Hoje Macau SociedadeGoverno promete medidas para diminuir incómodos Um ano de obras sem fim [dropcap]S[/dropcap]ão 711 os projectos de execução de obras viárias agendados para o próximo ano. Por se situarem em artérias importantes do território e ocuparem grandes extensões durante períodos de tempo prolongados, os Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), através do Grupo de Coordenação de Obras Viárias, promete optimizar a gestão e coordenação das obras através da implementação de dez medidas. Em comunicado enviado à comunicação social, os serviços dão a conhecer as iniciativas a colocar no terreno no próximo ano, a começar pelo aumento do valor da taxa de licença para a abertura de valas, de modo a encorajar os empreiteiros a reduzir a extensão de pavimento que ocupam e a duração das obras. Depois, vai ser feita a classificação da rede rodoviária por nível hierárquico: as obras poderão decorrer durante a noite, domingos e feriados, de modo a encurtar o tempo de execução e vai ser exigido aos empreiteiros que seja feito trabalho nocturno de modo a atenuar o impacto no trânsito. Promete-se ainda um reforço da divulgação das obras, sobretudo junto dos moradores das proximidades dos estaleiros, através da publicação na imprensa ou da distribuição de folhetos; e a criação de um mecanismo de prémio e sanção relativo às obras viárias, propondo aos serviços públicos e concessionárias que agravem as sanções por atrasos e aumentem o prémio para as conclusões de empreitadas antes do tempo. A proposta de renovação de equipamentos e ferramentas; o controlo do número de obras em cada zona, para que não exista mais do que uma obra de grande dimensão num mesmo período; a coordenação entre empreiteiros para evitar a repetição de escavações, encurtando o tempo de ocupação do pavimento; a realização de estatísticas acerca do fluxo de tráfego antes de realizar qualquer obra de grande dimensão, tendo em vista a melhor preparação de um plano de condicionamento provisório de trânsito; e a responsabilização dos subempreiteiros no que respeita à qualidade das construções, com dados divulgados online, constam ainda das medidas anunciadas. Depois da reunião em que foram definidas as medidas de optimização do tráfego, o director da DSAT, Lam Hin San, garantiu, ao canal de rádio em língua chinesa, que “as obras vão ser iniciadas segundo o grau de prioridade”. “Se não for necessário iniciar no próximo ano, os serviços adiarão a data para tempo oportuno. Se for uma execução directamente ligada ao bem-estar da população, há, efectivamente, necessidade de a executar”, explicou. Lam Hin San salientou ainda que a zona norte deverá ser aquela com mais intervenções em simultâneo, apelando à com- preensão da população.
Isabel Castro Manchete SociedadeTáxis | Agressão de motoristas leva cliente ao hospital Um residente de Macau foi agredido no passado fim-de-semana por vários motoristas no Cotai, junto ao Galaxy. O caso foi parar à esquadra e ao hospital. É mais uma história em que o sector não fica bem na fotografia Era para as urgências, por favor [dropcap]U[/dropcap]m residente de Macau foi agredido no passado m-de-semana por vários motoristas no Cotai, junto ao Galaxy. O caso foi parar à esquadra e ao hospital. É mais uma história em que o sector não fica bem na fotografa a cara, atiraram-me ao chão e deram-me pontapés.” A vítima acredita que a agressão ficou registada no sistema de video-vigilância. O residente, de nacionalidade polaca, garante que não teve capacidade de resposta, até “porque ficou em choque” e os agressores eram muitos. A polícia acabou por intervir rapidamente e foram todos transportados para a esquadra. “Levaram-me para o hospital, recolheram os depoimentos dos motoristas e dos meus colegas.” Só às seis da manhã é que puderam ir, finalmente, para casa. QUEM É QUEM? Ainda de acordo com o relato de Lam, o agredido conseguiu identificar o primeiro taxista agressor, sendo que a polícia perguntou se queria apresentar queixa – a resposta foi afirmativa. Ao HM, Simon Lam diz que, apesar de terem chegado ao local com rapidez, não se sentiu tratado como vítima pela polícia. “Mantiveram-me durante muito tempo, pediram-me para pagar a conta do hospital, pediram a minha identificação e tentaram desencorajar-me de apresentar queixa várias vezes”, explica. “Foi então que pelo menos três motoristas me tiraram do táxi, agrediram-me na cara, atiraram-me ao chão e deram-me pontapés” SIMON LAM, CLIENTE AGREDIDO À semelhança de muitos residentes e turistas de Macau, o gestor já tinha tido experiências desagradáveis com taxistas, mas “nunca ao ponto de envolverem violência”. Para já, ainda não decidiu o que vai fazer. “Ainda estou abalado com tudo isto. Quero focar-me no ginásio e ficar mais forte para uma futura situação do género”, ironiza. “Sair à noite pode ser perigoso.” Quanto ao recurso a meios legais, Lam tem dúvidas acerca dos resultados. “Não tenho qualquer informação acerca de quem são, não foram detidos, a polícia apenas lhes pediu a identificação e os transportou para o hospital”, remata.
Sofia Margarida Mota SociedadeEscolas vão ter currículos mais adaptados aos alunos Um sistema de avaliação física dos alunos do ensino não superior para que as escolas adaptem adequadamente as suas actividades é uma das medidas para implementar em 2017 pela DSEJ. A iniciativa foi anunciada ontem, após a reunião plenária do Conselho de Educação Conhecer quem se ensina [dropcap]A[/dropcap] Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) vai lançar, já no próximo ano, a Plataforma das Orientações de Educação para a Saúde dos Alunos. A ideia foi revelada ontem, após uma reunião plenária do Conselho de Educação para o Ensino Não Superior, e pretende adaptar os currículos escolares à condição física dos alunos de cada instituição de ensino. Para o efeito, a DSEJ “pretende, de uma forma científica e sistemática, conhecer as informações físicas dos seus alunos para serem estudadas e analisadas”, disse o chefe de Departamento de Estudos e Recursos Educativos, Wong Kin Mou. O objectivo é a obtenção de dados de forma a “orientar a execução das actividades de cada estabelecimento de ensino para que sejam as mais adequadas aos seus alunos”, explicou. Em debate estiveram também as medidas que tiveram início no passado ano lectivo e que têm o futuro ditado pela continuidade. Fazem parte do rol iniciativas que continuem a promover o ensino especial. Leong Vai Kei, chefe do Departamento de Ensino, deu um exemplo do que diz serem os esforços do Executivo: “Foi criado um centro de avaliação de necessidades especiais no Centro Hospitalar Conde de São Januário que reduziu o tempo de avaliação para crianças até aos seis anos”. A DSEJ pretende, de uma forma científica e sistemática, conhecer as informações físicas dos seus alunos para serem estudadas e analisadas O reforço do pessoal docente e a futura actualização dos currículos escolares são projectos para continuar a serem trabalhados, sendo que Leong Vai Kei ressalvou que se trata de processos morosos. “Construir diferentes planos adaptados às diferentes capacidades e faixas etárias ainda vai demorar”, frisou. No entanto, apontou 2017 como data para levar à Assembleia Legislativa a nova proposta de lei relativa ao ensino especial. MAIS PORTUGUÊS PARA OS INTERESSADOS Outra medida apontada para o próximo ano é a “formação da capacidade linguística dos alunos”. Sem carácter obrigatório, a iniciativa pretende motivar os jovens residentes para a aprendizagem de português. “As escolas particulares que assim o pretenderem podem requerer pessoal docente da língua portuguesa, subsidiado pelo Fundo de Desenvolvimento Educativo (FDE)”, disse a chefe do Departamento de Ensino. “Se as escolas quiserem ensinar português aos alunos podem abrir uma disciplina regular ou criar cursos complementares, sendo que primeiro é necessário um primeiro contacto com a língua para avaliar o interesse dos alunos na sua aprendizagem”, considerou. Já foi pedida ajuda à Escola Portuguesa de Macau para ensinar os interessados do 9.º ao 12.º anos. Ainda no âmbito da for- mação linguística, Leong Vai Kei destacou os intercâmbios que a DSEJ tem vindo a promover entre alunos de Macau e de Portugal. “Nestes intercâmbios, além do encontro pessoal que acontece, há a continuidade da comunicação virtual que contribui para o desenvolvimento das competências escritas e da fala”, explicou. Quanto ao programa da aprendizagem contínua, a terceira fase vai começar em 2017, sendo que não tem ainda data marcada. O projecto “céu azul” também foi discutido. Tal com anunciado recente- mente, já foram transferidos três estabelecimentos de ensino de um total de 15 que estão na calha. “Não é só mudar escolas, há muitos trabalhos a fazer”, referiu Wong Kin Mou. O chefe do Departamento de Estudos dos Recursos Educativos salientou ainda que há instituições que têm de ser remodeladas de forma a uni car os serviços que se encontram espalhados em diferentes localizações e outros estabelecimentos que necessitam de reconstrução. A necessidade de esperar por terrenos para novas construções foi também apontada. “Nos projectos a longo prazo, temos planos que implicam a exploração de novos terrenos para o ensino que, muitas vezes são processos demorados”, sublinhou.
Hoje Macau PolíticaLAG 2017 | Jovens mas satisfeitos [dropcap]Q[/dropcap]uase 53 por cento dos adultos com menos de 45 anos consideram satisfatório o relatório das Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2017, apresentado por Chui Sai On no mês passado, segundo um inquérito divulgado pela Comissão dos Assuntos da Juventude dos Kaifong (União Geral das Associações de Moradores de Macau). Vong Lai I, responsável pela comissão, explicou em declarações reproduzidas pelo jornal O Cidadão que, apesar do grau de satisfação geral obtido ainda ser relativo, a confiança dos entrevistados em relação à governação mostra uma “tendência positiva e estável”, na comparação com os anos anteriores. Ainda de acordo com as respostas ao questionário, as áreas que receberam notas mais positivas são a segurança social e as políticas de previdência, os serviços médicos e a educação cultural. Entre os graus de avaliação de cada sector, a segurança social e as políticas de previdência, e os serviços médicos subiram nove por cento e cinco por cento em relação às LAG para 2016. Por outro lado, os aspectos que menos agradam são os transportes, a habitação e as medidas contra inflação. O questionário foi conduzido depois da apresentação das LAG na Assembleia Legislativa no mês passado. Participaram no inquérito 1031 pessoas, com idades entre os 18 e os 45 anos.
Angela Ka PolíticaAniversário da RAEM | Seis associações saem hoje para a rua São as reivindicações do costume pelas associações de sempre. Não à mão-de-obra importada, contra os não-residentes. Também a associação que luta pela reunião das famílias vai passar em frente ao Palácio Pelos santos da casa [dropcap]J[/dropcap]á faz parte do programa das festas: várias associações saem hoje à rua para se manifestarem contra determinadas medidas do Governo, com destaque para a autorização de trabalhadores do exterior. De acordo com as informações divulgadas pela polícia, este ano há seis associações que pediram autorização para marcharem pelas ruas da cidade, sendo que há ainda dois residentes que também convocaram protestos. Este ano há seis associações que pediram autorização para marcharem pelas ruas da cidade Contactado pelo HM, o presidente da Associação da Garantia dos Interesses de Emprego dos Operários Locais, Lui Fai Long, explicou que a manifestação de hoje tem como reivindicações principais “a garantia ao emprego dos operários locais” e “a oposição à importação da mão-de-obra não residente”. A organização prevê que mais de mil pessoas se juntem aos protestos. A Associação de Activismo para a Democracia, a Associação de Armadores de Ferro e Aço, e a Associação da Linha da Frente dos Povos de Macau vão juntar-se para protestar contra a introdução de trabalhadores não residentes no sector de transportes, tendo como ponto de partida o Jardim de Iao Hon. A questão dos motoristas – profissão que, até à data, está reservada apenas a residentes – voltou a estar recentemente na ordem do dia. TRAZER PARA CÁ Lei Yok Lam, líder da Associação da Reunião Familiar de Macau, também vai voltar a sair para a rua, para reivindicar a autorização da fixação de residência em Macau dos lhos maiores de idade. É uma luta antiga: são residentes do território que, à data da mudança da China para Macau, deixaram lhos menores no Continente que, entretanto, não conseguiram permissão para viverem cá. A associação entregou uma petição em Novembro pedindo um encontro com o Governo no início deste mês. O Executivo já respondeu e prometeu que o caso vai ser seguido pela secretária para a Administração e Justiça. “Vamos car à espera”, diz Lei Yok Lam. Só depois é que a associação irá pensar em novas formas de protesto, caso haja necessidade disso. Para já, manifestam hoje o seu desagrado em relação ao modo como o Executivo tem lidado com a questão. Em casa vai car este ano a Associação Novo Macau, que desde 2007 costuma convocar uma marcha no dia em que se assinala a transferência de Macau. Em declarações à imprensa chinesa, Jason Chao explicou que, atendendo a que muitas associações se manifestam nesta data, a Novo Macau entendeu que o protesto teria pouco significado. “Vamos convocar manifestações conforme as situações com que nos formos deparando”, prometeu.
Hoje Macau China / Ásia MancheteChina | Natalidade aumentou 5,7 por cento depois do fim da política de filho único Depois de mais de três décadas com uma política de planeamento familiar muito restritiva, a China acabou com a política de filho único há um ano. A natalidade subiu e muitas pessoas que não se puderam registar constam agora dos assentos de nascimento. Mas existe um enorme problema para resolver: há 13 milhões de vidas que não sabem como recuperar o tempo perdido [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China termina este ano – o primeiro em que todas as famílias estiveram autorizadas a terem dois filhos depois de mais de três décadas de política de filho único –, com 17,5 milhões de nascimentos, o que representa um crescimento anual de 5,7 por cento. O número de nascimentos é o maior registado pelo país este século. O número, revelado pelo diário oficial Global Times, compara com os 16,55 milhões de nascimentos registados no ano passado, e demonstra um “crescimento estável” da natalidade após a flexibilização das políticas demográficas. Além disso, está de acordo com as expectativas, segundo responsáveis da Comissão de Planeamento Familiar e Saúde que, na semana passada, se reuniram para analisar os primeiros efeitos destas reformas. Os segundos filhos que nasceram em 2016 têm, à partida, um destino bem diferente daqueles que, de 1978 para cá, foram tidos por casais que já tinham uma criança. O fim da política de filho único veio acabar com um problema para muitas famílias e permitir o registo de pessoas que, até agora, não existiam para as autoridades, mas há um problema que atravessa já duas gerações que parece ser difícil de resolver: as pessoas que, por terem vivido na sombra, perderam a possibilidade de estudar, de arranjar um emprego, de terem um vida normal. A residir em Pequim há 23 anos, Li Xue nunca frequentou uma escola, nem sequer durante um dia. A China tem um sistema de educação que prevê nove anos de ensino gratuito, mas Li ficou de fora do esquema. Também nunca teve, em 23 anos, qualquer apoio da segurança social. Não tinha autorização para casar, encontrar um emprego ou abrir uma conta bancária. Li Xue é a segunda filha dos seus pais. Por causa da política de filho único, em vigor entre 1978 e 2015, a jovem não fazia parte dos números oficiais da população chinesa. Li contou à Reuters que os pais tentaram registá-la quando nasceu na esquadra da polícia, mas os funcionários recusaram o pedido e pediram uma carta de autorização da comissão de planeamento familiar local, um requisito essencial para se ter um segundo filho. Sem carta para mostrarem às autoridades, os progenitores da jovem tinham de pagar uma avultada multa para poderem registar a filha. Sem possibilidades para tal, Li Xue não entrou nos registos de nascimento chineses. Ao longo dos anos, a família fez vários esforços para legalizar a situação da jovem. Com o anúncio do fim da política de filho único e a autorização para um segundo descendente, Li conseguiu finalmente obter um documento que prova a sua existência. A mudança de política do controlo da natalidade fez com que pessoas na situação desta jovem tentem agora recuperar os anos perdidos, ainda que com a sensação de que o reconhecimento oficial do direito à existência chegou demasiado tarde e sem a certeza de que as autoridades as vão ajudar a recuperar o que ainda for possível reaver. Li Xue não pôde ter uma educação formal e lutou para aprender sozinha, recorrendo aos livros da biblioteca que eram requisitados em nome da irmã mais velha, uma vez que a família não tinha condições financeiras para contratar um professor particular. “A minha mãe foi despedida do trabalho porque eu nasci”, conta a jovem, numa entrevista na casa onde a família vive em Pequim, uma habitação sem casa de banho e com um duche improvisado. “Tínhamos de viver, os quatro, com o salário muito baixo do meu pai.” A mãe de Li, Bai Xiuling, recorda que a filha costumava chorar quando via as outras crianças a caminho da escola. “Ela queria estudar, mas não podia. A minha filha perdeu nove anos de ensino gratuito. Não há dinheiro que possa comprar o tempo que perdeu e que já não volta”, afirma a antiga operária fabril. São 13 milhões no escuro De acordo com os censos mais recentes, conduzidos em 2010, a China tem 13 milhões de cidadãos na situação de Li Xue, sem estarem registados – é quase um por cento da população do país. A política do filho único foi uma implantada pelo governo da República Popular da China nos finais da década de 1970 com o objectivo de reduzir o crescimento populacional e facilitar o acesso da população do país a um sistema de saúde e educação de qualidade. “A maior parte destas pessoas são crianças que nasceram enquanto a política de filho único esteve em vigor”, explica Jiantang Ma, o homem que liderava o Gabinete Nacional de Estatísticas da China aquando da realização dos censos. Um estudo feito no ano passado pela Academia de Pesquisa Macroeconómica, sob a alçada da Comissão para a Reforma e o Desenvolvimento Nacional, permitiu concluir que quase metade dos cidadãos chineses que não estão registados são analfabetos ou não têm qualquer tipo de educação formal. Durante os anos de vigência da política de filho único, os segundos filhos não podiam ser registados no sistema de residência do país, a não ser que fosse paga uma pesada multa, uma regra que foi seguida com raras excepções. Também os filhos nascidos fora do casamento são considerados uma violação das regras apertadas de planeamento familiar, pelo que os casais que não contraíram matrimónio são obrigados a pagar uma multa para registar os filhos, dinheiro que nem sempre têm. A China é dos poucos países do mundo com um sistema de registo de residência – o “hukou” – que contém informação como nascimentos e casamentos. Uma pessoa sem um “hukou” não tem acesso a serviços públicos (como educação e sistema de saúde) e está impedida de casar, de encontrar um emprego e até de abrir uma conta bancária. A ligação entre a “política de filho único” e o “hukou” é controversa, com as autoridades governamentais chinesas a dizerem que o sistema de registo de residência é aberto a todos os cidadãos, sem quaisquer pré-requisitos. Mas as famílias afectadas argumentam que há uma ligação clara. “Apesar de o ‘haikou’ e a política de filho único não deverem estar juntos, as autoridades locais têm relacionado estes dois aspectos durante anos porque descobriam que é uma forma de obrigar as famílias a obedecerem à lei de planeamento familiar”, comentou à Reuters Youshui Wu, responsável por um escritório de advogados em Zhejiang. Youshui Wu, que ajudou muitos casais chineses a registarem os segundos filhos, acrescenta que existe ainda em torno desta questão um lado económico: as multas pesadas a que estavam obrigados os casais prevaricadores eram uma fonte lucrativa de receitas para as autoridades locais. Casa de portas fechadas Dados recolhidos pelo advogado em 24 governos ao nível provincial, disponibilizados pelas autoridades, mostram que, só em 2012, a China arrecadou mais de 20 mil milhões de yuan em multas pagas por casais que tiveram um segundo filho sem autorização prévia. “Nenhum destes governos foi capaz de fornecer informações sobre o modo como estas verbas foram aplicadas”, explicou Wu. Wenzhuang Yang, um alto responsável da Comissão Nacional de Planeamento Familiar e Saúde, nega que a “política de filho único” e as punições que lhe estão associadas tenham contribuído para impedir o registo a milhões de cidadãos. Numa conferência de imprensa este ano, o responsável disse que a comissão fez o que podia para remover os obstáculos criados pelas autoridades locais no registo de residência e que muitos cidadãos sem assento de nascimento foram agora incluídos no sistema ‘hukou’. Chunyan Liu, uma professora de Inglês solteira, conta que não teve capacidade financeira para suportar a multa que teria de pagar pelo nascimento da filha, que esteve sete anos sem ser registada. Em Abril deste ano, a criança passou a constar dos registos nacionais. “A multa em Pequim era muito elevada. Pensei muitas vezes nisso, mas era impossível deixar as autoridades saberem que tive uma filha sem permissão”, diz. Por não ter um ‘hukou’, a filha da professora não teve acesso a cuidados de saúde pagos pelo Governo. Também não podia comprar um bilhete de comboio ou sair do país. “Quando outros pais levavam as crianças à Disneylândia de Hong Kong, nós não nos atrevíamos sequer a pensar nisso.” “A minha filha tem agora sete anos e nunca pôs os pés fora de Pequim”, relata ainda, confessando que continua preocupada com a possibilidade de as autoridades lhe exigirem o pagamento da multa. Apesar de toda a história pessoal que carrega, Liu considera ter “sorte”. No ano passado, tentou encontrar uma escola para a filha estudar, mas não conseguiu, por causa da falta de um registo de residência. “Agora, ela tem tudo aquilo que precisa para poder frequentar uma escola pública”, diz. A filha de Liu ainda vai a tempo de não ficar excluída de educação. Mas o destino de muitos foi bem diferente: os investigadores da Academia de Pesquisa Macroeconómica dizem que mais de metade dos chineses sem registo já fizeram 18 anos. Muitos destes adultos não só viram vedados o acesso à escola, como tiveram dificuldades adicionais na procura de emprego, uma vez que não dispõem de documentação legal para serem contratados. O trabalho de investigação dá o exemplo de Liu Wei, da província de Henan, que não teve escolha: foi trabalhar para uma mina de carvão. Depois de a exploração ter fechado portas, ficou desempregado, uma vez que não conseguia arranjar um novo posto. Acabou a dormir na rua durante cinco anos. Em 2012, a China arrecadou mais de 20 mil milhões de yuan em multas pagas por casais que tiveram um segundo filho sem autorização prévia. Os filhos de quem não existe O isolamento social é um problema que não pertence a uma só geração, com os investigadores a mostrarem dúvidas sobre os efeitos do fim da política de filho único para esta fatia da população. “Muitas pessoas sem registo cresceram e começaram as suas próprias famílias, dando assim início à segunda geração de crianças sem documentação”, escrevem os autores do relatório da Academia de Pesquisa Macroeconómica. Wenzheng Huang, especialista em demografia e antigo professor assistente em Harvard, explica que Pequim tentou encontrar formas de resolver o problema depois de os censos de 2010 terem colocado em destaque o facto de existirem 13 milhões de cidadãos chineses sem registo. “Tanto quanto sei, muitos desses segundos filhos ou filhos fora do casamento têm agora um ‘haikou’. O Governo Central começou a tratar do registo de residência de forma séria”, afirma o académico. “As autoridades reconheceram que a existência de tantas pessoas sem registo é um problema muito sério. Não só representa um preço muito elevado no desenvolvimento social, como tem causado uma enorme dor a muitas famílias.”
Sofia Margarida Mota Manchete PolíticaLei eleitoral | Juramento de fidelidade preocupa pró-democratas Os deputados da Assembleia Legislativa aprovaram, na passada sexta-feira, a lei eleitoral. Sem ser consensual, o diploma obteve elogios da maioria dos tribunos e as reservas foram manifestadas pela ala pró-democrata [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stão aprovadas na especialidade as alterações à lei eleitoral. O diploma, apesar de reunir o consenso da maioria dos deputados, acrescenta um novo juramento de fidelidade à pátria que foi mote do debate entre pró-democratas e restantes membros da Assembleia Legislativa. Para Ng Kuok Cheong, as mudanças não contribuem para a democratização do sistema político porque não se prevê a possibilidade de sufrágio directo universal. Por outro lado, para o deputado, as novas disposições sobre o juramento de fidelidade acontecem como “consequência das posições independentistas vizinhas, o que não faz sentido em Macau”. Para o tribuno pró-democrata, “não há necessidade de apertar mais o cerco”. “Não devemos aplicar do mesmo modo o que se está a fazer no outro lado: se há disputas lá não devíamos transferi-las para Macau”, sublinhou. Au Kam Sam concordou com o colega de bancada. “Não é preciso definir por escrito o cumprimento da Lei Básica e a fidelidade à RAEM.” O deputado, que considera que este é um juramento já está previsto na Lei Básica, frisa o carácter desnecessário da medida. “Estamos a estragar o princípio ‘um país, dois sistemas’. É uma situação redundante. Não é preciso colocar isto na nossa lei eleitoral”, afirmou. Au Kam San questiona ainda o Executivo se “este não será um trabalho desnecessário e porque é que se tem de interpretar, à força, a Lei Básica”. O novo juramento de fidelidade surgiu na sequência da polémica em torno da tomada de posse de dois deputados eleitos pró-independentistas de Hong Kong e prevê que a fidelidade dos futuros deputados de Macau seja avaliada pela Comissão dos Assuntos Eleitorais. Aprender com os vizinhos Kwan Tsui Hang integra o grupo de tribunos que concorda com a medida. “Manifesto a minha concordância total”, disse a deputada. “Estamos a absorver os ensinamentos do que se passa em Hong Kong, devemos aprender com eles e é ainda importante mostrar que Macau não os pretende repetir”, referiu. “Prevenir uma doença contagiosa” foram as palavras do deputado Mak Soi Kun para mostrar a sua concordância com o aditamento à lei eleitoral aprovada. “É bom saber o que se passa nas regiões vizinhas para nos podermos precaver: se houver nos vizinhos uma doença contagiosa, temos de nos prevenir aqui também”, afirmou. Tommy Lau, por seu lado, frisou que Macau é um território inalienável da China e o mais importante é ser fiel ao país. Para o deputado, “este aditamento reflecte o princípio ‘um país, dois sistemas’”. A seriedade com que deve ser visto o juramento de fidelidade foi também sublinhada por Chui Sai Peng. “Podemos evitar que isto se torne uma brincadeira. Claro que a democracia e a liberdade têm os seus limites, não são direitos absolutos, temos de ter uma atitude muito séria em relação a esta questão”, disse. A secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, justificou o juramento tratando-se de uma medida para evitar que aconteça em Macau o que se passou em Hong Kong. “Trata-se de evitar que se verifique uma situação caótica da sociedade na eventualidade da ocorrência de casos semelhantes a Hong Kong”. Desta forma, “Macau tem enquadramento jurídico para lidar com a situação”, sublinhou. Candidatos com depósito Outra das questões levantadas por alguns deputados foi a obrigatoriedade de um depósito de 25 mil patacas para os candidatos à AL. O montante é devolvido caso consigam um mínimo de 300 assinaturas que apoiem a sua candidatura. Para Au Kam San, a medida pode ser um obstáculo à candidatura dos interessados “com menos posses”. “Ao estipular esse requisito de depósito, claro que estamos a colocar um entrave ao acesso das pessoas interessadas em participar na eleição. Contesto veementemente esta posição”, disse. O deputado José Pereira Coutinho também manifestou reservas quando ao depósito monetário obrigatório. “A fixação deste montante deixa-me com muitas reservas. Se todos os residentes podem ser candidatos, esta é uma restrição”, sublinhou, não deixando de dizer que “25 mil patacas é uma quantia exagerada”. O Executivo explicou que o depósito serve de confirmação de credibilidade da própria candidatura e previne que “candidaturas menos sérias avancem”. “Isto visa evitar brincadeiras na participação nas eleições. Se as candidaturas tiverem menos de 300 assinaturas é uma eleição a sério? É um montante simbólico. O conceito é elevar a consciências das pessoas”, justificou o Governo. Foi também aprovada, na especialidade, a proposta de orçamento de 2017, que prevê receitas de 102,944 mil milhões de patacas, menos 0,3 por cento face ao Orçamento previsto para este ano, e despesas de 95,725 mil milhões de patacas, que representam mais 12,6 por cento na comparação anual.
Sofia Margarida Mota PolíticaDeputados pedem medidas para um maior aproveitamento da orla marítima A definição da orla marítima de Macau pelo Governo Central e a abertura da circulação, através dos vistos individuais, para os barcos de lazer entre Zhongshan e o território estiveram na origem de algumas sugestões dos deputados à Assembleia Legislativa [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om uma área marítima de cerca de 85 quilómetros quadrados, o território deve comprometer-se a explorar esta orla da melhor forma. A ideia foi deixada na passada sexta-feira pelo deputado Chui Sai Peng. “Apesar das opiniões dos diversos sectores sobre a gestão de utilização desta área, é consensual que deve ser utilizada para o desenvolvimento de Macau como centro marítimo de turismo e lazer”, disse. Para justificar a sugestão, o deputado referiu que o território está a duas horas de vários destinos periféricos importantes, entre eles, Hong Kong, Cuiheng, Hengqin, Kiangmen, várias zonas da província de Guandong, bem como “de outras áreas adjacentes de forte desenvolvimento económico e zonas piloto de comércio livre”. Segundo Chui Sai Peng, é fundamental que a abertura marítima do território seja aproveitada em todo o seu potencial. “Se as águas de Macau forem aproveitadas para reforçar a ligação entre as diferentes zonas, aumentando os recursos turísticos entre elas, o desenvolvimento do turismo marítimo através de viagens entre as diferentes ilhas dessa zona geográfica contribuirá para a cooperação regional, através também da exploração das características geográficas e culturais de Macau”, frisou. Para o efeito, não basta a autorização da circulação de iates entre Zhongshan e Macau, pelo que o tribuno sugere “um estudo de turismo individual nas áreas marítimas interligadas para que os turistas do interior da China possam gozar livre e convenientemente as deslocações a Macau”. Chui Sai Peng considera ainda que as consequências do investimento na exploração turística marítima vão “favorecer a distribuição da carga do trânsito e das instalações de superfície, criando novas actividades comerciais e postos de trabalho, e ainda vantagens turísticas regionais que outros sítios dificilmente conseguem copiar”. Faltam portos Ainda no período de antes da ordem do dia do plenário da passada sexta-feira, a deputada Angela Leong, salientou que apesar dos benefícios resultantes da circulação recentemente aprovada entre Macau e Zhongshan, é necessário promover mais esforços na cooperação com a zona vizinha. A deputada deu como exemplo a necessidade de formação nas áreas que acompanham o desenvolvimento do turismo marítimo. “O Governo deve ter planos para apoiar este sector transfronteiriço, apoiando as instituições de ensino a definirem políticas e formando, faseadamente, talentos para este sector”, disse. Por outro lado, disse ainda, as instalações preparadas para receber a abertura do território a embarcações de lazer não são suficientes pelo que “o Governo deve arranjar um espaço para um novo terminal e aproveitar o antigo terminal do Porto Interior”.
Sofia Margarida Mota PolíticaAu Kam San critica falta de vias para transportes públicos [dropcap style≠’circle’]“A[/dropcap] única forma de resolver os problemas de trânsito é concretizar a primazia dos transportes públicos”, considera o deputado Au Kam San, preocupado com o aumento do número de viaturas nas estradas do território e com aquilo que considera ser a ineficácia das alternativas existentes. “Apesar do número de autocarros ter aumentado, os serviços prestados são cada vez piores”, afirmou. Se, em tempos, os autocarros representaram um transporte mais rápido, neste momento isso não acontece. “Para uma distância que antigamente demorava 30 minutos a percorrer, agora precisamos de mais de uma hora”, disse. Paralelamente, os serviços de táxis não são satisfatórios e os residentes “já desistiram porque é um problema que não tem cura”. Para Au Kam San, “não é possível melhorar os serviços de transportes públicos de Macau se se depender de mentalidades tradicionais”. O problema, que é agravado pelo aumento de carros privados, tem como única solução o controlo dos veículos. “No entanto, estes aumentaram significativamente nos últimos anos, não só devido ao rápido crescimento económico, mas também por causa das deficiências dos transportes públicos, da falta de resultados da construção do sistema de transportes colectivos e das dificuldades em apanhar autocarro e táxi”, explicou Au Kam San. Como consequência, os residentes são obrigados a assegurar as suas deslocações. A prioridade, para o deputado, é assegurar a existência de vias dedicadas apenas aos transportes públicos. O deputado não deixou de apontar críticas ao Executivo que “anda a preparar a criação de uma via exclusiva entre a Barra e as Portas do Cerco”. No entanto, a via em questão “só vai até à Rua da Ribeira de Patane e está mal dividida”. Com a agilização da circulação dos transportes públicos, o deputado não tem dúvidas que “a maioria dos condutores vai acabar por ver que chega mais rápido de autocarro do que nos seus carros”.
Sofia Margarida Mota PolíticaChan Meng Kam | Obras com deficiência congénita [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] deputado Chan Meng Kam acusou as Obras Públicas e o Gabinete para as Infra-estruturas de Transportes (GIT) de “sofrer de uma deficiência congénita”. A acusação, dirigida especificamente às obras do metro ligeiro e aos trabalhos do GIT, teve como ponto de partida as declarações do secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, que “referiu, no ano passado, que os trabalhadores do GIT são maioritariamente jovens que não conhecem bem os procedimentos administrativos”, apontou o deputado. “Trata-se de uma deficiência congénita.” Chan Meng Kam lembrou ainda que Raimundo do Rosário referiu que apenas “82 pessoas têm de dar resposta a muito trabalho, e estranho seria se não houvesse problemas”. Ao fazer referência ao metro ligeiro, o deputado frisou que “Macau não tem experiência nenhuma de gestão desta área, portanto se é o pessoal do costume a assegurar isto, já sabemos qual vai ser o resultado”. Chan Meng Kam considera que o problema dos atrasos e derrapagens orçamentais das obras públicas não são somente por causa da falta de recursos humanos. “A questão fulcral é a seguinte: terão os governantes capacidades decisórias, de liderança e de planeamento?”, lançou. Para o tribuno, o mais importante é que os órgãos de chefia tenham capacidade de previsão dos problemas para que estes possam ser resolvidos atempadamente e, desta forma, evitar “litígios desnecessários”.
Hoje Macau SociedadeJustiça | Ho Chio Meng ouvido sobre 120 de mais de 1300 adjudicações [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m mais um dia de julgamento, o ex-responsável pelo Ministério Público reiterou a inocência e explicou que, atendendo ao cargo que desempenhava, não controlava detalhes que, para a acusação, são prova de que cometeu crimes em adjudicações de serviços de limpeza e desinfestação O antigo procurador da RAEM, Ho Chio Meng, foi ouvido na sexta-feira em tribunal sobre 120 adjudicações de um universo de mais de 1300 relativamente às quais responde, nomeadamente pelo crime de burla qualificada. A quarta sessão do julgamento de Ho Chio Meng, que liderou o Ministério Público entre 1999 e 2014, foi dedicada à adjudicação de contratos de obras, serviços e fornecimento do gabinete do procurador a empresas que, segundo a acusação, foram criadas por uma associação criminosa que Ho Chio Meng é acusado de chefiar. Dos mais de 1300 contratos, divididos, pela sua natureza, em 24 itens, o tribunal analisou apenas o conjunto dos serviços de limpeza e desinfestação relativamente aos quais o antigo procurador responde pelos crimes de burla qualificada e participação económica em negócio em concurso aparente com o crime de abuso de poder. Em causa estão 120 contratos, cujo valor global dos supostos benefícios ilícitos corresponde a cerca de metade do montante total da adjudicação dos serviços de limpeza e desinfestação (14,6 milhões de 29,6 milhões de patacas). O tribunal analisou um a um, pelo que, a manter-se este ritmo, vão ser precisas pelo menos dez audiências para Ho Chio Meng acabar de ser ouvido sobre as adjudicações. O antigo procurador voltou a negar ter dado instruções no processo de escolha, designadamente na substituição de uma empresa por outra, afirmando mesmo que “não tem lógica” pensar-se que um procurador dá pareceres sobre os serviços de limpeza. “Só vou saber se o procedimento está correcto” e não “se o preço é baixo, se [a empresa] tem novas máquinas (…) ou se está bem limpo”, apontou, sublinhando confiar nos “fiéis” subordinados, e alegando ainda desconhecimento de casos em que os serviços adjudicados foram executados por empresas subcontratadas e aqueles que não foram cumpridos. Saúde e isolamento O início da audiência de julgamento ficou, contudo, marcado por uma questão processual – que o tribunal considerou ter sido resolvida anteriormente –, mas que acabou por levar à sua suspensão por uma hora. Isto para permitir ao arguido reunir-se com o advogado para se inteirar de factos que afirmou desconhecer ao pormenor – e, por isso, não se poder defender – por não terem sido transpostos na íntegra da acusação inicial para o despacho de pronúncia. Logo no arranque foi também o estado de saúde de Ho Chio Meng que esteve novamente em foco, depois de a audiência de quarta-feira passada ter sido suspensa da parte da tarde. Em resposta ao presidente do Tribunal de Última Instância, Sam Hou Fai, o antigo procurador afirmou que a sua saúde piorou, mas que irá “tentar aguentar” e “fazer o possível” para continuar a cooperar com o tribunal, e garantiu ainda que não irá fazer mal a si próprio. Fez ainda questão de realçar o “cuidado” e o tratamento “muito humano” que tem recebido na prisão – onde se encontra desde Fevereiro – e onde referiu ter estado em isolamento. A próxima audiência está marcada para hoje. A realizar-se – tal irá depender do estado de saúde do antigo procurador – será a última antes das férias judiciais.
Hoje Macau Manchete SociedadeCaso Ho Chio Meng | Sónia Chan diz que “não há nada de ilegal” nos telefonemas que realizou [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] secretária para a Administração e Justiça de Macau, Sónia Chan, negou ter existido qualquer “troca de interesses” ou ilegalidade por ter recomendado, em 2008, um familiar seu para trabalhar no Ministério Público (MP). “Tenho um familiar que trabalha no MP. Na altura tive uma oportunidade, disse ao ex-procurador que havia essa pessoa. Eu não tinha poder de decisão na altura, sendo coordenadora do Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais (GPDP). Não era possível fazer pressão alguma. Não há troca de interesses, não há nada ilegal”, disse na sexta-feira Sónia Chan, que convocou os jornalistas, que assistiam a um plenário na Assembleia Legislativa, para esta declaração no exterior da sala, depois de, um dia antes, ter evitado as perguntas da comunicação social. A secretária reage assim a declarações feitas em tribunal por Ho Chio Meng. O ex-procurador reconheceu que, sendo Macau pequeno, havia no seio do MP funcionários com relações familiares entre si e recordou que houve currículos que lhe passaram pelas mãos para potenciais recrutamentos. “As duas secretárias de apelido Chan [em referência a Florinda Chan e a Sónia Chan, respectivamente antiga e actual secretária para a Administração e Justiça] chegaram a telefonar-me”, afirmou. O gabinete de Sónia Chan tinha já confirmado aos jornais Tribuna de Macau e Ponto Final que, em 2008, quando era coordenadora do GPDP, recomendou um familiar para trabalhar no MP, que acabou por ser contratado. A secretária negou, no entanto, quaisquer pressões e refutou a possibilidade de troca de interesses. Na sexta-feira, Sónia Chan admitiu que agora que desempenha um cargo elevado “a exigência da sociedade é maior” e prometeu, “a partir de agora e no futuro”, ser “mais cautelosa” e ter um “desempenho que corresponda à expectativa do público”. Quando questionada sobre que função exerce hoje no MP o seu familiar, a secretária disse não ter “mais informações para providenciar” e sublinhou que o poder de decisão era do MP. “Se ele precisa ou não de recrutar e se a pessoa correspondia às condições, isso foi decisão do MP. Eu não influenciei, apenas recomendei”. Fica mal na acta Na quinta-feira passada, o deputado Leong Veng Chai pediu uma investigação disciplinar à secretária devido a este caso, mas sem referir explicitamente o seu nome. Na sexta-feira, o jornal Ponto Final publicou declarações de Leong Veng Chai em que este diz que foi aconselhado pelo Gabinete do Presidente da Assembleia Legislativa a retirar do discurso as referências a Sónia Chan e Ho Chio Meng. “Foi a primeira vez que isto aconteceu comigo. Foi-me dito que era melhor não colocar estas informações [referências a Florinda Chan, Sónia Chan e Ho Chio Meng]. Como o caso ainda está a ser julgado nos tribunais disseram-me que não é conveniente evocar o nome de Sónia Chan, nem do antigo procurador”, disse Leong Veng Chai ao jornal. “As recomendações foram feitas por parte do Gabinete do Presidente da Assembleia Legislativa”, indicou.
João Luz SociedadeCasinos | Defendida afectação de receitas para o património O Conselho do Património Cultural fez a última reunião do ano, onde discutiu a possibilidade da afectação das receitas com o jogo para a protecção de património de interesse cultural. Além disso, aprovou obras de restauro da Casa das Irmãs da Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a passada sexta-feira, em reunião plenária do Conselho do Património Cultural, discutiu-se a possibilidade de propor ao Governo a criação de um fundo de protecção do património de interesse cultural através de capitais injectados das receitas do jogo. O órgão pondera alcançar este objectivo aproveitando a altura da negociação de renovação dos contratos do jogo. Bastaria para isso a inclusão de uma cláusula indexada que realce a importância da preservação do património cultural de Macau. Foi adiantado que a criação de um fundo com estabilidade financeira poderá beneficiar a cultura da cidade, não só na realização de obras, mas também na organização de eventos virados para as artes, como festivais culturais. Outro dos momentos da reunião foi a aprovação das obras de intervenção no edifício das Irmãs da Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor. A ideia é restaurar a casa de traço arquitectónico português, construída na década de 30 do século passado, como uma residência particular. O imóvel, situado no lado leste adjacente ao Parque da Guia, é hoje em dia uma casa de acolhimento para mulheres vulneráveis, gerido pela congregação religiosa. Há muito tempo que se vinha degradando, com o telhado em péssimo estado, o que deixou o edifício totalmente permeável às chuvas. A decadência também se deve à humidade, a infiltrações e à formiga branca, levando ao apodrecimento de vigas de madeira e barrotes. Não só é uma questão de segurança para quem lá vive e trabalha, como um crime arquitectónico deixar ao abandono uma casa de elevado valor histórico. O arquitecto Carlos Marreiros, membro do conselho, alertou para a necessidade de uma intervenção de fundo, depois de pequenas reparações que se fizeram no telhado no passado mês de Outubro. “O Instituto Cultural (IC) precisa prestar um apoio de larga escala, em vez dos pequenos reparos que foram feitos recentemente”, comentou. O apoio do IC é fundamental, uma vez que a congregação não dispõe dos fundos necessários para as obras. De acordo com Leong Wai Man, chefe do departamento do património cultural do IC, vão avançar obras também num edifício centenário sito na esquina da Rua Central com a Calçada de Santo Agostinho, além da casa das irmãs. “Estas obras serão feitas com recursos do IC, pois temos capitação orçamental para efectuar o restauro ou reparação”, avança Leong Wai Man. Privados chamados à pedra Estas obras ocorrem na sequência das anteriores intervenções em templos da cidade, como o pequeno Templo de Fok Ta Chi, no Bairro da Horta da Mitra, o Templo de Sin Fong, o Pavilhão do Buda da Longevidade e o pavilhão central do Templo do Bazar. Estes foram alguns dos quase 50 projectos de restauro promovidos pelo IC. Outro dos berbicachos abordados foi a carência de mão-de-obra qualificada do aparelho governativo para elaborar pareceres arquitectónicos, fiscalizações e mesmo obras. Levantou-se a hipótese de outsourcing, o que pode tornar a intervenção mais célere e aliviar o Governo da sobrecarga que tem com estes assuntos. Para Carlos Marreiros, a protecção do património “é uma questão moral, mas um trabalho muito complexo, principalmente quando envolve propriedade privada”. O português explicou que, para alguns moradores, a designação de imóvel de património de interesse cultural é um fardo. Além da pressão para restauros, ainda ficam impossibilitados de fazer obras de fundo que alterem substancialmente a dimensão do edifício. Durante a reunião plenária discutiram-se formas de dirimir esta relação de forças, de forma a proteger a história arquitectónica de Macau. Uma delas é a permuta de terrenos, outra é a expropriação por interesse público. Existe no ordenamento jurídico local legislação para tratar estes assuntos, mas Marreiros comenta que “não se lembra de uma única expropriação nos últimos 50 anos”. Continua a ser uma questão problemática, mas o arquitecto acredita que no futuro haverá coragem política para proteger, efectivamente, o espólio arquitectónico de Macau. Carlos Marreiros acabou por dizer que é possível solucionar estes diferendos e rematou, em bom português, “que a esperança é a última a morrer”.
Hoje Macau Manchete SociedadePatriotismo | Visita à China de grupo liderado por Angela Leong alvo de polémica Um grupo de 60 trabalhadores de casinos de Macau, liderado pela deputada Angela Leong, esteve este mês em Jinggangshan, na província de Jiangxi, para um curso patriótico de uma semana. A presença de gente ligada ao jogo no berço do comunismo chinês não caiu bem [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] história é contada pelo jornal oficial do Partido Comunista Chinês (PCC), o Global Times. A visita a Jinggangshan de um grupo de 60 funcionários de casinos de Macau foi alvo de duras críticas nas redes sociais chinesas, com uma discussão acesa sobre o significado deste tipo de peregrinação. Todos os anos, milhões de visitantes deslocam-se aos locais que, no passado, serviram de palco a momentos decisivos para o aparecimento do PCC para prestarem homenagem aos líderes comunistas e aprenderem mais sobre a estrutura partidária. Mas a visita do grupo de Macau – liderado por Angela Leong, identificada pelo jornal como sendo “a quarta mulher” do magnata de Stanley Ho – foi sobretudo ridicularizada na blogosfera. Os organizadores argumentam que o curso de educação patriótica em Jinggangshan – “o berço da revolução chinesa” – serviu para transmitir aos participantes a noção de espírito de sacrifício. A justificação não bastou para apaziguar os ânimos daqueles que não concordam com operadores de casinos a prestarem homenagem aos revolucionários do PCC, que encaravam o jogo como um “pecado capitalista”, razão pela qual foi (e continua a ser) proibido no Continente. Eles não sabem de história Durante o curso, o grupo de funcionários – de todas as operadoras de Macau – usaram os antigos uniformes do Exército Vermelho, foram a “locais revolucionários”, cantaram canções comunistas e prestaram homenagem aos mártires da revolução. Em suma, fizeram as actividades que, por norma, são disponibilizadas nos pacotes de “turismo vermelho”, explica o Global Times. “Para mim, a actividade que não esquecerei foi quando cantámos canções todos juntos. Aprendemos várias”, contou ao jornal Johnny Long, um gestor de 35 anos a trabalhar na SJM. “Não parece ter uma influência directa naquilo que fazemos mas, através destas actividades, aprendemos a sentir o espírito Jinggangshan: trabalhar de forma árdua, apesar das adversidades, e atrevermo-nos a inovar. Isto é muito relevante para a nossa vida”, acrescentou. Também a trabalhar na Sociedade de Jogos de Macau, Amanda Lee destaca da semana de curso uma visita em que passou pelos principais locais onde estiveram os líderes revolucionários. “Estivermos num trilho que foi feito pelos soldados do Exército Vermelho. Cozinhámos ao ar livre com recursos muito limitados.” Angela Leong – que liderou o grupo e esteve acompanhada por elementos do Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM –, escreveu ao Global Times a explicar a razão da visita de estudo. “Desde o regresso de Macau à China, o território tem conhecido um crescimento económico assinalável com o grande apoio da nossa mãe pátria. Sentimo-nos gratos por isso, mas também consideramos que as pessoas mais jovens, especialmente os trabalhadores dos casinos, sabem pouco da história da China”, afirmou a também deputada à Assembleia Legislativa. Leong disse ainda que é o quarto ano consecutivo que organiza visitas a Jinggangshan para os seus funcionários, mas esta foi a primeira vez que convidou representantes de outras concessionárias. A Galaxy, a MGM, a Melco Crown, a Sands China e a Wynn Macau aceitaram o repto. Da proibição ao moralismo Apesar de quem trabalha nos casinos considerar necessário prestar homenagem aos revolucionários da China, escreve o jornal oficial, a China nem sempre foi tolerante em relação a jogadores e operadores da actividade. O jogo, como se sabe, é ilegal no Continente e frequentes vezes acusado de causar distúrbios e problemas sociais. Em 1949, com o aparecimento da República Popular, passou a ser proibido. Durante muitos anos, o jogo era considerado um dos “seis vícios”, ao lado da prostituição, a pornografia, o consumo de drogas, a superstição e o tráfico humano. Entre 1949 e 1979, contextualiza o Global Times, as pessoas que eram apanhadas a cometerem crimes relacionados com apostas iam parar a campos de reeducação como forma de punição. Apesar da proibição interna, é conhecida a apetência dos chineses pelo jogo: há estimativas que apontam para que, em 2014, os apostadores do país tenham perdido 95,4 mil milhões de dólares em casinos fora da China Continental ou em salas de jogo clandestinas no país. O jornal explica que a grande procura pelo jogo beneficiou Macau ao longo dos últimos anos, mas escreve também que a luta contra a corrupção desencadeada em 2012 pode fazer com que “os dias bons tenham chegado ao fim”, havendo uma grande incerteza em relação ao futuro do sector. Nas críticas que o diário recolheu para escrever o artigo, nota-se uma postura de grande censura em relação aos casinos. “Muitos cibernautas do Continente consideram que a deslocação a locais revolucionários por representantes de casinos é tão inapropriada que chega a ser quase irónica.” “Os revolucionários ficariam zangados se soubessem quem lhes prestou homenagem”, escreveu um utilizador do Weibo. “Quem vem a seguir, as tríades de Hong Kong?”, lançou outro cibernauta. “Para os chineses do Continente, os casinos não fazem um trabalho honesto, é injustificável do ponto de vista moral. Por isso, quando se aproximam de algo sagrado, isso é particularmente desarmonioso”, lê-se num comentário do Beijing News. “Apesar de os casinos serem legais em Macau, os operadores devem respeitar a lei e a cultura da China Continental quando realizam actividades no Continente. Deixem de ir a Jinggangshan no futuro.”
Andreia Sofia Silva EventosConcerto | Noite de jazz esta quarta-feira no Café Terra A Associação Promotora de Jazz de Macau organiza esta quarta-feira, no Café Terra, um concerto com quatro músicos locais e um da Malásia. Mars Lee, presidente da entidade, irá tocar guitarra e garante que dar um concerto num café é a melhor forma de desfrutar do ambiente [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] noite desta quarta-feira, dia 21, promete ser bem diferente ali para os lados do Café Terra, localizado junto ao Teatro D.Pedro V. Isto porque a Associação Promotora de Jazz de Macau irá organizar um concerto em que o próprio presidente da entidade, Mars Lee, vai tocar ao lado de mais dois músicos locais e um malaio. A entrada é gratuita e, segundo contou ao HM Mars Lee, o objectivo é fazer com que o público aproveite o som do jazz de uma outra forma. “Esta não é a primeira vez que tocamos em cafés e é sempre uma experiência enriquecedora, porque apesar de não ser um espaço muito grande, as pessoas gostam de estar a ouvir música enquanto estão sentadas com a sua bebida. É sempre bom realizar este tipo de eventos.” Com entrada gratuita, este evento fecha o ano de actividades da Associação Promotora de Jazz de Macau, que recentemente organizou a 5ª Semana de Jazz de Macau, com um concerto no Centro Cultural de Macau (CCM). Boas sensações Actuar num café é diferente de actuar num palco, mas ainda assim Mars Lee espera uma boa recepção por parte do público. “Diferentes concertos provocam diferentes sensações, e as pessoas sentem-se bem neste tipo de ambiente. É uma cultura importante no jazz, estar calmo a ouvir música, e neste café consegue-se este tipo de ambiente.” O presidente da Associação Promotora de Jazz de Macau defende que mais concertos poderiam ser realizados no território, numa altura em que há cada vez mais cafés a abrir portas. “A música pode ajudar. A música ao vivo é ainda uma grande questão em Macau, devido aos problemas do barulho, com a nova lei. As pessoas estão a gostar mais de música ao vivo. Esperamos que no futuro haja mais locais como este.” Mars Lee planeia realizar mais concertos deste tipo no próximo ano, mas ainda nada é concreto. “Somos uma associação sem fins lucrativos e temos algumas propostas submetidas ao Instituto Cultural. Estamos à espera de respostas. Vamos tentar organizar alguns concertos”, rematou.
Hoje Macau China / ÁsiaPequim diz que capturou ‘drone’ dos EUA por segurança [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Ministério da Defesa chinês disse que a captura de um ‘drone’ submarino norte-americano por parte da marinha foi devido a motivos de segurança e que vai devolver o aparelho conforme pedido do Pentágono. Em comunicado divulgado na noite de sábado, o porta-voz do Ministério da Defesa chinês, Yang Yujun acusou também o Pentágono de “exagerar” o incidente ocorrido na quinta-feira nas águas do Mar da Sul da China, algo que considerou “inapropriado”. O Departamento da Defesa norte-americano garantiu este sábado que tinha chegado a um “entendimento” com Pequim para a devolução daquele veículo não tripulado que, segundo Washington, se dedicava a trabalhos de investigação científica. Yang explicou que um barco chinês que navegava no Mar do Sul da China localizou na tarde de quinta-feira um aparelho não identificado e que, para evitar causar algum dano ao navio ou aos seus tripulantes, decidiu examiná-lo “de maneira profissional e responsável”. Uma vez realizados esses testes, acrescentou o porta-voz chinês, verificou-se que se tratava de um ‘drone’ submarino dos Estados Unidos, pelo que, após comunicarem com os norte-americanos, as autoridades asiáticas aceitaram devolvê-lo. O porta-voz da Defesa chinês lamentou que o Pentágono tenha tornado público o assunto “de forma unilateral” e “exagerada”, o que, afirmou, não ajudou a resolver a disputa. Yang criticou, por outro lado, a prática de os Estados Unidos enviarem navios e aviões de combate para realizar missões de reconhecimento nas águas chinesas. “A China opõe-se veementemente a estas actividades e pede à parte norte-americana que as detenha. A China continuará a vigilância contra estas relevantes actividades dos Estados Unidos e tomará as medidas de resposta necessária”, advertiu o porta-voz. Mar concorrido O incidente do ‘drone’ no Mar do Sul da China coincidiu com a publicação esta semana, por parte do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais (CSIS) de Washington, de imagens de satélite que alegadamente mostram a instalação de armamento militar em ilhas artificiais construídas por Pequim nessas águas. A Malásia e o Vietname, que disputam com a China a soberania de vários arquipélagos no Mar do Sul da China, manifestaram a sua preocupação por essas defesas militares, enquanto as Filipinas disseram na sexta-feira que não vão protestar por isso.
Amélia Vieira h | Artes, Letras e IdeiasCarta ao pai [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]proximamo-nos do Natal que tal como o seu nome indica é uma festa dedicada à Natividade, ao grande projecto que é ser nascido sempre por um mistério mais vasto do que a fecundação ou anunciação. Nascer será sempre o mais belo mistério que temos para festejar, só que esta Festa está repleta de “Cartas ao Pai”, Pai Natal, esse grande senhor velho, emblematicamente, um Saturno feliz que distribui presentes pelos filhos de todos e nos deixa a pensar no patriarcado benévolo e generoso e que é quase como Deus na sua ubiquidade. Depois quem nasce também é menino e da Natividade fica um suporte maternal receptivo e bom, mas sem grande expressão na simbologia final. Nem sempre as Cartas ao Pai são tão beneméritas e de expectante satisfação. Não, nem os pais são aqueles seres enormes e escarlates que nos protegem nos nossos desassombros perante a dádiva. Existem diálogos e cartas temíveis nesta saga dos pais monoteístas de índole patriarcal e, muito a propósito, a célebre « Carta ao Pai» de Franz Kafka e o diálogo de Jesus no Monte das Oliveiras e o passeio de Abraão com o filho Isaac — ele que expulsará também o seu filho Ismael para o deserto… São encontros verdadeiramente marcantes para a vida dos filhos. Esta é a Carta que pode ser a súmula de muitas outras na relação intempestiva e sombria que estes homens tiveram, numa tribo de progenitores, onde esta relação imediata pareceu sempre ameaçada. Kafka transmite toda a profunda mágoa e tristeza num desabafo, diria intimista e na primeira pessoa, e tenta sem dúvida curar a sua ferida de progenitura. …. se eu pretendia fugir de ti, devia fugir também da família, incluindo a Mãe, podia-se sempre encontrar protecção junto dela….. Tu mostraste-te sempre afectuoso e afável com ela, mas quanto a isso, também a poupaste muito pouco, tal como a nós… Um sacrifício que se denuncia por tormento e mágoa de um pai que imperava no topo de um medo profundo, inconsciente, cultural… Uma saga que não deixa ao varão mais do que a sua lei e temor pelo elo da progenitura e assim exerce o seu domínio. Esta «Carta ao Pai» não é uma Carta ao Pai Natal! Porque o pai é seminal ,não busca mais que a continuação da sua espécie por meio de uma realidade que não chega para manter vivo um homem e se Isaac tem a protecção do Anjo, já em Jesus, o Pai derradeiramente se silenciou no estertor da imploração do Filho. Por isso, nós fomos cobrindo de flores e de luzes a chegada de um menino e pondo homens vestidos de vermelho para alegrar esta festa. Ela não devia dar continuidade a uma imperiosa manifestação patriarcal. Mas Kafka, como judeu, também não tinha Natal, esta não era a sua Festa, mas o reflexo dela mantem-se na continuidade da mesma saga, porque da mesma essência se trata aqui. Creio mesmo que este seria um belo presente de Natal na rota da desocultação desta herança – este livro – mas como o tempo é de festa, talvez a família, mesmo cristã, não ficasse com a consciência tranquila de que ela é de facto uma boa instituição. … Afirmas que facilito as coisas para mim fazendo recair sobre ti a culpa da nossa relação, mas apesar dos teus esforços exteriores, não as tornas mais difíceis para ti, mas bem mais suportáveis. Mas enquanto eu te acuso, tão abertamente como o penso tu queres livrar-me a mim também de toda a culpa… E esta culpa, na qual se inscreve a filiação, tem no entanto o mérito de em si possuir um vínculo inquebrantável, como se sem ela a própria noção de vida nestes abismos patriarcais fosse inexistente. Existe ainda uma prática transcendental e bela que é a dos judeus ralharem literalmente com Deus, expondo-lhes as suas mágoas, mas numa tal e tão tocante manifestação, que uma razão linear e fora daqui não entenderia. Mais tarde, este pai tem a autoridade exacta de um castrador, quando impede Kafka de casar com a mulher que ele ama, o que por uma lealdade entre homens acaba por ser obedecida, e diz: eu queria nunca mais estar “no caminho da tua felicidade” e em segundo não quero ouvir uma tal censura da boca do meu filho. E a minha autorização para o teu casamento não impediu as tuas censuras, pois tu provas que, de qualquer forma, sou o responsável pelo teu não casamento. Se não me engano muito, ainda me parasitas com esta Carta enquanto tal”. Prova-se assim a vontade de ser Um no Pai, de ser Um no Filho, e esta alternância que desmente o mito do individual faz do patriarcado uma história ultra-secreta ou de um amor louco ou de uma vertente consubstancial à vida. Por fim, o Filho entrega-se e espelha-se no Pai que o diz soltar para que cresça, porque olhar para trás, só mesmo uma mulher para ficar transformada numa estátua de sal. A mulher de Lot é uma estátua à desobediência, toda ela petrifica, segundo as leis que aqui estão inscritas. Talvez que Filho e Pai não tenham costas e se debrucem numa forma multifásica para continuarem assim tão indivisos. As Mães têm “costas largas” e acontece sagrarem a vida pela Festa da Natividade, não olhando muito também para trás quando as leis lhes levam os filhos e não sabendo exactamente o porquê do seu imenso amor não os proteger. Seja o que for a Carta, aqui vai um pedido ao Pai Natal: abençoar as mães e deixá-las no repouso maravilhoso dos seus dias e que os filhos as reconheçam sem precisarem de escrever Cartas. Kafka ainda considerou durante algum tempo ir à Palestina, a eterna terra do Pai, mas adoece morrendo pouco depois. O grande insecto podia ser, nestas paragens da mente da «Carta», uma estranha Louva-a-Deus, elemento mórbido para um elo assim, que fugiu sempre em frente, num secreto horror, também ele, de poder ser também a própria mulher de Lot, e se viu defronte à imagem do seu mais angustiante medo, que bem pode estar inscrito nalgum gene masculino que representa a saga fascinante do patriarcado. Sabemos que engolir “sapos” pode significar consubstanciar um príncipe, mas que consubstancial, só mesmo ao Pai. Querido pai Perguntaste-me recentemente por que motivo eu afirmava ter medo de ti … começa assim então a longa Carta.
Valério Romão h | Artes, Letras e IdeiasOs filhos dos outros [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a minha vida civil trabalho em informática, e não raras vezes tenho de ir a Barcelona, ora para resolver problemas específicos da empresa em Portugal, com ajuda dos meus colegas espanhóis, ora para assistir aos infindáveis monólogos motivacionais a que as pessoas, por inexplicável obstinação semântica, continuam a chamar “reuniões”. A frequência das idas e vindas faz com que acabemos por acompanhar, em jeito de folhetim, a vida uns dos outros: quem casou, quem se separou, quem finalmente se apercebeu de que pagar o dízimo do ginásio sem lá pôr os coutos uma única vez não era suficiente para levar a bom porto o projecto biquíni, que tanto sentido fazia enquanto resolução de ano novo. O Raul era o mais caladinho dos meus colegas, uma espécie de contraponto ao típico espanhol, normalmente tão efusivo e entusiasmado como ruidoso. O Raul não, caladinho, no seu canto, dedos ágeis sobre o teclado, olhos postos na pantalla onde desfila aquele sânscrito digital que faz com que as coisas que têm que funcionar funcionem. Interrompia-o amiúde, para saber de um procedimento ou para pedir acesso a uma base de dados que ele administrava. Eu associava a sua cordialidade à sua introversão: o Raul não discutia com os colegas, não levantava a voz e, ao contrário dos restantes elementos do departamento, aceitava as reprimendas ocasionais do chefe num silêncio de eremita. Eu sabia da vida dele o que me iam dizendo: que era casado, malgrado ninguém conhecer a sua mulher, por ele nunca a ter levado aos jantares para os quais ambos eram convidados ou ao Family Day, que morava na periferia de Barcelona, como quase toda a gente que trabalhava na empresa e que estava à espera de um filho há cerca de catorze meses. Como, perguntava-se, entre risotas, catorze meses, insistiam os colegas do Raul, sem conterem a galhofa, se espera un elefante, rematavam, para gargalhada geral. Eu acompanhara a história do filho desde o início. A tímida alegria quando anunciara a novidade no escritório e a reacção dos colegas, adubando-o generosamente com palmadões nas costas, genial, coño, vincavam, o seu sorriso envergonhado perante aquela inédita demonstração de efusividade, ele que estava habituado a que o interpelassem somente quando alguma coisa corria mal e as felicitações do chefe, habitualmente reservado, até soavam bem, naturais, humanizando-o inesperadamente, mas como nem um nem outro estavam habituados aquele trato sem farda o chefe rematava, seco, em jeito de pai: ahora hay que trabajar aún más, Raul. Os meses passaram tão depressa como o tempo pode passar num escritório. O entusiasmo dos colegas, sobretudo quando se acercava a data na qual se esperava que o pequeno Raul nascesse, deu lugar a um silêncio consternado e árido de perguntas, porque o pequeno Raul, desafiando todos os prazos conhecidos para o desenlace da concepção humana, não havia meio de nascer. Ora era uma complicação clínica que impedia o parto, oram era dois obstetras que se desentendiam sobre a forma mais adequada de entregar aquela criança ao mundo, ora era porque se aproximava o Natal e aquela altura, tão confusa como exasperante, não dava jeito nenhum. Não dava jeito nenhum, chegou mesmo a dizer. Aquele silêncio de sepulcro, tão inesperado como contranatura – sobretudo para um espanhol – deu rapidamente lugar à zombaria e o filho do Raul tornou-se de repente uma metáfora para tudo quanto tardava demasiado tempo naquele escritório. Mas esta impressora, não imprime, reclamava a directora financeira, para logo alguém por detrás do anonimato de um monitor replicar: deve ser filha do Raul. E o café, quando é que pediram o café, nunca mais chega esse café? Filho do Raul. Ainda não pagaram o subsídio de férias? Filho do Raul. Esse relatório, como vai? Filho do Raul. A piada durou até o director de recursos humanos, eventualmente necessitado de mostrar algum serviço, decidir convocar o Raul e o chefe do Raul para uma reunião cuja agenda era de ponto único. Raul, esta empresa, principiou o director de recursos humanos, não tem por hábito imiscuir-se na vida pessoal dos seus funcionários, mas há-de convir que esta situação, tendo em conta o seu carácter inusitado, pede de certa forma um esclarecimento, e acredito que o seu chefe estará de acordo comigo neste ponto, ao que o director de informática anuía, silenciosamente, com um acenar de cabeça. Raul, finalizava, podemos saber o que se passa com o seu filho? Saindo da reunião, Raul passou pela secretária e meteu na mochila os poucos objectos pessoais que lá tinha: uma caneta de tinta permanente, dois livros de poesia, uma miniatura articulada do Wall-e. Despediu-se educadamente dos colegas, como sempre. Nunca mais o vimos. Há duas semanas fui a Barcelona e lembrei-me de o procurar, de o rever. Mas não tinha a sua morada, não tinha o seu telefone. Não sabia nada dele. Na verdade, nunca soube. Só podia ser uma personagem.
Sérgio Fonseca DesportoMotos | Stuart Easton poisa o capacete [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]conteça o que acontecer até Novembro de 2017, uma coisa é certa, a lista de inscritos do 51º Grande Prémio de Motos de Macau será mais pobre. O tetra-vencedor da prova de motociclismo da RAEM, Stuart Easton, anunciou que aos 33 anos irá pousar o capacete e dedicar-se à família e ao negócio de venda de automóveis dos pais. Depois de 18 anos a competir ao mais alto nível, onde somou dois títulos de campeão britânico da categoria de Supersports, Easton teve dois acidentes graves na sua carreira, um deles, em 2011 na North West 200, em que esteve em estado crítico. O susto não o demoveu e o escocês continuou a correr nos palcos mais importantes da velocidade a nível mundial. Easton venceu no Circuito da Guia de 2008 a 2010, voltando a repetir o triunfo na edição de 2014. Este ano, na sua despedida de um circuito que tantas alegrias lhe deu, o “Ratboy”, como era conhecido no meio, terminou a corrida na sexta posição, aos comandos de uma BMW. Easton despede-se do Grande Prémio, mas continua a ter o recorde da melhor volta ao traçado da RAEM em duas rodas, ao ter rodado em 2:23.616 na edição de 2010 com uma Kawazaki. Em declarações à revista Bike Sport News, a quem deu a entrevista de anúncio da despedida das pistas, Easton lembrou a surpresa que foi correr no Circuito da Guia pela primeira vez. “Quando fui a Macau pela primeira vez, não sabia o que era uma corrida citadina. O McGuiness falou nisso e eu pensei que correr de motas no Inverno era uma grande ideia e estava pronto – não foi preciso muito para me persuadir. Quando lá cheguei é que fiquei a perceber o que era um circuito citadino. Mas isto foi na época pré-internet e ninguém me disse como seria…”
Hoje Macau SociedadeGalinhas e pombos vivos voltaram a ser postos à venda [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s aves de capoeira voltaram ontem a ser postas à venda depois de, na passada terça-feira, ter sido detectado o vírus da gripe aviária no mercado abastecedor, originando a primeira infecção humana na cidade. Segundo o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), a importação de aves vivas, que estava suspensa, foi restabelecida no sábado. Os trabalhadores do instituto recolheram amostras para inspecção sanitária e os resultados não apontaram para a existência de qualquer anomalia. Este primeiro lote é constituído por cerca de 8700 galinhas e 1400 pombos. Em comunicado, o IACM explica que, com o restabelecimento da venda de aves de capoeira vivas, o instituto procedeu, de novo, à limpeza e desinfecção total das bancas dos mercados de Macau, sendo que se continuam a aplicar várias medidas de supervisão. Na terça-feira, as autoridades abateram cerca de 10 mil aves de capoeira e suspenderam a sua venda depois de o vírus ter sido detectado num stock de 500 galinhas sedosas. Por motivos de segurança, foram abatidas todas as aves que se encontravam no mercado abastecedor, incluindo 6730 galinhas e cerca de três mil pombos. Na madrugada de quarta-feira, as autoridades anunciaram que, devido ao contacto com os animais, um homem tinha sido infectado com o vírus, sendo o primeiro caso detectado num humano em Macau. O homem de 58 anos, dono de uma banca de venda de aves por grosso, foi sujeito a testes no hospital que deram positivo, indicando que estava infectado com H7N9. O homem não apresentava sintomas e foi colocado na ala de isolamento, a receber tratamento. O dono da banca foi uma das duas pessoas a contactar com as aves infectadas. O outro foi o condutor do veículo de transporte das galinhas que, sendo da China, foi encaminhado para as autoridades chinesas. As autoridades apuraram que a mulher do homem infectado terá sido a única pessoa com quem teve contacto próximo, considerando-se, por isso, baixo o risco de uma epidemia. Este fim-de-semana, os Serviços de Saúde explicavam que o proprietário da banca continuava a ser sujeito a tratamento de medicamentos antivirais, encontrando-se bem. A mulher estava ainda sob a observação médica, estando ambos em isolamento voluntário no Centro Hospitalar Conde de São Januário. Tudo normal Os 95 indivíduos considerados como “pessoas de contacto normal” – os trabalhadores do Mercado Abastecedor Nam Yue, o pessoal do IACM e do Corpo de Bombeiros que tiveram contacto com este caso confirmado – encontram-se todos sujeitos à observação médica. Nenhum deles tinha apresentado qualquer sintoma. Esta foi pelo menos a terceira vez este ano que o vírus da gripe aviária foi detectado em Macau. O Governo já defendeu que, por motivos de saúde pública, deveria deixar de haver venda de aves vivas. No entanto, a medida continua sem data, já que um estudo realizado em Junho deste ano revelou alguma oposição popular, tendo em conta a importância que a população dá à carne fresca, em particular em épocas festivas como o Ano Novo Chinês.
Hoje Macau Política“Os Resistentes – Retratos de Macau” #4 “Os Resistentes – Retratos de Macau” de António Caetano Faria • Locanda Films • 2014 Realizador e Editor: António Caetano Faria Produtores: Tracy Choy e Eliz L. Ilum Câmara e Cor: Gonçalo Ferreira Som: Bruno Oliveira Assistente de Câmara: Nuno Cortez-Pinto Editor Assistente: Hélder Alhada Ricardo Sonorização e Mistura de Som: Ellison Keong Música: Orquestra Chinesa de Macau – “Capricho Macau” de Li Binyang
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaAL | Aprovada lei da droga que prevê aumento de penas e testes à urina Os deputados aprovaram alterações à lei da droga que contemplam um aumento de penas para o consumo e tráfico de estupefacientes, bem como a realização de testes à urina em locais públicos, caso haja suspeitas de consumo. Houve quem tivesse pedido a autonomização do tráfico de droga transfronteiriço, mas o Governo diz que não é possível [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]emorou vários anos a ser revista e levantou muita polémica, mas foram finalmente aprovadas as alterações à lei da proibição da produção, tráfico e consumo ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas. A nova versão do diploma irá, assim, decretar um aumento do limite mínimo das penas de prisão para o tráfico, de três para cinco anos, com o limite máximo a manter-se nos 15 anos. Já o limite mínimo do consumo sobe de três meses até um ano, sendo que a mesma moldura penal se aplica a quem detiver utensílios ou equipamentos para o consumo de estupefacientes. Gabriel Tong, deputado nomeado, alertou para o facto de a tendência internacional ser a diminuição das penas para o consumo, e não o seu aumento. Os próprios deputados, no seu parecer, alertaram para o “enorme retrocesso” que a sociedade local iria enfrentar com a nova lei. “Creio que não devemos actualizar ou elevar constantemente as penas. Vejo esta tendência de introduzir o agravamento da moldura penal em muitas propostas de lei.” Os deputados questionaram as razões que levaram o Governo a não autonomizar o crime de tráfico de droga transfronteiriço, por forma a constitui-lo uma agravante da pena. “O Governo referiu que o crime transfronteiriço é grave, e constatou-se que muitos casos internacionais passaram por Macau”, começou por dizer a deputada Ella Lei. “Temos uma moldura penal relativamente baixa em relação às regiões vizinhas, e isso vai desfavorecer-nos. Com esta actualização do limite mínimo o tribunal pode optar por uma pena mais grave, mas [a ausência de autonomização do crime] merece a nossa penalização”, acrescentou a deputada. O Governo explicou a incompatibilidade dessa autonomização com o actual regime jurídico. “Quanto ao tráfico transfronteiriço, desta vez esta iniciativa legislativa visa aumentar o limite mínimo de produção ilícita de substâncias psicotrópicas, e as nossas penas não são leves. Não queremos que Macau seja um ponto de passagem de droga e queremos afastar o consumo. Se autonomizarmos este crime não será compatível com esta lei. Alguns países autonomizam o crime e a punição é grave, como é o caso do Panamá ou Cuba, que são chamados reinos de droga. A situação é diferente em Macau”, explicou Sónia Chan, secretária para a Administração e Justiça. Testes à urina questionados Os deputados questionaram ainda a realização de testes à urina pelas autoridades policiais em locais públicos, caso haja suspeita de consumo de droga. O artigo acabou por ser aprovado por todos os tribunos. Ainda assim, Chau Wai Kuong, director da PJ, garantiu que as autoridades não vão cometer quaisquer abusos. “Às vezes fazemos operações e verificamos frequentemente que, num karaoke, existem utensílios de droga em cima da mesa. Perguntamos a quem pertencem, neste caso não podemos apanhar todos e deparamo-nos com dificuldades na prática. Se não recolhermos esta prova pode resultar numa perda de provas.” O deputado José Pereira Coutinho lembrou que pode haver acusação de pessoas inocentes, por terem consumido droga colocada por alguém num copo. “Não sei se existem directrizes para que as pessoas não sejam acusadas de forma caluniosa. Há pessoas que depois bebem bebidas com droga sem saberem e ficam inconscientes.” O director da PJ prometeu que ninguém sairá lesado. “Temos de ouvir a explicação da pessoa em causa e os amigos, a lei consagra os direitos dos detidos. Não vamos apanhar pessoas à toa e temos de seguir as informações de que dispomos”, concluiu.
Andreia Sofia Silva PolíticaAL | Falta de motoristas é “disparate”, diz Au Kam San [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] necessidade de importação de motoristas profissionais esteve ontem em destaque no período de antes da ordem na Assembleia Legislativa (AL). Kou Hoi In, deputado eleito pela via indirecta, representante dos empresários, defendeu a importação destes trabalhadores através de uma interpelação oral; já o deputado pró-democrata Au Kam San disse que Macau não necessita destes recursos humanos. “Segundo o sector comercial há falta de motoristas em Macau e até há quem diga que com um salário de 30 mil patacas é impossível contratar um. Mas, se isso acontecesse, creio que seria tão atraente como ser croupier ou ter um lugar na função pública”, afirmou Au. “Na realidade, porém, muitos motoristas ou estão desempregados ou não tem trabalho suficiente. É de salientar que os disparates ditos por alguns operadores são para quebrar a política de proibição de importação de motoristas profissionais? As potencialidades dos motoristas vão ser exploradas?”, questionou. Para Au Kam San, importa rever o decreto-lei vigente desde 1984, que diz respeito às licenças de condução especial. “O regime já está em vigor há mais de 30 anos e não acompanhou o desenvolvimento [da sociedade]. O abuso na utilização desta licença prejudica o direito ao emprego dos motoristas locais e também a segurança rodoviária de Macau. Em 2012, a DSAT terminou o texto de revisão do regulamento administrativo sobre a licença de condução especial, e previa-se a conclusão do respectivo processo legislativo para finais daquele ano. Porém, já estamos a chegar ao final de 2016 e a revisão do decreto-lei parece que foi esquecida.” Pelo contrário, o deputado Kou Hoi In, em conjunto com os deputados Cheang Chi Keong e Chui Sai Peng, também eleitos pela via indirecta, falaram que a falta de motoristas está a prejudicar o sector da distribuição do gás e de mercadorias. “Num colóquio realizado nos escritórios dos deputados da área empregadora ouviram-se opiniões de que a insuficiência de recursos humanos, a falta de motoristas que também possam entregar mercadorias e de trabalhadores novos tem impacto na sobrevivência dos sectores que precisam dos serviços de entrega de mercadoria e na vida da população. Alguns representantes dos sectores de venda por grosso de fruta, de mercearia e de logística manifestaram forte indignação e descontentamento, porque a falta de motoristas afecta o funcionamento destes sectores.” Os deputados defendem que o Governo deve “efectuar os respectivos estudos”, por forma a não “impedir a importação de condutores profissionais e condutores de entrega de mercadorias. O Governo deve ser pragmático, tendo em conta as necessidades urgentes da população”, apontaram.
Isabel Castro Entrevista MancheteLuís Sá Cunha, investigador: “[Luís Gonzaga Gomes] trouxe o mundo para Macau” Luís Gonzaga Gomes é uma figura ainda por reconhecer, que deveria servir de inspiração para a cidade de hoje. Mais tolerante, mais transversal, mais pensada. Esta semana, Luís Sá Cunha recuperou o cenáculo que, no início da década de 90, criou para que o último grande sinólogo de Macau não fosse esquecido [dropcap]D[/dropcap] e onde vem o interesse por Luís Gonzaga Gomes? É uma coisa estranha, mágica, uma empatia. Vem desde miúdo: chegava a um sítio e, como o Papa João Paulo II, ajoelhava-me, beijava o chão, aquela era a minha terra. O facto de ser a minha terra significava que eu lhe pertencia e tinha de conhecer tudo. Quando cheguei a Macau, tive uma empatia com Luís Gonzaga Gomes. Comecei a ler. Em 1991, resolvi fundar o Cenáculo Luís Gonzaga Gomes, porque achava que era uma pessoa que encarnava no pensamento, nas obras, no comportamento, o mais essencial do espírito de Macau. É um lugar-comum, mas tem de se dizer: Macau foi um lugar de intercâmbios e sínteses culturais, de biótipos de todos os valores culturais. Luís Gonzaga Gomes é o último sinólogo de uma grande escola e de uma grande geração de sinólogos. Foi professor. Logo na escola, e depois onde esteve, começou a dizer que era preciso ensinar chinês nas escolas dos miúdos portugueses. Mas o que é que Luís Gonzaga Gomes teve de tão diferente de outros estudiosos e sinólogos daquela geração? A primeira diferença é que ele foi militante disto. Quando aqui cheguei, para compreender Macau e a cultura do Sul da China, e a China, lia os livros de Gonzaga Gomes – daí a minha empatia. Ele traduziu os clássicos, traduziu livros importantes para português. Também fez a tradução de livros portugueses para chinês. Sobretudo no ensino, procurou sempre impor nas escolas o ensino do chinês para os portugueses e vice-versa. Por onde ele passou, nos Correios e em outros lados, fez manuais para que se aprendesse cantonense. Foi uma vida inteira a escrever e a traduzir. O que é que tem de diferente? Tem de diferente que fez isso e os outros não fizeram. Tem 100 livros publicados, uma coisa enorme, esteve em todo o lado, fez parte de tudo. Também foi desportista, jogou ténis, tocava violino, na música era uma figura espectacular. Naquela altura, trouxe cá músicos famosos no mundo, pessoas que andavam no circuito internacional. Conhecia profundamente a música. Diz-se que tinha em casa um quarto inteiro forrado a corticite com uma discoteca enorme e o melhor que havia de aparelhagem. Era uma pessoa silenciosa, que andava como um gato, e que fugia dos sítios onde tinha de participar. Julgo que ia não só investigar, mas sobretudo ouvir muita música. Foi director da biblioteca, do arquivo histórico de Macau. Fez tudo. Abriu muito o conhecimento e a perspectiva sobre a China. Lia livros estrangeiros, tinha contacto com academias estrangeiras. Tirava cursos por correspondência, o que era muito normal naquela altura para gente que queria ter saber universitário, mas não tinha universidades. De certa maneira, procurou viver um próprio ideal universitário e de formação aqui. Ele respirou o mundo, ele trouxe o mundo para Macau. É uma figura que está longe de ter o reconhecimento público que devia. Acho inacreditável como é que Luís Gonzaga Gomes – considerado por toda a gente, e pelo Padre Manuel Teixeira o maior historiador de Macau de todos os tempos, com todo o trabalho que fez e publicou – não teve o devido reconhecimento e homenagem. Foi também uma das razões do Cenáculo, sobretudo por aquilo que ele representa e que eu desejava que se mantivesse nas gerações actuais, e nas gerações futuras. Há um pequeno reconhecimento na escola luso-chinesa. Há uma rua, mas isso, para mim, não é reconhecimento. É uma falha. Como é que é possível que se tenham editado obras completas de vários autores e não de Gonzaga Gomes – e não vou discutir o mérito deles. Como dizia o Padre Teixeira, “o pobre do Luís trabalhava até às duas da manhã”. Recolheu todos os artigos do Silva Mendes e publicou-os em quatro volumes. Mas ninguém fez o mesmo com a obra dele. Uma das coisas que o Cenáculo vai fazer, e que eu estou a fazer com o apoio nesta parte do Instituto Internacional de Macau (IIM), é juntar tudo o que escreveu nos jornais aqui. Depois tenho de ir a Portugal mas, agora, o mais importante está aqui, para haver um plano de edição das obras dele. Não digo a obra completa porque pode demorar muito tempo. Ele próprio organizou edições dos trabalhos dele. Depois, foram feitas edições sobre a obra, com selecções de artigos que são mais discutíveis, arbitrárias. Não são más, não é isso, mas não é aquilo a obra dele, há muita coisa para publicar, com rigor científico. Tem de se ir buscar prefácios, tem de se ver especialistas de antropologia, de etnografia de Macau, tem de ser feito um enquadramento histórico. Não é uma tarefa simples para um homem só. Já ando há dois anos a fazer isto, também a investigar, tenho toneladas de documentos para escrever a biografia dele para o Albergue da Santa Casa. Não tem uma biografia e acho que merece uma. Isto quanto a mim é a primeira base de um programa no plano cultural, que falta a Macau, e que é muito importante. E a importância de Luís Gonzaga Gomes para o que é hoje Macau? Ao ler esta semana uma newsletter no IIM encontrei uma nota para a revista em 2007 a dizer assim: Macau está-se a descaracterizar nas volumetrias da cidade. Na chegada massiva de turistas, na falta de conhecimento dos turistas que chegam aqui e disparam fotografias perante fachadas. Aquilo para eles é plástico, não existe, acham muita graça… Não há cá, no meu entendimento, um turismo cultural, mais profundo. Devia haver, porque Macau é uma coisa riquíssima nesse aspecto, e podiam-se chamar cá mais nacionalidades, se houvesse esses programas e se se fizessem esses itinerários. Dantes, quando vinha cá um Presidente da República, chamava-se o Padre Teixeira para ir explicar, porque ele sabia tudo. Hoje se vieram cá várias pessoas quem é que se vai chamar? O arquitecto Marreiros pode falar da cidade, também pode ser. Devia haver essa formação. Mas hoje não há visita guiada para que haja explicação. Mas há aí muitas coisas. Eu podia fazer um itinerário romântico de Macau, era interessante. É a mesma coisa que o Schliemann fez, quando andou a buscar a história da Guerra de Tróia, investigou o mito de Helena de Tróia. Mas encontrou pouco. Supõe tu que estava lá uma pedra e que havia uma prova qualquer que era ali o trono dela. Era o suficiente para atrair uma multidão de turistas, porque a lenda e a história à frente daquela pedra têm outra solicitação. E aqui há pequenas coisas, casas que davam para isso. Coisas muito interessantes, muito bonitas. Luís Sá Cunha Diz que Gonzaga Gomes incorpora uma essência de Macau que se está a perder. Há uma integração de 150 mil, 200 mil novos habitantes de Macau de repente, que não sabem nada disto. Estão aqui a viver, vão para os casinos e não sabem. Devia haver um museu. Os americanos têm de saber que Macau os ajudou, numa fase crucial para eles, para o desenvolvimento do comércio e de uma certa identidade cultural, porque as elites americanas vieram para aqui, para o comércio do Oriente. Foi com o auxílio de Macau que destruíram a Companhia Inglesa das Índias Orientais. Essas coisas não se sabem. Macau podia dizer assim ‘vocês agora estão com os casinos, vão outra vez ganhar dinheiro’, deviam fazer algum mecenato para obras culturais, revistas… Falta uma revista em Macau para certas áreas. E isso significa a descaracterização de Macau. As novas gerações não sabem nada, só de negócios. São cidadãos do mundo – não sei bem o que isso significa, para mim um cidadão do mundo é uma pessoa que pode andar em vários lugares, radica lá, mas ajoelha para beijar a terra. Tem de a conhecer, e tem de se dedicar também a ela quando está lá. Não podemos permitir essa descaracterização. Há gente nova que está aqui como se estivesse na Jugoslávia, no Sri Lanka ou noutro sítio qualquer. Refere-se a uma comunidade em particular? Estou a falar de todos. O novo Cenáculo vai ser diferente dos anteriores, porque o Cenáculo teve uma fundação em 1991 e foi interrompido em 1992, depois foi reanimado em 2007, e agora é reanimado outra vez. Vai ser diferente porque já foi convidada gente da nova geração de Macau, com uma grande participação de chineses bilingues. Isto é que é rigorosamente o espírito de Gonzaga Gomes. O bilinguismo, a multiculturalidade. Exacto. A edição, a tradução, a sinologia. Não só na língua, é também na gastronomia, na pintura e na música. Está aí o Simão Barreto que sabia todos os instrumentos, faz parte do conselho honorífico. Chamei mais de 30 pessoas [para o Cenáculo] e vou chamar mais.