Rita Wong, programadora da Cinemateca Paixão: “Temos confiança [numa nova concessão]”

O ano de 2019 terminou com uma surpresa nada agradável para o panorama cinematográfico local: a Cinemateca Paixão ia fechar portas devido à ausência de concurso público para a gestão do espaço. O Instituto Cultural promete abrir novo concurso este ano e a Associação Audiovisual Cut está confiante numa nova concessão. Ao HM, Rita Wong fala dos dois festivais de cinema pensados para Abril e Maio, enquanto a Cinemateca mantém portas abertas provisoriamente

 

[dropcap]A[/dropcap]ntes de mais, como explica que o ano tenha chegado ao fim sem que tenha sido lançado o concurso público para a continuação da gestão da Cinemateca?

Connosco o contrato de concessão era de três anos, e sabíamos isso desde o início. Esperávamos que houvesse novo concurso público o ano passado. Todos os meses reuníamos com o Instituto Cultural (IC) e a nível de trabalho mantínhamos sempre conversações. Mas penso que necessitavam de orientações superiores e, à medida que o tempo passava, na segunda metade do ano creio, o novo concurso público ainda não tinha sido lançado e todos pensámos que o contrato iria terminar em Dezembro. Não tínhamos quaisquer informações sobre a eventual extensão do contrato, mas penso que não deveria haver qualquer extensão, mas um novo contrato, para assegurarmos o funcionamento da Cinemateca por mais três anos. Apesar de mantermos conversações com o Governo, quando chegou o final do ano tivemos de nos preparar para o fim do contrato.

Mas esse assunto não foi discutido previamente? O Governo esqueceu-se que tinha de lançar novo concurso?

Não se esqueceram, mas penso que tiveram as suas próprias dificuldades. Esperávamos a chegada do novo concurso público para que nos pudéssemos preparar para concorrer. Eles [IC] sabiam disso, tudo estava a ser trabalhado e nós continuámos à espera. Na segunda metade do ano pareceu-nos que já não ia ser lançado o concurso.

Espera que a Associação Audiovisual Cut consiga nova concessão?

Claro que temos confiança [em ganhar a concessão], tendo em conta o bom planeamento que fizemos e a experiência que temos. Conhecemos o mercado e esperamos vencer de novo o concurso público para podermos trabalhar para o público.

Nestes três anos, a comunicação com o Governo sempre decorreu da melhor forma? Tiveram sempre liberdade para trabalhar?

Sempre tivemos uma boa comunicação com os funcionários do IC que trabalham na divisão responsável pela Cinemateca. Tínhamos reuniões mensais onde discutimos directamente os programas dos filmes, porque sempre tivemos uma programação diferente. Sempre nos deram liberdade em termos da escolha dos filmes e obtivemos resposta positiva a tudo. Sempre tivemos confiança [da parte do IC], o que nos permitiu fazer um bom trabalho. De ambos os lados, foi feito um esforço.

A abertura da Cinemateca por mais seis meses acabou por ser a solução ideal a curto prazo?

Nestes três anos, mostrámos novos filmes e estamos contentes com o facto de termos mais seis meses. Pelo menos não é necessário parar o funcionamento da Cinemateca Paixão por um longo período de tempo. Isto porque o público tem saudades do cinema. Há pessoas que vão à Cinemateca seis dias por semana, por exemplo. As outras salas de cinema de Macau mostram mais filmes de Hollywood, mas nós queremos apresentar uma selecção variada de filmes, com diferentes opções vindas de todo o mundo. Nestes três anos, as pessoas criaram o hábito de ter mais opções de cinema no seu dia-a-dia.

Quais os planos para os próximos seis meses de funcionamento da Cinemateca?

Teremos dois festivais de cinema, um em Abril e outro em Maio. Em Abril apresentamos um festival especial sobre moda, em que vamos tentar estabelecer uma ligação com marcas locais de moda para criar equilíbrio entre as marcas locais e o mundo da moda a nível mundial. Vai ser interessante e também divertido. Em Maio apresentamos um festival ainda mais importante, o “Panorama do Cinema de Macau”, que é uma mostra de todos os melhores trabalhos deste e do ano passado, e que inclui documentários, curtas-metragens e filmes de animação, entre outros. Vamos também estrear novos filmes feitos em Macau e convidar realizadores da China, Hong Kong e Taiwan para trocas de experiências no festival. Teremos também vários workshops e conferências sobre vários temas ligados à indústria do cinema.

Neste período obtiveram um grande apoio da comunidade local contra o fecho. Esse apoio revela que a Cinemateca Paixão se tornou num projecto fundamental para Macau?

Sem dúvida. Sentimos o apoio por parte dos meios de comunicação social e também do público. Quando se soube que a Cinemateca Paixão iria fechar, o público sentiu muita tristeza e disseram-nos como iriam ter saudades do espaço. Muitas pessoas disseram-nos que a Cinemateca é, para eles, um lugar de eleição onde vão todas as semanas. Antes de existir a Cinemateca muitas pessoas iam ver filmes a Hong Kong e já tinham este hábito de ir ao cinema.

Acredita que há mais associações capazes de fazer o trabalho que a CUT tem feito nos últimos três anos?

Talvez haja, mas estou confiante em relação ao trabalho desenvolvido por nós. Em primeiro lugar, temos vários profissionais connosco, vários realizadores e pessoal administrativo. Eu própria também tenho muita experiência e não apenas com base no trabalho que fiz nos últimos três anos, porque já antes também trabalhei com vários projectos cinematográficos. Toda a equipa, antes de trabalhar na Cinemateca, já tinha experiência e profissionalização na indústria. Nestes últimos três anos, com o trabalho que fizemos, obtivemos algumas vantagens. Espero ganhar [uma nova concessão] porque ainda temos muitas ideias e sonhos que queremos desenvolver na área do cinema e trazê-las para o público.

O espaço onde funciona a Cinemateca Paixão vai ser alvo de obras de renovação. É o local ideal para o funcionamento de uma entidade como esta, ou necessita de um espaço maior, com outras condições?

Este espaço é agradável. Claro que a sala onde são exibidos os filmes é pequena, mas o facto de ter uma pequena dimensão faz dela confortável, sobretudo quando temos realizadores convidados, pois dessa forma eles podem falar de perto com o público. Penso que utilizar um edifício antigo como este, que é património cultural, é muito bom. Em primeiro lugar, é um lugar muito bonito, e depois temos a sala de cinema, a biblioteca, é um espaço de discussão sobre cinema. Estou muito contente com o facto de este se ter tornado num espaço de arte.

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