Hoje Macau Breves PolíticaChefe do Executivo | CAECE visita locais para eleição do colégio [dropcap]A[/dropcap] Comissão dos Assuntos Eleitorais do Chefe do Executivo (CAECE) visitou ontem os três locais onde vão decorrer as eleições para eleger o colégio eleitoral: o pavilhão polidesportivo do Instituto Politécnico, o Fórum Macau e a Escola Luso-Chinesa técnico profissional são os sítios considerados pela comissão. O colégio eleitoral é o organismo responsável pela escolha do próximo chefe do Governo de Macau e vai ser composto por 400 elementos, que vão sair de sete sectores ou subsectores diferentes da sociedade. Como tal, “são precisos três locais de voto”, de acordo com a presidente da CAECE, Song Man Lei, cita a mesma fonte. “O Instituto Politécnico vai ter dois sectores ou subsectores, o Fórum de Macau três e a Escola Luso-Chinesa Técnico-Profissional dois”, disse Song Man Lei. Como já tinha sido anunciado, este ano vão ser três os locais de eleição do Colégio Eleitoral, em vez dos cinco das últimas eleições. Espaço, acessos e trânsito são os principais factores que vão estar na base da decisão dos locais. A eleição do colégio eleitoral acontece no dia 16 de Junho, entre as 9h e as 18h. Grande Baía | Lionel Leong apela a “sentimento de urgência” O secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong pediu ontem aos empresários locais que desenvolvam um “sentimento de urgência” no que diz respeito à participação na Grande Baía. Segundo o canal chinês da Rádio Macau, Leong participou num evento sobre a Grande Baía e avisou que se não houver uma participação activa do sector empresarial, a economia de Macau corre o risco de se atrasar em relação às outras cidades. Grande Baía | Leong Sun Iok quer mais acção do Governo O plano para o projecto da Grande Baía foi recentemente divulgado e Macau não pode ficar à espera para tomar iniciativas e estabelecer políticas que se coadunem com a proposta nacional de integração regional. A ideia é defendida pelo deputado Leong Sun Iok que, em interpelação escrita, apela à tomada efectiva de medidas por parte do Executivo nesta matéria. O tribuno salienta a importância de divulgar publicamente o plano para que a população possa ter conhecimento “profundo das oportunidades que pode desenvolver”. “O Governo vai desenvolver planos para explicar e mobilizar o entusiasmo do público em geral na construção da Grande Baía?” questiona. Por outro lado a população precisa de saber quais as politicas que vão ser implementadas de modo a promover o desenvolvimento local no projecto que também envolve Guangdong e Hong Kong de modo a definir prioridades para o futuro. Pequim | Chui Sai On vai ao Fórum de Desenvolvimento da China O Chefe do Executivo vai amanhã a Pequim para participar no Fórum de Desenvolvimento da China 2019. A informação foi avançada ontem. O evento tem como tema “Maior abertura para promover a cooperação com benefícios mútuos”. Chui Sai On vai participar na cerimónia de abertura e no jantar de comemoração da 20.ª edição do evento. Além disso, discursa na sessão em que vai estar em discussão o projecto da Grande Baía no contexto da economia global. A visita vai decorrer até segunda-feira e Sónia Chan, secretária para a Administração e Justiça, fica interinamente a desempenhar as funções do Chefe do Executivo.
Diana do Mar Manchete PolíticaHabitação para troca | Novas regras para promitentes-compradores lesados Os promitentes-compradores lesados pela reversão do terreno onde adquiriram fracções em planta – como os do Pearl Horizon – vão deixar de ser elegíveis à compra de uma habitação para a troca se forem indemnizados na sequência de acções intentadas contra o Governo em tribunal [dropcap]O[/dropcap] jogo mudou. Os promitentes-compradores afectados pela declaração de caducidade da concessão do terreno onde compraram casas em construção que processarem o Governo arriscam deixar de ser elegíveis para a compra de uma habitação para a troca. Tudo vai depender do desfecho em tribunal: Se vencerem e forem indemnizados (independentemente do valor) perdem o direito a candidatar-se. Um cenário aplicável aos investidores do complexo residencial Pearl Horizon. A mexida foi introduzida pelo Governo na nova versão de trabalho do Regime jurídico de habitação para alojamento temporário e de habitação para a troca no âmbito da renovação urbana entregue aos deputados da 3.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL) que analisam o diploma em sede de especialidade. A alteração – de fundo – tem como objectivo evitar que haja um “duplo benefício”. “Se a parte sair vencedora [em tribunal, após processar o Governo] ao permitir-se a disponibilização de uma habitação para a troca pode originar-se o problema do duplo benefício”, afirmou ontem o presidente da 3.ª Comissão Permanente da AL, Vong Hin Fai, citando a justificação dada pelo Governo. No entanto, nem todos os deputados concordaram, como reconheceu, dando conta, aliás, de que foi encaminhada para o Governo uma carta com opiniões de um dos nove membros precisamente sobre o artigo alvo de mudanças que diz respeito às disposições especiais. Vong Hin Fai escusou-se, contudo, a revelar o nome do deputado e o conteúdo da missiva. “Trata-se de questões complexas. É uma opinião particular e, por isso, peço compreensão”, afirmou. Apesar da “calorosa” discussão, a “maioria” dos membros da 3.ª Comissão Permanente da AL aceitou os argumentos do Governo, olhando para a mexida como “residual”, dado que, ganhando ou perdendo a acção em tribunal contra o Governo, o promitente-comprador lesado sempre “fica com algo”. Direitos (i)limitados O Executivo rejeitou, porém, a possibilidade de as mexidas condicionarem a decisão dos lesados. “Claro que o Governo respeita o direito de intentarem acções”, mas “há que maximizar o erário público” afirmou o presidente da 3.ª Comissão Permanente da AL. Segundo dados facultados por Vong Hin Fai, 380 pessoas intentaram acções judiciais contra o Governo, com o valor das indemnizações exigido a ascender a 2,8 mil milhões de patacas, o que perfaz uma média de 7,5 milhões de patacas por processo. O presidente da 3.ª Comissão Permanente da AL esclareceu, no entanto, que as acções interpostas contra os promotores, por exemplo, em nada interferem numa candidatura a uma habitação para a troca. Chefe decide área A nova versão de trabalho contempla outras mexidas. À luz da proposta de lei aprovada na generalidade em Dezembro, o preço de venda de habitação para a troca é fixado por despacho do Chefe do Executivo, tomando como “referência” o valor constante do contrato promessa de compra e venda. Ora, segundo Vong Hin Fai, o mesmo vai suceder com a área. Já a nível técnico, por exemplo, foi aditado um novo artigo que define as competências, estabelecendo que compete ao Tribunal Judicial de Base – e não ao Tribunal Administrativo – o julgamento das acções intentadas contra a entidade responsável pela renovação urbana, dado que, como revelado anteriormente, será uma sociedade de direito privado, embora a constituir em exclusivo com capitais públicos. Desconhece-se, neste momento, porém, mais detalhes sobre a futura empresa, com o presidente da 3.ª Comissão Permanente da AL a indicar que os deputados não sabem inclusive quem são os sócios.
Sofia Margarida Mota Entrevista Eventos MancheteEntrevista | Pedro Lamares, actor Pedro Lamares teve um percurso que passou por múltiplas formas de expressão artística, até que Pessoa o encaminhou para dizer poesia, o que o levou à representação. Todas estas estradas trouxeram o actor até Macau numa viagem que culmina, sábado às 21h, no palco do Teatro D. Pedro V, onde vai recriar o poema “Ode Marítima”, de Álvaro de Campos [dropcap]E[/dropcap]stá em Macau a recitar a “Ode Marítima” de Fernando Pessoa. Como é representar este texto emblemático do Pessoa? A Ode Marítima é aquilo a que chamamos na gíria teatral “um bife”. É um grande naco, e não é pela quantidade de texto. Aliás, eu não o faço de cor, o espectáculo é uma leitura viva e encenada. É um desafio brutal, acho que é, eventualmente, a coisa mais difícil e mais exigente que já disse. O texto pede uma entrega absoluta, não vale a pena dizer aquilo se não estiver disponível a entrar naquela espiral e encontrar a determinada altura o vórtice e alguma linha de trabalho que não seja um desatino total, que não seja só a loucura. Não há outra forma de fazer este espectáculo, sem ser com entrega total. A “Ode Marítima dá cabo de mim, é porrada emocional. Na semana antes de ter este espectáculo normalmente adoeço, fico sem voz. É uma cena psicossomática. O texto tem uma estrutura perfeita, é completamente pessoano; temos todo o delírio do Álvaro de Campos, visceral, mas tens o cérebro do Pessoa permanentemente a actuar sobre aquilo. O texto é tripartido. O primeiro bloco é a instalação, em que ele se senta no cais de pedra numa manhã de Verão e começa a observar o que vai acontecendo, mas ainda numa zona muito pacífica. A segunda parte é a subida em espiral, o delírio absoluto e depois cai a pique de um momento para o outro. O terceiro momento é todo em baixo é toda a reflexão sobre o que aconteceu ali. A primeira vez que disse a Ode, ao trabalhar o texto em casa, há nove anos, sentei-me à noite na mesa da sala com um whisky, um cinzeiro e um maço de cigarros à frente. Comecei a tentar ler o texto para dentro e aquilo é ilegível. Entra-se nas onomatopeias e é impossível, não estava mesmo a conseguir. Quando ia para aí na quarta página, voltei atrás e resolvi começar a dizer o texto em voz alta. Descomprometidamente. Liguei um cronómetro. Percebi que o texto tem exactamente 60 minutos, divididos em três blocos de 20. Sem ter o texto na cabeça, comecei a dizê-lo e entrei naquela espiral. Aliás, como ele diz no texto “o volante começou a girar dentro de mim”. Quando dei por mim, eram duas da manhã e, de repente, tudo começou a surgir com essa lógica muito evidente. Representou Fernando Pessoa no filme “ Filme do Desassossego” de João Botelho. Como foi essa experiência? Morri de medo no início. A minha ligação ao Pessoa vem de muito pequeno. Com treze anos comecei a ler Alberto Caeiro, quando o meu padrasto me ofereceu “O guardador de rebanhos”. Aquilo mudou tudo. Acho que foi isso que me pôs a dizer poesia, foi o dizer poesia que me pôs a estudar teatro. Aquilo condicionou o caminho da minha vida de uma forma definitiva, sem charme e sem romantismos. Fazer o Pessoa no “Filme do Desassossego” era assustador para mim. Além da força que o Pessoa tem na minha vida e, portanto, a responsabilidade natural que isso já me traria, existe todo um imaginário. Toda a gente tem um Pessoa na cabeça, qualquer português tem uma imagem do Pessoa. É um ícone. Corremos o risco de rejeição, como se se tratasse de um corpo estranho. Na altura, tive uma conversa com muito importante com o João Botelho, em que lhe falei desses medos, e ele disse-me: “Não quero fazer um documentário histórico, para isso existe a BBC. Quero fazer um filme, isto é sobre arte. Portanto, tu não vais ser o Fernando Pessoa, vais ser o Sr. Pessoa do ‘Filme do Desassossego’. Constrói”. Aquilo libertou-me completamente, mas não me tirou a responsabilidade. FOTO: Sofia Margarida Mota Tem um espectáculo intitulado “A poesia é uma arma carregada de futuro”. É isso que acha da poesia? Acho, absolutamente. Na arte em geral, e como escolhi a poesia como ferramenta é dessa que vou falar. Não tenho interesse na arte que não desarrume. Não tenho interesse em nenhum movimento artístico que não esteja comprometido com alguma coisa. Uma coisa que é feita só para agradar ou para ser bonita não me interessa como arte. Atenção que eu adoro o belo, sou um esteta. Adoro o belo, adoro pilotar aviões e não há nada mais belo do que estar lá em cima, no cockpit a ver o pôr do sol no Saara. É lindíssimo, mas não é arte. O meu trabalho artístico tem quase sempre um comprometimento, pelo menos com uma ideia de mundo, de pensamento, com uma ideia social que me acompanha. Estas coisas estão juntas. Portanto, o poema do Gabriel Celaya, cujo título dá nome a esse espectáculo, tem exactamente que ver com aquilo em que acredito. Ele diz: “maldigo a arte que é concebida como luxo cultural para os neutrais”. Estamos a falar da palavra. Acha que a palavra escrita está em vias de extinção nesta era digital? Se pensarmos em escrita, como caligrafia, tinta e coisas feitas à mão, ou livros em papel, não sei se em vias de extinção, mas em vias de entrar numa zona residual quase museológica acho que sim, dentro do romantismo. Ainda existem máquinas de escrever, e penas e canetas de tinta permanente, mas ninguém as usa. Eu tenho em casa porque sou um romântico e acho bonito, mas não as uso também. Portanto, acho que, mais cedo ou mais tarde, o objecto livro estaria mais ou menos na mesma dimensão. Eu não leio em livro electrónicos porque não me dá jeito. Gosto de sublinhar e de riscar de dobrar folhas, porque sou arcaico. Mas não tenho nada contra. Não acho que isso seja o fim da escrita. Há ameaças muito mais sérias à escrita e ao pensamento crítico que não sei se os distingo um do outro. Quais? A banalização e o vício do excesso de estímulo. A lógica digital que começa a trabalhar em nós uma ideia de que se não estivermos a ser permanentemente estimulados e se uma coisa não nos agarrar desde o primeiro momento com imensa informação visual sonora etc., nós desistimos dela. Isso sim, acho que é uma coisa que nos vai afastando daquilo que precisamos para ler e que nos vai pondo mais à superfície. A leitura exige de nós outro tipo de exercício mental, outro tipo de contemplação, de atenção e de paciência, de pensamento, de tempo. É muito mais fácil ver um filme do que ler um livro, e por sua vez é muito mais fácil ver uma série do que ver um filme e por sua vez é muito mais fácil ver um vídeo de cinco minutos do que acompanhar uma temporada de uma série. E por aí vamos. Por isso, depois aparecem fenómenos de escrita como uma fotografia e uma frase inspiradora, algo que não demore mais de 30 segundos a ler. Isso para mim ameaça mais a escrita do que o formato digital em si. Não sou conservador, a escrita pode mudar de forma. Mas acho que estamos num processo social que pode pôr em risco, e aí a escrita e a leitura são só a ponta do iceberg. Isso está a pôr em risco a nossa capacidade de questionamento e isso sim, pode ser gravíssimo. Quais são os livros da sua vida? Antes de mais tenho que falar do “Guardador de Rebanhos” do Alberto Caeiro, porque é brutal. Esse estará seguramente entre os livros da minha vida. O “Medo” do Al Berto que foi um livro que literalmente desfiz, a capa já saiu, criou bolhas. O Herberto Hélder, não é um livro, é um autor, mas também tem uma importância brutal. Portanto, se tivesse que escolher um livro diria a “Poesia Completa” porque me reensinou a dizer poesia. Ensinou-me a não trabalhar pela parte racional a não trabalhar só pelo entendimento do texto e pela sua narrativa. Com ele tive de trabalhar com outro lado de mim, com uma sensação de pele e com imagens. Estes três ao nível da poesia terão sido os mais marcantes. Ao nível do romance, coisa bastante óbvias. Marcou-me imenso ler “Os Maias”. A primeira vez que chorei a ler um livro foi a ler “Os Maias”, acabei de o ler e voltei a ler passado um ano. Outro romance que li muitos anos mais tarde e que me marcou imenso, do Sándor Márai, “As velas ardem até ao fim”, é muito duro. Tchekov também me marcou-me muito. O Oscar Wilde também me marcou muito, deixa-me desarrumado. Mas é engraçado que nunca tinha pensado nos livros da minha vida. Acho que o “Ensaio sobre a Cegueira” também seria um dos livros da minha vida. Fala daquilo que pode ser a sociedade em estado de medo ou em estado de crise. Começou nas artes plásticas, ainda andou pelo jazz e, a determinada altura, entrou numa licenciatura em música sacra. Chama-se adolescência. Há aquelas pessoas que na adolescência vão fumar charros ou fazer coisas que os pais não deixam. Eu não tive uma educação católica, portanto, acho que o meu gesto de rebelião aos 18 anos foi estudar música sacra. Tive lá um ano e fui-me embora para estudar teatro. A literatura não faz partes das artes está em humanidades. É uma lógica estranha, deve ter sido escrita pelo Kafka. Depois vais para as tais artes e passas anos a estudar história de arte e algumas técnicas de desenho, pintura e escultura e gravura. Mas acabei por estudar teatro, a profissão dos esquizofrénicos. Como queria ser tanta coisa ao mesmo tempo, decidi fazer algo que me pagam para ser uma coisa diferente de cada vez. Acabou de chegar a Macau. O que gostaria de levar daqui? Na verdade, gostava de ter três experiências: sentir a cidade na sua memória histórica e no confronto entre passado e presente, sem saudosismos bacocos. Gostava de ver o que restou e como as pessoas vivem; tenho alguma curiosidade de ver a parte dos casinos, uma curiosidade exótica. Quero ver aquelas luzes e sentir-me num filme americano dos anos 90. Depois gostava muito de dar um salto ao continente. Passar a fronteira e ir à China de verdade.
Hoje Macau InternacionalRadovan Karadzic condenado a prisão perpétua [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] ex-líder dos sérvios da Bósnia, Radovan Karadzic, foi ontem condenado a prisão perpétua por um tribunal internacional, após ter sido inicialmente condenado a 40 anos de prisão sob a acusação de genocídio de crimes de guerra. O veredicto em apelo foi pronunciado pelo Mecanismo para os tribunais penais internacionais (MTPI), que assumiu as funções do Tribunal Penal internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ), encerrado em 2017. Os juízes do tribunal da ONU – onde se incluí o português Ivo Rosa, instrutor em Portugal da Operação Marquês, cujo principal arguido é o ex-primeiro-ministro José Sócrates – rejeitaram o apelo de Karadzic contra uma anterior decisão do TPIJ em 2016, por crimes cometidos no decurso da guerra civil na Bósnia-Herzegovina (1992-1995), incluindo o assalto ao enclave de Srebrenica (leste) em Junho de 1995, declarou o juiz Vagn Joensen. A decisão ontem pronunciada pelo MPTI sobre o destino de Karadzic, 73 anos, será das últimas no âmbito das guerras que sucederam à desintegração da Jugoslávia em 1991, após as independências unilaterais da Eslovénia e Croácia. Após a morte, no decurso do processo que enfrentava, do antigo Presidente sérvio Slobodan Milosevic, o ex-líder político dos sérvios bósnios é o mais alto responsável em julgamento pelo conflito na ex-república jugoslava entre os exércitos muçulmano, sérvio e croata, com um balanço de mais de 100.000 mortos e 2,2 milhões de refugiados. Karadzic, que denunciou um processo político e negou as principais acusações, recorreu da sentença inicial em primeira instância, que a acusação considerou demasiado clemente. Na Bósnia, o governo da Republika Srpska (RS, uma das duas entidades semi-autonómas), anulou em 2018 um relatório de 2004 sobre as mortes e criou uma comissão para conduzir um novo inquérito sobre os crimes de guerra. Em 2017, e numa das suas últimas deliberações, o TPIJ condenou a prisão perpétua por acusações semelhantes o ex-comandante militar dos sérvios bósnios, general Ratko Mladic, que também recorreu da sentença.
Hoje Macau DesportoMundial sub-20 | Diogo Leite diz que Portugal aponta ao título [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] defesa Diogo Leite assegurou que a selecção portuguesa de futebol de sub-20 quer conquistar o título mundial da categoria e considerou que os particulares com Alemanha e Inglaterra servem para Portugal se preparar para “o futuro”. “Temos um grupo forte. As expectativas são sempre boas. Vão ser dois jogos difíceis e que vão servir para nos prepararmos para o futuro, para nos prepararmos bem para o Mundial”, afirmou o central do FC Porto. Diogo Leite, de 20 anos, falava aos jornalistas no arranque da preparação da seleção de sub-20 para os dois jogos particulares com Alemanha, na sexta-feira, e Inglaterra, no dia 26 de Março, com vista à presença no Mundial de sub-20. De resto, o defesa apontou ao título mundial de sub-20: “Esse é sempre o objectivo, mas vamos passo a passo, jogo a jogo. Vamos chegar lá e deixar uma grande imagem de Portugal.” Portugal vai defrontar a Alemanha na sexta-feira, em Sandhausen, e no dia 26 de Março recebe a Inglaterra, em Penafiel. Os dois particulares servem de preparação para o Mundial de sub-20, que vai ter lugar na Polónia, entre 23 de Maio e 15 de Junho. Portugal está inserido no grupo F, juntamente com Coreia do Sul, Argentina e África do Sul. A selecção portuguesa estreia-se frente aos sul-coreanos, em 25 de Maio, seguindo-se os embates com os argentinos, em 28 de Maio, e com os sul-africanos, em 31 de Maio.
Hoje Macau DesportoEuro2020 | Três novos alvos e um velho conhecido na mira de Ronaldo [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] português Cristiano Ronaldo já ‘abateu’ metade das equipas que vão iniciar a fase de qualificação para o Euro2020 de futebol e pode adiccionar mais três ‘vítimas’ ao seu currículo, com o Luxemburgo a ser um ‘velho conhecido’. Frente a Sérvia, Ucrânia e Lituânia, o avançado de 34 anos pode aumentar ainda mais a sua lista de selecções europeias que ‘sofreram’ com os seus golos, enquanto frente ao Luxemburgo o capitão da selecção portuguesa já leva três. Das 55 equipas que vão iniciar o apuramento para a próxima fase final do Campeonato da Europa, Ronaldo marcou golos frente a 28, com Letónia, Suécia, Arménia e Andorra a serem os principais ‘prejudicados’, com o avançado a somar no total cinco golos perante estas três selecções. Holanda, Ilhas Faroé e Hungria também se podem queixar da boa pontaria do jogador da Juventus, que leva quatro golos frente a estas selecções. Depois do Euro2004 (fase final), Euro2008, Euro2012 e Euro2016, Ronaldo vai iniciar nova aventura europeia, com mais duas oportunidades de marcar frente à Sérvia, que foi adversário de Portugal no apuramento para o Europeu de Áustria/Suíça (2008) e Europeu de França (2016), tendo sempre ficado a zero. Já contra Ucrânia e Lituânia, o avançado vai ter pela primeira vez ocasião de inscrever o nome destas equipas na sua lista de ‘vítimas’ e aumentar o seu registo recorde de 85 golos por Portugal, em 154 jogos. Com o Luxemburgo, a história já é diferente, com Ronaldo a registar dois golos no apuramento para o Mundial2006 e Mundial2014, e outro num particular em 2011.
Sérgio Fonseca DesportoGP Macau | Apuramento de pilotos locais não será em Zhuhai [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Circuito Internacional de Zhuhai preparava-se para acolher as duas provas do Campeonato de Carros de Turismo de Macau (ex-MTCS, agora novamente MTCC na sigla inglesa) e até tinha duas datas reservadas no seu calendário para os Festivais de Corridas de Macau. Porém, os dois eventos que também servem para apurar os pilotos locais para a “Taça Carros de Turismo de Macau” do Grande Prémio de Macau serão afinal realizados este ano no Circuito Internacional de Guangdong. As razões para o volte-face não foram publicamente explicadas, mas a verdade é que, ao contrário do circuito permanente da cidade vizinha que até um poster imprimiu, a Associação Geral-Automóvel de Macau-China (AAMC), não tinha ainda confirmado que as suas provas de 2019 iam ser realizadas em Zhuhai. Este será um regresso ao circuito dos arredores da cidade chinesa de Zhaoqing, onde o AAMC organizou as suas provas pela última vez em 2014. As inscrições para as competições abriram ontem e fecham a 17 de Abril. O custo da inscrição é agora de seis mil renmimbis e todos os concorrentes terão que possuir licença desportiva internacional. Assim sendo, o primeiro fim-de-semana da competição que apura os pilotos locais de carros de Turismo para o Grande Prémio de Macau está marcado para 25 e 26 de Maio, enquanto que o segundo embate está agendado para 6 e 7 de Julho. Mesmos moldes O MTCC será novamente dividido em duas classes – “AAMC Challenge 1.6 Turbo” e “AAMC Challenge 1950cc ou Superior”. Os melhores dezoito classificados de cada classe no somatório dos dois fins-de-semana, que totalizam quatro corridas, terão apuramento directo para o grande evento do mês de Novembro. Os que ficarem de fora do top-18 terão que aguardar alguma desistência para terem uma vaga. A troca do traçado de Zhuhai pelo sinuoso circuito de Guangdong poderá equilibrar os andamentos entre participantes com orçamentos tão díspares, como explica o piloto local Rui Valente: “A diferença de andamentos nota-se menos neste circuito. Em Zhuhai se tens um carro muito bom, ninguém te agarra. Aqui neste circuito é outra história.” Grande Baía, Grande Turismo A novidade do Festivais de Corridas de Macau será a introdução da Taça da Grande Baía de GT. Esta competição que irá permitir a participação de trinta e seis concorrentes na 66ª edição do Grande Prémio de Macau terá as suas corridas separadas do MTCC. A Taça da Grande Baía de GT irá atribuir os troféus da “Taça de Hong Kong de GT” e do “AAMC GT Challenge”. O regulamento e o formato das corridas deste campeonato não foram ainda dados a conhecer, mas é provável que esta competição aceite todo o tipo de viaturas da classe GT4 e também os carros que deram corpo à Taça Lotus. Ao contrário do MTCC, cujos pneus são de livre escolha dos participantes, aqui os concorrentes têm que competir com pneumáticos da marca inglesa Avon.
Gisela Casimiro EstendaisMercúrio retrógrado [dropcap style≠’circle’]B[/dropcap]ati com a cabeça. Bati e bati com força, não figurativa mas literalmente, o que prova que, a ser um recurso estilístico, a realidade nada tem de estiloso. O mesmo devem ter pensado os donos das gargalhadas altíssimas que ouvi após o embate, o qual entortou a haste direita dos óculos e me deixou com a visão turva por instantes. Era de noite, estava distraída, olhar preso num jornal que alguém deixou num banco da paragem (mãe, pai, por que me abandonaram, vulgo ensinaram a ler?!), e com um saco de papel do McDonald’s na mão, que é como quem diz, quase mereceste levar com o mupi, que não teve culpa nenhuma e já lá estava. Gostaria de um dia ter a minha cara em todas as paragens de autocarro, locais esses de que sou membro diamante, mas talvez esta não seja a forma mais eficiente. Também gostaria de ir ao supermercado usando vestidos Valentino, mas isso fica para outra crónica. Eram já quase onze da noite, chegara à paragem onde o tempo de espera era de trinta e cinco minutos e, para fazer tempo, fora comprar comida. No restaurante, o atendimento atrasado, funcionários discutiam entre si, clientes discutiam com a gerente, motoristas de serviço de entrega suspiravam e bufavam. Eu rezava para não perder outro autocarro, enquanto comia os nuggets mais tristes de sempre. Mas eu ia tão bem no meu vegetarianismo quase totalitário, que talvez tenha sido o karma, ou então o único, o temido, o incorrigível mercúrio retrógrado. Na paragem, com uma dor crescente do lado mais afectado pela pancada, ainda me parecia ouvir a risota alheia, em eco, cada vez menos sonante, mas ainda no ar. Cheguei ao meu destino rapidamente e, em menos de vinte minutos, estava despachada de mais uma burocracia que, espero eu, tenha sido a final. Novo compasso de espera na paragem ao fundo da curva, perto da rotunda. Desta vez, não estava sozinha mas com um casal, cujo odor corporal me fez rezar novamente, com todas as forças, mas não as suficientes para aspirar mais ar, que o autocarro não demorasse muito. Chegada a casa, caí na cama, não sem antes recordar que nesse mesmo dia, numa entrevista feita em minha casa, faltaram os microfones, que ficaram do outro lado do rio, que uma peça de equipamento se estragou, que alguém se atrasou quase uma hora, que outro alguém combinou para as 15h com alguém que achou ter marcado às 16h, entre outras confusões e falhas de comunicação. No dia seguinte, antes de seguir em viagem para Londres e de lá para Hong Kong e Macau, tentei ir a um multibanco específico, que permitisse depositar dinheiro: nada feito. Durante o voo, tentei ver um filme ou ouvir música, no entanto o meu écrã não deixou, por mais resets que a tripulação fizesse. Pedi novos headphones pois os meus não funcionavam. Precisei de paracetamol pois a dor de cabeça passou de forte a insuportável, de subtil a um galo. Um galo português em Macau, algo a que os meus amigos, por algum motivo, parecem achar demasiada piada. Pelo menos encontrei dinheiro na rua duas vezes seguidas, no espaço de uma hora. Tentei comprar comida e nenhum dos terminais do café aceitava o meu cartão, o que me obrigou a ir levantar o bonito dinheiro destas terras. No hotel descobri, ao tentar aceder ao wifi, que me pede o número do quarto e o apelido, que o meu último nome é, agora, o de solteira da minha mãe. Há algo de curioso em telefonar a estranhos para descobrir em quem nos tornámos. Antes, no controlo de passaportes, o funcionário perguntou-me várias vezes se eu era eu, qual o meu nome, a data de nascimento. Apontou para a fotografia, depois escondeu-a. Sim, eu sou essa pessoa. Essa daí sou eu, sim. O meu passaporte é de 2017, cabelo esticado, desfrizado, comprido. Cortei o cabelo nem há uma semana (sim, a minha irmã convenceu-me finalmente e fi-lo eu mesma, pela primeira vez na vida, em casa), já não o desfriso há mais de um ano e meio, perdi peso e voltei a usar óculos que tirei, como mandam os scans biométricos. O sinal no rosto, esse, é o mesmo de sempre. Ainda assim, parecia não ser suficiente. Lá o convenci, talvez por ter-me oferecido para mostrar outros documentos, embora talvez isso apenas o confundisse mais, pois no cartão de cidadão o meu cabelo também está bastante diferente. Lembrei-me de quando trabalhava num edifício no Areeiro, e ia ao mesmo café todos os dias. Num dia em que fui de cabelo apanhado em vez de solto, a dona não me reconheceu logo. Ri-me sozinha ao lembrar de uma amiga que passou por mim na rua, na semana em que voltei a usar óculos, sem perceber que era eu. Nova afronta ao meu nome, quando o vejo com um g em vez de um c no novamente malogrado apelido. Quem claramente percebe disto é uma das moças do hotel, cujo nome adorei: Bet Si. I see what you did there. Mercúrio volta a estar directo dia 28 de Março, mas é certo e sabido que os seus efeitos se sentem bastante tempo antes e depois da sua vinda. Gisela Casimiro was marked safe during the first Mercury Retrograde of 2019, após ter sofrido o que julgou serem os seus efeitos todos em apenas vinte e quatro horas. É com alívio e já sem galo que de vós me despeço, desejando a todos um trânsito planetário seguro, e até aos próximos dois. Qualquer coisa, sabem de quem é a culpa.
António Cabrita Diários de PrósperoManifesto das mãos [dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]arcel Duchamp posicionou-se contra a tirania da retina na arte. Foi uma boa fisgada e necessária. Todavia, cem anos depois precisamos de um manifesto contra uma arte que seja só conceptual: a arte que descartou o corpo, a mediação, o corpo-a-corpo com os materiais, e que abandonou a expressão como saldo de uma experiência no tempo, faliu. Há um saber técnico que imprudentemente se descuidou e há uma inteligência, diria até, uma poética da mão, que convinha resgatar. E não é preciso ir muito longe. Se até a música depende das mãos, como não ver nisso o apelo a uma conformidade, a uma humildade que nos transporta à magia do tangível? O desempenho das mãos não admite embustes, nem na punheta de bacalhau. Porque na música não basta a excelência que a partitura encadeou, coitado do acorde que não encontrou o seu exacto momento de ataque, o tom e o valor que só a mão lhe emprestam. Há uns meses comecei uma vagarosa caminhada para o emagrecimento e quando me inquiriam sobre a minha diminuição de álcool eu respondia: “Quando o Orson Welles morreu, dizem que tinha à volta de cento e cinquenta quilos. O que é certo é que seis meses antes ele se cruzou num aeroporto com a Rita Hayworth, com quem fora casado, e que esta não o reconheceu. Ora, eu não quero praticar esta crueldade sobre a minha ex-mulher, senão o ódio que me devota e lhe orientou meia vida deixa de fazer sentido!” Era evidentemente uma blague, decidi emagrecer quando as minhas mãos se tornaram sápidas e já não conseguia olhar para elas. Nas mãos, como no rosto, começa a eroticidade do corpo. Calhou-me escolher o rosto e também as mãos. Para o Rei Ubu seria simples imaginar o seguinte recurso para a dócil aceitação da escravatura: as mãos da plebe seriam desenroscadas do corpo após as dez horas de trabalho e só na manhã seguinte lhes seriam restituídas. Sem mãos não há revoltas, apesar do raciocínio. Pois. E este idiota abandono da agricultura em todo o mundo é reflexo do caviloso predomínio que se dá a mente contra a mão. O mesmo que levou Bolsonaro a condenar um dedo no cu: eu não percebi a maleza do gesto a não ser no sentido em que faltará a mesma determinação para semear a beterraba. O que é certo é que é bimilenária na arte a desconsideração do trabalho manual em relação ao projecto, o que redundou no racionalismo da mente. Nem pela masturbação aprendemos. É engraçado o descaro com que em 1965 Robert Rauschenberg enviou o telegrama-retrato de Iris Clert, uma marchant francesa, onde se lia: “ This is a portrait of Iris Clert, if I say so. Robert Rauschenberg.” Engraçado é ter sido tomado a sério. Como antes, em Duchamp, a morfologia de um mictório, de um portador de garrafas, de uma pá de neve, foram confundidas, por simples penhor do nome, com uma nova função. E, contudo, o peso generoso do ser humano está na mão. No que esta transfigura e transmuta. A agressão em perdão, o objecto desvalorizado em valor que cicatrize. E até a cegueira de uma mão pode ser divina. Vê-se no modo como Hokusai aproveita o dom do acaso e faz do acidente, do estudo e da destreza, um só. Vê- se nas pinturas cegas de Tomie Ohtake, uma nipónico-brasileira que fez dezenas de quadros magníficos de olhos vendados; vê-se nas mãos de Rembrandt, na voluptuosa capacidade metamórfica de Júlio Pomar – pintores que talvez busquem a caligrafia de Deus, sem que em nenhum deles isso signifique um mínimo de beatice e antes uma operação mais concreta e abrangente do olhar. O velhinho Focillon explicou-o maravilhosamente: “(…) entre o espírito e a mão, as relações não são tão simples como as que há entre um chefe autoritário e um servo dócil. O espírito faz a mão, mas a mão também faz o espírito. O gesto que cria, exerce uma acção contínua sobre a vida inferior. A mão arranca a capacidade de tocar da sua capacidade receptiva, organiza-a para a experiência e para a acção. É ela quem ensina o homem a tomar posse do espaço, do peso, da densidade e do número.” Experimentem lá fazer arte contra estas grandezas. E noutra página do seu breve Elogio da Mão, Focillon dá o uppercut: “ O que distingue o sonho da realidade é que o homem que sonha não consegue criar uma arte: as suas mãos dormem.” Mãos sonâmbulas como as do voyeurista que domina este tempo de esplendor pornográfico, em cuja teia o cínico se espoja como a aranha convencida pelo seu raciocínio sobre a inexistência do vento. Razão tinha o catalão Juan-Eduardo Cirlot, quando escrevia: “Os olhos do meu espírito não têm/ a boca do meu espírito,/ as mãos do meu espírito não têm o corpo do meu espírito.// Esquartejado flutuo no abismo./ Azamboado de morte como uma água inquinada.// Já não quer dizer que não foi nada? / Todo um jogo de luzes e espelhos,/ todo um retábulo de fumo tenebroso? // As veias do meu espírito não têm/ o sangue do meu espírito.” É urgente percebermos que o pensamento só sobrevive em consentindo que o acaso se infiltre nas redes que tece – “exterior” que só o corpo, as mãos, lhe garantem.
Luís Carmelo PolíticaUm apocalipse para levar a brincar [dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]enho amigos que têm ídolos e muitas vezes nem fazem ideia de que assim é. Numa esfera mais alargada, conheço muitíssimas pessoas que fazem depender grande parte das suas vidas de heróis. Podem esses heróis ser poetas, pensadores, pedagogos, filósofos, comunicólogos, antepassados ou até silhuetas virtuais (personagens, actores, bandas, cantores e outros seres a partir dos quais se imaginam virtudes, dotes e dons). Nem sei se os humanos conseguirão viver de outro modo, identificando-se e projectando-se, ao mesmo tempo, em existências que lhes são (em princípio) exteriores. Na nossa época e em partes significativas do planeta, o facilitismo paródico-lúdico aliado a uma disposição desagregadora e niilista governa a nossa ‘intelligentsia’. Este tipo de poder – que funciona como um polvo de muitos tentáculos e origens – exerce-se sobretudo num movimento que oscila entre o ‘dogma’ das redes sociais (um horizonte imediato que se desactualiza logo que se actualiza) e o discurso fantasmático (o que aparece na rede – e nos rumores mediáticos – surge como imagem de imagem quase sem contexto). Um tal ziguezague social dá-se na perfeição com o reducionismo e com os limites suscitados pelas deusificações, pelos ídolos e pelo culto secreto ou desabrido de heróis. Os autores do iluminismo vangloriaram-se com a invenção da ciência histórica, entendendo-a como um mandamento que fazia preceder o seu tempo (definido como racional e virado para o que viria a designar-se, já no século XIX, por “progresso”) de uma idade heróica e de uma outra original e selvagem (a pré-história). Essa definição de contemporaneidade baseava-se, pois, na oposição entre uma racionalidade que naquele tempo se via ao espelho como uma evidência e o culto dos heróis que teria ficado irremediavelmente para trás. Como se percebe, as utopias alimentam-se das euforias do imediato, mas, no reverso (e nas suas ressacas históricas), tornam-se distópicas porque inevitavelmente falham. O que talvez melhor caracterizará uma época são os anseios e os projectos que foram sonhados, mas que acabariam por nunca se vir a realizar (veja-se o caso dos muitos ‘plots’ da guerra fria, por exemplo, que tão bem definem a segunda metade do século XX). Apesar de quase trezentos anos de fôlego moderno, para além das grandes guerras e dos holocaustos do século XX (não sei, sinceramente, se haverá um “para além do” holocausto), a nossa era, que se pode definir como um cocktail em que se misturam as ‘quêtes’ babyboomers, o ‘pós-moderno’ dos millenials e o aquário em rede da geração Z, criou as condições ideais para um reatar do culto dos heróis. Algo que seria muito difícil de prever há algumas décadas, quando a ‘intelligentsia’ ainda era movida a vapor por “intelectuais”, ideólogos e por outros arautos dos grandes “sujeitos sociais”. Moral da história: o que cai por terra, cai sem qualquer compaixão. E o que aparece em cena subitamente, como se fosse uma aura que viesse do nada, aparece sem quaisquer explicações. Eis o que melhor caracteriza o que é, hoje em dia, um “ídolo” (traduzido cada vez mais na linguagem corrente de um modo falacioso, através da palavra “ícone” e, ainda por cima, com a alarvidade de ser pronunciada como se não fosse uma esdrúxula). Sinal dos tempos. Quando eu era criança, os heróis corriam na BD, nos campos de futebol, numa ou noutra música e sobretudo nos livros de história. Na nossa era, os heróis começam no quarto entre mochilas, bonecos, carrinhos, penicos e um outro livro juvenil ou infantil caído no chão. É nos terminais tecnológicos que aparecem os primeiros heróis, os chamados youtubers que contam com vários milhões de subscritores. É o Wuant que brinca ao titanic, é o Feromonas que brinca com pacotes de leite aos gritinhos, é o Dark Frame que se dá a ver a dançar, enquanto visiona jogos de vídeo violentos, e é Sir Kazzio que aparece numa espécie de cabeleireiro com bolos e chantili a cobrir-lhe a cabeça. O registo do cómico está ao nível dos concursos de peidos que eu fazia com o meu irmão, quando tinha cinco ou seis anos de idade. Não tenho nada (dogmaticamente falando) contra a infantilização da sociedade. Seja como for, aqui corre dinheiro, muito dinheiro, e o modelo tende a exportar-se para outros patamares. As praxes nas universidades, por exemplo, são parentes íntimas desta espectacularização da idiotice radical e, em muitos casos, ameaçam durar quase um ano inteiro. Há meio século, as crianças eram vestidas (ou fardadas) como pequenos adultos; hoje a orwellização tecnológica está eufórica com este estado de perdição da infantilidade. Faz muito, mesmo muito jeitinho às receitas (de alguns). A vida ainda se há-de transformar num videojogo. Coisa lúdica. Um apocalipse para levar a brincar.
Hoje Macau China / ÁsiaEUA continuam negociações comerciais em Pequim na próxima semana [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s secretários norte-americanos do Tesouro, Steven Mnuchin, e do Comércio, Robert Lighthizer, deslocam-se a Pequim na próxima semana para prosseguir as negociações comerciais, indicou esta terça-feira um alto responsável da Administração dos Estados Unidos. A partir de 25 de Março, os dois secretários do Governo Trump reunir-se-ão com o vice-primeiro-ministro chinês, Liu He, chefe dos negociadores da parte chinesa, precisou o alto responsável, citado pela agência noticiosa francesa AFP, sem fornecer mais pormenores. Por sua vez, o Wall Street Journal noticiou que a duração das novas conversações ainda não está definida. Segundo o diário norte-americano, Liu He irá depois a Washington na semana seguinte. Esta delegação norte-americana ao mais alto nível já foi várias vezes a Pequim, a última das quais em meados de Fevereiro, tendo-se a delegação chinesa deslocado, na semana a seguir, à capital dos Estados Unidos para negociações que foram prolongadas. No melhor dos mundos Terça-feira, à margem de uma conferência de imprensa com o seu homólogo brasileiro, o Presidente norte-americano, Donald Trump assegurou que “as conversações com a China estão a avançar muito bem”. Na semana passada, Trump deu a entender que as negociações poderiam terminar “de uma forma ou de outra, provavelmente dentro de três ou quatro semanas”, confirmando que uma cimeira com o seu homólogo chinês, Xi Jinping, não se realizará antes do início de Abril. O gabinete do inquilino da Casa Branca referiu inicialmente que essa cimeira, destinada a selar um acordo comercial, decorreria antes do fim de Março, na luxuosa ‘villa’ de Trump na Florida. As novas negociações da próxima semana vão realizar-se numa altura em que a Boeing, cuja venda de aviões faz parte das questões em debate, atravessa uma crise sem precedentes, após a imobilização dos seus 737 MAX devido a dois acidentes que fizeram centenas de mortos.
Hoje Macau China / ÁsiaHong Kong | Projecto Lantau vai custar 70 mil milhões de euros [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]ong Kong quer construir uma das maiores ilhas artificiais do mundo, um projecto que tem um custo estimado de 70 mil milhões de euros, noticiou ontem o jornal South China Morning Post (SCMP). Na terça-feira, as autoridades da antiga colónia britânica disseram que esperam iniciar o trabalho do aterro em 2025, com o objectivo de instalar os primeiros habitantes em 2032. O objectivo é ganhar mil hectares ao mar perto de Lantau, a maior ilha de Hong Kong, onde se situa o aeroporto internacional, uma solução para lidar com os graves problemas de habitação naquele território de sete milhões de habitantes, onde o metro quadrado é um dos mais caros do mundo. A construção vai custar 624 mil milhões de dólares de Hong Kong, um investimento que Hong Kong garante que vai ser recuperado, indicou o SCMP. A ilha artificial, a infraestrutura mais cara alguma vez construída por Hong Kong, custará quatro vezes mais do que o aeroporto internacional da cidade, inaugurado em 1998. O projecto vai superar em muito a famosa ilha artificial do Dubai, Palm Jumeirah, cujo investimento foi estimado pela imprensa em cerca de dez mil milhões de euros. A ilha terá quase o triplo do tamanho do Central Park em Nova Iorque. Serão construídas até 260 mil unidades habitacionais, das quais mais de 70 por cento serão habitações sociais. Vozes contra Os opositores do projecto denunciaram os elevados custos financeiros e ambientais, especialmente o impacto na vida marinha. Por outro lado, criticaram o Governo por tomar a decisão sem consultar a população. “Quando os serviços públicos e a infraestrutura de Hong Kong estiverem à beira do colapso, o [projecto Lantau], a panaceia do Governo, resolverá os problemas ou criará uma crise mais séria?”, questionou o deputado democrata Eddie Chu na sua página na rede social Facebook. Chu estimou que a despesa total poderia exceder 100 mil milhões de euros até 2025, a data do lançamento do trabalho de aterro. Hong Kong também planeia criar outra ilha artificial de 700 hectares perto de Lantau, mas não forneceu detalhes sobre esse projecto. Lantau já abriga a maior ponte marítima do mundo, que liga Hong Kong, Macau e Zhuhai. Em Outubro de 2018, quase seis mil pessoas da ilha de Lantau protestaram em Hong Kong contra a criação dos planos das autoridades. “Primeiro, há o ambiente, segundo, eles estão efectivamente a atacar os cofres públicos, e seria mais prudente gastar o dinheiro em áreas como a saúde e educação”, defendeu então uma manifestante citada pelo SCMP, numa alusão ao facto do investimento estimado representar cerca de metade das reservas fiscais daquele território administrado pela China. Outros opositores do projecto sugeriram também impulsionar o aproveitamento dos terrenos de forma mais rentável para a ilha, incluindo o desenvolvimento de mil hectares de terras agrícolas ou de 1.300 hectares de áreas industriais abandonadas.
Hoje Macau China / ÁsiaPériplo | Xi Jinping na Europa para consolidar relação [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Presidente chinês inicia esta quinta-feira um périplo pela Europa, visando “consolidar o bom momento” nas relações e reforçar alianças no comércio e assuntos internacionais, informou ontem o Governo chinês, apesar da crescente suspeição de Washington. A visita de Xi Jinping decorre entre 21 e 26 de Março, e inclui Itália, França e Mónaco. “As relações entre a China e a União Europeia (UE) têm registado um desenvolvimento sólido e de qualidade: a dinâmica é muito boa”, afirmou o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros Wang Chao, em conferência de imprensa. A adesão da Itália ao projecto chinês ‘Uma Faixa, Uma Rota’ deve dominar a visita de Xi. O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, confirmou já que a Itália vai tornar-se no primeiro membro do G7 e um dos poucos países da UE a apoiar formalmente o projecto, apesar das objecções dos Estados Unidos, e de outros países da UE, e da oposição interna. “Apreciamos o dinamismo demonstrado pela Itália para participar na iniciativa, que corresponde aos interesses dos dois países. A China está preparada para promover a cooperação a um nível prático e alcançar resultados de benefício mútuo”, assegurou Wang. O vice-ministro considerou “naturais” as dúvidas internas em Itália sobre a assinatura de um memorando de entendimento, que suscitou já um acalorado debate entre os dois parceiros do Governo. “Acreditamos que todas essas dúvidas e debates são naturais: qualquer recém-nascido precisa de tempo para crescer e é inevitável encontrar reticências ou mal-entendidos”, disse. Portugal é, até à data, um dos poucos países da UE a apoiar formalmente o projecto. As autoridades portuguesas querem incluir uma rota atlântica no projecto chinês, o que permitiria ao porto de Sines conectar as rotas do Extremo Oriente ao oceano Atlântico, beneficiando do alargamento do canal do Panamá. Prós e contras A última visita de Xi à Europa teve como destino Lisboa, em dezembro passado. E, no próximo mês, o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, vai participar em Pequim na 2.ª edição do Fórum ‘Uma Faixa, Uma Rota’. O projecto tem, no entanto, suscitado divergências com as potências ocidentais, que vêem uma nova ordem mundial ser moldada por um rival estratégico, com um sistema político e valores profundamente diferentes. Bancos e outras instituições da China estão a conceder enormes empréstimos para projectos lançados no âmbito daquele gigantesco plano de infraestruturas, que inclui a construção de portos, aeroportos, autoestradas ou linhas ferroviárias ao longo dos vários continentes. Os EUA, e alguns países membros da UE, consideram que o projecto beneficia apenas as empresas chinesas. “Nós vemos [Uma Faixa, Uma Rota] como uma iniciativa feita pela China e para a China [‘Made by China, for China’]”, reagiu o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, Garrett Marquis. “Estamos cépticos de que o apoio do Governo italiano traga quaisquer benefícios económicos sustentáveis para o povo italiano e isso pode acabar por prejudicar a reputação global de Itália a longo prazo”, disse. Equilíbrio de forças Conte afirmou, no entanto, que a assinatura de um memorando de entendimento não “colocaria” em questão a posição de Roma dentro da estratégia da Aliança Atlântica ou na parceira com a Europa. Numa intervenção na Câmara dos Deputados, Conte disse que os detalhes do memorando foram trabalhados durante meses de consultas e a todos os níveis do Governo. O responsável frisou que o memorando não é juridicamente vinculativo e que dará à Itália acesso a um enorme mercado. “Queremos em primeiro lugar reequilibrar a balança comercial, que neste momento não é favorável para nós”, disse. “As infraestruturas redefinirão as rotas do comércio internacional. Haverá novos aeroportos, novos corredores comerciais e isso certamente influenciará o nosso crescimento económico”, acrescentou. “Não queremos perder esta oportunidade”. Durante a visita a Itália, Xi vai reunir com o Presidente Sergio Mattarella, o primeiro-ministro Conte, e os titulares do Senado, Maria Elisabetta Alberti Casellati, e da Câmara dos Deputados, Robert Fico, e visitará ainda a cidade de Palermo. Wang não confirmou se Xi vai reunir com o Papa Francisco, embora tenha enaltecido a assinatura de um histórico acordo, em Setembro passado, para a nomeação dos bispos, o principal entrave ao estabelecimento de relações entre Pequim e a Santa Sé. “Foi uma grande conquista para a relação bilateral”, notou.
Sofia Margarida Mota Entrevista EventosEntrevista | Hirondina Joshua, poetisa Hirondina Joshua está em Macau a convite do festival literário Rota das Letras e no próximo sábado integra o painel “Pode ainda a Poesia revolucionar uma vida?”. A poetisa moçambicana começou a ler livros de filosofia aos 12 anos, e é na linguagem que considera estar o poder criativo do autor [dropcap]C[/dropcap]omeçou a ler livros de filosofia aos 12 anos. Como é que isso aconteceu? Foi um acidente. O meu pai tem uma biblioteca com muitos livros e muitos eram de filosofia. Tínhamos os nossos livros infantis, eu e os meus irmãos, mas fiquei cansada deles e queria ler uma coisa diferente. Queria saber o que o meu pai lia. Acabei por achar muito interessante. O que é que absorvia dessas leituras, na altura? Fascinava-me o facto daqueles livros me darem uma outra forma de ver as coisas. Coisas que nunca tinha sentido que não sabia o que eram. Era uma descoberta. Falavam da vida, eu não sabia o que era a vida, não pensava nisso. Era uma coisa estranha para uma criança. As crianças não pensam nestas coisas. As crianças vão fluindo e são contaminadas pelos adultos. As crianças perguntam sobre sensações e vão vivendo isso despreocupadamente. Quem pergunta o que é a vida não está despreocupado. Como apareceu a escrita? A escrita apareceu como uma experimentação. Eu via as pessoas, os autores que lia, e pensava que escreviam o que escreviam porque tiravam isso de algum lugar só deles. Depois pensava que se calhar também tinha um lugar assim e queria saber que lugar era esse em mim. Queria descobrir aquele lugar privado, queria encontrar o meu lugar para tirar os textos. Encontrou? Não. Não encontrei e acho interessante que não tenha encontrado. Ainda estou à procura desse lugar. FOTO: Sofia Margarida Mota O que é que a inspira para escrever? As pessoas, o que me rodeia, a vida, a tragédia. Não quero dizer que na vida seja tudo muito mau, mas infelizmente também não é muito bom. Inspiro-me na vida e em particular na criança que acho que ainda sou. Na inocência. Porquê a opção pela escrita de poesia? Não sei. É natural. Não sei responder. Escreveu os “Ângulos da casa”. Como foi o processo para chegar a este livro? Publiquei o livro quando tinha 29 anos e a maior parte dos textos foram escritos antes disso. “Ângulos da casa” foi uma associação desses textos com sete poemas que dão efectivamente o título ao livro, Nunca tinha tido a intenção de publicar. Só escrevia. Não pensei nos textos como um livro. Foi um processo diferente daquele por que estou a passar no livro que estou a escrever agora. Agora penso no que faço como um livro E em que é que está a trabalhar actualmente? É mais uma experiência. É diferente do outro em termos de sensibilidade. Gosta especialmente de escrever recorrendo a uma linguagem mais surrealista e simbolista. Porquê? Sim. Gosto muito. Neste meu último trabalho estou a explorar muito mais o simbolismo por exemplo. Acho que todas as coisas já foram ditas, já foram vistas, já foram escritas. Qual é a graça da literatura se já conhecemos todas as histórias? Nos poemas é a mesma coisa. Não há novidade. A única novidade que pode existir na literatura é a linguagem. Acho que o simbolismo e o surrealismo, principalmente estas duas linguagens, trazem a vida à literatura. Se já está tudo escrito o que me levaria a escrever? É por isso que exploro a linguagem. A linguagem é uma coisa tão particular que pode prender qualquer pessoa. Se a linguagem fosse plana a literatura não tinha graça. A criatividade está na linguagem. Veio de Moçambique para Macau. O que pode levar daqui? É uma cidade fascinante. As pessoas são diferentes das de Moçambique, mas descobri uma coisa: o Homem é igual em todo o lado. Há pessoas simpáticas e antipáticas, boas e más, com qualidades e defeitos em todo o lado. É verdade que o povo de Moçambique e este são muito diferentes. Mas é interessante descobrir as pessoas. É interessante perceber como as culturas moldam os povos. Como vê a literatura africana e especialmente a do seu país, Moçambique? Prefiro falar de Moçambique e da nova geração. Gosto muito do que os meus colegas estão a fazer incluindo as mulheres. Ficámos muito tempo escondidas e agora há muita mulheres a dinamizar a literatura. Em Moçambique há agora muitos movimentos literários. A cidade não fica parada como antes. Agora temos festivais, eventos e feiras. Os mais novos não estão à espera que os mais velhos avancem com iniciativas. Acho que a minha geração é muito forte e estou feliz por isso.
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteEntrevista | Gisela Casimiro, poetisa Natural da Guiné Bissau e a viver em Lisboa, a convidada do festival literário Rota das Letras, Gisela Casimiro vai fazer parte do painel de sábado dedicado ao tema “Pode ainda a Poesia revolucionar uma vida?” O seu livro “Erosão”, lançado em Novembro do ano passado, reúne um conjunto de poemas que falam da desconstrução [dropcap]C[/dropcap]omo apareceu a poesia na sua vida? Apareceu na adolescência. Leio desde criança mas ler poesia em particular, só comecei mesmo na adolescência, altura em que a descobri. Passei demasiado tempo sozinha na biblioteca a ler tudo o que podia. Lia sobretudo Sophia de Mello Breyner e Octávio Paz, entre outros. Mas, na altura, lia tudo. O plano era ler tanto quanto possível porque sabia que isso me ajudaria a escrever melhor, mas também porque gosto de contar histórias e também gosto que me contem histórias. Lembro-me de quando li o meu primeiro livro sozinha, era um livro de histórias dos irmãos Grimm. Entretanto, também fui muito influenciada por contos persas. A poesia foi talvez uma maturidade que tenha surgido. A poesia já não pressupõe ficção. Escrevi prosa durante muito anos, altura em que escrevia ficção. Depois deixei de o fazer. Como é que foi o processo de criação de “Erosão”? Antes de ser “Erosão”, tinha outros conjuntos de poemas. Erosão neste caso é quase como um livro do meio na cronologia poética. Tenho um primeiro volume do qual tirei algumas coisas que estão no “Erosão” e depois tenho outro que já é pós este livro mas que ainda não está publicado. Portanto ali – no livro – houve uma mistura de duas vozes diferentes, de momentos diferentes. Mas é um livro que tal como o próprio nome indica tece um processo muito longo de construção ou de destruição. Porquê de destruição? O “Erosão” fala das coisas que nos destroem enquanto seres humanos, mas também da destruição de preconceitos, de ideias. O desaparecer do sofrimento, o desaparecer da ilusão e o aparecer da minha forma mais real, mais verdadeira. Um filtro digamos assim. FOTO: Sofia Margarida Mota Também escreve prosa. Que diferenças nota entre estes dois géneros? Não vejo muita diferença porque penso que a minha prosa também tem o seu quê de poético. A diferença que vejo é que quando escrevo poesia é como estar ao espelho e quando escrevo prosa é como estar a uma janela. Tem sempre que ver com pessoas, mas a poesia permite-me ser um pouco mais egocêntrica. Quando se escreve prosa tem que ver com histórias dos outros. Não é que não tenha que ver comigo também, mas é diferente, Sinto que estou a contar mais as histórias dos outros e não propriamente a minha. Nasceu na Guiné Bissau. O que traz das suas origens para o que escreve? Das minhas raízes não sei se já trago alguma coisa para a minha escrita. Não é uma escrita que seja conotada como sendo africana ou europeia. Eu conto histórias, e conto histórias que podem ser entendidas por qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. Para mim a linguagem também é simples mesmo quando falo de coisas complexas. São coisas complexas, mas são coisas que todos nós partilhamos enquanto pessoas e que não importa de onde viemos. Aquilo que abordo são coisas do quotidiano com que todos nós lidamos. Claro que quando regressar a África, certamente que me tocará profundamente e isso irá reflectir-se naquilo que escrevo. Não estamos num mundo estanque e as pessoas que têm acesso ao que escrevo, identificam-se com elas. Aliás, isso é o que me interessa, chegar a uma coisa mais universal mas sem esquecer a individualidade de cada um. Gosto muito da Chimamanda, uma autora nigeriana que escreve ficção mas em que sabemos que existem ali muitas situações que acontecem na realidade. O “Americana” foi um livro que me marcou imenso porque senti que era o livro que tinha sido escrito para mim. No entanto é sobre uma nigeriana, e eu nasci na Guiné, e ela é uma nigeriana que emigra e vai para os Estados Unidos e o namorado vai para Inglaterra e eu não tive nenhuma dessas experiências. Quando fui para Portugal, era muito pequenina e foi uma decisão dos meus pais e não minha. Mas isso não me impede de me rever naquele livro. É isso que espero que aconteça quando as pessoas lerem a minha poesia. Como está a ser a sua estadia em Macau? Está a ser curiosa. Há alguns meses que escrevo crónicas para aqui e tinha curiosidade em estar neste lugar onde já estava presente sem ser de forma física. Estava curiosa por encontrar as pessoas. Ainda tenho que explorar muito mais e descobrir. Quem vem de Lisboa nota logo quando uma terra é muito plana (risos). Mas notamos logo as primeiras coisas que nos são familiares. Quando vinha no ferry de Hong Kong para cá estava a fazer piadas em que mencionava que estava num cacilheiro, depois vi a ponte e lembrei-me da ponte Vasco da Gama . Isto acontece em mais situações. Acho engraçado fazer primeiro estas comparações e depois começar a descobrir as coisas que são de cada lugar.
Hoje Macau Breves SociedadeFIC | Apoios totalizaram 76 milhões no ano passado [dropcap]O[/dropcap] Fundo das Indústrias Culturais financiou 47 projectos num total de 76 milhões de patacas no ano passado. Os números foram apresentados ontem, numa conferência de imprensa conduzida pelo presidente do Conselho de Administração do FIC, porta-voz do Conselho Executivo e ex-deputado dos Kaifong, Leong Heng Teng. Entre os 76 milhões de patacas, 33 milhões foram entregues a fundo perdido, já 43 milhões foram entregues na modalidade de empréstimos sem juros. Ontem foi igualmente apresentado o “Programa Específico de Apoio Financeira para a Promoção de Marcas – Exposições e Espectáculos Culturais, que vai apoiar até 10 projectos com 800 mil patacas. As candidaturas decorrem entre 25 de Março a 5 de Julho e o objectivo é apoiar as áreas da música, dança, teatro, magia e drama. Jogo | Macau Legend vai concorrer a licença A empresa Macau Legend está interessada em participar nos concursos públicos de atribuição das concessões de jogo, que vão acontecer depois das concessões actuais chegarem ao fim, o que acontece em 2022, caso não haja renovações. A situação foi traçada por Melinda Chan, mulher do proprietário da empresa David Chow, de acordo com o jornal Ou Mun. Na ocasião, Melinda não afastou o cenário da candidatura ser apresentada em parceria com outra empresa, mas sublinhou que estas situações só podem ser equacionadas quando forem conhecidas as exigências do concurso público. Sobre o novo hotel, o Legendale, Melinda Chan informou que ainda está na fase de concepção e que deverá levar entre três e cinco anos até ser construído. Crime | Troca ilegal de dinheiro expulsa 3.050 pessoas de Macau No ano passado foram repatriadas 3.050 pessoas relacionadas com troca ilegal de dinheiro, ou prática aproximadas, de acordo com uma resposta da secretaria para a Segurança ao deputado Lei Chan U. A maioria dos expatriados é proveniente do Interior da China, havendo também um residente de Hong Kong e outro do Vietname. A resposta foi avançada pelo canal chinês da Rádio Macau que diz que entre os repatriados havia pessoas acusadas ainda de roubos e assaltos.
João Santos Filipe SociedadeKiang Wu | Médica que tratou caso de sarampo acabou infectada Macau registou mais dois casos de sarampo. Uma médica do Kiang Wu ficou infectada após ter tratado de um dos casos importados. O Governo explica, em parte, o aumento das ocorrências com a quantidade de trabalhadores não-residentes e vai estudar a obrigação da vacinação contra a doença [dropcap]O[/dropcap]s Serviços de Saúde (SSM) anunciaram ontem que foram registados mais dois casos de sarampo no território, o que coloca o número de ocorrências em oito, entre Setembro e ontem. Um dos casos registou-se no Hospital Kiang Wu, onde uma médica acabou infectada, após ter tratado um caso de sarampo. Segundo a informação fornecida por Lam Chong, chefe do Centro de Prevenção e Controlo da Doença, entre os oito casos já registados, cinco foram importados e três desenvolvidos após contacto com os casos importados, ou seja, houve uma relação de contágio. A primeira situação apresentada sucedeu no Hospital Kiang Wu, quando uma médica com 38 anos tratou de um outro paciente com a doença, que terá sido o quinto caso. No entanto, a profissional de saúde acabou infectada e foi diagnosticada ontem. Encontra-se internada no Kiang Wu, isolada, e o estado de saúde é considerado normal. Os Serviços de Saúde estão agora a acompanhar a situação de 106 pessoas que estiveram em contacto com a mulher. Uma vez que a médica é residente do Interior da China, não se sabe se tinha sido vacinada contra a doença. Questionado se teria havido negligência, ou se os serviços iriam proceder a uma investigação à infecção da médica, Lam Chong não respondeu directamente e limitou-se a dizer que vai haver mais campanhas de sensibilização. “Há cada vez mais casos de sarampo importado. Por isso, vamos sensibilizar os médicos das urgências, de clínica geral, internos, entre outros para os cuidados”, afirmou. “São acções que também vão ser feitas nos centros de saúde e hospitais diurnos”, acrescentou. O segundo caso envolve um nepalês de 37 anos, empregado pelo Macau Jockey Club. O trabalhador não-residente chegou à RAEM a 2 de Março e está internado em regime de isolamento. No local de trabalho ninguém apresentou qualquer sintoma, mesmo assim os SSM estão a acompanhar cerca de 20 pessoas que estiveram em contacto com o doente. TNR e viagens Durante a conferência de imprensa, Lam Chong explicou que, segundo a Organização Mundial do Comércio, o sarampo é considerado eliminado em Macau. No entanto, os casos registados nos últimos tempos são justificados com dois factos: o aumento exponencial dos trabalhadores não-residentes de áreas onde há surtos da doença e às viagens dos residentes, que vão a países, incluindo Europa e Estados Unidos, e regressam infectados. “Estamos a estudar a possibilidade de os trabalhadores não-residentes serem obrigados a levar a vacina para poderem trabalhar em Macau. São cerca de 180 mil TNR e muitos vêm de regiões onde há surtos”, disse Lam. Neste sentido, o médico apelou para que as empregadas domésticas se vacinem, uma vez que podem constituir um perigo para as crianças de que tomam conta. No caso dos TNR, a vacina custa menos de 100 patacas. Para os residentes está disponível gratuitamente. Já no caso dos residentes, os SSM apelaram a que tenham cuidado, principalmente quando se deslocam para sítios onde o sarampo está activo. Um dos casos identificados, que terá sido o sexto, foi um bebé que viajou com os pais para a Suíça e voltou infectado. Os SSM confirmaram que o bebé não tinha sido vacinado.
Diana do Mar SociedadeKá Hó | Aberto concurso público para duplicar capacidade da barragem [dropcap]O[/dropcap] Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas (GDI) lançou ontem o concurso público para a ampliação da barragem de Ká Hó. Segundo o anúncio publicado ontem em Boletim Oficial, a empreitada tem um prazo máximo de execução de 750 dias de trabalho, ou seja, de pouco mais de dois anos. A obra vai permitir ampliar a capacidade de armazenamento global da barragem de Ká Hó para o dobro, ou seja, dos actuais 340 mil metros cúbicos para 740 mil metros cúbicos, de acordo com o GDI. O projecto encontra-se dividido em duas empreitadas: a da ampliação da barragem propriamente dita e a relativa ao assentamento de tubagem de distribuição de água. As propostas para a primeira fase – de ampliação da barragem – têm de ser entregues até 11 de Abril, estando o acto público de abertura das mesmas marcado para o dia seguinte. A ampliação da barragem da Ká Hó foi lançada “no intuito de intensificar o desenvolvimento urbanístico sustentável de Macau em termos de abastecimento de água, aperfeiçoar o sistema de abastecimento de água e elevar a capacidade de armazenamento do recurso de água doce”, justifica o GDI, num comunicado publicado no seu portal. A obra de ampliação da barragem de Ká Hó, em Coloane, foi viabilizada depois de a Sociedade de Turismo e Desenvolvimento Insular ter prescindido da concessão, por arrendamento, de cinco parcelas de terreno. Segundo um despacho do secretário para os Transportes e Obras Públicas, publicado no final do mês passado, a empresa, liderada por Pansy Ho, abdicou de cinco parcelas que totalizam 3.632 metros quadrados de um terreno com uma área global de 767.373 metros quadrados, de cujos direitos resultantes da concessão é titular. As cinco parcelas de terreno foram integradas, livres de ónus ou encargos, no domínio público do Estado sem lugar a qualquer tipo de contrapartidas, segundo assegurou Raimundo do Rosário. Imobiliário | Número de casas vendidas em Fevereiro caiu 76,8% Em Fevereiro foram transaccionadas 279 fracções destinadas à habitação, contra 1207 em igual mês do ano passado. Em queda esteve também o preço médio por metro quadrado que desceu de 110.243 patacas para 98.618 patacas. Segundo os dados publicados no portal da DSF, contabilizados a partir das declarações para liquidação do imposto de selo por transmissões de bens, a península figura como a ‘campeã’ de vendas – com 272 – contra 54 na Taipa e 13 em Coloane. A península apresentou o preço médio por metro quadrado mais baixo (94.500 patacas), seguindo-se a Taipa (101.973 patacas) e Coloane (133.766 patacas).
João Santos Filipe Manchete SociedadeIAS | Lançado sistema de linguagem gestual por videochamada O Governo lançou um serviço que vai facilitar a vida das pessoas que comunicam através linguagem gestual. Em Macau há cerca de 3.000 pessoas que sofrem de deficiências auditivas e que poderão ser potenciais utilizadores [dropcap]O[/dropcap] Executivo, em parceria com a Associação de Surdos de Macau, lançou ontem um serviço de videochamada que permite a quem sofra de surdez e deficiência auditiva comunicar no dia-a-dia com pessoas que não dominem a língua gestual. Numa fase inicial, este serviço vai servir essencialmente para ajudar na comunicação junto dos serviços públicos do Instituto de Acção Social (IAS), mas não é excluída a hipótese de, no futuro, haver outras aplicações e a extensão a outros serviços do Governo. Segundo o modelo adoptado, a pessoa com problemas de audição faz uma videochamada através de uma aplicação móvel para a Associação de Surdos de Macau. Do outro lado, atende um membro da associação a quem a pessoa com problemas de audição explica o que pretende através de linguagem gestual. Ao mesmo tempo, o receptor da chamada interpreta a comunicação gestual para os funcionários o IAS, através da fala. O serviço funciona através de tablets instalados em 20 locais de atendimento público do IAS. O objectivo é dispensar a utilização de um intérprete de linguagem gestual in loco e acelerar a comunicação. “É um serviço que vai poupar no tempo de espera quando estas pessoas vão aos serviços do IAS. Normalmente, quando este tipo de pessoa se desloca ao IAS é necessário pedir um intérprete de língua gestual, ou é preciso que esteja disponível, o que também pode implicar deslocações e tempo perdido. Com esta forma, a comunicação pode acontecer imediatamente através da plataforma”, explicou Hon Wai, presidente substituto do IAS. O responsável do departamento da acção social reconheceu também que a implementação deste projecto era um desejo antigo, mas que esbarrou na “falta de estabilidade da Internet”. Numa primeira fase, a Associação de Surdos de Macau vai disponibilizar nove intérpretes e o serviço vai estar operacional entre as 9h30 e as 18h, nos serviços do IAS. De acordo com os números apresentados por Hon Wai, existem cerca de 3000 pessoas que sofrem de surdez e deficiência auditiva em Macau e que poderão recorrer ao serviço. Obras de acesso A apresentação do novo serviços do IAS foi utilizada para um breve balanço dos trabalhos feitos para tornar os edifícios do Governo, e de entidades subsidiadas pelo erário da RAEM, acessíveis a pessoas com dificuldades de deslocação. Segundo Hon Wai até ao final do ano passado foram concluídas 2.143 obras de acesso, entre instalação de rampas, elevadores ou equipamentos nas casas-de-banho. Foram também instalados 400 equipamentos de alerta visual contra-incêndio, que utilizam luzes intermitentes, em vez do som das campainhas. Em relação aos custos destes trabalhos, o IAS explicou que ainda não tinham sido compilados até ontem.
Diana do Mar PolíticaDireitos do Consumidor | Alerta de desigualdades, abusos e omissões [dropcap]F[/dropcap]oi aprovada, por unanimidade, na generalidade, a proposta de lei de protecção dos direitos e interesses dos consumidores. O diploma “há muito aguardado”, que vem rever o regime em vigor há 30 anos, passou, no entanto, ao fim de um debate de três horas, com deputados a alertarem para desigualdades, abusos e omissões. “Parece-me que os direitos dos comerciantes não foram contemplados”, atirou o deputado Kou Hoi In, apelando a um “equilíbrio” relativamente aos interesses de ambas as partes. O empresário deu o exemplo do “período de reflexão” de sete dias que atribui ao consumidor o gozo do direito de livre resolução do contrato sem que seja preciso justificar o pedido. “Podem devolver um produto sem justificação, o que não me parece justo. Não vejo normas sobre abusos e se alguém abusar pode resultar em consequências muitas negativas”, advertiu. Sulu Sou, por seu turno, focou-se nas práticas desleais, como a fixação concertada de preços, dando o exemplo do preço da gasolina. “É uma matéria nuclear, mas está omissa”, lamentou. Ho Ion Sang, dos Operários, juntou-se ao coro, reclamando normas também sobre o açambarcamento. “Também são pontos que nos preocupam”, respondeu Lionel Leong, indicando estar a ser preparada uma lei sobre a concorrência leal, sem facultar mais detalhes. Já Pereira Coutinho e Agnes Lam pediram explicações para a exclusão de determinados sectores do âmbito da proposta de lei e que, por conseguinte, escapam à fiscalização do Conselho de Consumidores. Isto porque o diploma aplica-se às relações jurídicas relativas ao fornecimento de bens ou prestação de serviços, mas abre excepções para áreas como jogo, prestação de cuidados de saúde ou ensino. Na réplica, o secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, explicou que esses sectores ficam de fora porque se encontram já regulados noutras leis. Locação financeira com voto duplo A Assembleia Legislativa aprovou ontem, na especialidade, por unanimidade a proposta de lei que define o regime jurídico das sociedades de locação financeira e a que institui o regime de benefício fiscal para o sector. Ambas foram aprovadas por unanimidade, sem que tenha havido lugar a debate.
Diana do Mar PolíticaAL | Deputados rejeitam debater medidas para atenuar impacto negativo do excesso de turistas [dropcap]N[/dropcap]ão há nada para debater desde logo porque o desígnio de Macau é ser um centro mundial de turismo e lazer. Este foi um dos argumentos utilizados ontem pelos deputados para ‘chumbarem’ a proposta para a realização de um debate, apresentada por Sulu Sou, sobre a adopção de medidas viáveis para atenuar os efeitos negativos do excesso de turistas sobre a vida da população. “Temos que nos habituar aos turistas, porque é a nossa política”, afirmou Chan Chak Mo. Ma Chi Seng e Davis Fong subscreveram: “O posicionamento de Macau é de um centro mundial de turismo e lazer, como diz expressamente o plano quinquenal”. “É um tema que não merece debate”, frisaram os deputados nomeados numa declaração de voto conjunta. “Se não tivermos turistas como podemos fazer negócios?”, questionou Chan Chak Mo, ele próprio empresário, contestando os argumentos invocados pelo pró-democrata Sulu Sou para a realização de um debate. “De facto, de 2008 a 2018 o número de turistas cresceu 56 por cento, mas o Produto Interno Bruto também teve um aumento muito significativo”, argumentou o deputado eleito pela via indirecta, relativizando também o aumento das queixas. “É natural que haja mais, uma vez que há mais turistas”, apontou Chan Chak Mo. Tema (in) discutível Já Agnes Lam, apesar de ter votado a favor, declarou que “o tema não tem margem para debate”: “É apenas para reflectir uma opinião, não vai ser alcançado o objectivo da discussão”. Wong Kit Cheng e Ho Ion Sang também colocaram o foco na forma em detrimento do conteúdo. Ambos concordaram que “todos estão preocupados com o equilíbrio de interesses” e que “o Governo deve encarar directamente as influências negativas decorrentes do turismo”, mas defenderam antes que o tema deve ser abordado através de interpelações, particularmente orais, considerando que produzirá “mais resultados”. “Os nossos recursos humanos devem ser utilizados em temas em que a população esteja mais interessada”, argumentou ainda o deputado dos Kaifong, sinalizando também “o grande volume de trabalho” do Governo. Já Pereira Coutinho interveio apenas para defender Sulu Sou. “A declaração de voto serve para o deputado manifestar a sua posição e esclarecer a razão pela qual votou contra, a favor ou se absteve” e “não para criticar o deputado [Sulu] Sou Ka Hou, dizendo que a sua proposta tem problemas. Cada qual pode decidir. São as regras do jogo”. A proposta para a realização de um debate reuniu apenas seis votos a favor, incluindo do proponente, entre os 29 deputados presentes na hora da votação. Os restantes cinco foram Pereira Coutinho, Au Kam San, Si Ka Lon, Song Pek Kei e Agnes Lam.
Diana do Mar Manchete PolíticaAL | Deputados criticam atraso e valor da actualização do salário mínimo para empregados de limpeza e seguranças dos condomínios Chegou tarde e é pouco. Os deputados teceram ontem duras críticas ao Governo relativamente ao atraso e ao valor da actualização do salário mínimo para os empregados de limpeza e seguranças dos condomínios. Durante o debate, que resultou na aprovação da proposta de lei, foi ainda cobrada a promessa do salário mínimo universal [dropcap]A[/dropcap] Assembleia Legislativa aprovou ontem, na generalidade, a proposta de lei que actualiza o valor do salário mínimo para os trabalhadores de limpeza e de segurança na actividade de administração predial. Apesar do voto unânime, os deputados teceram duras críticas ao Governo, durante sensivelmente duas horas de debate, desde logo por o aumento chegar tarde, mas também pela actualização proposta. À luz do diploma, o valor do salário mínimo vai subir das 30 para 32 patacas por hora, de 240 para 256 patacas por dia e de 6240 para 6656 patacas por mês, consoante a forma de cálculo da remuneração. Trata-se da primeira proposta de aumento desde a entrada em vigor da lei, a 1 de Janeiro de 2016. Au Kam San foi o primeiro a intervir: “Diz que foi feita uma revisão [anualmente, como dita a lei], mas não houve actualização”. Leong Sun Iok subscreveu. “Se bem que chegou tarde, estou muito insatisfeito”, apontou o deputado dos Operários, recordando que o salário mínimo instituído há três anos para os trabalhadores dos dois sectores foi calculado com base em valores de 2013/14. “Valor já estava atrasado e já devíamos estar a rever o valor de 2020”, enfatizou. “Tem que se rever antecipadamente”, insistiu, dando o exemplo “perfeito” de Hong Kong, onde os vencimentos são actualizados ainda antes de expirar o prazo de revisão. “Não há dados que suportem essas palavras” de que não havia necessidade de mexer nos montantes, afirmou, apontando ainda que, na hora de definir um valor de aumento, o Governo tem de estar munido de um “suporte científico”. Sulu Sou corroborou: “A proposta de lei é pequena e não facultou documentos”, pelo que “só sabemos que não actualizou antes, mas desconhecemos os motivos ou fundamentos”. “Temos de ter critérios científicos. Este mecanismo de revisão não é transparente – é tudo à porta fechada”. O deputado pró-democrata pôs ainda em causa o aumento proposto: “Porquê só duas patacas? Não sabemos se o valor é adequado ou não”. “O Governo não faz, mas o Chefe do Executivo também não me deixa fazer”, lamentou, numa referência ao projecto de lei que pretendia instituir o salário mínimo universal que Chui Sai On rejeitou, com o argumento de que o diploma para o efeito vai ser entregue à Assembleia Legislativa no corrente ano. Na réplica, o secretário para a Economia e Finanças falhou, porém, em convencer os deputados relativamente ao atraso na actualização. “Em 2016, tivemos que ver todos os dados estatísticos, se houve falência de empresas de administração predial, os aumentos dos custos das mesmas e depois de recolher todas as informações fomos rever todo o mecanismo”, afirmou Lionel Leong. O mesmo sucedeu relativamente ao montante proposto, com a bancada do Governo a argumentar que as duas patacas por hora resultaram da “ponderação global” de uma série de factores, como as despesas sofridas pelas empresas de administração predial. Dados que Lionel Leong promete facultar posteriormente aos deputados. Os custos a arcar pelas empresas de administração predial devido ao aumento do valor do salário mínimo dos actuais 8.500 trabalhadores da limpeza e segurança também foi questionado, desde logo por se anteciparem repercussões. “Duas patacas vai aumentar em quanto as despesas de condomínio?”, lançou Sulu Sou, com secretário para a Economia e Finanças a admitir não dispor desses dados. À espera que saia As críticas ao facto de o Governo estar a demorar em avançar com o salário mínimo universal vieram por arrasto, com os deputados a cobrarem a promessa de que seria uma realidade em 2019. “Afinal quando vai haver salário mínimo para todos?”, questionou Au Kam San. Leong Sun Iok repetiu a pergunta, indagando a razão pela qual se afigura “tão difícil” avançar. “Não sei se o próximo Chefe do Executivo já está definido, [mas] vai enfrentar e tem de resolver este problema”, observou, por seu turno, Ng Kuok Cheong, num plenário com os dois potenciais candidatos ao cargo (Ho Iat Seng e Lionel Leong). Insistindo que o salário mínimo tem de ser implementado “o mais rápido possível”, o pró-democrata defendeu que o valor não deve ser inferior ao do risco social para agregados familiares composto por dois membros (7.770 patacas). De modo a minimizar a contestação por parte da ala empresarial, Ng Kuok Cheong levantou, aliás, a possibilidade de o Governo subvencionar as pequenas e médias empresas que tenham dificuldades em pagar, numa intervenção que antecedeu a de Angela Leong que alertou precisamente para a “pressão” com que se podem deparar as PME. A deputada defendeu, no entanto, que o Governo deve avançar com o salário mínimo para todos, ainda que colocando a hipótese de se definirem escalões diferenciados consoante o sector. “Creio que toda a sociedade já conseguiu digerir que Macau deve implementar o salário mínimo universal”, sintetizou Ella Lei, recordando que o trabalho se tem “atrasado muito”. “Por que não conseguiu cumprir o prometido?”, indagou a deputada dos Operários, lembrando que o Governo prometeu implementar o salário mínimo universal “o mais tardar” em 2019. Na resposta, o secretário para a Economia e Finanças limitou-se a reiterar que o salário mínimo universal figura nos planos do corrente ano. “Esperamos que, em 2019, possa entrar em processo legislativo”. “Não somos capazes de avançar com uma data concreta – com o dia ou o mês”, afirmou Lionel Leong, face à insistência dos deputados. “Também já expliquei os procedimentos no Conselho Permanente de Concertação Social. Temos de ouvir ambas as partes. Nem sempre podemos controlar a calendarização”, afirmou.
João Luz Internacional Manchete SociedadeMoçambique | Ciclone Idai poderá ter provocado mais de mil mortos Um dos piores ciclones tropicais que assolaram o continente africano deixou um rasto de destruição no Malaui, África do Sul, mas, em particular, Moçambique. A cidade da Beira ficou completamente arrasada, deixando em perigo a vida de mais de 100 mil pessoas. Além dos salvamentos imediatos, Moçambique terá de lidar com a abertura das comportas de barragens, o perigo de epidemias e a falta de capacidade de resposta. Em Macau preparam-se campanhas de solidariedade [dropcap]”[/dropcap]São momentos de dor. Tenho acompanhado as imagens e o drama que as pessoas estão a passar. São aldeias inteiras isoladas, sem comunicação com o resto do país, uma aflição. Neste momento, ainda nem é possível contabilizar as mortes devido ao isolamento”. É assim que Rafael Custódio Marques, cônsul-geral de Moçambique em Macau, descreveu ao HM a forma como tem vivido a tragédia que assola o seu país, que está em luto nacional até amanhã. Em declarações à nação, o Presidente da República Filipe Nyusi apontou para uma contabilidade trágica de mais de mil mortos na sequência da devastação provocada pelo ciclone Idai. Ainda assim, entende-se que o número pode ser uma estimativa conservadora. A partir de Macau prepara-se uma resposta conjunta do Consulado-Geral de Moçambique em Macau e da Associação dos Amigos de Moçambique. Entre hoje e amanhã, está prevista a abertura de uma conta bancária para receber donativos e vão ser estabelecidos contactos institucionais para contribuições solidárias. As províncias mais afectadas são Sofala, em particular a zona da cidade da Beira e Manica. “Foram três dias e noites que ficámos em cima de uma árvore”, relatou à Rádio Moçambique um residente de Dombe, povoação a cerca de 30 quilómetros do Zimbabué, na província de Manica. A comunidade rural fica a cerca de 150 quilómetros em linha recta da cidade da Beira, a mais afectada pelo ciclone. A distância ilustra o caminho percorrido pela tempestade, que semeou destruição de uma ponta à outra do centro de Moçambique. Entre domingo e terça-feira, a policial fluvial de Dombe recolheu 11 corpos do rio Lucite e estimou ter salvo mais de 100 das cheias naquelas margens e nas de outros cursos de água da região, muitas amparadas pela vegetação. Os residentes que se salvaram contaram ter enfrentado fome e frio, depois de uma fuga à subida dos caudais que não lhes deixou outro caminho senão procurar o sítio mais alto. “Fomos e subimos à árvore, durante dois dias”, referiu outro residente de um grupo que inclui famílias inteiras e que relatou o que passou. “Muitas pessoas morreram”, uns levados pela corrente, “outros com frio”, por não conseguirem sair totalmente da água enquanto esperavam por socorro, fosse em cima de árvores ou do tecto de escolas junto ao rio Lucite. A subida de nível dos rios continua a ser uma ameaça às comunidades rurais das províncias de Manica e Sofala, à chuva forte que caiu até ontem, aliadas às descargas de barragens que se encontram no limite da capacidade. Abraço de Macau Por cá, está em curso uma campanha de solidariedade para atenuar o sofrimento vivido em Moçambique. “Vamos abrir uma conta bancária para que as pessoas que queiram apoiar os amigos de Moçambique possam dar a sua contribuição”, revela Helena Brandão, presidente da Associação dos Amigos de Moçambique. Para já, estão a ser feitos contactos com organizações a trabalhar no terreno e com instituições de Macau para reunir apoios, em coordenação com a representação consular. Por seu lado, o cônsul-geral de Moçambique em Macau, Rafael Custódio Marques garante que vai solicitar apoio a instituições locais. “Está nos nossos planos fazer esse apelo massivo aqui em Macau”, revela o cônsul-geral adiantando que primeiro é preciso criar uma base organizada para que quem queira ajudar saiba para onde dirigir os seus apoios. Helena Brandão tem acompanhado de longe a tragédia provocada pelo Idai, mas com o coração perto da cidade da Beira. “Foi lá que fiz os meus estudos secundários, foi lá que casei e nasceu a minha filha. Tenho na Beira familiares e amigos.” A dirigente associativa recorda que “apesar das lindíssimas praias e paisagens, a Beira está situada abaixo do nível médio da água do mar. Portanto, qualquer tempestade, mesmo que seja uma chuva de algumas horas é suficiente para alagar tudo”. Um total de 40 toneladas de alimentos estão a caminho do aeroporto da cidade da Beira para serem distribuídos pela região, disse ontem à Lusa a representante do Programa Alimentar Mundial (PAM) no país. Um avião com 22 toneladas aterrou no domingo “e há outro a caminho com mais 40 toneladas”, referiu Karin Manente, que aguarda pelo descarregamento dentro de “dois a três dias”. Um dos objectivos é alimentar a população que continua isolada nas zonas alagadas pelas cheias, bem como atender a carências na província de Manica, onde a Lusa visitou um centro de abrigo no qual os beneficiários, entre os quais muitas crianças, se queixaram de falta de comida. O PAM distribuiu ontem 4,2 toneladas de biscoitos enriquecidos, por via aérea, a quem aguarda salvamento para zonas seguras. “Ainda há populações isoladas”, em número indeterminado, referiu Karin Manente, apesar das acções de salvamento em curso diariamente com helicópteros e embarcações. Autoridades sul-africanas que apoiam as operações salvaram ontem, só com as suas viagens de helicóptero, 40 pessoas da zona de Buzi, sobretudo mulheres e crianças. Muitas tiveram de deixar outros membros da família para trás, enquanto os helicópteros tentam dar prioridade aos casos mais urgentes. Há mais pessoas a serem salvas graças a várias organizações envolvidas nas operações, mas o número total de resgates ainda não está consolidado, acrescentou. Pelo menos seis helicópteros estão ao serviço na região (quatro da África do Sul, um do PAM e outro das autoridades moçambicanas) e há expectativa de mais se juntarem às operações. Resposta à natureza “A prioridade neste momento é salvar vidas, porque há populações isoladas. Depois é preciso mobilizar alimentação. Há quem tenha perdido tudo, porque as águas carregaram tudo e só ficaram elas próprias”, aponta Rafael Custódio Marques. O representante consular chama a atenção para o facto de as chuvas não estarem a cair com intensidade apenas em Moçambique, mas também no vizinho Zimbábue, o que levará à abertura das comportas de barragens. “Nós estamos a jusante, deve imaginar os cursos de água cá para baixo. É outra catástrofe eminente. Por outro lado, os efeitos pós-cheias podem levar a epidemias.” A força dos ventos na cidade da Beira foi de tal ordem que os aviões estacionados nos hangares do Aeroporto Internacional da Beira capotaram. Outro perigo vindo dos céus foram as incontáveis chapas de zinco que voaram das construções precárias que constituíam parte significativa da cidade. Face a uma calamidade de proporções bíblicas como o ciclone Idai, agigantam-se as dificuldades para responder com eficácia, principalmente num país como Moçambique. “Nada é tratado de forma estrutural, sopesando os estragos anteriores e pensando na prevenção do futuro. Disseram-me na terça-feira que o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades não tem sequer um Hospital de Campanha. Este ciclone foi anunciado com vários dias de antecedência e o Governo fez “um alerta vermelho”, mas limitou-se a declarar a coisa. Porquê, não sei, julgo que por inércia e inconsciência”, conta António Cabrita, escritor e residente em Maputo. O autor conta ter almoçado com um governante natural da Beira, e que tem família na cidade, que lhe disse que “a coisa estava mal, mas sem acusar uma excessiva apreensão.” Depois da visita do Presidente da República à região, o Conselho de Ministros mudou-se para a Beira. “Quanto mais me informo mais percebo que é um daqueles desastres que ultrapassa a capacidade de qualquer Governo, ainda para mais de um país pobre e já mergulhado numa crise profunda”, remata António Cabrita. Arregaçar mangas Noventa por cento da área em torno da cidade da Beira foi destruída, as estradas principais de acesso à cidade foram cortadas, muitos edifícios ficaram submersos, não há electricidade em toda a região e praticamente todas as linhas de comunicação foram destruídas, o que torna muito difícil aceder à dimensão correcta do desastre, segundo a organização Médicos Sem Fronteiras. Na região da Beira, o número de portugueses residentes registados no consulado de Portugal na capital da província de Sofala aproxima-se dos 2500. O secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro, é esperado na cidade moçambicana da Beira, onde dezenas de portugueses perderam casas e bens, para acompanhar o levantamento das necessidades e o primeiro apoio. No grupo que partiu de Lisboa, além do governante, estão elementos da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e do Instituto Camões. “O objectivo da missão é realizar um diagnóstico tão rigoroso quanto possível sobre as condições da comunidade portuguesa em Moçambique, nomeadamente na região da Beira. Estamos a falar de uma região e de uma jurisdição consular que corresponde a toda a Península Ibérica, que se encontra sem comunicações nesta altura”, disse José Luís Carneiro, em declarações à agência Lusa. O secretário de Estado explicou que, entre amanhã e sábado, se vão juntar à equipa elementos do Ministério do Ambiente, responsáveis com “possibilidade de agilizar mecanismos na área da saúde” e também uma “equipa reforçada da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares, com funções consulares e diplomáticas”. Em relação aos portugueses, o secretário de Estado reafirmou que não tem informações de vítimas mortais ou desaparecidos, mas frisou que ainda é cedo para dar garantias. Para já, a mobilização para ajudar Moçambique a reerguer-se e evitar mais mortes é a prioridade máxima, de forma a mostrar que há vida depois do ciclone Idai. Carta de Mia Couto “Meu caro, obrigado pela mensagem. Na verdade, estou eu quase tão destruído quanto a minha cidade. Estava determinado a ir para a Beira para mergulhar no espírito do lugar e agora, segundo me dizem, quase não há lugar. É como se me tivessem arrancado parte da infância. O Zeferino, logo na sua primeira avaliação, me tinha alertado que a Beira era a personagem central do livro. Confesso que estou meio perdido. Esta manhã recebi fotografias da igreja do Macuti que está em ruínas. Aquele edifício está profundamente dentro da minha história. É como se estivesse a escrever a história de um amigo que, entretanto, morresse. E o problema é bem maior que a Beira. Todo o centro de Moçambique está por baixo de água: estradas, casas, torres de energia e de telecomunicações estão destruídas. Não consigo saber dos meus amigos que vivem na Beira. Enfim, sabe bem esse seu abraço.” Mia Contas solidárias O BNU Macau abriu três contas “em solidariedade com a população de Moçambique afectada pelo ciclone tropical Idai” para ajudar as vítimas do desastre natural. O número da conta em patacas é 9015805031. A conta em euros é 9015805048. A conta em dólares norte-americanos é 9015805065.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesSexo e Casamento [dropcap]A[/dropcap]investigação tem sido consistente de que há uma relação forte entre satisfação conjugal e satisfação sexual. A direcção desta relação é que tem sido bastante debatida. A relembrar-nos da eterna questão do ovo e da galinha há quem se interrogue: afinal o que é que vem primeiro? A satisfação com o sexo que depois influência a satisfação com a relação, ou será que a qualidade da relação faz com que o sexo fique melhor? Ainda que provisória, a assumpção é de que vieram os dois alimentar-se um ao outro. Perceber quem veio primeiro já é de grande dificuldade conceptual e metodológica e, se me permitirem o acrescento, também de variabilidade inter-casal – ou seja, cada parelha viverá as suas satisfações na ordem que mais lhe convir. Não quer isto dizer que é uma escolha deliberada, as coisas acontecem naturalmente dependendo da forma como se vivem os desafios inerentes ao casamento. Também dependerá da forma como o sexo é concebido e entendido. Por mais que ande a pregar de que o sexo está intimamente ligado ao nosso bem-estar, em geral, continua a ser um desafio para muitos viver a sua vida sexual sem a instrumentalizar. O sexo não deixa de ser aquele bicho-papão do qual ninguém quer falar, mas que todos os casados são ‘obrigados’ a fazê-lo. Para ilustrar este facto é a quantidade impressionante de mulheres que são sexualmente activas mas que nunca se masturbaram. Nesta equação de satisfações dentro do casal é muito importante perceber o papel do sexo – que nem sempre é o mesmo. Muito menos na variabilidade social e cultural que vivemos neste planeta. Há um estudo publicado em Maio do ano passado no Journal of Sex Research que explora a relação entre satisfação sexual e conjugal em jovens casais de Pequim. O foco em sociedades, geopoliticamente falando, não-ocidentais é o maior contributo deste estudo. A investigação tende ignorar partes do mundo onde o sexo ainda não é amplamente discutido e onde a intimidade relacional ainda não ganhou maior protagonismo. Mesmo que a ciência se esforce em encontrar relações concretas acerca das nossas vivências, a variabilidade cultural ainda é pouco reconhecida. Este estudo em concreto traz uma reflexão importante acerca dos primeiros três anos de casamento de casais chineses em contexto urbano. Parece que as diferenças de género destacaram-se: os homens percebiam a satisfação conjugal como resultado da satisfação sexual, enquanto que as mulheres percebiam o efeito contrário – o bom sexo só vem depois de uma boa relação – que depois com o tempo, esta relação desvanece-se, enquanto que se mantém para os homens. Parece que a tentativa de esclarecer a relação universal entre o ovo da satisfação sexual e a galinha da qualidade da relação ainda está longe de ser conquistada – porque provavelmente não existe. Os autores parecem concluir que é difícil dissociar expectativas do sexo com as de género. A relação entre satisfação sexual e conjugal está intimamente ligada ao papel do homem e da mulher em casais heterossexuais. No caso das mulheres – a tendência de quebrar a ligação entre satisfação sexual e conjugal com o tempo – parece apontar, de acordo com os autores, a um descontentamento face ao papel da mulher. Visões mais tradicionais e patriarcais dirão que a mulher deve ter uma posição passiva no sexo e na relação. Refletindo, talvez, a dificuldade que será reivindicar uma procura activa do que as satisfazem na cama. Na verdade, não saberemos em concreto – outro estudo seria necessário. Mas pelo menos assim sabemos um pouco acerca da variabilidade relacional, da falta de fórmulas conjugais e de como o sexo – visto como uma construção conjunta de significados complexos – tem muito mais que se lhe diga do que originalmente pensado.