Casamento homossexual

[dropcap style≠‘circle’]N[/dropcap]o final da semana passada um jornal de Hong Kong publicou uma noticia sobre a derrota judicial de Leung Ching-kui, funcionário superior do Gabinete de Imigração. O caso prendia-se a reivindicação dos beneficíos sociais a que o seu esposo deveria ter tido direito por casamento. O Tribunal de Recurso deu razão ao Gabinete da Função Pública e ao Departamento Local de Contribuições. O casal viu ainda rejeitada a hipótese de apresentar uma declaração de rendimentos conjunta. Leung confessa-se desiludido e afirma que vai tomar medidas para continuar com a acção.

Ambos consideram este veredicto como um gigantesco passo atrás na luta contra a discriminação dos casais homossexuais em Hong Kong. Leung salienta que não estão a exigir um estatuto especial e que só esperam poder ser tratados com respeito e numa base de igualdade.

O Tribunal de Recurso expressou no veredicto a ideia de que é vital a preservação do conceito do casamento tradicional. Os benefícios devidos aos esposos e o direito de declarar os rendimentos em conjunto são prerrogativas matrimoniais. No entanto, o Tribunal de Recurso negou ambos os direitos Leung, que ainda terá de pagar as custas de tribunal.

O Tribunal salientou que em Hong Kong, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista social, o único casamento reconhecido é o heterossexual. Assim, é mais importante defender o conceito do casamento tradicional do que encorajar as pessoas a casarem-se. Se os benefícios e direitos de que usufruem os casais heterossexuais se estender aos casais homossexuais, o conceito de casamento tradicional poderia ser posto em risco. Como a Lei Básica, e a opinão pública, de Hong Kong só reconhecem o casamento heterossexual, o interesse público é um factor de peso nos julgamentos. O Tribunal compreende que o queixoso se sinta financeiramente injustiçado. No entanto, se puseremos o “interesse publico” no outro prato da balança, a situação ficará equilibrada.

Três juizes do Tribunal de Recurso consideraram que a preservação do conceito do casamento tradicional ditou a sentença que privou este casal de benefícios e de outros direitos matrimoniais. A sentença não implica discriminação indirecta contra a orientação sexual do queixoso. O Tribunal acrescentou que, já que o conceito social de casamento foi a questão central deste julgamento, como os conceitos sociais mudam significativamente ao longo dos tempos, a decisão que agora foi tomada pode vir a ser alterada, se este conceito mudar.

O ano passado, uma lésbica britânica foi contratada para trabalhar em Hong Kong. QT, a sua esposa, apresentou uma petição ao Departamento de Imigração, para ficar no território como dependente. O pedido foi indeferido. O Tribunal de Segunda Instância rejeitou o pedido, mas QT recorreu e ganhou o recurso. É interessante que os três juizes que deliberaram no caso de QT, tenham sido exactamente os mesmos que presidiram ao caso de Leung. No entanto, as decisões foram completamente diferentes.

No caso de QT, os juizes argumentaram que também o sistema do matrimónio “monogâmico” não poderia ser posto em causa em Hong Kong, por ser anti-constitucional. Neste caso os juizes apenas tomaram em consideração se o queixoso estava, ou não, em situação de acordo com as directrizes governamentais de Hong Kong. O Departamento de Imigração não foi chamado para reconhecer o estatuto de depêndencia de QT, enquanto parte de um casal homossexual.

No entanto, os juizes salientaram que, ao abrigo da mesma política, o Departamento de Imigração já tinha reconhecido casamentos poligâmicos, e conferido o estatuto de dependência a mais do que uma esposa do mesmo homem. O Tribunal considerou que a recomendação resolvia a contradição e deliberou a favor de QT.

No caso de Leung, vemos claramente que a decisão dos juizes foi condicionada pela crença de que casamento só se pode efectuar entre um homem e uma mulher. Como o Tribunal afrmou, o veredicto pode ser considerado controverso. No entanto, a decisão não pode ser facilmente aceite pelos casais homossexuais. Mesmo hoje em dia, especialmente nas comunidades chinesas, o casamento homossexual continua a não ser bem aceite. Como os juizes referiram, possivelmente as mentalidades irão mudar ao longo dos tempos. Mas actualmente, já que se aceita a homossexualidade, também deveria ser fácil aceitar o casamento homossexual. Mas, por enquanto, não é.

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