Hoje Macau PolíticaCanídromo | Chui Sai On reitera fim das corridas de galgos [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Chefe do Executivo, Chui Sai On, esteve ontem reunido com representantes dos conselhos consultivos comunitários “para troca de impressões sobre os assuntos inerentes aos bairros e o funcionamento dos respectivos conselhos”, aponta um comunicado oficial. A futura reutilização do terreno onde actualmente funciona o Canídromo foi um dos assuntos abordados, tendo o Chefe do Executivo garantido que as corridas de galgos vão chegar ao fim. Chui Sai On disse que “após uma ponderação efectuada ao longo dos últimos anos, o Governo tomou uma decisão sobre a recuperação do referido terreno, garantindo que ali não haverá mais corridas de galgos, nem será para desenvolvimentos ligados ao sector do jogo e nem apenas para fins comerciais”, aponta o comunicado. O Chefe do Executivo adiantou que “devido à alta densidade demográfica e necessidades da população daquela zona, a renovação urbana e a alteração da finalidade do referido terreno têm como objectivo melhorar a qualidade de vida da população ali residente”. Por essas razões, “a finalidade do referido terreno será, principalmente, para educação, desporto, recreio e lazer”. Além disso, Chui Sai On frisou que existe a “necessidade de dar atenção e de aperfeiçoar as funções e a eficiência dos referidos conselhos, com o objectivo de se proceder bem e de forma pragmática aos trabalhos em prol da população”. Foram ainda “comunicadas falhas nos trabalhos interdepartamentais e em serviços”, tendo sido prometida uma resposta mais célere da parte dos serviços públicos. Chui Sai On lembrou que a futura criação do órgão municipal sem poder político vai obrigar a “melhorar as funções dos referidos conselhos, principalmente a eficiência e eficácia da comunicação com os cidadãos e serviços públicos”.
Victor Ng Manchete PolíticaPearl Horizon | Investidores exigem demissão do Chefe do Executivo Os investidores do edifício Pearl Horizon protestaram ontem em frente à sede do Governo, tendo pedido a demissão do Chefe do Executivo. Kou Meng Pok, presidente da união que representa os investidores, disse “estranhar” caso que levou à recente sentença do Tribunal Judicial de Base [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]erca de uma dezena de membros da União Geral dos Proprietários do Pearl Horizon dirigiram-se ontem à sede do Governo para entregar uma carta onde exigem ter acesso às casas nas quais investiram o seu dinheiro. Os ânimos exaltaram-se e os presentes acabaram por exigir a demissão de Chui Sai On do cargo de Chefe do Executivo. O acto da entrega da carta contou com alguns cartazes, sendo que os ânimos se alteraram quando um funcionário fez um pedido aos presentes para estes se afastarem do local. De imediato, o presidente da União Geral dos Proprietários do Pearl Horizon, Kou Meng Pok, mostrou-se visivelmente irritado: “será que com este espaço os outros peões não conseguem passar?”, questionou. Kou Meng Pok começou a gritar palavrões em voz alta, queixando-se de que o Governo tem vindo a demorar muito tempo na resolução deste caso sem que haja uma solução para os pequenos proprietários. De entre os manifestantes, muitos exigiram a demissão de Chui Sai On. O presidente da associação contou que está muito insatisfeito com o acompanhamento que o Executivo tem dado a este caso, tendo acusado o Governo de mentir, apesar da reunião recente que foi realizada com os investidores, representantes do grupo Polytec (concessionária do terreno) e os membros do Governo. Estranheza judicial Kou Meng Pok destacou ainda que o objectivo da apresentação de mais uma carta é o de fazer lembrar a promessa que o Governo fez de proteger os direitos e interesses dos investidores. Foi pedido que as obras do edifício prossigam e que sejam devolvidas as casas aquando da conclusão do projecto. O protesto incidiu também sobre uma decisão recente do tribunal, onde ficou decidido que um investidor tem o direito a receber os dois milhões de patacas que pagou ao Grupo Polytec pelo apartamento ainda em construção. Kou Meng Pok disse estranhar esta decisão. “Tenho sido o presidente da associação nos últimos três anos mas nunca ouvi falar de um investidor que pedia a restituição do dinheiro.” Para o responsável, a divulgação da decisão do tribunal veio trazer confusão à população, pois a sociedade pode pensar que os investidores que protestam não querem receber o dinheiro já investido, mesmo que haja essa possibilidade. Por isso, Kou Meng Pok frisou que a solicitação do acesso às casas se mantém para que sejam cumpridos os procedimentos legais do processo de investimento. No final do dia, o gabinete da secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, emitiu um comunicado onde aponta que o Governo nunca faltou à sinceridade para com os investidores do empreendimento Pearl Horizon, sendo que sempre manteve a comunicação entre as partes. Sónia Chan considerou “lamentável” as acusações proferidas por Kou Meng Pok.
Hoje Macau China / ÁsiaChina constrói base militar no Afeganistão [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] província afegã de Badakhshan faz fronteira com a Região Autónoma de Xinjiang. Costumava fazer parte de uma artéria entre o Oriente e o Oeste conhecida como a antiga Estrada da Seda . Hoje, essa estrada está a ser revivida como um elemento da iniciativa chinesa “Uma Faixa, Uma Rota”. O Afeganistão é o lar de importantes depósitos de matérias-primas que a China poderia importar. Pequim está a investir US $ 55 mil milhões no vizinho Paquistão e planeia construir um corredor económico que se estende até ao mar da Arábia. A “Uma Faixa, Uma Rota” (UFUR) vai estimular a economia global e beneficiar também o Afeganistão. A China é o maior parceiro comercial e investidor do país. A estabilidade no Afeganistão é do interesse da China, mas há poucas esperanças que os Estados Unidos, país invasor, possam providenciá-la. Afinal, Washington não alcançou nada de substancial desde 2001. Houve surtos e retracções, mudanças de tácticas e de estratégia e muitos tratados sobre como virar a maré da guerra, mas os talibãs são fortes e a economia afegã está em tumulto – o tráfico de drogas é o único tipo de negócio que prospera. Até agora, a administração Trump não apresentou a estratégia há muito aguardada, apesar de haver pelo menos 8,4 mil soldados americanos no país. O relacionamento entre os EUA e outros actores relevantes, como o Paquistão, são uma confusão. Washington recentemente suspendeu a ajuda militar ao país. A instabilidade no Afeganistão ameaça o corredor económico China-Paquistão – um elemento importante da UFUR. A China actua como mediadora, tentando conciliar as diferenças entre os actores regionais. As relações afegão-paquistanesas deterioraram-se em 2017, quando cada um acusou o outro de prestar apoio aos jihadistas que operam nas áreas fronteiriças. Pequim está a trabalhar para melhorar esses laços bilaterais. O Movimento islâmico do Turquestão Oriental, um movimento uigur nacionalista e islâmico da região chinesa de Xinjiang, actua no Afeganistão. Os militantes ganham experiência de combate lutando lado a lado com os talibãs e outros grupos militantes. Ora Pequim não quer que guerreiros experientes regressem e se envolvam em actividades terroristas no seu solo. A Rússia e a China intensificaram a ajuda militar aos estados da Ásia Central. Ambos acreditam que a Organização de Cooperação de Xangai (SCO) pode contribuir substancialmente para alcançar uma solução pacífica. Ambos tentam construir uma rede de estados regionais. Moscovo e Pequim são motivados pelos seus interesses nacionais. Conscientes das suas responsabilidades como grandes potências, estão a trabalhar emconjunto para promover a segurança no Afeganistão e na Ásia Central. A China pode sentir que os seus interesses na área são fortes o suficiente para justificar um envolvimento militar fora das suas fronteiras. Funcionários do governo afegão informaram que a China planeia construir uma base militar em Badakhshan. As discussões sobre os detalhes técnicos devem começar em breve. As armas e os equipamentos serão chineses, mas as instalações serão equipadas por pessoal afegão. Veículos e hardware serão trazidos através do Tajiquistão. Sem dúvida, instrutores militares chineses e outros funcionários irão realizar missões de treino e assistência. O vice-presidente da Comissão Militar Central da China, Xu Qilian, afirmou que a construção deverá estar completa em 2018. Depois de algumas ofensivas poderosas em 2017, os talibãs capturaram temporariamente Ishkashim e Zebak no Badakhshan. O governo afegão não conseguiu fornecer uma presença militar suficientemente substancial para garantir a segurança. Chegou a um acordo com os comandantes de campo locais, dando-lhes uma parcela da produção de lápis lazuli , em troca do fim das hostilidades. Mas as discussões internas prejudicaram a frágil paz entre os grupos locais, e os talibãs aproveitaram a oportunidade para intervir. A questão é: até que ponto a China está preparada para ir? Até agora, limitou suas actividades militares a equipas de operações especiais que patrulham o Corredor de Wakhan . Uma base militar em Badakhshan seria uma jogada importante demonstrando que Pequim está pronta para expandir sua presença no país e fornecer uma alternativa aos Estados Unidos. A China tem um trunfo que os EUA não tem – são as boas relações com a Rússia e o Paquistão. Pequim representa o SCO, uma grande organização internacional que inclui actores como a Turquia, o Irão, a Índia, o Paquistão e os países da Ásia Central. No ano passado, o presidente russo, Vladimir Putin, tomou a iniciativa de reiniciar o trabalho do grupo de contacto da SCO Afeganistão. Essas actividades foram suspensas em 2009. A Rússia defende a abertura de negociações directas entre o governo afegão e os talibãs o mais rápido possível. Pequim também apoia a ideia. Moscovo disse que está preparada para sediar uma conferência sobre o Afeganistão. O OCS pode fazer do processo de paz um esforço real e multilateral. Isso irá enfraquecer a influência dos EUA na região, mas fortalecerá as hipóteses de encontrar uma solução para o conflito. Cooperação e diplomacia podem abrir um novo capítulo na história do Afeganistão.
João Santos Filipe Manchete PolíticaCaso Sulu Sou | Imagem de Ho Iat Seng entre as “vítimas” da suspensão do deputado Visto como um moderado e equilibrado, o segundo mandato do actual presidente da Assembleia Legislativa está longe de ser imaculado, muito por causa da forma como não tem conseguido gerir o processo de suspensão de Sulu Sou [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]o longo do primeiro mandato como presidente da Assembleia Legislativa, Ho Iat Seng conseguiu construir uma imagem de credibilidade, equilíbrio e construtor de consensos, dentro dos limites da lei. Contudo, entre os danos colaterais do caso Sulu Sou está a imagem pública do líder do hemiciclo. É esta opinião das pessoas ouvidas, ontem, pelo HM. Neste processo, o mais recente episódio, ou seja facto do presidente ignorar os pedidos do deputado José Pereira Coutinho, que pretende ter acesso às respostas enviadas pela AL ao Tribunal de Segunda Instância, é visto apenas como mais um erro, entre vários. “A imagem que eu tinha é que ele tinha uma postura normal, de um presidente da AL. Mas este caso do Sulu Sou fez estalar a porcelana. A imagem de um presidente independente, que compreende o sistema e a separação de poderes, estalou completamente”, confessou Jorge Morbey, historiador, ao HM. Para o também escritor, a entrada de polícias à paisana na AL é algo incompreensível, num sistema em que existe uma separação de poderes. “A actuação de polícias à paisana na AL é uma lacuna grave no conhecimento de como funciona a independência no sistema, da separação de poderes entre o poder legislativo, executivo e judicial. É uma forte falta de conhecimento de como as instituições funcionam num regime em que os poderes não se imiscuem uns nos outros”, apontou. Suspensão foi erro original Miguel de Senna Fernandes, antigo ex-deputado, manifestou-se surpreendido como a actuação do presidente ao longo da mais recente legislatura, que começou em Outubro. Para o advogado, a explicação para o desempenho de Ho Iat Seng está no facto de ter complicado um processo simples, ao não ter tentado impedir a suspensão de Sulu Sou. “Ho Iat Seng foi sempre visto como um equilibrado, um homem de consensos, com quem se podia conversar, independentemente das cores políticas. Mas este ano as coisa não lhe correram bem”, começou por dizer, ao HM. “No caso Sulu Sou, em concreto, acho que não se saiu bem. Sou da opinião que o deputado não deveria ter sido suspenso. Foi uma oportunidade de ouro perdida para que a AL se demarcasse e que fizesse valer o primado da separação de poderes”, considerou Miguel de Senna Fernandes. O advogado admitiu também acreditar que os antecessores de Ho Iat Seng, Susana Chou e Lau Cheok Va, teriam lidado de outra forma com o processo. “Foi uma pena que o Ho Iat Seng não se fizesse valer a sua autoridade moral e do prestígio. Estou convencido que os anteriores presidentes teriam tratado a situação de outra maneira”, apontou. Situação “desprestigiante” Sobre os polícias à paisana a gravarem as declarações de Sulu Sou aos jornalistas, Miguel de Senna Fernandes fala de um episódio “desprestigiante”. “Foi uma estupidez. Foi um caso que o deixou praticamente descalço e foi desprestigiante. Podem dizer o que disserem, a AL não terá nenhuma saída airosa depois de ter suspendido o deputado. Era um caso simples e a suspensão veio despoletar e dar uma visibilidade que o próprio deputado, com todo o respeito que tenho pelo Sulu Sou, não justificava”, sublinhou. “Ho Iat Seng estava a fazer um mandato muito bom, de consensos, mas com este caso vai sair manchado disto”, acrescentou. Por sua vez, Jorge Fão, sindicalista e ex-deputado, admite que possa ter cometido erros Ho Iat Seng, mas recusa ver uma má-intenção na actuação. Contudo, não espera boas consequências deste desempenho. “Por toda esta trapalhada, não seria de admirar que a imagem ficasse um bocado desgastada. Mas Ho Iat Seng é uma pessoa equilibrada. As situações novas [como a entrada de polícias na AL] podem ter feito com que tenha ficado um bocado atrapalhado, mas não estou a ver que por causa desta acção ou situação que tenha criado embaraço”, defendeu. “Talvez haja um desgaste da sua imagem, como os outros deputados também tiveram. Mas não implica que haja uma consequência que o possa prejudicar. Não é uma coisa assim tão grave”, frisou. Corrida a Chefe do Executivo As pessoas ouvidas pelo HM recusaram a hipótese de que o desempenho do presidente da AL se tivesse ficado a dever à saída do hemiciclo de deputados experientes como Leonel Alves ou Cheang Chi Keong. Também o facto de Ho Iat Seng ser um potencial candidato à posição de Chefe do Executivo não é encarado como explicação ou condicionamento. “Julgo que a actuação não está relacionada com uma eventual candidatura porque é capaz de ser prematuro. Até porque isto também não é decidido a este nível”, opinou Jorge Morbey. “Se estivéssemos a caminhar realmente para um segundo sistema forte, ele ficava com condições reduzidas para se candidatar. Mas se a marcha dos acontecimentos se está a afunilar para nos aproximarmos mais do primeiro sistema, então assumo que ele tem condições para ser Chefe do Executivo de um primeiro sistema”, considerou. Já Jorge Fão diz que a candidatura à posição do Chefe do Executivo não é um cenário muito credível: “Se ele fosse candidato acho que teria saído da AL. Caso contrário vai deixar a casa desfalcada e vai gerar novas eleições. Apesar dele ter as suas qualidades”, justificou. O mandato do actual Chefe do Executivo, Fernando Chui Sai On, termina em 2019, altura em que o se sucessor terá de ser escolhido. Ho Iat Seng tem negado a vontade de assumir o cargo publicamente, mas é apontado nos bastidores como um possível candidato. Coutinho acusa Ho Iat Seng de ter sido desautorizado [dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]osé Pereira Coutinho considerou, ontem, que o deputado Vong Hin Fai desautorizou Ho Iat Seng, quando defendeu que os documentos enviados pela AL ao Tribunal de Segunda Instância, em resposta aos processos interpostos por Sulu Sou, só deve ser distribuída pelos membros da AL após o caso ser julgado. “Temos um presidente desautorizado por um deputado, o que acontece por mais do que uma vez. Trata-se de um presidente que, por um lado, é autoritário e que, por outro, não tem autoridade”, disse Pereira Coutinho, em declarações ao HM. Ficheiros secretos geram críticas [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s pessoas ouvidas pelo HM consideram que José Pereira Coutinho tem razão quando exige aceder à resposta da AL enviada aos tribunais, no âmbito dos processos despoletados por Sulu Sou. “Tem total razão para pedir os documentos. O argumento do momento da entrega é o maior disparate e aberração. O Ho Iat Seng quando fala está a representar os deputados. A partir do momento em que a resposta é formalizada, os deputados já têm direito ao acesso ao teor dos documentos”, apontou Miguel de Senna Fernandes. “Se a resposta é em nome da AL, significa que é uma resposta em nome de todos os deputados. Portanto não faz sentido que essa resposta lhes seja ocultada, aguardando melhor oportunidade”, justificou Jorge Morbey. Sulu Sou: Ho Iat Seng errou por falta de experiência [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] deputado Sulu Sou afirmou ao HM acreditar que os erros processuais cometidos durante o processo da sua suspensão e em que Ho Iat Seng teve um papel de destaque, se ficaram a dever à existência de uma situação nova. “Apesar dele ter uma experiência política muito grande na AL, foi a primeira vez que houve uma situação destas, pelo menos desde 1999. Compreendo que tenha cometido erros processuais, porque não tinha experiência”, disse Sulu Sou. “Em relação ao meu processo e ao papel do Sr. Ho tenho o sentimento que ele foi pressionado por outras autoridades. É apenas um sentimento. Ele é muito experiente mas acho que houve erros”, frisou. Sobre a interacção entre os dois, à porta fechada e fora das câmaras, que apenas aconteceu por duas vezes no âmbito do processo da suspensão, Sulu Sou considerou Ho Iat Seng uma pessoa “honesta”, mas que quando fala em público está “condicionado” pelos interesse que representa.
António Cabrita Diários de PrósperoDescida aos infernos 1 [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]egundo o dramaturgo ateniense Agatão, o único poder negado aos deuses é o de desfazerem o passado. Isto, coitados, são os deuses gregos. De outro expediente, insusceptivelmente eficaz, os políticos moçambicanos que fazem e desfazem o passado, à sua medida e ambição. O seu poder (é a crença instalada) sustenta-se no desiderato de apagar a memória. Tive um jantar com amigos. Alguns trabalharam em arquivos e outros fazem investigação e dependem da frequência dos arquivos. A conclusão é unânime: em Moçambique os arquivos estão mortos, arrasados por um banimento infindável. Começa pela desorganização voluntária dos serviços, no fito de servir interesses dos funcionários. Por exemplo, se os dados estatísticos mostram que naquela biblioteca ou arquivo há uma maior solicitação de determinadas publicações, de xis temas e eventos, então rapidamente desaparecem essas publicações e as páginas referenciais mais requeridas (arrancadas sem pejo), de modo a que posteriormente possam ser solicitadas “particularmente”, contra o pagamento de uma quantia. Os primeiros funcionários do Arquivo Histórico rasgavam os jornais para embrulharem o pão e o mata-bicho – delatado com vergonha pela primeira directora do Arquivo. Hoje, metade das colecções de todas as publicações foi espoliada, destruída, despedaçada. Não há modo de empreender qualquer investigação séria com balizas cronológicas: as faltas, omissões e os hiatos serão fatais. Dois terços dos livros da Biblioteca Nacional foram vendidos na rua, em duas décadas de desvios para as bancas de rua. A única colecção nacional provavelmente incólume será a do Banco de Moçambique, fechada ao público. Um dos comensais contou ter orientado uma formação para bibliotecários e arquivistas e como sete dos nove formandos escolhidos pela comunidade eram analfabetos. A sanha de vender os livros ao desbarato ou de se desfazerem do “papel” começou depois da independência, no gesto de se deitar para o lixo os arquivos das Conservatórias, como as pastas com as certidões de nascimento, “porque já não eram necessárias!”, mas estes primeiros actos de irresponsabilidade, ignorância e inconsciência, volveram depois actos de amputação voluntária ao sabor da conveniência política e estenderam-se a todos os domínios. Os arquivos de cinema não estão catalogados – ou seja: não existem -, os arquivos da televisão pública foram literalmente apagados, etc., etc. A última, contada ao jantar: há duas semanas um dos convivas quis consultar vários números da revista Tempo – um baluarte da comunicação em Moçambique, antes e após a independência – e respondeu-lhe o funcionário da instituição: o arquivo da revista Tempo foi “confiscado pela Presidência”. A tentar adivinhar, sopesar, esmiuçar o que signifique tal “confiscação” bebemos mais duas garrafas à mesa – talvez em luto. Até que alguém deixou cair: – Havia um apagamento deliberado da memória que envolvesse os portugueses e agora impõe-se outro, eles não querem que se recorde que hoje os grandes defensores do capitalismo mais cru e selvagem eram os ortodoxos líderes socialistas de antigamente… Réplica imediata de outro dos comensais, erguendo o copo numa saúde: – Ah, menos mal, se afinal é um gesto de decoro… – É o decoro de A Grande Farra… – atira um terceiro. 2 Ao arrepio do que se passa em Moçambique, a norte o desnorte ecoa o ditado apocalíptico de Baudrillard: «Hoje o meio mais seguro para neutralizar a alguém não é saber tudo sobre ele, mas sim dar-lhe os meios para ele saber tudo sobre tudo. Já não é necessária a repressão e o controlo, substituído com vantagem pela saturação da informação e da comunicação, porque o consumidor está encadeado pelo vício da pantalha. De forma mais segura será o vulgo paralisado com o excesso de informação sobre tudo (e sobre si mesmo), do que privando-o de informação». Eis o lado negro e obsceno da avalancha mediática que tem, contudo, outras virtualidades e recortes menos sombrios até porque na verdade às imagens de um espelho ninguém as consegue penhorar ou confiscar. 3 Morreu esta semana o poeta chileno Nicanor Parra, aos cento e três anos. Poeta e matemático, posicionou-se com Antipoemas (1955) como o anti-Neruda, enveredando por uma poesia discursiva e narrativa e que evita a metáfora. Cheguei ao poeta chileno por causa de uma dedicatória de Fernando Assis Pacheco, que lhe chamava «meu mestre». Nicanor – irmão da cantora Violeta Parra e do artista de circo Óscar Parra, conhecido como el Tony Canarito – foi Prémio Cervantes de 2011. Dele fiz a tradução de dúzia e meia de poemas, aqui deixo a sua VIAGEM PELO INFERNO: Numa sela de montar /fiz uma viagem pelo Inferno. //No primeiro círculo vi umas figuras/ placidamente recostadas/ a uns sacos de trigo.// No segundo círculo borboleteavam homens em bicicleta, / à rasca, sem saber onde apear-se/ – pois estavam bravas as chamas!// No terceiro círculo reparei / numa só figura humana/ que parecia hermafrodita.// Era criatura sarmentosa/ e dava de comer aos corvos. //Trotando e galopando queimei/ um intervalo de várias horas/ até ter chegado a uma cabana/ no interior de um bosque/ onde vivia uma bruxa. // Sacrista do cão,/ foi por um triz! // Já no círculo número quatro/ topei um ancião de longas barbas,/ calvo como um sandeu/ que montava um pequeno barco / no interior de uma garrafa. / Que afável o seu olhar! // No círculo número cinco vi / uns jovens estudantes jogando futebol / araucano com uma bola de trapos. / Fazia um frio de rachar. // Tive de passar a noite em claro / num cemitério, encostado/ a uma tumba / para não morrer de frio.// No dia seguinte continuei a minha viagem por uns cerros/ e vi pela primeira vez os esqueletos/ das árvores incendiadas por turistas. // Só restavam dois círculos./ No primeiro lá estava eu / sentado a uma mesa negra. / Lambuzava-me com um passarinho/ e a minha única companhia/ era um candeeiro a petróleo.// No círculo número sete não vi/ absolutamente nada, só me chegaram ruídos/ estranhos e uns risos espantosos/ enleados nuns miados, suspiros/ profundos, que perfuravam a alma.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeAssédio sexual | Cloee Chao denuncia casos nos casinos e assume-se vítima A Polícia Judiciária tratou de três casos de importunação sexual o ano passado, mas há mais casos escondidos que não chegam sequer a ser denunciados, apesar do crime já constar no Código Penal. Cloee Chao, presidente da Associação Novo Macau para os Direitos dos Trabalhadores do Jogo, contou ao HM que foi vítima de assédio e que as operadoras de jogo “apelam aos funcionários para não dizerem nada” [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]loee Chao distribuía fichas de jogo na mesa de um casino quando, há dois anos, foi vítima de assédio sexual da parte de um jogador. Foi a própria presidente da Associação Novo Macau para os Direitos dos Trabalhadores do Jogo que denunciou o caso ao HM. “Não tenho a certeza se foi ou não intencional, mas uma vez um cliente passou um cartão de ‘membership’ numa parte importante do meu corpo. Tanto a operadora como os fiscais acharam que estava a ser exagerada. Na altura alguns colegas confortaram-se e contaram-me experiências semelhantes que tiveram”, disse. Cloee Chao denunciou o caso, mas os resultados acabaram por se revelar infrutíferos. “Gastei imenso tempo a dar seguimento, fui à Polícia Judiciária (PJ) e depois ao Ministério Público. Neste processo a empresa não me deu qualquer apoio”, lembrou. O cliente acabaria por regressar à China, tendo o advogado de Cloee Chao dito que o processo ia acabar por se arrastar e que, mesmo com uma acusação, não iria existir nenhum resultado relevante. “A lei não me trouxe qualquer justiça. Este cliente ficou na lista negra do casino [proibido de entrar], mas não está nas listas negras dos outros casinos”, apontou. O caso de assédio sexual de que Cloee Chao diz ter sido vítima não é isolado. Esta terça-feira a PJ disse ter tratado de três casos de importunação sexual o ano passado, isto é, desde que o crime foi criado com a revisão do Código Penal. Apesar do assédio sexual ser já um crime semi-público, permanece um assunto tabu para a maioria das pessoas. “Não existem apenas três casos”, relatou Cloee Chao, que diz que o crime de importunação sexual acontece nos casinos e que há a lei da mordaça. “O método que as operadoras de jogo adoptam é para que não os escândalos não se espalhem. Normalmente é pedido aos funcionários para não dizerem nada. Os casos não existem apenas entre os trabalhadores, mas também com os chefes e clientes. Como as funcionárias ficam muito perto dos clientes estes casos acontecem com frequência. Os três casos de que me fala são apenas uma minoria”, acrescentou. Para que um caso de assédio sexual chegue às malhas da justiça, é preciso um longo e moroso processo. “As pessoas precisam de contratar um advogado para acusar o agressor, o que é complicado, pois o acto de assédio sexual não é um crime público. Como os assediados não têm apoio da parte das operadoras, normalmente deixam os casos passar.” Empregadas em silêncio Esta semana o jornal Wall Street Journal denunciou o alegado assédio sexual que o magnata de jogo Steve Wynn fez a uma empregada, a quem obrigou à prática de relações sexuais. O empresário terá pago 7,5 milhões de dólares americanos à mulher pelo seu silêncio. O caso levou a Direcção dos Serviços de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ) a reunir com responsáveis da Wynn Macau. Até ao fecho desta edição o HM não conseguiu apurar junto da DICJ a ocorrência de queixas relativas a casos de assédio sexual, mas Cloee Chao diz que, muitas vezes, os fiscais da DICJ fingem nada ver. “Espero que as operadoras possam contratar advogados para ajudar os seus funcionários, e não apenas nos casos de assédio sexual. Espero que não achem aborrecido tratar destes casos, sobretudo os fiscais, que muitas vezes parecem não querer trabalhar e ficam nas salas de jogo com um ar relaxado”, acusou. Os casos de assédio sexual não acontecem apenas no mundo das cartas e das fichas. Eric Lestari, líder da associação Overseas Migrant Workers, que representa os trabalhadores não residentes da Indonésia, disse ao HM que há muitos casos de assédio vividos pelas empregadas domésticas, mas que estas optam por nada dizer, com medo de represálias. “Precisamos de mais protecção nesta matéria. Muitas vezes não sabemos qual a lei que nos protege neste tipo de situações. Caso haja casos de assédio sexual as empregadas domésticas optam por ficar caladas e não vão apresentar queixa, porque não têm sequer protecção. Ou então têm medo de dizer quem foi o agressor ou onde trabalham, optam por ficar caladas”, revela Lestari. Não há orientações Apesar do assédio sexual ser um crime semi-público, a verdade é que não existe, na prática, a obrigatoriedade das empresas ou instituições de criarem linhas orientadoras para este tipo de casos. Em 2015 foi notícia um alegado caso de assédio ocorrido na Universidade de Macau, o que obrigou esta instituição de ensino a estabelecer orientações. Melody Lu, socióloga e docente do Instituto Politécnico de Macau (IPM), contou ao HM que o IPM também tem as suas regras quanto a este assunto. “No IPM já tivemos alguns casos e devido a isso foram criadas orientações. Temos um mecanismo de queixas, foi construída uma relação de confiança entre professores e alunos. É preciso ter este tipo de procedimentos.” Melody Lu considera que, apesar da importunação sexual ser agora um crime, é necessário fazer mais. “Tudo depende se a empresa ou uma instituição tem este tipo de protocolos para lidar com estas queixas internas. Muitos dos casos não entram no sistema judicial, são tratados internamente primeiro. A lei também deveria obrigar as empresas ou instituições a ter este tipo de guias orientadores para estes casos. Em Hong Kong ou Taiwan a lei determina que o Governo estabeleça linhas orientadoras, ou uma comissão para lidar com estes casos, mas isso ainda não acontece em Macau.” #metoo não chegou a Macau O alegado assédio sexual perpetuado por Steve Wynn surge no seguimento de uma série de escândalos que têm ocorrido na indústria de cinema em Hollywood e também no desporto, sobretudo desde que o médico da selecção norte-americana de ginástica foi condenado a prisão perpétua por inúmeros abusos sexuais cometidos nos últimos anos. O movimento #metoo ganhou espaço na esfera mediática e o debate começa agora a surgir na China e em Hong Kong, mas não em Macau. “Por norma não existe a cultura de acusar ou denunciar alguém, então é mesmo difícil em Macau acusar alguém desta conduta, porque todos se conhecem. Só agora é que na China e em Hong Kong se começou a discutir esta matéria porque existe esta campanha mundial há vários meses, mas leva tempo. Em Macau este debate pode chegar, mas penso que vai ser difícil para que as mulheres venham denunciar estas situações”, defendeu Melody Lu. A socióloga considera que existe a cultura do silenciamento, dada a pequena dimensão da sociedade. “É mais difícil falar de assédio sexual. Se não há um procedimento para lidar com estes casos de forma correcta, as vítimas vão ser prejudicadas. E as escolas ou empresas vão tentar esconder os casos, mesmo que os responsáveis não sejam os culpados, vão sempre tentar silenciar as vítimas.” Lei deve mudar A docente do IPM defende que, numa futura revisão legislativa relativa ao crime de importunação sexual, devem existir alterações. “Temos, finalmente, uma base legal, mas o problema é que aquilo que foi incluído no Código Penal só inclui situações ocorridas em locais públicos, quer sejam contactos físicos ou verbais, de natureza sexual. Mas isso é muito limitado, porque não inclui as experiências de que as pessoas possam ser vítimas nos locais de trabalho ou em escolas.” Anthony Lam, presidente da Associação Arco-Íris de Macau, defende, em primeiro lugar, uma consciencialização social do assédio sexual. “É uma lei mesmo muito recente em Macau, e penso que em Hong Kong o assédio sexual já está legislado há cerca de 20 anos. É necessário uma maior educação do público em geral e das autoridades sobre esta matéria.” “A educação nas escolas sobre o assédio sexual é ainda muito fraca, e não temos, no geral, uma educação sexual muito aprofundada nas escolas. Nos locais de trabalho também não existem essas orientações. Então acreditamos que a educação é o ponto mais importante”, concluiu. Kam Sut Leng, presidente da Novo Macau A PJ registou três casos de assédio sexual o ano passado. Estes dados correspondem à realidade? Só é assédio sexual se houver contacto físico. Nós pedimos que os actos verbais sejam considerados como assédio. Noutras regiões, como em Taiwan, a lei tem definições mais amplas. Em Macau adicionou-se o crime de importunação sexual, mas continua a existir uma desactualização. Os três casos registados pela PJ são poucos e tal deve-se ao facto dos actos verbais não serem classificados como assédio sexual. Espero que a lei possa ser aperfeiçoada no futuro. Que casos de assédio sexual conhece? Uma amiga foi assediada recentemente. Ela decidiu não continuar o relacionamento com ele mas o homem continuou a enviar mensagens constantes e a incomodá-la verbalmente, o que lhe trouxe muito mal-estar psicológico. Este tipo de assédio é mais difícil de descobrir, porque se houver contacto físico, há a hipótese de capturar imagens. A sua amiga denunciou o caso? Nesta situação era difícil. A Novo Macau queria que cada empresa pudesse criar uma comissão para lidar com este tipo de casos. Não pedimos uma criminalização imediata, mas achamos que é preciso dar atenção aos casos de assédio sexual no trabalho. Como define a reacção das vítimas em Macau? Muitas mulheres podem não saber onde apresentar queixa. Há pessoas que acham que não vale a pena, que o agressor poderia estar só a mandar umas piadas com um teor sexual. É preciso mais educação neste sentido, para que se crie uma consciência do que é o assédio. Também são necessárias medidas jurídicas complementares. Alguma vez foi vítima de assédio? Uma vez fui convidada para sair, mas para fins indevidos. Mas há sempre actos, como contar piadas de teor sexual, que causam incómodo e esta parte não é clara. É necessário que, no futuro, a sociedade aborde mais esta questão.
Gisela Miravent Cadernos de Geografia h | Artes, Letras e IdeiasAndorinha [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão era tudo negro, nem pensar. E não era tudo claro, também. Mesmo quando eu abria muito os olhos, sempre que despertava ou era intempestivamente despertado do meu ciclo de sono, não via senão o que sentia: uma intermitência de farolim que se pode ou não tocar. Lembro, pois, cambiantes de luz. Nada de cores, nada de definido, só impressões de claridade – ou de menor obscuridade –, bolsas luminescentes no microcosmos líquido que me sustinha. Deixei que o farolim me indicasse um lugar. No início é assim: pressentimos estrelas e planetas como fogachos numa noite de breu. Podemos escolher caminhar ao seu lado sem ter nada a ver com eles ou permitir que se entranhem fundo em nós. De resto, ainda aquém de mim nascido, aprendi que ver não era o mais importante. Ver o quê… para quê, ouvindo e sentindo, pouco mais que embrião fecundado num de entre muitos acasos de desamor, a perdição da minha Mãe e a brutalidade lasciva do Monstro? Como conseguiu ela amar-me tanto ainda assim, que me dispôs à lua e ao sol? Nasci do abrupto, como não podia deixar de ter sido. Não tive tempo de me preparar, talvez não tenha chegado mesmo a ser acabado, os pulmões, sobretudo, suspiravam mais que respiravam… no entanto, aceitei seguir o rastro de luz. Não nasci aflito porque não estava em mim afligir-me a não ser com a hipótese remota de um dia não poder palmilhar descaminhos e neles encontrar-me, perdido para sempre dos que me tinham gerado. De resto, foi tudo muito rápido: os pontapés dele na barriga dela, a queda, as contracções fantásticas, o coro de gritos das mulheres e eu a ser empurrado por uma força sobre-humana para um mundo novo. Tomei apenas algum do líquido morno de que me despedi para sempre e despedi-me ainda da Mãe, que senti partir num último fôlego cansado. Retirado do seu mar quente, optei por só pousar a terra brevemente e logo escolhi o ar. Não sou um menino, sou uma andorinha. Depois de reconfigurado em corpo desligado desse outro corpo que me acolhera, houve quem me desse colo e alimento. Ninguém em especial, nessa altura. Vizinhas velhas e uma tia que a partir de um dado momento, desapareceu de vez. Mas havia as Mimis – não recordo os seus nomes individuais e elas não me levarão a mal. As Mimis eram as meninas da aldeia que pegavam em mim e me levantavam no ar como se eu fosse o boneco animado que não tinham. Entre si rodavam-me até à vertigem, delas e minha, bem no alto dos seus braços abertos ao céu. Riam e eu talvez risse também. Chorar não chorava. Lá em cima, reconhecia a minha natureza de pássaro. No entanto, à medida que o negro se adensava à minha volta, as luminosas Mimis foram aparecendo cada vez menos, assustadas com o Monstro que as queria levantar no ar também. E depois deitar por terra. Sobrou só a minha Mimi, uma menina mais crescida, protegida por uma cara feia e um corpo anão, a única que recordo olhar-me nos olhos e sorrir com eles para mim, instilando-me alegria e vontade de viver. A Mimi visitava-me muitas vezes, não todos os dias mas sempre que conseguia encher o garrafão de plástico com vinho, pelo menos vinho, que pousava à entrada da casa para adormecer o Monstro. Trazia-me um ovo cozido que partia em bocadinhos e me dava à boca, a sorrir meiguice. No inverno dava-me uma laranja, no verão amoras silvestres. Fazia-me festas e dizia que me ia ensinar a voar. Era uma boa ideia, eu tardava em aprender a andar. Balançava incerto do chão debaixo dos pés e tinha tendência para me desequilibrar e cair. Passei, por isso, a erguer os braços e a movimentá-los numa cadência de pássaro. A Mimi levava-me para o terreno em volta da casa térrea minúscula onde eu vivia e os dois ensaiávamos corridas breves, a bater as nossas asas, o corpo atirado para a frente e o rosto ligeiramente erguido. Quando eu era uma andorinha, nunca caía. A Mimi teve ainda outra boa ideia: como o Monstro nunca se lembrava de me dar de comer nem cuidar que eu tivesse um sítio onde dormir, aprendi com ela a fazer ninhos. Por segurança, escolhemos erguê-los sobre o chão. Só os outros pássaros sabiam que pelo terreno afora havia ninhos escondidos feitos de erva ressequida e de toda a espécie de palhas e raminhos onde me encolhia como no microcosmos do início de mim. Sob esses ninhos cavei buracos, alguns muito fundos, serpentes direitas ao centro da Terra, tão largos que eu cabia lá dentro. Abrigava aí amêndoas, nozes, pinhões e relíquias que coleccionava, como as palhinhas de plástico que segurava à vez entre os lábios, a fazer de bico. Ao correr do tempo fui compreendendo os sinais do Monstro. Captava-os no ar, trazidos por uma energia negativa poderosa: sabia quando ele ia desaparecer, quando estava para chegar, se me devia esconder, se ia ser fechado no buraco. Se ficava fechado no buraco era pior. Nenhum pássaro, menos ainda uma andorinha, suporta gaiolas, douradas que sejam. Quando ali era trancado voltava a mim antes de mim e, na semi-obscuridade, relembrava a mãe-placenta e resistia. Todos os outros estados do Monstro me permitiam mais ou menos acolher-me aos ninhos ou treinar o bater de asas em corridas desajeitadas e bambas. E tecer na imaginação as rampas de vôo de que me lançaria, um dia. Olha o Andorinha! – ouvia, sempre que me aventurava pelos caminhos da aldeia. – Ainda não partiu, pobre dele. Quando regressas para junto dos teus? Os bandos debandam! – gritavam pessoas. Eu calava o bico, os lábios cerrados esticados para a frente e lançava-me numa corrida demonstrativa, as pernas atiradas ao deus-dará mas os braços firmes, acima abaixo, acima abaixo. Ouvia rir e sabia que partiria dali. Iria voar.
Leocardo PolíticaAreia Preta do Mar Dourado [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s meus afazeres do último Domingo de manhã levaram-me até à zona norte da cidade, mais precisamente à Areia Preta, onde já não ia há anos, literalmente. Recordo-me bem daquela zona de Macau do tempo em que cheguei, e já lá vai um quarto de século, e como tudo mudou, pelo Buda. Antes a Areia Preta resumia-se a algumas fábricas e prédios de habitação, que não sendo propriamente económica, era muito em conta. Na altura, por cerca de 150 mil patacas, podia-se adquirir uma fracção com dois quartos naquela zona, quantia com a qual hoje em dia não é possível sequer comprar um estacionamento de motociclo. Sim, há riscos pintados à volta de meia dúzia de metros quadrados de chão que custam milhões. Hoje quase que dá para me perder na Areia Preta; antigamente existiam apenas os edifícios Hoi Pan, e Kam Hoi San, e pouco mais, e sempre achei piada que se chamasse “jardim” a um prédio que no máximo tinha uma planta dentro de um vaso lá em baixo, no condomínio. Os próprios nomes tinham o seu quê de irónico. “Kam Hoi San”, por exemplo, quer dizer “montanha do mar dourado”, nome dado a um bloco de habitação que deixava muito a dever à imaginação. Actualmente é ainda pior; temos autênticas caixas de fósforos elevadas a 50 ou mais andares, baptizados de “La Baie du Noble” (ulálá), “Crowne Palace”, ou ainda o infame “Pearl Horizon”, que nunca chegou a ser. Os proprietários do imóvel que ficou por construir julgaram estar a comprar uma “pérola”, mas ficaram a contemplar o “horizonte”. Daí o nome assentar-lhe que nem uma luva. Mas ao deparar com esta selva de cimento, detenho-me a pensar: de onde surgiram estes autênticos monstros, como que da noite para dia, brotando que nem cogumelos? E a rapidez com que apareceram, deu para cumprir com todos os trâmites essenciais para que se garanta a sua qualidade? Quem investe naqueles favos, que chegam a custar a “módica” quantia de dez milhões de patacas a unidade? O circo está montado, é verdade, mas e o público? Parece que sim, que isto é um negócio tremendo, que obedece à velha máxima “if you build it, they will come”, e quem tem dado rios de dinheiro a ganhar a alguma boa gente. É a concretização da tal “montanha do mar dourado”, só que de concreto e betão armado. Às vezes em parvo. Mas se por um lado a Areia Preta cresceu na horizontal, o facto de ainda ser uma das zonas menos caras da Península de Macau levou a que muito do comércio tradicional se mudasse para ali de armas e bagagens. Podemos encontrar ali uma diversidade de restaurantes e afins a preços razoáveis, mas a um esticão do centro da cidade, onde proliferam os casinos, os escritórios, os cosméticos e os cristais austríacos. Vale a pena visitar a zona norte da cidade, e redescobrir a Macau das pessoas, da gente. E é mesmo tanta, tanta gente, e tanta coisa, que se encontra ali, na Areia Preta.
Hoje Macau InternacionalSondagem | Lula mantém liderança [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] ex-Presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva manteve a liderança na corrida eleitoral com 37% das intenções de voto depois de ter sido condenado por corrupção em segunda instância, segundo a sondagem divulgada ontem pelo Instituto Datafolha. O levantamento foi realizado em 29 e 30 de Janeiro, dias depois de três juízes do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4), de Porto Alegre, consideraram Lula da Silva culpado dos crimes de corrupção e branqueamento de capitais e aumentaram a sua pena de nove anos e meio para 12 anos e um mês de prisão. Apesar de liderar a sondagem para as próximas presidenciais, previstas para Outubro, a participação do ex-Presidente na corrida eleitoral está em risco porque uma legislação eleitoral do país chamada popularmente de “lei da ficha limpa” proíbe a participação em eleições de candidatos condenados em segunda instância. A pesquisa Datafolha também indicou que num cenário sem Lula da Silva o candidato conservador de direita Jair Bolsonaro lidera com 18% das intenções de voto, seguido da ambientalista Mariana Silva (13%) e do ex-governador Ciro Gomes (10%). O Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o apresentador de televisão Luciano Huck aparecem depois, tecnicamente empatados, com 8% das intenções de voto. A sondagem mostra ainda que Jairo Bolsonaro estagnou e possivelmente perderia na segunda volta se enfrentasse Marina Silva, que teria 42% dos votos contra 32% do candidato conservador. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos para cima ou para baixo.
Hoje Macau China / ÁsiaChina pede destruição de catálogo devido a ‘erros’ sobre Taiwan [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s autoridades chinesas pediram ao retalhista japonês Muji que destrua um catálogo contendo um mapa que Pequim considera identificar Taiwan “inadequadamente”, depois de outras grandes marcas mundiais terem sido repreendidas este mês por motivos idênticos. A Administração Nacional de Informação Topográfica da China acrescentou em comunicado que o mapa, distribuído na cidade de Chongqing, sudoeste do país, e que mostra onde estão localizadas as lojas da Muji, omitem as ilhas de Diaoyu, que são disputadas por Pequim e Tóquio. A agência considera que o mapa contém “erros graves” e informa que ordenou a Muji a recolher e destruir os catálogos. No mesmo mês, diferentes reguladores chineses criticaram a marca têxtil espanhola Zara, a companhia aérea norte-americana Delta Air Lines, a fabricante de equipamento médico Medtronic e o grupo hoteleiro Marriott International por colocarem Taiwan como um país nos seus portais electrónicos. Frequentemente, a China comunista critica editoras de livros, mapas e outros materiais que se referem a Taiwan como um país. No caso do Marriott International, o grupo foi obrigado a suspender o seu portal electrónico e aplicativo na China, por uma semana, depois de ter listado Macau, Hong Kong, Taiwan e Tibete como países independentes num inquérito aos clientes. À excepção da Defesa e das Relações Externas, que são da competência exclusiva de Pequim, as Regiões Administrativas Especiais de Hong Kong e de Macau gozam de “um alto grau de autonomia”, são governadas pelas respetivas populações, mantêm as suas moedas e não pagam impostos ao governo central chinês, ao abrigo do princípio “um país, dois sistemas”. A noção de independência para aqueles territórios é, no entanto, denunciada por Pequim como sendo “contra a Constituição da China e a Lei Básica” das respectivas regiões.
João Luz Eventos MancheteExposições | Hong Kong em contagem decrescente para abertura da Art Basel 2018 [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Art Basel de Hong Kong está no horizonte para gáudio dos amantes das artes. Entre 27 e 31 de Março não vai faltar oferta artística na região vizinha, onde o público se pode deleitar com a oferta de quase 250 galerias oriundas de 32 países. A edição de 2018 vai contar com 28 novas galerias, sendo que metade das casas que se estreiam na Art Basel são oriundas de países asiáticos. Ainda no campo das novidades, a região vizinha irá receber pela primeira vez algumas galerias nova iorquinas de renome, onde se incluem a 47 Canal, a Gavin Brown’s enterprise, Commonwealth and Council, JTT, Miguel Abreu Gallery e a Petzel Gallery. De Los Angeles virá a Hannah Hoffman Gallery. A edição deste ano do certame, a sexta desde a estreia em Hong Kong, vai espalhar as propostas de galeristas em vários sector como Galleries, Insights, Discoveries, Kabinett e Encounters. Entre os diversos sectores em que se categorizam as exposições, a Insights terá um especial foco sobre projectos de cariz histórico. A categoria Discoveries, como o nome indica, servirá para apresentar o público de Hong Kong artistas emergentes como Timur Si-Qin, Morgan Wong e o colombiano radicado em Nova Iorque Carlos Motta. Entre os galeristas que participam na sexta edição da Art Basel Hong Kong contam-se 24 galerias locais. Um dos polos de acção do Art Basel será o Hong Kong Convention and Exhibition Centre, em Wan Chai, que, entre muitos outros eventos, será palco de um mini festival de curtas metragens e “projecções especiais”, nas palavras da organização. A secção de filmes tem a curadoria de Li Zhenhua, que dirige e fundou a Beijing Art Lab, e tem lugar no dia 28 de Março a partir das 16h. Constelação de meios A categoria Kabinett terá este ano um alargado leque de formas de expressão artística, onde se inclui a pintura, caligrafia, fotografia, performance, escultura e arte em realidade virtual, com particular destaque para a participação de artistas asiáticos. Este ano, a Art Basel tem como objectivo abrir novas perspectivas através de apresentações bem pensadas de trabalhos que vão de marcos incontornáveis do modernismo a peças inteiramente novas que se estreiam no certame. Entre os destaques deste ano da categoria Kabinett é impossível não mencionar o trabalho de Hon Chi Fun, representado pela Ben Brown Fine Arts. A mostra irá incidir sobre os trabalhos de pintura do artista de Hong Kong, em especial a produção da década de 1970 e 1980. A apresentação tem como foco a altura em que o pintor mudou drasticamente o estilo ao sintetizar em simultâneo a linguagem visual das filosofias orientais e ocidentais. Outro local de Hong Kong que terá destaque na Art Basel 2018 é o excêntrico artista Frog King, que irá voltar a apresentar a icónica performance de 1992 “Frog King Calligraphy Shop”. A performance será apresentada ao público com a chancela da 10 Chancery Lane Gallery. Pelas mãos da Galerie Lelong & Co.’s chega-nos o trabalho “Mirror Image for Hong Kong”, um trabalho da famosa artistas japonesa Yoko Ono, viúva de John Lennon, que apresentou esta peça pela primeira vez durante a 57ª Bienal de Veneza. A peça é a representação de um pequeno quarto mobilado com um espelho oval, uma mesa e cadeiras no centro para o qual o público é convidado a interagir. Como todos os anos, a Art Basel deste ano terá muitas actividades satélite a dar volume ao cartaz. A acompanhar esta 6ª edição surgirá no panorama artístico de Hong Kong uma nova galeria, a Hauser & Wirth’s Hong Kong dedicada a arte moderna e contemporânea. Este é o primeiro espaço de exposições da casa internacional em solo asiático e abrirá portas no dia 26 de Março com uma exposição a solo de Mark Bradfort, o representante norte-americano na Bienal de Veneza der 2017.
Hoje Macau China / ÁsiaCorrespondentes estrangeiros denunciam crescente intimidação do Governo [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]epois de uns anos mais soft, o poder chinês volta a cerrar fileiras e tornar difícil a vida aos jornalistas. O Clube dos Correspondentes Estrangeiros na China denunciou ontem “uma crescente perseguição e intimidação” por parte do Governo chinês, que intensificou as tentativas de negar ou limitar o acesso de jornalistas estrangeiros a muitos locais do país. A organização publicou ontem o relatório “Acesso negado: vigilância, perseguição e intimidação enquanto as condições para informar na China se agravam”, elaborado a partir de inquéritos feitos a correspondentes e órgãos de comunicação social sobre as suas experiências o ano passado neste país asiático. O documento dá conta de um aumento do número de correspondentes estrangeiros que dizem que o jornalismo na China se tornou mais difícil devido às crescentes pressões das autoridades, que tentam impedir o acesso a locais sensíveis, como Xinjiang, região no noroeste e casa da minoria muçulmana uigur, a fronteira com a Coreia do Norte e zonas industriais. “Os resultados da nossa pesquisa dão evidências sólidas que sugerem que, a partir de um ponto e referência muito baixo, as condições para informar estão a piorar”, alerta o Clube dos Correspondentes Estrangeiros na China em comunicado. Cerca de metade dos correspondentes entrevistados confessaram ter experimentado a interferência, perseguição e violência física no exercício do seu trabalho e 26% garantiu que as suas fontes também foram perseguidas, detidas e interrogadas, uma situação que se repete há anos. O ano passado também não diminuíram os ataques violentos contra jornalistas estrangeiros e a intimidação aos órgãos de comunicação, que continuaram, assim, como as crescentes preocupações sobre a vigilância governamental e a invasão da privacidade que sofrem os seus correspondentes. O relatório nota ainda que as autoridades chinesas estão a utilizar o processo de renovação de vistos para pressionar os jornalistas e os meios de comunicação cujo trabalho não é do seu agrado. O Comité para a Protecção de Jornalistas, no seu último relatório, publicado em Dezembro último, deu conta que a China era o segundo país no mundo com mais jornalistas detidos, 41 no total.
Hoje Macau China / ÁsiaTecnologia 5G : Pequim responde a declarações americanas [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s EUA estão desagradados com a competência tecnológica das empresas chinesas e o proteccionismo parece ser o caminho escolhido para a defesa Pequim apelou, na segunda-feira, à comunidade internacional para melhorar o diálogo e a cooperação com base na confiança mútua, de modo a lidar conjuntamente com ameaças à segurança cibernética. A porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Hua Chunying, solicitou a cooperação depois de declarações de um alto funcionário dos EUA, no domingo, sobre os planos do governo americano para criar uma rede sem fios 5G, visando combater uma alegada ameaça de espionagem da China aos telefonemas dos EUA. O funcionário, confirmando o essencial de um relatório do portal de notícias Axios.com, disse que a opção estava a ser debatida num nível inferior na administração, estando entre seis a oito meses de ser considerada pelo próprio presidente. O conceito de rede 5G tem como objectivo abordar o que as autoridades consideram uma ameaça da China à segurança cibernética e à segurança económica dos EUA. Este mês, a AT&T foi forçada a retirar um plano para oferecer aos seus clientes aparelhos construídos pela Huawei Technologies Co, da China, por causa da pressão sobre os reguladores federais por parte de alguns membros do Congresso. Em 2012, a Huawei e a ZTE Corp foram alvos de uma investigação dos EUA sobre se os seus equipamentos proporcionavam oportunidades para espionagem estrangeira. “A China mantém uma posição consistente sobre a questão e o governo proíbe e reprimirá qualquer forma de ataque cibernético”, reforçou Hua. “Acreditamos que a comunidade internacional deve, com base no respeito mútuo e na confiança, fortalecer o diálogo e a cooperação e dar as mãos para enfrentar a ameaça dos ataques cibernéticos, de modo a manter a paz e a estabilidade do ciberespaço”, disse. Wang Yiwei, professor de estudos internacionais na Universidade Renmin da China, disse que a acção dos EUA tem vários propósitos. Sob o pretexto da ameaça, os EUA estão a disseminar o proteccionismo, o que desagrada à China, disse Wang. “Os EUA atribuem demasiada importância ao mercado 5G, mas perderam o estatuto de monopólio na área. Por isso, o país está a tentar recuperar do atraso e permanecer vigilante contra a China”, concluiu.
João Paulo Cotrim PolíticaPeças soltas Tivoli, Lisboa, 22 Janeiro 2018 [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]avia por onde celebrar e de copo na mão: os milhares de páginas, os milhões de leitores, a persistência em voos outros, em distintas paisagens, na atenção ao que por cá se faz e a quem o cria, enfim, a aceleração de motores que a revista UP foi suscitando na última década. Os aviões da TAP aumentaram o número de vigias, que deram a ver mais mundo com esta experiência nascida da paixão. Ergui o copo com a equipagem, não apenas a das ideias, palavras ou imagens, mas também com alguns mecânicos do fazer acontecer ou do papel e da impressão. Abracei de fugida a Paula [Ribeiro], alinhavei meia dúzia de afazeres, fatalidade dos dias, acertei compromissos que teimam em escapar das irrequietas agendas, troquei piadas e duas reflexões além do que me esqueci, ainda me diverti com a pequena Leonor, a mais nova da Sari [Veiga] e do Jorge [Silva], antes de aguentar a rudeza de um triste. Prometi, enfim, percorrer com o Rui [Cardoso Martins] a rota do melhor frango assado do mundo, que, como é sabido, se instalou na Praça do Chile e zonas adjacentes. Não concordamos no primeiro lugar, mas buscaremos consenso, sendo o mais provável que nos percamos antes de nos reencontrarmos em Cardoso Pires. Anjos, Lisboa, 23 Janeiro 2018 Mão querida, teimosa na partilha dos versos com que forra os seus dias com admirável disciplina, oferece-me «Sombras de Sombras», de Adam Zagajewski (ed. Tinta da China), ao qual há anos não regressava. Este livro e não outro podia ilustrar o cenário destas horas sombrias e ofegantes, de que serve de exemplo este Lá Onde a Respiração. «Está só em cena/e não tem nenhum instrumento.// Coloca as mãos sobre o peito,/lá, onde nasce a respiração/ e onde se extingue.// Não são as mãos a cantarem/nem o peito.// Canta o que está calado.» Luiz, Lisboa, 24 Janeiro 2018 Outro grande momento de reflexão sobre o teatro, em palco e em corpo, no que parece configurar tendência. O pressuposto de Marco Martins ao encenar «Actores», de tão simples e radical, resultou fulgurante: Bruno Nogueira, Carolina Amaral, Miguel Guilherme, Nuno Lopes e Rita Cabaço a fazerem de si próprios no corpo e alma de personagens (com a Carolina a desdobrar-se ainda em Luísa Cruz). O palco disforma, pelo que nunca seriam exactamente eles, apesar do muito de cada um ali desvelado, em narrativa e interpretação, mas o jogo de espelhos ergue-se infinito e fascinante. Entramos em pleno avesso, na carpintaria que sustenta o enorme cenário do humano a fingir sê-lo mas de um modo tal que se faz mais carne e osso que o real. Esta nudez travestida, como em documentário encenado, até por usar câmara para ampliar rostos e efeitos, mise en abîme também da sala, pôs a matutar, ensinou, ridicularizou e comoveu. Logo a princípio, em cena de nada, o Nuno e Rita encheram a sala com a expressão de sentimentos avulsos, anunciando o que confirmariam: são gigantes. Na composição da matéria desta peça, que aproveita fragmentos de trabalhos antigos, no trabalho de voz e corpo, nas figuras que compõem, na extrema generosidade. A Rita Cabaço… Habita nela um sopro que a tornará, para mim e por muito tempo, a imagem da graça. O drama parte da memória de cada um para alcançar manifesto colectivo acerca da essência da representação, invocando os medos, as fragilidades, bem como conseguimentos, sucessos e pesadelos, em sequência de montanha russa que não pára nem durante o intervalo. Que sobrará do deus ex machina encenador depois disto, para onde o empurram os actores a fazer de si em roda (quase) livre? O Gonçalo [M. Tavares], na sua habitual brincadeira a reflectir com o espelho, também ilumina, na folha de sala, fragmentos do sucedido e toca, às tantas, o problema do público médio, alvo da intensidade do actor, sendo que, para ele, «o encenador ocupa a sua cadeira». Não sei, não. A inteligência dramatúrgica do Marco Martins tocou-me e a estupidez média do público não deixou de me irritar. Andamos precisados de rir, mas, que diabo, o Bruno Nogueira merece mais do que gargalhadas só por estar. Horta Seca, Lisboa, 25 Janeiro 2018 Carga melancólica, estou agarrado pela expressão aplicada ao bom gigante do boxe, José Santa «Camarão» (1902-1967), que o Xavier Almeida em boa hora e mão segura resgatou do esquecimento com «Santa Camarão» (ed. Chili Com Carne). A narrativa gráfica engana sugerindo rapidez na leitura, mas a interpretação das imagens, da sua sequência, do ritmo com que se conta, pede tempo. Lê-se num fósforo os passos de um fragateiro descalço de Ovar até ao boxeur das botas 49 de Lisboa por caminhos que não terão sido os do sucesso. Mas há que voltar várias vezes de comboio à sua terra de beira-mar, revisitar a figuração do desespero por se sentir monstruoso, rever as suas mãos amassar o pão, as mesmas que lhe darão um destino. Um desenho nervoso, com belas e diferentes soluções gráficas, a sugerir mais do que a mostrar, a colocar-nos sem esforço e com elegância nos lugares e no tempo, sempre a preto e cinza. O tom e o estilo do Xavier revelam-se notáveis no desenho sensível e sem golpes baixos de um anti-herói solitário, triste e perdido. Afinal, excelente metáfora de um certo Portugal naqueles inícios descalços do século XX. Horta Seca, Lisboa, 27 Janeiro 2018 Mal conheci Edmundo Pedro, mas conheço-o bem. Sei da coragem e das circunstâncias, do modo de andar e de contar, ambos atirados para diante, em busca de mais horizonte. Testemunha de um certo país que não se rendeu ao medo nos idos sombrios do século passado. Gostava de lhe ter editado as memórias, confesso. Faz-nos tanta falta a memória. Temos agora um pouco menos. Santa Bárbara, Lisboa, 28 Janeiro 2018 Faz hoje 60 anos, mas tem a minha idade. Não saberia pensar sem este minúsculo tijolo. Possuía poucas peças, quase todas básicas como as cores. Mais do que suficientes para criar mundos inteiros e complexos, gigantescos acidentes, luxuriantes arquitecturas e não menos exuberantes ruínas, armas vanguardistas, ameaças terríveis e defesas inexpugnáveis, simples combinações abstractas, absurdos a várias dimensões. Não saberia imaginar sem os pequenos tijolos de plástico que cabiam todos numa lata redonda. Não saberia ler ou escrever sem Lego. Sem os legos, a palavra seria apenas isso.
Amélia Vieira h | Artes, Letras e IdeiasAL- ANDALUZ «Conheço-vos as areias e os sonhos» [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]os céus está agora um belo quarto crescente que no levante indica que a Primavera não tarda e que o que cresce na alta noite tem um nome que para os mortais ainda é difícil enunciar. É uma noite que recrio no reino dos Almorávidas, a lua crescente é uma figura geométrica e naquela curvatura que fechará o circulo reside o desenho de toda a vida: é um embrião, e não paramos de olhar os pontos fixos dos eixos extremos, é uma contemplação extraordinária. Não me esqueço que me passeio por antigos reinos de califados, omíadas e taifas, que o refrão das suas vogais nos penetra todos os dias e que devemos muito do pão da terra às noras, aos alambiques às alquitarras. Pese embora o exaltante momento das Descobertas, foi este antigo Império o grande civilizador, pois que a nossa presença em África nunca o foi, salvaguardando o interesse do ouro do Brasil, nada empobreceu mais a nação que epopeia marítima e a relação com África: primeiro, visto que não havia método civilizador, nem o catolicismo era uma atraente matéria antropológica; depois, já que os homens se foram e ficaram os incapazes, daí um país que se geriu por mulheres fecundadas por seres estranhamente diminuídos de quem somos herdeiros vai para quinhentos anos. E se isso não bastasse, o retrocesso da nossa civilidade ao instituir a escravatura como tráfico de mercadoria. Por tudo isto, e até hoje, creio que África nos despojou de outra vocação bem mais interessante que era o tanger da cítara e da natureza de um reino de refinados poetas, pois jamais esquecer a terra de Al-Mu-Tamid, Beja, que fora rei de Sevilha e o maior poeta árabe antigo, o que é difícil numa era de poetas excelentes. Acabámos negreiros, colonizadores (que é diferente de invasor) e sem herança alguma a não ser a estranha associação PALOP que nasce de complexos de culpa e em termos de civilização nada acrescenta. Aquando da reconquista, Ibn-Sara, poeta árabe nascido em Santarém, escreveu assim: «ficar para um homem livre em terra de aviltamento é mostrar por minha fé uma bem grande impotência. Viaja, e se não encontrares homens generosos, pois bem, vai de homem vil em homem vil. A ignorância atrai a riqueza como o íman». Mas tenhamos sempre presente que mesmo a reconquista cristã teve momentos altos de confraternização e uma tácita diplomacia muito distinta das narrativas ensanguentadas que nos querem fazer acreditar. Parece mesmo, ao contrário do que supúnhamos, que eram muito civilizados em contraste com tudo o que aconteceu depois. E para tanto vejamos o clima de tolerância entre cristãos, judeus e muçulmanos, populações nascidas das três, moçárabes, muladis, tudo isto deu no conjunto dos dialectos o árabe-hispânico, o ladino, e toda a estrutura do que são hoje as línguas peninsulares de raiz romana. Creio que qualquer ser que esteja de fora olha para a estrutura evolutiva sem saber da sua designação. Não é certo que tenhamos evoluído, quando chegámos a África. Em território nacional fizemos um local absolutamente obscurantista como jamais tinha existido, andamos agora a “remendar” a língua para provarmos a eficácia humanista de gentes que quase nem se falam… queremos falar e não conseguimos… Mas dentro da língua estão os dadores da seiva fonética, esses, os que não podemos contornar, e nenhum retornado dessas selvas africanas terá com a saudade dos trópicos escrito algo que se parecesse com a diáspora de todos os fins de Impérios esta beleza de saudade imensa: «Só eu sei quanto me dói a separação! Na minha nostalgia fico desterrado à míngua de encontrar consolação. À pena no papel escrever não é dado sem que a lágrima trace teimosa linhas de amor na página da face. Se o meu grande orgulho não obstasse iria ver-te à noite: orvalho apaixonado, de vista às pétalas da rosa.» A saudade é um sentimento requintado, devemo-lo muito a judeus e árabes, os povos que mais civilização transportam e que prendem de memória os espaços ocupados. Para nós, o amor ficou para sempre ascensional, bem distinto da noção linguística gaulesa do «tomber amoureux». Há efectivamente um crescente poético que convém lembrar, que são temas sempre esquecidos nos compêndios escolares e sobretudo muito oscilantes com a matéria dos regimes. Os nacionalismos são efervescências nascidas no século dezanove no centro e leste europeus, nós não tínhamos que os seguir nem com eles ter alinhado em um momento histórico, mas também não parece que este novo paradigma tenha feito lembrar alguma coisa, é certo, e vamos recriando os paradoxos como se tudo fosse um filme alimentado pela cabeças estranhas de cada um. A bússola devemo-la aos árabes peninsulares que não são bem os muçulmanos da África portuguesa no Índico. Já todos a Oriente conheciam aquelas costas e creio que delas fugiram pois não lhes interessava – os jardins de laranjeiras a sul e as estradas das suas flores, um sistema agrícola que não precisou de latifúndios nem da reforma agrária onde as águas irrigavam as terras e os solos floriram sempre – foi sem dúvida o que mais interessou. No século XIII, Afonso X de Castela, avô de D. Dinis, reúne aquilo que pode ser um pacto de amizade hispânica, o acervo árabe para castelhano. Eles não se esqueceram de manter vivas as heranças dos destituídos pois que lhes sabiam da importância cultural e civilizadora e assim por longo tempo, nessa dita e obscura Idade Média, se parece ter vivido o que hoje a globalização não sabe, nem ideia tem para contemplar. Hoje sabemos deles pela desgraça actual dos atentados terroristas e não há correspondência alguma pois que os terroristas islâmicos são um produto dos Estados ocidentais: em vez de fazermos amigos, fizemos terroristas. O mundo parece ter-se esquecido que existe para além dos seus interesses económicos imediatos e cá andamos nós feitos miméticos a ver se passamos entre os vários estertores. Agora, todos virados para a Europa, num país de contornos bravios que tende para a desertificação sem freio e para uma esterilidade programada: haja quem o compre que é isso que se está a fazer e o inglês tornou-se o dialecto dos bárbaros globais que potencializa a má linguística de todas as nações. O crescente vai a passar nos céus de um antigo reino, que teve nos últimos Almorávidas os vencidos, e quase sinto o cheiro das laranjas em frescos jardins como se os céus me transportassem um fulgor de Deus tão intacto que espanta e seduz. Minha pupila liberta Quem da página é cativo: O branco, da margem certa. E da palavra, o negro vivo. ( daríamos as nossas para tão lúcido instante) IBN AMMAR, nascido em Silves
Miguel Martins PolíticaEntre Zelig e Maigret Pulvis et umbra sumus. HORÁCIO [dropcap]C[/dropcap]onforme prometido na semana passada, seguem-se algumas histórias, historietas e reflexões avulsas. Creio que, a par das que há já alguns meses vos venho confiando, serão reveladoras de um aspecto da minha personalidade no qual, modestamente, emulo o grande Comissário Maigret, criatura maior de Georges Simenon e o Zelig de Woody Allen: a vontade de ser toda a gente, de me fundir com todas as paisagens físicas e humanas com que me cruzo, o que, certamente, resulta em que seja uma pessoa de traços pouco claros, dificilmente apropriável, talvez mesmo vaga. Mas, agora, é tarde para mudar e, na verdade, não me parece que conseguisse aprender a ser de outro modo. Passemos, pois, adiante, na costumeira toada: 1 – D., arqueólogo, estava cansado de ouvir um museólogo cujo trabalho se centrava, sobretudo, nos chamados ecomuseus e cuja personalidade era, sem dúvida, algo autocentrada. Teve, então, a seguinte tirada: “É natural que te interessem os ecomuseus, porque são os únicos museus com eco: ecomuseu — eu, eu, eu…”. 2 – F., um amigo que, trabalhando para a O.N.U. e para a Cruz Vermelha, tem vivido as últimas décadas entre teatros de guerra e de fome, encontrava-se algures na Indonésia, a gozar umas miniférias da sua participação no processo de estabilização da independência timorense. Ao abandonar uma esplanada, foi abordado por um meliante local que, a cada recusa sua, lhe propunha um novo item de uma infinda ementa de iniquidades: drogas leves, drogas duras, meretrizes, mancebos, etc. Após uma última e enfática recusa, o dito malfeitor deu-se por vencido durante alguns segundos, mas, vendo, subitamente, uma luz ao fundo do túnel, aventou ainda: “Óculos escuros?”… F. não pôde deixar de sorrir face ao inesperado downgrading das mercadorias e, apesar de tudo, lá lhe comprou um par de lunetas. 3 – Ernesto Sampaio foi um dos mais interessantes escritores e críticos da segunda metade do século XX português. O seu livro “Fernanda” (editado pela Fenda em 2000, um ano antes da sua morte) é uma das mais belas elegias da língua. Ora, nos últimos meses da sua vida, tive oportunidade de beber bastantes copos com o Ernesto, num bar que então tinha no Bairro Alto (o mesmo se podendo dizer, pasme-se, de Cleonice Berardinelli, decana dos estudos portugueses no Brasil). Num texto publicado em 2013, o enorme Manuel da Silva Ramos recordaria: “(…) convidei o Ernesto para jantar n’A Provinciana, que é uma tasca ali perto do Coliseu, por detrás do Teatro Nacional. O Ernesto veio e comemos sardinhas. Ele andava cada vez mais triste mas o nosso jantar foi mais uma vez um modelo de humor, de como o riso pode ser a salvação do mundo. Rimos muito como dois desesperados absolutos e bebemos bem e no final levei-o ao Bairro Alto. Continuámos a beber e isso fazia-lhe bem. O Miguel Martins tinha nessa altura um bar na rua da Rosa e foi aí que levei várias vezes o Ernesto para ver se o trazia de novo à vida. O Miguel, grande admirador da obra do Ernesto, nunca nos deixou pagar nada. Bebíamos pois no meio da juventude, no meio da agitação geral”. 4 – Também conheci Fernando Lopes-Graça, nas comemorações de um seu aniversário na sua cidade natal de Tomar. Disse-me que, havia não sei quantos anos, não abria um piano. Para compor, bastavam-lhe a imaginação e a ciência, sem necessidade de verificação sonora. O mesmo constatei, anos mais tarde, suceder, por vezes, com António Victorino de Almeida, a meias com quem escrevi quatro canções para uma peça de Gogol encenada por Maria do Céu Guerra. Cinco linhas nas costas de um envelope ou num guardanapo de papel e a música flui. 5 – A dado momento da minha vida, após anos de audições musicais e reflexão sobre elas, decidi dedicar parte da minha limitada criatividade à “improvisação não-idiomática”, o que teve como corolário a gravação de bandas-sonoras para vários filmes e séries de televisão e, sobretudo, a edição, em 2014, do CD “Dada Dandy: A Favola da Medusa feat. George Haslam” pela prestigiada editora Slam Records, em cujo catálogo pontificam todos os nomes maiores do free-jazz britânico e, bem assim, luminárias como Max Roach ou Mal Waldron. Mas, antes disso, tocara já, por exemplo, com músicos como Anabela Duarte (dos Mler ife Dada), Beverley Chadwick (saxofonista de Robert Wyatt), Dennis González, Floros Floridis, Filipe Homem Fonseca (meu irmão siamês na música e membro do inenarrável duo Cebola Mol), Gail Brand, Jon Raskin, Ken Filiano, Patrick Brennan, Rodrigo Amado ou Wade Matthews, o que é para mim um privilégio e um prazer ímpar. Este último, no folheto do seu disco “Oranges”, escreve: “Imagine we’re eating dinner at Miguel Martins’ house. Imagine the wine is extraordinary. Miguel has brought me to Portugal to play three concerts, and I end up playing four…a real treat.” 6 – Tenho tido, também, a oportunidade de ver letras minhas registadas em disco por artistas como Marco Rodrigues, Cuca Roseta, Carla Pires, João-Paulo Esteves da Silva, Fernando Alvim ou Ciganos d’Ouro. E de ter poemas meus gravados na Sérvia e no Brasil. É uma experiência curiosa, essa de ouvi-los, em vez de lê-los. 7 – Elogio da dispersão: “Quando alguma coisa é alguma coisa, deixa logo de ser as outras todas, e isso é uma pena. O que é preciso é ser tudo ao mesmo tempo”, Agostinho da Silva. 8 – No meu caso, como em muitos outros, a acumulação destas actividades só é possível mediante o abandono das expectativas económicas que a maior parte dos cidadãos portugueses consideraria mínimas e pelo desenvolvimento de estratégias de sobrevivência quase sempre bastante fastidiosas. E é castrador que assim seja. Não posso deixar de pensar no que seria a produção de tantos e tão talentosos amigos caso não tivessem de debater-se com tais constrangimentos. Mas, pelo menos por cá, tarda em cimentar-se a percepção colectiva do facto óbvio de que ter gente confortavelmente dedicada à produção cultural é caro, mas que muito mais caro é não tê-la.
António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e IdeiasA Bela Cidade A bela cidade [dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]elhas praças solarengas calam-se. No azul profundo e ouro imersas, Precipitam-se sonhadoras freiras doces, Para baixo das faias abafadas e sufocantes. Das claridades castanhas das igrejas, Contemplam da morte imagens puras, belos escudos de grandes príncipes. Coroas cintilam nas igrejas. Cavalos emergem da fonte. Ameaçam das árvores garras de flores. Meninos brincam confusos pelos sonhos, À tarde, em sossego, ao pé da fonte. Meninas de pé estão junto às portas, Olham tímidas para a vida colorida. Estremecem os lábios húmidos E aguardam junto à porta. Trepidantes vibram os sons das campânulas, Ecoa o tempo de marcha e a chamada dos guardas. Estrangeiros escutam sobre os degraus. Alto no azul há sons de órgão. Claros instrumentos cantam. Através da folhagem dos jardins, ecoa o riso de mulheres belas. Baixinho cantam jovens mães. Furtivo sopra em janelas floridas As fragrâncias de incenso, alcatrão e lilases. Prateadas cintilam cansadas as pálpebras Através de flores à janela. Die schöne Stadt Alte Plätze sonnig schweigen. Tief in Blau und Gold versponnen traumhaft hasten sanfte Nonnen unter schwüler Buchen Schweigen. Aus den braun erhellten Kirchen schaun des Todes reine Bilder, großer Fürsten schöne Schilder. Kronen schimmern in den Kirchen. Rösser tauchen aus dem Brunnen. Blütenkrallen drohn aus Bäumen. Knaben spielen wirr von Träumen abends leise dort am Brunnen Mädchen stehen an den Toren, schauen scheu ins farbige Leben. Ihre feuchten Lippen beben und sie warten an den Toren. Zitternd flattern Glockenklänge, Marschtakt hallt und Wacherufen. Fremde lauschen auf den Stufen. Hoch im Blau sind Orgelklänge. Helle Instrumente singen. Durch der Gärten Blätterrahmen schwirrt das Lachen schöner Damen. Leise junge Mütter singen. Heimlich haucht an blumigen Fenstern Duft von Weihrauch, Teer und Flieder. Silbern flimmern müde Lider durch die Blumen an den Fenstern. TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, pp. 15-16
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeComunidade macaense | Membros reuniram com Chefe do Executivo O Chefe do Executivo, Chui Sai On, realizou ontem o habitual almoço de confraternização com representantes da comunidade macaense. A distinção de Macau como Cidade Criativa da Gastronomia e a importância dos macaenses para o desenvolvimento do território foram dois pontos abordados [dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]ários representantes da comunidade macaense almoçaram ontem com o Chefe do Executivo tendo sido destacado o papel que os macaenses continuam a desempenhar na sociedade local. Leonel Alves, advogado e ex-deputado, foi um dos presentes neste almoço que se realiza todos os anos e contou ao HM que foi enfatizada a importância que a comunidade continua a ter. “Este tipo de eventos já é tradicional e constitui uma boa oportunidade de diálogo para aqueles que não tenham acesso fácil ao Chefe do Executivo, e é um gesto simpático, que revela que o Chefe do Executivo tem a devida atenção à nossa comunidade. É um gesto político relevante.” O advogado referiu-se a este evento como um “gesto político de solidariedade e aceitação da nossa presença”. “Sabemos que Macau está em pleno desenvolvimento e num período de sedimentação do que está estabelecido na Lei Básica. A comunidade é parte integrante da sociedade civil de Macau e o nosso posicionamento é conhecido, bem como a nossa importância e contributo para a RAEM.” Gastronomia à mesa Outro dos assuntos abordados por Chui Sai On foi a distinção que Macau obteve como Cidade Criativa da Gastronomia, tendo o Chefe do Executivo pedido o apoio da comunidade na elaboração de uma base de dados sobre pratos macaenses, um trabalho que será desenvolvido pela Direcção dos Serviços de Turismo. “[O Chefe do Executivo] falou do contributo dos macaenses para o desenvolvimento económico e social de Macau mas também para a ligação com os outros países do mundo. Foi referido que o ano passado Macau foi distinguida como Cidade Criativa da Gastronomia da UNESCO e [Chui Sai On] disse esperar que os macaenses possam contribuir dando a sua opinião sobre a recolha de informações sobre a comida macaense”, explicou Rita Santos, membro do Conselho das Comunidades Portuguesas. Rita Santos destacou a importância de criar esta base de dados. “O nosso objectivo sempre foi que a comida macaense pudesse ser classificada como património. Os macaenses fazem as suas receitas à sua maneira e é bom centralizar esses dados, para que possam passar de geração em geração.” Rita Santos, que esteve no almoço com José Pereira Coutinho, deputado e presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM), explicou ainda que Chui Sai On prometeu “resolver alguns problemas dos funcionários públicos”. António José de Freitas, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Macau, também destacou o passo importante dado para a preservação da comida macaense. “O facto de Macau ter sido distinguida como Cidade Criativa da UNESCO muito se deve à gastronomia macaense, porque o que comemos aqui, em termos de pratos chineses, é o que existe nas regiões vizinhas. Vai projectar ainda mais a gastronomia macaense [no mundo]”, frisou. António José de Freitas lembrou que, durante o almoço convívio, foi referido que a comunidade macaense “soube, ao longo dos tempos, enfrentar desafios na sociedade e no seu conjunto”.
Hoje Macau SociedadeKiang Wu | Mais 20% de utentes desde a semana passada [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]esde a semana passada, o consultório de serviços urgentes do Hospital Kiang Wu contabilizou diariamente entre os 370 e 500 doentes. Os valores representam um aumento de 10 até 20 por cento, declarou o responsável dos assuntos administrativos médicos do organismo, He Jing Quan, ao Jornal Ou Mun. Em média, por dia, entram 430 doentes nos serviços pediátricos, o que representa um aumento de 20 por cento. Dos doentes que dão entrada nos serviços hospitalares, de 30 a 35 por cento queixam-se de problemas respiratórios Ainda assim, segundo o director do Hospital Kiang Wu, Ma Hok Cheung, com o aumento aparente da procura de vacina contra a gripe por parte dos cidadãos, o hospital enfrenta ainda uma situação de tensão. A causa, apontou à mesma fonte, tem que ver com o fornecimento das próprias vacinas. O director referiu ainda que a maioria dos utentes vacinados é composta por empregadas domésticas e trabalhadores da origem continental que não recebem apoios do Governo neste processo. O responsável do hospital estima que tenha ainda 100 doses de vacina contra o vírus da gripe e afirmou que a encomenda de mais 300 doses já foi feita, sendo que espera receber o medicamento durante esta semana.
Hoje Macau SociedadeRegistados 13 milhões de hóspedes nos hotéis o ano passado [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s unidades hoteleiras de Macau receberam mais de 13.155 milhões de hóspedes em 2017, mais 9,6 por cento em relação a 2016, indicam dados oficiais divulgados ontem. Em 2017, a taxa de ocupação média atingiu 86,9 por cento, ou mais 3,6 pontos percentuais em termos anuais homólogos, segundo a Direção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC). O número de visitantes que se hospedaram nos hotéis e pensões de Macau representou 71,8 por cento do total de turistas, uma percentagem ligeiramente inferior de 0,2 pontos percentuais, comparativamente a 2016. O período médio de permanência foi de 1,5 noites, mais 0,1 noites em relação a 2016. O número de hóspedes provenientes da Coreia do Sul (501.000) registou um aumento de 64,7 por cento, enquanto os da China continental (8.637.000) e de Taiwan (493.000) subiram de 13,5 por cento e 3,5 por cento, respectivamente. Já o número de hóspedes de Hong Kong (1.609.000) desceu 9,6 por cento, indicou a DSEC. No final de Dezembro passado, o território contava 111 hotéis e pensões (mais quatro unidades em termos anuais), oferecendo 37 mil quartos (mais 2,3 por cento). Os hotéis de cinco estrelas disponibilizaram 22 mil quartos, ou 60,1 por cento do total, de acordo com a DSEC. Macau recebeu, entre Janeiro e Dezembro, mais de 29,5 milhões de visitantes. O visitante refere-se a qualquer pessoa que tenha viajado para Macau por um período inferior a um ano, um termo que se divide em turista (aquele que passa pelo menos uma noite) e excursionista (aquele que não pernoita). Em 2016, Macau registou 12 milhões de hóspedes, mais de metade da China, com a taxa de ocupação hoteleira a corresponder a 83,3 por cento.
Tânia dos Santos SexanáliseSedução ou Assédio? [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s temas polémicos exigem-nos opiniões. Todo o movimento #metoo norte-americano (e mundial) veio levantar questões importantes acerca da nossa sociedade e da forma como percebemos o género e o sexo. Os globos de ouro foram palco de um mar negro de indumentárias de luxo femininas. A indústria cinematográfica e televisiva tem assistido a toda uma maré de acusações e queixas da forma como o assédio sexual parece fazer parte da normalidade diária – e têm havido contínuas tentativas de as condenar. Há quem ache a tentativa de activismo durante uma gala cinematográfica absolutamente patética (no sentido que não é assim que se faz política); há quem ache que o movimento se tenha tornado numa caça às bruxas; há quem ache que é de louvar a tentativa de consciencialização sobre tema. Não estou muito preocupada em pensar ‘qual a melhor forma’ de resolver o problema. Porque o que me parece central é perceber se existe um problema de todo. Se isto não é claro para muita gente, se calhar o primeiro passo é clarificar. Para mim é bastante óbvio que o problema existe, mas eu tive uma educação muito feminista – e por favor não se esqueçam que o feminismo é muito plural e diversificado – e já senti na pele as múltiplas nuances do assédio. Um dos mais importantes mitos acerca do tema é que o assédio divide os homens como os maus da fita e as mulheres como as vítimas indefesas. O que não é bem verdade, se pensarmos no género e no sexo como uma construção social, onde vários actores contribuem para os significados e práticas associadas. Gostava que esta reflexão fosse para além da lógica de ‘quem é que tem a culpa?’ – porque isso só parece atiçar hostilidade. Vamos afastarmo-nos disso por um momento, e partir para uma introspecção acerca das normas que regem as relações interpessoais, particularmente em contexto laboral. Não quero soar muito quadrada, mas quando se trabalha, acho que gostaríamos de ser tratados de forma profissional. Não me parece que deverá haver muito espaço para a sedução – para a importunação ou o assédio sexual. Quando eu faço uma apresentação de teor académico, não estou à espera que comentem as minhas pernas, o meu decote, ou a proporção da minha cintura com as minhas coxas. Mesmo no mundo distante de Hollywood, mesmo que a imagem e o sexo venda nos castings de representação, acho que temos o direito de ser avaliados de acordo com as nossas habilidades profissionais. Até que ponto é que o sexo tem que estar presente em todas as coisas da nossa vida? Parece que o sexo é commumente utilizado como uma ferramenta de controlo do outro (e das sociedade em geral). E nestes jogos de controlo, os homens normalmente assumem um papel e as mulheres normalmente assumem outro. Quando uma resposta francesa ao movimento #metoo veio a público, pareceu-me haver uma confusão entre os conceitos de sedução e de assédio. Tenho sido surpreendida pelo sarcasmo de muitos cronistas, opinadores públicos, mulheres e homens de igual forma. A sedução é um fenómeno bilateral – para um tango bem dançado são precisas duas partes com alguma coordenação. Por outro lado, o assédio já é a insistência de uma parte para com a outra – que não é desejada pelos dois, só por uma. Para além desta diferença ter que ser reforçada vezes e vezes sem conta, também vale a pena relembrar que as mulheres têm sido mais sujeitas a tratamentos menos devidos (e a esta confusão de conceitos) – o que não quer dizer que os homens não sejam assediados também. A tentativa de tornar o assédio socialmente condenável tem sido interpretado como demasiado ‘radical’ e um ‘exagero’ – isto porque considerou-se este tipo de interação como (absolutamente) normal durante muito tempo. Os homens aprendiam que era assim que podiam lidar com as mulheres, e as mulheres aprendiam que faz parte da sua existência ter que aprender a lidar com os avanços que por vezes não são desejados. Mas tem-se tentado mudar a forma como vemos o assédio, de forma a não confundi-lo com sedução. Podiam ser a mesmíssima coisa, mas felizmente, não o são.
Andreia Sofia Silva SociedadeTribunal | “Estranho de amarelo” condenado a pagar multa de seis mil patacas [dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m homem de meia idade, que habitualmente usava roupas amarelas ou vermelhas e que costumava protestar com um altifalante na zona do largo do Senado ou da avenida da Praia Grande foi condenado, por cúmulo jurídico, ao pagamento de uma multa de seis mil patacas pelos crimes de desobediência qualificada e crime de difamação agravada. O valor terá de ser pago nos próximos três meses, aponta um acórdão do Tribunal Judicial de Base (TJB). Além disso, o homem, de nome Hoi Vong Chong, tem também de pagar duas mil patacas de indemnização a um chefe da polícia pelo facto de o ter acusado do “encobrimento de [uma] certa companhia de seguros, bem como de violação da lei, de abuso de poder e de privação do direito à manifestação dos cidadãos”. Contudo, o tribunal considerou que o arguido “não sabia qual a relação que existia entre o chefe de polícia e a companhia de seguros, nem tinha prova que demonstrasse o encobrimento da companhia de seguros pelo referido chefe de polícia”, não se tendo verificado “abuso de poder no acto praticado pelo chefe de polícia a 14 de Março de 2016”, aponta o acórdão. Há vários anos que o arguido vinha realizando protestos nas zonas do Senado e da avenida da Praia Grande, envergando cartazes que acusavam um chefe da polícia de ter encoberto “uma certa companhia de seguros” e de ter privado “os cidadãos do seu direito à manifestação”. Apesar do individuo estar há vários anos em protesto nos mesmos locais, este nunca tinha sido autorizado pelo Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais. O homem chegou a ser avisado pelo chefe de polícia visado nos protestos, mas o aviso foi ignorado. Depois de ter sido levado à esquadra de polícia, o homem continuou a distribuir “aos transeuntes as cópias da comunicação e exibiu cartazes com slogan na manifestação”. O TJB considerou que “o arguido imputou publicitariamente à vítima, sem qualquer juízo fundado, o assunto em apreço que ofendeu a honra da vítima como chefe de polícia”.
Hoje Macau InternacionalCPLP : Portugal e Cabo Verde propõem livre circulação [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, disse, hoje, na cidade cabo-verdiana do Mindelo, que espera contar com os restantes países da CPLP para avançar com uma proposta luso-cabo-verdiana de livre circulação na comunidade. Na cidade do Mindelo, ilha de São Vicente, onde cumpriu o primeiro dia de visita a Cabo Verde, Augusto Santos Silva disse que a proposta luso-cabo-verdiana já foi apresentada aos restantes países e está a ser estudada. “E contamos com os nossos parceiros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) para que ela possa ir avante”, afirmou o chefe da diplomacia portuguesa. A proposta luso-cabo-verdiana, explicou Augusto Santos Silva, consiste na criação de autorizações de residência nos países-membros da comunidade lusófona, cujo critério determinante seja a nacionalidade. “Isto significaria que os cabo-verdianos poderiam trabalhar, estudar, residir livremente em Portugal, os portugueses no Brasil, os brasileiros em Moçambique, os moçambicanos em São Tomé, os são-tomenses em Cabo Verde e por aí fora, por serem nacionais de um espaço comum, que é a CPLP”, mostrou. O ministro português sublinhou, por outro lado, que isso implicaria questões de segurança, que cada país terá, segundo as suas leis e suas regras. “Implica também o reconhecimento das habilitações académicas e qualificações profissionais recíproca e também a portabilidade dos direitos sociais”, notou, explicando que, assim, quando um cidadão trabalhar noutro país, os seus descontos para a segurança social nesse país poderiam servir para a reforma no país de origem.
Hoje Macau SociedadeLai Chi Vun | Deputado Wu Chou Kit quer estaleiros parcialmente preservados [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s estaleiros de Lai Chi Vun devem ser preservados mas a zona deve também dar lugar a espaços de lazer. A ideia é defendida pelo deputado nomeado Wu Chou Kit. Em declarações ao jornal Ou Mun, Wu Chou Kit é claro: “que se preservem os melhores estaleiros para museu e que se utilizem os outros espaços para fins de lazer ao público”, referiu. GCS O também membro do Conselho do Planeamento Urbanístico entende que a questão que se coloca quanto àquela área em Coloane, é a de saber se a zona deve ser totalmente ou parcialmente mantida. Para Wu Chou Kit, toda a zona dos estaleiros deve ser aproveitada pela população, mas nem todas as infra-estruturas nesta zona devem ser preservadas. De acordo com o deputado, “é viável que se salvaguardem os estaleiros que estão com estruturas completas, dando-lhes trabalhos de consolidação para assegurar a sua estrutura, a fim de garantir a segurança pública especialmente nas alturas de mau tempo”. Estaleiros familiares Quanto ao uso dos estaleiros, Wu Chou Kit sugere que sejam transformados numa zona museológica para “dar a conhecer a história da indústria naval de Lai Chi Vun através de modelos, vídeos e desenhos animados”, acrescentando que podem existir outros espaços, onde os estaleiros sejam removidos, para fins de lazer. “Além de proteger a paisagem parcial original de Lai Chi Vun, disponibilizam-se mais espaços ao uso público”, aponta. Wu Chou Kit sublinha que apesar da maioria das vozes na sociedade apontar que os vestígios de Lai Chi Vun merecerem ser protegidos, existem cidadãos que se opõem à salvaguarda dos estaleiros. O deputado recorda as opinições dde alguns moradores que se mostraram a favor da demilição das construções e defende que “todas as opinições devem ser respeitadas”. Na opinião do deputado, “todas as opiniões merecem ser respeitadas, sendo necessário proceder-se à sua classificação e deixar a sociedade decidir o futuro dos estaleiros”.