Sofia Margarida Mota PolíticaMetro | Deputados querem lei clara na definição e aplicação de sanções A definição de multas e a sua aplicação durante o funcionamento do metro ligeiro devem ser feitas pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego de acordo com a proposta de lei do sistema de transporte do metro ligeiro. Mas o estatuto de autoridade pública conferido aos agentes de fiscalização – contratados pela operadora responsável pelo metro – deixa entender que estes podem assumir as referidas funções [dropcap]A[/dropcap] questão dos poderes dos agentes de fiscalização do metro ligeiro voltou à agenda da 3ª Comissão Permanente, naquela que foi a última reunião de discussão na especialidade dos artigos da proposta de lei do sistema de transporte do metro ligeiro. Em causa, mais uma vez, está o facto destes agentes terem o estatuto de autoridade pública sendo que agora as dúvidas dos deputados recaem no poder de acusação de infractores e na decisão da multa a aplicar. Os deputados querem esclarecer se “os agentes de fiscalização têm o poder de acusação [dos possíveis infractores] e se também têm um poder sancionatório”, referiu o presidente da comissão, Vong Hin Fai. Por outro lado, também não se entende se estes funcionários “no caso de poderem autuar, se podem definir o valor da multa a pagar”, acrescentou. No que respeita a implementação de sanções, a proposta também define “claramente que é o director da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) que aplica a sanção”, apontou Vong, no entanto os deputados consideram que com os poderes relativos ao dos agentes de fiscalização, o diploma pode entrar em contradição visto admitir que os infractores que paguem a multa de imediato usufruam de uma diminuição do seu valor de 50 por cento. Esta medida pressupõe o poder de aplicação da lei pelos fiscais. Os deputados da 3ª comissão vão ainda pedir ao Governo que preste mais esclarecimentos relativamente às competências das operadoras nesta matéria. “A operadora tem ou não tem este poder de aplicação da lei?”, questionou o presidente da comissão. Copy paste ineficaz Outro assunto que voltou à ordem do dia na discussão do diploma foi a inclusão de crimes que constam do Código Penal nesta proposta. “Estes crimes foram transpostos através de copy-paste para a proposta de lei do Metro Ligeiro e, por isso, a comissão trocou opiniões com a assessoria em termos técnicos. Temos que pedir ao Governo esclarecimentos para perceber as razões desta opção”, afirmou Vong Hin Fai. O legislador deu um exemplo: a introdução do crime de atentado à segurança da operação na Lei do Metro Ligeiro já está contemplado no Código Penal nos crimes de captura ou desvio de transportes e estes transportes incluem comboios”, destacou Vong. Os deputados querem saber a razão que levou o Governo a legislar estas situações de forma independente.
Hoje Macau PolíticaCCAC | Adjuntos reconduzidos por um ano [dropcap]H[/dropcap]oi Lai Fong e Lam Chi Long foram reconduzidos no cargo de adjuntos do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) pelo período de um ano. O despacho do Chefe do Executivo, publicado ontem em Boletim Oficial, produz efeitos a partir de 20 de Dezembro.
Hoje Macau PolíticaMi Jian nomeado delegado junto da Air Macau [dropcap]M[/dropcap]i Jian, que tomou posse em Setembro como director dos Serviços de Estudo de Políticas e Desenvolvimento Regional (DSEPDR), foi nomeado delegado do Governo junto da Air Macau, pelo período de um ano. O despacho do Chefe do Executivo, publicado ontem em Boletim Oficial, produz efeitos a partir de 1 de Dezembro. Pelo exercício da função de delegado do Governo, Mi Jian vai receber 9.200 patacas por mês.
Andreia Sofia Silva PolíticaImigrantes ilegais | Governo admite aumento dos prazos de detenção A lei de Macau determina que os imigrantes ilegais podem ficar detidos 60 dias no máximo. Contudo, o Governo “tenciona inserir na nova legislação a referência a um limite máximo semelhante ao que é adoptado na legislação dos países europeus”. A União Europeia aprovou, em 2008, um prazo máximo de 18 meses de detenção [dropcap]F[/dropcap]oi ontem tornado público o relatório da consulta pública sobre o regime jurídico dos controlos de migração e das autorizações de permanência e residência na RAEM. Um dos pontos do documento diz respeito ao período de detenção dos imigrantes ilegais, que actualmente é de 60 dias. Após esse período, têm de ser libertados mesmo que a sua entidade não tenha sido confirmada. Passado esse processo, ficam depois obrigados a comparência periódica às autoridades. Contudo, o Governo não põe de lado a possibilidade de aumentar esse período, uma vez que “tenciona inserir na nova legislação um limite máximo de detenção, semelhante ao que é adoptado na legislação dos países europeus”. Caso o Executivo decida avançar nesta matéria, os imigrantes ilegais encontrados no território podem ser sujeitos a um período de detenção que poderá ir até aos 18 meses, pois é este o prazo em vigor na União Europeia, depois da adopção, em 2008, da “directiva de retorno”. Portugal, por ser membro do espaço Schengen, cumpre também este prazo. De frisar que este prazo varia consoante os casos. O HM falou com uma fonte ligada ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que garantiu que, em Portugal, o prazo mais comum de detenção é de 60 dias. Intenções e retenções Esta decisão surge no seguimento das opiniões apresentadas, uma vez que se sugeriu o fim do prazo limite dos 60 dias, por se considerar que há imigrantes em situação de ilegalidade que “procuram intencionalmente fazer demorar o processo de expulsão”. Contudo, houve preocupações sobre a possibilidade de ficarem detidos por um longo período de tempo à espera da resolução do seu caso. “A maioria das opiniões manifestou concordância acerca da suspensão do prazo, mas foram expressas preocupações sobre se uma suspensão prolongada poderá ou não conduzir a uma detenção sem prazo”, lê-se no relatório. Além disso, também houve preocupações sobre a capacidade de acolhimento dos centros de detenção. Os participantes da consulta pública também mostraram reservas quanto ao facto das autoridades reterem os passaportes ou documentos de viagem, mas o Governo respondeu que lhes é atribuído um documento semelhante, o que permite a sua deslocação. Menores | Convenção internacional sobre raptos vai ficar expressa na lei O relatório relativo à consulta pública sobre o regime jurídico dos controlos de migração e das autorizações de permanência e residência na RAEM faz ainda menção à questão dos movimentos migratórios de menores. Foi referido que a lei em vigor “não resolve claramente a questão do controlo dos movimentos migratórios dos menores sem acompanhamento”, pelo que se pede “uma posição firme nesta área”. O Governo considera que “exercer o controlo de saída de menores de Macau com base em indicações prévias dos pais será uma solução viável e equilibrada”. Além disso, o novo regime irá incluir com maior clareza o acordo internacional, ratificado por Macau, relativo ao rapto de menores. “Sobre o cumprimento da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, admite-se a conveniência em que o assunto fique claramente previsto na nova lei”, aponta o relatório. Desta forma, o Instituto de Acção Social (IAS) poderá desempenhar com maior facilidade as suas responsabilidades “no melhor cumprimento da convenção internacional e no asseguramento dos direitos e interesses das crianças envolvidas”. Casamentos ilegais | Pedida criação de um crime autónomo Mais de 13 por cento dos participantes na consulta pública pediu a criação de um crime autónomo para os casamentos ilegais. Actualmente, este acto é considerado crime de falsificação de documentos. O Governo referiu apenas que a criminalização autónoma “pode ajudar a reduzir a controvérsia e a obter a adequada responsabilização penal das pessoas envolvidas nestas práticas”, tendo mostrado vontade de manter a actual moldura penal de 2 a 8 anos de prisão.
Diana do Mar Manchete ReportagemRefugiados | Requerente de asilo aguarda resposta há mais de cinco anos Os dedos das mãos já quase não chegam para contar os anos de espera. Sem poder trabalhar e muito menos sair de Macau, Antoin (nome fictício) vive num limbo, enquanto anseia por uma resposta que o liberte do actual estado de indefinição. Apesar da longa demora, tem esperança de que o dia em que lhe vai ser concedido o estatuto de refugiado vai chegar, mesmo quando a realidade mostra que tal seria inédito [dropcap]Q[/dropcap]uando Antoin partiu não foi apenas a perseguição política que deixou para trás. Foi tudo o resto: a família, os amigos, até o negócio que tinha. Já fugira do país por diversas vezes, procurando refúgio durante largas temporadas em nações vizinhas, mas daquela vez foi diferente. Depois de décadas a travar “uma luta por um país melhor e sobretudo democrático” decidiu pôr termo ao activismo político. “Senti que não podia apoiar mais a causa, sair do país acabou por ser uma emergência”, conta, em entrevista ao HM. “Perdemos muitos membros. Uns foram mortos, outros raptados, outros desapareceram sem deixar rasto tal era a repressão”, relata Antoin, que diz ter perdido a conta ao número de vezes em que foi espancado em esquadras. “Fui torturado e enfrentei mesmo a morte”, diz. Macau surgiu no mapa após uma conversa com um líder religioso da sua terra natal: “Ele sugeriu-me Macau dado que na altura não havia tempo para tratar de vistos e em Macau não era preciso. Foi ele que me orientou”. Antoin chegou como turista, entre os milhões que todos os anos escolhem Macau como destino, mas tinha tido um lamiré sobre como se mover por cá, graças ao líder religioso do qual fala com especial carinho. Os primeiros contactos em Macau foram com a Caritas. O passo seguinte foi contactar o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em Hong Kong que, após uma conversa ao telefone, o remeteu para a Comissão para os Refugiados, organismo com competência para dirigir a instrução dos processos de reconhecimento do estatuto de refugiado e elaborar as respectivas propostas de decisão, cabendo a última palavra ao Chefe do Executivo. Após a apresentação do pedido deu-se o contacto formal com a Comissão. Antoin recorda-se do primeiro encontro, no qual esteve presente uma intérprete para fazer a ponte entre o inglês e o chinês. Poucos dias depois, “disseram que iam começar a analisar o meu caso”, lembra Antoin, enquanto retira da carteira uma folha de papel dobrada em quatro que serve de título provisório de identificação. Esse documento – que “não parece uma identificação a sério” – substitui o passaporte, que tem de ser retido e junto ao processo. Também, como manda a lei, ficou obrigado a apresentar-se periodicamente no Serviço de Migração. “Primeiro, tinha de ir de duas em duas semanas e depois passou a ser de mês a mês, mas é muito chato”, partilha. Apesar das imposições, salienta que sempre foram gentis e que até havia quem lhe perguntava pelo andamento do caso. Contudo, do ponto de vista formal, as diligências ficaram-se por esses primeiros dias, não tendo havido qualquer contacto posterior: “Até hoje nunca mais ninguém me disse nada, nada”, lamenta. “Só me resta ir perguntando às pessoas que encontro [se há novidades]. A resposta é que [o pedido] está ainda a ser apreciado”, realça. Pelo meio, foi mantendo diálogo com o ACNUR em Hong Kong. A última vez foi este ano por ocasião da vinda a Macau de um representante da organização internacional que lhe indicou que iriam voltar a falar com o Governo para que algo fosse feito. Um pouco de liberdade Antoin vive do apoio do Instituto de Acção Social (IAS) que lhe providencia um lugar para dormir e garante apoio financeiro mensal equivalente ao índice mínimo de subsistência, actualmente fixado em 4.050 patacas. Antoin diz que tem quase tudo: “Tenho um sítio onde dormir, tenho apoio financeiro. Mas há uma coisa que não tenho: liberdade. Não posso sair de Macau nem trabalhar. Não sei se todos os governos têm [esta política], mas ir até Zhuhai, por exemplo, já seria bom”, enfatiza, sem esconder o desejo de um dia vir a ter “a oportunidade de conhecer a grande China”. A grande parte do tempo passa no que chama de “escritório”, porque “é como se fosse um trabalho a tempo inteiro”. É, aliás, ali que o encontramos, em frente a um computador, do qual se serve para ver as notícias do seu país e do mundo. O espaço em questão pertence à Caritas, uma das organizações às quais se dedica como voluntário desde que chegou a Macau. O leque de tarefas é extenso: tanto ajuda em reparações, como acompanha idosos ao hospital ou ajuda na distribuição de arroz e em campanhas de recolha de donativos. “Se não me organizar, morro!”, graceja. Antoin sente, no entanto, que “podia ser mais útil na comunidade” se lhe fosse possível ter uma vida por inteiro: “Por exemplo, se pudesse conduzir podia ajudar mais”. As portas fechadas também chegam ao ensino superior, tendo Antoin visto ser-lhe vedado acesso a cursos face à condição em que se encontra. O espartilho das circunstâncias não lhe tirou, porém, a vontade e até se aventurou por aulas de cantonense. “Tenho que me educar de algum modo”, realça. “Gostava de fazer tantas coisas. Ter um sítio para dormir e o que comer não é vida. Ter uma vida é alguém se lembrar de ti quando te vais”, aponta, num fôlego só. “Queria que me adoptassem por completo e não pela metade, que é como sinto na realidade”, diz, comparando-se repetidamente a uma criança que aguarda pelo desfecho do processo de adopção. A sua família está espalhada por diferentes continentes. O parente mais próximo – a mãe – continua na terra natal: “Sinto receio por ela, claro. Às vezes não consigo dormir, mas falamos frequentemente ao telefone e fico feliz quando ouço a voz dela”. Na Alemanha tem quatro irmãos, todos mais novos, um dos quais chegou inclusive a visitá-lo em Macau. A Europa até foi uma possibilidade, numa fase mais tardia, mas acabou por desvanecer-se com a vaga de oposição ao intenso fluxo migratório da altura. “Antes não tinha essa ideia e, como já cá estava, tinha confiança de que o Governo ia tramitar o meu caso rapidamente. Nunca pensei que ia ficar por tanto tempo sem resposta”. Expectativa vs realidade “Anos não são meses” e Antoin sabe-o melhor que ninguém. O que desconhecia é que Macau jamais aprovou o estatuto que almeja. “Nunca?” – pergunta. O franzir de sobrancelha repete-se quando se apercebe, com “muita frustração”, que o facto de estar há muito à espera não lhe garante uma resposta afirmativa. Mas, novamente, o ânimo vem ao de cima. “Esperançosamente, acredito que o Governo pode fazer algo para resolver isso. Estou aqui há muitos anos e penso que o Governo estará consciente – esse é pelo menos o meu desejo”. “O Governo devia pensar que o requerente de asilo é basicamente alguém que tem ou teve um problema no seu país de origem – razão pela qual não está em condições de voltar. Devia ser compreensível. Não estamos a falar de alguém que cometeu um crime e fugiu”, sustenta. O nome verdadeiro, a idade, a origem ou mesmo o tempo exacto de espera de Antoin não são referidos por razões de confidencialidade. Um estatuto miragem, dois pedidos pendentes Apesar de, no passado, Macau ter figurado como porto de abrigo para milhares de deslocados, o estatuto de refugiado continua a ser uma miragem, dado que a RAEM nunca aprovou nenhum pedido. É o que atesta um relatório do ACNUR, datado de Março, e a garantia dada ao HM pela Direcção dos Serviços de Identificação (DSI) de que nunca emitiu o título de identidade de refugiado, destinado a quem tinha visto reconhecida essa qualidade. Até Junho, eram dois os casos pendentes, ambos entrados antes de 2013, ou seja, há mais de cinco anos. Isto a avaliar por dados facultados pelo Instituto de Acção Social (IAS) ao HM que deu conta de que, em 2017, prestou apoio financeiro a três indivíduos/famílias, num montante superior a 220 mil patacas, além de lhes proporcionar acesso a equipamentos com serviço de internamento. Entretanto, o número de beneficiários diminuiu para dois, com o registo de “um caso de regresso ao local de origem”, explicou o IAS. Ao abrigo da lei, a RAEM tem de assegurar “condições de dignidade humana até à decisão final do pedido” sobre o reconhecimento ou não do estatuto de refugiado, sendo prestado auxílio pelo IAS aos requerentes em situação de carência económica e social e aos membros do seu agregado familiar.
Diana do Mar Manchete ReportagemRefugiados | Família síria que viu tribunal dar-lhe razão vive hoje no Canadá Foi há sete anos que o Tribunal de Segunda Instância (TSI), numa decisão sem precedentes, deu razão a uma família síria que recebeu uma carta de deportação como resposta ao pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado. Maysoun Darweesh vive hoje no Canadá, onde conquistou a nacionalidade, com o marido e as duas filhas. Em entrevista ao HM, relata os cinco anos vividos em Macau que quis o destino que fosse a primeira, mas não a derradeira etapa de uma longa jornada em busca de um lugar para poder chamar de casa [dropcap]Q[/dropcap]uando o telefone tocou e do outro lado deram conta de que tinham de ir ao Serviço de Migração a expectativa era grande. Não era caso para menos, porquanto ficara a promessa deixada pelas autoridades meses antes, na presença de um representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), de que ser-lhes-ia autorizada residência em Macau. “Pensávamos que nos iam dar bilhetes de identidade, mas quando o meu marido foi lá deram-lhe, na verdade, uma carta de deportação. Eu fiquei chocada”, conta Maysoun Darweesh, com a memória fresca daquela quinta-feira negra. A esperança alimentada ao longo de meses a fio de que iam ter os direitos equiparados a um residente permanente esfumou-se com o papel timbrado, com carimbo da China, que os obrigava a sair de Macau, onde, por obra do caso, acabaram a procurar refúgio da perseguição política sofrida na Síria. “Tínhamos 15 dias para recorrer da decisão e não tínhamos dinheiro para contratar um advogado mas, por outro lado, não podíamos arriscar ser deportados, porque não sabíamos o que nos podia acontecer no regresso. Não sabíamos o que fazer”. Seguiu-se um contacto para o ACNUR em Hong Kong a dar conta do sucedido. Igualmente surpreendido com o inesperado desfecho do processo do casal, com duas filhas menores, “o ACNUR contactou um advogado em Macau, mas que recusou ficar com o caso, dizendo que não queria ter problemas com o Governo”, revela. No dia seguinte, Maysoun procurou conforto junto de uma amiga missionária em Macau que lhe disse que ia tentar falar com uma freira que tinha bons contactos de advogados ligados a casos de direitos humanos, embora advertindo que, por ser sexta-feira, o mais provável era ter que esperar pelo fim-de-semana. Porém, no mesmo dia, Maysoun recebe uma chamada de um escritório de advogados. “Foi um milagre honestamente, porque na altura a irmã Juliana decidiu ficar até mais tarde a trabalhar, por nenhuma razão aparente, e recebeu a mensagem de pedido de ajuda”, descreve, com um entusiasmo tal que parece estar a viver o momento. “Abençoado seja o doutor Mário Paz, onde quer que ele esteja”, repete Maysoun, referindo-se ao homem que aceitou o desafio de a defender. “A assistente, Lisa, levou-nos até ele, explicámos a situação, entregámos os documentos e ele aconselhou-nos a tentar encontrar outro lugar, pois não estávamos seguros em Macau. Ele garantiu-nos que ia ganhar tempo para nós, que ia fazer o melhor que podia e foi o que fez”. Decisão sem precedentes O caso seguiu para tribunal, em Junho de 2010, com a defesa a interpor recurso contencioso do despacho do Chefe do Executivo que negou a concessão do estatuto de refugiado. O Tribunal de Segunda Instância (TSI) vem dar razão à família síria, numa decisão rara – e talvez mesmo inédita –, dado que não se encontra outra do tipo entre os acórdãos publicados. Desconhece-se, no entanto, quantos processos foram levados à justiça. A defesa contestou desde logo o relatório da Comissão para os Refugiados, que serviu de base à decisão do Chefe do Executivo, por ter sido elaborado com base em informações que não correspondiam à realidade dos factos nem eram corroboradas por agências internacionais e organizações não governamentais, como o próprio ACNUR ou a Amnistia Internacional, ao dizer, por exemplo, que a Síria não discriminava a minoria de etnia curda que vivia dentro das suas fronteiras, que lhes garantia a nacionalidade síria, respeitava a sua cultura e tradições e liberdade de movimentos. Também contestou a ausência de qualquer diligência útil por parte da Comissão para os Refugiados durante os 16 meses de instrução do processo para avaliar a situação do casal de activistas enquanto alegadas vítimas do regime de Damasco. Sobretudo o facto de ter rejeitado a recomendação da representação do ACNUR em Hong Kong, que advogou estarem preenchidos os critérios para a atribuição do estatuto de refugiado. De acordo com o acórdão, o Chefe do Executivo começou por contra-argumentar que todas as situações foram narradas pelos próprios e que não havia provas, designadamente de perseguição política, racial ou religiosa. O líder do Governo alegou ainda que a proposta do Comité Executivo do ACNUR tinha “valor de referência para o Governo, mas não valor vinculativo”, bem como que a consulta da opinião do Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China na RAEM, referida no despacho, era também “uma mera referência”, não tendo servido de fundamento de base ao ‘não’. “No fundo o que se verifica é que a decisão foi tomada com base em pressupostos cuja base probatória é o relatório do ACNUR em Hong Kong e a audição da Delegação dos Negócios Estrangeiros da RPC na RAEM”, sendo que “só o primeiro consta dos autos e vai exactamente em sentido contrário à matéria de facto que a Administração deu como assente”, observaram os juízes. “Fica-se assim sem saber em que elementos probatórios se baseou para concluir como concluiu, sendo que nem sequer se apuraram os elementos que estiveram na base do relatório do ACNUR”, o que constituiu “um défice de instrução”, diz o veredicto, que concluiu haver “uma contradição entre os elementos probatórios existentes e factos assentes” e anulou, por fim, a decisão do Chefe do Executivo. O presidente da Comissão para os Refugiados, Kong Chi, reagiu então ao caso, deixando claro, em declarações ao Macau Daily Times, que o veredicto não significava a concessão automática do estatuto de refugiado. “Este é um caso muito raro e vamos ter que seguir um padrão muito cauteloso”, respondeu o também procurador-adjunto, quando questionado pelo mesmo jornal se a Comissão para os Refugiados iria ter em conta a decisão do TSI e os recentes desenvolvimentos na Síria, onde a guerra civil estalara meses antes, em Março de 2011. “Talvez o tribunal não compreenda totalmente as implicações do nosso trabalho”, comentou ainda. Entre o hiato de sensivelmente um ano e meio entre o recurso e a decisão judicial, o conselho de Mário Paz – que o HM tentou contactar, mas que se encontra reformado há vários anos em Portugal – foi seguido à risca. Maysoun escreveu uma carta às amigas de um grupo internacional de que fazia parte a pedir para partilharem o caso da sua família na expectativa de encontrar um outro lugar para viver, por não restar esperança em Macau. “Uma amiga que estava de visita ao Canadá levou a missiva à minha igreja [actual], explanou o caso e instou-os a patrocinar a nossa família. Eles aceitaram e começaram a tratar dos documentos. Representantes do ACNUR vieram inclusive, por várias vezes, falar com o nosso advogado e, finalmente, recomendaram o nosso caso ao Consulado do Canadá em Hong Kong”, pormenoriza. Enquanto aguardavam dá-se uma reviravolta: “O nosso caso estava a ser processado, quando o doutor Mário Paz nos telefonou a dizer que tínhamos ganhado em tribunal. Fiquei incrédula”. Esperar por Macau ou seguir em frente com a possibilidade do Canadá não chegou a ser, contudo, um verdadeiro dilema: “Vimos que o responsável da Comissão [para os Refugiados] afirmou à comunicação social que a decisão judicial não queria dizer absolutamente nada e depois também pensei no futuro, nomeadamente nas minhas filhas que, como requerentes de asilo, não podiam ir estudar para a universidade”. A vida em Macau O ‘sim’ do Canadá acaba por chegar finalmente e, em Dezembro de 2012, a família síria instala-se em Winnipeg, capital da província de Manitoba, a sensivelmente 11 mil quilómetros de distância de Macau, terra que foi, na verdade, fruto de um acaso. É que o marido de Maysoun fugiu da Síria rumo à China. Estávamos em Junho de 2007 quando o activista – que se dedicava à luta pela democracia e pelos direitos dos curdos e que diz ter estado preso por três vezes e sido alvo de tortura – deixou a terra-natal, sem informar a mulher, na altura grávida, que ficaria sem ver por aproximadamente um ano. A China foi – explica Maysoun – o destino que lhe pareceu conveniente, dado que mantinha válido o visto de uma viagem de negócios recente. Ora, Macau surge como a primeira hipótese quando teve de sair de Pequim, dado que o visto estava prestes a expirar e precisava de o renovar, uma vez que à entrada dar-lhe-iam um mês como turista. Com os papéis tratados, visto da China estendido e o plano de ir para a Europa apalavrado com a mulher, estava pronto a deixar o território. Eis senão quando o inesperado acontece. Após fazer o ‘check-out’ do hotel, o activista decide ir à casa-de-banho e percebe, no regresso, que desaparecera a bagagem que tinha deixado junto da recepção à confiança. “Ele confia muito nas pessoas, mas não acreditaram nele até que as imagens das câmaras de videovigilância mostraram o ladrão. Ele gastou dinheiro em anúncios a pedir apenas que lhe devolvessem o passaporte, mas em vão. Mandei-lhe dinheiro e ele tentou de tudo para obter documentos de viagem para simplesmente voltar à China, mas nada funcionou”, conta Maysoun que, com duas meninas pequenas, de três anos e oito meses, e sob “crescentes ameaças por parte da polícia secreta síria”, decide vir finalmente ao encontro do marido. Após a longa viagem – Damasco-Dubai-Hong Kong e Macau –, contacta o ACNUR em Hong Kong que os remete para Comissão para os Refugiados. Após a visita aos Serviços de Migração receberam uma espécie de guia – que tinham de carimbar mensalmente. Um ano depois, o casal interpela as autoridades a respeito do andamento do processo, informados que estavam de que esse era o prazo máximo para apreciação do pedido por parte da Comissão para os Refugiados. “Nada aconteceu. Fomos lá, demos conta de que tínhamos lido a lei, que traduzimos para inglês, mas eles ficaram estupefactos. Assim como nós, porque eles não sabiam nada da sua própria legislação. Não estávamos a pedir nada mais do que o previsto na lei de Macau”. O casal mantinha contacto permanente com o ACNUR e, posteriormente, tem lugar uma entrevista nos Serviços de Migração, na presença de um representante do ACNUR, que “correu muito bem”. “As autoridades afirmaram que nos iam dar residência permanente, que tínhamos apenas que esperar”, relembra Maysoun que hoje, com o devido distanciamento do episódio, confirma a “sensação” que teve na altura de que a promessa fora feita para “agradar ao organismo internacional”. Mas se há algo que o Governo nunca falhou foi na assistência, atesta Maysoun. Após a entrega do pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado, a família foi colocada num edifício social no Fai Chi Kei, onde ocupou um quarto durante oito meses. Um cenário que mudou quando descobriu que uma das filhas sofria de um problema cardíaco. “Ela precisava de cuidados e ali partilhávamos a cozinha e a casa-de-banho com outros, pelo que o ambiente não era muito saudável e, por essa razão, expusemos o caso ao IAS, dando conta de que precisávamos de um lugar seguro como família”. A resposta foi positiva. “Deram-nos muito apoio, foram sempre muito prestáveis. Disseram-nos para procurar um apartamento na zona e assim foi”, descreve Maysoun, que ainda se lembra do nome das “atenciosas” funcionárias do IAS. Maysoun era jornalista e o marido empresário, mas em Macau estavam impedidos de trabalhar, por força da sua condição de requerentes de asilo: “Não podíamos estar simplesmente sem fazer nada, pelo que éramos voluntários a tempo inteiro, enquanto as meninas frequentavam a escola, onde aprenderam português e chinês”. “De certa maneira, até tenho saudades, porque as pessoas eram muito boas e éramos tratados justamente por toda a gente”, enfatiza, incluindo o Governo no pacote. “Tenho de ser justa. Eles tentaram o máximo que podiam, mas tinham o seu limite. Compreendo totalmente que não foi culpa deles, que não lhes cabia tomar decisões políticas e que havia pressão da China”. Sentimento agridoce Quando a família deixou Macau o sentimento foi “um pouco agridoce”: “Chorei muito e sinto muitas saudades porque, ao fim e ao cabo, foi a nossa casa durante cinco anos. Embora tenhamos sofrido imenso, também vivemos bons tempos, conhecemos muita gente bondosa, fizemos amigos e, por isso, guardamos memórias felizes”. “Realmente gosto muito de Macau e quero voltar numa próxima viagem”, realça Maysoun, para quem a experiência na RAEM foi uma espécie de treino para a nova vida no Canadá, onde recomeçaram do zero. “O Canadá é casa. Sou canadiana agora. Eu devia ter nascido aqui, tem tudo a ver com a minha mentalidade e com o meu trabalho. Tudo o que fazes é valorizado. É um excelente país e Manitoba é um província extremamente agradável para se viver. Não foi uma escolha, mas acredito que Deus planeou tudo isto de modo a hoje estar aqui e sou grata a toda gente que nos ajudou”, sublinha Maysoun, de 40 anos, que trabalha para uma agência que tem como missão precisamente ajudar a integração dos refugiados na sociedade canadiana. “Como especialista na área do voluntariado, o meu trabalho é fazer ponte, fazer com que se conheçam uns aos outros, criando uma conexão entre a comunidade local e os recém-chegados, sobretudo refugiados”. O marido tem a sua própria empresa hoje, enquanto as filhas, Rose e Nya, com 14 e 9 anos, respectivamente, prosseguem os estudos. “Infelizmente, o português e o chinês, que aprenderam na escola em Macau, ficou para trás, já só se lembram de palavras como ‘obrigada’ e ‘adeus’”, diz, na língua de Camões. O verdadeiro adeus foi à Síria, onde Maysoun não planeia regressar, embora lá tenha deixado familiares tão próximos como a mãe. “Ficarias surpreendida se dissesse que sinto mais falta de Macau do que da minha terra natal, o que é verdade, porque Macau foi uma forma de casa, sem perseguição ou discriminação. A Síria é um bom país, as pessoas são realmente fantásticas, mas infelizmente o sistema é muito mau e, a menos que haja, de facto, uma verdadeira mudança, não penso em lá voltar tão cedo”.
Diana do Mar ReportagemA reservada Comissão para os Refugiados [dropcap]T[/dropcap]em a missão de avaliar os pedidos de reconhecimento do estatuto de refugiado, mas desconhece-se por completo a sua actividade. Não tem um contacto (de email ou telefone) para esclarecimentos nem tão pouco disponibiliza estatísticas. O HM tentou, ao longo de meses, falar com o presidente da Comissão para os Refugiados – através da única forma possível, ou seja, via Ministério Público, dado que exerce o cargo de procurador-adjunto – solicitando informações relativamente aos pedidos e até uma entrevista, mas sem sucesso. Tal surge em linha, aliás, com a prática dos últimos anos, dado que foram raros os momentos em que prestou declarações a jornalistas. Após insistência e face à completa ausência de respostas, o HM contactou o gabinete do Chefe do Executivo, a quem compete em última instância, deferir ou indeferir os pedidos. O resultado foi o mesmo: completo silêncio relativamente à série de perguntas enviadas em Agosto e reencaminhadas em Outubro. Criada em 2004, a Comissão para os Refugiados tem essencialmente três competências: dirigir a instrução dos processos e elaborar propostas de decisão sobre os mesmos, a submeter ao Chefe do Executivo, bem como assegurar a cooperação com o ACNUR. É composta por um presidente, função que tem de ser exercida por um magistrado judicial ou do Ministério Público, e quatro vogais. Dois são propostos pelo secretário para a Segurança (um deles do Serviço de Migração), um pelo titular da pasta da Administração e Justiça (com formação jurídica) e outro pelo dos Assuntos Sociais e Cultura (do Instituto de Acção Social). Mandatos eternos O HM contactou os Serviços de Administração e Pública (SAFP) no sentido de perceber a duração do mandato dos membros de organismos consultivos quando não há indicação a respeito. Na réplica, os SAFP sublinharam que “não existem situações de exercício permanente nos cargos de organismos consultivos”, sustentando que 42 de um universo de 44 organismos consultivos têm-na definida no despacho de criação do organismo ou no da nomeação, com a duração a corresponder, no geral, a dois ou três anos. Sucede, porém, que nem a lei que determina a criação da Comissão para os Refugiados nem os despachos de nomeação definem o prazo de duração dos mandatos dos seus cinco membros. “O Chefe do Executivo irá nomear, em conformidade com as atribuições legais da Comissão e as exigências propostas para os diferentes membros, o pessoal apropriado para o desempenho das funções inerentes”, indicaram os SAFP quando confrontados com este exemplo em concreto. Ficou por explicar, portanto, até onde podem ir os mandatos, como no caso mais evidente do presidente da Comissão para os Refugiados que exerce o cargo ininterruptamente desde 2004. Face ao exposto, juristas contactados pelo HM entendem que se pode concluir que não existe limite, ou seja, que, na prática, os mandatos dos membros da Comissão para os Refugiados, que não está sob alçada de nenhuma tutela, podem ser eternos. Cadeiras vazias Já no que toca aos restantes membros houve mexidas ao longo dos anos, à excepção de Cheong Han, assessora do secretário para a Segurança, que permanece como vogal também desde sempre. Actualmente, porém, há uma “cadeira” de vogal que se encontra vazia. O lugar pertencia a Leung Sek Chun, que cessou a comissão de serviço como chefe do Serviço de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) por aposentação voluntária, no passado dia 18. Como tal, deixou de ser vogal da Comissão para os Refugiados, estando a faltar o despacho de nomeação do seu substituto. Esta não é, no entanto, a primeira vez que tal se verifica. A Comissão para os Refugiados já ficou mais de meio ano sem o representante dos Serviços de Migração, entidade que – recorde-se – recebe os pedidos de reconhecimento do estatuto de refugiado. Tal sucedeu quando António dos Anjos Fernandes cessou funções, também em virtude de aposentação, em Dezembro de 2013. O cargo de vogal ficou por ocupar até Julho de 2014, altura em que o Chefe do Executivo finalmente nomeou o seu substituto para a Comissão para os Refugiados.
Diana do Mar ReportagemRefugiados | Um contexto chamado China Do outro lado da fronteira, a política dos refugiados espelha contradições. Se por um lado, Pequim contribui amplamente para os programas do ACNUR, por outro, acolhe uma pequena parcela da população mundial de refugiados [dropcap]A[/dropcap] China aderiu à Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951) e ao protocolo adicional (1967) em 1982, embora com reserva relativamente à submissão de diferendos ao Tribunal Internacional de Justiça. A Constituição da RPC estipula que “pode conceder asilo aos estrangeiros que o solicitem”, mas apenas “por motivos políticos”, um âmbito mais restrito face à Convenção de Genebra, dado que deixa de fora inúmeras outras razões, como raça, religião ou nacionalidade. Em termos genéricos, a política de Pequim tem sido interpretada no panorama internacional como incoerente: se, por um lado, figura como um dos principais dadores, contribuindo com milhares de milhões de dólares para os programas da ONU e em ajuda humanitária, por outro, não abre fronteiras a refugiados. Uma contradição agravada por acusações de que falha em cumprir as obrigações internacionais, designadamente ao violar o princípio de “non-refoulement” (“não-devolução”), ao abrigo do qual os países-membros da Convenção não podem expulsar uma pessoa para um território onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas. Dada a ausência de uma lei nacional específica – que chegou a ter um esboço, mas nunca foi adoptada – tem sido o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) a determinar o estatuto de refugiado, com as decisões a serem comunicadas às autoridades chinesas. Após o ‘carimbo’ do ACNUR, o Governo permite aos refugiados permanecerem temporariamente no país, enquanto a agência da ONU procura uma solução duradoura, que passará por encontrar um terceiro país de acolhimento, na medida em que a sua integração local figura como uma carta fora do baralho. A 1 de Julho de 2013 entrou em vigor uma nova lei na China que estipula que os refugiados e os requerentes de asilo precisam de um documento de identidade emitido pelas autoridades chinesas durante a sua estadia no país. Foi considerada pelo ACNUR como “um importante passo”. No entanto, de acordo com informações do próprio organismo, plasmadas num relatório datado de Março último, está por implementar na prática. Segundo o mesmo documento, existem diferentes grupos alvo de preocupação do ACNUR na China. A saber: os requerentes de asilo e os refugiados que aguardavam a referida solução duradoura, os que fugiram na sequência da guerra sino-vietnamita (1979), aos quais foi reconhecido o estatuto “prima facie” pelo ACNUR (que, aliás, estabeleceu um escritório em Pequim para dar resposta a esse fluxo) e, por fim, os norte-coreanos. Apesar de entrarem nas estatísticas, os refugiados indo-chineses, na sua maioria vietnamitas, não figuram já entre os principais focos de atenção do ACNUR. Isto porque este grupo, estimado em mais de 300 mil pessoas, instalado sobretudo nas áreas rurais de seis províncias do sul da China, está “de facto” integrado e “tem acesso aos mesmos direitos” dos demais cidadãos. Caso norte-coreano Já o mesmo não sucede com os cidadãos norte-coreanos que se encontram na China que, observa o ACNUR, “podem carecer de protecção internacional”. “Desconhece-se quantos são exactamente, porque não há estimativas oficiais e o ACNUR não tem acesso a este grupo ou às zonas fronteiriças do país”, diz o mesmo relatório. A posição da China é a de que os norte-coreanos não só imigram ilegalmente para o país vizinho como o fazem por razões económicas – e, portanto, não são elegíveis como requerentes de asilo –, pelo que mantém uma rigorosa política de repatriamento forçado, refere o ACNUR. O órgão das Nações Unidas exorta, portanto, Pequim a “reconhecer a gravidade do tratamento a que ficam sujeitos os repatriados” no regresso à Coreia do Norte, algo que, eventualmente, colocaria em xeque a relação entre os aliados, tão próxima “como lábios e dentes”, como descreveu outrora Mao Zedong. Depois há os direitos. Apesar de estarem na posse de certificados do ACNUR atestando o registo e o seu estatuto, “requerentes de asilo e refugiados continuam a enfrentar o risco de serem detidos e/ou presos por infringirem as regras da imigração, como entrar ilegalmente no território ou exceder o prazo de permanência”, de acordo com a agência da ONU. Regra geral, a China respeita o princípio de ‘non-refoulement’, mas foram documentados casos de requerentes de asilo, inclusivamente registados junto do ACNUR, deportados para o país de origem. Os norte-coreanos não são, porém, o único calcanhar de Aquiles. A título de exemplo, em 2012, a organização não-governamental Human Rights Watch denunciou a deportação de milhares de birmaneses da etnia kachin, incluindo crianças, que fugiram da guerra civil, que estalara em Junho do ano anterior, com destino à província chinesa de Yunnan. Assunto controverso A crise dos refugiados que estalou na Europa colocou ainda mais os holofotes sob o papel da China que, sem deixar de ser um país em desenvolvimento, elevou-se a segunda economia mundial. Num artigo de opinião, publicado no ano passado, pela revista Foreign Policy, Yun Sun, especialista em política externa da China no Stimson Center, de Washington, não tem dúvidas de que o assunto dos refugiados é “muito controverso”. “A justificação oficial para a sua inacção é a de que a crise dos refugiados foi criada por turbulências políticas internas, em países como a Líbia, Síria e Afeganistão” e que “os países ocidentais patrocinaram campanhas para derrubar ditadores que eventualmente levaram a guerras civis e a crises de refugiados”, observou. Por isso, do ponto de vista político, Pequim argumenta que para resolver a crise dos refugiados primeiro tem de ser restaurada a ordem nesses países, apontou Yun Sun, sustentando que, nessa linha, “a posição da China é a de dar contributos financeiros através do ACNUR e de acordos bilaterais (…) ou disponibilizar mais recursos para o assentamento de refugiados noutros países”. A 20 de Junho, Dia Mundial do Refugiado, o Global Times publicou os resultados de uma sondagem ‘online’, dando conta de que mais de 97 por cento da população estava contra a ideia de a China acolher refugiados de outros países. A pesquisa, realizada ao longo de uma semana no Sina Weibo, contou com uma amostra de 210 mil pessoas. “Por que razão deve a China limpar a confusão causada por outros países como os Estados Unidos? A maioria dos refugiados vem de lugares ameaçados por extremistas religiosos e acolhê-los pode afectar a paz na China”, escreveu um internauta. “A China não implementou a política de filho único durante décadas para ganhar espaço para refugiados”, assinalou outro, segundo o jornal em inglês do grupo do Diário do Povo, o órgão oficial do Partido Comunista da China (PCC). “Os refugiados resultam de movimentos irresponsáveis dos Estados Unidos e de alguns países ocidentais e a China não deve ser ‘moralmente sequestrada’ para assumir um papel de liderança a receber refugiados”, afirmou, ao mesmo jornal, Li Yunlong, professor de estudos internacionais na Escola do Comité Central do PCC, apontando que a China tem desempenhado “um papel positivo” ajudando a desenvolver economias locais em países a braços com guerras. Segundo o relatório anual do ACNUR, publicado em Junho, no final do ano passado, existiam mais de 25 milhões de refugiados, do total de 68,5 milhões de deslocados por guerras e conflitos em todo o mundo. A China acolhia um universo de 321.718 refugiados (dos quais 217 contavam com assistência do ACNUR e 721 eram requerentes de asilo a aguardar resposta).
Diana do Mar ReportagemRefugiados | Governo viola prazos para apreciar pedidos [dropcap]J[/dropcap]uristas contactados pelo HM não têm dúvidas: o caso de Antoin mostra que o Governo está a actuar ao arrepio da lei, ao não cumprir prazos para decidir sobre pedidos de reconhecimento do estatuto de refugiado. Isto porque no cômputo de todas as etapas do processo – desde a apresentação do pedido, passando pela instrução, até à decisão final – não poderia exceder o limite de um ano e quatro meses Vamos por partes: a Comissão para os Refugiados tem, no máximo, um ano para avaliar o pedido e dez dias adicionais para submeter uma proposta ao Chefe do Executivo à luz da lei 1/2004 que não especifica de quanto tempo este dispõe para tomar uma decisão final. Em princípio, ao abrigo do Código de Procedimento Administrativo (CPA), são 15 dias. No entanto, alguns juristas ouvidos por este jornal entendem que, na prática, será preciso esperar 90, prazo a partir do qual, na ausência de uma decisão, considerar-se-á indeferimento tácito (o que abre caminho para o interessado exercer o direito de impugnação). É o que defende, por exemplo, António Katchi, apesar de ressalvar que, no caso em particular, a decisão tácita de indeferimento seria, na verdade, “ilegal”, desde logo pela “falta de fundamentação”, exigida no caso em concreto. Assim, somados todos os prazos – ou seja, desde a apresentação do pedido até à decisão final – teríamos um ano e quatro meses, como sintetizou o professor do Instituto Politécnico de Macau (IPM). O prazo entre o início e o fim da instrução do processo é de 30 dias, prorrogáveis por períodos iguais, até ao máximo de um ano, como referido anteriormente. Mas quem tem competência para prorrogar o prazo de instrução? António Katchi diz não ter encontrado uma “resposta clara e inequívoca”, embora entenda que o mais razoável é que tal caiba ao Chefe do Executivo, após pedido da Comissão. A longa espera de Antoin não é única nem conjuntural. Além de existir actualmente outro caso pendente que deu entrada também há pelo menos cinco anos (VER CAIXA), em 2011, por exemplo, um afegão tinha o seu pedido sob análise há mais de oito anos. A informação foi facultada, à altura, pelo próprio presidente da Comissão para os Refugiados, num dos raros momentos em que prestou declarações. Desconhece-se o desfecho, ou seja, por quanto tempo mais ficou à espera de uma resposta (se ficou), sendo apenas certo que a sua pretensão de ser reconhecido como refugiado foi negada. Segundo adiantou, o mesmo responsável, Macau tinha recebido 15 pedidos, entre 2002 e Setembro de 2011, incluindo um que ficou sem efeito após a morte do requerente. Mas o que pode fazer o visado perante a prolongada demora de uma decisão? António Katchi explica: pode intentar um recurso contencioso, junto do Tribunal de Segunda Instância (TSI) ou uma acção administrativa “para condenar a Administração a tomar uma decisão expressa sobre o pedido de concessão do estatuto de refugiado”. Se optar pela primeira via, tem um prazo de um ano, enquanto para a acção administrativa não haveria limite temporal. Ora, se o Chefe do Executivo tivesse indeferido o pedido, o prazo de recurso contencioso seria de apenas 15 dias. O que diz o ACNUR O HM endereçou uma série de perguntas, incluindo sobre o prolongado tempo de espera dos requerentes, ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) que remeteu, porém, a maior parte das respostas para a Comissão para os Refugiados. “Em geral, acreditamos que a prioridade é garantir que os indivíduos tenham acesso a um processo atempado, justo e eficiente. É igualmente crucial que os requerentes de asilo possam permanecer em segurança no território e não sejam enviados para um local onde as suas vidas possam ser colocadas em risco”, afirmou o ACNUR. O HM voltou a insistir nos prazos, mas a resposta não foi mais além: “O que descrevemos é o objectivo global e estamos disponíveis para facultar aconselhamento e apoio de modo a ajudar as autoridades a alcançar” essa meta. “Nós não ‘avaliamos’ o trabalho das autoridades locais e não podemos tecer comentários relativamente a casos individuais por razões de confidencialidade”, indicou a agência da ONU, quando questionada sobre o facto de Macau nunca ter concedido o estatuto, inclusive em casos em que o próprio ACNUR o recomendou. Mais crítico é o relatório, datado de Março, submetido pelo ACNUR ao Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, para a avaliação periódica universal. “O processo dos pedidos de asilo pendentes estancou, com pouco ou nenhum progresso registado nos últimos anos, apesar de haver prazos claros estipulados na sua legislação”, diz o documento que elenca mesmo potenciais razões por detrás dessa falha. “Um dos principais obstáculos observados prende-se com a incapacidade dos membros do Governo que formam a Comissão para os Refugiados de convocar formalmente reuniões devido a outras responsabilidades”, assinala o ACNUR, em referência ao facto de os membros do referido organismo exercerem funções importantes a tempo inteiro. Tanto que recomenda mesmo alterações ao artigo que regula a composição da Comissão para os Refugiados, “a fim de permitir a participação de membros apropriados que sejam capazes de participar na determinação do estatuto de refugiado e aplicar a lei de forma atempada”. Caritas | Paul Pun defende sistema de quotas para refugiados O secretário-geral da Caritas defende que Macau podia ter um sistema de quotas para refugiados. “Macau tem oportunidade [de fazer algo] porque tem capacidade financeira e, depois, goza de estabilidade e tem sistemas de segurança social e de saúde sólidos, pelo que se pudéssemos disponibilizar uma determinada quota para apoiar o trabalho do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) seria maravilhoso”, realça Paul Pun, ao HM. “Imaginemos que Macau assume a responsabilidade de acolher 50 ou 100 pessoas por ano. Já era bom, certo? Não estamos a falar de milhares, algo que provavelmente a sociedade também não aceitaria”, apontou. Para o também presidente da Associação de Beneficência dos Refugiados tal permitiria ao Governo perder o receio de um eventual fluxo em massa. Paul Pun reconhece que “há muitos que podem vir por razões económicas”, mas adverte para a importância de se “proteger os que são realmente requerentes de asilo”. “Se tivermos um bom sistema, avaliando caso a caso, gerindo-os de uma forma sábia, podemos excluir facilmente os primeiros”, insiste. Macau devia “preocupar-se mais” com o “assunto global” dos refugiados, “mesmo não havendo muitos” no território, salienta Paul Pun, para quem “o Governo devia ter um papel mais pró-activo”. O secretário-geral da Caritas dá o exemplo da assistência. “Há apoio suficiente, como o subsídio ou alojamento, mas o apoio psicológico vem de nós”, ou seja, das organizações não-governamentais, isto sem que haja “uma cooperação formal”. A Caritas funciona como suporte para muitos dos que chegam e procuram a instituição por iniciativa própria, nomeadamente para se juntarem a acções de voluntariado, uma vez impedidos de trabalhar. Paul Pun entende ainda que, volvidos quase 15 anos desde a entrada em vigor do regime de reconhecimento do estatuto de refugiado, está na hora de fazer um balanço. “Era bom passá-la em revista ao fim de tanto tempo e rever a sua aplicação”.
Andreia Sofia Silva China / ÁsiaXi Jinping chegou ontem a Madrid e reuniu com Felipe VI [dropcap]O[/dropcap] presidente chinês Xi Jinping chegou ontem à capital espanhola para uma visita oficial de três dias, seguindo depois para Lisboa e posteriormente para a América Latina. De acordo com a agência noticiosa Xinhua, Xi Jinping reuniu com o rei Filipe VI com o intuito de reforçar laços de amizade e de cooperação entre a China e Espanha. No encontro, que decorreu no Palácio de Zarzuela, Xi Jinping lembrou que os dois países estabeleceram uma “parceria estratégica” em 2005 e que desde então têm vindo a reforçar os laços bilaterais, bem como “a confiança política mútua”. “Os laços sino-espanhóis estão no melhor período da sua história. Estou plenamente confiante no futuro desta relação bilateral”, apontou Xi Jinping, citado pela Xinhua. O presidente chinês disse também que “os dois lados devem intensificar a cooperação em áreas como a economia, comércio, turismo e mercados terceiros com ligação à iniciativa ‘Uma Faixa, Uma Rota’, bem como trazer a parceria sino-espanhola para um novo nível que possa trazer melhores benefícios a ambas as populações”. Do lado espanhol, o rei Felipe VI lembrou que este ano marca os 45 anos do estabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países, bem como os 40 anos da primeira visita realizada à China por parte do anterior rei e pai de Felipe VI, Juan Carlos I. “Espanha valoriza a amizade e cooperação com a China”, frisou. O jornal espanhol ABC publicou uma carta assinada por Xi Jinping, intitulada “De mãos dadas para o esplendor de uma Nova Era”. A viagem de Xi Jinping ao ocidente acontece também devido à presença do governante na cimeira do G20, que acontece em Buenos Aires, capital da Argentina. Uma passagem pelo Panamá também está na agenda.
Hoje Macau DesportoLiga dos Campeões | Treinador do FC Porto fala das dificuldades no jogo contra Schalke 04 [dropcap]O[/dropcap] treinador do FC Porto, Sérgio Conceição, considerou ontem que o embate de hoje, com o Schalke 04, “será o mais difícil esta fase de grupos” da Liga do Campeões de futebol. O técnico dos ‘dragões’ elogiou o adversário alemão, lembrando que o Schalke tem vindo a justificar o estatuto de vice-campeão do seu país, e que mesmo não tendo começado bem época “tem vindo melhorar”. “É uma equipa fortíssima, tem como base um sistema táctico diferente do habitual, que cria dificuldades aos adversários. Arrisco-me a dizer que amanhã [quarta-feira] vamos ter o jogo mais difícil desta fase de grupos”, disse Sérgio Conceição. O técnico do FC Porto lembrou que o único golo sofrido pela formação germânica em quatro jornadas do Grupo E foi frente aos ‘dragões’, no jogo inaugural, que terminou com empate 1-1, usando esse dado para antecipar as dificuldades que espera neste duelo. “Ao contrário do que disse um comentador de polémica desportiva, que o Schalke era uma equipa mais fraca do que o Qarabag, considero que este é um adversário muito combativo e forte nos duelos. São rápidos e objectivos, e temos de estar precavidos para isso. Estamos num grupo muito equilibrado”, sublinhou o treinador dos ‘azuis e brancos’. Mesmo sabendo que um empate será suficiente para o FC Porto garantir a passagem aos oitavos de final, Sérgio Conceição assegurou que o foco da sua equipa está na vitória. “Encaramos todos jogos com mesmo propósito: ganhar os três pontos e fazer uma boa prestação. Para o jogo de amanhã [quarta-feira] mantemos essa vontade de sermos iguais a nós próprios, sabendo que a vitória nos dará o primeiro lugar”, garantiu o técnico, que soma oito vitórias consecutivas. Também na antevisão a este duelo com o Schalke 04 esteve o médio espanhol Oliver Torres, antecipando “um jogo difícil, que pode ser decidido pelos detalhes”. “Vai ser um jogo muito difícil, porque o adversário precisa de pontuar, tal como nós para garantirmos a qualificação. Estes jogos decidem-se em pequenos detalhes e temos de estar muito concentrados”, analisou o médio. Para Oliver Torres, o segredo do sucesso do FC Porto tem sido o “trabalho, concentração, rigor e ambição”, predicados que diz partilhar para, nos últimos jogos, ter reconquistado uma posição mais relevantes nas escolhas de Sérgio Conceição. “Tive muitas conversas com o treinador. Ele foi claro no que me estava a faltar para ter lugar. Tento treinar da melhor maneira, aprender e ajudar os companheiros. Para mim, jogue 10, 60, 90 ou zero minutos, vou estar sempre a dar melhor pela equipa”, disse o médio espanhol. Os ‘dragões’ têm a maior parte das suas opções disponíveis para este desafio, mas não podem contar com o lesionado Aboubakar, e com Soares, que não foi inscrito para esta primeira fase da Liga dos Campeões.
Hoje Macau DesportoDakar 2019 terá 17 portugueses e será “um dos mais duros de sempre” [dropcap]A[/dropcap] edição de 2019 do rali Dakar terá 18 portugueses a participar e será “uma das mais duras de sempre”, revelaram ontem os organizadores, na cerimónia de apresentação da prova, que decorreu em Paris. “Será um Dakar fora do normal. Pela primeira vez decorre num único país, terá dez dias e com uma geografia em que 70% serão areia e dunas”, revelou o director da competição, o francês Etienne Lavigne. Entre os dias 7 e 17 de Janeiro, a caravana enfrenta cerca de 5.000 quilómetros, dos quais 3.000 cronometrados, mas o responsável da Amaury Sport Organization (ASO) avisa que esta edição, totalmente disputada no Peru, será “uma das mais duras de sempre”. “Este ano, enfrentamos terrenos que exigem uma boa preparação física. As dunas e a areia são cenários que exigem muita técnica e conhecimentos de pilotagem. A somar a isso há a navegação, a orientação no labirinto de dunas. É preciso encontrar o caminho certo e passar os pontos obrigatórios do percurso. Isso implica três exigências, um Dakar físico, um Dakar técnico, um Dakar difícil”, explicou Etienne Lavigne. A partida será dada em 7 de Janeiro, em Lima, aonde a caravana regressa no dia 17. Entre os 534 participantes, divididos pelos 334 veículos inscritos, há 17 portugueses. Paulo Gonçalves (Honda), Joaquim Rodrigues Jr. (Hero), Mário Patrão (KTM), David Megre (KTM), Fausto Mota (Yamaha), António Maio (Yamaha), novo campeão nacional, Sebastian Bühler (Yamaha) e Miguel Caetano (Yamaha), participam na competição das motas. Nos automóveis participa Pedro Mello Breyner, num Alta Ruta 4×4 Peru, navegado pelo peruano Juan Godoy. O navegador alentejano Filipe Palmeiro estará, desta vez, ao lado do checo Boris Garafulic, num MINI da X-Raid Na categoria de SxS, que tem este ano o dobro dos participantes (30), estará Miguel Jordão, num Can Am, navegado pelo brasileiro Lourival Roldan. Também o antigo campeão nacional de todo-o-terreno, Ricardo Porém, garantiu vaga pela primeira vez, com um Can Am, navegado por Jorge Monteiro. Também Bruno Martins (Can Am) e Rui Ferreira estarão presentes. Nos camiões, José Martins volta a ser o condutor do DAF, navegado pelo francês Jean-Jacques Martínez e pelo espanhol Jordi Obiols. Em 2019 haverá mais nove participantes do que na edição deste ano. São 126 carros, 167 motas e 41 camiões. Tal como em 2018, os carros serão os primeiros a partir na segunda etapa. Na quinta e na nona, a partida será em grupo, enquanto que na oitava, em Ica, serão os dez primeiros classificados da jornada anterior nos carros, os dez primeiros nas motas e os cinco primeiros nos camiões a saírem na frente. A etapa maratona, em que os pilotos não podem receber assistência externa, será entre o quarto e o quinto dia. Esta 41.ª edição do Dakar terá um recorde de estreantes (135 pilotos, o que corresponde a um terço). É também a edição com mais pilotos femininos (17) desde que a prova passou para a América do Sul, em 2009.
Hoje Macau DesportoBenfica sofre goleada em Munique e segue para a Liga Europa [dropcap]O[/dropcap] Benfica ficou ontem fora da luta pelo acesso aos oitavos de final da Liga dos Campeões em futebol, ao ser goleado por 5-1 no reduto do Bayern Munique, que se qualificou, na quinta jornada do Grupo E. Arjen Robben, aos 13 e 30 minutos, Robert Lewandowski, aos 36 e 51, e Franck Ribéry, aos 76, apontaram os tentos dos bávaros, enquanto Gedson Fernandes, aos 46, facturou para os ‘encarnados’, que seguem para a Liga Europa. Na classificação, em que falta só determinar quem será o primeiro classificado, os bávaros lideram, com 13 pontos, contra 11 do Ajax, quatro do Benfica e nenhum do AEK Atenas, que visita a Luz na última ronda, em jogo para ‘cumprir calendário’.
Hoje Macau China / ÁsiaTrump vai reunir-se com líderes da Rússia e China na cimeira do G20 [dropcap]O[/dropcap] Presidente dos Estados Unidos da América vai ter reuniões bilaterais com vários líderes na cimeira do G20, que decorre na sexta-feira e no sábado na Argentina, incluindo os seus homólogos da Rússia e da China, foi ontem anunciado. “O Presidente e a delegação [dos EUA] vão interagir com vários dirigentes, incluindo reuniões bilaterais com o Presidente da Argentina, o Presidente da Rússia, o primeiro-ministro japonês e a chanceler da Alemanha, e um jantar de trabalho com o Presidente chinês”, disse Sarah Sanders, porta-voz do executivo norte-americano. O Presidente norte-americano, Donald Trump, também irá reunir-se com os líderes da Turquia, Índia e Coreia do Sul, segundo afirmou John Bolton, conselheiro da Segurança Nacional. Questionado se estava previsto um encontro entre Donald Trump e o príncipe saudita Mohammed bin Salman na cimeira do G20, John Bolton respondeu negativamente, explicando que o programa de reuniões bilaterais “já está completo”. Apesar das declarações de Bolton, Sarah Sanders não descartou a hipótese de uma reunião informal com os sauditas. A reunião do grupo das 20 principais economias do mundo realiza-se em Buenos Aires.
Hoje Macau China / ÁsiaPelo menos 22 mortos em explosão junto a fábrica de produtos químicos na China [dropcap]P[/dropcap]elo menos 22 pessoas morreram e outras 22 ficaram feridas numa explosão perto de uma fábrica de produtos químicos na cidade chinesa de Zhangjiakou, no norte da província de Hebei, segundo as autoridades locais. Fontes do governo local citadas pela agência de notícias estatal Xinhua informaram que a explosão ocorreu às 00h41 de hoje e que os feridos foram transportados para o hospital. O fogo que resultou da explosão que ocorreu perto da Hebei Shenghua Chemical Industry de Zhangjiakou alastrou para 38 camiões e 12 outros veículos. A televisão pública CGTN noticiou na sua conta na rede social Twitter que o fogo foi controlado. Fotografias publicadas no Twitter pelo jornal oficial Diário do Povo mostram veículos carbonizados e uma espessa nuvem de fumo preto num recinto vedado. As autoridades estão a investigar as causas que motivaram a explosão.
Hoje Macau China / ÁsiaBrasil e China assinam memorandos de entendimento sobre pescado e fruta [dropcap]D[/dropcap]ois memorandos de entendimento foram ontem assinados entre os governos da China e do Brasil, na área do pescado e da fruta, informou o Governo brasileiro em comunicado. Um dos memorandos abrange a área de pescado, para avançar a partir do próximo ano, e o outro foi assinado com o objectivo de finalizar um protocolo relativo à comercialização de fruta. O ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento brasileiro, Blairo Maggi, e o ministro da Administração Geral da Alfândega Chinesa, Ni Yuefeng, que é responsável pela autorização da entrada no país de animais e vegetais, assinaram os documentos numa audiência realizada em São Paulo, no Brasil. O governante brasileiro informou ainda que está em curso uma missão chinesa no Brasil, no âmbito da carne de aves e bovina. “Caso haja aprovação, haverá um novo e grande impulso nas exportações de produtos de origem animal para aquele país. O Brasil já é o maior exportador de carne bovina para a China”, afirmou Blairo Maggi. Os memorandos de entendimento surgem depois da polémica entre a República Popular da China e o recém-eleito Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, quando este último criticou o país asiático durante toda a sua campanha eleitoral. Através da publicação de um editorial no principal jornal estatal chinês, o China Daily, a China avisou Jair Bolsonaro de que se seguir a linha do Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, e romper acordos com Pequim, quem sofrerá será a economia brasileira. Antes, em Fevereiro, o político da extrema-direita visitou ainda a região de Taiwan, o que também não agradou a Pequim. No entanto, Jair Bolsonaro negou no passado dia 10 ter problemas com a China e afirmou querer estabelecer comércio com vários países sem “viés ideológico”. “Alguma imprensa fala que vamos ter problemas com a China. Não temos problemas nenhuns com a China. Recebi na semana passada o embaixador da China e conversámos bastante. Já recebi também o embaixador dos Estados Unidos da América. (…) Alguns países estão muito felizes com a nossa eleição porque deixarão de fazer comércio com o Brasil com o viés ideológico”, afirmou Jair Bolsonaro, na sua conta da rede social Facebook.
Hoje Macau China / ÁsiaPresidente tanzaniano critica Ocidente que ameaça retirar apoios e elogia China [dropcap]O[/dropcap] Presidente da Tanzânia, John Magufuli, criticou ontem a posição de vários países e organizações ocidentais, que ameaçam retirar apoios financeiros, e elogiou a presença chinesa no país, que diz “oferecer ajuda sem condições”. “As coisas grátis são na verdade caras, essencialmente quando são dadas por alguns países”, disse o chefe de Estado, aludindo à posição tomada por alguns países doadores, que ameaçaram retirar fundos de ajuda fundamentais para o país. As declarações surgem depois de alguns dos países e organizações doadoras terem ameaçado retirar fundos necessários ao país, justificando as medidas com a deterioração das condições humanitárias na Tanzânia. A Dinamarca está a reter as 65 milhões de coroas (cerca de 8,7 milhões de euros) em ajuda externa ao país, depois de o comissário regional de Dar Es Salam ter feito “comentários homofóbicos inaceitáveis” que também levaram a União Europeia a rever o seu apoio financeiro. O Banco Mundial suspendeu um empréstimo de 300 milhões de dólares destinado à educação, depois da proibição criada pelo Estado em readmitir alunas que tenham estado grávidas. “As únicas coisas realmente grátis são as fornecidas pela China”, afirmou Magufuli, durante a abertura da biblioteca da Universidade de Dar Es Salam, capital do país, uma infraestrutura de 90 mil milhões de xelins (cerca de 34.630 milhões de euros) construída com um fundo chinês. “A China é uma verdadeira amiga que oferece ajuda sem condições”, acrescentou o chefe de Estado da Tunísia, citado pela Bloomberg. Vários grupos de defesa dos direitos humanos avisaram que a economia tanzaniana está a ser prejudicada. As autoridades da Tanzânia são acusadas de deter membros da oposição e defensores da liberdade de imprensa, assim como de recusar serviços médicos e tratamento para o VIH a membros da comunidade Lésbica, Gay, Bissexual, Transsexual e Intersexo (LGBTI).
Hoje Macau China / ÁsiaONG pede à Índia que abandone buscas por norte-americano morto por indígenas [dropcap]U[/dropcap]m grupo de defesa dos direitos humanos pediu às autoridades indianas que abandonem os esforços para recuperar o corpo de um norte-americano que terá sido morto por indígenas numa ilha onde apenas é permitida a presença a locais. A organização não-governamental (ONG) Survival International, que trabalha para proteger os povos indígenas, alertou em comunicado na segunda-feira que os habitantes locais podem ser expostos a doenças mortais se os elementos das equipas de resgate pisarem na ilha Sentinela do Norte, onde John Allen Chau foi morto no início deste mês. As notas que Chau deixou para trás revelaram que o missionário queria levar o cristianismo aos indígenas. Equipas das autoridades indianas viajaram por várias vezes nos últimos dias perto daquela ilha remota, mas ainda não procederam a qualquer desembarque. Os estudiosos acreditam que os indígenas são descendentes de africanos que migraram para aquela área há cerca de 50 mil anos. Os indígenas terão matado o turista norte-americano que se arriscou a chegar a uma ilha indiana remota no arquipélago de Andamão e Nicobar, no Oceano Índico, cujo acesso é proibido para proteger o povo que a habita, disse fonte policial. “O turista é cidadão norte-americano e foi visto pela última vez no passado dia 16 de Novembro pelos pescadores que o acompanharam até à ilha Sentinela do Norte”, explicou Jatin Narwal, porta-voz da Polícia de Andamã, na baía de Bengala. As autoridades desconhecem até agora de que forma o turista morreu, ainda que segundo a imprensa local a vítima tenha morrido pelo impacto de flechas, pouco depois de ter posto os pés na ilha. Ao longe Frequentemente descrita como a tribo mais isolada do planeta, os habitantes da ilha Sentinela do Norte vivem num regime de autossuficiência. O Governo indiano proíbe a aproximação a menos de cinco quilómetros da ilha. Segundo a Survival International, os indígenas que habitam a ilha há 55.000 anos mataram em 2006 dois pescadores que se aproximavam da costa. A população indígena das ilhas Andamã conta com 28.077 indivíduos, segundo dados da Comissão Nacional Para as Tribos (NCST). As ilhas Andamão e Nicobar, situadas a cerca de mil quilómetros do território da Índia, eram pouco visitadas até à época colonial, permitindo que as tribos mantivessem intacta a sua forma de vida.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO não-consentimento [dropcap]C[/dropcap]uecas sensuais não são sinal de consentimento. Eu sei, a cultura popular faz-nos acreditar que as mulheres só usam um par de cuecas rendilhado e sensual quando estão interessadas em envolver-se com alguém. Mas também sabemos que as mulheres podem bem usar uma cueca rendilhada e acetinada porque lhes apetece. O problema é que as instituições de justiça podem ser um poço acrítico do que as séries de comédia têm a dizer sobre relações humanas e sexuais – como aconteceu recentemente na Irlanda. Digo isto porque é bastante caricaturado na cultura popular – assim de repente vem-me à cabeça a Bridget Jones – o facto de nós, mulheres, querermos estar bem apresentadas antes de um potencial encontro sexual. Por isso não tenho outra forma de julgar as escolhas do tribunal irlandês como caricatas também. ‘Supostamente’ nós temos muito em que pensar antes do sexo. Assim se aplica aos pêlos que devemos arrancar, às roupas sensuais e à roupa interior á là victoria secret que devemos utilizar. E isso inclui uma tanga rendilhada. O meu coração morre um bocadinho sempre que vejo a acontecer certas e determinadas barbaridades. Primeiro, porque o mundo ocidental é presunçoso ao achar-se um poço de sensibilidade progressista e, segundo, porque a tentativa de mostrar que certas relações de poder estão a favorecer opressores e não os oprimidos parece que continua a não ser óbvia. A clássica culpabilização da vítima sempre me irritou, mas usarem como prova um par de cuecas é absolutamente escandaloso. Sociedades ditas desenvolvidas, o tanas. Perdoem-me o pessimismo, mas lá por se ter taxas de mortalidade baixas, boas condições de higiene e de saúde e um nível de educação mais alto salva-nos parcialmente de um regime patriarcal e opressor. Porque digamos – ao que que querem chamar ter-se usado um par de cuecas como prova para ilibar um violador e, pior, o facto de ter resultado? Mas eu percebo, sou uma pessoa extraordinariamente compreensiva. E eis a minha explicação para que estas coisas continuem a acontecer: cada um de nós tende a interiorizar certas dinâmicas de relação (sejam quais forem, de raça, género, etnia, idade), ou estereótipos, se quiserem. E há uma representação silenciosa que de alguma forma dita que os homens são os dominadores do sexo e as mulheres as dominadas. Não é por acaso que a violação demorou muito tempo para ser considerada um crime, porque infelizmente era normalizada, e de alguma forma, ainda o é. Por isso algumas pessoas ainda têm dificuldade em perceber como é que alguém pode ser violado se, por exemplo, se encontra numa relação amorosa com essa pessoa. Eu percebo. Mas é extremamente frustrante a luta contra estas expectativas medievais de como um homem, uma mulher e o sexo funcionam. Porque também não é por acaso que um caso de violação onde a mulher é a violadora e o homem o violado seja muito difícil de encontrar. Não é porque não aconteça – porque acontece. Mas já é pedir muito à imaginação do comum mortal pensar que um homem – o suposto dominador – possa ser uma vítima também. Quando comecei a ver posts nas redes sociais com cuecas de renda e a dizer ‘não é consentimento’ fiquei seriamente confusa sobre o que se tratava. Talvez porque mesmo que tente compreender as (nossas) mentes ainda envenenadas com expectativas enviesadas, ainda seja ingénua – e ainda me deixo escandalizar. Se o facto de usar cuecas de renda faz com que eu possa ser culpabilizada por uma violação, mais vale não usarmos esse tipo de cuecas de todo. Aliás, o melhor será taparmos os nossos corpos para que o pénis masculino não sinta a tentação da carne. Como se fosse um objecto de mecânica simples – reacção e acção. Simples. Mais vale usarmos o que nos tape da cabeça aos pés? Ou, talvez seja melhor nem sair de casa.
João Santos Filipe DesportoCharles Leong finaliza Campeonato Asiático de F3 no 4.º lugar [dropcap]C[/dropcap]harles Leong terminou a primeira participação no Campeonato Asiático de Fórmula 3 num quarto lugar, a 82 pontos do vencedor. O piloto de Macau foi o melhor piloto asiático do campeonato, atrás dos britânicos Raoul Hyman e Jake Hughes, primeiro e segundo classificados, e do norte-americano Jaden Conwright. Ao longo do ano, o piloto da Dragon Hitech GP somou seis pódios, com um segundo lugar e cinco terceiros lugares, tendo alcançado a melhor posição na primeira ronda do campeonato, disputada no Circuito Internacional de Sepang. Contudo, ao HM, o piloto admite que esperava mais da época de estreia. “Não é o lugar em que esperava terminar o campeonato. Sinto que tive muito azar nas últimas corridas. De uma certa forma, senti que toda a minha má sorte se acumulou para me afectar, principalmente na última ronda do campeonato”, disse Charles Leong, piloto local. “A nível de resultados foi um ano que não correspondeu às minhas expectativas, queria ter ficado melhor classificado, mas não foi possível”, acrescentou. Charles Leong tinha chegado à última ronda do campeonato com hipótese de lutar pelo terceiro lugar. Contudo, problemas com o carro em duas das três corridas impediram-no de se aproximar de americano Jaden Conwright, não indo além de um 13.º e de um 15.º lugares. Na última corrida do fim-de-semana, acabou por chegar ao nono lugar, depois de ter arrancado do fim da grelha. Já o americano selou a questão do lugar mais baixo do pódio com um terceiro lugar na última corrida e ainda com os oito pontos do sexto lugar, logo na primeira corrida do fim-de-semana de provas na Malásia. Futuro em aberto Em aberto continua ainda o futuro do piloto, que vai estar entre 6 e 9 do próximo mês a participar Taça Internacional de Macau KZ, em Coloane. Este é um facto que também se fica a dever às alterações no Campeonato Europeu de Fórmula 3, que vai integrar o campeonato GP3, mudando o nome para Campeonato Internacional de Fórmula 3. Por este motivo há ainda uma grande incerteza entre as diferentes equipas que competem nas duas categorias: “Neste momento ainda há muita indefinição sobre o futuro da modalidade, devido às alterações na Fórmula 3, com o novo campeonato. Nem as equipas sabem muito bem o que se vai passar. Por isso estamos todos na expectativa e ainda não sei o que vai acontecer no próximo ano”, reconheceu. “Mas espero poder ir competir para a Europa”, frisou.
Nuno Miguel Guedes Divina Comédia h | Artes, Letras e IdeiasSomos ladrões [dropcap]S[/dropcap]e conseguir escapar à proverbial (e desejável) ingratidão que rege a memória da música popular, a Canção Infinita de Manuel Fúria & Os Náufragos irá sobreviver-nos. Nesses seis minutos e dezassete segundos o cantor e autor faz uma viagem ao seu passado afectivo – as primeiras leituras, as primeiras audições, as cumplicidades juvenis que estão na base de todas as descobertas, a sua geografia de adolescente – e à sua condição de criador. Revisita heróis musicais, cita-os, invoca-os. A própria base harmónica da canção é construída deliberadamente sobre os mesmos acordes de Ceremony, tema incluído no primeiro single dos New Order, ex-Joy Division – o primeiro a ser editado depois da morte trágica de Ian Curtis e ainda com as suas palavras. Duas referências de Fúria, que depois de citar os primeiros versos de Curtis lança a extraordinária confissão e constatação: “Sou um ladrão!” , afirmação que pode ser aplicada ao longo da história da arte. Nada vem do nada e a criação artística, por mais rupturas que deseje fazer, não pode fugir a esta condição humana, felizmente humana. Mas Canção Infinita lida também com a memória num estado particular – a nostalgia. Há um passado idealizado e a dor mansa de não lá poder regressar – no fundo o que está na etimologia da própria palavra: do grego nóstos (reencontro) e álgos (dor, sofrimento). E sempre foi algo em que não confiei. Ao longo do tempo, o próprio conceito (que foi outrora considerado condição patológica, como a melancolia) foi adulterado, tornado mercenário e mercantil. O mercado da saudade aumentou e a nostalgia perdeu a sua inocência mais ou menos contemplativa. Por mim, se perguntado, respondo da mesma forma, com um neologismo pateta mas eficaz: sou agnostálgico. Quer dizer, preciso da nostalgia mas não a quero como normalmente me é entregue. O inebriamento de passado é perigoso pelo simples facto de que nos podemos esquecer de viver agora – e isso sim, é imperdoável. Sobre a nostalgia já fui mais inamovível: recusava-a, pura e simplesmente. Manifestações colectivas da coisa, como reuniões de bandas que admirei em jovem, eram evitadas com cinismo e precisão. De certa forma ainda o são. Lembro-me sempre das palavras de Eric Idle, um dos Monty Python, ditas aquando da mítica reunião do grupo de humoristas em 2014:«As pessoas não vêm ver um grupo de velhos a dizer piadas. Vêm para se lembrarem como eram quando eram novas». Ainda acho que Idle tem razão. Mas a agnostalgia, tal como a entendo, não é um dogma mas uma atitude – e como tal falível. O único truque consiste em estar bem com essa falibilidade porque é de imperfeição de que somos feitos e queremos ser feitos. Há pouco tempo tive a oportunidade de pôr à prova esta teoria, durante um concerto em que tocou Fúria e logo a seguir um dos meus ídolos musicais: Johnny Marr, antigo guitarrista dos The Smiths, banda que atropelou a minha vida em 1983 e a de muita gente. Ainda continua a fazê-lo. Preparei-me para o embate com a dignidade possível, mas durou pouco: o som da guitarra de Marr, os acordes de canções que sei de cor e com que ainda vivo deixaram-me literalmente em lágrimas. Nostalgia ou não, sei que é bom isto acontecer. Que uma canção que nos comove é uma canção que nos redime. E assim aceito a nostalgia, nesta perspectiva de tornar a nossa existência menos sofrível. Somos ladrões, sim; mas também ladrões do tempo.
João Paulo Cotrim h | Artes, Letras e IdeiasO grão da surpresa Horta Seca, Lisboa, 17 Novembro [dropcap]A[/dropcap] língua pode ser revista. Traz promessa de passar em revista o alfabeto inteiro começando pela letra primeira, a de Atlântico. Chega-se com nome que não podia ser mais feliz: linguará. Não por acrescentar princípio a língua, toque que amplifica, até porque A de perfil faz altifalante, mas por ser, em algum dos muitos afluentes semeados na outra banda oceânica, sinónimo de intérprete (de branco para índio e vice-versa, na origem, a evitar nos dias correctos). Em tempos brutos, a subtileza com que se anuncia vem portadora de imensa frescura: «uma revista pela língua portuguesa». Com a densa simplicidade do azul, são cadernos A4, que só não voam porque e linha na lombada os mantém próximos da mão. Orquestrada pela Maria José [Amorim] e companheiras, Carla Paoliello e Priscilla Ballarin – que também desenha, com amplitude e afecto, esta edição (http://www.revistalinguara.com) a aventura toca-me pela leveza com que apresenta as múltiplas, fugazes, desafiantes cambiantes da língua. Na vez de publicar ruído, digo, redundâncias tonitruantes, convoca para a frente do espelho fragmentos, restos que, por vezes, nos fazem falsos amigos, noutras nos atiram para longo beijo de língua. Faz tanta falta este amoroso descomprometimento que reúna no mesmo lugar, no mesmo falar, o astrofísico e a o alfaiate, o mecânico e o místico, o malabarista e merceeiro. Ou seja, mais do que longos e académicos ensaios, encontramos pormenores ampliados, ligações avulso que produzem sentido. O artesanato material e o linguajar comum cruzam-se com a pesquisa erudita e a aspiração artística para fazerem primaveras. Andorinha, a palavra ergue-se rainha, mas não desdenha a imagem, como nas fotos de lugares homónimos ou na caligrafia artística em busca de azulejo onde se eternizar. O intérprete faz-se ponte movediça entre tudo e mais alguma coisa. O puro prazer desta recolha não esconde a teoria dos cruzamentos que fazem crescer esta água na boca. Há tradição para descobrir, modernidade para oferecer, maneiras de fazer, ideias à deriva, poesia e filosofia, memória e canção brega. Desconfio que não seja essa a intenção, mas além da mais interessante política de língua comum (ou vice-versa) pode nascer daqui uma outra de promoção a leitura. Diz Adélia Prado, Antes do Nome: «A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,/ foi inventada para ser calada.// Em momentos de graça, infrequentíssimos,/ se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão./ Puro susto e terror.» Uma língua pode morrer na nossa mão. Ou arejar. Horta Seca, Lisboa, 22 Novembro Este voar baixo e cego, de que me cansa falar, impediu-me de saborear devidamente (lamber a cria, diz-se) a chegada do volume III da poesia completa do Antero, permito-me, sem rir, o tratamento por via da convivência. Tacteio a cor da capa do volume mais surpreendente por razões que o Luiz [Fagundes Duarte] não se cansa de anunciar em conferências, mais e menos participadas: há um Antero para além «santidade» fixada. Descobrem-se por aqui, com grão de surpresa, mundanidades, dislates, ensaios, voluntarismos, sátiras, ânsias e fúrias, perfumes do desejo e vapores da política, humanidades, enfim, deliciosas preciosidades, para rimar. Folhear basta para encontrar coincidências com os dias, ainda e para sempre estes nossos: «Bem é falar de tristezas/ Por estes tempos de risos,/ Em que passa a Gargalhada/ Na face dos paraísos […]». As tormentas vêm de todos os horizontes e o poeta leva a Alma pela mão visitando o que se anuncia nos mapas e nos mitos, mas antes esculpe rostos. «[…]A gargalhada do sábio,/ Que se chama… indagação;/ A gargalhada do céptico,/ Que tem nome… negação:// A gargalhada do santo, Que tem nome — fé e crença;/ A gargalhada do ímpio,/ Que se chama… indiferença:// A gargalhada da história/ Que se chama… Revolução:/ E a gargalhada de Deus,/ Que tem nome… Escuridão […]». Resultado? Leia quem possa, que hesito na conclusão. Entrar na boca do demónio que vive desta atroada de possessos ou sonhar com a luz que sairá do peito do condenado. Horta Seca, Lisboa, 23 Novembro «Prólogo a la Invención del Diluvio», assim se chama a antologia do José Luiz [Tavares], com tradução de Diego Cepeda, com que abriu asas e voou a Puro Pássaro, novíssima editora do Jerónimo Pizarro e do Pedro Rapoula, com ninho em Bogotá. Seguiu-se, entre outros, «Las Cosas», da Inês [Fonseca Santos], no caso com tradução do Pedro Rapoula. Edições cuidadas, pequenas no formato de lombos coloridos, com ilustrações, desenhadas ou fotografadas, a quererem afirmar a poesia como o lugar maior da língua. No «Dilúvio» há mesmo folhas em vegetal que propõem versão (sobreposta) do poema no crioulo de Cabo Verde. E cuidadas, sobretudo, no transpôr do verbo, do espelhar da construção, no tento com que se busca o verso exacto. Encontro nestes esforços, de que o Jerónimo se vem fazendo pródigo, solo bem mais fértil que o dos acampamentos de pompa e circunstância nas feiras internacionais (do negócio e da vaidade). Mas isso sou eu, que montei casa em horta seca. «Solo yo no me quedo bien, my señor,/ que espero toda la tarde ele poema/ que no viene, aunque barcos suban/ el tajo aullando a través la niebla». Facebook, algures, 24 Novembro O mano Gaspas, de seu nome inteiriço, Luis Manuel Gaspar, publicou um conjunto de imagens, devidamente legendadas – com as mais dispersivas coordenadas, com se latitude e longitude fossem primeiros passos na viagem – da Maruja Mallo. Digam lá o que disserem, há quem faça das redes um tapete de serviço público, servindo para limpar sapatos antes de entrar ou para sair a correr um direcção ao espanto e maravilhamento. O mano produz sequências em torno dos seus queridos (Almada e Alvarez e Amadeo, Botas e Botto, Herberto e Helder, Wyatt e Waits, Ramón e Ramos Rosa) que espalham informação segura, detalhes explosivos, um gosto feito trepadeira a crescer. Aqui e ali, mostra migalhas das suas detalhistas e cruzadas composições (a isso voltaremos), mas interessa-nos agora a autêntica produção de conteúdos raros e sensíveis. Ando para falar disso há tempos, armado em intérprete-tradutor-ponte, e eis que a pintora, «metade anjo, metade marisco», se faz pretexto. (Algures na página, «A Surpresa do Trigo»). O motivo, para o mano sem acento, raras vezes nasce da actualidade, mas a sua página está sempre a estender-se tapete de museu vivo. No caso, da Maruja trouxe trigo e festas de aldeia, em composições de geometria «fatal» que atiram para a melancolia. Uma colorida melancolia onde os elementos da vida poderiam ainda fazer sentido. Um incerto sentido sobre o qual caminhar.
Hoje Macau China / ÁsiaQuénia | Três funcionários chineses acusados de suborno [dropcap]T[/dropcap]rês cidadãos de nacionalidade chinesa foram ontem acusados num tribunal em Mombaça, no sudeste do Quénia, de subornos e tentar influenciar uma investigação criminal sobre um escândalo de corrupção no maior projecto de infra-estruturas do país. De acordo com a agência noticiosa Efe, os três acusados são funcionários da construtora China Road and Bridge Corporation (CRBC), subsidiária da empresa estatal Communications Construction Company (CCCC), e negaram no tribunal as acusações que enfrentam. Os três homens são acusados de tentar subornar, com 5.000 dólares, uma equipa que investigava um caso de corrupção na construção do terminal de comboios da Standard Gauge Railway (SGR, na sigla em inglês) de Mombaça. Segundo a acusação, foram registados outros subornos, em períodos posteriores, no valor de 2.000 dólares. Para evitar que os arguidos tentassem influenciar o processo judicial, o juiz não permitiu que os três homens saíssem em liberdade mediante o pagamento de uma caução. O Departamento de Investigação Criminal acompanha, ainda, um alegado caso de manipulação de bilhetes de comboio, que poderá ser parte de uma fraude multimilionária que levou à detenção de vários funcionários quenianos da CRBC, operadora da linha ferroviária do SGR Madaraka Express. Com um custo estimado de 3.600 milhões de dólares, que a torna na infraestrutura mais cara no Quénia desde a sua independência, em 1963, a SGR foi construída principalmente pela CRBC. Ainda que a primeira viagem oficial na linha se tenha realizado em 1 de Junho de 2017, dia de Madaraka, que comemora a independência do país e que baptizou a linha, esta só começou o seu serviço de forma regular em 1 de Janeiro deste ano.
Hoje Macau China / ÁsiaChina | Agregador de notícias Jinri Toutiao paga a internautas que desmontem rumores A plataforma de notícias chinesa tem em curso uma campanha de “limpeza” de conteúdos indesejáveis. Os melhores artigos que desmascarem boatos podem receber até três mil yuans [dropcap]O[/dropcap] popular agregador de notícias chinês, Jinri Toutiao, está a oferecer recompensas em dinheiro até três mil yuans por artigos que desmontem rumores, noticiou ontem o South China Morning Post (SCMP). Apelidado de “100”, o projecto foi lançado na segunda-feira e vai premiar os 100 melhores artigos que desmascarem rumores. A aplicação é gerida pela Bytedance, com sede em Pequim, uma das ‘startups’ mais valorizadas do mundo. A campanha de “limpeza” visa qualquer conteúdo considerado como inapropriado, incluindo notícias políticas sensíveis, rumores que tenham as celebridades como alvo, denúncias de incidentes violentos e piadas entendidas como desagradáveis, segundo o SCMP. No início do mês, o órgão regulador dos ‘media’ chineses informou que as pessoas podem ser recompensadas com valores até 600 mil yuans por reportarem conteúdo pornográfico e “ilegal”, online ou impresso, a partir de 1 de Dezembro. O Diário do Povo, o jornal oficial do Partido Comunista da China, alertou em Outubro os criadores de conteúdo de que os “rumores não podem possuir a mente das pessoas”, e apelou a todos os internautas a não criarem rumores ou a acreditarem em especulações. Jinri Toutiao, que significa “manchetes de hoje”, foi lançado em 2012 como o primeiro aplicativo de notícias da China baseado em algoritmos de inteligência artificial para recomendar diferentes notícias a diferentes leitores. A popular aplicação, no entanto, não escapou à campanha de “limpeza” chinesa, já que em Abril foi removido de todas as plataformas de aplicações por duas semanas devido a “conteúdo obsceno”, recordou o SCMP na sua edição de ontem. Nesse período, o fundador e executivo-chefe da Bytedance, Zhang Yiming, escreveu um pedido público de desculpas em que prometia “auto-reflexão”. Rede cercada A Toutiao recuperou o quarto lugar no ‘ranking’ de aplicações com maior número de downloads na loja chinesa de ‘apps’ para iOS no mês passado, segundo a empresa de pesquisa de aplicações para dispositivos móveis App Annie. Segundo o SCMP, a campanha do Governo chinês para reprimir o conteúdo online colocou mais pressão sobre os operadores de plataformas para contratarem mais pessoas para monitorizar e remover conteúdo em tempo real. De resto, Zhang terá prometido reforçar a sua equipa de censura de seis mil para dez mil pessoas em Abril. Toutiao anunciou ter interceptado mais de 500 mil artigos contendo rumores e baniu 9.026 conteúdos que espalharam rumores desde Maio, através do uso de censores humanos e tecnologia de inteligência artificial. A empresa também informou que se juntou à Universidade de Michigan para utilizar tecnologias de inteligência artificial.