Xinjiang | Human Rights Watch denuncia campanha repressiva de Pequim

O mais recente relatório da Human Rights Watch diz que a repressão contra os uigures, uma minoria étnica chinesa oriunda de Xinjiang, atingiu níveis nunca antes vistos. Detenções arbitrárias de pessoas que não têm sequer registo criminal, videovigilância em campos de reeducação política e estadia forçada na casa de pessoas, a fim de se espalhar a propaganda do Partido Comunista Chinês são referidos no relatório

 

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]organização não-governamental (ONG) Human Rights Watch denunciou ontem “a violação sistemática” dos direitos humanos da minoria étnica chinesa de origem muçulmana uigure, através de detenções arbitrárias, tortura ou vigilância permanente, na região de Xinjiang.

Num relatório intitulado “Erradicar vírus ideológicos: a campanha repressiva da China contra muçulmanos em Xinjiang”, a organização de defesa dos direitos humanos descreve como Pequim converteu o extremo noroeste do país num estado policial, com milhares de uigures a serem arbitrariamente detidos em campos de doutrinação política.

“O Governo chinês está a violar os direitos humanos em Xinjiang numa escala inédita no país nas últimas décadas”, acusa Sophie Richardson, directora para a China da HRW, no documento. Richardson considera ainda que a “campanha repressiva” da China é um “teste fundamental” à ONU e aos governos estrangeiros.

A China tem negado sempre a existência de “centros de reeducação” ou de “detenção arbitrária”, e argumenta tratarem-se de “centros de educação vocacional”. Os internamentos são justificados pelas autoridades chinesas pela necessidade de ajudar “os que foram enganados pelo extremismo religioso (…) através do reassentamento e educação”.

As autoridades chinesas insistem que são necessárias medidas duras para punir separatistas e extremistas religiosos na região, que concentra mais de 13 milhões de muçulmanos.

Em 2009, a capital do Xinjiang, Urumqi, foi palco dos mais violentos conflitos étnicos registados nas últimas décadas na China, entre os uigures e a maioria han, predominante em cargos de poder político e empresarial regional. Desde então, as autoridades lançaram uma campanha repressiva, que foi reforçada a partir de 2016, quando o secretário do Partido Comunista Chinês (PCC), Chen Quanguo, foi transferido para a região, após vários anos no Tibete.

De acordo com a HRW, centenas de milhares de uigures foram arbitrariamente detidos em campos de doutrinação política, onde são forçados a criticar o islão e a própria cultura, a aprender mandarim e a jurar lealdade ao PCC.

O relatório baseia-se em entrevistas com 58 ex-residentes na região, incluindo antigos detidos e 38 familiares de detidos, e estima que um milhão de uigures continua detido nos campos, onde os que resistem ou falham “na aprendizagem” são punidos.
Estes não têm direito a julgamento, nem acesso a advogados e familiares. As detenções podem ocorrer sob acusações como aceder a portais estrangeiros ou contactar familiares além-fronteiras, indica a ONG.

Fora dos campos, os uigures em Xinjiang são igualmente submetidos a fortes restrições, que de “muitas formas” tornam as suas “vidas parecidas” com as dos detidos, acrescenta.
A HRW descreve como uma combinação de medidas administrativas e postos de controlo restringem os movimentos dos membros da minoria étnica chinesa, que são também forçados a doutrinação política. “Através de níveis sem precedentes de controlo da prática religiosa, as autoridades efetivamente proibiram o islão na região”, refere a HRW. A organização descreve como as autoridades encorajam vizinhos a vigiarem-se uns aos outros e, através de sistemas de análise de dados, inteligência artificial ou controlo dos telemóveis, asseguram a monitorização constante da população.

Um outra medida inclui impor às famílias uigures que recebam funcionários públicos em casa. “É evidente que a China não prevê custos políticos significativos com a sua campanha abusiva em Xinjiang, em parte devido à influência que tem no sistema da ONU”, nota a HRW.

A organização defende que perante a evidência de violações graves em Xinjiang, os governos estrangeiros devem adoptar acções unilaterais e multilaterais.

Controlo dentro e fora

A HRW revela casos específicos contados por pessoas sujeitas a vários tipos de repressão e que não quiseram dar a cara em nome da sua segurança pessoal. Todos os nomes surgem como pseudónimos.

Rustam, que passou vários meses em campos de reeducação política, falou à organização em Maio deste ano. “Ninguém se pode mover porque somos observados através de câmaras de videovigilância, e depois, ao fim de um tempo, ouvimos uma voz num altifalante que nos diz que podemos relaxar durante alguns minutos. Essa voz também nos diz quando nos podemos mexer. Somos observados até mesmo quando vamos à casa de banho. No campo de reeducação política, estamos sempre sob stress”, contou.

Nur, que foi entrevistado pela HRW em Março deste ano, recordou as dificuldades por que passou ao ser colocado numa pequena cela. “Resisti às medidas que me impuseram. Colocaram-me numa cela solitária bastante pequena, num espaço de 2×2 metros sem me darem água ou comida. Tinha as mãos atadas atrás das costas e fiquei assim durante 24 horas sem poder dormir.”

Mesmo aqueles que não são detidos pelas autoridades enfrentam diariamente um forte controlo policial nas principais cidades da província.

“Um total de cinco polícias revezaram-se para me vigiar em casa. Tinham de documentar tudo o que viam e as fotos mostram-nos a ler documentos de propaganda política comigo ou mostram-me a mim a preparar a cama ou o sofá para que eles pudessem passar a noite em minha casa”, referiu Aynur, uma mulher que deixou Xinjiang em Maio deste ano.
Outro relato de oficiais presentes nas casas particulares das pessoas é feito por Ainagul, de 52 anos, que saiu da província o ano passado, tendo o seu filho ficado num campo de reeducação política.

“Desde meados de 2017, cerca de duas vezes por semanas, os polícias vinham, e no caso de algumas pessoas até passavam a noite nas suas casas. Os polícias falaram com o meu filho, os meus netos, tiraram-nos fotografias, sentaram-se na mesa e perguntaram onde é que estava o meu marido, onde é que ele tinha ido. Estava mesmo assustada e fingi estar ocupada a tomar conta dos meus netos. Estava preocupada porque, se falasse, poderia dizer que o meu marido já tinha ido embora [para o estrangeiro]. Então decidi ficar calada.”

Além do controlo que é feito dentro de fronteiras, quem é natural de Xinjiang afirma sentir-se perseguido fora da China. “Eles dão sinais de que mesmo que vivas num país estrangeiro podem ‘coordenar-te’. Estou assustado. Não aderi a nenhuma organização ou movimento terrorista contra a China. Não aderi a nenhum tipo de demonstrações públicas. Não exibi a bandeira do Turquestão. Não tenho qualquer registo criminal na China. Porque estão a fazer este tipo de coisas?”, questionou Murat, estudante de 37 anos, que vive fora do país e cuja irmã está actualmente num campo de reeducação política.

 

Maya Wang, investigadora sénior da HRW:“Governo não nos dá acesso à região”

O que está a acontecer em Xinjiang?

O Governo chinês está a levar a cabo uma campanha de repressão a larga escala contra os turcos muçulmanos, que são, na sua maioria, uigures e cazaques. As autoridades estabeleceram vários campos de reeducação política na província. Além de terem de aprender canções de propaganda e aprender mandarim, que não é a sua língua mãe, os turcos muçulmanos estão proibidos de dizer ‘As-Salaam-Alaikum’ [uma saudação muçulmana que significa ‘que a paz esteja convosco’] e devem antes dizer olá em mandarim. Se resistirem, ou se os oficiais acharem que estão a falhar nas suas lições, são punidos. Podem ser sujeitos a detenções em celas solitárias, serem proibidos de comer por um certo período de tempo ou ficar de pé durante períodos de 24 horas, entre outras punições. Os campos de reeducação política são apenas uma parte da repressão. Os turcos muçulmanos também são mantidos em centros de detenção e prisões. Os dados oficiais sugerem que as detenções formais triplicaram em Xinjiang nos últimos cinco anos. A repressão também tem um impacto fora da China, pois muitos uigures e cazaques vivem no estrangeiro, e a repressão tem vindo a separar muitas famílias. Alguns membros de uma família são mantidos em Xinjiang e não podem sair porque as autoridades confiscam os seus passaportes, ou são detidos enquanto os restantes membros da família continuam fora da China. A comunicação entre eles não é permitida.

Porque é que os turcos muçulmanos são enviados para os campos?

As autoridades chinesas têm dado atenção às pessoas com ligações a uma lista de “26 países sensíveis”, incluindo o Cazaquistão, Turquia e Indonésia. A título de exemplo, alguém que tenha visitado a Turquia durante duas semanas pode ficar marcado. Também têm debaixo de olho pessoas que comunicaram com o estrangeiro através de aplicações como o Whatsapp. Outros foram enviados para os campos de reeducação política por usarem barba, uma vez que o cabelo facial foi proibido. Mas não há uma justificação legal para estes campos e não houve qualquer tipo de acusação ou sentença. Os detidos podem passar vários meses nestes campos.

Como é que esta investigação foi elaborada?

Entrevistamos 58 pessoas, e cinco delas tinham estado detidas em campos de reeducação política ou centros. Mais de uma dezena deixou Xinjiang depois de Janeiro de 2017, o que significa que passaram pela repressão sob liderança do secretário do PCC em Xinjiang, Chen Quanguo. Outros têm membros da família presos e não podem sair do país porque têm os seus passaportes confiscados. Só falamos com pessoas que deixaram Xinjiang porque não queremos pôr em perigo as pessoas que continuam na região autónoma. O Governo chinês não permite o nosso acesso à região e tentar fazer entrevistas colocaria as pessoas em risco. Também analisamos muitos documentos oficiais e relatórios.

11 Set 2018

Armazém do Boi | Um novo espaço artístico na rua do Volong

A Associação de Arte Armazém do Boi deixou a avenida Coronel Mesquita, sem adiantar se um dia vai voltar ao espaço que está, actualmente, em obras. Para já, as exposições e futuras residências artísticas acontecem na rua do Volong, num conciso edifício com três andares

[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]ost-Ox Warehouse Experimental Site” é o nome da exposição que revela a nova fase da Associação de Arte Armazém do Boi. Ao longo de três andares pintados de branco espalham-se várias obras de diferentes estilos, da pintura à instalação de arte e vídeo. São, na sua maioria, da autoria de artistas locais, e muitas delas remetem-nos para a contemporaneidade de Macau.

Por exemplo, Ng Fong Chao, artista que se estabeleceu no território em 1984, oriundo de Zhejiang, apresenta um trabalho que remete não só para a passagem do tufão Hato como recorda, através de fotografias antigas, outras tempestades tropicais do passado. O trabalho tem um título sugestivo: “The Prosperity Alarm”.

Com esta exposição, a Associação de Arte Armazém do Boi rompe um pouco com o passado sem trair a sua génese, no que diz respeito à promoção do trabalho artístico que se vai fazendo em Macau.

Ao HM, Noah Ng, actual presidente da associação, traça o retrato daquilo que o público poderá ver nos próximos tempos na rua do Volong, no bairro de São Lázaro.

“Este espaço é muito mais pequeno do que o anterior, mas, ainda assim, será um lugar dedicado à experimentação. Temos aqui uma grande variedade de artistas, que usam diferentes tipos de materiais e conceitos, tal como a ligação aos media, por exemplo, para seguir os seus próprios processos de experimentação.”

O ponto de partida para a selecção dos artistas foi a relação que estes apresentam com a arte contemporânea, com temáticas como os media e a sociedade actual.

“Os artistas que vemos aqui expostos têm cerca de 30 anos e são artistas emergentes”, adiantou Noah Ng. O que está em exposição “não tem a ver com a cidade mas com a forma como exploram o processo das suas próprias criações e como desenvolvem métodos de experimentação”. “Tem tudo a ver com a forma como vão além dos seus próprios limites e como mostram curiosidade relativamente a cada fase de produção das suas obras”, concluiu o presidente da associação de arte.

No último andar do edifício fica um beliche, uma cozinha em ponto pequeno e uma varanda, lugar que dará casa a artistas de todo o mundo que serão convidados a participar em residências artísticas. Os responsáveis da associação querem ir além das fronteiras com China, Hong Kong e Taiwan e explorar alguma da arte que se faz na Europa, nomeadamente em Portugal.

E a Coronel Mesquita?

O enorme espaço para exposições de que dispunha a Associação de Arte Armazém do Boi está agora em obras custeadas pelo Governo, dado o envelhecimento do espaço da Avenida Coronel Mesquita. Noah Ng garante não saber se a sua associação pode voltar ao antigo edifício onde funcionou durante anos.

“Uma vez que o nosso antigo espaço está em obras, tivemos de mudar e, até agora, ainda não nos foram dadas mais informações sobre o processo. Não sabemos como é que o Governo vai usar o espaço, não sabemos se será usado por outras associações sem fins lucrativos, ou se haverá um concurso para a apresentação de trabalhos. Não sabemos o que vai acontecer nos próximos anos, não é certo o nosso regresso à Coronel Mesquita.”
Apesar de disporem agora de um espaço bem mais reduzido, a ideia é prosseguir o mesmo objectivo e até renovar as actividades culturais que ali acontecem. A organização de residências artísticas é prova disso mesmo.

“Trabalhamos muito com voluntários e, independentemente das dificuldades que enfrentamos, tentamos sempre fazer o melhor, mesmo que a situação seja agora ligeiramente diferente. Queremos ter um espaço onde possamos continuar a promover trabalhos artísticos e que possamos continuar a ser uma plataforma para o panorama das artes em Macau. Procuramos encontrar uma forma de trabalhar com projectos que se possam ajustar a este espaço.”

Além das exposições colectivas e das residências artísticas, o Armazém do Boi quer apostar em exposições individuais. Sobre a Coronel Mesquita e a possível criação de um local ligado às indústrias culturais e criativas, Noah Ng tem dúvidas sobre a implementação, na prática, da ideia de Alexis Tam, secretário para os Assuntos Sociais e Cultura.

“É sempre uma boa ideia desenvolver um centro criativo naquela zona, mas permanece a grande questão de como é que essas ideias serão postas em prática. Sinto que deveria haver uma comissão com experiência suficiente quanto à utilização de todos os espaços e que nos explique quais as diferenças relativamente entre essa e a actual localização. Mas é difícil porque é preciso que as associações do meio sigam as instruções criadas pelo Governo para que esse plano seja posto em prática”, concluiu.

A exposição “Post-Ox Warehouse Experimental Site” está disponível para visita gratuita até ao dia 7 de Outubro.

10 Set 2018

Saúde | Governo diz ter feito quase 300 planos de formação

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s Serviços de Saúde de Macau (SSM) garantiram, em resposta ao deputado Leong Sun Iok, que já realizaram vários programas de formação, no estrangeiro e em Macau, para médicos, enfermeiros e funcionários da rede de saúde pública do território.

Entre 2013 e 2017, “foram realizados um total de 294 planos de formação, nos quais participaram mais de 13 mil pessoas, tendo o número de dias de formação atingido os cerca de 26 mil, e as despesas ultrapassado as 12 milhões de patacas”. Além disso, “de entre os planos, 103 constituíram o envio de pessoal à China, Hong Kong, Taiwan, Singapura, Japão e Austrália, entre outros países e regiões fora de Macau, para receberem formação. No mesmo período foram realizadas cerca de 70 acções de formação para médicos, que contaram com cerca de 2200 participantes”.

Perante estes números, Lei Chin Ion, director dos SSM, adiantou ao deputado que “salvo o normal funcionamento do serviço e a insuficiência de recursos humanos, os SSM apoiam totalmente e incentivam o pessoal no seu aperfeiçoamento e formação, tendo, desde sempre, procedido à apreciação e aprovação seguindo os princípios da justiça, imparcialidade e abertamente, elevando assim o nível dos serviços de medicina de Macau”.

10 Set 2018

Ensino | Sulu Sou exige maior participação de pais nas escolas

Sulu Sou entregou uma interpelação escrita ao Governo onde exige a revisão da lei de bases do sistema educativo não superior para garantir a maior participação dos pais nas escolas. O deputado pretende potenciar a qualidade de ensino e a gestão escolar

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]mais recente interpelação escrita de Sulu Sou defende que a lei de bases do sistema educativo não superior deve privilegiar uma maior participação dos encarregados de educação na forma como a escola ensina e gere as aulas. O deputado do campo pró-democrata argumenta que o ensino não pode contar apenas com os esforços das direcções das escolas. Na visão de Sulu Sou, devem ser tomadas medidas para os pais marquem mais presença nos trabalhos de gestão escolar. O deputado pede, portanto, uma revisão para que sejam incluídos os representantes dos encarregados de educação.
O legislador recorda que o guia de funcionamento das escolas já prevê a criação de uniões de pais, que têm como objectivo reforçar a comunicação entre a escola e os encarregados de educação.

Contudo, argumenta que tanto esse guia como a lei não estão a ser bem concretizados neste aspecto, pelo que a participação dos pais nos assuntos escolares dos filhos continua a ser insuficiente.

“Apesar de algumas escolas criarem uniões de pais, estas apenas prestam auxílio na realização de palestras ou outro tipo de actividades. Há poucas escolas que permitem aos pais observarem as aulas e estarem presentes nas reuniões regulares das escolas, mas não têm direito a uma intervenção nem a tomar decisões”, justificou.

Direito à informação

Sulu Sou estabelece uma comparação entre Macau e os restantes países e regiões ao nível da comunicação que existe entre escolas e encarregados de educação, defendendo que a proximidade continua a ser insuficiente. O deputado questiona, por isso, quais as medidas que serão tomadas para garantir que os pais participam no processo de tomada de decisões por parte dos conselhos directivos.

Para Sulu Sou, é importante analisar esta questão tendo em conta os casos recentes de assédio sexual e bullying ocorridos nas escolas de macau. O deputado pede que o Governo garanta o direito à informação dos pais, assim como o direito de participação nos trabalhos preventivos e de acompanhamento de casos.

10 Set 2018

Newman Lam, académico : “Há interesse em dizer que Macau é problemático”

A reforma ditou a saída de Newman Lam da Universidade de Macau, onde liderou o departamento de administração pública e governamental. O professor afirma que há “pessoas poderosas” em Macau a dar informações erradas ao Governo Central, através do Gabinete de Ligação, apontando semelhanças com Hong Kong para justificar a necessidade de maior controlo. Interesses pessoais podem estar por detrás destas manobras

[dropcap]E[/dropcap]stá de saída da Universidade de Macau. Que balanço faz do seu trabalho nesta instituição, tendo em conta a questão da liberdade académica? Houve alguns desenvolvimentos?
Quando comecei a trabalhar na UM todos tínhamos uma liberdade académica absoluta. Ninguém nos questionava no caso de convites feitos a oradores, ninguém se preocupava sobre o conteúdo político das apresentações feitas por esses oradores. Do ponto de vista académico, isso era completamente irrelevante, eram convidadas pessoas para falar das suas investigações, e não havia a preocupação relativamente à sua ligação a partidos políticos, por exemplo. Mas, nos últimos anos, temos notado alguma sensibilidade relativamente à situação política na China. Não querendo mencionar nomes, e deixando aqui claro que tal nunca se passou comigo, mas passou-se com colegas meus, no caso de haver convites feitos a pessoas de Hong Kong ou Taiwan cujas ideias ou ligações políticas não sejam consistentes com a situação política na China, podem ocorrer alguns problemas.

Que tipo de problemas?
A proposta de convite a essas pessoas pode ser recusada ou pode ser sujeita a escrutínio. Eu estou a reformar-me, não aconteceu comigo, mas sei que propostas feitas para conferências foram simplesmente recusadas ou analisadas previamente. Ou então foram feitas várias questões previamente sobre os convidados cujas ideias políticas não estivessem de acordo com as actuais políticas da China. Contudo, gostaria de manter a confidencialidade dos nomes dos meus colegas a quem isso aconteceu.

Zhidong Hao, professor do departamento de ciência política, também já reformado, chegou a afirmar publicamente que os docentes da UM são questionados quando fazem viagens de trabalho a Taiwan, por exemplo.
Confirmo isso. Há dez ou 15 anos, estabeleci alguns contactos com colegas de Taiwan. Antes era muito fácil convidar académicos de fora para fazer aqui uma palestra, bastava apresentar a proposta e normalmente o financiamento era fácil de obter, e também não tínhamos problemas se fossemos dar conferências a Taiwan. Mas agora, pelo que sei, o convidado é analisado previamente e se queremos ir a Taiwan por motivos académicos é-nos questionado com que pessoas nos vamos encontrar e as razões para isso acontecer.

FOTO: Sofia Mota

Os estudantes têm receios de fazer investigações sobre assuntos políticos?
Penso que os alunos não estão sequer conscientes de que estas coisas acontecem. Em termos gerais, os estudantes preparam os seus exames e trabalhos, e a grande maioria não tem consciência dos desenvolvimentos ou dos temas mais sensíveis que têm sido debatidos nos últimos tempos. À excepção dos que, claro, estão a desenvolver investigações. Mas, para dizer a verdade, a grande maioria dos nossos alunos não está interessada em assuntos políticos. Acredito que se Donald Trump disser, ou fizer, algum disparate muitos não vão sequer saber quem é o Donald Trump (risos). No meu departamento alguns alunos estão interessados na política, mas não posso dizer que são a maioria. Nos outros departamentos, a política é um assunto em que não estão minimamente interessados.

Faz falta mais investigação sobre a política de Macau?
Honestamente, acho que os alunos deveriam ser mais interessados em questões políticas, especialmente na política local. Penso que a política actual é muito relevante para eles. Se olharmos para a Administração de Donald Trump, a guerra comercial com a China, o que se passa na Coreia do Norte, estes assuntos estão a acontecer fora de Macau e, eventualmente, poderão trazer impacto às suas vidas, porque quase tudo o que acontece na política tem implicações económicas.

Falando da política local. Recentemente, uma palestra proferida por Andy Chan, líder de um partido pró-independência, gerou polémica na região vizinha. Macau está a sofrer consequências da situação política em Hong Kong?
A situação política de Hong Kong sempre teve consequências em Macau, apesar de achar que Macau não tem os problemas da região vizinha. A RAEHK fala de independência, duvido que esse tópico tenha alguma vez ganho notoriedade em Macau. As pessoas em Macau não têm essa aspiração, incluindo os jovens. Mas o problema é que aquilo que aconteceu em Hong Kong fez o Governo Central ficar nervoso sobre a possibilidade de acontecer em Macau. Houve um maior controlo em Hong Kong, e depois pensou-se “porque não controlar mais a situação em Macau também?”. Então houve algumas implicações.

Mas, como disse, Macau nunca teve um movimento pró-independência. Como explica isso?
Se voltarmos a 1997, muitas pessoas receberam a transição de braços abertos, mas houve também bastante apreensão quanto ao futuro, sobretudo no que diz respeito à eleição do Chefe do Executivo e à garantia de liberdades e direitos. Mas em Macau a transição de soberania fez-se de forma bastante suave, e, de um modo geral, as pessoas não ofereceram qualquer resistência. O Governo britânico ajudou a aumentar a consciência das pessoas no que diz respeito a uma maior democratização e à necessidade do sufrágio universal, por exemplo. Isso terá levado a que em Hong Kong, depois da transição, as pessoas sempre tenham tido essa preocupação. Há dez anos atrás, ninguém em Hong Kong falava de independência, e até se pensava que seria uma loucura. Mas hoje é um tema na ordem do dia.

E foram inclusivamente criados partidos políticos.
Sim. Se a China ou algumas individualidades na China invocarem a ideia de que as pessoas de Hong Kong querem, de facto, a independência, o controlo aperta-se ainda mais, e quando isso acontece, sabemos que gera mais descontentamento. Temos também o problema do sufrágio universal, e as pessoas de Hong Kong acreditam que esta foi uma promessa feita por Deng Xiaoping, que querem agora ver cumprida. Todas estas coisas causam tensões e conflitos e isto acaba por se tornar numa espécie de profecia. Esse é o problema em Hong Kong. Temos de questionar quem criou tudo isto.

No caso do movimento pró-democrata em Macau, deu-se o caso Sulu Sou. Que comentário faz à atitude dos deputados da Assembleia Legislativa?
Este é um assunto complicado. Há o lado do campo político mais tradicional que fez a vida difícil a Sulu Sou, e depois houve o campo pró-democrata, com os jovens. Mas há também um outro grupo de pessoas, de deputados, que não apoiam Sulu Sou, não defendem a sua causa política porque simplesmente acham que não é algo que ele deva fazer.

As propostas de lei que Wong Sio Chak quer apresentar são consequências da situação em Hong Kong? Wong Sio Chak quer mostrar ao Governo Central que Macau está a fazer as coisas bem?
O problema é que há pessoas poderosas em Macau que dizem coisas a pessoas poderosas de Pequim. Algumas pessoas dizem a verdade, e acredito que esses dizem que Macau é um lugar pacífico, com uma sociedade patriótica. Mas, infelizmente, há outras pessoas que dizem a Pequim que o controlo deveria ser reforçado, e que Macau vai ficar igual a Hong Kong. Há algumas pessoas, e não quero mencionar nomes, que têm interesse em dizer que Macau é um lugar problemático, ou com potencialidade para ser igual a Hong Kong. Estas pessoas têm um poder concedido por Pequim.

Falamos de pessoas ligadas às famílias tradicionais de Macau, deputados, membros do Governo?
Não, penso que as famílias tradicionais não querem ter quaisquer problemas em Macau. Não quero mencionar nomes, e não me refiro necessariamente a membros do Governo. Há pessoas que esperam obter algumas vantagens do Governo Central, como recursos ou poder, ao dizerem que Macau é um lugar problemático que precisa de um reforço do controlo. É como dizerem que, se houver algum problema, eles vão resolvê-lo e garantir que nada acontece. São estas pessoas que estão a causar danos a Macau. Estou a referir-me a pessoas poderosas e não quero mencionar nomes. Estas pessoas não estão a dar ao Governo Central a informação correcta e se Pequim der ouvidos a estas pessoas, e se lhes conceder autoridade e poder, vão usar isso para os seus interesses pessoais. Essa é a parte assustadora.

O Governo Central tem a sua representação em Macau através do Gabinete de Ligação. Estão em causa falhas na comunicação entre a RAEM e Pequim?
Acho que se mantém boas relações com o Governo Central ao nível do Governo e famílias tradicionais, e eles mantém uma boa relação de trabalho. O problema é que há diferentes pessoas a dizer coisas diferentes. É uma questão de vermos em quem eles acreditam e que informação têm em conta.

As novas medidas defendidas por Wong Sio Chak representam um maior controlo sobre aquilo que as pessoas dizem e escrevem nas redes sociais?
Tanto em Macau como em Hong Kong estamos a caminhar para uma situação de maior controlo. Já percebemos isso. Mas duvido que avancemos para esse controlo assim tão rapidamente. Primeiro, porque não somos como Hong Kong e não temos o mesmo tipo de problemas. Pequim vê maior urgência em controlar Hong Kong, mas duvido que façam o mesmo aqui. Há muito tempo, no que diz respeito às questões políticas relacionadas com o Governo Central, que o Executivo local espera sempre para ver o que acontece em Hong Kong antes de agir. E vão continuar com esse tipo de abordagem. O Governo de Macau pode dizer muitas coisas, mas o que faz verdadeiramente, é outra história (risos).

O ano passado houve eleições legislativas. Sulu Sou e Agnes Lam foram eleitos. Um ano depois, considera que houve grandes mudanças?
Em primeiro lugar, Macau não é um lugar onde acontecem grandes mudanças. Esqueçamos essa possibilidade. Mas se me perguntar se se registou o início de uma mudança, então concordo. Houve novas pessoas eleitas e se, olharmos para a situação política actual de Macau, e os chamados radicais de há dez anos já não o são. Diria que o mais interessante de tudo isso é Agnes Lam. Todos questionam se pertence ao campo tradicional ou ao campo pró-democrata, e o quadro tem sido pintado assim. Mas penso que Agnes Lam está no meio e, tendo em conta os seus antecedentes, ela é patriota.

Pensa que ela é mais patriota do que pró-democrata?
É mais patriota. Mas, por outro lado, se olharmos para as suas interpelações e intervenções, é também consistente com os pró-democratas. Ela é uma das nossas docentes e diria que está a apresentar uma terceira opção, que não está intimamente ligada à China ou ao Governo local, mas que se preocupa com as necessidades das pessoas. O seu programa político defendia a implementação do sufrágio universal. Gostaria de ver um crescimento destes deputados que estão no meio, isso seria saudável para Macau. Representam uma voz para Macau e para o continente, e não representam apenas um lado ou outro. Sulu Sou deixou para trás a linha de Ng Kuok Cheong e Au Kam San. Mas Agnes Lam representa algo novo.

Chui Sai On vai deixar de ser Chefe do Executivo no próximo ano. Que balanço faz destes últimos quatro anos de mandato?
Esta questão é difícil de responder, porque acho que o nosso Chefe do Executivo assumiu uma postura passiva. Ele não fez nada drástico, seguiu as mesmas políticas e garantiu que as pessoas de Macau recebem dinheiro todos os anos e permanecem contentes. Essa abordagem funcionou até ao ano passado, até acontecer o tufão Hato. Mas o seu mandato está a chegar ao fim e, nos últimos quatro anos, não fez propriamente coisas erradas, mas também não atingiu grandes objectivos. Quanto a quem o vai substituir, e tendo em conta as preferências de Pequim, penso que ainda não foi feita qualquer escolha e apenas existe especulação popular.

Fala-se das possibilidades de Ho Iat Seng ou Lionel Leong.
Se Pequim quiser alguém com fortes ligações às famílias tradicionais e extremamente leal a Pequim, então Ho Iat Seng seria a escolha óbvia. Lionel Leong é considerado um nome forte e penso que é o mais indicado.

E Wong Sio Chak?
Penso que não tem perfil para ser tido em conta, pelo menos para já. Penso que não fez o suficiente, se compararmos com Lionel Leong. Foi apontado como secretário para a Segurança [em 2014] e penso que para fazer Pequim ter confiança num candidato são necessários mais anos, tem de ser alguém com relações mais duradouras nessa área. Lionel Leong está ligado aos negócios e tem relações com Pequim há mais tempo. Penso que Wong Sio Chak não tem antecedentes políticos suficientes para ser considerado como candidato.

A China lançou o projecto da Grande Baía. A integração pode acontecer, na prática, antes de 2049?
Não vai acontecer nos próximos anos, mas talvez aconteça antes de 2049. Se acontecer antes desse ano já nada precisa de ser feito, Macau pode até desaparecer e tornar-se numa região económica especial, por exemplo. A ponte já estará em funcionamento e penso que a área económica e empresarial vai desenvolver-se primeiro e aí veremos um desenvolvimento mais rápido nos próximos seis a dez anos. A integração política virá depois.

7 Set 2018

Tracy Choi, produtora e realizadora de cinema: “Queremos fazer algo mais comercial”

Por estes dias, o segundo grande projecto cinematográfico de Tracy Choi, depois de “Sisterhood”, está a ser filmado numa velha fábrica vazia na Areia Preta. “Ina” é o novo filme da realizadora que agora desempenha o papel de produtora, em parceria com António Faria. No premiado “Sisterhood”, Tracy Choi abordou a questão da homossexualidade. Neste filme o olhar incide sobre o tráfico humano

[dropcap]C[/dropcap]Como surgiu a possibilidade de trabalhar com António Faria?
Este projecto começou, na verdade, há cinco anos atrás. O “Ina” foi, inicialmente, uma curta-metragem que apresentamos no “Macau Stories 3”, que reúne várias curtas-metragens com histórias sobre Macau. Com este filme queremos fazer algo na área do suspense, mas sobretudo queremos fazer algo mais comercial. Participámos na primeira e segunda edição do “Macau Stories” e, nessa altura, queríamos fazer um filme mais comercial e mais próximo do público, para que fosse mais fácil captar a sua atenção. No “Macau Stories 3” foi a primeira vez que trabalhei com o António Caetano de Faria e durante estes cinco anos trabalhámos juntos muitas vezes. Colaborei com ele na realização de um documentário e ele também me ajudou em vários projectos. Fazer o “Ina” é uma boa oportunidade para nós. Outro realizador que colabora connosco enviou o “Ina” em formato de curta-metragem para várias pessoas da área do cinema, um dos distribuidores americanos viu o trailer, adorou e disse que iria fazer com que o “Ina” fosse distribuído a nível internacional. O único problema que colocou é que não poderia colocar no mercado uma curta-metragem, tinha de ser em formato filme. Então, começámos a pensar se seria possível, depois de cinco anos, voltar à película e se teríamos dinheiro para fazer o projecto. O filme tem 90 minutos, procuramos investidores.

E conseguiram fundos do Governo de Macau?
Sim, pedimos apoio ao Fundo das Indústrias Culturais.

Este é o segundo projecto cinematográfico desde o “Sisterhood”.
Sim. Tenho alguns projectos pessoais em andamento, mas na verdade este é o segundo grande projecto cinematográfico em que estou envolvida. E é também a primeira vez que desempenho funções de produtora, antes trabalhei sempre como realizadora. Estou a aprender novas coisas e a pensar o quão complicado é produzir (risos). É um trabalho bastante diferente, e quando estou a realizar penso que tudo tem de estar perfeito no filme, mas depois, como produtora, penso no dinheiro que temos e na forma como temos de cortar aqui e ali.

FOTO: Sofia Mota

Mesmo com os subsídios do Governo, continua a ser difícil fazer cinema em Macau?
Sim, totalmente. Além do facto dos apoios financeiros não serem suficientes, é difícil encontrar pessoas ou entidades que queiram investir na produção de um filme em Macau. Não há muitas pessoas interessadas em fazer isso, porque constitui sempre um risco muito elevado e claro que o retorno será sempre pouco. Não podemos ver, de facto, que haja lucros. É difícil ter lucros quando não temos uma grande estrela a trabalhar connosco, por exemplo. É a primeira vez que estamos a tentar captar investimento numa produção verdadeiramente local, porque no caso de produções em Hong Kong ou China os investidores têm uma maior confiança ao nível de obtenção de lucros.

Falou-me da aposta no suspense. Que tipo de história podemos esperar em “Ina”?
A história começa com a Ina, a personagem principal, na adolescência, um pouco confusa, porque está a crescer e tem problemas relacionados com drogas. Estamos agora a filmar a segunda parte, que se foca mais na forma como Ina cresce enquanto mulher. O seu pai morre e abordamos temas como as seitas e o tráfico de mulheres. Então, ela tem de decidir que pessoa quer ser.

São temas sensíveis em Macau. Procura, com este filme, criar um debate em torno destas questões?
Sim, a questão do tráfico humano é um pouco sensível, mas pensamos que vale a pena falar sobre o assunto e abordá-lo, porque podemos não ter conhecimento sobre a verdadeira situação do tráfico humano em Macau, mas há ainda muitas coisas a acontecer. Além disso, estamos mesmo a apostar numa película mais comercial para que possa ser vendida no mercado internacional, para chegarmos a um público maior. É por isso que é importante pegar em temas que geram preocupação para que possamos discuti-los.

Com “Sisterhood” abordou vários elementos da cultura local. Com o “Ina” também têm esse objectivo, de mostrar a cultura de Macau e as suas pessoas?
Como queremos fazer um projecto mais comercial, talvez a parte cultural não esteja muito presente na história, ainda que tenhamos filmado 90 por cento das cenas em Macau e feito uma ou duas filmagens na China. De certa forma, mostramos o território, mas mais numa perspectiva de como Macau é actualmente. Não de forma muito realista, diria, mas penso que de certa forma mostra há um pouco da cultura local no filme.

Há planos para a apresentação do filme no mercado chinês?
Ainda estamos a planear essa parte. Para entramos no mercado chinês temos de ter uma espécie de aprovação prévia quanto ao conteúdo do filme. Nós não queremos alterar o conteúdo, e se passarmos nessa análise, tudo bem. Se não passarmos, também não há problema.

Quando estará concluído o filme?
A pós-produção deverá estar concluída este ano e a estreia será este ano ou no próximo. Como estamos a trabalhar com um distribuir norte-americano, ele já começou a vender parte do conteúdo do filme em regime de pré-venda, ainda que estejamos em processo de filmagens. É bom ter esta abertura ao mercado internacional para que o cinema de Macau não fique sempre atrás do que é feito em Hong Kong e na China. Se conseguirmos, de facto, chegar lá fora e obter alguns lucros aí os investidores locais vão ver que também podem obter algum retorno. É bom dizer às pessoas que temos outro caminho a seguir. Também gostaríamos de estar presentes na próxima edição do Festival Internacional de Cinema de Macau, mas tudo vai depender dos prazos da pós-produção.

6 Set 2018

Extradição | SCMP menciona acordos “informais e opacos”

 

A ausência de acordos de extradição entre a China, Macau e Hong Kong pode ter a sua razão de ser. De acordo com analistas ouvidos pelo South China Morning Post, existem pactos “informais e opacos” e os dois territórios formam uma “área cinzenta” operacionalizada pelo continente

 

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]caso do hacker de Macau procurado pela justiça norte-americana, e que terá investido mais de nove milhões de dólares usando informação confidencial acedida através de ataques informáticos, levou o jornal South China Morning Post a tentar perceber o verdadeiro panorama de extradições em Macau e Hong Kong. Recorde-se que Hong Kong não extraditou o fugitivo de Macau para os Estados Unidos, depois de meses de negociação.
Analistas ouvidos pelo jornal defendem que o facto de ainda não terem sido assinados acordos de extradição entre a China, Hong Kong e Macau possibilita ao Governo Central uma certa margem de manobra. Isto porque, aponta a notícia, “Macau tem acordos com vários países, mas nenhum deles permite a detenção de fugitivos”.
Um dos entrevistados pelo jornal de Hong Kong é Simon Young, professor da faculdade de Direito da Universidade de Hong Kong, que defendeu que “com a ausência de acordos formais em matérias criminais, especialmente numa altura de muita incerteza global sobre os cidadãos e em que algo pode comprometer os seus interesses estratégicos alargados, as duas regiões administrativas especiais dão à China uma ‘área cinzenta’ que o país pode operar”.
Um advogado com 30 anos de experiência na região vizinha falou ao jornal sob anonimato, apontando a dimensão política deste tipo de procedimentos.
“Hong Kong tem uma boa reputação na detenção de pessoas, à excepção daqueles que, aos olhos de Pequim, não interessa deter. Em cada caso as autoridades centrais têm sempre a palavra final.”
O jurista afirmou mesmo que “há mecanismos de detenção ‘irregulares’ através dos quais as autoridades do continente podem trazer alguém que lhes interessa de Hong Kong para o continente. Sei de uma fonte credível que há vários casos destes nas mãos da polícia de Hong Kong”, lê-se na notícia ontem publicada.
O mesmo advogado acrescentou também que o facto de ainda não existirem acordos de extradição assinados “providencia um ‘céu seguro’ para os chineses fugitivos”, algo que “tem a aprovação de Pequim”. “E se o continente quiser a pessoa que fugiu para Macau, então eles têm os meios [de que necessitam]”, frisou.
Na notícia lê-se também que, desta forma, o Governo Central tenta travar casos de corrupção, crime e branqueamento de capitais “sem pôr em causa os seus interesses nacionais”. A notícia aponta ainda que o baixo número de fugitivos detidos em Hong Kong ou pelas suas autoridades policiais “levanta a preocupação sobre a possibilidade de Hong Kong e Macau estarem mais confinados a ‘acordos’ opacos e informais na hora de lidar com a busca dos fugitivos e a administração da justiça internacional”.

Governo não comentou

Outro dos entrevistados no artigo é Jorge Menezes, advogado radicado em Macau há vários anos, que falou da componente política que a questão pode acarretar.
“Os crimes com motivações políticas são uma clara matéria de preocupação quando se discutem detenções de ‘infractores fugitivos’. Os acordos de assistência jurídica mútua têm implícita a ideia de padrões globais que podem não se aplicar facilmente às abordagens nacionalistas de repressão criminal”.
O HM tentou, até ao fecho da edição, obter uma reacção do gabinete da secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, mas tal não foi possível.
Em 2016, foi notícia a alegada extradição ilegal de três pessoas de Macau para o continente, tendo a Associação Novo Macau exigido informações públicas sobre o assunto. Há muito que os acordos de extradição estão em fase de discussão entre os Governos das três regiões, estando em causa a diferença de regimes jurídicos.

5 Set 2018

IC | Obra de Wu Li lembrada com exposição no Museu de Arte de Macau

“Para além da paisagem: exposição comemorativa do 300º aniversário da morte de Wu Li” é o nome da iniciativa do Instituto Cultural para recordar a carreira e o trabalho multifacetado do homem que também foi artista, poeta e missionário jesuíta, falecido em 1718

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]a sexta-feira abre ao público, no Museu de Arte de Macau (MAM), a mais recente iniciativa do Instituto Cultural (IC) para recorda a obra deixada por Wu Li, que chegou a Macau em 1680 e produziu obras na área da poesia e pintura, além de ter sido missionário jesuíta.

A exposição, intitulada “Para além da paisagem: exposição comemorativa do 300º aniversário da morte de Wu Li”, apresenta um total de 84 obras de caligrafia e pintura “de períodos diferentes de Wu Li”, bem como de “alguns dos seus mentores e amigos”, aponta um comunicado do IC.

Esta é “a primeira exposição a solo de grande escala de Wu Li e quase metade das peças são apresentadas publicamente pela primeira vez, sendo uma mostra panorâmica das realizações culturais e artísticas de Wu Li”. O objectivo da iniciativa, de acordo com o IC, é fazer com que o público “e os visitantes possam apreciar um belo conjunto de algumas das melhores pinturas da dinastia Qing e experienciar o encanto da fascinante cultura chinesa”.

O trabalho desenvolvido por Wu Li foi também recordado num documentário produzido por James Jacinto e Silvie Lai em 2015, com o nome “As crónicas de Wu Li no Colégio de São Paulo”, que recriou o ambiente vivido em Macau no século XVII e que teve o monumento Ruínas de São Paulo como pano de fundo.

Da China para Macau

Nascido em 1632 e natural de Changshu, na província de Jiangsu, Wu Li ganhou à nascença o nome Qili e “nome de estilo Yushan”. “Devido à existência de um poço muito profundo (mo jing) de Yan Zi onde Wu Li vivia, Wu Li ganhou o epíteto de ‘Mo Jing Dao Ren’ (Taoista do Poço Profundo)”, explica o IC.

Durante o período Kangxi, Wu Li veio a Macau com Philippus Couplet, um jesuíta belga, e residiu no Colégio de S. Paulo onde estudou latim e teologia, e depois regressou a Jiangsu. Em 1682, ingressou na ordem dos jesuítas como frade. Foi ordenado padre em Nanjing em 1688 e começou a pregar na zona de Xangai, onde faleceu.

O comunicado do IC aponta que a criação de Wu Li se manifestou em várias facetas, como poesia, prosa, música além de outras formas de arte. Além disso, “as suas obras combinavam os pontos fortes das várias escolas e subordinavam-se sobretudo a temas da natureza, sendo particularmente conhecido pelas suas obras em pintura de paisagem”.

Wu Li foi também “um dos ‘Seis Mestres de Qing’, juntamente com Wang Shimin, Wang Jian, Wang Yuanqi, Wang Hui e Yun Shouping, tendo uma influência profunda na história da arte chinesa e no desenvolvimento do Catolicismo na China”.

4 Set 2018

Justiça | Comissão de Apoio Judiciário volta a analisar pedido recusado

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]director dos Serviços para os Assuntos de Justiça (DSAJ), Liu Dexue, garantiu ao deputado Au Kam San que o pedido de apoio judiciário apresentado por uma assembleia de condóminos será novamente analisado depois de ter sido recusado.

“Em relação ao caso referido, o funcionário informou o requerente das normas relativas a litigante de má fé já mencionadas e elaborou um auto de declaração sobre isto, o qual depois de ter sido assinado pelo requerente foi submetido, juntamente com outros documentos relacionados, à apreciação da comissão de apoio judiciário”, pode ler-se.
Além disso, Liu Dexue acrescentou que, aquando da apresentação dos pedidos, “o funcionário responsável [da comissão de apoio judiciário] informa os requerentes do disposto nos artigos do regime geral de apoio judiciário que envolvem os seus direitos e deveres, assegurando que os requerentes tomam conhecimento do procedimento e das normas relativas ao regime”.

No passado mês de Junho, Au Kam San denunciou numa interpelação escrita o caso em que foi recusado um pedido de apoio judiciário apresentado por um grupo de condóminos, que alegaram não ter capacidade financeira para custear as despesas do tribunal.

“Recentemente, houve um edifício que foi alvo de uma acção instaurada em tribunal devido a um conflito de administração ou titularidade. O requerimento foi indeferido, visto que, com base na justificação do indeferimento, tal assembleia não tem qualidade de pessoa colectiva ao nível jurídico e, portanto, não preencheu o requisito de ser beneficiário do apoio judiciário”, referiu o deputado da ala pró-democrata.

4 Set 2018

Residência artística | Sandy Leong, artista de Macau, expõe em Berlim

Ilustradora e artista visual, Sandy Leong participa numa residência artística, em Berlim, na Takt Academy. A artista de Macau apresentou um projecto de fotografia que aborda a percepção que os mais novos têm quando visitam o memorial do Holocausto. A exposição foi inaugurada na passada terça-feira

 

[dropcap style=’circle’]É[/dropcap]mais um passo na carreira da jovem Sandy Leong, nascida em Macau e que tem feito percurso artístico na Europa para onde foi estudar. Inaugurou na passada terça-feira, e prolonga-se durante este mês, a residência artística da Takt Academy, em Berlim, onde estão expostos os trabalhos de Sandy Leong em parceria com criações de outros artistas.

Numa palestra proferida a 28 de Agosto, e que serviu de introdução à exposição que integra a residência artística, Sandy Leong abordou os trabalhos que tem desenvolvido nos últimos anos. Para a residência artística em Berlim, decidiu estender a investigação de um projecto de fotografia intitulado “I was playing in the memorial”, que aborda “as crianças turistas que brincam no Memorial do Holocausto”, localizado na capital alemã.

“Através dos olhares inocentes das crianças, questionei como um indivíduo pode envolver-se na história pública. Como adultos, que mensagem e atitude podemos passar para as próximas gerações sobre este lado mais negro da história?”, questionou a artista.

Experiência europeia

Depois de estudar em Pequim e Hong Kong, Sandy Leong decidiu, o ano passado, ingressar no Royal College of Art, em Londres, para fazer um mestrado em comunicação visual. De acordo com a biografia da artista publicada pelos organizadores do evento, Sandy Leong “tem explorado estudos sobre a sua história pessoal e memórias colectivas”.

“Depois de encontrar, por acaso, uma foto da sua avó com a sua mãe, começou a traçar as histórias pessoais das mulheres da família. Ao fazer isso, compreendeu que as suas histórias pessoais tinham algo de relevante para traçar um quadro mais alargado das histórias do seu país, onde se inclui a migração chinesa e a Revolução Cultural. Estes aspectos inspiraram-na a fazer uma série de trabalhos que reflectem as relações da sua família ao longo de várias gerações”, lê-se.

Outro dos projectos em que Sandy Leong está a trabalhar é a recolha de histórias de imigrantes, para retratar aquilo por que passaram as mulheres dessas famílias. O resultado desse trabalho de pesquisa e de investigação deverá ser exposto em Londres, no próximo ano, e talvez em Macau, como contou a autora numa entrevista recente.

3 Set 2018

Turismo | 8 milhões de chineses vão ter acesso facilitado a Macau e Hong Kong

O Individual Visit Scheme vai a partir de amanhã poder ser requerido no local onde os cidadãos chineses vivem e trabalham, em vez de apenas no local de residência. A medida vai afectar quase 8 milhões de pessoas que têm acesso a este documento

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Ministério da Segurança Pública chinês anunciou na terça-feira que vai facilitar a obtenção do Individual Visit Scheme (IVS), em vigor desde 2003, a oito milhões de cidadãos do continente para visitar Macau, Hong Kong e Taiwan como parte de um grupo turístico.

De acordo com a GGR Asia, as novas regras vão afectar 7,8 milhões de pessoas que já pediram esse tipo de visto mas que necessitam regressar ao continente e ao lugar onde têm registada a sua área de residência, para obter este tipo de permissão de saída. As novas regras entram em vigor amanhã, dia 1 de Setembro.

A China tem milhões de trabalhadores migrantes que não estão empregados na cidade onde têm o registo oficial e isso pode causar complicações no acesso a serviços públicos no local de migração.

Mais 2,7 milhões de cidadãos do continente também poderão renovar outro documento, o salvo conduto de entrada e saída de Hong Kong e Macau, ou obterem um documento que permite entradas e saídas de e para Taiwan a partir da cidade onde vivem, ao invés de fazerem esse processo na cidade onde registaram a sua cidadania.

Estes cidadãos também vão poder renovar os seus passaportes no sítio onde habitam e não apenas onde estão registados.

Visitas do continente

Nos primeiros sete meses deste ano, dos 19,85 milhões de pessoas que visitaram Macau, cerca de 70 por cento, 13,9 milhões, eram provenientes da China continental, de acordo com o Serviço de Estatística e Censos.

Durante o mesmo período, um total de 6,84 milhões de visitantes do continente vieram a Macau com uma autorização IVS, um número que cresceu cerca de 13 por cento comparado com igual período no ano anterior.

De Janeiro a Junho, mais de 3,3 milhões de chineses do continente visitaram Macau através de pacotes turísticos, o que representou um aumento de 13,8 por cento em relação ao ano anterior, de acordo com os últimos dados oficiais disponíveis. Cerca de um terço faziam parte da vizinha província de Guangdong.

Até 2003, os vistos para entrar em Macau e Hong Kong só podiam ser de grupo. Com a criação do IVS, em Julho daquele ano, apesar de estarem incluídos em excursões, os residentes do continente passaram a poder vir a Macau com visto individual. Inicialmente, a medida foi apenas aplicada a residentes de algumas cidades de Guandong, mas ainda no mesmo ano foi alargada a Pequim, Xangai e outras regiões.

31 Ago 2018

Estudo | Migrantes na China menos felizes na cidade que no campo

Os cidadãos chineses que deixaram as aldeias em busca de melhores condições de vida nas cidades não ficaram mais felizes com a mudança devidos aos baixos salários e à segmentação social que persiste. Contudo, não voltariam para a sua terra natal. A conclusão faz parte do Relatório da Felicidade Mundial deste ano

 

[dropcap style=’circle’]C[/dropcap]hama-se “Migração Rural-Urbana e a Felicidade na China” e é provavelmente um dos poucos estudos existentes sobre o estado de espírito daqueles que protagonizaram a maior migração populacional da história. Contudo, a mudança que milhões de cidadãos chineses fizeram em busca de melhores salários e condições de vida nas cidades não se traduziu em mais felicidade. O estudo realizado por John Knight e Ramani Gunatilaka, inserido no Relatório da Felicidade Mundial, relativo a 2018, explica as razões para a desilusão. “As condições difíceis vivenciadas pelos migrantes rurais-urbanos que vivem na China urbana podem constituir outra explicação para os baixos níveis de felicidade”, escrevem os autores.

O estudo incidiu sobre uma amostra de migrantes rurais-urbanos. Entre os inquiridos 77 por cento eram chefes de agregados familiares, 61 por cento eram homens, 90 por cento estavam casados, 93 por cento dos que responderam tinham trabalho e 88 por cento vivia com a sua família.

Aqueles que responderam às categorias “infeliz” e “não feliz de todo” foram questionados sobre as razões para a sua infelicidade. Mais de dois terços dos inquiridos disseram que auferiam salários demasiado baixos. Outra razão, “mais importante”, apresentada por 11 por cento dos participantes, foi a incerteza quanto ao futuro, sugerindo que a insegurança era um problema.

Apesar dos factores apontados para a tristeza, mais de metade dos inquiridos, 55 por cento, afirmaram não estar pessimistas quanto ao futuro, pois esperam um pequeno aumento de salário nos próximos cinco anos, enquanto que 28 por cento “não esperava mudanças”. Uma pequena fatia dos inquiridos, sete por cento, espera um grande aumento salarial no período de tempo indicado. Apenas dez por cento das pessoas suspeita que o seu salário será reduzido.

Os autores apontam ainda que “apesar da felicidade dos migrantes ser inferior à dos moradores das zonas rurais, o salário não era mais baixo”. Na verdade, “a média salarial per capita era 2.39 vezes mais que a dos agregados familiares rurais”, lê-se.

Falta de apoios explica

O estudo explica também que “o salário pode ser um factor determinante para a felicidade dos migrantes”, mas que existem outras questões que os fazem ficar menos felizes na vida citadina.

“A falta de apoios sociais, como subsídios de desemprego, pensões, acesso a cuidados de saúde” foram os principais problemas apontados por 24 por cento dos inquiridos. Além disso, foram referidos problemas como a poluição que se sente nas grandes cidades chinesas, a segunda opção mais mencionada e que agregou 20 por cento dos inquiridos. Em terceiro lugar surgiu a corrupção, com 18 por cento de respostas, a polarização social, 11 por cento, discriminação contra migrantes, 10 por cento, e, por último, um índice superior de criminalidade nos centros urbanos, factor apontado por oito por cento dos inquiridos.

Apesar dos vários problemas identificados e que podem potenciar infelicidade dos que migraram para cidades, a verdade é que a questão, “comparando com a sua experiência de viver nas zonas rurais, está mais feliz a viver na cidade?” acabou por gerar respostas surpreendentes.

Apenas três por cento dos inquiridos disse ser mais feliz no campo, enquanto que mais de metade, 56 por cento, garantiram que “viver na cidade lhes trouxe mais felicidade”. Mais de metade, 54 por cento, referiu que optaria por mudar de cidade, enquanto que 39 por cento dos inquiridos voltariam à sua terra natal no campo. Os dados mostram, aliás, que a maioria dos migrantes chineses que saiu para as áreas urbanas nunca perdeu os laços com a sua terra, com 53 por cento mantinha familiares a residir nessas zonas.

Tais factos levantaram questões aos autores do estudo. “Se a maioria dos migrantes encaram as áreas urbanas como um alcance de grande felicidade, e se a maioria optaria por manter-se a residir numa zona urbana, porque é que os níveis de felicidade são inferiores aos dos moradores das zonas rurais?

O estudo aponta várias explicações para esta questão. Uma delas prende-se com a possibilidades destes terem elevadas expectativas das condições de vida na cidade. Devemos olhar para esta evidência, tendo em conta as características do seu bem-estar.”

Além disso, é referida a “natureza atípica dos migrantes” como um dos factores. “A baixa taxa de felicidade dos migrantes pode ser o resultado das suas características, ou do próprio agregado familiar, serem diferentes das características da população rural como um total. Se for esse o caso, eles poderiam de facto ser menos felizes do que aquilo que eram na aldeia”, acrescentou.

Há também outra explicação. “O grande factor que afecta a felicidade dos migrantes é a diferença que existe num grupo de referência: a equação de felicidade dos migrantes é semelhante à dos moradores urbanos, e diferente da equação dos moradores rurais. Isto pode explicar porque é que os migrantes são mais felizes em resultado da mudança, porque já não conseguem mais apreciar os prazeres simples da vida rural.”

Os autores lembram também que não é possível explicar a menor felicidade dos migrantes rurais-urbanos apenas com indicadores económicos. Muitas destas pessoas poderiam simplesmente ter expectativas demasiado elevadas em relação à sua mudança para a cidade, que saíram goradas, sobretudo no que diz respeito às condições de vida, apontam os académicos. “O que os migrantes rurais-urbanos têm em comum é a falta de informação necessária que lhes permitisse analisar a qualidade das suas vidas num mundo diferente.”

História explica segregação

Os autores da investigação lembram que, para se compreender o fenómeno da migração rural-urbana dos dias de hoje, na China, temos de regressar ao período em que foi fundada a República Popular da China (RPC), em 1949. As medidas tomadas por Mao Zedong levaram ao “fenómeno da migração urbano-rural ter sido diferente na China em relação à maioria dos países pobres”.

“Durante os primeiros anos em que o Partido Comunista Chinês esteve no poder, quando a China esteve separada em duas grandes áreas, criando a ‘Grande Muralha invisível’ entre a China urbana e rural, isso teve como primeiro significado o controlo social. Ligado a esta separação foi criado um sistema universal de registo de residência, conhecido como Hukou, que concedeu direitos, deveres e barreiras.”

O documento recorda que, “os que tinham nascido no campo tiveram de manter os Hukou rurais, e os que tinham nascido nas cidades, incluindo os migrantes de outras áreas urbanas, tinham os Hukou urbanos, e os migrantes rurais-urbanos foram obrigados a manter os seus Hukou rurais, à excepção dos licenciados oriundos das áreas rurais”. Isso fez com que, no final da década de 50, se tenha iniciado um travão do Estado à saída das populações rurais dos campos.

“Uma combinação de registos Hukou, a formação de comunas e a racionalização de comida nas áreas urbanas deu ao Estado as medidas administrativas necessárias para prevenir a migração urbano-rural. Através deste planeamento central, e especialmente através da formação de comunas nas cidades, esta migração passou a ser estritamente controlada e restrita.”

Depois das primeiras reformas económicas que tiveram lugar a partir das décadas de 70 e 80, e que criaram apenas migrações temporárias, “quando faltava mão-de-obra nas cidades”, começaram a surgir as primeiras vagas de migração de forma massiva.

“Quando mais migrantes rurais começaram a ir para as cidades, levando consigo as suas famílias, enfrentaram discriminação no acesso a empregos, alojamento, educação e cuidados de saúde. Os Governos das cidades favoreceram os seus residentes, e os migrantes urbano-rurais eram tratados como cidadãos de segunda classe. Nesse sentido, só tinham permissão para aceitar os trabalhos menos atractivos e mais mal pagos, todos os que os migrantes urbanos não queriam.” À medida que o controlo estatal sobre a migração diminuiu, esta foi aumentando.

31 Ago 2018

Patuá | Fundação Rui Cunha debate hoje documentação do dialecto

Mário Pinharanda Nunes, professor da Universidade de Macau, apresenta hoje, às 18h30 na Fundação Rui Cunha, a palestra “Documentar o patuá: desafios, especificidades e propósitos”. A elaboração de um projecto desta natureza depende da abertura da comunidade, aponta o académico

 

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]patuá, dialecto falado pela comunidade macaense, está em desuso, mas isso não significa que esteja afastado do interesse de investigadores. Exemplo disso é a palestra de hoje na Fundação Rui Cunha (FRC), protagonizada por Mário Pinharanda Nunes, professor do departamento de português da Universidade de Macau (UM). O evento está marcado para as 18h30.

O docente universitário vai falar sobre o tema “Documentar o patuá: desafios, especificidades e propósitos”, que se insere na chamada documentação linguística, focada em línguas que estão em vias de extinção ou mesmo extintas.

Neste caso, o docente contou ao HM que a ideia é promover um debate com os membros da comunidade macaense, para que se fazer um levantamento científico do patuá como língua e também como representação antropológica.

“Não há ainda conclusões, porque estas só poderão chegar se as comunidades macaenses decidirem em prol de um projecto de documentação”, apontou ao HM.

É preciso olhar não só para a comunidade macaense residente em Macau, onde ainda se domina algum patuá, apesar de não ser transmitido de geração em geração, mas ter em atenção também as comunidades macaenses que residem na diáspora. Mário Pinharanda Nunes explica que há diferenças na abordagem a uma futura documentação.

“Espero que haja uma reflexão junto dos macaenses em prol de um diálogo perante as características da comunidade, numa fase em que já não há a transmissão do crioulo de geração em geração. Há também as comunidades na diáspora, e cada uma tem as suas particularidades. Há uns que mantém uma proximidade à língua portuguesa, e outros que já estão mais próximos do inglês, todos esses factores são tidos em conta num projecto deste tipo.”

Além disso, “há questões de ortografia e vocabulário, ou se introduzimos ou modificamos o patuá para se tornar numa língua funcional para que possa ser comunicável no século XX”.

Na palestra, o professor da UM vai abordar a “relativa escassez de dados escritos e orais desta língua crioula, comparativamente com outras línguas de contacto, da variação e da mudança de categorias gramaticais e do léxico detectáveis nessas fontes, e da diversidade de práticas e atitudes linguísticas entre as suas diferentes comunidades de herança”, aponta um comunicado da FRC.

Estes são os “desafios colocados à documentação do patuá e, por outro lado, dos possíveis contributos que tal tarefa oferece à disciplina em questão, assim como às do estudo de línguas de contacto e de aquisição de língua”.

Português no Sri Lanka

Apesar de notar que, nos últimos 15 anos, a academia tem olhado para o patuá, inclusive como tema de análise em conferências internacionais, a verdade é que a eficiência desses estudos para a manutenção da língua depende da vontade da própria comunidade macaense.

“O trabalho da academia só pode ajudar à preservação do patuá se houver interesse da comunidade falante ou de herança do patuá. Sem a academia ele poderá manter-se na mesma, porque há muitas comunidades desta natureza, com a língua ameaçada, que optam por tratarem elas do assunto e fazerem iniciativas próprias. A academia apenas poderá ajudar com o know-how que este campo tem desenvolvido e que é uma forma de preservação também”, lembrou Mário Pinharanda Nunes.

A palestra de hoje na FRC vai também contar com a presença de Hugo Cardoso, que vai falar do tema “Documentação do Português na Sri Lanka: um caso de investigação multidisciplinar”. Neste caso, explica Mário Pinharanda Nunes, já existe documentação da presença do português, que está disponível num arquivo online da Universidade de Londres.

O projecto de investigação de Hugo Cardoso, professor da Universidade de Lisboa (UL), ainda está em curso e tem como “objecto central o português do Sri Lanka, uma língua crioula de base lexical portuguesa falada principalmente na província oriental do país pela comunidade Burgher”.

O projeto ‘Documentação do Português de Sri Lanka’, desenvolvido no Centro de Linguística da UL, em colaboração com instituições do Sri Lanka e consultores de várias partes do mundo, é financiado pelo Endangered Languages Documentation Programme (SOAS, Reino Unido) e tem por objetivo constituir um corpus audiovisual que preserve informação não apenas sobre a língua, como também sobre a cultura e práticas sociais dos Burghers, explica a FRC.

30 Ago 2018

TSI obriga IH a manter contrato de arrendamento

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Tribunal de Segunda Instância (TSI) deu razão a uma moradora de uma habitação social a quem o Instituto de Habitação (IH) decidiu rescindir o contrato de arrendamento por alegar que a residente esteve ausente de Macau por um longo período de tempo. Contudo, o TSI deu razão ao Tribunal Administrativo (TA), que já tinha considerado que o IH não cumpriu os prazos na resposta aos requerimentos apresentados pela residente.

O acórdão conta que, em Março de 2014, a moradora “apresentou ao IH um requerimento de ausência temporária de habitação social, alegando que ia sair de Macau em 23 de Março para continuar curso universitário, até à sua conclusão em Julho”. Só em Maio desse ano é que o IH respondeu que “ia rescindir o contrato de arrendamento de habitação social, se a arrendatária conservar o fogo desabitado por mais de quarenta e cinco dias ou não tiver nela residência permanente, habite ou não outra habitação. Tal ofício foi devolvido em 3 de Julho do mesmo ano por ninguém o receber.”

A 26 de Maio, a moradora enviou um email ao IH questionando “a forma de requer o prolongamento do período de ausência temporária da habitação social, mas não obteve nenhuma resposta”. Só em Agosto é que o IH faria uma reunião com a moradora, tendo o presidente do organismo emitido um despacho onde afirmou que esta não tinha razão e que era necessário rescindir o contrato de arrendamento.

O TA considera que a “forma de tratar o caso [por parte do IH] defraudou manifestamente a confiança e expectativas nela depositadas por A [moradora], violando o princípio da boa-fé previsto no Código do Procedimento Administrativo”. Por sua vez, o TSI entendeu que “o direito conferido a arrendatários pelo contrato de arrendamento de habitação social não pode ser privado ou diminuído”. Além disso, “quando se verificar algum facto que dê, ou possa dar, origem à rescisão do contrato, a Autoridade [o IH] procede à notificação do arrendatário para que este lhe preste esclarecimento. O contrato de arrendamento nunca rescinde automaticamente”.

30 Ago 2018

Políticas regionais | Mi Jian será o responsável máximo da nova direcção

Estão escolhidos os nomes da nova direcção de serviços que irá elaborar estudos sobre políticas de desenvolvimento regional. Mi Jian, actual coordenador do Gabinete de Estudo de Políticas, irá acumular funções como director deste novo organismo público

 

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Governo já escolheu os novos nomes da Direcção de Serviços de Estudo de Políticas e Desenvolvimento Regional, anunciada pelo Conselho Executivo no passado dia 13. No total, o novo organismo público vai contar com um director, dois subdirectores e seis chefes de departamento.

Mi Jian, que actualmente coordena o Gabinete de Estudo de Políticas (GEP), será o novo director de um organismo que tem como finalidades “apresentar teorias científicas e prestar apoio em termos de informações para a tomada de decisões por parte do Chefe do Executivo”. Tem também um papel na “cooperação e desenvolvimento da RAEM nas estratégias nacionais”.

A nova direcção de serviços tem também como funções “coordenar os trabalhos respeitantes a grandes estratégias nacionais, a políticas nacionais relacionadas com Macau e desenvolvimento regional”, entre outros.

Mi Jian torna-se oficialmente director este sábado, 1 de Setembro. Além de estar ligado ao GEP, Mi Jian faz também parte, desde o ano passado, da Comissão Coordenadora da Gestão e do Desenvolvimento das Áreas de Jurisdição Marítima da RAEM.

De acordo com o despacho publicado ontem em Boletim Oficial, Mi Jian é licenciado em História pela Universidade Lanzhou, tendo posteriormente mudado para a área do Direito, quando fez um mestrado na Universidade Xiamen, na China. Depois disso, prosseguiu os estudos na Alemanha, com um doutoramento em Direito Honoris Causa pela Faculdade de Direito Albert-Ludwigs-Universität Freiburg.

Em Macau, Mi Jian começou a desempenhar funções na Função Pública ainda nos anos 90, quando foi contratado como “especialista em Direito” pelo Gabinete de Tradução Jurídica do Governo de Vasco Rocha Vieira, entre 1991 e 1995.

De 2008 a 2014, Mi Jian foi membro do Conselho Consultivo para a Reforma da Administração Pública da RAEM e, a partir de 2010, colaborou como consultor principal do gabinete preparatório para a constituição do GEP.

 

Técnicos e mais técnicos

Ung Hoi Ian é um dos nomes que irá trabalhar ao lado de Mi Jian na qualidade de subdirector. O número dois do organismo é licenciado pela Universidade de Toronto, no Canadá, “especializado nas áreas de informática, matemática aplicada e economia”. Ung Hoi Ian tem também um mestrado em gestão de empresas pela Universidade da Ásia Oriental, nome anteriormente dado à Universidade de Macau. O subdirector da nova direcção de serviços começou a trabalhar na Função Pública em 1986, como técnico informático da Direcção dos Serviços de Finanças. Posteriormente, desempenhou funções semelhantes no comité organizador dos jogos asiáticos, tendo sido assessor de Chui Sai On quando este era secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, durante o ano de 2008. Ung Hoi Ian participou também nos trabalhos preparatórios para a constituição do GEP e chegou a ser coordenador-adjunto do organismo.

Lin Yuan será também sub-directora. Licenciada em economia pela Universidade Nankai, mestre em Administração Pública pela Universidade de Birmingham, do Reino Unido, e doutorada em Administração pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, Lin Yuan é assessora do gabinete do Chefe do Executivo desde Maio de 2015.

Hoi In Va, Un Kin Chong, Tang Heng Kin, Lo Keng Man e Lai Fai Pok são os nomes que irão ocupar os cargos de chefes de departamento. A tomada de posse está marcada para o próxima sábado.

 

30 Ago 2018

Sem novidades no Japão, Lawrence Ho concretiza no Chipre

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]concessionária de jogo Melco Crown divulgou ontem os resultados financeiros relativos aos primeiros seis meses deste ano. De acordo com um comunicado, a Melco Crown “teve resultados financeiros e operativos na primeira metade do ano, apesar dos desafios do mercado de jogo de Macau”. Na prática, os lucros triplicaram em relação ao igual período de 2017. Se nos primeiros seis meses do ano passado os lucros foram de 355,4 milhões de dólares de Hong Kong, esse valor cifrou-se nos 1,1 mil milhões de dólares de Hong Kong, ou seja, um aumento de 200 por cento. As receitas liquidas da operadora foram 19,8 mil milhões de dólares de Hong Kong.

Apesar do Japão se manter “o foco principal do grupo a longo prazo”, e da abertura de um escritório em Osaka no primeiro semestre deste ano, a verdade é que a Melco Crown tem vindo a concretizar mais projectos na Europa, nomeadamente no Chipre.

“No Chipre, enquanto o City of Dreams Mediterranean está em desenvolvimento, todas as atenções estão voltadas para outro projecto de grande escala que é a pré-abertura dos casinos Cyprus, em Junho. No horizonte estão também três casinos satélite que deverão arrancar as suas operações em Nicósia, Larnaca e Paphos este ano, enquanto que o casino satélite em Famagousta deverá arrancar as operações na primavera de 2019”, aponta o comunicado ontem divulgado.

Lawrence Ho, CEO da Melco Crown, prevê a conclusão do primeiro resort integrado do Chipre, o City of Dreams Mediterranean, em 2021.

Em relação ao Japão, é, para já, “um mercado com um enorme potencial dentro dos grandes destinos de jogo da Ásia, ficando em segundo lugar apenas em relação a Macau”.
No que diz respeito ao sector do jogo, Lawrence Ho revela-se optimista. “A nossa estratégia de crescimento de longo prazo passa pelo mercado de massas, o qual acreditamos que nos irá levar a um crescimento sustentável e a mais lucros para a nossa indústria. Vamos continuar a investir tanto no segmento VIP como no mercado de massas e a diversificar o nosso portfólio para atrair mais turistas para a nossa área de entretenimento e lazer.”

29 Ago 2018

Segurança do Estado | Nova comissão questionada por juristas

A nova Comissão de Defesa de Segurança do Estado poderá ser uma “polícia política facilmente manobrável” por Wong Sio Chak. António Marques da Silva e António Katchi temem ainda que o Código do Processo Penal seja alterado e que se criem tribunais especiais para julgar processos

 

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Governo vai criar a Comissão de Defesa de Segurança do Estado, que tem como objectivo apoiar o Chefe do Executivo na tomada de decisões. Apesar de se tratar de matéria ligada à segurança do Estado chinês, Macau tem poderes, ao abrigo do artigo 23 da Lei Básica, para criar esta comissão, apontaram dois juristas ao HM. Contudo, os problemas práticos poderão ser outros, defendem.

Na visão de António Katchi, o Governo, ao criar esta nova comissão, tem como objectivo “claro” a instituição de uma “polícia política facilmente manobrável pelo secretário para a Segurança, em estreita articulação com o Governo Central, para perseguir indivíduos ou organizações considerados politicamente incómodos para a oligarquia local ou para a casta dirigente do Partido Comunista Chinês”.

Na prática, tal pode acontecer invocando “disposições penais contidas na Lei de Defesa da Segurança do Estado, mas efectuando, para tal, as manipulações e distorções que se revelem necessárias, quer em matéria de Direito, quer em matéria de facto”. Katchi, que é também professor universitário, estabelece mesmo um paralelismo com o período do Estado Novo, em Portugal.

“O secretário para a Segurança não deve ignorar, por exemplo, que em Portugal, durante a longa noite fascista, o principal instrumento orgânico-administrativo utilizado pelo Governo para perseguir, intimidar, prender e mesmo matar opositores políticos não foi a PSP, mas a PIDE.”

António Marques da Silva, também jurista, diz temer futuras mudanças ao abrigo desta nova comissão. “Estas comissões, em todo o mundo, são, normalmente, de má memória”, começou por defender.

“Não me preocupa que sejam criados serviços de inteligência para prevenir atentados contra a segurança do Estado. O que me preocupa é que atrás disto se altere a lei de Defesa da Segurança do Estado, o Código do Processo Penal (CPP) e se criem juízes e tribunais especiais para julgar este tipo de casos”, acrescentou. O jurista recorda ainda que “todos os países têm serviços de inteligência para prevenir crimes contra a segurança do Estado ou questões ligadas ao terrorismo”. António Marques da Silva destaca ainda o tom “intimidatório” que a criação desta nova comissão acarreta.

“O intuito desta comissão será mais do que consultivo, será preventivo, e de execução. Veja-se a composição desta comissão: é o Chefe do Executivo, o secretário para a Segurança, o director da Polícia Judiciária. Tudo indicia que tem um carácter operacional, preventivo mas também com um lado intimidatório, no meu entender.”

Para quê?

António Marques da Silva acompanhou o processo de implementação da lei de Defesa da Segurança do Estado e recorda que, em 2009, “entendeu-se que não era necessário criar nenhum órgão de investigação especial nem nenhuma norma processual especial”. “Decidiu-se que tudo seria tratado como qualquer outro tipo de crime e sujeito às regras do CPP e ao julgamento dos tribunais normais. Há agora uma nova realidade que, pessoalmente, não sei onde querem chegar”, frisou, questionando se há necessidade de criar esta comissão.

Nunca foi registado qualquer caso de atentado à segurança do Estado desde 1999, apesar de estar actualmente em curso apenas uma investigação (ver texto principal da página 5).

António Katchi teoriza quais as verdadeiras razões para a criação da comissão quando nunca houve crimes deste tipo. “Uma vez que os organismos públicos têm de mostrar serviço para justificarem a sua existência, é evidente que um organismo única ou principalmente destinado a detectar eventuais crimes contra a segurança do Estado estaria constantemente sob pressão para descobrir e para publicitar a descoberta de tais crimes – se não os houvesse, teriam de ser inventados, mas teriam de ser ‘descobertos’.”

Além disso, o académico destaca a necessária “cumplicidade do aparelho judicial”. “O Governo também já cuidou disso, com a sua proposta de revisão da Lei de Bases da Organização Judiciária, que vem baralhar as regras de competência para julgamento de processos relacionados com crimes ‘contra a segurança do Estado’, aumentando o risco de interferência do Governo, favorecendo a classificação dos juízes segundo a sua orientação política e tornando-os mais vulneráveis a pressões políticas”, rematou.

Ontem o jornal Ou Mun publicou um artigo de uma página com depoimentos dos deputados Vong Hin Fai e Hon Ion Sang, entre outras vozes de associações tradicionais da matriz chinesa, que concordam com a criação desta comissão. Também a deputada Song Pek Kei emitiu um comunicado a defender esta medida, afirmando que a nova comissão “mostra que o Governo da RAEM cumpre a responsabilidade de defesa da segurança nacional prevista na Constituição chinesa”.

 

 

29 Ago 2018

Patrícia Mouzinho, jornalista e pintora: “O meu coração macaense está nestes quadros”

Jornalista há mais de 20 anos no canal de televisão SIC, Patrícia Mouzinho sempre se dedicou à pintura, mas só em 2015 teve coragem para mostrar o seu trabalho aos outros. O sucesso de vendas numa galeria online proporcionou-lhe uma entrada bem sucedida no mundo da arte. Hoje inaugura na Fundação Rui Cunha a exposição “Meu Macau e o poder dos números”, onde Patrícia Mouzinho mostra a sua relação com o território

[dropcap]E[/dropcap]sta exposição mostra a sua relação com Macau e com números. Porque é que o 8 e o 9 se tornaram nos seus números da sorte?
Tornaram-se por força das circunstâncias, isto é, o facto de eu ter vivido aqui tantos anos seguidos, foram oito anos seguidos, e os meus pais ficaram mais 15 anos. Confesso que nunca liguei muito à numerologia e ao poder dos números, mas aqui em Macau é uma coisa inevitável, está em todo o lado. A partir de uma certa altura passaram a ser também os meus números da sorte e hoje evito ao máximo o 14 e o 4. Tornei-me um bocadinho supersticiosa. Escolho sempre tudo o que tenha um 8 ou 9. Ficou-me no sangue.

E tem funcionado, tem tido sorte?
Tenho tido sorte. Tenho visitado Macau com regularidade, esta é a minha segunda terra, para não dizer quase a primeira.

Passou cá a adolescência?
Sim. Estudei no colégio D. Bosco, o que na altura não era comum, e isso fez com que me integrasse facilmente na comunidade macaense. O que me traz hoje a Macau, é uma imensa alegria e chega a ser emocionante. É o voltar à minha terra para expor uma coisa que sempre foi muito minha e muito íntima. Pinto há mais de 25 anos, a pintura faz parte da minha vida, mas nunca tive coragem para abrir essa gaveta. Era uma coisa minha, que ficava na esfera dos meus amigos e família.

FOTO: Sofia Mota

Mas depois começou a vender trabalhos numa galeria online.
Sim, mas é uma coisa muito recente. Em termos familiares há uma ligação à pintura e ao desenho, porque a minha avó era professora de desenho e o meu avô pintava. Há um relacionamento muito forte com as artes plásticas. Há dois anos fui bastante incentivada por dois amigos e resolvi colocar o meu trabalho na Saatcha online, uma galeria de arte norte-americana. Comecei a vender bastante, e a curadora principal da galeria mandou-me um email a dizer que não era muito comum as pessoas venderem tanto e sugeriu que eu aumentasse os preços das obras. E continuei a vender. A partir daí comecei a divulgar o trabalho nas redes sociais e o feedback das pessoas era extraordinário. Sou auto-didacta e só recentemente fiz cursos. É gratificante que os quadros digam alguma coisa às pessoas. Começaram a surgir convites para exposições. Às tantas, dou por mim a dizer que não tenho tempo, porque sou jornalista e não consigo dar resposta a todas as solicitações. Tive um convite para fazer uma exposição no Líbano, por exemplo, e tive de adiar. O que posso dizer é que faço tudo com o coração e enquanto me der prazer, porque, como abri a gaveta, também a posso fechar.

Que lugar tem agora o jornalismo na sua vida?
O jornalismo continua a ter um lugar de extrema importância, porque eu faço-o com paixão. São 23 anos na SIC, é a minha casa, onde me sinto bem, e temos um grupo de trabalho fantástico. Hoje em dia faço mais trabalho não diário, reportagens especiais, coisas que implicam outro tipo de horário, os deadlines são geridos por mim e pelo meu coordenador. O jornalismo de há 23 anos não é o de hoje.

O que mudou?
Mudou muita coisa. Hoje em dia temos o digital e ainda não sabemos muito bem o que vai acontecer à televisão, tal como foi concebida. Não acredito que vá acabar, porque estas coisas reciclam-se e são dinâmicas. As redes sociais, o online, a rapidez com que se devora notícias, a possibilidade de entrar na internet e procurar o que queremos já não é o jornalismo como aquele que eu comecei a fazer. Isso não quer dizer que haja um profundo desencantamento com o jornalismo, mas é óbvio que, ainda que sendo a profissão que me dá o meu ganha pão, o jornalismo está taco a taco com a pintura. O futuro, não sei.

Esteve em Macau há algum tempo em reportagem especial. Pode falar um pouco sobre esse trabalho que foi transmitido na SIC?
Foi transmitido há três anos. Fiz um trabalho sobre o que mudou em Macau depois da transição. Já tinham sido feitas muitas reportagens e o meu objectivo era pegar no facto de ter vivido cá, e ter uma experiência diferente, e ir à procura de coisas diferentes. Aqui fiz um trabalho de juntar a minha experiência pessoal, e o que mudou para mim, e transmiti-lo de forma a que as pessoas em Portugal pudessem sentir o que é a Macau do antes e do depois. Macau mudou muito, obviamente, mas acho que isso é inevitável. Sempre foi um território assim.

Em constante mudança.
Penso que sim. Muitos de nós queríamos talvez agarrar num momento e cristalizá-lo naquela altura. Macau é, sem dúvida, muito especial, mas vai continuar a ser sempre. E eu volto a Macau, passados estes anos todos (vim para cá em 1984) e continuo a sentir que a minha Macau está cá. Quando chego aqui é quase um mergulhar na minha terra, mais do que em Portugal. E isto é muito estranho. Sou de Lisboa mas tenho raízes multiculturais. Quando fui para Portugal estudar senti que aquele país não era o meu. Sentia-me bem com estrangeiros. Macau continua a ser um sítio especial, apesar das pessoas me dizerem que está horrível, que não se consegue andar na rua. Eu acho que faz parte da mudança, foi assim, é assim. Daqui a dez ou vinte anos não se sabe o que será. Temos de aprender é a arranjar alternativas e não remar contra a maré. Portugal, Londres, Nova Iorque também têm as suas coisas péssimas.

Tudo isso vai estar presente nas obras que vai expor na Fundação Rui Cunha. Foram feitas de propósito para esta exposição?
Sim. São obras ligadas aos momentos e à vida que eu tive em Macau, aos locais que fazem parte de Macau, uns que já desapareceram outros que permanecem, pessoas que me marcaram e momentos que tive cá. Há pormenores que têm só a ver comigo. Há um quadro que mostra uma zona de Macau e depois tem uma mesa, pequena, com três meninos, que sou eu e os meus irmãos, quando um deles partiu a cabeça. E isso está ali no quadro só para mim. O que eu quero transmitir é mesmo isso: o meu coração macaense está nestes quadros, é isso que elas podem ver e sentir. Os quadros têm acrílico sobre madeira e nos desenhos usei técnica mista. São vários trabalhos feitos de propósito para aqui.

Há, portanto, coisas pessoais e outras com as quais o público se vai identificar.
Exactamente. Se tiverem curiosidade eu posso explicar algumas coisas. Mas há momentos que são só meus.

Voltando à reportagem que realizou. Macau ainda é um território desconhecido dos portugueses, que fica perdido no Oriente?
Sim. Mas isso acontece também em relação a Goa, Malaca, por exemplo. Também nos esquecemos de Timor-Leste, por exemplo. Em algumas coisas somos demasiado concentrados em Portugal e, muitas vezes, apenas em Lisboa. Isso tem muito a ver com a maneira como o jornalismo e as pessoas divulgam o que é e o que foi Macau, Goa, e como era viver nesses sítios. Macau continua a estar no imaginário e as pessoas também têm conceitos errados. Pensa-se que é a árvore das patacas, que se fala mandarim, que é só jogo. Só quem esteve cá e viu com olhos de ver, e sentiu, é que sabe e compreende. Em relação a Portugal, e aos sítios onde nós estivemos, e estivemos aqui em Macau muitos anos, acho péssimo. Se me pergunta se a ‘culpa’ é de Macau, que não se quer divulgar e mostrar? Acho que não. Portugal é que não está receptivo. Estamos fechado no nosso mundinho, importa falar do Benfica e do Sporting, e o resto é paisagem. Mas isso também acontece em Lisboa em relação ao resto do país.

Que olhar os seus editores na SIC têm em relação ao papel de Macau e China no contexto actual das relações diplomáticas com Portugal? É o olhar certo, comparando com outros meios de comunicação social portugueses?
Felizmente, acho que há muita noção em termos económicos da parte do meu editor e dos meus directores. Estão muito atentos ao que se passa e sabem. Quando têm alguma dúvida pesquisam e querem saber mais. Percebem o poder e o impacto das relações diplomáticas e económicas e do facto de termos, cada vez mais, de estabelecer pontes e relações, não só com Macau, porque foi português e estivemos cá, mas também com a China. Temos um fenómeno muito giro: em Arroios, um bairro lisboeta, vivem pessoas de várias nacionalidades e a comunidade chinesa é a quarta com mais poder. As pessoas começam a querer saber mais e a perceber que é diferente um chinês de Sichuan do macaense.

29 Ago 2018

Lanternas | Terceiro festival internacional inaugurado este sábado

 

Carlos Marreiros e Ana Jacinto Nunes são dois artistas portugueses que participam na terceira edição do Festival Internacional de Lanternas, a decorrer no espaço Anim’Arte Nam Van e One Central. A inauguração está marcada para este sábado

 

São esculturas enormes, cujas cores e luminosidade se destacam da restante paisagem. Este ano a terceira edição do Festival Internacional de Lanternas tem um espaço novo, além do habitual em frente ao empreendimento Macau Promenade – One Central. A edição deste ano vai igualmente tomar de assalto o espaço recreativo Anim’Arte Nam Van.
O arquitecto Carlos Marreiros e a pintora e escultora Ana Jacinto Nunes são dois nomes portugueses que acompanham os restantes artistas como o pintor de Macau Lio Man Cheong, Mei Lei, oriunda de Pequim, a arquitecta e artista britânica Farah Carolina e o artista italiano Ugo Re. No total, o público pode ver dez esculturas luminosas em exposição.
De acordo com um comunicado, o evento irá mostrar “uma instalação de arte interactiva e impressionante com vibrantes borboletas e bonitas flores”, cujo tema é “Wynn Butterfly Story”.
Esta iniciativa visa celebrar o conceito de “arte sem fronteiras”, pelo que tem também a colaboração da Associação de Reabilitação Fu Hong, que trabalha com portadores de deficiência e que tem como objectivo a inserção no mercado de trabalho.
É neste contexto que acontece a participação de Leong Ieng Wai, natural de Macau e que sofre de autismo. Este pintor assina com o nome artístico de “0.38” e, de acordo com o mesmo comunicado, criou a escultura intitulada “Landing on the 0.38 Kingdom of Happiness”.
O espaço Anim’Arte Nam Van vai também acolher esculturas luminosas criadas pela marca de design de Macau “Meet”, com o tema “Tour & Play The Lantern”.

Criar marca

Tal como nos anos anteriores, o festival estende-se pelo período de um mês, coincidindo com as festividades do Bolo Lunar e do Concurso Internacional de Fogo de Artifício de Macau.
Na primeira edição do festival, em 2016, a zona ribeirinha do lago Nam Van do casino Wynn até ao Mandarin Oriental foi enfeitada com vários coelhos de grande dimensão, incluindo um coelho gigante da autoria de Carlos Marreiros.
O ano passado o festival teve ainda obras de Alexandre Marreiros e Konstantin Bessmertny. Ao HM, Carlos Marreiros contava o objectivo era fazer deste um evento de cariz internacional, com base no já tradicional festival das lanternas do coelhinho do Albergue SCM. “Não queria que este evento fosse tradicional, mas que caminhasse para uma mostra de esculturas urbanas luminosas. É uma iniciativa local, não no sentido de ser mais uma actividade de Macau, mas de ser a actividade de Macau. Não existe no mundo um festival, ou uma exposição, que esteja relacionado com lanternas de grande porte ou instalações artísticas urbanas”, disse Marreiros

28 Ago 2018

Substâncias perigosas | Protesto marcado para 9 de Setembro

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s moradores de Seac Pai Van vão organizar um protesto no próximo dia 9 de Setembro contra a construção do depósito centralizado de substâncias perigosas na zona do Cotai, onde se pede que os participantes usem roupas pretas. Vários deputados da Assembleia Legislativa vão dar apoio à iniciativa, um deles José Pereira Coutinho, que considera que existem riscos para a construção do referido projecto, apesar do Cotai ser, essencialmente, uma zona de casinos e de turismo.
“Já há milhares de famílias a viver perto do Cotai”, adiantou. “Os moradores são unânimes em afirmar que não querem que o projecto seja feito naquele local [Cotai], e não estão, de maneira nenhuma, interessados em questões de segurança do depósito de produtos inflamáveis. A questão preponderante é a escolha de local”, rematou. O encontro terá lugar na praça do Tap Seac a partir das 14h30.
O protesto foi um dos pontos na agenda na reunião que Coutinho teve com os conselhos distritais de Hong Kong na sede da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM), da qual é presidente. De acordo com um comunicado, “foram explicadas as razões da próxima manifestação contra a construção do centro de depósitos de produtos altamente inflamáveis na zona habitacional de Seac Pai Van”.

28 Ago 2018

Incêndios | Amélia António não faz queixa sobre alegadas irregularidades

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]presidente da Casa de Portugal em Macau (CPM), afirmou ao HM que não vai apresentar qualquer queixa sobre alegadas irregularidades cometidas no processo de atribuição de donativos financeiros para reconstrução de casas na zona de Pedrógão Grande, que foi muito afectada pelos incêndios do ano passado. O caso foi denunciado pelo canal de televisão TVI, numa reportagem que originou a abertura de um processo de investigação no Ministério Público.
Recorde-se que a CPM angariou cerca de 50 mil euros, que foram doados ao fundo Revita. “Só com uma reportagem temos poucas informações neste momento. Mesmo que haja alguma irregularidade acho que não se deve pôr em causa o que se está a fazer [no apoio às vítimas]. Não há informação suficiente para fazer uma reacção desse tipo, como apresentar queixas ou fazer algum alarido. Isso porque gera-se má vontade nas pessoas quando é mesmo preciso ajudar. É preciso muita cautela a tratar desses processos”, contou.
De acordo com a reportagem, intitulada “Compadrio”, o dinheiro doado foi investido em casas de segunda habitação que não eram habitadas há décadas, pertencentes a amigos e familiares do presidente da Câmara Municipal de Pedrógão Grande, Valdemar Alves. Tal aconteceu através da mudança da morada fiscal das casas. Enquanto isso, pessoas que ficaram com as casas parcialmente destruídas, ou sem sítio onde morar, continuam à espera da realização das obras.

28 Ago 2018

Redução do IRS | Coutinho e Amélia António criticam medida de Costa

 

O semanário Expresso noticiou no último sábado que os emigrantes que regressem a Portugal irão pagar metade do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. O conselheiro José Pereira Coutinho e Amélia António, presidente da Casa de Portugal em Macau, consideram que a medida não é suficientemente atractiva

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Governo português, liderado por António Costa, quer criar uma nova medida de incentivo para que os emigrantes portugueses regressem ao país. De acordo com o semanário Expresso, os emigrantes que voltem a Portugal irão pagar metade do Imposto sobre Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), além de que vão ser deduzidas despesas com viagens e habitação.
Contudo, a medida não terá grande efeito prático junto da comunidade portuguesa residente em Macau, apontou ao HM José Pereira Coutinho, conselheiro do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP).
“É uma medida clara para atrair pessoas, porque Portugal precisa de recursos humanos para se valorizar e ser mais competitivo. Mas não creio que seja um dos motivos mais importantes para que os portugueses regressem a Portugal. Penso que não é uma medida muito atractiva que faça as pessoas regressarem.”
José Pereira Coutinho, que é também deputado à Assembleia Legislativa, lembrou que há outros factores a ter em causa na hora de ponderar um regresso, como as condições salariais e estabilidade profissional.
“Há muitas condicionantes em causa. Há muitas questões familiares e profissionais e não vejo que essa redução de 50 por cento faça com que os melhores talentos regressem a Portugal. A vida aqui é mais estável, a carreira profissional e a família são factores que levam as pessoas a tomar uma decisão.”
Também Amélia António, presidente da Casa de Portugal em Macau (CPM), considera que a medida não irá ter grande receptividade por parte dos portugueses residentes no território. “Não acho que seja uma medida que vá facilitar a vida das pessoas, porque para regressarem precisam de ter condições de trabalho. Não é só pelo desconto do IRS que vão, sem terem meios de trabalho e de subsistência. Penso que poderá ser útil para algumas famílias, mas não me parece que seja uma medida com impacto.”

Oposição contesta

A medida consta no Orçamento de Estado para 2019 e, de acordo com o Expresso, estará praticamente finalizada. A ideia é que os jovens qualificados que emigraram no período de maior crise económica do país regressem, mas o Governo português decidiu incluir a medida de redução a todas as pessoas que começaram a trabalhar no estrangeiro entre 2015 e que decidam regressar em 2019 ou 2020.
Entretanto, o Partido Social-Democrata já veio atacar esta medida, afirmando que causa discriminação em relação aos restantes emigrantes que saíram do país fora dos prazos propostos.
Maria Antónia Almeida Santos, porta-voz do Partido Socialista [que forma Governo com o Partido Comunista Português e Bloco de Esquerda], disse não entender estas acusações. “Não consigo entender quais são os fundamentos para essa crítica. Vai cumprir todas as normas do parlamento europeu e, obviamente, os princípios de igualdade da nossa Constituição”, garantiu a porta-voz.

28 Ago 2018

Manifestações | Sulu Sou recorre do chumbo de Ho Iat Seng sobre revisão

 

O presidente da Assembleia Legislativa rejeitou a proposta de revisão da Lei de Reunião e Manifestação apresentada por Sulu Sou por considerar que este deveria pedir autorização ao Chefe do Executivo para o fazer. O deputado recorreu junto da Mesa do hemiciclo e lembra uma proposta semelhante feita por nove deputados há dez anos

[dropcap style=’circle’]D[/dropcap]epois de ter dito, em plenário, que a sociedade de Macau se está a transformar, aos poucos, numa sociedade semelhante à descrita no livro “1984”, de George Orwell, Sulu Sou entregou uma proposta de revisão da Lei de Reunião e Manifestação no final do passado mês de Julho.
Contudo, a proposta foi rejeitada pelo presidente da Assembleia Legislativa (AL), Ho Iat Seng, que considerou tratar-se de uma matéria do foro das políticas implementadas pelo Executivo, pelo que Sulu Sou teria de pedir autorização prévia ao Chefe do Executivo para apresentar no hemiciclo a proposta de revisão.
O deputado revelou ontem que decidiu recorrer da decisão de Ho Iat Seng junto da Mesa da AL, lembrando que tem o direito de apresentar uma proposta de revisão na qualidade de deputados e que o mesmo foi feito, e aceite, em 2008. Há dez anos atrás, a presidência da AL aceitou o pedido de alteração à Lei de Reunião e Manifestação apresentado pelos deputados Leonel Alves, Kou Hoi In, Philip Xavier, Chui Sai Cheong, Fong Chi Keong, Chan Meng Kam, Iong Weng Ian, Leong Iok Wa e Chan Chak Mo.
Num comunicado enviado ontem às redacções, Sulu Sou defendeu que, com base na Lei Básica, no Regimento da própria AL e em “muitos outros casos precedentes” não necessita, “como deputado, de permissão do Chefe do Executivo para propor a revisão de um diploma”.
“A lei em questão foi revista em 2008 por uma proposta de lei submetida por vários e bem conhecidos deputados sem qualquer autorização do Chefe do Executivo. Porque teria de ser diferente desta vez? Temos de ser consistentes com a aplicação da lei. Além disso, deveria ser indiscutível que a AL tem autoridade legislativa em matérias relacionadas com os direitos fundamentais”, defendeu Sulu Sou.
O deputado considera ainda que é necessário reforçar o papel que a AL tem como órgão legislativo. “A Lei Básica determina que a AL tem competência exclusiva para aprovar leis. O poder de rejeitar leis propostas pelo Governo inclui o poder de as rever, à excepção de circunstâncias excepcionais. Esta lei não é uma excepção, como evidencia a revisão de 2008. Deveríamos respeitar e realçar a autoridade da AL como órgão legislativo.”

Sem motivos

Na carta que fundamenta o recurso e a reclamação, Sulu Sou argumenta que Ho Iat Seng deveria ter explicado os motivos para a recusa do pedido de revisão. “O despacho de vossa excelência carece de fundamentação. Vossa excelência refere que a proposta de lei incide sobre matéria de política do Governo, mas não refere porque motivos entende que se trata de matéria de política do Governo. Aplica uma norma sem expressar porque motivo entende que a norma é aplicável”, lê-se.
Para Sulu Sou, “o dever de fundamentação é, como se sabe, entendido como derivando do próprio conceito de Estado de Direito, princípio fundamental do sistema político e jurídico da RAEM, que cabe em particular à AL assegurar e promover”.
De acordo com a carta enviada a Ho Iat Seng, terá sido evocada a Lei Básica quanto ao facto de todas as propostas de lei entregues no hemiciclo terem de ser analisadas previamente pelos membros do Conselho Executivo.
“No despacho no qual se revela a razão da rejeição, sublinha-se que a proposta de lei foi antecedida de consulta ao Conselho Executivo. Com o devido respeito, o artigo 58 da Lei Básica determina que a consulta [a esse órgão] é obrigatória relativa a toda e qualquer proposta de lei. Assim sendo, este facto é irrelevante para a conclusão se esta proposta de lei incide sobre matéria de política do Governo (ou não).”
Isto porque, continua Sulu Sou, “todas as propostas de lei – sejam ou não sobre política do Governo – impõem a prévia consulta ao Conselho Executivo”. “Por outras palavras, o facto de ter sido consultado o Conselho Executivo não aponta num sentido ou noutro”, acrescenta o deputado do campo pró-democrata.
A proposta de revisão da Lei de Reunião e Manifestação elaborada por Sulu Sou visa que o pedido de reunião ou manifestação seja feito junto do gabinete do Chefe do Executivo e não da Polícia de Segurança Pública, pois “estamos a lidar com a garantia do exercício de um direito fundamental”. É de frisar que esta lei foi alvo de alterações recentemente, fruto de uma proposta apresentada pelo próprio Governo.

27 Ago 2018

Leis | Si Ka Lon pede revisão do Código do Procedimento Administrativo

 

O deputado Si Ka Lon defende uma revisão ao Código do Procedimento Administrativo para que haja maior flexibilidade no trabalho dos secretários e também para que as chefias possam ter mais competências

 

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Governo vai ter de ir à Assembleia Legislativa (AL) responder a uma interpelação oral assinada pelo deputado Si Ka Lon que defende a revisão do “obsoleto” Código do Procedimento Administrativo. Na visão do membro do hemiciclo, eleito pela segunda vez nas eleições de Setembro, a revisão do diploma deve acontecer “com vista a elevar a eficácia das políticas, evitando o grande volume de trabalho dos secretários e directores de serviços, que depois não têm tempo para resolver os problemas e às vezes os arrastam”.
Desta forma, Si Ka Lon defende que “a Administração deve alterar o obsoleto Código do Procedimento Administrativo e as directrizes dos serviços públicos, aumentando as competências das chefias, com vista a que os subordinados dos secretários e directores possam promover o desenvolvimento dos assuntos da Administração Pública”. O deputado pediu ainda a criação de um mecanismo que elimine da máquina administrativa as “más chefias”.
Na opnião de Si Ka Lon, o pedido de revisão deste diploma de base justifica-se pela necessidade de aumentar a flexibilidade para resolver problemas que se arrastam desde o período da transferência de soberania.
“O Governo deve ser eficiente e habilidoso. No entanto, existem deficiências na Administração Pública, que resultam em muitos entraves nos serviços públicos e, consequentemente, numa baixa eficiência na aplicação das políticas.”

Feridas abertas

O deputado entende que os cinco secretários que compõem o Executivo de Chui Sai On têm um grande volume de trabalho, o que faz com que muitos dossiers acabem por se arrastar.
“Os actuais secretários e directores têm muitas funções e responsabilidades, têm de estar presentes em muitas reuniões, têm um grande volume de trabalho e o tempo que resta serve para tratar de questões complexas referentes à sua tutela. Portanto, muitas vezes nem com horas extras conseguem acabar o trabalho.”
O parceiro político de Song Pek Kei alerta para o facto dos directores de serviços ou chefes de departamento não terem autonomia para tomar decisões.
“As chefias não têm, normalmente, competência para decidir, e muitos procedimentos têm de ser autorizados pelos secretários e directores. Assim, os documentos ficam pendentes a aguardar decisão e passam por várias etapas, por isso é que a eficácia é baixa.”
Por essa razão, o membro do hemiciclo diz que é necessário implementar “um mecanismo de incentivo na Administração Pública, porque muitos dirigentes não querem ‘tocar na ferida’ e, quando se deparam com os problemas, preferem ‘dar a volta’. Assim, muitos problemas não são resolvidos, pois os dirigentes limitam-se a esquivar-se”, referiu.
Para Si Ka Lon, a manutenção do “desenvolvimento estável de Macau” está em causa, uma vez que o território “depende do aumento da capacidade da Administração Pública. Portanto, o Governo deve detectar as insuficiências dos regimes, ter coragem e aproveitar as experiências do país sobre a implementação de reformas na governação”.

27 Ago 2018