Patriotismo | Visita à China de grupo liderado por Angela Leong alvo de polémica

Um grupo de 60 trabalhadores de casinos de Macau, liderado pela deputada Angela Leong, esteve este mês em Jinggangshan, na província de Jiangxi, para um curso patriótico de uma semana. A presença de gente ligada ao jogo no berço do comunismo chinês não caiu bem

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] história é contada pelo jornal oficial do Partido Comunista Chinês (PCC), o Global Times. A visita a Jinggangshan de um grupo de 60 funcionários de casinos de Macau foi alvo de duras críticas nas redes sociais chinesas, com uma discussão acesa sobre o significado deste tipo de peregrinação.

Todos os anos, milhões de visitantes deslocam-se aos locais que, no passado, serviram de palco a momentos decisivos para o aparecimento do PCC para prestarem homenagem aos líderes comunistas e aprenderem mais sobre a estrutura partidária. Mas a visita do grupo de Macau – liderado por Angela Leong, identificada pelo jornal como sendo “a quarta mulher” do magnata de Stanley Ho – foi sobretudo ridicularizada na blogosfera.

Os organizadores argumentam que o curso de educação patriótica em Jinggangshan – “o berço da revolução chinesa” – serviu para transmitir aos participantes a noção de espírito de sacrifício. A justificação não bastou para apaziguar os ânimos daqueles que não concordam com operadores de casinos a prestarem homenagem aos revolucionários do PCC, que encaravam o jogo como um “pecado capitalista”, razão pela qual foi (e continua a ser) proibido no Continente.

Eles não sabem de história

Durante o curso, o grupo de funcionários – de todas as operadoras de Macau – usaram os antigos uniformes do Exército Vermelho, foram a “locais revolucionários”, cantaram canções comunistas e prestaram homenagem aos mártires da revolução. Em suma, fizeram as actividades que, por norma, são disponibilizadas nos pacotes de “turismo vermelho”, explica o Global Times.

“Para mim, a actividade que não esquecerei foi quando cantámos canções todos juntos. Aprendemos várias”, contou ao jornal Johnny Long, um gestor de 35 anos a trabalhar na SJM. “Não parece ter uma influência directa naquilo que fazemos mas, através destas actividades, aprendemos a sentir o espírito Jinggangshan: trabalhar de forma árdua, apesar das adversidades, e atrevermo-nos a inovar. Isto é muito relevante para a nossa vida”, acrescentou.

Também a trabalhar na Sociedade de Jogos de Macau, Amanda Lee destaca da semana de curso uma visita em que passou pelos principais locais onde estiveram os líderes revolucionários. “Estivermos num trilho que foi feito pelos soldados do Exército Vermelho. Cozinhámos ao ar livre com recursos muito limitados.”

Angela Leong – que liderou o grupo e esteve acompanhada por elementos do Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM –, escreveu ao Global Times a explicar a razão da visita de estudo. “Desde o regresso de Macau à China, o território tem conhecido um crescimento económico assinalável com o grande apoio da nossa mãe pátria. Sentimo-nos gratos por isso, mas também consideramos que as pessoas mais jovens, especialmente os trabalhadores dos casinos, sabem pouco da história da China”, afirmou a também deputada à Assembleia Legislativa.

Leong disse ainda que é o quarto ano consecutivo que organiza visitas a Jinggangshan para os seus funcionários, mas esta foi a primeira vez que convidou representantes de outras concessionárias. A Galaxy, a MGM, a Melco Crown, a Sands China e a Wynn Macau aceitaram o repto.

Da proibição ao moralismo

Apesar de quem trabalha nos casinos considerar necessário prestar homenagem aos revolucionários da China, escreve o jornal oficial, a China nem sempre foi tolerante em relação a jogadores e operadores da actividade.

O jogo, como se sabe, é ilegal no Continente e frequentes vezes acusado de causar distúrbios e problemas sociais. Em 1949, com o aparecimento da República Popular, passou a ser proibido. Durante muitos anos, o jogo era considerado um dos “seis vícios”, ao lado da prostituição, a pornografia, o consumo de drogas, a superstição e o tráfico humano.

Entre 1949 e 1979, contextualiza o Global Times, as pessoas que eram apanhadas a cometerem crimes relacionados com apostas iam parar a campos de reeducação como forma de punição.

Apesar da proibição interna, é conhecida a apetência dos chineses pelo jogo: há estimativas que apontam para que, em 2014, os apostadores do país tenham perdido 95,4 mil milhões de dólares em casinos fora da China Continental ou em salas de jogo clandestinas no país.

O jornal explica que a grande procura pelo jogo beneficiou Macau ao longo dos últimos anos, mas escreve também que a luta contra a corrupção desencadeada em 2012 pode fazer com que “os dias bons tenham chegado ao fim”, havendo uma grande incerteza em relação ao futuro do sector.

Nas críticas que o diário recolheu para escrever o artigo, nota-se uma postura de grande censura em relação aos casinos. “Muitos cibernautas do Continente consideram que a deslocação a locais revolucionários por representantes de casinos é tão inapropriada que chega a ser quase  irónica.”

“Os revolucionários ficariam zangados se soubessem quem lhes prestou homenagem”, escreveu um utilizador do Weibo. “Quem vem a seguir, as tríades de Hong Kong?”, lançou outro cibernauta.

“Para os chineses do Continente, os casinos não fazem um trabalho honesto, é injustificável do ponto de vista moral. Por isso, quando se aproximam de algo sagrado, isso é particularmente desarmonioso”, lê-se num comentário do Beijing News. “Apesar de os casinos serem legais em Macau, os operadores devem respeitar a lei e a cultura da China Continental quando realizam actividades no Continente. Deixem de ir a Jinggangshan no futuro.”

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