Hong Kong | Membro do Partido Democrata detido por suspeita de mentir

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] membro do Partido Democrata de Hong Kong que na semana passada disse ter sido raptado e torturado na cidade por agentes da China foi ontem detido por suspeita de prestar falsas declarações à polícia.

“A polícia tem motivos para acreditar que a pessoa em questão forneceu informações falsas para enganar os agentes”, disseram ontem as autoridades em comunicado, citadas pela agência France Press.

Howard Lam foi detido durante a madrugada de ontem, por volta das 3:30, e levado algemado da sua casa, em Ma On Shan, para a esquadra de Hung Hom para investigação, informou a Rádio e Televisão Pública de Hong Kong.

Os agentes fizeram buscas ao apartamento de Lam durante mais de uma hora e levaram uma série de objectos, incluindo telemóveis, um computador portátil e uns óculos de sol.

Dúvidas em relação ao relato do alegado sequestro emergiram depois de a agência de notícias FactWire ter noticiado uma versão diferente dos acontecimentos na segunda-feira.

A FactWire informou que múltiplas câmaras de videovigilância em Yau Ma Tei desacreditaram a versão da alegada vítima de que tinha sido sequestrado na tarde de quinta-feira passada quando estava a caminho de uma estação de metro, em Pitt Street.

Howard Lam disse na sexta-feira que foi raptado, drogado e torturado um dia antes no bairro de Mong Kok, em Hong Kong, por ter a intenção de fazer chegar à viúva do dissidente chinês Liu Xiaobo uma foto autografada do jogador argentino Lionel Messi.

Howard Lam disse que quando recuperou os sentidos estava numa praia em Hong Kong. Também mostrou as pernas com vários agrafos metálicos dispostos em forma de cruz, algo que atribuiu ao facto de ser cristão.

O membro do Partido Democrata também atribuiu o alegado ataque de que foi alvo a agentes do interior da China, afirmando que os alegados sequestradores falavam mandarim. A língua comummente falada em Hong Kong é o cantonês.

As autoridades chinesas não podem interferir nos assuntos de Hong Kong, que até 2047 é governada ao abrigo do princípio “Um país, dois sistemas”.

O alegado sequestro em Hong Kong de um bilionário chinês no início deste ano e os desaparecimentos em condições misteriosas de cinco livreiros estabelecidos na antiga colónia britânica aumentaram os receios de que Pequim tenha ultrapassado os limites.

Campanha contra esquemas em pirâmide após morte de quatro jovens

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China lançou uma campanha contra esquemas em pirâmide, uma prática fraudulenta em crescimento no país, que resultou na morte de quatro pessoas desde Julho passado, vítimas de grupos criminosos, foi ontem noticiado.

A Administração Estatal para a Indústria e Comércio da China anunciou, em comunicado, que vai cooperar com quatro Ministérios para combater aquele tipo de esquema fraudulento.

A redução consecutiva das taxas de juro no sistema bancário chinês e a volatilidade no mercado bolsista, aliados à incerteza no sector imobiliário, terão atraído cada vez mais investidores chineses para esquemas de angariação ilegal de fundos.

Só no ano passado, a polícia chinesa investigou 2.826 casos de esquemas fraudulentos, um aumento de 20% em relação ao ano anterior.

Segundo o jornal oficial China Daily, as vítimas entram no esquema atraídas por falsas ofertas de trabalho, sendo mantidas em dormitórios e forçadas a recrutar amigos e familiares.

Desde o mês passado, as autoridades registaram quatro mortes relacionadas com aquela prática fraudulenta, enquanto 230 pessoas no sul do país foram presas, depois de uma rara manifestação nas ruas de Pequim.

O corpo de uma das vítimas foi encontrado no início deste mês, num rio da província de Hubei, no centro do país. Outras duas vítimas foram registadas pelas autoridades do município de Tianjin (nordeste) e uma outra em Shanxi, no norte da China.

Todos os mortos tinham cerca de 20 anos.

Em Dezembro de 2015, as autoridades chinesas desmontaram um esquema gigante, que ludibriou cerca de 900.000 pessoas em mais de 50 mil milhões de yuans.

Em muitos casos, os esquemas mantêm a aparência de empresa legítima, fornecendo informação falsificada sobre transações financeiras e com escritórios nos distritos financeiros das principais cidades chinesas.

16 Ago 2017

Pequim vai proteger interesses chineses face a investigação dos EUA

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo chinês criticou ontem a decisão do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de ordenar uma investigação sobre as práticas da China na área da “propriedade intelectual” e garantiu que protegerá os interesses chineses.

Em comunicado, o Ministério do Comércio chinês afirmou que o memorando, assinado na segunda-feira por Trump, viola os acordos de comércio internacionais.

A mesma nota garantiu que Pequim vai agir, caso as empresas chinesas sejam prejudicadas, mas sem avançar como.

Trump pediu aos responsáveis pelas políticas comerciais norte-americanas para averiguar se Pequim exige indevidamente que as empresas estrangeiras transfiram tecnologia, em troca de acesso ao mercado chinês.

Organizações comerciais de empresas tecnológicas enalteceram a decisão, mas as autoridades chinesas criticaram o “forte unilateralismo”, que viola o espírito internacional dos acordos comerciais.

“Se o lado norte-americano ignora o facto de que não respeita regras comerciais multilaterais e age para prejudicar as relações económicas e comerciais entre os dois lados, o lado chinês nunca se irá acomodar”, indicou o comunicado.

Pequim “adotará todas as medidas apropriadas para proteger firmemente os interesses e direitos legítimos do lado chinês”, afirmou.

Fala Donald

Em Abril, Trump disse que iria pôr de lado disputas sobre o acesso ao mercado e política cambial, enquanto Washington e Pequim trabalharem juntos para persuadir a Coreia do Norte a desistir do programa nuclear.

Nas últimas semanas, a administração norte-americana voltou a adoptar uma posição mais dura em relação às questões comerciais.

“Acreditamos que o lado norte-americano deve respeitar rigorosamente os compromissos e não ser o destruidor de regras multilaterais”, afirmou o Ministério em comunicado.

Na véspera do anúncio de Trump, o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês pediu ao líder norte-americano para evitar uma “guerra comercial”.

Em 2016, Pequim registou um excedente de 347 mil milhões de dólares  no comércio com Washington. Trump culpa frequentemente a China pelo défice comercial norte-americano, apontando práticas de concorrência desleal de Pequim.

Há várias décadas que as empresa estrangeiras acusam empresas chinesas de pirataria e roubo de tecnologia.

Pequim está a lançar um plano designado “Made in China 2025”, para transformar o país numa potência tecnológica, com capacidades nos sectores de alto valor agregado, incluindo inteligência artificial, energia renovável, robótica e carros eléctricos.

16 Ago 2017

Ruy Castro escreve biografia sobre autor Nelson Rodrigues

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] vida “mítica” e “trágica” do autor brasileiro Nelson Rodrigues é revelada pela primeira vez numa biografia escrita por Ruy Castro, intitulada “O Anjo Pornográfico”, que chega às livrarias portuguesas no dia 25, pela editora Tinta-da-China. “Como se verá, ninguém o conheceu direito. Até agora”, escreve o biógrafo Ruy Castro, na introdução do livro em que conta a “espantosa vida de um homem que sempre foi arrastado para uma realidade mais dramática do que aquelas sobre as quais escrevia”.

Ruy Castro, considerado o maior biógrafo do Brasil, partiu de uma investigação exaustiva para construir esta biografia, sustentada em entrevistas feitas a mais de 120 pessoas que conheceram o escritor, consulta de arquivos e leitura dos seus livros.

É deste modo que Ruy Castro segue o rasto das obsessões que gravitam em torno de Nelson Rodrigues – sobretudo o sexo e a morte – e tenta responder às “muitas questões que pairam sobre a forte impressão que deixou: Génio ou louco? Tarado ou pudico? Reaccionário ou revolucionário? Raivoso ou apaixonado?”.

O resultado é a “assombrosa história” de um homem que, “além de escritor prolífico, com uma produção a todos os títulos espantosa”, foi também protagonista de uma “vida extraordinária”: com pobreza, fome, a cegueira da filha, sucesso e declínio, doenças fatais e sucessivos golpes à sua vasta família, desde homicídios (como a do irmão Roberto, a que assistiu) a soterramentos.

Ruy Castro explica que a narrativa lembra às vezes um romance, porque “não há outra maneira de contar a história de Nelson Rodrigues e da sua família”, mais trágica e rocambolesca do que qualquer das suas histórias, mas simultaneamente tão fascinante como as que criou. No entanto, não há neste livro qualquer estudo crítico, análise ou interpretações, apenas a explicação de onde, quando, como e por que Nelson Rodrigues escreveu todas as suas peças, romances, contos e crónicas.

Como exemplo, o autor refere que, num capítulo dedicado à peça de teatro “Vestido de Noiva”, não há teorizações de qualquer tipo sobre o significado dessa peça, tendo apenas pretendido saber, e revelar, o que aconteceu antes, durante e depois da montagem, na plateia, no palco, nos bastidores e como isso se reflectiu na vida de Nelson Rodrigues.

A biografia inclui uma compilação de fotografias obtidas em acervos de parentes ou amigos de Nelson Rodrigues e em arquivos de jornais.

A surpresa ambulante

Escritor polémico, Nelson Rodrigues carregou durante muitos anos a fama de “tarado” e nos seus anos finais a de “reaccionário”, tendo sido perseguido durante toda a vida, da direita à esquerda pela censura e pelos críticos, pelos católicos e pelas plateias, e “todos, em alguma época, viram nele o anjo do mal, um câncer a ser extirpado da sociedade brasileira”. Mas, ao mesmo tempo que queriam “caçá-lo a pauladas”, havia muitos para quem parecia impossível admirar Nelson Rodrigues o suficiente, acrescenta o seu biógrafo, lembrando que “para alguns, era um santo; para outros, um canalha; para todos, sempre, uma surpresa ambulante”.

Ruy Castro é também autor das aclamadas biografias de Carmen Miranda e Garrincha, e tem publicado em Portugal “Chega de Saudade: A História e as Histórias da Bossa Nova” e “Carnaval no Fogo”, ambos pela Tinta-da-China.

Editou e prefaciou várias colectâneas de textos de Nelson Rodrigues, cuja obra completa está a ser publicada em Portugal pela mesma editora, que conta já com os livros de crónicas, de memórias, de contos e o único romance escrito em nome próprio.

16 Ago 2017

Japão | Museu de Yayoi Kusama é inaugurado em Outubro

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] um dos nomes principais das artes japonesas, uma das artistas mais bem-sucedidas do mundo. A octogenária Yayoi Kusama vai ter um museu dedicado exclusivamente à sua obra. O espaço fica em Tóquio e já tem data para a inauguração

Será um local obrigatório numa visita à capital do Japão. A partir de 1 de Outubro, na zona de Shinjuku, vai ser possível ver várias obras de Yayoi Kusama num espaço só. Pintora, escultura e escritora, Kusama tem um trabalho que fica para a história da arte por ter uma obsessão por pontos. A arte da octogenária é conhecida como “Polka Dot”.

O museu dedicado à artista japonesa com maior projecção ao nível internacional tem cinco andares. Trata-se de um edifício branco, da autoria do arquitecto Kume Sekkei, que ficou concluído em 2014. Nada se sabia sobre o que poderia ser o prédio branco com grandes janelas de vidro e muito se especulou sobre a futura utilização da estrutura. Sabia-se que estava ligado a Yayoi Kusama e a imprensa japonesa admitia a possibilidade de ser um museu, que ainda não teria aberto portas por causa da saúde da artista.

Yayoi Kusama vive num hospital psiquiátrico no Japão, para onde foi de livre vontade em 1977, depois de ter passado quase 20 anos em Nova Iorque. A artista sofre de transtorno obsessivo-compulsivo, sendo que os pontos que utiliza no que faz são precisamente uma das suas maiores obsessões.

Sem grandes detalhes, o Museu Yayoi Kusama, que conta já com um website, anunciou que o espaço está pronto para ser inaugurado. No rés-do-chão, junto à entrada, haverá uma loja de recordações. Os segundo e terceiro andares são destinados aos trabalhos da artista plástica, com o quarto piso reservado a instalações. No quinto andar há uma sala de leitura onde será possível consultar documentos e outros materiais sobre a Kusama e a sua obra. Há ainda um espaço ao ar livre.

O museu terá duas exposições diferentes por ano. Na inauguração, vai ser exibida uma mostra que, em português, terá o título “A criação é uma busca solitária, o amor é o que nos aproxima da arte”. Estará patente até 25 de Fevereiro do próximo ano. O bilhete de acesso ao museu custará pouco mais de 70 patacas.

De Nagano para o mundo

Nascida na prefeitura de Nagano em 1929, filha de uma família abastada mas disfuncional, Yayoi Kusama começou a pintar pontos e redes por volta dos dez anos. Foi por essa altura que começou a ter alucinações que descreveu como “luzes e campos densos de pontos”. Esses momento envolvia flores que falavam com Kusama, padrões que ganhavam vida e se multiplicavam, um processo que viria a aplicar na carreira artística e ao qual chamou de “auto-obliteração”.

Aos 13 anos, em plena Segunda Guerra Mundial, foi enviada para uma fábrica de materiais militares, onde cosia para-quedas para o exército japonês. Recorda a adolescência como um período de escuridão, mas diz também que foi durante esta fase que descobriu a liberdade criativa.

Em 1948, foi estudar pintura para Quioto. Descontente com o que se fazia, na época, no panorama artístico do Japão, começou a interessar-se pelo movimento avant-garde europeu e americano. Durante a década de 1950, teve algumas exposições individuais em Matsumoto e Tóquio.

Em 1957, a artista nipónica mudou-se para os Estados Unidos. A arte que fazia passou a ser em grande escala: quadros e esculturas de dimensões consideráveis, com recurso a espelhos e a luzes. No final da década de 1960, participou em várias manifestações ligadas ao movimento contra a guerra.

Com o seu trabalho reconhecido também na Europa, Yayoi Kusama regressou ao Japão em 1973. Continuou a pintar, mas também se dedicou à escrita, tendo vários romances publicados. Os seus trabalhos já passaram pelos principais museus e galerias do mundo, do Georges Pompidou, em Paris, ao MoMA, de Nova Iorque, passando pela Tate Modern, em Londres.

Tem uma longa lista de prémios e foi objecto de teses, livros e documentários. Em 2014, foi considerada a artista mais popular do mundo. No ano em que a arte extravagante de Kusama atravessou a América do Sul, as suas obras foram vistas por mais de dois milhões de pessoas.

16 Ago 2017

A ironia é um passaporte

 

Fidalgo, Bairro Alto, Lisboa, 2 Agosto

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]erto e sabido: não nos encontramos na refeição apenas para comer. Celebramos Gaia. Por breves momentos, somos matéria afinada, ser e planeta, absorvendo a vida que dele resulta para a prolongar nos modos que soubermos. A arte da mesa fez-se sinal enorme de civilização, um gosto atento aos detalhes, capaz de retirar de cada grão o essencial. Não distingo nisto, nem a amizade, maneira de criar chão e céu vencendo a solidão a que somos destinados, nem a cultura, a ferramenta com que operamos a mais cirúrgica das funções: sabedoria.

Na prateleira, a mancha de texto distingue bem a garrafa das restantes. Palavras a vestir o vinho. Juntou-se, em rótulo de vinho exclusivo de restaurante com os pergaminhos do Fidalgo, o desenho original à pena de autor desconhecido, mas oriundo de uma redacção qualquer do velho Bairro Alto, um texto de Ateneu a explicar a cadência das refeições, devidamente traduzido e enquadrado pelo mano António [de Castro Caeiro], tudo sob a batuta gráfica do mano José Teófilo [Duarte]. Testemunho simples de gestos talvez complexos: à mesa se celebra o começo e o fim dos dias. O negro dança sobre fundo branco e o vinho é da região de Lisboa. Aconselha-se vivamente.

Santa Bárbara, Lisboa, 5 Agosto

A nossa casa ergue-se em largo lugar com o nome da santa que, na tradição cristã e por via de martírio violentíssimo com final dramático, se tornou protectora contra tempestades e relâmpagos e padroeira dos artilheiros, mineiros e outros trabalhadores do fogo. Oiço a reza da minha avó, santa bárbara dos trovões, enquanto fechava tesouras e alinhava talheres para que não atraíssem o raio.

O chão escalda-me e por isso fujo cobardemente das notícias sobre o país que arde. Fecho as páginas-tesouras. As imagens só agravam mais a ferida da impotência. Em poucas áreas da nossa vida comunitária teremos, há várias décadas, uma tal produção de pensamento tido e havido sobre a nossa floresta, outra forma de dizer, a nossa ruralidade. Basta acompanhar as incansáveis investigações e as intervenções de figuras como o estimado biólogo e professor da Universidade de Coimbra, Jorge Paiva, para o confirmar. Não apenas as ideias jamais foram postas no terreno como se caminhou na direcção oposta, a da fogueira. Arde nisto também uma forma de fazer política, a da universal cedência aos interesses, à cupidez e ao encolher de ombros, na qual a governação não se ergue da mediocridade e os actos de cidadania activa não abandonam as mesas de café. O meu próprio cansaço me queima. Nem Santa Bárbara nos vale.

Diário de Notícias, 7 Agosto

Moro por estes dias em montanha russa, sem saber onde me encontro, se no pico antes da queda se no esforço da subida. Encontro bálsamo no Folhetim de Verão do Diário de Notícias, narrado com a mestria habitual do Ferreira Fernandes, e ilustrado pelos corpos irónicos do Nuno [Saraiva] (ilustração nesta página). A soma das partes ainda há-de resultar noutro objecto, um livro, está bem de ver. Foi nascendo nas mesas da vizinhança, por entre conversas e gargalhadas, em delírio, mas dos que podem ser a notícia a qualquer momento. O cronista maior do reino esconde grande conhecimento das curvas e contracurvas da história, de quem conduz nas suas estradas, dos que foram sendo atropelados, das paisagens e das suas árvores. Há que conferir com as figueiras-benjamim e os loendros rosa. Deram por isso? Leva por título, «Lisboa, Capital do Mundo», mas esconde na ironia a ideia de porto de abrigo. Parte da plausível ideia de que Trump poderia bem despejar a sede da ONU, por razões venais e simbólicas, a qual, por via das típicas manipulações da alta política, aterraria em Lisboa. Afinal, daqui «partiram as naus que fizeram o mundo juntar-se». Não há ponta de inverosimilhança na narrativa que vai discorrendo com a leveza de gin and tonic, nem na composição das personagens, menos ainda no retrato da política, com os seus cálculos e ligeireza. O fato da ficção, embora talhado à medida, não esconde o músculo e as gorduras da realidade. E depois, sob o manto diáfano da fantasia, mora um belo amor por Lisboa.

Nova do Almada, Lisboa, 8 Agosto

Passaporte morto, passaporte posto. Já perdi um bom quarto de hora a mirar e remirar o livrinho de rasgar fronteiras. Conheço o pânico de não o ter à mão nos olhares e gestos do poder absoluto. Recordo a febre adolescente de encher as páginas de carimbos, troféu inefável do sítio que não se conhecerá nunca, apesar de visitado. Não gosto de viajar, consigo agora sabê-lo. Verifico as minhas características e confirmo a minha identidade, na qual falta o essencial, o peso. Eles lá sabem. Antigamente também contava a cor dos olhos. Nesta edição, a ilustração que complica as falsificações diz dos monumentos, da fauna e da flora, da guitarra e do cante que faz agora a identidade do rectângulo. Também se esconde muita tecnologia nisto que se dá a ver, dizem. Tanto esforço para garantir a estrangeiros que somos mesmo este nado e criado aqui.

Metro, Lisboa, 9 Agosto

Se a Maria [Keil] fosse viva, muito provavelmente iríamos celebrar os seus 103 anos ali para o Príncipe Real. Subiria a rua com ar ladino, a parar para comentar a roupa estendida, o motard ruidoso, o reflexo do sol na fruta ou aquele azulejo. Trazia sempre a ironia de ponta e mola, mas não amanhava com ela o peixe. Trocaríamos as mais recentes dos gatos e duas ou três lamentações. Os azulejos dos Anjos têm as volutas meio apagadas da sujidade do passar, do tempo e das gentes, mas brilham de cada vez que as olho.

Le Monde du Dimanche, 11 e 12 Agosto

Sophie Calle conta da sua Histoire de Amour com o gato de irónico nome Souris (rato). O nome de alguém que mais vezes pronunciou. Conta detalhes habituais para os que celebram o que contém de vida esta inquietação a que chamamos gato. Mas inusitada e perturbadora resulta a foto do Souris em pequeno caixão e mortalha. Com estranheza, revela-se melhor o pequeno deus que nele habitou. Não achas, Manuel [António Pina]? «Há um deus único e secreto/ em cada gato inconcreto/ governando um mundo efémero/ onde estamos de passagem.// Um deus que nos hospeda/ nos seus vastos aposentos/ de nervos, ausências, pressentimentos,/ e de longe nos observa.// Somos intrusos, bárbaros amigáveis,/ e compassivo o deus/ permite que o sirvamos/ e a ilusão de que o tocamos.»

16 Ago 2017

O comboio mais longo da história

Se a Arca de Noé fosse um comboio teria 500 metros de comprimento, segundo o realizador coreano Bong Joon-ho.

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]nowpiercer (2013) é um filme baseado na banda desenhada francesa Le Transperceneige. Bong Joon-ho descobriu esta obra nos finais de 2004 e ficou fascinado pela ideia de um grupo de pessoas encerradas num comboio a lutar pela sobrevivência.

Olhemos primeiro para a banda desenhada.

Le Transperceneige (The Snow-Piercer) é uma banda desenhada francesa de ficção científica com uma temática pós-apocalíptica, da autoria de Jacques Lob e de Jean-Mac Rochette. A primeira edição, de 1982, recebeu o título de Transperceneige, tendo sido posteriormente alterado para The Escape. Ao contrário de uma nave espacial, um comboio é um espaço que nos é familiar a todos. E é precisamente esta abordagem “comum” que faz com que esta história de ficção cientifica, sobre a luta pela sobrevivência após o “fim do mundo”, tenha um encanto ao qual podemos acrescentar a ideia da viagem, que nos é dada pelo comboio. Ninguém pode fugir para o exterior se quiser sobreviver, mas, lá dentro, todos os dias são deprimentes e privados da luz do dia. As pessoas estão prisioneiras do ritmo alucinante do comboio, que corre sempre em frente como um lunático, conduzido pelo Divino Motor.         

 Será um bocadinho forçado dizer que gostei particularmente da atmosfera sufocante deste Século do Gelo, que me foi dada pela banda desenhada?

Agora vejamos o filme.  Em primeiro lugar destacam-se os ambientes, impressionantemente lúgubres. Mas, por falar em lúgubre, a Tilda Swinton leva a taça (Deus do Céu, a cena em que ela tira os dentes! Se eu algum dia fizer uma entrevista ao Bong, tenho de ficar a saber tudo sobre o seu  fetiche com dentes!)

Em segundo lugar, o filme mostra de forma muito clara todo o horror da sociedade do comboio. As pessoas enfrentam condições tão primitivas, que têm de se matar umas às outras se quiserem sobreviver. As rebeliões são incentivadas e planeadas pela elite como forma de controlo demográfico e as crianças nascem para garantir que o Divino Motor continuará sempre a trabalhar. Será que isto vos faz lembrar qualquer coisa?    

Existem muitos detalhes fantásticos que vos podem escapar no meio das múltiplas sequências de acção, porque acontece tudo muito rapidamente. Por exemplo, numa carruagem estão todos a lutar e a matar-se uns aos outros, mas, de repente, param para celebrar o Ano Novo! No meio de tudo isto, as pessoas das classes mais baixas, (as que vivem na cauda do comboio) são mais simpáticas e mais normais do que os assassinos da elite.   Ah, outro pormenor, há uma cena com tochas que é filmada só com a luz das ditas.

Pessoalmente, não me agrada por aí além que o desenvolvimento da história siga uma abordagem tipo video game, os protagonistas vão percorrendo o comboio e cada carruagem representa um novo nível, até chegarem ao Ministro Wilford, o final boss. E depois acho o final muito optimista, talvez mesmo um bocadinho superficial se compararmos com o livro, mas também acredito que o desfecho pode ser encarado de muitas maneiras diferentes.

16 Ago 2017

Benfica vence em Chaves e junta-se ao grupo de líderes

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m golo de Haris Seferovic, aos 90+2, deu a vitória ao Benfica em casa do Desportivo de Chaves, no encerramento da segunda jornada da I Liga de futebol, colocando as ‘águias’ no grupo de líderes da prova.

O resultado manteve os ‘encarnados’ junto de FC Porto, Sporting e Rio Ave, com seis pontos, enquanto o Chaves somou a segunda derrota em outros tantos jogos e está na base da tabela, sem pontos, em conjunto com o Boavista.

O golo tardio do avançado suíço manteve os tetracampeões em igualdade com os rivais, depois de o Sporting ter vencido em casa o Desportivo das Aves (1-0), na abertura da jornada, e o FC Porto ter triunfado em Tondela (1-0), no domingo, com o Rio Ave a acompanhar os ‘três grandes’, depois de ter vencido em casa do Boavista (2-1).

Rui Vitória manteve o ‘onze’ que venceu o Sporting de Braga (3-1) na jornada inaugural, com Cervi, Jonas e Salvio em destaque na primeira parte, como os mais diligentes a criar oportunidades de perigo.

As ‘águias’ estiveram melhor no encontro, com maior posse de bola e mais oportunidades de golo, mas ‘esbarraram’ durante quase todo o encontro numa formação flaviense bem organizada na defesa e à procura de tomar partido de contra-ataques rápidos por Jorginho, Matheus Pereira e William.

No final do encontro, com os pupilos de Luís Castro a darem sinais de desgaste, o Benfica ‘cercou’ a área dos flavienses e foi fazendo cruzamentos e passes para a área, com Seferovic a empurrar para o fundo das redes o cruzamento do ‘substituto’ Rafa e a ‘salvar’ os campeões em título de se atrasarem à segunda jornada.

Canarinhos em alta

Antes, o Estoril Praia apagou a má imagem da estreia no campeonato, em que foi goleado em casa do FC Porto (4-0), com uma vitória categórica sobre o Vitória de Guimarães (3-0), que cometeu muitos erros num encontro com três expulsões.

Os anfitriões marcaram primeiro, aos 19 minutos, por Pedro Monteiro, mas perderam Wesley, expulso por acumulação de cartões amarelos, aos 38 minutos.

Na segunda parte, a expulsão de João Vigário, aos 49 minutos, deixou os vitorianos mais frágeis, situação agravada aos 63 minutos, quando Josué foi expulso por cometer penálti, convertido por Kléber.

Um erro de Sacko, em exibição desastrada na equipa de Pedro Martins, permitiu a Kléber bisar na partida, aos 80 minutos, com o Estoril a juntar-se ao Vitória, que na ronda inaugural tinha vencido o Chaves (3-2) no grupo de equipas com três pontos, onde também estão o Sporting de Braga, que domingo venceu o ‘promovido’ Portimonense (2-1), também com três pontos, o Marítimo e o Belenenses, que venceu em casa os madeirenses (1-0).

Liga Europa | Braga e Marítimo com primeiro teste decisivo

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]porting de Braga e Marítimo têm amanhã o primeiro de dois testes decisivos na qualificação para a fase de grupos da Liga Europa de futebol, quando defrontarem o os islandeses do FH e os ucranianos do Dínamo Kiev, respectivamente.

Neste ‘play-off’, que terá a segunda mão em 24 de agosto, minhotos e insulares procuram juntar-se ao Vitória de Guimarães, que já tem ‘lugar cativo’ na próxima etapa competitiva.

Depois da derrota na estreia na Liga, 3-1 em casa do Benfica, o Sporting de Braga deu a volta e venceu o Portimonense, por 2-1, conquistando um capital de confiança importante na visita ao terceiro classificado do campeonato islandês, que tem outro ritmo competitivo, uma vez que já disputou 14 jornadas.

A equipa de Abel Ferreira tem a vantagem de decidir em casa e, sobretudo, de ter uma bem mais sólida experiência europeia, incluindo uma presença na final da Liga Europa, em 2011, perdida para o FC Porto.

O Marítimo, que tropeçou este fim de semana em casa do Belenenses, está em situação inversa aos seus compatriotas e tem missão bem mais espinhosa, pois recebe o líder do campeonato ucraniano, que em cinco jornadas apenas empatou um jogo.

O conjunto de Daniel Ramos não tem o mesmo andamento europeu do Dínamo de Kiev, nem a mesma responsabilidade, pelo que tem tudo a ganhar.

16 Ago 2017

Joy of Living Cafe | Lai Meng Hoi, proprietária

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Joy of Living Café nasceu do sonho de irmãs que partilhavam o prazer de cozinhar e a satisfação em saber receber. Com um menu com alguma inspiração japonesa, o espaço oferece tranquilidade mesmo no meio da confusão da Estrada do Repouso

Quem entra no Joy of Living Cafe é recebido por um sorriso amplo e uma atmosfera tranquila. Música suave e um menu variado que imprimem uma certa calma à casa, apesar de estar situada na movimentada Estrada do Repouso. Mesmo com as obras que a rua tem sofrido, dentro do espaço reina a total serenidade.

A ideia de abrir um café já vinha de longa data. Ao leme do Joy of Living está Lai Meng Hoi e as suas irmãs, que conta que, na família, já havia um profundo prazer em cozinhar antes de pensarem em se lançarem num projecto de restauração.

“Começámos a ter o hábito de partilhar os nossos pratos com família e amigos, acho que veio daí o sonho de abrir um café em Macau”, conta Lai Meng Hoi. Mesmo em casa era notório o prazer que as irmãs sentiam em servir pessoas.

A dona do estabelecimento conta que ela e as irmãs chegaram a ter algumas experiências de trabalho em empresas da indústria hoteleira. Apesar de não terem acumulado muita experiência profissional na área, a dona explica que desde sempre contaram com o apoio dos pais e também com algum auxílio divino. “Sou cristã e rezei muito, até que concretizámos o sonho.”

O Joy of Living tem um menu fortemente inspirado na gastronomia japonesa. “Viajámos muito por várias zonas do Japão em busca de inspiração, também para percebermos como é que os restaurantes apresentam os seus pratos, no fundo fomos coleccionando as ideias deles”, conta.

A ementa do café tem influência nipónica, mas não apresenta pratos tradicionalmente japoneses. “Misturamos muita coisa, pode dizer-se que fazemos uma gastronomia de fusão”, explica Lai Meng Hoi.

Do Japão para Macau

As grandes estrelas do menu são o Taco Rice, que as irmãs foram buscar à cozinha tradicional de Okinawa. Outro dos destaques são os churros, uma iguaria que Lai Meng Hoi acha que pouca gente em Macau experimentou, mas que é absolutamente obrigatória. “Os churros que fazemos são um pouco diferentes do estilo europeu, a nossa interpretação é um pouco ao estilo japonês e cozinhamos com gelados”, revela a dona do café.

No que diz respeito à clientela, Lai Meng Hoi conta que o Joy of Living tem muitos fregueses oriundos de Hong Kong devido à exposição que teve em revistas da região vizinha. De resto, os clientes do café são famílias, alguns portugueses e muitos jovens, principalmente locais.

Quem frequenta o café pode tomar o pequeno-almoço a qualquer hora e deliciar-se com uma vasta gama de chocolates quentes. À disposição dos gostos mais gulosos existe uma oferta variada de bagels caseiros com, por exemplo, bacon ou ovos mexidos e cogumelos, assim como panquecas com gelado.

O Joy of Living tem uma atmosfera muito pacífica, com uma janela a todo o comprimento com vista para a Estrada do Repouso e uma decoração minimalista onde sobressaem as citações da Bíblia nas paredes. Uma manifestação decorativa da fé das donas.

Em relação ao tipo de ambiente que quiseram criar no espaço, Lai Meng Hoi explica que “a atmosfera, tal como o nome do café indica, é de partilha de felicidade e sabores”. Esse é o derradeiro objectivo de quem recebe no Joy of Living: fazer com que as pessoas se sintam contentes e em casa. Uma missão que cumprem com simpatia e comida de qualidade, com boa apresentação e a preços acessíveis.

Estrada do Repouso, nº 74

16 Ago 2017

Seul | Detectados ovos contaminados com pesticida

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s autoridades da Coreia do Sul anunciaram ontem que detectaram ovos contaminados com o pesticida ‘fipronil’ numa quinta e proibiram temporariamente a produção nas explorações agrícolas com mais de três mil aves.

O Ministério da Agricultura, Alimentação e Assuntos Rurais sul-coreano informou que alguns ovos testaram positivo à presença de ‘fipronil’ numa quinta em Namyangju, a leste de Seul.

Desconhece-se que proporção do produto estava contaminado, sabendo-se apenas que a quinta, que conta com cerca de 80 mil galinhas poedeiras, produz cerca de 25 mil ovos por dia.

O Ministério decretou a proibição de produção para quintas com mais de três mil aves, até que seja finalizada uma inspeção de fundo, informou a agência noticiosa sul-coreana Yonhap.

A Coreia do Sul teve de restringir a venda de ovos produzidos no seu território, devido ao surto de gripe aviária detectado desde 2016, que obrigou à importação de países como a Austrália, Nova Zelândia, Dinamarca, Holanda, Tailândia e Espanha.

Até agora não há informação de que o ‘fipronil’ tenha sido detectado em ovos importados.

Após o anúncio de ontem, três dos principais retalhistas sul-coreanos ((Homeplus, E-Mart e Lotte Mart) anunciaram a suspensão da venda de ovos até que se conheçam os resultados da inspecção.

O pesticida ‘fipronil’, de uso proibido em galinhas, gerou alarme na Europa, após ter sido divulgado que foi usado na Bélgica e na Holanda, e depois de terem sido detectados produtos contaminados em 17 países.

Segundo especialistas, o ‘fipronil’ representa um risco de intoxicação “muito improvável” para humanos. Tendo em conta os níveis máximos detectados na Bélgica e Holanda, uma pessoa teria de consumir milhares de ovos contaminados ao longo da vida para sofrer efeitos adversos.

16 Ago 2017

China e Uruguai contra eventual intervenção dos EUA na Venezuela 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China e o Uruguai pronunciaram-se esta segunda-feira contra uma eventual intervenção militar dos Estados Unidos na Venezuela para solucionar a crise no país, reagindo a ameaças proferidas pelo Presidente norte-americano, Donald Trump.

O ministério dos Negócios Estrangeiros chinês defendeu a necessidade de respeitar o princípio de não-ingerência em assuntos internos de outro país, e o mesmo fez o Presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, rejeitando “enfática e taxativamente” as declarações de Trump sobre a Venezuela.

“Todos os países devem conduzir as suas relações bilaterais com base na igualdade, no respeito mútuo e na não-ingerência nos assuntos internos do outro”, afirmou o porta-voz do MNE chinês, Hua Chunying, em conferência de imprensa.

A China “segue sempre o princípio de não interferir nos assuntos de outro país”, acrescentou, três dias depois de o Presidente norte-americano ter equacionado adoptar a opção militar contra a Venezuela.

O Governo chinês tem evitado nas últimas semanas emitir opiniões sobre a situação no país latino-americano, embora tenha dito, a propósito das polémicas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, que decorreram “de forma estável”.

Também manifestou, na altura, o desejo de que Governo e oposição na Venezuela iniciassem um diálogo pacífico para manter a estabilidade no país.

Bons negócios

A China é, desde a década passada, um dos mais importantes parceiros comerciais da Venezuela, país que chegou a ser o principal destino dos investimentos chineses na América Latina, dado o especial interesse do regime comunista no crude venezuelano.

O chefe de Estado do Uruguai, que falava à imprensa antes de presidir a uma reunião do Conselho de Ministros, sublinhou haver “uma rejeição absolutamente total da parte do Governo uruguaio” de uma possibilidade de intervenção militar dos Estados Unidos na Venezuela.

“Os problemas que a Venezuela tem devem ser resolvidos pelo povo venezuelano sem ingerência estrangeira e, portanto, rejeitamos enfática e taxativamente as apreciações do Presidente dos Estados Unidos”, sustentou Tabaré Vásquez.

Na passada sexta-feira, Trump declarou que o seu Governo não descarta “a opção militar” para resolver a “confusão muito perigosa” que a Venezuela atravessa e recordou que o seu país tem tropas em todo o mundo e que “a Venezuela não fica muito longe e as pessoas estão a sofrer e a morrer”.

Fundação chinesa anuncia primeira criogenização de corpo humano

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma fundação chinesa anunciou ter produzido com êxito a primeira criogenização de um corpo completo na China, com a esperança de o trazer de volta à vida, assim que o desenvolvimento da medicina o permita.

Segundo o jornal oficial China Daily, o primeiro procedimento de criogenia na China foi realizado na província de Shandong, leste do país, pela Fundação Yinfeng.

O procedimento começou em 8 de maio, menos de cinco minutos depois de o coração de uma mulher chamada Zhan Wenlian ter deixado de bater e os médicos declararem que estava morta.

Aaron Drake, especialista da norte-americana Alcor Life Extension Foundation, e médicos do Hospital Qilu, da Universidade de Shandong, colocaram de imediato Zhan num sistema de apoio vital.

O corpo da mulher foi transportado para um laboratório de um instituto afiliado à Fundação Yinfeng, onde lhe foram injectados produtos químicos, visando proteger as suas células de danos durante o processo de congelação.

O corpo foi então colocado num recipiente com 2.000 litros de nitrogénio líquido, a uma temperatura de 190 graus abaixo de zero.

Zhan, que tinha 49 anos e trabalhava num banco estatal em Jinan, sofria de cancro no pulmão, e o seu esposo pediu à Yinfeng para que realizasse a criogenização do seu corpo.

16 Ago 2017

Análise | Relações sino-japonesas em mudança?

Um passo tímido à frente, dois atrás. É assim que a China e o Japão lidam um com o outro há já várias décadas. Mas há observadores internacionais que olham para movimentos recentes com esperança de que o relacionamento melhore. Quem está mais perto não acredita numa súbita mudança. O passado continua por resolver e a sociedade civil não ajuda

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]uang Youliang tinha 90 anos e morreu no sábado passado. Levou com ela um pedaço amargo de história: aos 15 anos, foi violada por soldados japoneses. Viveu os dois anos seguintes num bordel, como escrava sexual da tropa nipónica. Muitos anos depois, processou o Governo de Tóquio pelo que lhe aconteceu.

Histórias como a de Huang Youliang fazem parte de um passado conjunto entre a China e o Japão que continua demasiado presente: a invasão japonesa continua a marcar as relações entre os dois países, tanto na perspectiva oficial, como em termos sociais.

A juntar a um azedo passado que teima em não ser ultrapassado, Pequim e Tóquio têm diferendos frequentes em relação à soberania de certas zonas marítimas, com as ilhas Diaoyu (ou Senkaku, dependendo da perspectiva) a serem motivo de acusações pouco simpáticas entre ambas as partes.

No final da semana passada, o chefe da força aérea chinesa veio a público defender manobras levadas a cabo no Mar do Japão, alegando que as águas não pertencem a Tóquio, depois de um relatório da Defesa japonesa ter destacado o aumento da actividade militar da China naquela zona. O Governo de Shinzo Abe teme que a acção da força aérea dos vizinhos seja um esforço para aumentar a influência militar numa zona controlada por Tóquio, a sul de Taiwan.

Não obstante a tensão que se sente sempre que as palavras China e Japão se escrevem na mesma frase, há quem note melhorias nas relações entre os números dois e três da economia mundial. Recentemente, a Foreign Affairs chamava a atenção para uma mudança no panorama do noroeste da Ásia, para constatar algumas alterações no modo como Pequim e Tóquio se têm estado a relacionar.

A China tem estado a avançar, rapidamente, com a modernização do seu poderio militar e a ser cada vez mais assertiva nas reivindicações que faz acerca da soberania nos mares do Este e do Sul da China. A relação dos Estados Unidos com os aliados na região passou a ser uma incógnita, apesar das promessas de Donald Trump em relação à defesa das nações amigas num eventual ataque norte-coreano. E a Coreia do Norte torna-se, de semana para semana, uma ameaça cada vez mais real, com o regime a testar armamento que muitos acharam que só existia na imaginação de Kim Jong-un.

Neste contexto, acredita a revista norte-americana, a China e o Japão terão de avaliar cautelosamente a relação que têm mantido. Não existe confiança entre os dois Estados – e é pouco provável que, nas próximas décadas, esta noção seja uma realidade –, mas nos últimos meses foram dados alguns passos para a estabilização de um diálogo que, grande parte das vezes, não existe. Os analistas da Foreign Affairs acreditam que Pequim e Tóquio chegaram à calculista conclusão de que o padrão de relacionamento que têm mantido nas últimas décadas lhes custa demasiado e acrescenta uma segurança desnecessária à região.

Sem ilusões

Martin Chung, académico que tem as relações sino-japonesas como uma das áreas de investigação, não se ilude com os recentes sinais que podem levar a uma aparente aproximação das duas potências asiáticas. “Existe a impressão de que há uma mudança, especialmente com o aperto de mãos entre Xi Jinping e Shinzo Abe, no G20, em Hamburgo”, nota, referindo-se à reunião do início do mês passado. “Parece que, para se preparar o caminho para um bom entendimento, é necessário demonstrar muito boas intenções”, ironiza.

Quem lê as notícias e vê as fotografias poderá tentar encontrar sinais de alguma vontade de entendimento, apesar do ar pouco feliz de ambos os líderes. Mas a realidade é diferente, avisa o professor da Universidade Baptista de Hong Kong.

“O Japão está a reforçar o seu arsenal de defesa”, exemplifica Chung. A região está cada vez mais dotada de poder militar. “Parece que é dado um passo em frente mas, no dia seguinte, há uma ou outra manobra que parece apontar para a degradação das relações.” O facto não é novo: “Temos visto isto há já alguns anos.”

O pouco efusivo aperto de mão de Hamburgo não será o sinal mais forte de uma eventual aproximação. Tóquio está a tentar retomar os encontros de alto nível com Pequim. As reuniões entre os líderes dos dois países têm sido raras nos últimos anos devido à tal história por sarar e à competição geopolítica. Só em 2014 é que o primeiro-ministro japonês e o Presidente chinês tiveram um encontro oficial. Tinham ambos tomado posse há já dois anos.

Em Maio último, à margem do Fórum “Uma Faixa, uma Rota” realizado em Pequim, um emissário de Shinzo Abe entregou uma carta em que foi demonstrado o interesse na realização de uma reunião bilateral, a acontecer ainda este ano. No mês seguinte, o primeiro-ministro japonês deu conta da intenção da realização de um encontro trilateral com a China e a Coreia do Sul. Finalmente, a 8 de Julho, Shinzo Abe e Xi Jinping estiveram a falar, à margem da cimeira do G20. A troca de ideias não resultou em nada que seja mensurável, mas tratou-se do primeiro encontro em quase um ano e poderá permitir que outras reuniões se realizem nos próximos tempos.

Num nível mais baixo da hierarquia, foram retomadas em Junho as conversações sobre assuntos marítimos, depois de meio ano de suspensão. A China e o Japão concordaram em adoptar mecanismos de gestão de crises que permitam evitar que acidentes no mar se transformem em conflitos armados. Este entendimento tem importância sobretudo em relação às Diaoyu.

“De um ponto de vista estratégico, ninguém quer começar um conflito”, afirma Martin Chung. “Estas reuniões são úteis porque permitem a afirmação da soberania, sem se chegar a um confronto militar real”, prossegue o analista, afastando, porém, “sinais de optimismo”. “Estes encontros servem apenas para que ambas as partes brinquem com o fogo de forma mais segura. Mas continuam a brincar com o fogo.”

As disputas territoriais são “uma ameaça útil para os dois regimes” e, sublinha o investigador, “mais uma razão para a alteração da Constituição do Japão”. Os defensores da revisão do Artigo 9.o do diploma fundamental nipónico – que prevê a não intervenção do país em cenários de guerra – vão buscar às aspirações chinesas motivos adicionais de argumentação pela causa que abraçam.

Da inevitabilidade

Ao nível económico, o Japão depara-se com uma realidade pouco auspiciosa para os seus planos: a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, através da qual a China pretende ganhar ainda maior afirmação, numa estratégia que vai além dos puros negócios. Tóquio teve, em tempos, planos semelhantes, que pecaram pela timidez.

Em Junho, Shinzo Abe deu uma cautelosa bênção ao projecto de Pequim, mas há preocupações que são difíceis de ultrapassar: as autoridades nipónicas estão apreensivas com o facto de não haver detalhes sobre o modo como a China pretende pôr em prática os investimentos e como serão estruturados os empréstimos chineses que financiarão muitas das infra-estruturas a construir no contexto desta política de expansão.

As implicações geopolíticas de “Uma Faixa, Uma Rota” têm um efeito directo na importância regional do Japão, que foi perdendo predominância na última década, com antigos aliados a aproximarem-se de Pequim, em troca de ajuda financeira.

Como contra factos, não há argumentos, o Governo de Shinzo Abe terá mais a ganhar com uma aproximação a Xi Jinping do que com uma política de distanciamento, acredita a Foreign Affairs. O Banco Asiático de Investimento em Infra-estruturas (AIIB, na sigla inglesa) terá funcionado como uma lição: quase todas as nações na região se juntaram ao projecto liderado pela China, assim como muitos dos países desenvolvidos. Recentemente, o Banco Asiático de Desenvolvimento, uma instituição dominada por Tóquio, começou a trabalhar em alguns projectos com o AIIB.

Juntos na desgraça?

Numa perspectiva económica, parece haver alguma vontade de uma aposta no pragmatismo por parte do Japão. Mas “esta nova Guerra Fria” que se vive entre a China e o Japão também tem vantagens para os decisores políticos, explica Martin Chung.

“Os detentores do poder beneficiam desse antagonismo”, vinca o analista. Do lado nipónico, o facto de a relação ser tremida é favorável a uma eventual mudança da Constituição, uma das metas do primeiro-ministro Shinzo Abe. “Quanto maior for a percepção, junto da opinião pública japonesa, de que a ameaça chinesa é real, maiores são as possibilidades de alteração à Constituição”, diz.

Também para o lado de Pequim este “antagonismo pode ser um trunfo”, acrescenta o investigador. “Depende da altura.” E vem aí, pelo Outono, um momento decisivo para a reafirmação da liderança de Xi Jinping, com um encontro do Partido Comunista Chinês muito importante para a definição do que vai ser o futuro político do país.

O professor da Universidade Baptista de Hong Kong tem estudado o envolvimento da sociedade civil chinesa e japonesa no âmbito deste desentendimento de décadas. Martin Chung acredita que a chave para a resolução deste tipo de problemas está no modo como os cidadãos gerem as suas expectativas e anseios.

“As iniciativas da sociedade civil japonesa demonstram uma grande vontade de proteger o Artigo 9.o da Constituição japonesa, mas há cidadãos preocupados com o poder crescente do Exército Popular de Libertação, e não se pode fechar os olhos a isso”, alerta. “Do lado da sociedade civil chinesa, não existe uma oposição à militarização crescente da região”, continua Martin Chung. “Os democratas de Hong Kong criticam o regime comunista por não haver avanços em termos de democracia, mas não estão contra o aumento do orçamento do exército ou a crescente militarização.” Em Macau, diz o académico natural do território, a questão passa igualmente ao lado da opinião pública.

A grande preocupação regional do momento passou a ser, nos últimos tempos, a Coreia do Norte. À China não convém um quintal nuclear sem rédeas, como não agrada a ninguém na região – e no resto do planeta – um regime descontrolado e incontrolável. Mas Pequim e Tóquio têm modos muito diferentes de lidar com Pyongyang, como se tem visto nas últimas semanas.

No entanto, “quanto maior é a ameaça da Coreia do Norte, maior é a oportunidade de os países envolvidos trabalharem juntos” e “a China tem estado a distanciar-se” de Pyongyang, comenta Martin Chung. “Poderá estar, de alguma forma, a preparar o caminho para uma aliança com os inimigos tradicionais”, admite o académico. Sempre com a distância regulamentar.

15 Ago 2017

AL | Zheng Anting e Gabriel Tong justificam abstenção na lei das rendas

O plenário de discussão e votação na especialidade da lei de rendas foi quente, com muitos deputados a mostrarem argumentos diametralmente opostos. No centro ficaram os deputados Zheng Anting e Gabriel Fong que se abstiveram, apesar de serem proponentes do projecto de lei

[dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]á passava das 22h30 de quinta-feira quando o presidente da Assembleia Legislativa (AL) deu por encerrado o plenário que votou a lei das rendas. Entre as propostas avançadas pelo grupo de nove deputados proponentes, caiu por terra a aprovação do mecanismo que estabelecia o coeficiente de actualizações das rendas por intervenção do Chefe do Executivo. Apesar de a medida ser de carácter excepcional, aplicável apenas em situações de extrema inflação das rendas, a proposta não mereceu a confiança da maioria dos deputados.

Ontem, à entrada para o plenário de debate pedido por Mak Soi Kun, o seu colega Zheng Anting explicou as razões que o levaram a abster-se na votação do artigo que versava sobre o mecanismo de controlo do aumento das rendas. Importa recordar que Zheng Anting foi um dos proponentes do projecto de lei. O deputado justificou-se com as opiniões que recolheu de cidadãos que apontaram no sentido de haver algum mistério na aplicação da medida, uma vez que pode envolver casinos, lugares de estacionamento ou zonas com muita população. No fundo, Zheng Anting duvidou da operacionalidade do dito mecanismo, assim como da necessidade de se estabelecerem tectos de aumentos de rendas.

Também Gabriel Tong votou no mesmo sentido, isto apesar de ser igualmente um dos proponentes do projecto de lei. O deputado explicou a sua posição com a falta de aplicação da norma.

Como a votação final do artigo que estabelecia o coeficiente de actualização de rendas teve 15 votos a favor, dez contra e cinco abstenções, o voto de Gabriel Tong e Zheng Anting determinaram o chumbo da medida.

Notários ineficazes

Gabriel Tong explicou à entrada para o plenário da AL que a sua abstenção se deveu ao facto do coeficiente de actualização não se aplicar a contratos antigos. No que toca aos novos contratos, o deputado entende que, nesses casos, as rendas são definidas entre o arrendatário e o senhorio, motivo que acrescentou à falta de eficácia que viu na norma.

O tribuno, nomeado por Chui Sai On, negou que tenha chegado a esta decisão por solicitação do Chefe do Executivo, considerando normal a sua posição, uma vez que, ao longo dos últimos dois anos, o projecto de lei em questão foi alvo de muitas alterações de conteúdo.

Apesar do chumbo deste artigo, Gabriel Tong considera que os outros artigos que foram aprovados dão maior protecção aos inquilinos.

Um desses artigos aprovados foi a necessidade de registo do contrato de arrendamento por parte de notário, uma norma que também mereceu a abstenção de Zheng Anting. O deputado vinha mostrando relutância devido aos problemas que diz terem ficado patentes nas reuniões da comissão de análise do projecto de lei.

O tribuno entende que a medida em nada contribuiria para combater os casos dos arrendatários pouco escrupulosos. Zheng Anting acha que a medida não tornaria mais célere a resolução dos casos de arrendamentos abusivos.

Mais uma vez, o deputado argumentou pela falta de operacionalidade da lei, um problema que, diz, deve merecer maiores considerações por parte dos legisladores de forma a evitar problemas na sociedade. Como tal, Zheng Anting recordou o exemplo da Lei de Terras.

15 Ago 2017

Pereira Coutinho quer mais casas para função pública

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om a falta de construção de habitações dirigidas aos funcionários públicos desde 1999, o deputado Pereira Coutinho interpelou o Executivo para saber o que está a ser feito neste sentido.

O tribuno recorda que, em Março, questionou o Governo acerca das razões que têm feito com que “nunca mais tenham sido construídas habitações após o estabelecimento da RAEM”. Pereira Coutinho não esqueceu a resposta que recebeu do Executivo: “A construção de mais moradias para os trabalhadores dos serviços públicos envolve o aproveitamento do recurso de solos e necessita de ter em consideração a política geral de habitação”. Ainda de acordo com a mesma resposta, há que ter em conta o equilíbrio entre os interesses das várias classes sociais e as necessidades dos trabalhadores, razões que justificam, para o Governo, “um estudo mais cuidadoso” da situação.

Pereira Coutinho não está satisfeito e volta à carga. O deputado quer saber “quando terminará o estudo minucioso das necessidades habitacionais dos trabalhadores da Função Pública e qual é o ponto da situação do referido equilíbrio de interesses”. O deputado quer ainda mais pormenores quanto à política habitacional a que se refere o Governo.

Transparência atrasada

José Pereira Coutinho aproveitou a mesma interpelação para tirar mais algumas dúvidas com o Executivo. O deputado quer saber porque é que Macau não consta, há cinco anos, da lista de avaliação da Transparência Internacional. Depois de o Governo ter afirmado que “iria contactar a respectiva entidade para que o território possa fazer parte da lista do Corruption Perceptions Index (CPI)”, Pereira Coutinho diz ainda não saber o que foi feito até agora.

Mais ainda, o tribuno pede esclarecimentos no que respeita às garantias de aposentação do regime de previdência. Para o deputado não está esclarecida uma situação: “Porque é que o Governo não propôs a sua extensão aos magistrados judicias e do Ministério Público?”. De acordo com o deputado, esta é uma atitude discriminatória e que viola a Lei Básica, pelo que precisa de ser esclarecida.

15 Ago 2017

AL | Sanções a proprietários que não vistoriam prédios dividem deputados

A Assembleia Legislativa discutiu os problemas de segurança dos prédios com mais de três décadas. O plenário dividiu-se em relação à obrigatoriedade de aplicar sanções aos proprietários que não procedam a vistoria e renovações dos imóveis. Raimundo do Rosário não avançou com calendarização para rever o Regulamento Geral da Construção Urbana

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] que obriga um proprietário a renovar um prédio em risco de ruína e como evitar que se chegue a esse estado? Estas foram as questões que ficaram sem resposta clara e que serviram para trazer ao de cima as divergências entre os deputados.

Mak Soi Kun, o proponente do debate na Assembleia Legislativa (AL), entende que as vistorias devem ser obrigatórias e que se deve estabelecer um regime sancionatório para penalizar os proprietários que sejam negligentes na gestão dos seus imóveis com mais de 30 anos.

O secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, entende que a lei já estabelece a vistoria com periodicidade de cinco anos, mas o problema é que “ninguém a executa”. O Regulamento Geral da Construção Urbana prevê no seu Artigo 7.º obras de conservação, reparação e beneficiação de cinco em cinco anos. Ora, para se determinar se um prédio precisa de obras de reparação, é necessário inspeccionar os problemas do imóvel.

Raimundo do Rosário explicou ao plenário que o regime sancionatório deverá ser revisto aquando da alteração ao Regulamento Geral da Construção Urbana. O secretário revelou que não existe uma calendarização para essa revisão legislativa, porque o processo saiu fora da sua alçada.

Porém, o homem forte das Obras Públicas vê na aplicação das sanções um problema prático. “Se houver administração de condomínios é mais fácil contactar os proprietários, mas se não existir como é que aplicamos as sanções?”, questiona.

Lei sem força

Em relação a quem inspecciona, Ella Lei interrogou o Executivo se existe a necessidade de equipas para proceder à inspecção com quadros qualificados. Também o deputado Ng Kuok Cheong perguntou se seria necessário formar pessoal para efectuar as vistorias aos prédios. Nesse sentido, Raimundo do Rosário explicou que “basta um engenheiro estar registado” no Instituto da Habitação para poder participar em trabalhos de vistoria.

Ainda assim, o director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), Li Canfeng, anunciou que estão a ser planeados alguns cursos e acções de formação que habilitem os engenheiros a fazer vistorias.

Quando o proprietário não cuida do seu prédio, em casos de emergência, o Governo actua se receber uma queixa. Porém, o secretário para os Transportes e Obras Públicas questiona se o Executivo tem de pagar tudo. Dirigindo-se à deputada Melinda Chan, Raimundo do Rosário perguntou se o Governo também tem de pagar por arranjos automóveis.

Nesse aspecto, Fong Chi Keong foi mais longe. “O Governo de Macau deve ser o melhor do mundo deixando os residentes muito mal habituados”, comentou. O deputado entende que os prédios degradados do bairro do Iao Hon deviam ser demolidos e que o Governo devia providenciar realojamento provisório aos residentes.

A desresponsabilização dos proprietários foi tema transversal durante o debate, chegando mesmo a ser tratado como fazendo parte da natureza de Macau. “Será que a população não sabe actuar? Só actua porque há medidas obrigatórias?”, interroga-se o deputado Chan Iek Lap.

No campo das consequências práticas, Mak Soi Kun trouxe ao plenário casos de pessoas que foram atingidas por fragmentos de paredes e todo o tipo de material que se desprende de revestimentos de prédios. Nesse sentido, o deputado contra-argumentou as analogias feitas por alguns colegas entre vistorias periódicas e check-ups médicos. “Cada um pode decidir por si quanto à sua saúde. Mas, nestes casos, pode colocar-se em risco a vida de terceiros”, comentou.

Maus exemplos

Muitos deputados trouxeram para o debate o exemplo de Hong Kong como uma referência a seguir. Ella Lei falou na obrigação legal dos proprietários em fiscalizar os prédios na região vizinha. Lam Heong Sang destacou a obrigatoriedade de inspecção a janelas, Zheng Anting falou do apoio que o Governo de Hong Kong fornece aos seus residentes neste aspecto.

Acontece que a região vizinha é um dos lugares do planeta com pior acesso à habitação, onde os residentes vivem em situações decadentes e os prédios, recorrentemente, apresentam deficiências estruturais graves. Imagens dos “apartamentos-gaiolas” têm corrido o mundo. Também no que toca a condições de habitabilidade, Hong Kong deixa muito a desejar. Apesar de tudo isto, foi anunciado na passada sexta-feira pelo Governo de Carrie Lam que o rácio de capacidade para comprar casa, que mede a proporção entre o montante gasto em hipotecas, piorou cerca de 67 por cento no segundo trimestre deste ano. Este número representa uma subida de 56 por cento em relação ao período homólogo do ano passado e dá credibilidade aos analistas que prevêem o rebentamento da bolha do mercado imobiliário de Hong Kong.

Importa recordar que a região vizinha também foi tomada como exemplo por muitos deputados como referência no que toca à legislação que regula o mercado de arrendamento.

15 Ago 2017

Chan Meng Kam quer revisão de regime fiscal

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] deputado Chan Meng Kam quer um regime de imposto do selo mais justo e operacional. Em interpelação ao Governo, o tribuno e a colega de bancada Song Pek Kei não consideram que seja justo o pagamento do imposto de selo tendo como base as rendas totais do período do contrato. “É possível surgirem situações em que os senhorios paguem este imposto referente a um contrato com a duração de três anos e, depois, os inquilinos acabem por ficar apenas um ano”, lê-se na interpelação.

Para o deputado, os senhorios vão ficar a perder, visto que, diz, “não será o Governo a devolver a diferença de valores”.

A questão vem na sequência da aprovação da proposta de alteração à chamada lei das rendas, na passada quinta-feira, após muita discussão. De entre as novidades que a nova lei prevê está a obrigatoriedade do reconhecimento notarial do contrato de arrendamento. Para que o reconhecimento seja válido, apontam Chan Meng Kam e Song Pek Kei, e em conformidade com o Código do Notariado, “só os documentos com imposto do selo pago podem ser reconhecidos”.

A medida, admitem os dois deputados, pode ajudar a resolver a falta de fiscalização no que respeita às declarações de arrendamento imobiliário mas, tal como está, não é justa, pelo que, afirmam, é necessária uma revisão do regime fiscal. O objectivo é o seu aperfeiçoamento dadas as novas circunstâncias.

O deputado recorda ainda que, em Abril do ano passado, interpelou o Governo sobre a hipótese de diminuir as taxas de contribuição predial urbana. A resposta do Executivo aconteceu dois meses depois, com a promessa de estudo da situação.

O tribuno quer agora saber o ponto da situação, depois de mais de um ano volvido. Chan Meng Kam considera também que é necessária uma diminuição das taxas referentes à contribuição predial, medida que, aponta, vai motivar a população a apresentar as devidas declarações de pagamento.

15 Ago 2017

Alibaba | Governo anuncia investimento para os próximos dois anos

Primeiro, um anúncio sem números. Depois, a contestação de alguns sectores. Agora, chegam os detalhes: o Governo vai gastar, nos próximos dois anos, 400 milhões de patacas no projecto para uma cidade inteligente. E garante que os dados estão protegidos

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Executivo definiu um orçamento anual de 200 milhões de patacas nos próximos dois anos para o projecto de construção de uma cidade inteligente, foi ontem anunciado. Em comunicado, o porta-voz do Governo afirmou que o projecto de construção de uma cidade inteligente, na sequência da assinatura do acordo com o grupo chinês Alibaba, prevê um orçamento anual preliminar “nos próximos dois anos de 200 milhões de patacas”.

No corrente ano, o orçamento “para o âmbito da tecnologia informática é aproximadamente de 500 milhões de patacas”, acrescentou no mesmo comunicado.

O acordo-quadro assinado no passado dia 4, entre o Governo e o grupo Alibaba, prevê o estabelecimento de um centro de computação em nuvem e de uma plataforma de megadados para a criação de uma cidade inteligente, em duas fases, ao longo de quatro anos.

A primeira – até Junho de 2019 – prevê a criação de um centro de computação em nuvem e de uma plataforma de megadados e o início gradual de projectos de utilização dos mesmos em seis domínios: promoção do turismo, formação de talentos, gestão do trânsito, serviços de assistência médica, gestão integrada urbana e prestação de serviços urbanos integrados e tecnologia financeira.

A segunda etapa – de Julho de 2019 a Junho de 2021 – compreende o aperfeiçoamento do centro de computação em nuvem (conjunto de servidores remotos alojados na Internet para armazenar, gerir e processar dados em vez dos servidores locais ou de computadores pessoais) e da plataforma de megadados, abrangendo outras áreas como protecção ambiental, passagem fronteiriça e previsões económicas.

Com os dados tudo bem

No comunicado ontem divulgado, o Governo sublinha que “tem prestado grande atenção à protecção dos dados da RAEM e aos dados pessoais”. A lei de proteção de dados pessoais, actualmente em vigor no território “corresponde aos altos padrões” da UE, “consagra uma plena proteção dos dados pessoais e da privacidade, regulando de forma pormenorizada a recolha, o tratamento, a utilização, o armazenamento e a interconexão dos dados”, destacou.

O anúncio do acordo-quadro com a Alibaba tem gerado alguma polémica, com várias associações a mostrarem-se preocupadas não só em relação à protecção dos dados pessoais, como no que toca ao orçamento, uma vez que, aquando da apresentação do projecto, não tinha sido divulgado qualquer valor em relação ao investimento do Executivo.

15 Ago 2017

Habitação | Escrituras de casas indevidamente retiradas ainda por fazer

O relatório foi publicado em Maio, mas a situação ainda não está definitivamente resolvida. Os promitentes-compradores que ficaram sem uma casa económica por, entretanto, terem casado com quem já detinha uma fracção ainda não têm a escritura na mão. O Instituto de Habitação diz estar a tratar do assunto

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá para breve. O Instituto de Habitação (IH) garante que, a curto prazo, vão ser feitas as escrituras relativas às fracções que foram indevidamente retiradas a promitentes-compradores que, entre a candidatura à habitação económica e a finalização do processo, contraíram matrimónio com quem já detinha uma fracção no território.

Em Maio passado, o Comissariado contra a Corrupção (CCAC) publicou um relatório em que considerou que o IH não podia reaver os apartamentos dos compradores de habitação económica que, no período que demorou a candidatura até à celebração da escritura, deixaram de reunir as condições exigidas para a atribuição de uma fracção do Governo. A situação não em causa não é a ideal, admitia o CCAC, mas tirar a chave é ilegal.

À época da divulgação das conclusões do CCAC, eram 218 os promitentes-compradores que estavam em risco de perder as fracções que ocupavam. Em 183 casos, os cônjuges dos candidatos à habitação económica possuíam habitação própria em Macau. Noutras situações, os rendimentos auferidos pelo agregado familiar deixaram de respeitar os limites impostos pelas regras para a atribuição de habitação económica. O comissariado deu assim razão às 28 queixas que recebeu – 27 apresentadas por lesados e uma do escritório da deputada Ella Lei.

Agora, três meses depois do relatório do CCAC, em resposta precisamente à deputada Ella Lei – que quis saber do andamento do processo –, o presidente do IH garante que está a seguir as sugestões avançadas no documento do comissariado liderado por André Cheong. O IH “está a apreciar os casos”. Além de já ter emitido “o termo de autorização aos candidatos qualificados”, garante que vai, a curto prazo, pedir a notários privados que dêem seguimento à celebração de escrituras.    

A processar

Na resposta a Ella Lei, o IH explica ainda que, em relação aos agregados familiares que são candidatos às 19 mil habitações económicas, já foram celebradas escrituras públicas em relação a 4335 fracções.

Arnaldo Santos refere que, neste momento, está a decorrer a fase de apreciação das qualificações dos candidatos às 19 mil habitações económicas. Até ao passado dia 14, o IH já tinha notificado 6942 agregados familiares para a apresentação de documentos necessários com vista à celebração das escrituras, sendo que neste número se incluem os 634 promitentes-compradores do Edifício Cheng I, que foram informados dos procedimentos de forma antecipada.

Por outro lado, o presidente do IH indica que já foram emitidos os termos de autorização a 5437 candidatos, com 4335 a terem então o processo já concluído.

15 Ago 2017

PJ recebeu queixas sobre 47 casos de burla por telefone

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Polícia Judiciária (PJ) de Macau já recebeu queixas relativas a 47 casos de burla telefónica que resultaram em prejuízo para as vítimas. Em dados citados pelo canal chinês da Rádio Macau, as autoridades policiais dão conta de perdas no total de 6,23 milhões de yuan, 2,08 milhões de dólares de Hong Kong e 245 mil patacas.

Só num dos casos de que a PJ teve conhecimento, estiveram envolvidos 3,4 milhões de yuan. A vítima, um homem natural de Hong Kong, trabalha em Macau e recebeu um telefonema em que o autor da chamada se identificou como sendo agente das forças de segurança da província de Fujian.

O burlão disse à vítima que esta era suspeita do crime de branqueamento de capitais e solicitou-lhe dados relativos à sua identidade. Mais tarde, o homem de Hong Kong recebeu, via Internet, uma alegada prova do mandado de detenção. Foi então que depositou 3,4 milhões de yuan na sua conta bancária, tendo dado ao autor do crime a palavra-passe de acesso à conta, tal como lhe fora exigido. O dinheiro desapareceu imediatamente da conta da vítima.

15 Ago 2017

Idosos | Associação Nova Juventude Chinesa defende plano para cuidados ao domicílio

A Nova Juventude Chinesa de Macau está preocupada com o envelhecimento da população. Defende que o Governo deve agir quanto antes no correcto planeamento dos serviços a prestar aos idosos, que devem passar pelo direito a não ter de morrer num lar

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo deve garantir a integração dos residentes do território sempre que possível, de modo a que se sintam úteis à sociedade e possam ter uma vida mais saudável. É esta a perspectiva defendida pela Associação de Nova Juventude Chinesa de Macau, que ontem enviou um comunicado às redacções em que elenca uma série de ideias em relação à terceira idade.

Para o movimento associativo, é necessário avançar rapidamente com um plano sobre os serviços a prestar aos idosos. A associação recorda que Macau lida com um sério problema de envelhecimento populacional: as estimativas apontam para que, em 2036, haja um idoso com idade superior a 65 anos por cada cinco residentes. Esta perspectiva significa que o território vai enfrentar, no futuro, “grandes desafios”.

Cheong Chi Hong, subdirector da Nova Juventude Chinesa, é do entendimento de que o Governo deve melhorar as condições para que os idosos possam ficar a viver em casa sempre que possível, o que implica um investimento nas condições da comunidade em que estão inseridos. Para que tal aconteça, sugere que se implemente “o mais rapidamente possível” o plano para os serviços de apoio à terceira idade, mas aconselha que se olhe para os exemplos do exterior.

A associação tem como referências Pequim e Xangai, experiências que podem ser adaptadas a Macau. O objectivo é garantir que 96 por cento dos idosos vivem em casa, com os restantes quatro por cento em lares. Para Cheong Chi Hong, deverá ser esta a meta a ter em consideração na definição de políticas.

A associação deixa algumas ideias de como tornar esta ideia numa realidade: há que dotar a comunidade de mecanismos de apoio à terceira idade. “O Governo deve auxiliar as instituições sociais em termos financeiros e técnicos, para que possam ser criados serviços. São necessários mais centros que ofereçam serviços aos idosos”, diz o subdirector.

A Nova Juventude Chinesa de Macau defende também que o Executivo tem de reservar locais destinados a esta fatia da população, aquando do planeamento de habitação pública. Os projectos devem ser pensados tendo em conta instalações de protecção dos idosos, incluindo instalações para fins de lazer e desportivos, bem como serviços de saúde.

Com os mais novos

Em relação ao pessoal responsável pelos cuidados prestados aos idosos, Cheong Chi Hong acha que a Administração deve aperfeiçoar os apoios e incentivos às instituições sociais, para que possam aumentar os salários dos técnicos. O subdirector salienta igualmente que é necessário investir em apoio psicológico para os cuidadores, uma vez que se trata de uma função que envolve elevados níveis de stress.

Por outro lado, Cheong Chi Hong nota que o Governo deve fomentar as relações entre gerações, para que os mais novos possam ter contacto com os idosos. “É preciso criar uma ponte para que haja comunicação, de aprendizagem interactiva e de partilha entre pessoas de diferentes gerações”, remata o subdirector da Nova Juventude Chinesa de Macau.

15 Ago 2017

Coreia do Norte  | Pequim suspende importações de minério e produtos do mar

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China, principal parceiro e apoiante da economia norte-coreana, anunciou ontem a suspensão das importações de ferro, chumbo e dos minérios destes dois metais e de produtos do mar da Coreia do Norte, aplicando as sanções decididas pela ONU.

A partir de terça-feira “todas as importações de carvão, ferro, minérios de ferro e de chumbo, animais aquáticos e produtos do mar serão interditas”, anunciou o Ministério do Comércio chinês em comunicado.

A medida visa aplicar na prática a resolução 2371, aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU, precisa o comunicado.

A China, que foi em 2016 o destino de mais de 92% das exportações norte-coreanas, é o principal suporte económico e financeiro do regime de Pyongyang.

Membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, a China juntou o seu voto, no passado dia 6 de agosto, à aprovação do sétimo pacote de sanções contra a Coreia do Norte, em resposta aos ensaios de mísseis balísticos levados a cabo por Pyongyang.

Teorias e práticas

Este pacote de sanções económicas representa um corte de mil milhões de dólares, privando o regime norte-coreano de uma fonte crucial de divisas.

A aprovação da resolução foi duramente criticada pela Coreia do Norte, que assegurou em comunicado que Pequim “pagaria caro por isso”.

O Presidente americano Donald Trump disse na ocasião que as sanções teriam um “efeito limitado” e, na quinta-feira passada, defendeu que a China deveria “fazer um pouco mais” para pressionar a Coreia do Norte.

Na sequência da recente escalada de retórica violenta entre Washington e Pyongang, Pequim exortou “à retenção”, e o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, assegurou que o seu país aplicaria “a 100%” o novo pacote de sanções.

As importações chinesas provenientes da Coreia do Norte recuaram mais de 7% nos cinco primeiros meses de 2017, de acordo com números das alfândegas chinesas.

15 Ago 2017

Jenny Mok, directora da Associação de Arte e Cultura Comuna de Pedra: “Somos, felizmente, uma alternativa”

Já com 21 anos de actividade, a Comuna de Pedra continua a afirmar-se pela criação “fora da caixa”. A abordagem de temas sociais, e a opção por espaços alternativos e mais perto da comunidade são apenas alguns dos aspectos que distinguem a companhia. Para a directora, Jenny Mok, Macau precisa de uma verdadeira educação para arte e a Comuna está a dar uma ajuda

Antes de mais, porquê o nome Comuna de Pedra?

Não sou a fundadora mas, pelo que sei, na altura da formação da companhia, em 1996, tratava-se de um grupo de artistas que faziam coisas mais alternativas. No início, a Comuna de Pedra não era um grupo artístico, mas sim uma congregação que juntava artistas de várias áreas. A ideia era formar uma comunidade de artistas diferentes e daí o nome comuna. A pedra surge dada a sua importância. As pedras estão em todo lado: nos lugares, cidades e no planeta. As pedras são também únicas, são todas diferentes e são básicas. Muitas vezes nem se dá conta delas quando andamos nas ruas, mas são elas que estão no pavimento. São fundamentais. É sobre elas que andamos. Ao mesmo tempo são materiais duros e difíceis de moldar. Conseguem resistir a intempéries e assim é a arte também. Penso que foi com esta ideia que surgiu o nome do grupo.

A Comuna de Pedra começou por ser alternativa, mas ainda hoje o é. 

Sim. É ainda uma companhia alternativa, no bom sentido. Juntei-me ao grupo em 2000 ainda andava no liceu. Fui a uma audição para um espectáculo que ia ser encenado no exterior, ao lado do Centro Cultural de Macau. Até essa altura, ninguém tinha usado esse espaço para representar. Depois a Comuna de Pedra tornou-se, cada vez mais, uma companhia de artes performativas. No que respeita a este sector em Macau, o teatro físico, com dança e feito para determinados espaços, tem ocupado grande parte das actividades da Comuna. Se calhar, por isso, tem acabado por permanecer uma companhia chamada alternativa. As peças tidas como comerciais e que são do chamado “mainstream” focam-se muito em textos e em disciplinas mais tradicionais. Nesse sentido, somos, felizmente, uma alternativa. 

São conhecidos pelas vossas apresentações em espaços inesperados, nomeadamente nas ruas. Porquê esta escolha? 

Há vários factores que têm levado a esta opção. Em primeiro lugar, penso que, quando falamos de teatros, as opções disponíveis em Macau são muito limitadas. Antes do edifício do antigo tribunal ter sido transformado num, basicamente tínhamos os dois auditórios do Centro Cultural e tínhamos a black box do Teatro Experimental. O facto de não termos muitos espaços mais tradicionais disponíveis fez com que os meus antecessores na direcção da Comuna de Pedra pensassem em criar espaços para ter os espectáculos. Sempre houve esta intenção de considerar o espaço performativo e de reflectir sobre o que poderia ser. Será que uma peça tem de acontecer num teatro? Por outro lado, o aparecimento do Festival Fringe, no início dos anos 2000, também ajudou a ver a rua como um lugar que deveria ser aproveitado. Foi uma iniciativa que encorajou a ideia de ver a própria cidade como um palco. Com a ajuda do Governo, visto o Fringe ser um festival oficial, pudemos descobrir vários lugares diferentes para explorar. De acordo com a minha antecessora, às vezes um teatro tradicional é bom, mas há momentos em que esse tipo de espaço não nos traz grande inspiração, pelo menos não aquela que podemos encontrar em sítios mais reais: numa ponte, numa biblioteca antiga ou num parque.

Têm feito um trabalho comunitário de relevo no que respeita à educação artística. Como é que aconteceu este envolvimento com a comunidade?

Começámos na educação. Foi em 2005, com uma turma de crianças no Centro Cultural. O que constatámos foi basicamente o que sabíamos até por experiência própria. O sistema de educação de Macau não contempla a educação artística. Atenção que isto não quer dizer que não ensine música ou teatro. Mesmo que as crianças frequentem o conservatório, por exemplo, e o que é bom, parece que, no geral, não há muito espaço para que se envolvam realmente com a arte. Se calhar, também é por isso que continuamos a ser a alternativa. Qualquer coisa que não seja texto e que envolva a participação da audiência é mais desafiante. Mas, voltando às crianças e à arte, o ensino tradicional é bom, mas não chega. Quando tentamos avançar para alguma coisa mais abstracta parece que as pessoas se perdem. Queremos ajudar as crianças a terem mais opções dentro da área artística. A arte às vezes é ambígua. O que vemos é que, se apresentarmos uma coisa diferente que não possa ser classificada como boa ou má, é muito difícil de se mostrar interessante para os mais novos. Posso dar o meu exemplo pessoal. Estudei em Macau e durante todo o meu processo escolar nunca me senti próxima de qualquer arte. Tive artesanato, mas o que nos era dado era um conjunto de materiais que tínhamos de juntar para replicar um objecto. Era muito aborrecido. Eram kits. Não tem mal darem-nos este tipo de coisas mas não remetem, de forma alguma, para a criatividade. Mesmo na música ou no teatro, as aulas acabam por não nos envolver nos processos artísticos. Penso que é uma grande falha. Por isso, o que quisemos fazer desde o início foi tentar colmatar esta falha. Queremos que as crianças se expressem, que abram os olhos e vejam o mundo. Vamos para a comunidade, levamos histórias e aulas às escolas. Recentemente estamos também envolvidos com as pessoas com necessidades especiais para que tenham acesso a mais do que actividades ocupacionais.

Da sua experiência, acha que a comunidade está cada vez mais aberta a este tipo de ensino?

Sim, penso que lentamente se vai abrindo e mostrando mais receptiva. Mas é um processo muito lento. As escolas ainda se baseiam muito em actividades tradicionais. Actualmente apresentam mais disciplinas fora do currículo, mas não passam de mais aulas. As crianças estão sobrelotadas de aulas e de trabalhos para fazer. Por outro lado, estas actividades extracurriculares estão sempre ligadas à competição. Mesmo nas artes, a motivação é sempre dada com a promessa de se ganhar algum prémio e recompensa. Depois, com as competições e com os prémios, a escola também faz publicidade do seu sucesso. No fundo, não é nada para o real interesse das crianças. As crianças continuam sem tempo livre. Têm mais alternativas, mas com tantas aulas de tanta coisa não têm tempo para fazerem somente o que lhes possa apetecer.

Que projectos tem agora em andamento?

Temos sempre duas vertentes que desenvolvemos de forma paralela. Temos a vertente criativa que se revela nos espectáculos que apresentamos e a educativa em que estamos mais ligados à comunidade. Neste momento estamos a trabalhar num projecto a longo prazo com diferentes faixas etárias de pessoas portadoras de deficiência. A intenção é criar um espectáculo, mas vamos ver. A apresentação não é a parte mais importante neste género de trabalho. Não queremos que esta intervenção acarrete muita pressão. É mais importante a aprendizagem e a experiência. Não queremos forçar ninguém a nada. É um projecto para ser feito em, pelo menos, um ano e meio. Teremos aulas e ensaios e, se tudo correr bem, em Setembro de 2018 mostraremos um espectáculo. No trabalho com pessoas com necessidades especiais, o mais importante é o processo criativo. Estamos a falar de uma comunidade que tem muito menos opções do que a maioria da população. Por outro lado, não é uma população visível. A nossa cidade também não é muito amiga destas pessoas no que respeita a infra-estruturas. O que acontece é que acabam por ficar restritas a centros de actividades ocupacionais. As que têm mais dificuldades nem podem trabalhar e passam a vida de centro em centro. Mais uma vez, a arte tem estado excluída. O que é importante aqui é desenvolver a expressão. Quando começamos a trabalhar com esta população, o que salta primeiro à vista é uma auto-estima muito baixa que tem muito que ver com as dificuldades de expressão. O mundo em que vivemos não lhes dá muito direito à expressão, o que é errado. A educação artística, por si, ajuda na comunicação. Não tem nada que ver com as necessidades especiais. Se virmos bem, todos temos necessidades especiais porque somos todos diferentes. Com o nosso trabalho, vemos que a auto-estima vai melhorando porque são trabalhadas várias formas de comunicação e de expressão.

Foto: Sofia Margarida Mota

Vem aí a nova temporada de espectáculos. Alguma coisa que possa adiantar?
No final do mês teremos a nova temporada de teatro. Este ano temos uma nova iniciativa a que chamámos de “Decorestruction”. Trata-se de uma série de espectáculos que será uma iniciativa anual. A ideia é ter um conjunto de criações que se focam na desconstrução do próprio conceito de espectáculo. É um espaço para se pensar o que é a performance e a representação. O que é o corpo. É uma temporada que vai consistir da apresentação de três ou quatro criações novas. A abertura desta iniciativa vai ser a 25 e 26 de Agosto, com “A Possible Path to Insomnia”. Vem de Hong Kong e mistura música ao vivo, dança, teatro físico, texto e intervenção comunitária. A peça foi criada depois da “revolução dos guarda-chuvas” em Hong Kong. Todo aquele movimento trouxe algumas questões relacionadas com o espaço. Esta abordagem trata da ideia de ocupar um espaço público para fazer alguma coisa. Trata da apropriação. Ao mesmo tempo, estamos também a falar de partilha de lugar. Toda a gente pode ir a um espaço público e, se forem cada vez mais pessoas, o espaço acabava por ser apropriado, mas não deixa de ser partilhado. É uma reflexão acerca do que é o espaço privado e de como uma peça pode dizer alguma coisa acerca de situações sociopolíticas. Nesta versão que vai acontecer em Macau, o espectáculo vai andar nas ruas juntamente com as pessoas. Sai do Armazém do Boi, passa para o Teatro Experimental e vai terminar na Live Music Association (LMA). Ao longo do percurso vai existir interacção com as pessoas da rua. Mais do que um espectáculo, é uma experiência. Depois, e ainda este ano, na mesma série, teremos peças em Outubro e Novembro que são criações novas.

15 Ago 2017

O Primo Basílio de Eça de Queirós – Luísa e Juliana (primeira parte)

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omeçamos hoje, e durante quatro semanas, a análise de dois conceitos chave em O Primo Basílio de Eça de Queirós: superação de si, na esteira da fenomenologia de Hegel, e de modo a mostrar a complexa relação entre Luísa e Juliana; e vício, de modo a mostrar o nervo central deste romance.

Assim, o conceito que aqui nos importa aprender inicialmente, com Hegel, é o de consciência de si. Foi Hegel que mostrou ao mundo o que é apreender uma coisa ou, se preferirmos usar a linguagem de Hegel, percebê-la. Não se pretende aqui um curso sobre a Fenomenologia do Espírito, de Hegel, e muito menos sobre Hegel; não tratamos aqui de Hegel com autoridade filosófica, apenas lhe pedimos ajuda para melhor entender o que se passa em O Primo Basílio de Eça de Queirós. Para tal, para que Hegel nos possa ajudar, é preciso ouvi-lo e para ouvi-lo há que entende-lo minimamente. É este minimamente que se pretende mostrar aqui. Não vamos reduzir Hegel, mas circunscrever o que dele precisamos para a nossa tarefa hermenêutica. Apreender ou perceber o que quer que seja é negá-lo. Que quer dizer então “negar”? Negar é ter o que se quer em nós. Esse ou isso que se quer, ao ser em nós passa a ser a negação do que era: passa de sujeito a objecto. A passagem de sujeito a objecto é a negação. Negar é transformar um sujeito em objecto. Avancemos com um exemplo. Deus, sujeito de tudo e de todas coisas, passa a objecto a partir do momento em que o penso, a partir do momento em que me aproprio dele. Apropriar-se de Deus não é ser Deus, mas negá-lo, transformá-lo em objecto. Negar Deus não é dizer que não acredito em Deus, mas fazer dele um objecto: um objecto de consciência. Quando Deus entra em mim, se consciencializa em mim, passa a ser objecto. Objecto da minha consciência, objecto da minha subjectividade, objecto do meu sujeito (do meu Eu, diria Hegel). Por maioria de razão, o que é válido para Deus é válido para todos e todas as coisas. Ao caminharem na rua, se acaso se lembrarem destas minhas palavras, deste artigo, transformam-me em um objecto vosso. Objecto da vossa subjectividade, da vossa consciência e, no entanto, eu agora aqui a escrever sou um sujeito. Mais: serei ainda um sujeito mesmo que não me há transformem em objecto. Podem perguntar-me: então para quê negá-lo? Ter consciência do que quer que seja é negar isso mesmo que se consciencializa ou de que se toma consciência. Ou seja, sem negar não se pode ter em nós um objecto de consciência, não se pode ter nada em nós mesmos, é isso que está aqui em causa. Para se ter consciência de uma coisa é preciso começar a negá-la. Para ser mais exacto, nem devo dizer “é preciso”, pois isso pressupõe que depende de mim, da minha vontade. Não, tomar consciência é independente da minha vontade. Permanecer naquilo que consciencializo é que já depende da minha vontade. Assim, o que se torna consciente em mim é, em mim, a negação daquilo que é fora de mim. Usando a linguagem de Hegel, na sua assombrosa Fenomenologia do Espírito, o outro passa a estar em mim. O outro em mim é a negação do outro. Uma negação do outro é, em mim, a consciência do outro. Mas a negação é dupla. A negação não é somente negação do objecto, negação do outro. A negação também nega o sujeito da negação, isto é, ao negar estou também a negar-me. Ao negar Deus, ao se tornar consciente em mim, nego-me também a mim, pois transformo-me no objecto que nego. Deixo-me, deixo de estar em mim para estar em Deus. A consciência de Deus, em mim, nega-me, torna-me objecto de mim mesmo, torna-me um outro de mim mesmo. Imaginai que pensais em Hegel – apesar de tudo, ainda é mais fácil pensar em Hegel do que em Deus, pouco mais fácil, mas ainda assim, mais fácil –, ao pensardes em Hegel estais concentrados, focalizados nele, Hegel, isto é, vós estais fora de vós mesmos, estais , fora de vós, em Hegel. Mas este fora de vós não acontece senão em vós mesmos. Ou seja, vós tornai-vos um outro para vós, tornai-vos a vossa própria negação. Aqui, não se trata da negação do objecto, mas da negação do sujeito. Por conseguinte, parece mais do que evidente que sem negação não há consciência do que quer que seja, não há conhecimento. Pois somente apreendo, somente conheço o que quer que seja se me con-centrar, se me con-centro naquilo que quero apreender. A língua portuguesa aqui, com a ajuda do latim, é feliz e ela mesmo diz o que eu estou a dizer. Concentrar é centrar com. Isto é, eu centrado em alguma coisa. Eu centrado em alguma coisa é a negação do eu, a negação do sujeito. Eu concentrado sou eu negado. Podeis perguntar: “e se você estivesse concentrado em si mesmo, concentrado em você, pensando em você, já não se negava, pois não?” Errado. Eu concentrado em mim mesmo sou eu negado enquanto objecto, isto é, eu negado na primeira forma de negação que apresentei aqui. Pois eu pensando em mim, este mim não sou eu mas um objecto de eu. Eu concentrado em mim é o mesmo que eu concentrado numa cadeira, em Deus ou em Hegel. Eu concentrado em mim, como a própria palavra diz, vimo-lo atrás, terei de ser eu com alguém. Eu concentrado em mim sou eu com o objecto de eu. Para usar a linguagem de Hegel: O espírito se torna objecto por esse movimento de fazer-se um outro para si mesmo – um objecto para seu próprio si. Por mais voltas que se dê, não há forma de conhecer, ter consciência de sem negar. Não há forma de conhecer sem sair de si mesmo, isto é, não há conhecimento sem objecto. E, pronto, já disse. É isso mesmo, tão simples, tão básico que não há quem não saiba: não há conhecimento sem objecto; não há conhecimento sem aquilo que se conhece. Sem dúvida, a negação é parte integrante do processo de conhecimento, mas este último acontece imediatamente através do fenómeno da negação? Não. É preciso um outro fenómeno ulterior. Com a negação, o que acontece, como vimos, é que passa a haver consciência em nós daquilo que consciencializamos, isto é, passa a haver, em nós, aquilo que aparece. Passamos a ter em atenção, a ter diante de nós aquilo que aparece. Mas uma coisa apresentar-se-nos é insuficiente para produzir conhecimento. Se alguém me estende a mão e se apresenta, pronunciando o seu nome (eventualmente a sua profissão), isso não me dá um conhecimento dele, mas uma apresentação dele, uma consciência da existência dele, uma consciência de que há ele, ele há. Ou seja, produz-se em mim, a dupla negação de que falei anteriormente. Que é então necessário para que haja efectivamente conhecimento? A repetição, a permanência, ou, em linguagem mais hegeliana, sofrer uma acção contínua do desejo, isto é, o desejo deixa o mundo natural, da Natureza, para assumir o mundo da consciência, o desejo deixa de ser desejo para ser entendimento e, mais tarde, espírito. Ou seja, passamos de uma apresentação de algo ou para um conhecimento desse mesmo algo através da repetição trazida à consciência do objecto que queremos conhecer. Repetir a apresentação do objecto não é cumprimentá-lo todos os dias, mas trazê-lo continuamente à consciência de formas diversas. A esta relação que se estabelece entre um sujeito e um objecto, Hegel chama-lhe desejo. Por conseguinte, o desejo provoca que o objecto apareça, provoca que a consciência se dê conta dele, do objecto, e queira cada vez mais desse objecto (como é próprio do desejo). Mas o desejo, em Hegel é do mundo animal, apenas nos pode trazer à consciência a sensualidade do mundo; no desejo o mundo é o mundo sensível. Somente na acção o desejo, na direcção do mundo, se pode transformar em conhecimento. Realizar, agir é atirar para as coisas, para o mundo e trazer delas, de lá, a diferença que nos separa delas, isto é, entender em nós que o objecto é em nós. Este entendimento faz toda a diferença: é a consciência da consciência. Assim, não basta negar o objecto para que se produza conhecimento, a negação é a apresentação do objecto à consciência, o conhecimento é a continuação dessa apresentação através de um querer cada vez mais, cada vez mais de modo diferente até que nada mais haja para conhecer. A este cada vez mais chamamos acção ou realização. Por conseguinte, o que nos vai distanciar do plano natural, e trazer-nos até à consciência de nós mesmos, é a consciência da acção. Não é apenas a acção, nem a consciência, mas a consciência da acção, isto é, trata-se da negação da negação do positivo. A acção nega a consciência passiva do plano natural, animal, sensual e, depois, a consciência dessa acção é que produz conhecimento. Trata-se do regresso a si próprio depois de agir sobre o mundo. Obviamente, o objecto tem tanto mais para apresentar quanto maior for o desejo do sujeito. Podemos aqui citar, com toda a propriedade, o estafado verso de Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena se a alma não for pequena.” Ou seja, se o nosso desejo for grande, sempre há o que ver, sempre há o que conhecer. Ou, como se diz em relação aos papéis no teatro, não há objectos pequenos, há sujeitos pequenos.

Depois de ficarmos a saber de que modo se conhece, os mecanismos pelos quais uma consciência agarra algo, e de termos destacado o papel fundamental da negação em todo esse processo, e da negação da negação, passemos então ao que aqui nos traz com mais urgência: a relação entre o uma consciência de si e o outra consciência de si, isto é, a relação entre duas consciências de si. Apresentemos então a célebre distinção hegeliana na dialéctica do senhor e do escravo. Sempre que duas consciências de si se encontram, o que se passa é uma luta feroz para que uma delas se assuma perante a outra como sua senhora e, concomitantemente, a faça de sua escrava. Uma consciência torna-se escrava da outra pelo medo da morte, escreve Hegel. Mas que quer dizer aqui morte? O que é a morte da consciência? A morte da consciência é ver-se a si mesma como objecto e não conseguir voltar a si, não encontrar o regresso a si mesma. Uma consciência de si escrava não vive para si mesma, mas para outra.

De outro modo: uma consciência de si escrava é uma consciência de si presa à vida. Presa à vida indica, desde logo, medo à morte e, consequentemente, a inevitável queda na sua escravidão ou, melhor seria dizer, a óbvia não ascensão à sua libertação, à sua liberdade, ao não medo da morte. Uma consciência de si escrava não está em si, mas fora de si. Estar em si, para uma consciência é supressumir o plano natural. Supressumir é a casa da consciência. E é onde ela, enquanto senhora, gosta de estar, isto é, a consciência de si enquanto senhor é uma consciência em contínua supressão de si e do mundo. A consciência escrava anda na rua, isto é, vivendo num plano natural. Dorme e alimenta-se na rua, fora de casa, fora de si. A consciência escrava alimenta-se do que o mundo lhe dá, do que a consciência sua senhora lhe dá, mais nada. A consciência escrava é ir do trabalho para casa e de casa para o trabalho, beber nos intervalos que tenha e aproveitar ainda para ter mulheres (ou homens). Viver numa consciência escrava é viver sem perguntar por si, pela própria vida, não fazer do mundo todo um objecto para si. Para melhor se compreender estes dois modos distintos de apreender o mundo, por parte de uma consciência, imaginem que estão apaixonados por uma pessoa de má índole, e que sabem perfeitamente que essa pessoas não vos convém, mas apesar dessa consciência de si do outro, entregam-se a ela pelo prazer que ela vos dá, isto é, deixam de ser senhores de si para se tornarem escravos; o conhecimento deixa de ser importante, deixa de fazer efeito e passam a viver como se ele não existisse. Passam a ter medo da morte, medo da morte que foi revelado através do prazer enorme que essa pessoa vos dá, independentemente do conhecimento que tinham dela e do qual abrem mão. Aceitam ser escravos por medo da morte, por um desenfreado amor à vida, ao plano natural, sensual, animal da vida. O medo da morte é querer viver, é pensar que deixar o plano do sensual é caminhar para a morte. Quem tem medo da morte, afoga-se de vida, de sensual, de animal, e morre escravo. Ter consciência do que nos está acontecer e fazer disso um objecto, fazer de nós e da nossa vida um objecto é a vida de uma senhora consciência. No fundo, esta senhora consciência é, em última instância, a própria filosofia. Mas adiante, que não é isto que nos traz aqui. O que nos traz aqui é a Luísa e a Juliana, a senhora e a sua criada. Em sentido hegeliano, no início do romance ambas são escravas, pois ambas não têm consciência de si. Mas com o avançar do romance, com o avançar da trama, com a queda de Luísa isso não vai ser assim.

(Continua)

15 Ago 2017

Multa ou prisão, eis a questão!

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado dia 9 ocorreu um acidente de viação perto de La Baie Du Noble. Um carro preto, conduzido por um indivíduo do sexo masculino, chocou com um táxi e acabou por capotar. Uma das portas do táxi foi arrancada. Felizmente os carros transportavam apenas os condutores, que saíram do acidente com ferimentos ligeiros.

Posteriormente ambos os condutores foram submetidos ao teste de alcoolemia. Numa análise preliminar percebeu-se que o condutor do carro preto apresentava valores superiores ao normal. O condutor do táxi não apresentava sinais de ter ingerido álcool. Mais tarde veio a saber-se que o condutor do carro preto estava efectivamente embriagado.

Este incidente foi divulgado pela imprensa de Macau e, ficou a saber-se, que o condutor do carro preto iria ser indiciado por “conduzir sob efeito de bebidas alcoólicas”. Acabaria por ser condenado a 100 dias de prisão, substituídos pelo pagamento de uma multa de 20.000 patacas. Ou seja, o transgressor pôde sair em liberdade pagando a multa. Ficou também com a carta apreendida durante um ano.

O acidente teve lugar à luz do dia e foi testemunhado por muitas pessoas. Algumas tiraram fotografias e postaram-nas no Facebook. Este incidente desencadeou surpreendentemente uma quantidade de discussões. Um dos temas mais debatidos no Facebook foi a pena aplicada ao condutor. As pessoas em geral gostariam de tê-lo visto preso.

Para analisar este assunto em pormenor, teremos de olhar para o Código Penal de Macau. O Artigo 279 (1) estabelece que, a condução sob efeito de bebida alcoólica, que ponha em risco terceiros ou bens alheios, implica uma pena de prisão até três anos ou uma pena pecuniária. Os Artigos 279 (2) e (3) estabelecem o montante da multa e o período de detenção consoante as circunstâncias.

Por aqui podemos ver que o Artigo 279 deixa duas opções em aberto. O réu pode ser detido ou condenado ao pagamento de multa.

Mas quem decide a opção a tomar, o juiz ou o réu?

Para responder a esta pergunta temos de voltar à lei. Em primeiro lugar, a lei deve estabelecer de forma clara as circunstâncias que conduzem a uma penalização e as circunstâncias que conduzem à outra. Em segundo lugar, deverá ser inequívoca ao estabelecer sobre quem pesa a responsabilidade da decisão.

Se a lei não for suficientemente clara nestes aspectos o juiz terá dificuldade em pronunciar-se adequadamente quando é chamado a decidir.

O artigo 125 (1) do Código Penal de Macau, estabelece que a pena pecuniária não pode substituir a pena de prisão, salvo algumas excepções. Por aqui se depreende que o objectivo da nossa lei é impedir que os réus comprem a liberdade.           

Mas será que o réu pode escolher entre pagar a multa ou ir para a prisão? Mais uma vez a resposta depende da lei. Se esta lho permitir, uma vez cumpridos todos os requisitos, pode. Caso contrário terá de se sujeitar à decisão do Tribunal.

O incidente que temos vindo a referir foi muito aparatoso e provocou muitos danos materiais e além disso envolveu um condutor alcoolizado. Foi uma situação grave, pelo que muita gente apelou à prisão do transgressor. No entanto, devemos salientar que, à parte os ligeiros ferimentos dos condutores, não houve mais danos pessoais. Só se pode pronunciar uma sentença de forma justa se todos os factores forem tomados em linha de conta.

Se a lei permite que o transgressor pague uma multa em vez de ir para a prisão, teremos de aceitar. Se não concordarmos teremos de alterar a lei. Se este sentimento for maioritário, precisará de ser reportado ao Governo e, a partir daí, serem implementados os procedimentos que abrem caminho à criação de uma emenda à lei. Mas, mais uma vez, antes de abraçar essa opção, há que pesar todos os factores pois estão em jogo questões vitais e de justiça para todos.

David Chan

Professor Associado do IPM

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

15 Ago 2017

China adverte para possível guerra comercial com EUA 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China advertiu ontem para a possibilidade de uma “guerra comercial” com os Estados Unidos caso a administração do Presidente Donald Trump avance com investigações sobre alegadas infracções de Pequim ao nível do comércio bilateral.

“A China e os Estados Unidos têm interesses interligados e uma guerra comercial não tem futuro, o único resultado seria um prejuízo para todos”, declarou a porta-voz da diplomacia chinesa, Hua Chunying.

No sábado, fontes da administração norte-americana indicaram que Trump iria ordenar ao representante especial do comércio externo norte-americano, Robert Lighthizer, para iniciar uma investigação, e a eventual aplicação de sanções, sobre alegadas violações por parte da China, nomeadamente ao nível da usurpação de patentes ou da transferência forçada de propriedade intelectual.

Esta iniciativa de Trump surge num período de tensão entre Washington e Pequim por causa da crise com a Coreia do Norte, mas os mesmos responsáveis da administração americana, que falaram no sábado sob anonimato, afirmaram que estes dois dossiês não estão ligados.

Em Pequim, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês apelou ontem aos Estados Unidos para continuarem a trabalhar com a China no sentido dos dois países alcançarem relações económicas estáveis, bem como exortou Washington a não usar a crise na Coreia do Norte como uma arma para pressionar as questões comerciais.

“São questões totalmente diferentes, e não é apropriado usar [a crise norte-coreana] como uma ferramenta para pressionar”, disse Hua Chunying.

Conversas de risco

Especialistas chineses, citados ontem pelo diário oficial Global Times, alertaram para os perigos deste eventual inquérito norte-americano.

“Pode piorar a fricção comercial entre os dois países e colocar em perigo os resultados do primeiro diálogo económico global”, apontou o vice-presidente da Sociedade chinesa para os Estudos da Organização Mundial do Comércio, Huo Jianguo.

“Não é nenhuma surpresa que Trump está a tomar medidas contra a China ao nível do comércio. O desequilíbrio comercial sino-americano significa que a China vai enfrentar uma grande fricção comercial com os Estados Unidos durante a Presidência de Donald Trump”, considerou, por sua vez, Jin Canrong, especialista em matérias de diplomacia.

Já o economista-chefe do grupo financeiro Citigroup para o mercado chinês, Liu Ligang, advertiu que esta medida de Washington pode afectar outros países que integram a rede de exportações da China, como é o caso do Japão e da Coreia do Sul.

No seguimento da recente resolução aprovada, por unanimidade, no Conselho de Segurança da ONU sobre a crise norte-coreana e o seu controverso programa nuclear e balístico, a China, principal parceiro e apoiante da economia do regime de Pyongyang, anunciou ontem a suspensão das importações de ferro, chumbo e dos minérios destes dois metais e de produtos do mar da Coreia do Norte (ver página 9).

A China foi em 2016 o destino de mais de 92% das exportações norte-coreanas.

15 Ago 2017