O longínquo futuro sustentável

“Most people in the world today have an immediate and intuitive sense of the urgent need to build a sustainable future. The stories that carry the message may be about pollution alerts or the bans on driving and closed beaches that result from them, or about hunger and famine, growing health problems such as asthma and allergies, unsafe drinking water, ’greenhouses gases’ and the threat of global warming and rising ocean levels, the destruction of the world’s forests and the expansion of its deserts, the disappearance of species, the large-scale death of fish and birds caused by oil spills and pollution, or about forest fires, floods, dust storms, droughts and other so-called ’natural’ disasters.”
“United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization – Educating for a Sustainable Future” – UNESCO (1997)

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap] fotografia tirada pelo astronauta William Anders durante a missão Apollo 8 à Lua, em 24 de Dezembro de 1968, permite-nos ter a certeza de que os recursos da Terra são limitados, carecendo de resposta o estudo, acerca de qual será o seu significado para a humanidade, durante o século que vivemos, e se poderemos prever quais serão os acontecimentos históricos existentes, que sofrerão um processo de alargamento ou reversão, e se iremos desfrutar de um estado permanente de capitalismo liberal, irradiando o pico da nossa civilização nos séculos vindouros, bem como o tipo de mundo que os nossos descendentes vão herdar.

É difícil acreditar conscientemente na mudança da nossa natureza de forma a adequá-la à individualidade de cada um, podendo existir um erro de pensamento, pois talvez pudéssemo-nos tornar criaturas dóceis, modestas, com pequenos egos e desejos, cultivando humildemente pequenas áreas de terreno e facilmente dissuadidos de procriar um grande número de crianças. O escritor alemão Kurt Vonnegut, sugeriu no seu romance “Galapagos”, publicado em 1985, que podíamos evoluir para mamíferos aquáticos peludos com cabeças aerodinâmicas, cérebros menores e mais simples e uma propensão para peixes.

É de duvidar que tal aconteça nessa linha de sugestão, pois o nosso esforço para a reprodução em quantidades cada vez maiores mais em uns locais que em outros, sustenta o nosso sucesso como espécie e historicamente permitiu-nos reconstruir as nossas comunidades rapidamente após um surto de fome ou praga. Além disso, a ambição pessoal é parte da nossa natureza e sempre existirão pessoas que vão querer dominar outras, sendo de suspeitar que uma proporção significativa da população vai continuar a ser atraída por essas pessoas de destorcida personalidade, quer sexualmente, como socialmente, forçando a uma maior competição dentro da comunidade, e mesmo que houvesse algum acordo político internacional que moderasse o nosso comportamento, logo seria minado ou derrubado.

É um facto sem margem para dúvidas, que os seres humanos não gostam de ser humilhados por sistemas, regras e limitações. Adoramos escutar os que se libertam da restrição e da opressão. A nossa paixão pela liberdade é intrínseca ao espírito humano, pois somos como a República de Veneza; condenados porque não podemos suportar o pensamento de ser algo diferente do que somos. O petróleo de entre todos os recursos é o que está configurado para reduzir a sua oferta e existência. O petróleo como bem escasso e não renovável é talvez o mais importante que conforma a mente das pessoas, pois sustenta as nossas vidas, desde a alimentação e transportes à lei e ordem, defesa e recreação, sendo certo que terminará em algum momento do actual século ou milénio. É apenas uma questão de tempo. As reservas actuais e comprovadas representam cerca de cinquenta vezes o consumo mundial anual, mas esse índice está sujeito a flutuações consideráveis que podem ser alargadas, à medida que forem encontrados mais campos petrolíferos.

As reservas comprovadas totais foram significativamente maiores em 2012 do que em 2000 e alternativamente, poderão diminuir à medida que o aumento da população e da industrialização consumissem essas reservas mais rapidamente. As reservas de petróleo existentes e a descobrir podem prolongar a sua existência por mais cinquenta ou setenta anos, mas mais importante, é que os fornecimentos de petróleo deixarão de atender à procura mundial em algum momento, e muito provavelmente na vida dos nossos filhos. O mesmo acontecerá com gás natural, do qual depende a produção de fertilizantes. As jazidas de gás natural existentes representam cerca de sessenta vezes o consumo mundial anual, que aumenta anualmente em 2 a 3 por cento.

O gás de xisto alargou muito essas reservas e provavelmente as estenderá ainda mais, mas essa energia extra começou a ser vendida a baixo custo. Poder-se-ia acreditar que os governos procurassem racionalizar esta herança inesperada, de forma a durar o tempo suficiente, para que seja possível encontrar e produzir fontes alternativas e viáveis de energia aos combustíveis fósseis. A Fábula de Esopo: A cigarra e a formiga, em que esta trabalha duramente todo o verão preparando-se para o início do inverno, enquanto a cigarra apenas canta ao sol e não tem nada para viver quando a estação muda, mostra o que acontece com aqueles que não conseguem proteger-se contra futuras faltas, pelo que os preguiçosos sempre colherão o que merecem.

Apenas os ditadores planeiam para um milhar de anos e nessa perspectiva, abre-se diante de nós uma série de possibilidades, sendo que numa extremidade do espectro está o futuro sustentável e dentro deste cenário, descobrimos como produzir toda a nossa energia e fertilizantes a partir de fontes sustentáveis, para que a sociedade possa continuar a existir, como sempre aconteceu, e no outro extremo do espectro está a “crise universal”, ou seja, uma calamidade de proporções maiores que a da “Peste Negra”, pandemia, que durante o século XIV matou cerca de setenta e cinco milhões de pessoas, e que será o resultado de uma falha mundial, em substituir os combustíveis fósseis antes de começarem a esgotar-se.

O problema é de que ambas as extremidades do espectro envolvem a sociedade tornando-se mais hierárquica e menos liberal. Se começarmos por considerar o tipo de resultado mais suave que é o futuro sustentável, que não sendo ficção, permite imaginar uma realidade futura em que cada quinta com geradores hidroeléctricos nos seus riachos nas encostas, painéis solares nos seus campos e turbinas eólicas que elevam nas colinas, as casas e edifícios industriais em todas as cidades brilhando com células fotovoltaicas nas suas paredes e telhados, e as casas rurais com uma caldeira de biomassa. Moinhos de vento enormes no mar aproveitam o poder da brisa do mar, e a cada onda, enormes pistões alojados em túneis nos penhascos conduzem a energia para a rede de distribuição aérea convencional a nível nacional.

As aeronaves voam com biocombustíveis, o que acontece já com a United Airlines, cujo modelo Boeing 737 está a voar na rota Los Angeles – São Francisco, desde 2015, com 30 por cento de biocombustíveis derivado de fezes e gorduras animais. Os tractores e as máquinas agrícolas usam biodiesel à base de soja, como acontece por exemplo, no Brasil. As carrinhas eléctricas levam grãos e animais para os mercados urbanos, de onde são transportados por comboios eléctricos para os seus locais de abate e processamento. Mas mesmo neste estado harmonioso, haverá uma concorrência muito maior por recursos, em particular, haverá uma luta inflexível sobre o solo.

Imaginemos o Reino Unido como um exemplo, e supormos que investimos significativamente em energia solar, eólica e hídrica nas próximas décadas, para que em 2050 possamos produzir toda a nossa electricidade a partir dessas fontes. Trata-se de uma enorme suposição; no entanto, por razões de argumentação, suponhamos que seja possível. Na verdade, vamos ainda mais longe e imaginemos que pelo tempo que o petróleo leva a atingir um ponto de crise, não apenas satisfazemos todas as nossas necessidades de electricidade, mas também, geramos tanta electricidade a partir de fontes renováveis que podemos reduzir o consumo de petróleo, gás e carvão pela metade, que ainda deixaria o problema de substituir a restante metade da energia derivada dos combustíveis fósseis. Todas as formas de biocombustível actualmente em experiência, incluindo a colza, várias nozes, algas, milho e beterraba precisam de terras.

O cálculo para satisfazer apenas metade da procura de transporte rodoviário do Reino Unido em termos de diesel e gasolina, mostra que seria necessário o uso exclusivo de 11,3 milhões de hectares, ou seja, quase 87 por cento da área total do país, representando muito mais que todas as terras agrícolas disponíveis, não incluindo as necessidades de transporte não rodoviário, a produção industrial e de plásticos, máquinas agrícolas e combustível para aviação e também, não tendo em conta o aumento da procura à medida que a população cresce. Ainda que se possa defender a construção de várias dezenas de centrais nucleares, mesmo que fosse politicamente e ambientalmente aceitável, seria apenas uma solução temporária.

As reservas mundiais de urânio são cem vezes menores que o consumo mundial anual, e à medida que o carvão, gás e o petróleo diminuem, a probabilidade é da sua procura aumentar drasticamente, mas que não ultrapassará o petróleo por muitas décadas. Assim, a longo prazo, o futuro sustentável não só requer níveis astronomicamente elevados de investimento em electricidade a partir de fontes renováveis, mas também uma quantidade incrivelmente grande de terras agrícolas a serem dedicadas à produção de biodiesel, bioetanol ou algum outro combustível novo, criando uma tensão entre a produção de alimentos e combustíveis, que já é politicamente explosiva em alguns países duramente pressionados. O crescimento da população e a consequente necessidade de construir cada vez mais habitações, contribuem para essa competição por terra. As cidades, vilas, aldeias e infra-estrutura urbana representam 10,6 por cento da superfície do Reino Unido.

Os bosques, orlas costeiras, dunas e estuários, lagos de água doce, rios, montanhas, e charnecas representam mais 15,9 por cento da superfície do país. Os restantes 73,5 por cento são terras agrícolas, existindo por consequência muito espaço para a construção de novas habitações. No entanto, actualmente, todas as terras agrícolas produzem apenas cerca de 59 por cento das necessidades alimentares totais dos ingleses, ou seja são apenas 72 por cento auto-suficientes, para os alimentos que são vendidos no seu mercado interno. Isso significa que até mesmo as colheitas que tiveram em abundância, como o trigo, cevada, aveia, sementes de linho e colza, não são produzidas em quantidades que permitam reduzir a produção. Tiveram um excedente de trigo em 2008, colhendo 10 por cento a mais do que necessitavam.

O inverso aconteceu em 2012, pois tiveram uma colheita pobre, tendo importado mais do que exportaram. O Reino Unido não é auto-suficiente em carne e construir em terras agrícolas, pode fornecer telhados para as pessoas, mas não vai ajudá-las a alimentarem-se a longo prazo. Os que discordam sempre poderiam argumentar que construir habitações ajudaria a alimentá-los, criando rendimento que permitiria comprar excedentes de outros países. Tal ideia só pode ser uma estratégia de curto prazo, pois sempre que uma parcela de terra é usada para habitação, deixa de ser produtiva para alimentos ou combustível.

Se supusermos que se tinha de entregar uma pequena porção da terra agrícola para ser desenvolvida como habitação todos os anos, em um montante equivalente ao aumento da população actual, e considerando que a terreno cultivado valia cerca de vinte mil libras por hectare, e que a terreno para construção valia um milhão de libras ou mais por hectare, dependendo do local, o balanço patrimonial é assim melhorado em novecentas e oitenta mil libras por hectare de terra de cultivo, e este dinheiro extra nutre a economia, apoiando empregos e aumentando lucros. Agora, suponhamos que os ingleses continuam com tal prática até ao final do século.

A taxa actual de crescimento da população é de 0,76 por cento por ano e quase duplicará em 2100, atingindo cerca de cento e quatro milhões de pessoas e prover habitações, postos de trabalho e infra-estrutura para mais cinquenta milhões de pessoas exigiria que cerca de 6,8 por cento do país fosse desenvolvido, dependendo do uso que puderem dar aos locais previamente desenvolvidos, o que representa 9 por cento das terras agrícolas produtivas no Reino Unido, sugerindo que a produção doméstica total seria 9 por cento menos do que os níveis actuais, a menos que os terrenos restantes fossem cultivados de forma mais intensiva. Mas esses terrenos de cultivo teriam que alimentar um número significativamente maior de bocas e ao invés de satisfazer 72 por cento das necessidades alimentares domésticas, as terras agrícolas reduzidas só poderiam alimentar 33 por cento.

Os ingleses seriam dependentes de alimentos de origem estrangeira. E aí reside o problema, pois dois terços das nações do mundo têm populações a crescer mais rapidamente que o Reino Unido, pois a média mundial actual é de 1,2 por cento anual. Todos estes países estão ocupados a transformar terras agrícolas em habitações para venda, afastando gradualmente a sua capacidade de produzir alimentos suficientes para as próprias populações, muito menos criando excedente necessário para a exportação.

O volume total de culturas de base oferecidas para venda nos mercados internacionais atingirá um máximo em algum momento e, em seguida, começará a diminuir rapidamente. Os preços irão subir em todo o mundo e, inevitavelmente, menos pessoas serão capazes de os comprar. As organizações de ajuda internacional e instituições de caridade serão pressionadas a não gastar o seu dinheiro alimentando vítimas da fome no exterior, mas a aliviar a pobreza nos seus países.

Além disso, o modelo actual não leva em consideração as enormes quantidades de terra necessárias para a criação de electricidade e produção de biocombustíveis, e sem grandes extensões de terra consagradas a essas formas de energia, não haverá cultivo, e nenhum progresso em direcção a um futuro sustentável. A situação imaginada para o Reino Unido poderá bem acontecer em apenas oitenta e três anos.

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