīn)”, devido à deteção da bem sucedida união entre o coração e a mente, e acrescenta: “estabelecer a união entre a mente e o coração não é um estado de graça fácil, já que envolve nada menos do que resgatar uma cultura antiga” (Lin, 1998: 13).

Ora é esta capacidade de ver com o coração o que torna, segundo o filósofo, os chineses tão únicos no panorama mundial. Ao que se segue um pedido não do distanciamento entre ocidentais e chineses, mas a procura de uma comunidade de valores humanos partilhados por todas as civilizações. Antecipa o mesmo sentido a obra do pensador Gu Hongming (辜鸿铭,1857-1928), de influência claramente romântica, intitulada The Spirit of Chinese People《中国人的精神》, na qual se defende ser a civilização chinesa profunda, vasta e simples, apesar de não ser uniforme e haver diferenças regionais significativas, especialmente entre o Norte e o Sul da China, ainda assim consegue o autor descobrir um traço de união entre todos os chineses, que, tal como sucede com a defesa de Lin Yutang, lhes advém da simpatia e da ligação direta ao coração, que utilizam para comunicar e interpretar a realidade circundante.

Diz-nos o pensador (Gu, 1998: 13): “Os chineses têm o poder da simpatia, porque vivem uma vida totalmente concentrada no coração – uma vida de emoção ou de afectos humanos”, sendo por essa razão que possuem, segundo Gu Hongming, tão boas memórias, “porque se lembram das coisas com o coração e não com a cabeça.” (Gu, 1998:15) e, ainda, parafraseando o pensador, têm uma grande espontaneidade e simplicidade, que se nota por exemplo na língua, manifestação cultural muito valorizada, daí os estrangeiros serem aconselhados a aprender chinês cultivando a simplicidade infantil. (Gu, 1998: 14).

Estes autores concordam para que haja comunicação entre civilizações é necessário desfazer ideias e preconceitos, procurando, por exemplo, através da defesa expressa por Lin Yutang, encontrar valores comuns, acima de todos os nacionalismos, ou, ainda, como Li Xia (李霞) (2009) aconselha em Unravelling The Mystery Chinese Faces/《趣读中国人》, no capítulo Olhar para o Povo Chinês (看中国人去) proceder a uma reavaliação de imagens, quer por parte dos chineses quer por parte dos ocidentais, em nome de um saudável realismo. Seria bom que houvesse mais contacto e turismo cultural entre os povos (Li, 2009: 145): “Há cada vez mais ocidentais a virem para a China, apesar da ambivalência de sentimentos e impressões que têm das muitas faces do nosso povo e da nossa cultura (…) A ideia Ocidental do povo chinês está-se a aproximar muito mais da realidade. O melhor que temos a fazer é continuar a viver as nossas vidas ao máximo e manter a calma e a abertura de espírito quando lidamos com a observação e avaliação Ocidental.”

Do meu ponto de vista, entre os nacionalismos chineses, o mais constante e duradouro é o nacionalismo cultural, pelo que não será preciso muito para nós ocidentais obtermos uma imagem realista dos chineses, basta que procuremos compreender, com igual calma e abertura de espírito, os sinais emitidos pelas várias manifestações culturais chinesas, através das artes como a poesia, a caligrafia, a pintura e a música, ou até as artes marciais, onde bem transparecem o humanismo e pacifismo dos chineses, bem como a vontade deste povo em ser aceite sem preconceitos pela comunidade internacional.

 

Bibliografia

Alves, Ana Cristina. 2022. Cultura Chinesa, Uma Perspetiva Ocidental. Coordenação de Carmen Amado Mendes. Coimbra: Almedina e Centro Científico e Cultural de Macau.
Cabestan, Jean-Pierre. 2009. “Nacionalismo”. Compreender a China contemporânea. Um Dicionário. Direção de Thierry Sanjuan. Lisboa: Edições 70.
Gu Hongming (辜鸿铭) 1998. Spirit of Chinese People《中国人的精神》Beijing: Foreign Language Teaching and Research Press.
Li Xia (李霞) .2009. Unravelling The Mystery Chinese Faces/《趣读中国人》.Beijing: Foreign Languages Press.
Lin Yutang (林語堂). 1998. My Country and My People. Beijing: Foreign Language Teaching and Research Press.

“Este espaço conta com a colaboração do Centro Científico e Cultural de Macau, em Lisboa, sendo que as opiniões expressas no artigo são da inteira responsabilidade dos autores.
https://www.cccm.gov.pt/”

14 Fev 2023

DSEDJ define educação patriótica como prioridade

Numa resposta ao deputado Ho Ion Sang, os Serviços de Educação reconhecem que a segurança nacional está ligada ao “reconhecimento étnico” dos jovens, uma ideia que está a ser promovida pela “área da segurança”

 

 

A promoção da segurança nacional nos ensinos infantil, básico, secundário e superior são um dos grandes compromissos da Direcção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude (DSEDJ) para a “formação” dos mais novos. O compromisso foi reforçado na resposta a uma interpelação do deputado Ho Ion Sang, com a perspectiva de cada vez mais os conteúdos nacionalistas serem transversais a várias disciplinas.

A nível do ensino superior, segundo a DSEDJ, 85 por cento dos cursos ensinam conteúdos sobre a constituição e a Lei Básica, enquanto 80 por cento promovem a “cultural tradicional chinesa”.

No entanto, Kong Chi Meng, director da DSEDJ, garante que o compromisso não fica por aqui e que a educação nacional tem de ser transversal a mais disciplinas: “Recolheram-se e analisaram-se as opiniões facultadas por instituições superior de Macau, relativas às matérias descritas, aquando da criação ou alteração da organização dos planos de estudos dos cursos de licenciatura, para criar, no futuro, mais disciplinas respeitantes ao ensino de conhecimentos gerais que incluam a educação sobre os assuntos nacionais”, foi explicado.

Esta estratégia tem como objectivo “promover a educação sobre a segurança nacional em consonância com a evolução dos tempos, fortalecer o conhecimento dos estudantes sobre a história e cultura nacionais, o sistema nacional e a actual situação de desenvolvimento do país”.

Também os alunos do ensino não superior vão ser doutrinados com nacionalismo. No ensino primário e secundário as disciplinas de Educação Moral e Cívica, Actividades de Descoberta e História são as apostas para promover a segurança nacional. Com estas disciplinas, o Governo quer que os mais novos percebam “os desafios que o país está a enfrentar, os direitos de um país soberano, e as relações internacionais que o mesmo estabelece no âmbito da comunidade internacional”.

 

Fiscalização da bandeira

Além das actividades de ensino, a DSEDJ tem feito visitas às escolas para se certificar que a cerimónia do hastear da bandeira é frealizada de acordo com o desejado, o que Kong Chi Meng afirma contribuir para “um ambiente saudável”. “A DSEDJ enviou periodicamente pessoal às escolas para se inteirar das situações sobre o hastear da bandeira nacional e o desenvolvimento dos trabalhos de educação sobre a segurança nacional, criando, assim, um ambiente saudável nas escolas”, foi revelado.

Por outro lado, foi também anunciado que “a área da segurança” tem promovido acções de formação em que a segurança nacional e o nacionalismo são associados ao “reconhecimento étnico”. “As corporações e os serviços, através da realização de planos de formação, continuam a reforçar o reconhecimento da nação e étnico dos jovens e a aumentar os seus conhecimentos sobre a segurança nacional, para que os possam transmitir aos seus pares”, foi revelado.

9 Nov 2022

Segurança Nacional | Mais de 96 por cento de opiniões a favor da revisão da lei

O relatório da consulta pública esclarece que conversas privadas em aplicações móveis, colocação de “likes” nas redes sociais e a partilha de notícias e vídeos vão poder ser consideradas como práticas criminosas que atentam à segurança nacional

 

Mais de 96 por cento das 5.937 opiniões expressas no âmbito da consulta pública sobre a revisão da Lei Segurança Nacional apoia a necessidade de se proceder a uma revisão legislativa. Esta é a principal conclusão do relatório da consulta pública, elaborado pelo Gabinete do Secretário para a Segurança, que considera que os resultados mostram “plenamente o profundo sentimento de ‘amor à Pátria e amor a Macau’ dos diversos sectores da sociedade e a forte vontade da população em relação à defesa da segurança geral do Estado”.

As conclusões foram publicadas durante a tarde de ontem. E apesar do texto de consulta não apresentar os termos da proposta de lei, ao contrário do que aconteceu em 2009, o relatório do Gabinete do Secretário para a Segurança indica que as “ideias” sugeridas pelo Executivo tiverem o apoio da maioria daqueles que se expressaram sobre o assunto.

No que diz respeito à necessidade de se fazer uma revisão, entre as 5.937 opiniões ouvidas, 5.273 foram a favor da alteração, numa percentagem de 96,12 por cento. Ao mesmo tempo, houve 14 opiniões contra (0,26 por cento), sete respostas foram consideradas nulas (0,13 por cento) e 192 classificadas como outras. A classificação “outras” foi utilizada para as respostas em que os responsáveis pelo relatório não foram capazes de concluir se os comentários eram a favor ou contra, ou ainda para respostas em que não havia uma posição.

Entre um dos motivos que levaram a maior parte das opiniões a serem favoráveis ao diploma, surge a necessidade de controlar os discursos na internet, e as formas não violentas de secessão do Estado. “Algumas opiniões referem que os actos criminosos de secessão do Estado são praticados não apenas por meios violentos, especialmente, porque muitos dos crimes nesse âmbito são praticados através da internet”, é explicado no texto de consulta.

Em relação a este aspecto, quem se manifestou contra, mostrou-se preocupado com a possibilidade de haver demasiados factores subjectivos na lei, que facilitam em muito futuras condenações. “Algumas opiniões contra consideram que as condições de condenação são afectadas por muitos factores subjectivos, o que pode resultar facilmente na condenação”, foi explicado.

 

Referendos ilegais

Sobre esta matéria, houve ainda quem considerasse que os crimes cometidos por meios violentes e não violentos devem ser punidos com penas diferentes, uma vez que a ausência de violência não é encarada com a mesma gravidade, mas o Governo tem uma leitura diferente. “Quer os meios da prática de actos de secessão sejam violentos, ilícitos graves ou não violentos, apenas é necessário sublinhar que se trata de actos que violam a lei”, responde o Governo sobre este assunto. “Quanto à determinação da pena dos crimes praticados por meio violento ou não violento, é conveniente que o juiz proceda ao tratamento de acordo com o nível de gravidade das circunstâncias concretas dos crimes e nos termos da lei”, é acrescentado.

Em relação a exemplos de crimes não violentes graves, a resposta do Executivo indica a realização de referendos não oficiais, por considerar que tal prática é uma usurpação de competências do Estado.

 

Um like, um crime

Entre as opiniões ouvidas, 5.478 abordaram a revisão do crime Subversão contra o Governo Popular Central. Destas opiniões, 5.252 mostraram-se favoráveis, com 95,87 por cento a favor, 15 opiniões contra (0,27 por cento), 205 opiniões (3,74 por cento) foram classificadas como outras e 6 (0,11 por cento) como nulas.

Quanto à revisão do texto de sedição, foram recebidas 5.480 opiniões, entre as quais 5.256 foram a favor (95,91 por cento), 18 contra (0,33 por cento), 200 classificadas como outras (3,65 por cento) e 6 (0,11 por cento) como nulas. Sobre a revisão deste crime, o Governo explicou que “o Código Penal não impõe punições para os actos de incitação relacionados com a participação em motim e participação em motim armado”, porém considera que “não se podem ignorar os graves danos que os motins podem causar à estabilidade”. Neste sentido, há a intenção de punir actos que se encontrem “na fase de organização ou planeamento para que se possa concretizar a prevenção eficaz”.

Ainda sobre este aspecto, o Governo admite que colocar um “like” em publicações, partilhar notícias ou vídeos, ou mesmo em conversas privadas se podem cometer um crime de sedição. “Em relação aos actos de clicar no ‘like’ dos posts com conteúdos que possam prejudicar a segurança nacional, de reenviar notícias ou vídeos com aqueles conteúdos, ou de se expressar numa conversa privada em chat das redes sociais […] podem ou não constituir crime de ‘Sedição’”, foi considerado. “Tem de ser feita uma análise concreta do acto efectivo, não podem ser tratados assuntos diferentes com o mesmo padrão”, foi frisado.

 

Associações estrangeiras

Quanto à revisão “estabelecimento de ligações por organizações ou associações políticas de Macau com organizações ou associações políticas estrangeiras” foram ouvidas 5.475 opiniões, com 5.007 a manifestar-se a favor (91,47 por cento), 16 contra (0,29 por cento), 446 outras (8,15 por cento) e 6 nulas (0,11 por cento).

Segundo o Governo, não há razão para as pessoas se preocuparem, porque o conceito de ligações “tem a sua definição nítida na Lei relativa à defesa da segurança do Estado” e a mesma técnica vai ser utilizada na revisão. Além disso, o Governo considera que a “disposição não compromete qualquer relação legal que os residentes ou associações estabeleçam com os indivíduos ou organizações estrangeiras”.

Na conclusão, o relatório considera todas as opiniões emitidas, por pergunta, em vez de ser por pessoa ou associação. Assim sendo, indica que houve 103.691 opiniões a favor (93,37 por cento) das alterações, 445 contra (0,40 por cento), 6.798 como outras (6,12 por cento) e 115 nulas (0,10 por cento).

Sobre a definição de o “número muito reduzido de opiniões contrárias”, o Governo avança como hipótese para tal a ignorância sobre questões legais: “Quanto ao número muito reduzido de opiniões contrárias, não é excluída a possibilidade de que uma parte da população não conheça bem as leis de Macau, especialmente a lei penal e o sistema jurídico da defesa da segurança nacional”, foi argumentado, antes de se prometer mais campanhas de promoção informativa.

A Lei de Segurança Nacional foi criada em 2009 e é uma obrigação expressa na Lei Básica de Macau. O Governo está agora a rever o documento, depois de o Governo Central ter imposto uma lei a Hong Kong, que ainda não tinha legislado sobre esta matéria.

A consulta pública realizou-se entre 22 de Agosto e 5 de Outubro, ao longo de 45 dias, e o arranque ficou marcado pelas declarações de Ho Iat Seng. Logo na primeira semana, o Chefe do Executivo considerou que a proposta ia ser alvo de “ataques maliciosos”. No total, foram ouvidas 5.937 opiniões, entre as quais, 5.577 vieram do público, 223 de associações, 69 do sector jurídico. Houve ainda 68 opiniões atribuídas à Assembleia Legislativa, sector judicial, docentes de Direito nas instituições de ensino superior, imprensa, e serviços públicos.

 

 

Participação inferior a 2 por cento

A participação na consulta pública ao nível das opiniões individuais ficou abaixo dos 2 por cento. Segundo o resultado dos censos de 2021, publicados pela Direcção de Serviços de Estatística e Censos (DSEC), havia na RAEM cerca de 446.038 residentes locais com 20 anos ou mais, um número que exclui os não-residentes. Assumindo que todas as pessoas com mais de 20 anos podiam participar na consulta, e que o número não cresceu, então a participação na consulta pública foi de 1,3 por cento, uma vez que se registaram 5.577 opiniões expressas por indivíduos. No polo oposto, cerca de 98,7 por cento das pessoas não se expressaram a nível individual.

 

Insultos à proposta anularam opiniões

No total das 5.486 recebidas no âmbito da consulta pública sobre a Segurança Nacional, sete foram declaradas nulas e algumas por conterem insultos. O facto foi admitido pelas autoridades, que se recusaram a classificar algumas destas mensagens como foi explicado no conceito de opiniões nulas: “Entende-se por ‘nulas’ as opiniões que contêm palavrões e linguagem insultuosa ou com conteúdo incompreensível”, pode ler-se. A prática não é nova, é comum nas eleições para a Assembleia Legislativa que vários votos sejam anulados, por conterem insultos.

 

 

 

8 Nov 2022

Última Instância proíbe manifestação que visava polícia de Hong Kong

Para os dois juízes do Tribunal de Última Instância, Sam Hou Fai e Song Man Lei, um grupo de manifestantes em Macau não pode criticar as acções na RAEHK até haver uma decisão de um órgão de poder. Viriato Lima votou vencido

 

[dropcap]O[/dropcap] Tribunal de Última Instância (TUI) proibiu uma manifestação organizada pelos activistas Jason Chao e Man Tou que tinha como objectivo exortar os “órgãos policiais das diversas regiões (sobretudo os de Hong Kong)” a respeitarem a Convenção contra a Tortura.

Numa decisão tomada por Sam Hou Fai e Song Man Lei, com o voto contra do juiz Viriato Lima, na sexta-feira, o TUI considerou que os manifestantes tinham como verdadeira intenção “acusar e condenar a Polícia de Hong Kong de ter usado, de forma generalizada, a tortura e tratamentos cruéis, desumanos contra os manifestantes”.

Segundo o TUI, a manifestação não é aceitável por ser uma possível plataforma para a interferência nos assuntos de Hong Kong, o que contraria as leis da RAEM. “Se a Polícia de Macau permitisse a realização da reunião, seria muito provável que a sua decisão fosse interpretada no sentido de que concordou com a imputação feita pelos recorrentes em relação à Polícia de Hong Kong”, é defendido. “Ademais, haveria ainda o risco de dar a entender que ela interferiu, de forma dissimulada, na qualificação das actuações e reacções do órgão policial da RAEHK às manifestações violentas, tarefa essa que compete na realidade aos órgãos judiciais e de supervisão policial da RAEHK”, é acrescentado.

O TUI recusa a manifestação porque diz não se tratar de um “mero exercício do direito à crítica”, porque a condenação de uma actuação é mais do que a crítica. “A crítica tem que basear-se em factos objectivos, isto é, tem que dirigir-se a factos efectivamente ocorridos, fazendo-se comentários e críticas sobre os mesmos. No entanto, tal como se referiu, até ao presente momento, nenhum órgão de poder ou de supervisão da RAEHK qualificou as acções da polícia de Hong Kong como uso excessivo da força, ou até como submissão dos manifestantes à tortura e tratamentos cruéis, desumanos”, é sustentado.

Viriato votou vencido

A argumentação de Sam Hou Fai e de Song Man Lei não convenceu Viriato Lima, o outro juiz dos três que constituem a última instância de Macau. O magistrado votou vencido e apontou que mesmo que a manifestação criticasse a actuação das autoridades de Hong Kong, tal não viola a lei de reunião e manifestação.

“Mesmo que se entenda que a manifestação teria por finalidade a crítica à actuação recente das autoridades policiais de Hong Kong, afigura-se-me não constituir tal objecto fim contrário à lei”, escreveu Viriato Lima.

Man Tou e Jason Chao tinham avisado o Corpo de Polícia de Segurança Pública que desejavam realizar manifestações a 18 e 27 de Setembro e ainda a 4 de Outubro. Porém, o recurso apenas visou a última acção porque os activistas abdicaram das outras duas datas. O protesto de 4 de Outubro estava agendado para a Praça da Amizade, entre as 18h30 e as 18h50, e contava ter cerca de 15 participantes. Os materiais utilizados seriam cartazes.

1 Out 2019

Brexit, nacionalismo e anti-migração

“Trump was a supporter of Brexit- the proposition that the UK should leave the EU – and had accurately proclaimed during his campaign that Brexit was a sign that he would win, too. The voters were in revolt against their traditional rulers. The election in the US was so similar to the Brexit campaign; the result was always going to be the same, too: victory for those on the outside.”
“The Rise of the Outsiders: How Mainstream Politics Lost its Way” – Steve Richards

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] referendo de 2016 sobre a saída ou permanência na União Europeia (UE) deveria oferecer uma resolução final ao debate sobre a Europa, que dividiu os partidos políticos da Grã-Bretanha durante décadas. No entanto, ao invés de pôr fim ao debate, os resultados das eleições gerais, de 8 de Junho de 2017 demonstraram que o “Brexit” continuará a ser um factor de divisão e influência na política britânica dos próximos anos. A palavra “Brexit” continua a ser usada como uma abreviatura para descrever o voto da Grã-Bretanha para abandonar a UE, em 23 de Junho de 2016 e activar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, a 29 de Março de 2017, tendo o significado do termo sido objecto de reflexão.

A primeira-ministra britânica no discurso proferido na Conferência do Partido Conservador, em Birmingham, a 2 de Outubro de 2016, afirmou que o significado do termo era simples, pois “Brexit significa Brexit”. O objectivo desta divisa era duplo.  Por um lado, Theresa May claramente afirmou a sua intenção de retirar o Reino Unido da UE.  Por outro lado, a sua mensagem “Brexit significa Brexit” procura eliminar todas as sugestões de que haveria um segundo referendo.  O andamento rápido para o momento actual é difícil de avaliar se qualquer uma dessas mensagens intencionadas atingiu o público-alvo.  Todas as situações consideraram a incerteza sobre o que esta palavra realmente significa, e que ainda é generalizada.

O resultado confuso do referendo, as múltiplas possibilidades e tecnicismos do “Brexit” e o prazo prolongado significam que, tanto para o Reino Unido como para a UE, as relações futuras se assemelham a cinquenta tons de cinza, ao invés de alguma divisão estabelecida, a preto e branco. O objectivo dos analistas acerca do tema não é fazer um balanço das extensas prosas em torno do que significa o “Brexit”. Mesmo após os resultados das eleições gerais de 8 de Junho de 2017, esta palavra significa muitas realidades para pessoas diferentes.  Não tem uma iteração singular.  Não tem voz unificada.  Pelo contrário, esse termo está em evolução, pois desde o referendo de 2016, ouve-se falar de um “Brexit duro”, um “Brexit suave” e um Brexit “áspero”, para citar apenas alguns rótulos linguísticos frequentemente associados a este termo.

À medida que as tentativas da primeira-ministra britânica de recuperar o equilíbrio depois de perder a maioria no Parlamento se produzem, é motivo para especular que não tem autoridade para garantir um “Brexit duro”. Pelo contrário, é de esperar que a aliança com o “Partido Unionista Democrático (DUP na sigla inglesa) ” da Irlanda do Norte signifique o surgimento de estratégias de negociação alteradas e mais suaves.  É difícil avaliar os efeitos que os resultados das eleições gerais terão na posição de negociação do Reino Unido com a UE. À medida que os jogos de linguagem do “Brexit” continuam a acumular, é importante não perder de vista um argumento omnipresente que os mantém juntos.  Para evitar tal descuido, deve-se demonstrar que a securitização da migração continua a ser uma âncora linguística constante, em relação às vagas de incerteza criadas pelo “Brexit”, e das consequências das eleições gerais de 8 de Junho de 2017, ou seja, a argumentação usada pelos actores políticos quando falam de segurança para enquadrar os migrantes como uma ameaça existencial para o país e legitimar o uso de medidas extraordinárias.

O segundo objectivo é considerar visões alternativas do “Brexit” oferecidas por meios de poder concorrentes.  Em particular, é de destacar os movimentos opostos à securitização, realizados pelo gabinete do Prefeito de Londres, através da campanha “London Is Open”. O slogan “Vote Leave, Take Back Control” adoptado pelos chamados “Brexiteers”, reflecte o que exactamente está em jogo, pois durante a acumulação dos argumentos do referendo de 2016, afirmou-se que o “Brexit” salvaria o país de despender enormes somas de dinheiro, em vez de aforrar os bolsos dos burocratas em Bruxelas, ou pagar o cheque em branco da crescente crise de refugiados.  Outros “Brexiteers” observaram rapidamente que o “Brexit” iria habilitar o governo a recuperar a autonomia completa sobre as leis e regulamentos nacionais.

A campanha ” Vote to Leave “, em vez disso, assegurou aos eleitores que o “Brexit” faria o Reino Unido recuperar o controlo completo das fronteiras e, portanto, uma maior capacidade de regular a migração. O “Vote to Leave” defendia que se votassem a favor do “Brexit”, conseguiriam economizar trezentos e cinquenta milhões de libras por semana, que podiam ser gastos em prioridades, como o “Sistema Nacional de Saúde”, escolas e habitações, e em um mundo com tantas ameaças, é mais seguro controlar as fronteiras e decidir por si quem pode entrar no país, e não ser governados pelos juízes da UE, bem como controlar a imigração e ter um sistema mais justo que acolhe pessoas no Reino Unido, com base nas aptidões que possuem, e não no passaporte que têm, e iriam comerciar livremente com todo o mundo, dado que a UE não permite a assinatura dos acordos comerciais com aliados chave como a Austrália e Nova Zelândia e economias em crescimento, como a Índia, China e Brasil e seriam livres para aproveitar novas oportunidades, que significam novos empregos e poderiam fazer as suas leis, por pessoas que pudessem escolher e retirar, o que seria mais democrático.

Se votassem por permanecer na UE, esta alargar-se-ia, o que representaria a adesão de cinco países como a Turquia com setenta e seis milhões de habitantes, a Sérvia com sete milhões e duzentos mil habitantes, a Albânia com dois milhões e oitocentos mil habitantes, a Macedónia com dois milhões e cem mil habitantes e o Montenegro com seiscentos mil habitantes. A UE custaria cada vez mais para o Reino Unido. Se a UE custa actualmente os referidos trezentos e cinquenta milhões de libras semanalmente, que seriam suficientes para construir um hospital para o “Sistema Nacional de Saúde” semanalmente, sendo que o Reino Unido recebe menos de metade desse dispêndio e não se pronuncia acerca da forma como os fundos foram gastos, bem como a imigração continuaria fora de controlo, pois quase dois milhões de pessoas vieram para o Reino Unido da UE nos últimos dez anos. É de imaginar o que seria nas próximas décadas, quando países novos e mais pobres aderissem à UE. O Reino Unido teria de continuar a resgatar o Euro, pois os países que o usam já têm uma maioria construída. Teriam de pagar a conta pelo fracasso do Euro. O Tribunal Europeu continuaria a monitorizar as leis, dado que controla tudo, de quanto impostos pagam, quem podem deixar entrar e sair do país e quais os trâmites. Escusado será dizer que essas linhas de argumentação não apareceram do vazio.

Os mais bem entendidos na política britânica devem estar profundamente conscientes de que securitização da migração não é um fenómeno novo no Reino Unido, nem é uma característica única do “Brexit”, mas pelo contrário, a sua base foi esculpida pelo ex-primeiro-ministro David Cameron, e pelo seu governo muito antes do termo “Brexit” ter sido inventado. É de recordar do furor político criado pelas  observações de David Cameron, a 30 de Julho de 2015, aquando da “Crise de Calais”, referindo-se a “enxame de migrantes” que foi condenada e considerada desumanizadora. Os comentários de Theresa May no seu papel como Secretária do Interior, também, podem sugerir a mesma condenação, quando a 6 de Outubro de 2015, afirmou que a imigração prejudicava a coesão social, e a 19 de Maio de 2017, os Conservadores afirmavam que os altos níveis de imigração tornavam impossível uma sociedade mais coesa.

É de considerar que essas tramas culminaram na construção de políticas governamentais, que deliberadamente visavam a migração líquida que ainda estão vivas actualmente. Torna-se claro que a liderança de “Brexiteers” soou forte e orgulhosamente a partir dessa lista de hinos securitizada ao longo do referendo de 2016. O cartaz “break point” anti-migrante, com a imagem de Nigel Farage, que foi líder do “Partido de Independência do Reino Unido (UKIP na sigla inglesa)”, de 5 de Novembro de 2010 a 28 de Novembro de 2016, que defende ideais conservadores e eurocépticos, mostra uma fila de migrantes e refugiados e incita ao ódio racial. Esse cartaz pode ser visto como um acto de linguagem visual que mobilizou, reforçou e acelerou activamente as intrigas preexistentes, que enquadraram os migrantes como uma ameaça existencial para o Reino Unido. A imagem na opinião de muitos constituiu um discurso de ódio e fazia eco da propaganda nazi.

Se considerarmos as consequências dessas intrigas securitizadas e imagens, damos conta que um céptico pode perguntar, porque as devemos considerar se os migrantes foram securitizados todo o tempo que o ex-primeiro-ministro David Cameron exerceu funções?  Porque devemos chamar a atenção de Farage e do seu cartaz anti-imigração?  Um ano após o referendo da UE, não é o momento de aceitar o consenso anti-imigração no Reino Unido e não nos devemos preocupar mais com a luta contra os difíceis negociadores da UE que aguardam o Reino Unido? Embora seja tentador evitar que essas questões sejam inconsequentes, é de argumentar que o discurso sobre a imigração que prevaleceu tão fortemente durante o referendo da EU, ainda exige um exame por dois motivos.   O primeiro, porque o plano dessas tramas de securitização semeadas antes do voto do “Brexit” ajudam a explicar, porque Theresa May está disposta a retirar o Reino Unido da UE, mesmo que isso signifique afastar o país do mercado único, mesmo que o possa prejudicar grandemente.

Se analisarmos os principais discursos que pronunciou desde que se tornou primeira-ministra, é claro que Theresa May colocou a soberania nacional acima de tudo, e até ao presente absteve-se de negar categoricamente que existe a necessidade da Grã-Bretanha manter o acesso ao mercado único e aos passaportes comunitários em matéria de prestação de serviços de investimento financeiros ao abrigo da “Directiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (2004/39/CE – DMIF) ”. A prática revelará o prejuízo futuro quanto a estas matérias, e o efeito certamente serão o suicídio político e comercial. Poderá existir um suspiro colectivo de alívio e talvez possa aparecer um final alternativo depois de tudo? Talvez a securitização da migração possa ser desfeita para prevenir tais eventualidades extremas? Os “Brexiteers” alcançaram o seu objectivo e podemos ver um amolecimento da sua posição anti-imigração? É entendimento que esses cenários são improváveis de acontecerem.

A falta de clareza sobre os direitos e o estatuto dos cidadãos da UE serve como uma recordação importante de que Theresa May não mostrou sinais de atenuar a securitização de contextos de migração, durante as negociações que começaram a 19 de Junho de 2017. A UE considera como temas fundamentais e prioritários, o estatuto dos cidadãos prejudicados pelo “Brexit” , ou seja, os europeus que vivem no Reino Unido e os britânicos que residem nos vinte e sete Estados-membros, descrever as contribuições financeiras assumidas pelo Reino Unido enquanto membro do bloco comunitário e conhecida como factura do divórcio, e o estatuto da fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda.

A primeira-ministra britânica pretende fechar as portas do Reino Unido ao princípio da liberdade de movimento que está no centro do projecto constitutivo da UE. Deste ponto de vista, a probabilidade de um “Brexit duro” se materializar no futuro próximo parece crescer em vez de diminuir. Embora os resultados das rápidas eleições que Theresa May convocou tenham lançado uma luz caótica sobre as negociações do “Brexit”, não é sensato esperar que renuncie à sua promessa de retirar o Reino Unido do mercado único. Também não é óbvio que a UE tenha a intenção de repensar este ponto. É de observar que de uma perspectiva europeia, não importa se o Reino Unido tem um governo minoritário ou não, pois depende de como essas negociações desenrolarem e quais as cartas estratégicas que serão colocados na mesa de negociações, sendo possível que o contexto da securitização ressurja com vingança em vez de desaparecer.

A segunda razão pela qual é necessário (re)considerar as questões descritas é porque existem argumentos alternativos a serem considerados quando viajamos pela estrada com destino ao “Brexit”. Se voltarmos atrás na revisão dos contextos secuturizantes que saíram do governo e das atitudes políticas que envolveram as eleições gerais de 2017, damo-nos conta de uma questão que muitas vezes não é formulada. Qual é a alternativa para o “Brexit”? Esta questão estava visivelmente ausente da campanha. Ao dar um passo para trás para encontrar uma resposta adequada, foi refrescante descobrir que existem movimentos desidratadores em jogo.  A resposta da capital do Reino Unido ao “Brexit” com a campanha “London Is Open”, liderada pelo prefeito de Londres, Sadiq Khan, reflecte um contraste deliberado com o enquadramento descrito.

As mensagens de interiorização, nacionalismo e anti-imigração do governo, e as do município, foram refutadas intencionalmente e publicamente por uma nova campanha sob a bandeira de “Londres é aberta”.  A campanha foi lançada a 16 de Julho de 2016, menos de um mês após os resultados do referendo do “Brexit”, com o objectivo de mostrar que “Londres está unida e aberta para os negócios e para o mundo, após o referendo da UE”. O pequeno vídeo produzido pelo gabinete do Prefeito tornou-se viral, poucos dias após o seu lançamento, enquanto os cartazes que reforçavam a mensagem, eram colocados no metro de Londres. A campanha defende não apenas o relacionamento de Londres com a Europa e os cidadãos da UE, mas também a diversidade global da cidade com a garantia de que continuaria a ser bem-vindo e celebrado em Londres. A ênfase da campanha na inclusão global, em vez de meramente europeia, confirma a noção de que o “Brexit” não se trata apenas de melhores negócios ou de retorno do controlo da UE, mas tem sido sobre imigração, identidade, raça e história.

7 Jul 2017