A China e a liderança na Ásia Oriental  (I)

“China’s rising power is chipping away at the unipolar structure of the world. The power gap between China and the United States continues to shrink. China’s rise will challenge the U.S policy of maintaining the balance of power in Asia. President Obama’s “pivot” to Asia is an effort to rebalance the distribution of power in the region. Most Asian nations prefer to have the United States as an offshore balancer, an option that they did not have in their pre-modern history. A security dilemma is operating in U.S.-China relations, causing a deepening strategic distrust between the two countries.”
“Managing Hegemony in East Asia: China’s Rise in Historical Perspective” – Yuan-kang Wang

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China foi o poder dominante na Ásia Oriental durante séculos antes da chegada do imperialismo ocidental no século XIX. Após quase trinta anos de crescimento económico espectacular, a China está novamente preparada para retomar o seu lugar, como poder hegemónico regional. O argumento advém do facto da China, apesar das suas aspirações a um novo domínio na Ásia Oriental, ainda não estar em condições de desafiar a preponderância militar dos Estados Unidos no Pacífico Ocidental. Fazendo uso da epistemologia objectiva do neorrealismo e das ferramentas teóricas do realismo ofensivo, damo-nos conta das razões que motivam a China a querer ser o poder regional dominante.

O desejo de hegemonia levou a acções contudentes nos mares do Leste e do Sul da China, bem como a um crescimento do nacionalismo chinês, o que conduziu alguns países da região a reforçar os seus laços com os Estados Unidos, aumentando as probabilidades da tentativa de formação de uma coligação de equilibrio, para conter a ideia da China de domínio regional. Todavia, é reconhecido que o crescimento aparentemente imparável da economia chinesa, em conjunto com o aumento dos gastos com a defesa, pode ser uma força irresistível a longo prazo, o que pode levar a uma situação, em que a maioria dos actores regionais concilie a necessidade económica, bem como a realidade militar, e aceite a primazia chinesa no Leste Asiático, conjuntamente com o aumento das despesas de defesa.

A definição proeminente de hegemonia tem subjacente a ideia neo-gramsciana do consentimento, o que significa a aceitação do pensamento de hegemonia a liderar as forças sociais dentro de um determinado Estado. O termo mais correcto, é o proposto pelo cientista político americano, John Mearsheimer, que claramente o define no texto “The Gathering Storm: China’s Challenge to US Power in Asia” de 2010, desenvolvido no seu livro “The Tragedy of Great Power Politics”, e que desde 2001, data em que lançou a primeira versão da sua teoria sobre o realismo ofensivo, defende que a hegemonia é o facto de um país ser tão poderoso que domina todos os outros, ou seja, nenhum outro país tem os recursos militares para o enfrentar em um conflito sério.

É de considerar que em essência, uma hegemonia é o único grande poder no sistema, pois de  acordo com a teoria do realismo ofensivo, é natural que uma grande potência como a China procure a hegemonia regional, que é uma posição que os Estados Unidos actualmente detém no Hemisfério Ocidental.  Ainda, considerando um sistema internacional anárquico, sem autoridade principal para recorrer, a sobrevivência é o principal objectivo, uma vez  que os países nunca podem ter a certeza das intenções de outros actores.

Assim, em um mundo de auto-ajuda, a China ganha por ser o poder mais seguro, económico e militar. Chegar à posição de ser uma hegemonia regional sem concorrentes de igual peso, dar-lhe-ia a capacidade de alterar o equilíbrio de poder em outras regiões do mundo. O neorrealismo, alternadamente chamado de realismo defensivo, difere nesta matéria do realismo ofensivo. O americano, neo-realista ou realista estrutural, cientista de relações internacionais, Kenneth Waltz, argumenta que um  poder excessivo pode induzir outros países a aumentar os seus aliados e a agrupar os esforços e segundo essa visão, podem formar uma “coligação de equilíbrio” para evitar o aumento de um poder dominante.

Tendo em conta essas premissas, seria bastante racional para a China não antagonizar os seus vizinhos construindo um predomínio de poder que juntamente com os Estados Unidos, levem a formar uma aliança contra si. Os realistas ofensivos, no entanto, argumentam que a hegemonia regional é a única forma segura de manter a sobrevivência. Os actores estatais, portanto, devem estar sempre atentos a momentos oportunos para maximizar o seu poder. Talvez, tenha sido a perda da hegemonia regional da China, em meados do século XIX e o subsequente “século de humilhação”, que ilustra perfeitamente esta situação. Por mais de dois mil anos, a China e a civilização sínica foram a força política e cultural dominante na Ásia Oriental.

A sua hegemonia sobre a região foi demonstrada pelo sistema de tributo institucionalizado, após o qual as nações estrangeiras reconheciam o seu estatuto inferior em comparação com os chineses. Uma das formas como o  faziam era enviando missões diplomáticas ao imperador chinês. Essas missões levaram consigo presentes caros e incluíam elaborados procedimentos de subserviência ao imperador, que deveriam ser conduzidos por embaixadores estrangeiros para que as relações comerciais se iniciassem.  É de referir que esse sistema esteve activo, e impediu que as guerras interestaduais se estendessem e até mesmo restringissem o comportamento chinês, em relação aos seus vizinhos mais fracos. Mas essa ideia de um sistema regional pacífico sob hegemonia chinesa é negada pela estimativa de que os estados chineses lutaram em três mil e setecentas e cinquenta e seis guerras desde de 770 aC até 1912, com uma média de 1.4 guerras por ano.

O sistema de tributo ainda era uma ordem internacional de natureza anárquica, mas com um arranjo hierárquico que tinha a China como o poder predominante,  e que por força desse poder e recursos esmagadores, desenvolveu um conjunto de regras e instituições para governar as ligações entre si e os outros actores políticos. A China desenvolveu relações externas dentros dos seus canônes, o que sem dúvida, poderia explicar a razão pela qual a Ásia Oriental era pacífica, sob o domínio chinês, não sendo tão consensual quanto submissa diante de uma poderosa hegemonia. A predominância de poder da China, em termos neorrealistas, era o garante  da paz, pois nenhuma combinação de actores regionais poderia coligar-se contra si. Todavia, nas áreas onde estavam em desvantagem militar, como, por exemplo, contra as tribos nómadas do norte, que tinham um excelente conhecimento táctico da guerra de cavalaria, o conflito não foi evitado, porque os nómadas se recusaram a aceitar a superioridade chinesa. O problema psicológico que o sistema de tributo pode ter causado, foi de que a China não se apercebeu do quanto dominante era, tendo ficado em situação de negligência com a sua primazia regional. Assim, quando o imperialismo ocidental chegou à Ásia Oriental no século XIX, o pensamento chinês era muito intuitivo para poder enfrentar o desafio da superioridade tecnológica do Ocidente.

Os acontecimentos do passado foram demonstrados pela humilhação da China ao ser derrotada pela Grã-Bretanha na Primeira Guerra do Ópio de 1840 a 1842, tendo nas décadas subsequentes produzido a abertura do país pelos europeus e americanos, em uma série de tratados desiguais. Talvez, a lição mais importante que os chineses tenham aprendido sobre a necessidade de acumular o máximo de poder possível, foi a da  ocupação humilhante que o Império japonês lhes infligiu, após o incidente da Ponte Marco Polo, em 1937. Os fortes sentimentos negativos da ocupação japonesam, estão na memória dos chineses, e foi demonstrado pelos tumultos anti-japoneses de 2005. Tal, ocorreu depois do Japão introduzir um livro escolar em que os crimes de guerra japoneses cometidos na China, estavam amenizados.

O nacionalismo está em ascensão na China em paralelo com o seu ressurgimento como potência regional e mundial. É a ferramenta usada para legitimar a regra do Partido Comunista Chinês, embora, até à década de 2000, a China ainda estivesse a seguir a estratégia de Deng Xiaoping para facilitar o seu crescimento, traduzido na máxima de observar com calma; assegurar a posição do país; lidar com os assuntos tranquilamente; esconder as capacidades e aguardar pelo melhor  tempo; manter um baixo perfil e nunca reivindicar a liderança. A China é uma potência muito mais forte do que há três décadas e, até 2010, graças às reformas económicas de Deng em 1978, é a segunda maior economia do mundo.

A conquista do crescimento económico tem sido tremenda, sendo o PIB da China em 1979 de apenas 10 por cento do Japão. O seu PIB, actualmente, é duas vezes e meia maior que o do Japão. Alguns intelectuais chineses pediram uma nova ordem internacional hierárquica inspirada no termo relativo ao antigo conceito cultural chinês, denominado de “Sob o céu” ou “Tianxia”,  que conota o mundo geográfico ou o reino metafísico dos mortais, e mais tarde foi associado à soberania política e que teria melhor capacidade de resolver os conflitos do mundo que a ONU,  podendo ajudar a criar uma utopia pacífica mundial.

O mais provável, é que “Tianxia”  não é mais que uma nova hegemonia que reproduz o império hierárquico da China para o século XXI. Todavia, existe indubitavelmente um desejo na China de mudar a ordem internacional dominada pelo Ocidente. O enfraquecimento percebido dos Estados Unidos após a crise financeira de 2008, tornou a China mais confiante em afirmar os seus interesses na Ásia Oriental e sabemos que no início da década e milénio, o país era muito mais conciliador para com os seus vizinhos e quando se juntou ao Tratado de Amizade e Cooperação (TAC) da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN na sigla em inglês), em 2003, parecia estar a aceitar um mundo de instituições multilaterais sob o domínio americano. A China, entretanto, tornou-se mais poderosa e desenvolveu uma posição cada vez mais forte em relação aos seus vizinhos, podendo-se afirmar que segue na direcção da teoria do realismo ofensivo.

À medida que ganha mais poder, bem como interesses globais, é provável que deseje dominar a sua região para garantir a sua segurança, começando por tentar resolver as disputas territoriais segundo as suas regras. Os três principais conflitos que a China tem são com o Japão no Mar da China Oriental e com as Filipinas e o Vietname no Mar da China Meridional. As relações sino-japonesas, foram as mais amargas e contenciosas por vários motivos históricos. A China em 2004, foi oficialmente considerada como uma ameaça à segurança pelo Japão. A China considera fortemente a reivindicação do Japão às Ilhas Diaoyu/Senkaku, alegando que só foram entregues,  após a guerra sino-japonesa de 1894-1895 e deveriam ter sido devolvidas à China, após a II Guerra Mundial.

As reivindicações de reservas de petróleo na área variam entre os sessenta e cem milhões de barris calculados pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos e mais de cem mil milhões de barris calculados pela China. O nacionalismo também tem sido um factor igualmente importante na disputa, não estando nenhum dos lados disposto a mostrar qualquer fraqueza. No entanto, a falta de vontade da China de impulsionar a sua reivindicação fora dos limites do direito internacional, mostra o respeito pelas Forças de Autodefesa do Japão, e uma cautela quanto à estreita aliança do Japão com os Estados Unidos, sendo um exemplo de como a China ainda não atingiu o poderio suficiente para ser poder hegemónico na Ásia Oriental, mas acabará por sê-lo a seu tempo.

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