A ameaça das armas biológicas

[dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap]s países estão preparados para a crescente ameaça das bio-armas artificiais? Face aos actuais surtos de Ébola na República Democrática do Congo e do vírus Nipah na Índia, uma ameaça ainda mais assustadora se aproxima. Os pesquisadores recriaram um vírus extinto, semelhante à varíola com o ADN comprado “on-line” por apenas cem mil dólares, em 2017. O seu sucesso aumenta a preocupação de que regimes e terroristas desonestos possam, similarmente, modificar ou projectar patógenos e usá-los como armas. O físico Ashton Baldwin Carte, que serviu como Secretário de Defesa dos Estados Unidos no governo do presidente Barack Obama alertou para o facto de que tal artilharia biológica poderia vir a rivalizar com o poder destrutivo das armas nucleares. Se um agente altamente contagioso fosse solto em uma grande cidade, poderia espalhar-se por toda a parte e matar milhares de pessoas, antes de se descobrir o que estava a acontecer.

A capacidade para responder de forma eficaz a essas ameaças exigirá uma mudança de paradigma para abordagens mais rápidas, ágeis e descentralizadas do que as existentes actualmente. A acessibilidade de baixo custo e “faça for si” das tecnologias genómicas, torna possível que tais armas sejam criadas e implantadas por qualquer agressor. Mesmo as pequenas mudanças são suficientes para produzir efeitos perigosos, pois uma única mutação foi necessária para transformar o vírus da Zika de uma infecção relativamente rotineira, em outra que pudesse causar danos cerebrais em recém-nascidos. O facto de que não haveria forma de saber quem desencadeou tal ataque, também reduz potencialmente o limite para o seu uso.

Os criminosos podem até projectar e libertar vários patógenos mortais ao mesmo tempo, dificultando a capacidade dos governos de responder e espalhar a confusão. Após o agente patógeno ser lançado, provavelmente existiria um curto período de tempo de apenas algumas semanas para evitar que causasse uma catástrofe global. Tal requer o controlo da transmissão, de modo que cada pessoa infectada contamine em média, menos de uma pessoa, fazendo que a epidemia pare e comece a diminuir. O historial recente contra epidemias que ocorrem naturalmente, no entanto, é preocupante e fazer mais do que se está a fazer com os meios disponíveis, não será suficiente para impedir que agentes com planos projectados se espalhem e matem mais rapidamente.

Os actuais esforços de resposta dependem do desenvolvimento de vacinas, sistemas terapêuticos e de saúde que centralizem a capacidade de diagnóstico, isolamento e tratamento em hospitais. As vacinas e terapias, no entanto, levam anos para se desenvolverem e alguns patógenos, como o HIV e a malária, desenvolvem formas de iludir a imunidade ou abrigar resistências que dificultam a sua erradicação, mesmo quando o tempo e os recursos não são limitados. Vivemos em uma era de biologia sintética, armas biológicas codificadas com tais características evasivas, que podem ser criadas mais rapidamente do que vacinas e terapias para combatê-las.

As inovações, como plataformas de vacinas sintéticas e anticorpos monoclonais, poderiam permitir uma implantação mais rápida, mas mesmo no melhor dos casos levaria meses, o que seria demasiado tempo para possibilitar contágios que duplicam em algumas semanas, e são difíceis de controlar quando estão disseminados. Sem vacinas e terapias, é usado o rastreamento de contacto para despistar e isolar pessoas infectadas, para evitar que exponham outras pessoas e fornecer-lhes cuidados de suporte, como fluidos intravenosos, para aumentar as suas possibilidades de sobrevivência, mas essa capacidade está concentrada em hospitais, que, mesmo em países de alto rendimento, podem rapidamente ser sobrecarregados e também potencialmente, promover a transmissão entre pessoas que neles se aglomeram. Os Estados Unidos têm apenas cerca de cinco mil e quinhentos hospitais, com um total combinado de aproximadamente novecentas mil camas, o suficiente para albergar menos de 0,3 por cento da população.

A dar-se um contágio de rápida dispersão poderia preencher essas camas em poucos dias com pacientes infectados, assim como, outras pessoas que temem ter sido expostas e não é necessário ir muito além da época de gripe deste ano, quando até mesmo os Estados Unidos e o Reino Unido enfrentaram escassez de camas hospitalares, profissionais de saúde e bens essenciais, como fluidos intravenosos. Assim, e de igual forma, a capacidade de testes de laboratório foi superada durante a crise do vírus da Zika, quando, mesmo na Florida, muitas mulheres grávidas não puderam fazer o teste.

É de prever que em caso de ataques com armas biológicas, pacientes contagiantes que entram em instalações de saúde ou laboratórios comerciais para testes, sobrecarregam essa capacidade e expõem outros que correm para os mesmos locais durante o processo. Tais lacunas não podem ser corrigidas simplesmente com a construção de mais hospitais e laboratórios, que permanecerão sem uso até que haja uma emergência. São necessárias abordagens mais ágeis e descentralizadas, apoiadas por novas tecnologias, que aproximem as funções de diagnóstico e tratamento das pessoas que vivem com menos necessidade de pessoal especializado e infra-estruturas que não podem ser dimensionadas.

É de entender que este tipo de abordagem permitiria que os pacientes fossem diagnosticados em casa, na escola, no escritório ou na comunidade e ficassem isolados antes de infectar outras pessoas. As várias plataformas de tecnologia actuais e emergentes (por exemplo, o sistema “Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats [CRISPR na sigla inglesa], ou seja, Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas)”, nanotecnologia, nanoporos e imunoensaios) poderiam melhorar essa capacidade. As plataformas visam detectar qualquer patógeno, incluindo micróbios de engenharia, com precisão a partir de pequenas amostras de sangue e urina, que não requerem técnicos qualificados para recolher ou processar.

Os diagnósticos podem evoluir ao ponto de poderem ser usados em “telefones inteligentes (smartphone na palavra inglesa)” ou “computadores portáteis (laptops ou notebooks nas palavras inglesas)”, que permitirão que os pacientes façam a sua varridela e, como detectores de fumaça, monitorizem continuamente o ambiente na procura de ameaças. Além dos diagnósticos, também são necessárias formas mais eficientes de isolamento e capacidade de tratamento. Os hospitais de campanha rapidamente implantáveis, como os usados ​​em zonas de guerra, podem ser rapidamente colocados e, quando a transmissão é amplamente disseminada, as pessoas também podem ficar isoladas nas suas casas.

As abordagens de autoteste poderiam ser combinadas com consultas de telemedicina usando tecnologias do tipo “Skype” ou “FaceTime” para avaliar pacientes e serviços semelhantes aos da “Amazon” para medicamentos e tratamentos ao domicilio. As equipas médicas móveis poderiam ser enviadas para visitar pacientes que necessitassem de mais cuidados práticos nas suas casas, enquanto as preciosas camas hospitalares e o risco de transportar pacientes contagiosos poderiam ser reservados para aqueles que realmente necessitam de cuidados intensivos. Assim, essas abordagens ou estratégias e as ferramentas necessárias para a sua implementação devem ser desenvolvidas e preparadas, bem como os avanços tecnológicos que nos levaram ao precipício de uma fusão entre duas das maiores ameaças da humanidade, a doença e a guerra, novos pensamentos e inovações podem ajudar a estarmos preparados para responder de forma eficaz, dado essas ameaças se tornarem uma realidade cada vez mais palpável.

Se recuarmos na história deparamos que os verdadeiros inventores da guerra química e biológica foram caçadores que, usavam a fumaça produzida por ramos verdes e relva molhada, e forçavam os animais selvagens a deixar as suas cavernas, sendo também adoptado em ataques contra outros seres humanos. Tendo como fim tornar esses fumos mais eficientes, acrescentavam substâncias diferentes nos incêndios, como resinas vegetais, e gorduras animais e lembremos que é considerada como arma bacteriológica qualquer patógeno (bactéria, vírus ou outro organismo causador de doenças) que é usado como arma de guerra.

É o uso de produtos tóxicos não vivos, mesmo que sejam produzidos por organismos vivos (por exemplo, toxinas). A arma biológica pode ser projectada para matar, desactivar ou impedir indivíduos, cidades ou países. A guerra biológica é uma técnica militar que pode ser usada por países ou grupos de pessoas. Se um país a utiliza clandestinamente, também pode ser considerado como bioterrorismo. Os textos de uma antiga seita maçónica falavam que no século V a.C., existiam foles onde era introduzida uma fumaça tóxica feita de sementes de mostarda e outras espécies de plantas. Essa fumaça era introduzida nos túneis que os atacantes cavaram durante os cercos (situações de guerra em que uma área é cercada pelo inimigo, que tenta capturá-lo). Alguns manuscritos chineses ainda mais antigos contêm catálogos com dezenas de receitas para produzir fumaça tóxica, bem como registos desses gases em situações de guerra. Entre estes, por exemplo, fala-se dos “espíritos das armadilhas de névoa” (fumaça com arsénico), ou o cálcio pulverizado, que séculos depois foi usado em 178 d.C. para apaziguar uma revolta camponesa.

O ser humano, desde a antiguidade, usou fumaça, gases, vapores, névoas artificiais para irritar o inimigo. O primeiro dano verdadeiro ao trato respiratório ocorreu quando o óxido sulfúrico começou a ser usado, e que foi obtido pela simples combustão de pó de enxofre ao ar livre. A prioridade no uso de gases venenosos recentemente foi reivindicada pelos chineses, que afirmam que no século II a.C. causou a cegueira dos seus inimigos soprando nuvens de pó de pimenta. Os primeiros exemplos historicamente comprovados do uso de substâncias irrespiráveis ​​remontam à Guerra do Peloponeso, entre Esparta e Atenas em 431 a.C., O historiador Arriano, cronista de Alexandre, o Grande, diz -nos que em 332 a.C. na cidade fenícia de Tiro, os sitiados repetidamente recorreram ao uso de enxofre para defender os muros da cidade. A história romana é frequente na menção de guerras travadas com o auxílio de substâncias produtoras de fumaça irritante.

O filósofo romano de etnia grega, Plutarco, conta que durante a campanha de Espanha contra a província de Guadalajara, no ano 81 a.C. o cônsul romano ordenou a preparação de uma corda contendo uma mistura de terra muito fina, cal viva e enxofre. Foi movida por cavalos a galope, de modo que a nuvem tóxica carregada pelo vento tornou os inimigos cegos a renderem-se. Os livros escritos por Frontinus, por volta do ano 90 do calendário juliano, fala em acções, como a introdução de nuvens de abelhas nos túneis, arremessar aos navios inimigos recipientes cheios com cobras venenosas, deixar animais famintos livres contra os sitiados e atirar partes de animais em decomposição pelas paredes. As bactérias são organismos minúsculos que vivem livremente e se reproduzem por divisão simples e são fáceis de crescer.

Os vírus são organismos que requerem células vivas para se reproduzir e são intimamente dependentes do corpo que infectam. As toxinas são substâncias venenosas que são encontradas e extraídas de plantas, animais ou microrganismos vivos. Algumas toxinas podem ser produzidas ou alteradas por meios químicos. As “Rickettsias” são as bactérias que produzem a chamada riquetsiose, normalmente vivem em carrapatos, ácaros, pulgas e piolhos que pode ser transmitida aos seres humanos por picadas destes agentes sugadores de sangue, e geralmente vivem dentro das células que revestem os pequenos vasos sanguíneos, fazendo com que fiquem inflamadas ou entupidas. A forma de fazer a guerra tem estado a mudar rapidamente da área cibernética para a biotecnologia. Não existem certezas de que situações realizadas de forma autónoma irão competir com o poder destrutivo físico das armas nucleares.

A autonomia é um conceito complicado e é preciso não esquecer de que, quando se trata de usar a força para proteger a civilização, um dos princípios deve ser o envolvimento dos seres humanos na tomada de decisões críticas. É um princípio importante, consistente com a plena exploração desse potencial e que terá um grande efeito na guerra. Mas é muito difícil comparar qualquer situação com armas nucleares por causa do incrível poder destrutivo físico, pois completaram-se setenta anos e nada se ajustou.

É de esperar que algo vai rivalizar com as armas nucleares em termos de pura destreza da sua capacidade de destruição, sendo o mais provável que venha da biotecnologia do que qualquer outra tecnologia. Olhando décadas atrás, realizamos que a revelação biológica poderia rivalizar com a revolução atómica dado o efeito do seu potencial. Os países começaram a investir secretamente nesses programas e tem sido utilizado em conflitos e desde logo na Síria (apesar de ter sido usado desde a antiguidade e mais recentemente pelo regime nazi, exércitos alemão, egípcio, soviético, espanhol, japonês, italiano, americano e a seita japonesa “Verdade Suprema”), podendo cair nas mãos de grupos religiosos radicais como o Estado Islâmico ou outros grupos terroristas. A biotecnologia não tem sido uma área tradicional para a defesa e as novas pontes que constroem não devem ser apenas para a comunidade de “Tecnologia da Informação (IT na sigla inglesa)”, mas também para as comunidades de biotecnologia.

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