Jogo | Audição a contas vai trazer pressão ao sector VIP

 

O Chefe do Executivo anunciou nas Linhas de Acção Governativa para 2019 que serão feitas auditorias às contas dos promotores de jogo. Analistas defendem que a medida é positiva mas que vai ter repercussões no segmento VIP dos casinos

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]nalistas de jogo consideram que o plano do Governo de Macau de, em 2017, auditar as contas dos angariadores de grandes apostadores para os casinos manterá o segmento VIP sob pressão, mas que é “positivo” para regular o negócio. Segundo as Linhas de Acção Governativa (LAG) para o próximo ano, o Governo de Macau vai “desencadear uma auditoria específica” às contas de cada promotor de jogo, termo pelo qual são oficialmente designados os angariadores de jogadores VIP comummente conhecidos como junkets.

A auditoria deverá iniciar-se em Fevereiro e terminar em Dezembro e surge no quadro do reforço da regulamentação e fiscalização das contas dos junkets. “Não conheço as especificidades do que estão a planear fazer diferente, mas penso que é seguro dizer que há uma razão pela qual nós prevemos que o [o segmento] VIP [dos casinos] continue a decrescer em 2017”, disse à agência Lusa Grant Govertsen, analista da Union Gaming, à margem de uma conferência sobre jogo integrada na Macau Gaming Show.

Embora sem o fluxo de outrora, o jogo VIP ainda gera mais de metade das receitas dos casinos de Macau, capital mundial do jogo e o único lugar na China onde os casinos são legais. “A nossa previsão actual é de um declínio de cerca de quatro por cento nas receitas, apesar de o segmento VIP estar potencialmente a crescer um pouco. Por isso, a nossa previsão assume, de facto, que há um risco adicional para o segmento VIP de uma perspectiva reguladora”, observou Grant Govertsen.

“Em última análise, os investidores gostariam de ver mais transparência, mas isso ganha-se à custa das receitas e do dinheiro dos impostos. Mas, claramente, isso é algo que o Governo pensou”, acrescentou Govertsen, para quem “a boa notícia é que o segmento de massas parece ter entrado numa boa fase de crescimento”.

Dores de regulamentação

Já Marcus Liu, analista da CLSA, disse que a medida “vai ser positiva” para o mercado “sub-regulamentado durante muito tempo”. “Apesar de inicialmente poder implicar alguma ‘dor’ para os junkets, a longo prazo vai ser bom para o negócio destes”, afirmou, à margem da mesma conferência.

Nos últimos dois anos, têm sido noticiados desfalques em salas de grandes apostas, com os fundos desviados a envolverem milhões de euros. “Vimos todos estes incidentes com as dívidas de jogo que deram uma má imagem [dos junkets], por isso é bom haver mais regulação; isso vai proteger um pouco mais o mercado”, acrescentou.

Macau tem 141 promotores de jogo autorizados a exercer actividade durante 2016, o número mais baixo desde 2006, um reflexo da conjuntura dos casinos e, em particular, do mercado de grandes apostadores.

E as licenças?

Na abertura da Macau Gaming Show, na terça-feira, o director da Inspeção de Jogos, Paulo Martins Chan, disse que 19 junkets têm de melhorar os respectivos sistemas de contabilidade, sob pena de perderem as licenças para operar, segundo o jornal Tribuna de Macau.

Para Marcus Liu, o risco de alguns promotores perderem as licenças pode não ter um impacto significativo. “O negócio dos junkets é muito fragmentado, mas os quatro ou cinco grandes detêm uma quota de mercado de 80 por cento ou 85 por cento. Não penso que faça uma grande diferença se esses 19 saírem do mercado. Assumo que estes 19 em risco de desaparecer estarão no final da ‘tabela’ dos cerca de 140 junkets actuais”, explicou.

17 Nov 2016

FMI concorda com criação de fundo soberano em Macau

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Autoridade Monetária de Macau (AMCM) deu ontem conta do relatório preliminar elaborado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), depois da passagem de um grupo do organismo pelo território. Os técnicos do FMI estiveram cá ao durante 12 dias para fazerem uma avaliação geral à economia da região administrativa especial.

Na última reunião de trabalho com a AMCM, lê-se num comunicado enviado pela autoridade, os especialistas manifestaram que Macau “já iniciou o importante processo de transição da sua economia, para um modelo económico de estabilidade e sustentabilidade”.

O FMI constatou que “o Governo da RAEM tem uma sólida situação financeira, o sector financeiro tem capital e liquidez suficientes, bem como um sistema de taxa de câmbio confiável”. Este quadro traduz-se em benefícios para “a transição da economia” nesta fase.

O grupo de trabalho do organismo concorda com os planos do Executivo em relação à criação de um fundo soberano – o Fundo de Desenvolvimento e Investimento previsto, de resto, no Plano Quinquenal – “em vez de melhorar a gestão da reserva financeira”.

Também é vista com bons olhos a taxa de câmbio da pataca em relação ao dólar de Hong Kong, por “manter as suas funções de ajuda ao desenvolvimento económico” do território. A AMCM aponta ainda que a RAEM tem suficientes reservas financeiras, um sistema bancário robusto, uma moderada política financeira e um mercado laboral flexível, “tudo elementos que também suportam o sistema da taxa de câmbio”.

O relatório final do FMI sobre a avaliação a Macau vai ser publicado no espaço de três meses.

17 Nov 2016

Web Summit | Duas startups locais relatam a experiência em Lisboa

 

 

A Bee Sports e a Garsland foram duas das quatro startups locais que estiveram presentes na Web Summit, em Lisboa, embora como participantes apenas. Ao HM relatam a experiência de poderem ir além do mercado chinês e de estarem num evento tão diferente da MIF

 

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oram quatro as empresas locais que se deslocaram a Lisboa para a recente edição do Web Summit, após a participação num concurso de startups que se realizou em Macau, em Outubro. Conforme o HM noticiou, o grupo de empresários não contou com o apoio do Instituto de Promoção e Comércio (IPIM) mas, ainda assim, a ida a Portugal deixou uma porta aberta para o futuro.

A Bee Sports, criada este ano tinha, até à edição do Web Summit em Lisboa, os contactos e parcerias limitados à China. O projecto tem como objectivo o “despertar a área do jogo electrónico em Macau”, explicou Sunny Kam. A empresa, que tenciona tirar partido da diversificação do turismo local, tem como meta trazer as grandes competições do sector a Macau.

De Lisboa trazem uma mão cheia de contactos com os mercados europeus e americanos. Apesar destes destinos de negócio estarem adiantados no que respeita ao jogo electrónico, “a sua popularização é ainda inferior à que se regista no mercado chinês”, explica Sunny Kam. Para o responsável do projecto, com a experiência em Lisboa, “os europeus vêem a China como a galinha dos ovos de ouro, pelo que demonstram muito interesse em estabelecer negócios com o país”, mas do Web Summit a Bee Sports traz uma outra perspectiva em que, dos conhecimentos feitos no evento, é realmente possível vir a obter ajuda para os projectos da empresa.

Sunny Kam considera ainda que a participação de projectos locais no Web Summit deveria ser prioritária nos apoios e incentivos por parte do Governo. Ao contrário de outro tipo de eventos, a cimeira tecnológica ainda não é caracterizada pela “galinha dos ovos de ouro chinesa” e em que é proposto um intercâmbio diferente entre os participantes. Por outro lado, Sunny Tam considera que os contactos directos entre empresas estrangeiras e empresas da China não são fáceis. Se Macau for a ponte no meio de tudo isso, as possibilidades de entendimento são maiores. “Os investidores e empresas que desejam entrar no mercado chinês podem encontrar possibilidades através de nós.”

Para o representante da Bee Sports, um evento como o Web Summit é fundamental para criar a possibilidade de apoios por parte de empresas europeias ou americanas, pelo que recomenda que Macau possa estar representado com mais projectos. “Penso que mais companhias deviam ir para ver o evento e para estarem expostas. Ser expositor, na prática, até se revela mais frutífero no que respeita a contactos”.

Sunny Kam lamenta ainda a fraca adesão de Macau nesta edição do evento. “Este ano não encontrei expositores de Macau. As companhias locais que foram ao evento eram apenas quatro (incluindo a minha) e só enquanto participantes, o que acabou por ser uma pena”, explica.

Arrumar o turismo

Fei Ng Tam foi outro dos participantes que esteve na Web Summit com a Garsland, um projecto que se dedica a uma nova distribuição de turistas. “A intenção é resolver o problema de alguns locais estarem sobrelotados, enquanto outros estão vazios.” A empresa não é apenas um site da internet sobre turismo, mas sim uma “oportunidade de dar a conhecer uma Macau diferente enquanto se resolvem problemas associados ao sector”, explica.

Fei Ng Tam faz um balanço positivo do evento por ser um momento que “permite ter contacto directo com os residentes locais, experimentar a vida como ela é noutra cidade”. O empresário considera ainda que é uma forma de “recrutar investidores e parceiros internacionais”.

As diferenças entre um Web Summit e uma Feira Internacional em Macau (MIF) é que o primeiro “está cheio de inovação, investimento e tecnologia”. Para o empresário, que já marcou presença na MIF enquanto expositor, não sentiu que existisse nenhuma destas características no evento de Macau. “A MIF e o Governo precisam realmente de trabalhar mais nesse sentido”, afirma.

Por outro lado, Fei Ng Tam sublinha a importância de mais medidas de incentivo às grandes empresas, como por exemplo ao sector do jogo, para que apoiem os pequenos projectos locais. “O Governo podia incentivar as companhias maiores e do sector do jogo a criarem um fundo de investimento rentável, porque apenas com o apoio do Governo é difícil motivar a conjuntura, cabe às grandes empresas conseguirem fazer mais alguma coisa”, remata.

Para além da Bee Sports e da Garsland, participaram a IMMO, de Manuel Correia da Silva, e a Phantom. Tal como o HM noticiou, a IMMO pretende ser uma app que gere o tempo livre de cada um. A Phantom não respondeu às questões do HM até ao fecho da edição.

17 Nov 2016

Arnaldo Gonçalves organiza ciclo de palestras sobre religião

 

“Há um regresso do sagrado à preocupação das pessoas”

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] “Sagrado e o Profano – Diálogos no Delta do Rio” é o lema do ciclo de palestras que tem início no próximo dia 25, pelas 18h30, na Livraria Portuguesa. Uma iniciativa do Fórum Luso Asiático que pretende discutir a religião e o seu papel na sociedade contemporânea. Arnaldo Gonçalves fala ao HM da motivação que deu origem à iniciativa

 

De onde partiu a ideia para o tema do ciclo “O Sagrado e o Profano – Diálogos no Delta do Rio”?

A ideia de fazer um ciclo de palestras acerca da religião veio de um sentimento que se foi acumulando ao longo do tempo. Achei interessante pegar numa temática que ainda não foi tratada em Macau mas, sobretudo, porque se sente que há uma grande inquietação. Enquanto cientista social, sinto que há um regresso do sagrado à preocupação das pessoas. Durante muito tempo, desde Weber no século XIX, que se começou a acreditar que as pessoas não precisavam da religião para nada e que a religião era uma coisa já acabada, de séculos anteriores, e que só através da ciência e do uso da razão é que as pessoas podiam descobrir a felicidade. Esta ideia, de alguma forma, revelou um mito com pés de barro, porque as pessoas procuram sempre algo.

Que encontram na religião?

Nesse aspecto assistimos, um pouco por todo o mundo, ao regresso das preocupações de foro religioso – num sentido diferente em relação a outros períodos, porque não é tanto um retorno às chamadas religiões institucionais que têm igreja, um corpo hierarquizado, um clero ou um dogma, mas sim um regresso a múltiplas formas de espiritualidade. Achei que era interessante trazer este tema que, no fundo, se trata do confronto entre o sagrado e o profano, isto é, o confronto entre o apelo à religião e um mundo material que é o que nos rodeia. É no cruzamento de ambos que foi associada uma outra ideia que, pessoalmente, sempre achei curiosa no budismo, e que é a questão do “rio”. O budismo é uma religião que acredita na reencarnação e que nós vamos num rio a atravessar de uma margem à outra. As próprias escolas do budismo são definidas de acordo com esta analogia da jangada pequena e da grande jangada. Aqui temos o Rio das Pérolas e, por outro lado, a metáfora ao rio também representa um caminho. Um rio é uma coisa que não pára, é uma fluência que não é estática porque nunca voltamos a repetir a mesma secção do trajecto e experimentamos sempre partes novas. Vamos também abordar as grandes religiões monoteístas que são as que se impõem à nossa cultura, mas também outras não monoteístas e que estão muito enraizadas, especialmente aqui na Ásia, sem esquecer outras formas de espiritualidade que, se tivermos tempo e houver público, iremos tratar.

Falou de um regresso às preocupações religiosas e ao sagrado. O que é que está a acontecer socialmente para que se esteja a assistir a essa transformação?

Penso que é uma resposta, de certa forma, a uma instabilidade que se sente no mundo. O mundo nunca esteve tão instável como agora. Neste momento somos confrontados com surpresas praticamente todas as semanas acerca de coisas que acontecem e põem em causa o que podemos chamar de uma certa normalidade. Isto traduz-se na tal intranquilidade vivida pelas pessoas. As pessoas não se sentem seguras, estão preocupadas com os problemas que possam ter. Por exemplo, quando viajam estão mais preocupadas com isso, no contacto com outras comunidades que desconhecem também não se sentem seguras e essa intranquilidade não é resolvida pelos governos, não é resolvida pelos sistemas políticos. E é uma coisa que fica no coração das pessoas.

É aí que a religião tem um papel?

Sim, acho que esse apelo à religião representa a procura de uma iluminação e de uma paz interior. É algo que as pessoas pouco a pouco têm descoberto enquanto forma de usufruírem daquilo que têm, de se conhecerem a si próprias e de terem uma relação de abertura em relação ao outro que desconhecem e de que desconfiam, porque é diferente, porque ora diferente ou porque pensa diferente. Acho que esse apelo é consistente.

O ciclo de palestras vai abrir com a temática do Islão. Alguma razão em particular?

Não foi intencional, mas é a religião da maioria da população asiática. Por outro lado, há uma grande curiosidade pessoal em relação ao Islão que também passa pela formação em estudos internacionais e pelos actuais estudos que estou a desenvolver há três anos que abordam os estudos religiosos. O Islão é a religião mais praticada na Ásia, tem um bilião de seguidores nesta região do mundo. Acabou por se juntar o útil ao agradável e começar por tentar perceber o que é o Islão, como é que é uma doutrina que dá resposta à intranquilidade das pessoas, como é que o apelo ao divino pode preencher uma parte desta inquietude.

A seguir ao Islão o que é que vem?

A segunda palestra vai debruçar-se no judaísmo. Vai ser dada por um professor da Universidade de Macau, judeu praticante e um fervoroso conhecedor do Antigo Testamento. Prevemos ter o evento no início de Janeiro, mas depende da disponibilidade do espaço. Depois seguem-se o cristianismo, o budismo e por aí fora.

Como é que se vai organizar cada palestra?

Queremos que seja uma conversa em que o convidado faz a exposição acerca da forma como vê a religião e em que há espaço para que o público coloque as suas questões, de modo a suscitar um debate.

Qual é a sua relação com a religião?

Não tenho qualquer religião. Mas por exemplo o professor James D. Frankel, que vai abrir este ciclo de palestras, é uma pessoa muito interessante. Tem formação em Estudos Comparados na religião e é um convertido ao Islão. Pessoalmente acho curiosíssimo que um americano, formatado pela cultura em causa, branco, caucasiano, tenha sentido este apelo. O que é que o Islão lhe terá trazido para que se tivesse convertido? Comecei a viajar muito cedo por uma série de países islâmicos e, da experiência que tenho, a imagem que nos dão do Islão, nebulosa e bélica, não corresponde à realidade que vi nestes países. É uma religião doce. Nunca senti a pressão de que tanto se fala.

Como vê a religião em Macau?

Em Macau, a religião cristã tem um peso muito forte e somos levados a pensar que é a única que existe, até porque é o fio ideológico da comunidade macaense. Mas também temos o budismo que é a doutrina praticada pela maioria. O Islão aqui é praticado por uma pequena comunidade que nem templos tem e é pouco visível, mas que integra pessoas de várias comunidades. Esta palestra só é possível com a ajuda da associação muçulmana local que me auxiliou na escolha do perito orador e nos contactos que fiz.

 

17 Nov 2016

Pequim defende o direito de controlar o uso da Internet

Na abertura da III Conferência Mundial sobre a Internet, Xi Jinping apela à coordenação internacional para melhorar a segurança da rede e promover uma utilização mais justa do ciberespaço

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China defendeu ontem o direito de controlar e promover o uso “sensato” da rede, perante representantes de multinacionais da tecnologia, como a Microsoft, IBM ou Lenovo, durante a III Conferência Mundial sobre a Internet.

O evento, organizado pelo Governo chinês, arrancou ontem em Wuzhen, na costa leste chinesa, depois de as edições prévias terem suscitado críticas por serem organizadas num país onde o uso da Internet é restringido.

A censura imposta por Pequim no ciberespaço resulta no bloqueio de vários portais estrangeiros e alguns serviços de “gigantes” da Internet, como o Facebook, Twitter e Google.

Numa mensagem gravada em vídeo e difundida na abertura da conferência, o Presidente chinês, Xi Jinping, apela à comunidade internacional para que coordene esforços no sentido de melhorar a segurança no ciberespaço.

Xi disse ainda apoiar que cada país procure os seus modelos para um “desenvolvimento ordenado” da Internet.

“A China trabalhará com a comunidade internacional para assegurar o bem comum da humanidade, manter a soberania do espaço ‘online’, promover uma governação global da Internet mais justa e equitativa e um ciberespaço aberto, inclusivo e seguro”, afirmou.

O líder chinês insistiu na necessidade de alcançar “consensos” internacionais para aproveitar as oportunidades que a rede oferece e enfrentar os desafios.

“O desenvolvimento da Internet não tem fronteiras nacionais ou sectoriais. O uso, desenvolvimento e governação sensata da Internet apela à cooperação internacional e esforços conjuntos para construir uma comunidade de futuro comum no ciberespaço”, apontou.

Poder reforçado

Na semana passada, a Assembleia Nacional Popular (ANP) chinesa aprovou a lei de segurança na Internet, que reforça os poderes do Governo para aceder a informação, obter registos de mensagens e bloquear a difusão de dados que considera ilegais.

A normativa foi alvo de duras críticas por grupos de defesa dos Direitos Humanos ou de associações de empresários.

A lei representa “um recuo para a inovação no país e não contribuirá muito para aumentar a segurança”, comentou a Câmara do Comércio dos Estados Unidos da América na China.

Já a homólogo europeu advertiu para o “ambiente negativo e de incerteza” que se criou.

Multinacionais como a Microsoft, IBM, Qualcomm, Amazon ou Linkedin e as chinesas Lenovo, Alibaba, Baidu ou Tencent encontram-se entre os participantes da conferência de Wuzhen.

A Amnistia Internacional (AI) apelou a todos os grupos que enviem “uma mensagem clara ao Governo chinês de que não estão preparados para cumprir com os amplos abusos aos direitos de liberdade de expressão e de privacidade”.

“Os comentários de Xi evidenciam que a China está a tratar de redefinir o significado da Internet, que foi criada para conectar os cidadãos de todas as partes do mundo”, refere em comunicado.

Durante a reunião em Wuzhen, as empresas deverão exibir os seus últimos produtos nos sectores do comércio electrónico, transportes partilhados e processamento de grandes volumes de dados.

A China é o país com mais cibernautas do mundo, cerca de 710 milhões de usuários – mais de o dobro de há cinco anos – 92,5 por cento dos quais acedem à rede através de smartphones, segundo dados oficiais.

17 Nov 2016

Proibidas expressões impróprias contra Kim Jong-un na internet

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s autoridades chinesas proibiram o uso na internet e redes sociais da expressão “Gordinho Kim III” para se referir ao líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, embora insistiram nesta quarta-feira que não tenha se tratou de um pedido do governo de Pyongyang.

“Desautorizamos que se fale do líder de qualquer país com expressões insultantes”, afirmou ontem um porta-voz do Ministério chinês das Relações Exteriores, Geng Shuang.

Geng acrescentou que “o governo chinês está comprometido com a criação de um meio ambiente saudável e civilizado para as opiniões” na internet. No entanto, Geng rejeitou a veracidade de informações que consideravam a decisão tomada a pedido do governo norte-coreano.

O uso do citado termo e outros similares para se referir ao líder norte-coreano era muito comum nas redes sociais chinesas.

No entanto, uma busca nestas redes chinesas da expressão “Gordinho Kim III” (que faz referência a sua obesidade e a ser o terceiro membro da família que exerce o cargo de forma ininterrupta desde 1945) já não aparece hoje.

Assim, a rede social Weibo (o equivalente chinês ao Twitter) oferece uma mensagem que diz que “segundo a legislação vigente, não há resultados para a busca”.

17 Nov 2016

A denúncia da ilusão

Finkielkraut, Alain, A Derrota do Pensamento, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1988
Descritores: Filosofia, França, Luzes, Romantismo, Modernidade, 145 páginas
Cota: A-4-6-24

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]squeçamos o Alain Finkielkraut dos nossos dias e recordemos este notável livro escrito há trinta anos e que prometia um intelectual da estirpe de um Alain Renaut ou de um Luc Ferry. Não posso deixar de assinalar aqui que o livro que hoje me ocupa faz parte de uma curta lista de ensaios aos quais devo muito do que penso hoje em dia. Desses ensaios destaco, Racionalidade e Cinismo de Jacques Bouveresse de 1984, O Elogio do Cosmopolitismo de Guy Scarpetta de 1988, O Tempo do Indivíduo: Contribuição para uma História da Subjectividade de Alain Renaut de 1989, A Nova Ordem Ecológica de Luc Ferry de 1992, O Discurso Filosófico da Modernidade de Jurgen Habermas de 1990, Crítica da Modernidade de Alain Touraine de 1995. O Fim da Modernidade – Niilismo e Hermenêutica na Cultura Pós-moderna de Gianni Vattimo de 1986, Contingência, Ironia e Solidariedade de Richard Rorty de 1989, O Inumano de Jean François Lyotard de 1997, Para uma Crítica da Economia Política do Signo de Jean Baudrillard de 1995 (Entre outros). Todos eles foram importantes mas algumas por motivos opostos aos que consagrei no quadro das minhas convicções. O livro de Alain Finkielkraut foi até um dos mais importantes pela forma como coloca em oposição as luzes e o romantismo. Quem quiser adquirir a consciência da incompatibilidade radical entre a filosofia da Aufklarung e o ideário contra-revolucionário das ideologias dos Volkgeists, tem aqui um momento de ouro. Em cima disso só tem que ler o Proceso Civilizacional de Norbert Elias e fica definitivamente vacinado contra todas as formas de enraizamento e localismo. Seguramente, que depois destas lições, dificilmente quererá voltar aos lugarejos de que fala Steiner e só o Mundo poderá satisfazer a sede de humanidade e humanismo, universalidade e espírito livre e cosmopolita.

O pretexto do livro é mostrar o triunfo da barbárie sob as suas diversas formas, desde o fanatismo ao kitsch. Desde o império do obscurantismo religioso e ideológico a coberto da massificação até ao relativismo ético e estético concentrado na expressão do populista russo de que Shakespeare vale tanto quanto um par de botas, a coberto da mesma massificação; é um novo paradigma que está em marcha. A atribuição do prémio Nobel a Bob Dylan é apenas o sinal mais recente da revolta contra o Espírito a coberto agora já de uma ideologia populista e demagógica: ‘o politicamente correcto’. As massas chegaram finalmente ao poder que ambicionavam, ao poder intelectual e cultural, não porque se tenham alçado a ele mas porque pressionaram no sentido do rebaixamento do Espírito (volto a insistir), da genialidade, da excepção dos grandes pensadores e artistas, doravante atirados para uma situação de quase marginalidade. Há portanto que enaltecer esta obra como outras das quais destaco agora de passagem a Sociedade do Espectáculo de Guy Debord, O Sistema dos Objectos de Baudrillard ou a A Cultura Inculta de Allan Bloom. Este último foi particularmente truculento pois estendeu o fenómeno de decadência à educação partindo do facto de que sendo um ensaio sobre o declínio da cultura geral acabou por nos mostrar como a educação superior vem defraudando a democracia e empobrecendo os espíritos dos estudantes de hoje. A crise ocidental é sobretudo intelectual e depois decorrente da confusão estabelecida onde a razão se confunde com a criatividade acaba por se tornar uma crise moral pois o niilismo acaba por triunfar a soldo do relativismo axiológico, tudo isto debaixo do imenso cobertor ideológico da tolerância, uma tolerância sem princípios ou mesmo deletéria.

Para lá da questão cultural e de mentalidade é particularmente importante a análise crítica que o autor faz à cultura do romantismo, estabelecendo uma dicotomia muito clara e pertinente entre o romantismo e a filosofia das luzes. Da artificialidade contra o naturalismo organicista, da razão contra o costume e o instinto, do universal contra o local, do espírito contra a irracionalidade, da modernidade contra a tradição, da Sociedade contra a Comunidade, do Indivíduo contra o Rebanho, da positividade legal contra o direito histórico, do cosmopolitismo contra o enraizamento.

Volto a outro dos grandes objectivos do livro, a condenação do relativismo axiológico subordinado ao multiculturalismo. Desde a lição de Claude Lévy Strauss, pronunciado na Unesco em 1952 e intitulado sob a forma de livro, através da designação da conferência: Raça e História, que o relativismo multiculturalista viu as portas escancaradas relativamente à questão do Outro. A história mais recente tem vindo a mostrar a falência completa do multiculturalismo e a mostrar ainda a falência das ciências sociais e humanas relativamente ao tema. No quadro restritivo de um pensamento pretensamente científico sobre o Outro, o que aconteceu foi o triunfo do paternalismo ou do relativismo e em muitos casos o racismo manteve-se presente e vivo. É essa ilusão que Finkielkraut denuncia.   

Biografia 

Alain Finkielkraut nasceu em Paris no ano de 1940, concretamente a 30 de Junho. É um normalien da Escola Normal de St. Cloud, onde entrou em 1969. Judeu de origem polaca ensina hoje em dia Cultura Geral na Escola Politécnica. Foi eleito membro da Academia Francesa em 10 de Abril de 2014. Vejo-o ligado e integrado no grupo dos novos filósofos, grupo esse a que pertenceram também Pascal BrucknerAndré Glucksmann e Bernard-Henri Lévy. O mais intrigante no percurso de Alain Finkielkraut é que depois de La Défaite de la Pensée, que analiso neste meu texto, e de La Sagesse de l’Amour, obra dedicada a Emanuel Lévinas, veio por via de uma ligação militante ao judaísmo a cair em posições anti-modernas e até neo-reaccionárias como muito bem salientou o sociólogo Daniel Lindenberg no livro Le Rappel à l’Ordre. O mais grave é que Alain Finkielkraut involuiu até ao ponto de assumir pontos de vista racistas. Para mim, isso será o mais chocante mas não é menos chocante o facto de defender hoje posições hostis à modernidade e ao progresso, chegando a criticar os direitos humanos, os quais pela paixão imoderado pelo ‘outro’ alteram, em sua opinião, a reflexão política. Criticar os direitos humanos não é proibido, nem os direitos humanos são da ordem do sagrado, mas nos termos em que o faz, de modo bem diferente do que faz por exemplo Slavoj Zizek, isso releva de uma atitude profundamente reaccionária, onde faço notar uma certa nostalgia pela pré-modernidade e por convicções orgânicas e holistas. É a negação completa das suas teses da Derrota do Pensamento, que li com tanto agrado. Mais do que um neo-reaccionário Alain Finkielkraut incorpora actualmente o exército dos inimigos da Modernidade. Saliento aqui apenas as suas obras mais antigas como é o caso de Le Nouveau Désordre amoureux (A Nova Desordem Amorosa), em colaboração com Pascal Bruckner de 1977, La Sagesse de l’Amour (A Sabedoria do Amor) de 1984 e La Défaite de la pensée (A Derrota do Pensamento) de 1987.

17 Nov 2016

Des-fotar: contra o vórtice das imagens

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]conteceu em Maputo. Dois casais. Um deles tinha uma teleobjectiva e entretinham-se a tirar fotos em grupo. Estranho, faziam tudo para tapar a cara. Intrigava-me esse gesto de antepor um punho, três dedos abertos, a mão cerrada entre o clic e o rosto. Punham-se em pose para, afinal, ocultar a cara. Às duas por três, uma transpôs o murete que separa a esplanada do passeio e pediu à amiga, tira-me uma foto. E um segundo antes da outra carregar no botão ela disparou o braço para a frente com os dedos em vê a tapar o rosto e nomeou a coisa: Des-foto. Era um gesto pensado e por desconcertante que pareça tem atrás de si um conceito.

A Des-foto é o oposto da Selfie ou a sua simétrica paródia?

Não imagino se a Des-foto é invenção deles ou a imitação de uma vaga que pela primeira vez vi aflorar em solo moçambicano. A Des-foto organiza uma tensão na imagem: o sujeito aderiu à representação mas suspendendo-a, antepondo à sua imagem algo que a trunca. É uma espécie de burka da fotografia?

Por outro lado, se isto for uma moda, corresponderá este novo rito a uma reacção epidérmica, contra-fóbica, à saturação de imagens em que naufraga o mundo – ainda que usando o pêlo do cão agressor para curar a mordidela?

Gosto da foto que encima esta crónica. É de um fotógrafo moçambicano e chama-se….. O visado reage, como se avisasse: “eh, sou pobre mas resta-me o direito à minha imagem!”. E contra a imagem da sua pobreza contrapõe a dignidade de manter isso em reserva, exige o recato do silêncio.

Uma vez viajei pelo Yémen com um realizador que para disfarçar o seu mal-estar, naquele mundo distintíssimo do nosso, se armava com duzentas máquinas a tiracolo. Por milhares de livros que tenhamos lido, por fotos que tenhamos visto, por volumosa que tenha sido a informação digerida, quando estamos no terreno é o corpo quem reage e não a nossa armação racional. Ele defendia-se com a brutalidade do seu aparato tecnológico. E só conseguia lidar com a fobia que o tomava através da mediação da imagem, do antídoto da distância.

Atravessávamos Hadramouth, um longo oásis ligado às antigas rotas das especiarias, e vimos um grupo de pedreiros a amassar tijolos com a mesma técnica dos tempos bíblicos. Eu dispunha-me a fazer uma reportagem e parámos o carro. Ele correu, para despachar o serviço, e antes de qualquer conversa, do mínimo protocolo, rondou os pedreiros como um urubu e clic, clic, zás, catrapás, colheu duas dúzias de imagens em cima dos atónitos iemanitas. Instalou-se um clima de hostilidade que impediu qualquer conversa útil: os pedreiros dispensavam ser souvenires, e como tínhamos agido sem consentimento saímos dali de mãos vazias e, por sorte, vivos.

Sem consentimento: é assim que mais de metade das imagens percorrem o mundo, através das redes sociais, das revistas, dos canais televisivos, formatando opiniões a partir de simulacros destituídos de contexto. É o modo mais perigoso de sobrepormos à realidade “um banco de irreais” que deformam a nossa percepção e a embaraçam em estereótipos e lugares-comuns que nos coarctam o raciocínio. Temos de reaprender a pensar para-além das imagens, a desnaturalizá-las, mais ainda quando com o advento das imagens digitais se torna suspeita a velha máxima de que “uma imagem vale mil palavras”.

Pior, não apenas proliferam as imagens em que não há nada que ver, como assistimos, como insinuou Braudillard, a uma escalada do politeísmo que tem agora nos objectos e nas suas imagens o seu avatar: «Hoje, todas as coisas querem manifestar-se. Os objectos técnicos, industriais, mediáticos, os artefactos de toda a classe, querem significar ser vistos, ser lidos, ser gravados, ser fotografados. Cremos fotografar tal ou qual coisa por prazer e em realidade é ela que quer ser fotografada nada mais somos que a figura que os põe em cena, secretamente movidos pela perversão auto-publicitária de todo o mundo circundante. (…) Já não é o sujeito quem representa o mundo (i will be your mirror!): é o objecto quem refracta o sujeito e, subtilmente, por meio de todas as nossas tecnologias, e lhe impõe a sua presença e a sua forma aleatória.»

Dir-se-ia, estamos possessos.

Será por isso que uma democracia apoiada sobretudo na retórica das imagens é uma democracia enlanguescida, que já não reflecte no significado das suas emoções colectivas e se limita a traduzi-las em espectáculo? Eis o triste ensinamento que nos trazem os “talk-shows”, cujo formato impede o raciocínio de desenvolver-se e obriga à lógica redutora do slogan, os “reality shows”, os últimos episódios da democracia-capturada-pelos-media, no Brasil, e a deprimente campanha para as eleições nos EUA.

Temo que Des-fotar não passe de mais uma moda idiota, mas se trouxer a alguns a necessidade de reflectir sobre o que é uma imagem, o que é uma representação, e se os levar em conformidade a proceder a uma espécie de “economia das imagens”, constituirá, afinal, um acto ecológico. E talvez ajude aqui um dito de Blanchot, que podemos usar como lema: “todos os dias há uma coisa para não ver”.

17 Nov 2016

Qualquer coisa que possa correr mal, irá correr mal

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]xiste uma diferença substancial entre culpa e vergonha. Existe uma diferença substancial entre sentirmo-nos culpados de algo e sentirmo-nos com vergonha de algo. Para nos sentirmos culpados não precisamos necessariamente de sentir vergonha e para termos vergonha não precisamos necessariamente de ser culpados. É exactamente aquilo que parece se passar com o caso da demissão de Marco Muller da direcção do Festival internacional de Cinema. O culpado não tem vergonha de como se porta, e nós, pessoas da cultura de Macau, sentimos vergonha. Sentimos vergonha que Macau protagonize continuadamente o desrespeito por qualquer ideia de dignidade para com quem trabalha e dá o melhor de si pela evolução da cultura em Macau. O pior de tudo é que olhamos para o que aconteceu sem surpresa, ora porque somos – também nós programadores e artistas locais repetidamente tratados de forma semelhante, ora porque o vimos acontecer vezes sem conta em relação a tudo.

A oligarquia muito específica de Macau e à qual eu me referia no texto da semana passada antes de passar à situação dos Estados Unidos está, em Macau, sempre descaradamente em prática e quem tiver o assombro de a desafiar sofre com isso. E sofre porque quem beneficia desse estado oligárquico tudo faz para destruir ou apagar quem tem o arrojo de questionar o establishment da cidade.

Repugnância existe mais ou menos em oposição a atracção. Isto para dizer que se o Festival Internacional de Cinema era atraente por ter uma figura de tanta importância na sua direcção torna-se agora repugnante pelo modo como se trata essa pessoa. E este sentimento de repulsa associa-se ao da vergonha quando se pensa no modo como uma determinada associação (MFTPA – Macau Film and Television Production Association) se acha no direito de interferir, manipular, abusar, e ultrapassar as decisões de quem foi contratado para dirigir o festival. Vergonha pelo modo como Macau mais uma vez falha e se maltrata pelo modo como trata uma pessoa com tanta qualidade e que tantos benefícios poderia trazer à cultura de Macau. Vergonha pelo desrespeito para com a pessoa e por não se mostrar ter um pingo de carácter no processo avançando para tribunal em vez de tecer um agradecimento pelo trabalho feito agindo de forma adulta independentemente da diferença de opiniões.

As pessoas que, num processo como este, avançam para tribunal não merecem ser chamadas profissionais. São pessoas que mostram não ter maturidade nem classe para fazer aquilo que estão a fazer. As pessoas que fazem este tipo de coisas são exemplos do vírus continuado do amadorismo existente debaixo da capa do talento local onde apenas se enriquecem a si e que em nada beneficiam a sociedade. Estas pessoas não têm lugar em organizações de eventos culturais. Estas pessoas não respeitam o outro. A estas pessoas não pode ser conferido poder numa área tão importante como a cultura.

Agora voltamos aquilo que conhecemos. Voltamos àquele estado umbilical onde somos olhados de fora com desconfiança e até desprezo por aquilo que representamos. E é esta a santa sina de quem faz cultura em Macau. Para poder ambicionar a ser-se minimamente reconhecido fora de Macau tem-se que: ou dizer que não se é de Macau, para não levar logo com a etiqueta do jogo, do mau ou muito mau, e para evitar aqueles sorrisos condescendentes de quem se controla para não rir directamente na cara; ou tem-se que, através de um trabalho de excelência, conseguir ultrapassar o estigma local do benefício de uns em detrimento da qualidade – prática que durante décadas tem prejudicado a sociedade. Poucos conseguem ser reconhecidos fora de portas e os que conseguem quando voltam à terrinha voltam a ser tratados da mesma forma porque são uma ameaça para quem beneficia financeiramente com todo o circo oligárquico, numa pantominice que exaspera qualquer pessoa séria. A cidade do entretenimento, onde se confundem todos os valores da ética e onde se força a verdadeira cultura e arte a definhar, é nesse sentido uma vergonha.

Macau não está 50 ou 100 anos atrasado culturalmente. Macau simplesmente não existe. E não são patos gigantes, paradas ou carrinhos de choque que a colocam no mapa. Macau não existe porque não quer existir. Porque se quisesse existir percebia que há artistas e programadores de Macau com desempenhos elevados ao nível do discurso contemporâneo, que se tornam internacionais devido ao seu talento, que são apreciados e reconhecidos em festivais, prémios prestigiantes, bienais e Museus no ocidente, na  ásia e no continente, e que em Macau são tratados da mesma forma que se tratam diletantes ou estudantes do secundário. Macau não existe porque há já muito tempo que deveria ter percebido que num mundo global os directores de Museus e festivais são pessoas com cartas dadas na área e não funcionários públicos. Macau não existe porque não respeita uma lenda do cinema mundial e ao não a respeitar não se respeita a si própria.

Para terminar há-que recordar que o mesmo grupo económico que está ligado à MFTPA está também ligado à estranha saída do coordenador do Grande Prémio de F3, que estava no lugar desde 1983, a cerca de dois meses do evento. O mesmo grupo económico que gere os fundos de 55 milhões para o Festival Internacional de Cinema dos quais 20 são das finanças públicas. Coincidência ou piadas de mau gosto que custam muito dinheiro? A cultura em Macau é um cálice que antes de ficar cheio se estilhaça pelo ar. Macau é o perfeito exemplo da Lei de Murphy: “Qualquer coisa que possa correr mal, irá correr mal”.

17 Nov 2016

É a FIA quem manda aqui

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá aí mais um Grande Prémio de Macau, um motivo de orgulho para os locais que, ao longo de gerações, construíram um dos maiores, se não mesmo o maior, cartaz automobilístico do Sudeste Asiático. O 63º Grande Prémio será o primeiro sob a batuta da recém-criada Comissão Organizadora do Grande Prémio de Macau (COGPM), com o Instituto do Desporto à cabeça, aproveitando o que absorveu à defunta Comissão do Grande Prémio de Macau e assessorado, na parte desportiva, pela Associação Geral do Automóvel de Macau-China (AAMC).

Se, em termos organizativos, nada de especial transpirou cá para fora, já o mesmo não se pode dizer em termos desportivos. Este início de funções da COGPM, que tem os mesmos 200 milhões de patacas de orçamento para o evento deste ano, tem sido atribulado.

Primeiro, o histórico Barry Bland bateu com a porta e a imprensa internacional, principalmente a de língua inglesa, não perdeu tempo para crucificar Macau e as suas gentes. A COGPM foi apanhada de calças na mão e não foi capaz de dar uma resposta construtiva a tempo e horas. Depois, foi a troca de pneus Yokohama pelos Pirelli na prova de F3, numa manobra da exclusiva responsabilidade da FIA e em que a inocente RAEM apanhou novamente por tabela, sem saber mais uma vez defender-se na praça pública. Por fim, nos bastidores, é cozinhada a saída do TCR International Series da Corrida da Guia no final deste ano e, para não variar, a resposta da COGPM foi um mutismo frouxo.

João Costa Antunes já cá não está, pelo menos numa função tão visível. Gostasse-se ou não da personagem, uma coisa é certa: dava o corpo às balas e não se escondia atrás de ninguém. Não era um homem dos automóveis mas, ao fim de décadas à frente do evento, aprendeu como o sistema funcionava e sabia como jogar nos bastidores.

Agora, o homem do leme é o presidente do Instituto do Desporto, Pun Weng Kun, que, pelas entrevistas já dadas, pouco sabe da matéria-prima do evento, está a tentar aprender e refugia-se em respostas evasivas quando o assunto não domina. Pun está assessorado, em termos desportivos, pelo AAMC, uma associação envelhecida que sempre se pautou por uma postura austera, fechada, adversa à imprensa e a qualquer tipo de opinião do exterior. Também ela, para fugir a qualquer responsabilidade gorda, se esconde atrás de alguém – neste caso dos homens das camisas azuis e sotaque francês.

Bland é há muito uma “persona non grata” pela FIA de Jean Todt. Saiu Bland e a FIA deu um rebuçado a Macau, chamou “Taça do Mundo” à corrida de F3, algo que, a bem da verdade, não traz nenhuma mais-valia à corrida, mas que fica bem na fotografia. Lotti, outra “persona non grata” na Praça da Concórdia, e o seu TCR estão de saída e o FIA WTCC parece que é novamente bem-vindo a Macau. Em 2017, as três maiores corridas de automóveis do Grande Prémio de Macau poderão estar entregues à FIA e aos seus desejos. Ficam à mercê do AAMC duas corridas de suporte, apenas duas, a Macau Road Sport e a Taça CTM. Isto porque a Taça da Corrida Chinesa só visita o Circuito da Guia porque “outro valor mais alto se levanta”, como diria o poeta.

No meio disto tudo, salve-se o 50º Grande Prémio de Motociclismo que, parecendo passar pelos pingos da chuva, festeja um Jubileu de Ouro em plena forma. Num circuito pensado para corridas de automóveis, a única corrida de motociclismo de velocidade de estrada no continente asiático continua de boa saúde e este ano apresenta-se como uma das corridas mais interessantes de seguir. Não é por acaso que é a corrida favorita do público.

Mas como o que realmente importa para o espectador e será lembrado daqui a 50 anos são os episódios que se passarão nestes próximos quatro dias dentro de pista, vamos todos torcer para que o São Pedro também ajude e que a 63ª edição seja memorável pela positiva, por todos aqueles que anonimamente tornam este evento possível todos os anos, e por todos os que hoje e no passado lutaram e lutam para o que o Grande Prémio de Macau chegasse ao patamar de reputação em que hoje está.

17 Nov 2016

Anónimo? Não Leocardo!

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]oje gostaria de aproveitar este espaço que o Hoje Macau me concede graciosamente há mais de quatro anos para me debruçar sobre questões de um foro mais pessoal. Passaram-se dez anos em Março último que criei a personagem do Leocardo, quando criei o entretanto extinto blogue “Leocardo em Macau”, e no próximo dia 1 de Dezembro o seu sucessor, o “Bairro do Oriente” assinala o  9º aniversário. Mas se não escolhi nenhuma destas efemérides para tratar deste tema, é porque qualquer dia é dia para que certas coisas sejam ditas e fiquem esclarecidas.

Como deveis saber, vivemos tempos conturbados no que toca ao confronto de correntes ideológicas – possivelmente o pior período dos últimos 80 anos – e numa era que as gerações vindouras bem poderão chamar “da contra-informação”. De tudo o que o evento da internet, cada vez mais concorrido – por letrados e outros que nem por isso – nos permite saber, há aquilo que tomamos por factos, e há todo o resto, a “ficção”. Ultimamente surgiu pelo meio uma espécie de “faça você mesmo as suas notícias”, na forma de páginas onde o cibernauta pode ir ler não a verdade verdadinha, mas a sua verdade – são entrepostos de validação de opiniões e convicções, por assim dizer. O pior é que os ávidos consumidores da realidade paralela onde decidiram ir morar não se ficam por aí, e acham seu dever partilhar com o resto do mundo a sua visão muito única do mesmo. Infelizmente esta é uma visão nada recomendável, todos sabemos, já passámos por isso, e dessa forma quem nos quiser convencer do contrário recorre normalmente a expedientes nada ortodoxos.

O que nos vai valendo é o bom senso que ainda prevalece, e por um lado é bom que vá escasseando, pois desta forma é valorizado, torna-se mais apetecível e volta a estar na moda qualquer dia – assim espero, pelo menos. Por enquanto há quem vá tentando combater a contra-informação, e sendo esta propagada por agentes que alegam defender valores mais tradicionais, ou “conservadores”, a retaliação é feita na forma de ataques “ad hominem”. Quem ousa interferir no carnaval da infâmia e do degredo arrisca-se a ser referenciado, ver a sua vida privada devassada, mais à da sua família, é ameaçado, e se for necessário difamado, podendo-se mesmo ir buscar episódios irrelevantes do passado com a intenção de se minar a sua credibilidade. Lembram-se da PIDE? Mais ou menos assim, “and then some”.

Sendo que o meu único compromisso é com a verdade, doa a quem doer (e a verdade normalmente dói), abstenho-me completamente de falar do que desconheço, ou se há verdades de que não me apetece falar, opto por não o fazer. Quais? Isso é lá comigo, e penso que todos sem excepção transportam consigo uma pequena arca dos tabus. Os meus cabem no porta-moedas da carteira, ou no bolso da frente da camisa. Talvez por este motivo, e graças à minha queda para a libertinagem moral e intelectual, até se pode dizer que me safo relativamente bem dos tais ataques “ad hominem” dirigidos por pessoas que pensam ser boa ideia atacar o carácter em vez dos argumentos. O que tenho visto de quem encontro na liça argumentativa e imediatamente se recolhe à defesa é a acusação, ou insinuação, de que “cometi ataques pessoais a cobro do anonimato”.

Em primeiro lugar, se aquilo que entendeis por “ataques” é aquela chuva que mando para cima da parada da mentira, preconceito, fraude e cabotinismo que teimais em desfilar sem pudor, obrigado, e hoje são mais do que no tempo em que permanecia “a cobro a anonimato”. Podem crer que enquanto andar por cá e não me faltar arte, o meu Boletim Meteorológico vai anunciar sempre um temporal. A própria oração pronunciada em tom acusatório, denotando também um elevado grau de  desespero, peca por ser completamente falsa: não sou nem nunca fui anónimo. Se agora o caro leitor ficou com os olhos abertos de espanto, e/ou soltou uma gargalhada cínica seguida de um comentário do tipo “ah, não foste o (introduzir obscenidade da sua preferência)”, recomendo-lhe antes de continuar que vá consultar no dicionário as definições de  “anonimato” e “pseudónimo”. Vai ver que isso lhe passa logo, e ainda fica com mais saúde.

E agora vamos então colocar os pontos nos outros “ii”, visto que nestes dois não é necessário: ninguém sabia quem era o Leocardo, até ao dia em que o próprio resolveu revelar a sua identidade. Pois é, mas também ninguém me perguntou; podem procurar onde quiserem, de alto a baixo, que não vão encontrar em parte alguma uma questão dirigida à minha pessoa nestes termos, ou semelhantes: “Quem é você?”, “Quem é o Leocardo?”, “Qual o seu nome de registo?” (volto a recordar que não sou baptizado). O que me chegava eram palpites sobre onde trabalho, os lugares que frequento ou em que estive determinado dia, e claro que pelo meio não faltava o “bluff” de quem garantia ter conhecimento da minha identidade, bem como ameaças, provocações e insultos, vindos na sua quase totalidade de…anónimos. Quando se quer saber o nome de alguém, não se desata a recitar todos os nomes próprios que nos vêm à cabeça, nem coagimos a pessoa a identificar-se “caso contrário fica sem dentes”. O Leocardo permanceu ali, indiferente, sem que ninguém lhe perguntasse quem coabitava na sua pele, até ao dia em que ele próprio tomou a iniciativa de vos dizer. Se eu responderia caso a pergunta me fosse colocada de forma directa, inteligível e civilizada? Claro que sim! E mesmo que duvidem, nunca vão poder ficar a saber ao certo, pois não? É o mundo que temos, este, um mundo cão. Ainda bem que sou um felino.

PS: Como deve ser do conhecimento geral, participei na semana passada de uma tertúlia consagrada ao tema “Fórum Macau: Quo Vadis”, levada a cabo por um media da concorrência. Queria agradecer aos meus companheiros do painel, e colegas de blogosfera, Pedro Coimbra e Arnaldo Gonçalves, por se terem aprestado a conferir substância ao debate, recorrendo para tal aos seus conhecimentos técnicos. Sobretudo obrigado por não me terem deixado ficar ali sozinho a dizer disparates. Bem hajam!

17 Nov 2016

Marcelo faz visita relâmpago a Londres para falar do Brexit

A saída do Reino Unido da União Europeia levanta dúvidas e receios aos mais de 200 mil emigrantes portugueses e aos muitos investidores lusos no país

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Presidente da República viajou esta quarta-feira para Londres, numa visita curta, mas de “particular importância”. Na agenda, estão marcados encontros com a rainha Isabel II e com a primeira-ministra Theresa May.

Numa altura em que o Brexit levanta mais questões do que respostas, os olhos de mais de 200 mil emigrantes portugueses no Reino Unido e de muitos investidores lusos estarão postos em Marcelo Rebelo de Sousa, indica a Renascença.

Segundo o comunicado da Presidência, o Presidente da República pretende “abordar a ancestralidade e importância das relações luso-britânicas, tanto a nível político-diplomático como económico, e valorizar o papel da comunidade portuguesa e luso-descendente residente no Reino Unido.”

Nesta visita rápida de 24 horas, o ponto de maior destaque na agenda de Marcelo é o encontro de trabalho com a primeira-ministra britânica, Theresa May, no número 10 de Downing Street.

A reunião acontece poucos dias depois de um relatório obtido pelo jornal “The Times” ter revelado “caos, desorganização e divisão” no seio do Governo britânico sobre os planos – desconhecidos – para a saída do Reino Unido da União Europeia.

Segundo o Observatório da Emigração, mais de 200 mil portugueses vivem no Reino Unido e são a sexta maior comunidade de emigrantes no país. Contudo, grande parte destes emigrantes chegaram há menos de cinco anos, não estando habilitados a pedir cidadania britânica e, portanto, em risco de serem afectados por eventuais leis de emigração mais restritas depois do Brexit.

Monarcas e finanças

Ainda na agenda da visita presidencial – a primeira ao Reino Unido desde a visita de Estado de Mário Soares em 1993 – está um encontro com a rainha Isabel II e um almoço com investidores da City, o centro financeiro de Londres.

Segundo dados oficiais, o Reino Unido é o quarto maior cliente e sexto fornecedor de comércio internacional de bens para Portugal.

Marcelo Rebelo de Sousa tem ainda planeada uma visita ao ateliê da artista Paula Rego e um encontro com membros da comunidade portuguesa e luso-descendente em Londres.

Acompanham Marcelo Rebelo de Sousa o ministro das Finanças, Mário Centeno, a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques, e o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís.

17 Nov 2016

Mandatários de Ho Chio Meng não tiveram confiança do processo

Um dia depois de o Tribunal de Última Instância ter dado a entender que Ho Chio Meng teve tempo para se defender, os advogados do ex-procurador da RAEM falam nas dificuldades de acesso ao processo. Há mais de 30 mil páginas para ler em muito pouco tempo

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s mandatários de Ho Chio Meng, antigo procurador da RAEM, só podem preparar o julgamento durante o horário de funcionamento do Tribunal de Última Instância (TUI). De acordo com o que apurou o HM, foi-lhes negada a confiança do processo, ou seja, os advogados não podem levar os volumes referentes ao caso para o escritório, de modo a prepararem o julgamento.

“Temos o direito de requerer a confiança do processo”, apontou a advogada Lee Kam Iut, que confirmou que o pedido foi feito na semana passada, um dia antes de ter sido tornada pública a data de início do julgamento, marcado para 5 de Dezembro. “Só podemos consultar o processo nas instalações do tribunal.”

O caso de Ho Chio Meng arrisca-se a entrar para a história judicial de Macau como sendo o maior de sempre, em termos físicos: são mais de 30 mil páginas, contando com os 36 volumes da acusação principal e os 81 volumes de apensos. Só o despacho de pronúncia tem mais de mil páginas. Ao todo, o ex-procurador responde por 1536 crimes.

Atendendo à complexidade e tamanho do processo, o tempo escasseia para os mandatários. “Para defendermos um cliente, temos de estudar bem um processo. Se não o fizermos, não temos dados suficientes”, assinala a advogada, questionada sobre a possibilidade de a defesa de Ho Chio Meng estar, desde já, comprometida.

As dificuldades sentidas pelos mandatários começaram logo na fase da instrução. Diz a lei processual de Macau que, após a notificação da acusação, o arguido tem dez dias para requerer a abertura da instrução. Durante esta fase, explica Lee Kam Iut, só foi autorizada a consulta do processo nas instalações do tribunal – mais uma vez, no horário de expediente do TUI – sem que tivesse havido a possibilidade de serem tiradas fotografias ou cópias. Ou seja, as notas que os mandatários recolheram foram escritas à mão. “Não conseguimos analisar bem o processo”, diz Lee Kam Iut. “Até ao debate instrutório, não conseguimos consultar todo o processo.”

A dimensão do caso e o facto de os volumes não saírem do edifício do TUI torna ainda mais difícil a existência de uma contestação à acusação, que teria de ser feita até ao próximo dia 29.

Outra versão

Os esclarecimentos de Lee Kam Iut surgem na sequência de uma nota à imprensa feita pelo TUI na passada segunda-feira, em resposta “a alguns órgãos de comunicação social portuguesa” que reflectiram “a preocupação de alguns advogados pelo facto de a audiência de julgamento do ex-procurador da RAEM se iniciar a 5 de Dezembro próximo”.

No comunicado, o tribunal presidido por Sam Hou Fai não só explicava que os julgamentos com arguidos presos têm prioridade em relação aos restantes, como salientava que o TUI tem em mãos apenas um julgamento em primeira instância para fazer – aquele que tem, como único arguido, Ho Chio Meng.

Foram também deixadas algumas datas sobre o processo: o arguido requereu a abertura da instrução no passado dia 29 de Agosto, tendo sido declarada a 6 de Setembro. Desde essa data que “os advogados [de Ho Chio Meng] têm tido pleno acesso ao processo” no TUI. “O processo foi consultado muitas vezes, simultaneamente, por vários advogados do arguido”, escreveu ainda o tribunal. “Aliás, até à data, nunca o arguido ou os seus advogados se queixaram de falta de acesso ao processo.”

16 Nov 2016

Anabela Campos, co-autora do livro “Negócios da China”: “Chineses entram com pezinhos de lã”

 

Há quem diga que é uma obra para “memória futura”. Anabela Campos e Isabel Vicente, jornalistas de economia e finanças do semanário Expresso, escreveram um livro que explica como foram feitos os grandes negócios em Portugal, na sequência da entrada da troika. A venda de activos em sectores estratégicos não aconteceu com os parceiros estrangeiros habituais: Pequim chegou a Lisboa para investimentos que já provaram ser altamente rentáveis. Macau não entra nestas contas – existe sobretudo na retórica política e agora nos media, um interesse que Anabela Campos tem dificuldade em perceber.

 

Começando pela pergunta clássica: como é que surgiu a necessidade e a oportunidade de escrever este livro?

Surgiu na sequência de uma série de acontecimentos. A crise de 2008 expôs totalmente a fragilidade dos bancos e o ‘esquema’ que usavam de financiamento da economia: os empresários portugueses eram sobretudo empresários a crédito. Quando a crise veio, as acções começaram a desvalorizar e os empresários começaram a ter de pagar os créditos – até porque os bancos começaram a fazer pressão de um modo como antes não acontecia –, todas as fragilidades da economia sobressaíram. Isto acontece em simultâneo com a entrada da troika em Portugal: os bancos são pressionados a obrigar os empresários a pagar. O país estava à beira da bancarrota, era preciso ganhar dinheiro e teve de se privatizar algumas empresas um pouco à pressa. Percebe-se que as empresas estavam superendividadas. Tudo isto abre caminho para que um conjunto de coisas aconteça, nomeadamente o colapso do Banco Espírito Santo, que também pôs a nu a forma como o banco vivia e algumas empresas à volta, nomeadamente a PT, que tinha colocado quase 900 milhões de euros no BES, e que os perde. Ou seja, há aqui um conjunto de circunstâncias negativas que mostram as fragilidades da economia e das empresas portuguesas, e que abre a porta para que, depois, as grandes empresas sejam vendidas a investidores que nem sempre foram aqueles que mais aplicaram dinheiro em Portugal. A grande novidade é o investimento chinês. Antes de 2011, era irrisório; dispara com a entrada no sector eléctrico, a partir do momento em que investidores chineses se tornam o maior accionista da Energias de Portugal (EDP). Depois, compraram a REN – Redes Energéticas Nacionais.

O livro chama-se “Negócios da China” e temos aqui uma dupla leitura: a conotação que se dá, em português, a esta expressão e também pelo facto de serem negócios feitos com investidores ao quais Portugal não estava habituado…

Achamos que são negócios da China não só por causa da novidade da entrada dos chineses, mas também porque muitas das empresas que foram vendidas são monopólios naturais ou são empresas com grande poder de mercado em Portugal. Nesse sentido, quando se compram essas empresas está-se quase a comprar uma renda, ou seja, o lucro é praticamente garantido. O melhor exemplo é a EDP: dá mil milhões de euros de lucro há quatro anos consecutivos. É o caso também da ANA, que era a detentora de todos os aeroportos portugueses, e que foi comprada por franceses, pela VINCI. O lucro da ANA nas mãos da VINCI aumentou 50 por cento. Como não há mais aeroportos em Portugal e são os únicos gestores dos aeroportos, se quiserem subir as taxas, sobem – foi o que já fizeram umas quatro vezes. No fundo, é termos vendido as empresas que são mais lucrativas: são óptimas empresas. Outro exemplo é a venda da Cimpor aos brasileiros, que foi motivada por uma série de acontecimentos e não propriamente pela entrada da troika. A Cimpor era a melhor multinacional portuguesa, estava espalhada por vários países, era a nona cimenteira do mundo e era muito cobiçada por várias cimenteiras internacionais – duas delas tinham tentado comprá-la. Quem o faz são dois brasileiros e compram-na para a desmantelarem. A Cimpor estava a fazer concorrência no Brasil e compram a empresa porque estava frágil – os donos estavam endividados. É um caso de estudo interessante. Não somos contra o investimento estrangeiro, nem este livro é uma crítica ao investimento estrangeiro, mas não há aqui uma visão. Os investidores aproveitaram uma oportunidade interessante, ainda por cima porque algumas empresas estão noutros mercados, como o da lusofonia, que interessa bastante aos chineses. A EDP está nos Estados Unidos e no Brasil, pelo que foi uma forma rápida de entrarem nestes mercados.

Referia que a China é a grande novidade destes últimos anos. Além do caso da EDP, há outros, com investimento chinês em sectores fulcrais. Recentemente, assistimos também à entrada nos media, através de Macau.

O que é extraordinário é que, no mundo ocidental, os investidores chineses não estão em mais nenhum país como estão em Portugal. Estão na energia, no mercado financeiro – na Fidelidade, podem vir a ser o maior accionista do BCP, que é o maior banco privado português, e são um forte candidato à compra do Novo Banco –, estão na TAP, estão nos media, estão na saúde (no Hospital da Luz), estão no imobiliário. Estão em sectores estratégicos: finanças e energia. O que é mais significativo – e para nós, de certa maneira, preocupante – é o facto de o sector eléctrico ser controlado por duas empresas estatais chinesas. Um dos argumentos para vender foi, além da crise, que o Estado não pode estar nas empresas mas, depois, a EDP e a REN foram vendidas a duas empresas estatais chinesas. Quando estávamos a escrever o livro percebemos que também podem vir a entrar no capital da Galp – é muito provável que isso aconteça. Não há nenhum país ocidental onde isto se passe: os investimentos chineses estão a ser questionados em alguns países da Europa e houve até recuos. Na Áustria, tinham entrado numa eléctrica, o negócio já estava fechado e não se concretizou, porque são sectores estratégicos e os países têm alguma dificuldade em vender a capital estrangeiro. Há duas ou três semanas surgiram notícias de que havia investidores chineses interessados em comprar uma grande tecnológica alemã e o Governo opôs-se. Os investidores chineses são muito bem-vindos em Portugal e entraram em força – é uma questão que merece bastante atenção. Não há hostilidade ao investimento chinês, mas começam-se a levantar algumas questões, sobretudo por causa do sector eléctrico. Há a sensação de que estão com demasiado poder. É um país pouco transparente e não temos acesso a muita informação, não sabemos o que pensam.

Mas houve aceitação por parte do Governo português, nomeadamente pelo Executivo anterior, altura em que aconteceram estes negócios da China com a China. Sentem que, em termos de opinião pública, a contestação que terá havido na altura ficou circunscrita ao momento das aquisições? Na visita recente do primeiro-ministro António Costa à China – e depois aqui a Macau – foi muito enfatizada a ideia de um reforço das relações económicas com Pequim, sendo certo que também foi dito na altura que este fortalecimento não passará necessariamente pela aquisição de activos. Como é que vêem agora a situação?

O Governo de Pedro Passos Coelho e de Paulo Portas foi aquele que permitiu a entrada – também não havia uma razão para não permitir. Imagino que depois da entrada na EDP houvesse algumas reticências para a entrada nas restantes empresas, que pudesse ter havido um pensamento mais estratégico. Mas não houve, porque havia uma pressão enorme para se conseguir dinheiro. Não houve grande polémica em Portugal, na verdade – há algumas pessoas que acham arrepiante um país controlar não só a rede eléctrica, que é a REN, como também a produção e distribuição de energia. Aparentemente ainda não há qualquer resistência ao investimento chinês. Os investidores têm entrado de forma pouco visível, no sentido em que não mudam as coisas quando entram: mantêm a gestão, não fazem despedimentos, mantêm os investimentos. Têm entrado de uma forma muito apaziguadora, muito tranquila. Não há uma atitude hostil, é uma entrada com pezinhos de lã – ao contrário do que aconteceu na PT, com a entrada da Altice, que cortou 30 por cento dos contratos com fornecedores e começou a despedir trabalhadores. Foi muito significativa a visita do primeiro-ministro à China: foi recebido pelo primeiro-ministro e pelo Presidente. É um reconhecimento de uma boa relação. Há duas semanas, o vice-chanceler alemão foi à China, tinha encontros marcados e foram todos cancelados por ter sido considerada hostil a OPA sobre a empresa tecnológica. Pelo que se consegue perceber, há uma relação muito boa com Portugal e, se o anterior Governo começou este caminho, António Costa está a trilhá-lo. Aparentemente, Portugal quer posicionar-se como um parceiro relevante para a China na Europa, e isso está a acontecer.

Portugal interessa sobretudo por ser um acesso?

Nalgumas conversas que tive, percebi que os chineses querem estar em Portugal, mas não é por causa do nosso mercado, que é minúsculo. O que vêm aqui buscar é o know-how, porque as empresas que compraram são boas, têm muito know-how, mas também porque lhes reforça a presença nos mercados de língua portuguesa. Os chineses não precisam de nós para entrarem em Angola ou Moçambique, mas estas empresas estão há muitos anos nestes mercados e também são interessantes nesse sentido. Por outro lado, abre-lhes a porta na Europa. Quando se compra bancos em Portugal, começa-se a abrir caminho para se entrar no mercado financeiro europeu de forma mais fácil. O Banco Central Europeu tem de lhes dar autorização – estando em Portugal será provavelmente mais fácil. Outro aspecto muito curioso é o grande interesse na Base das Lages: nos últimos três anos houve quatro visitas do primeiro-ministro e do Presidente. Os americanos estão de saída – ou estão a reduzir a presença – e é como se os chineses estivessem a aproveitar essa oportunidade. Falei com algumas pessoas especialistas nesta matéria e elas não acreditam que se vá substituir os americanos pelos chineses – seria hostilizar um parceiro histórico –, mas o Governo chinês tem feito questão em marcar presença.

Conhece Macau, está a par do modo como o território tem estado envolvido nesta relação entre a China, Portugal e a lusofonia. Macau foi apresentado como uma plataforma para os negócios entre Pequim e a lusofonia mas – com excepção do que aconteceu recentemente no caso da Global Media –, não parece que tenha qualquer relevância, certo?

Nos discursos, Macau é sempre apontado como uma plataforma importante para esta relação. Apesar dessa referência, aparentemente nenhum destes grandes negócios tem passado por Macau. Os media não são um grande negócio. As pessoas que conhecem bem o investimento chinês não percebem este interesse pelos media, porque são um péssimo negócio – são um perdócio, um negócio em que se perde dinheiro. Por isso não se percebe muito bem este interesse – e é o único que vem via Macau. Agora fala-se também que as participações dos privados na Lusa estão disponíveis para vender e que há investidores chineses que podem entrar, via Macau. Parece que Macau tem estado mais nos media, não dos grandes negócios, que têm vindo dos grandes grupos como a Fosun ou directamente do Estado chinês. Mas, de facto, Macau é sempre apontado como um ponto de referência da relação ao nível político.

 

 

 

Sobre as autoras

Jornalista desde 1994, Anabela Campos começou a trabalhar na Agência Lusa, depois de se ter licenciado em Ciências da Comunicação. Esteve nas redacções do Diário Económico e no Público, tendo passado para o Expresso em 2008. Venceu três prémios de jornalismo económico, sozinha e em co-autoria. Destaque para “PT é o euromilhões dos accionistas” (2010) e “Cimpor, o fim de uma multinacional” (2013). Isabel Vicente é licenciada em Direito e é jornalista do Expresso desde 1991. A partir de 2000, começou a acompanhar a área financeira, sobretudo os sectores da banca e dos seguros. Conta com prémios em co-autoria no currículo, com os artigos “Quem é o accionista do BPN?” (2009) e “O Diabo que nos impariu” (2015). “Negócios da China” conta com prefácio do director-adjunto do Expresso, Nicolau Santos, e é uma edição da Oficina do Livro.

16 Nov 2016

LAG 2017 | Governo mantém valores dos cheques e apoios sociais

 

Sem surpresas, as Linhas de Acção Governativa para o próximo ano são parcas em novidades. Chui Sai On optou por manter os montantes dos apoios sociais e dos cheques pecuniários, bem como as devoluções do imposto profissional. Os aumentos salariais na Função Pública são os mais baixos dos últimos cinco anos

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] relatório das Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2017 é um documento de continuidade e com poucas novidades. Chui Sai On, Chefe do Executivo, acaba o seu segundo mandato dentro de dois anos e quis manter as políticas que têm vindo a ser desenvolvidas.

Os apoios sociais não registam aumentos, tal como os valores dos cheques pecuniários. Não há novas datas para a conclusão de grandes obras públicas e os aumentos salariais na Função Pública são dos mais baixos dos últimos cinco anos (ver reacções). O Governo propõe-se elevar o valor de cada ponto do índice da tabela salarial das actuais 81 para 83 patacas, o que corresponde, na prática, a uma actualização salarial de 2,46 por cento, ligeiramente aquém da actualização aplicada este ano (2,53 por cento).

O Chefe do Executivo foi ontem à Assembleia Legislativa (AL) apresentar um relatório cujo lema para Macau é a “Implementação progressiva do planeamento e a construção conjunta de um bom lar”. O planeamento urbano será a chave mestra para esse “bom lar”, mas como o Plano Director de Macau só estará concluído em 2020, resta-nos olhar para os apoios que a população vai continuar a receber.

Os residentes permanentes continuam a ganhar nove mil patacas anuais com o programa de comparticipação pecuniária, enquanto os residentes não permanentes continuam a ter direito a 5400 patacas. As pensões para os idosos mantêm-se nas 3450 patacas; já o subsídio para idosos continua a ser de oito mil patacas. Os estudantes continuam a receber os mesmos montantes de apoio para propinas e estudos. No total, o Governo prevê gastar com todos os apoios sociais um total de 12,352 mil milhões de patacas.

A classe trabalhadora vai também continuar a receber a devolução do imposto profissional em 60 por cento, com um limite máximo de devolução de 12 mil patacas. Permanece a redução de 30 por cento do imposto profissional, com o limite de isenção em 144 mil patacas.

Economia alegre

Na apresentação do relatório perante os deputados, Chui Sai On mostrou optimismo em relação à economia para o próximo ano. “Para a conjuntura económica de 2017, pese embora o impacto dos factores incertos da economia mundial, o facto de, nos últimos tempos, as diversas economias asiáticas se terem confrontado com vários desafios. De acordo com um relatório recente do Fundo Monetário Internacional, e segundo a Autoridade Monetária de Macau, prevê-se a possibilidade de, no próximo ano, a economia de Macau regressar a um crescimento positivo”, defendeu. Ainda assim, o Governo mantém um “optimismo cauteloso”.

Sem novidades em relação à renovação dos contratos de jogo, dossier que já será assumido pelo próximo Chefe do Executivo, em 2020, Chui Sai On deixou claro que “neste mandato [irá manter] a posição de não importação de croupiers não residentes”.

 

Orçamento vai diminuir 0,29 por cento

O Orçamento de Macau vai diminuir 0,29 por cento em 2017, apesar de o Governo estimar um aumento em 0,77 por cento dos impostos directos, após as quedas associadas às receitas do jogo. No projecto de Orçamento para o próximo ano, revelado durante a apresentação das LAG, para 2017, o Executivo prevê que as receitas globais da Administração ascendam a 102,944 mil milhões de patacas, menos 0,29 por cento do que o previsto para 2016. Dentro dessas receitas globais esperadas em 2017, 80 mil milhões de patacas correspondem a impostos directos, o que traduz um aumento de 0,77 por cento em relação ao estimado para este ano.

Já no lado dos gastos, a despesa global pública vai aumentar 12,56 por cento em 2017, prevê o Governo, que estima assim terminar o ano com um superavit de 7,218 mil milhões de patacas, menos de metade do saldo positivo que calculou para este ano (18,213 mil milhões de patacas). Apesar de a despesa global aumentar 12,56 por cento, a despesa ordinária integrada do Governo cai 3,7 por cento. O corte de 0,29 por cento em 2017 segue-se a uma diminuição de 13,9 por cento no Orçamento que foi aprovado para este ano.

 

Governo aumentou subsídio de residência

O Chefe do Executivo anunciou ontem o aumento que será feito ao nível do subsídio de residência para funcionários públicos, que passa a ser de 3320 patacas mensais. “A acção governativa depende dos esforços e da dedicação dos trabalhadores da Administração Pública. Após a auscultação das opiniões e sugestões das associações dos trabalhadores dos serviços públicos e da Comissão de Avaliação das Remunerações dos Trabalhadores da Função Pública, o Governo irá propor, em Janeiro do próximo ano, a actualização do valor do multiplicador indiciário para 83 patacas. Além disso, no intuito de reforçar as medidas de carinho aos trabalhadores dos serviços públicos, o subsídio de residência será ajustado para um valor correspondente a 40 pontos do índice salarial, sendo a respectiva proposta de lei remetida à Assembleia Legislativa.” O Conselho Executivo já concluiu a análise à proposta.

16 Nov 2016

LAG 2017 | Chui Sai On admite Metro Ligeiro na orla costeira, mas não há decisão

 

Transportes, trânsito, terras e habitação, cheques para continuar ou para acabar um ano destes. Na conferência de imprensa anual do Chefe do Executivo foram mais as promessas de estudo do que as certezas dadas

 

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] um impasse que deverá terminar em breve, a acreditar na promessa do Chefe do Executivo. O secretário para os Transportes e Obras Públicas já tinha anunciado que, até ao final do ano, haverá uma decisão sobre o trajecto do metro ligeiro de superfície na península de Macau; ontem, Chui Sai On manteve o calendário. O Governo tem um mês e meio para escolher um caminho: manter o trajecto inicial ou fazer uma linha pela orla costeira, seguindo-se assim parcialmente uma sugestão deixada há pouco tempo por alguns influentes deputados à Assembleia Legislativa (AL).

Num momento de incerteza, há um dado que parece adquirido: “Não há um cancelamento total do metro em Macau”. A sugestão deixada na AL fazia com que o metro ligeiro fosse um exclusivo da Taipa, sendo que, na península, seria construído um monocarril. Chui Sai On garantiu ontem que a ideia não é viável. “Em pormenor, depende das opiniões e dos estudos”, disse, recordando que, ao longo destes anos, foram sendo manifestadas “opiniões diferentes” acerca das passagens do metro pelo NAPE e pelas Portas do Cerco.

“Vamos finalizar a parte da Taipa e, depois, fazer a ligação a Seac Pai Van, à Ilha da Montanha. A partir daí vamos estudar: se é pela orla costeira, se é [seguindo] outras soluções”, resumiu o Chefe do Executivo, deixando para Raimundo do Rosário a divulgação dos pormenores. “Se o metro vai ou não entrar na cidade, temos de ver a situação. Até ao final do ano haverá uma informação mais clara.”

Da lista de assuntos sobre os quais ainda não há uma decisão fazem também parte os apoios sociais que, todos os anos, são apresentados como sendo temporários mas que, por via da repetição, se arriscam a ser permanentes. Desta lista de benesses faz parte o plano de comparticipação pecuniária – os cheques para os residentes –, uma herança deixada a Chui Sai On por Edmund Ho, que o actual Chefe do Executivo tem mantido.

Para o ano, não há aumento no valor desta ajuda, com o subsídio dado a todos os residentes a chegar às nove mil patacas para os permanentes e às 5400 para os não permanentes. Questionado sobre a possibilidade de os cheques deixarem de ter um carácter avulso, o líder do Governo não respondeu.

Chui fez alusão às várias opiniões que foram sendo manifestadas sobre o assunto durante estes anos e fez referência à capacidade financeira do Governo, para concluir que há que pensar sobre a manutenção, conversão ou até mesmo extinção de alguns apoios sociais – ressalvando, no entanto, que tem noção das “reacções negativas” com que seria recebido o fim de algumas medidas. “Temos de ter em conta a situação geral. É altura para se fazer um estudo acerca de uma série de medidas”, concluiu.

Também ainda não se sabe – ou, pelo menos, não é tomada uma posição pública – sobre o que vai acontecer ao Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, órgão estabelecido em 2002 com o fim das câmaras municipais provisórias e que corre o risco de ficar esvaziado com a transferência de competências, nos últimos tempos, e a criação de um órgão municipal já no próximo ano.

“Os estudos e o trabalho [para a criação de um órgão municipal] já estão em andamento”, apontou. No que toca ao fim do IACM, Chui Sai On limitou-se a dizer que “é uma possibilidade”.

Não mexe

No capítulo das certezas encontra-se a lei de terras – não vai haver alterações a um diploma que tem dado muito que falar, apesar dos pedidos que têm sido feitos nesse sentido. O Chefe do Executivo afirmou que, após a declaração de caducidade de alguns terrenos, há processos a correr em tribunal, pelo que as autoridades estão à espera das decisões judiciais. Sublinhando que o Governo tem cumprido a lei em vigor, deixou bem claro que não há qualquer intenção de se avançar para uma revisão do diploma.

Também não faz parte dos planos de Chui Sai On pensar em novas disposições para controlar os preços do mercado imobiliário. O líder do Governo lembrou que, no passado, foram tomadas medidas nesse sentido, que são para manter em vigor. “As medidas têm de ter utilidade e efeito imediato”, defendeu. Confrontado com o facto de a China Continental e Hong Kong terem feito uma intervenção mais activa no sector, disse apenas que o Governo vai continuar a fazer “o melhor possível” e a “aprender com os vizinhos”. “Quando houver necessidade, vamos lançar outras medidas. Estamos sempre atentos”, afiançou.

 

 

Cá em casa tudo bem

Sem fazer referência a Hong Kong e ainda antes de terem sido colocadas quaisquer questões na conferência de imprensa que ontem se realizou, o Chefe do Executivo decidiu fazer uma abordagem à questão da interpretação da Lei Básica pela Assembleia Popular Nacional (APN). Chui Sai On começou por dizer que “se trata de uma competência da APN e está afixada na Constituição, e todas as interpretações feitas pela APN produzem o mesmo efeito e a mesma eficácia de todas a estipulações que estão afixadas na Lei Básica”. Citando o documento fundamental de Macau, o líder do Governo sublinhou que “temos de continuar a assegurar a soberania, a unificação e a segurança do nosso território e, mais ainda, do país”. “Ao longo do tempo, o Governo tem cumprido e executado a Lei Básica de uma forma firme e séria. Temos sempre divulgado o espírito do amor à pátria e a Macau”, recordou.

 

16 Nov 2016

MIFF| Marco Mueller alega divergência de opiniões para a saída  

Não quer, para já, explicar em detalhe o que aconteceu para, em contagem decrescente para o Festival Internacional de Cinema de Macau, ter batido com a porta. Marco Müller mostra-se, no entanto, surpreendido com a possibilidade de ter de responder em tribunal

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] italiano Marco Müller confirmou que se demitiu do cargo de director do primeiro Festival Internacional de Cinema de Macau por causa de “divergência de opiniões”, mostrando-se, contudo, surpreendido com a ameaça de um processo judicial.

“O que aconteceu foi o que foi confirmado por todas as fontes oficiais: foram meses e meses de divergência de opiniões sobre não só como um festival deve ser feito, mas como um festival inaugural deve ser feito”, afirmou em entrevista à revista Macau Closer, um dia depois de anunciada a sua demissão do cargo de director e a menos de um mês da realização do evento.

Müller, que dirigiu festivais de cinema como o de Veneza, Roma ou Locarno, sem querer aprofundar as “diferenças” em causa, lamentou, porém, a ameaça de um processo judicial. “Acho bastante chocante que, durante uma conferência de imprensa, responsáveis, que inicialmente me chamaram de amigo, digam – sem enviar uma carta – que estão a considerar uma acção judicial contra mim. Isso é completamente surpreendente”, apontou.

A Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau (MFTPA), que co-organiza o festival, declarou na passada segunda-feira, em comunicado, que Marco Müller “faltou ao compromisso assinado” como director do festival conforme acordo com a MFTPA, pelo que irá exigir “todas as responsabilidades decorrentes do incumprimento por todos os meios ao seu alcance, incluindo a via judicial”.

Também no início desta semana, na conferência de imprensa de apresentação do programa do festival – que decorre entre 8 e 13 de Dezembro –, a directora dos Serviços de Turismo e presidente da comissão organizadora do festival, Maria Helena de Senna Fernandes, recusou comentar o diferendo, precisamente com o argumento de que o caso pode chegar aos tribunais e porque a relação contratual é entre a MFTPA e Marco Müller.

Está tudo no cartaz

À revista Macau Closer, Müller diz ainda que “seria divertido ver como vão provar” o incumprimento da sua parte. “Trabalhámos como loucos para o sucesso do festival, trabalhámos com paixão pelo programa que é, de facto, muito forte. Seria interessante ver como poderão acusar-me de violar o contrato”.

O italiano afirma que o cartaz do festival demonstra o nível de “paixão” e “dedicação”. “Temos sete estreias mundiais, e tirando outros eventos paralelos, tudo é estreia mundial, internacional ou asiática. Não estou a tentar ser presunçoso, mas não há muitos festivais que têm na sua primeira edição tantas premières mundiais e internacionais”, aponta.

O Festival Internacional de Cinema de Macau foi anunciado em Fevereiro, na mesma altura em que Müller foi indicado como director. Em Maio, Müller apresentou detalhes da primeira edição do evento, afirmando querer mostrar filmes “‘mainstream’ mas com uma diferença” e tornar Macau num ‘hub’ cinematográfico.

O cartaz do Festival Internacional de Cinema de Macau conta com 50 filmes de mais de 20 países e regiões. O filme português “São Jorge”, do realizador Marco Martins, que valeu a Nuno Lopes o Prémio Especial de Melhor Actor atribuído pelo júri da secção “Orizzonti” do Festival Internacional de Cinema de Veneza, em Setembro, é um dos 11 da categoria de competição do evento. Na mesma secção figura “Elon não acredita na morte”, do brasileiro Ricardo Alves Jr., que surge em estreia internacional. “Polina”, filme francês realizado por Valérie Müller e Angelin Preljocaj, marca a abertura do evento.

O Festival Internacional de Cinema de Macau tem um orçamento de 55 milhões de patacas, dos quais 20 milhões são assegurados pelos Serviços de Turismo.

16 Nov 2016

Saúde | Ho Ion Sang pede mais atenção à demência  

O envelhecimento da população e consequente aumento de casos de demência preocupam o deputado Ho Ion Sang. A situação de Macau no que respeita à consciência social e aos cuidados médicos prestados é precária. O Governo tem de tomar atitudes, defende o deputado

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]o Ion Sang está preocupado com o envelhecimento da população e o consequente aumento dos casos de demência dos idosos. O deputado manifestou, numa interpelação escrita ao Governo, o receio de que a demência associada ao aumento da população envelhecida venha a tornar-se um dos grandes desafios para os serviços de saúde e cuidados de geriatria no território.

“Os problemas associados à demência afectam a qualidade de vida não só dos doentes, como da família que os rodeia e, consequentemente, da sociedade em geral”, refere Ho Ion Sang. No entanto, para o deputado, a consciência da população em relação à doença ainda é muito baixa: “Apenas 8,5 por cento dos idosos estão dispostos a fazer os testes de triagem no diagnóstico de demência e dez por cento das famílias estão dispostas a reconhecer o problema e aceitar medidas de tratamento”.

O deputado não deixou de referir os dados referentes à população local, uma vez que existem cerca de quatro mil doentes que sofrem de demência, sendo que a previsão é de aumento significativo devido também ao crescente número de idosos.

Estudos não enganam

Ho Ion Sang faz referência a um estudo acerca da taxa de morbilidade da doença em que a China Continental, Hong Kong e Taiwan registam uma taxa de 19 por cento de incidência em pessoas entre os 80 e os 84 anos, aumentando para 32,1 por cento em idosos acima dos 85 anos. Nesta faixa etária, uma em cada três pessoas têm probabilidade de vir a sofrer de um quadro clínico associado à demência.

Localmente, o deputado assinala outro estudo sobre o regime de aposentação e as políticas que o acompanham, que aponta que a doença é o principal desafio na área da saúde, no que diz respeito à população idosa. Ainda assim, a consciência da problemática continua a ser diminuta e abrange não só os residentes, como o pessoal médico que não tem conhecimento aprofundado acerca da sintomatologia, da administração de diagnósticos e dos tratamentos e cuidados de saúde mais adequados, sublinha o deputado.

Saúde desinformada

Os serviços de saúde destinados a esta faixa da população ainda são poucos e estão numa fase inicial. Aliada à situação está a ausência de profissionais médicos especializados. Por outro lado, como são problemas cujos sintomas iniciais não são evidentes, muitas vezes o diagnóstico é dado em casos já em estado “muito avançado”.

Ho Ion Sang destaca ainda a necessidade de “perder a vergonha”. Para o deputado um dos constrangimentos actuais é o receio, por parte da população, de poder “ser rotulada” se recorrer a testes de rastreio.

Urge tomar medidas para promover o conhecimento público acerca da doença, considera o deputado, que questiona o Executivo acerca das acções que pretende tomar nesse sentido, nomeadamente nas áreas da educação e divulgação de informação. Paralelamente, Ho Ion Sang quer saber para quando a abertura de cursos de formação especializada dirigidos ao pessoal médico, de modo a garantir uma melhor detecção da doença, ainda em fase inicial. As famílias dos doentes não foram esquecidas e o deputado pergunta se o Governo vai dar algum tipo de apoio, tendo em conta que enfrentam, no cuidado dos seus doentes, “desafios difíceis e constantes”.

16 Nov 2016

Hong Kong | Tribunal impede deputados independentistas de tomarem posse

Está decidido. Um tribunal de Hong Kong confirmou a posição do Comité Permanente da Assembleia Nacional Popular que impede os dois deputados pró-independência de tomar posse no Conselho Legislativo. O parlamento de Hong Kong fica assim fica com dois lugares em aberto

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m tribunal de Hong Kong decidiu ontem que dois deputados defensores da independência da cidade não podem assumir os seus assentos no parlamento local, seguindo uma posição assumida pela China na semana passada.

A 12 de Outubro, à semelhança dos outros deputados, Baggio Leung e Yau Wai-ching, eleitos nas legislativas de 4 de Setembro, prestaram juramento, mas pronunciaram a palavra China de forma considerada ofensiva e acrescentaram palavras suas, comprometendo-se a servir a “nação de Hong Kong”.

Os juramentos foram considerados inválidos e na semana passada, o Comité Permanente da Assembleia Nacional Popular da China, antecipando-se à decisão judicial que estava a ser aguardada, considerou que os dois deputados pró-independência não podiam repetir o juramento do cargo e tomar posse.

A posição do tribunal foi anunciada ontem e confirma a posição assumida por Pequim na interpretação que fez da Lei Básica de Hong Kong.

Juiz decide

Leung e Yau “foram desqualificados” e ficam assim vagos dois lugares no Conselho Legislativo, anunciou o juiz Thomas Au, num comunicado, sem abrir a possibilidade de os dois deputados repetirem os juramentos.

Os juramentos que ambos fizeram a 12 de Outubro “são inválidos” e “não têm efeito legal”, acrescenta-se na mesma nota, considerando-se que os juramentos de Leung e Au mostraram “claramente que não tinham a intenção real e sincera” de respeitar a Lei Básica de Hong Kong.

“Com ou sem a interpretação (de Pequim), o tribunal teria chegado à mesma conclusão”, garante ainda o juiz.

Yau já disse a meios de comunicação social locais que a deliberação do tribunal não a surpreendeu.

“O Governo já usou tantos pequenos actos para condicionar os tribunais e os tribunais foram tão pressionados que tomaram esta decisão”, afirmou.

A antecipação de Pequim ao tribunal gerou protestos na cidade contra e a favor da China.

16 Nov 2016

MIFF – Seis dias para a sétima arte

Filmes em competição e fora dela, bailarinas que sonham maior, prémios e estatuetas, masterclasses e galas. Aqui fica uma ideia do que vai poder ver entre 8 e 13 de Dezembro

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão 11 os filmes que vão estar em competição na primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau (MIFF, na sigla inglesa). Divididas as projecções entre o Centro Cultural e a Torre de Macau, as películas vão disputar nove prémios, entre os quais o melhor filme, o melhor realizador, os melhores actor e/actriz e o melhor argumento.

O júri é presidido por Shekhar Kapur, cineasta indiano que conta com um vasto currículo, de onde se destaca “Elisabeth”, nomeado para sete Óscares e vencedor de dois, e galardoado com cinco BAFTA, entre os quais o prémio para melhor filme.

Da secção de competição fazem parte “150 miligrams” (França); “Free Fire” (Reino Unido); Gurgaon (Índia); “Hide and Seek” (China); “Queen of Spades” (Rússia); “Survival Family” (Japão); “The Winter” (Argentina) e “Trespass Against Us” (Reino Unido). Os filmes juntam-se a “Elon não acredita na morte”, do brasileiro Ricardo Alves Jr, em estreia internacional e que tem como protagonistas Rômulo Braga e Clara Choveaux, e a “São Jorge”, do realizador Marco Martins, que valeu a Nuno Lopes o Prémio Especial de Melhor Actor atribuído pelo júri da secção “Orizzonti” do Festival Internacional de Cinema de Veneza, em Setembro. É a primeira vez que “São Jorge”, que conta a história de um pugilista desempregado que se vê obrigado a trabalhar em cobranças de dívidas para sobreviver, pode ser visto na Ásia.

De destaque nesta secção é ainda a realização da local Tracy Choi, “Sisterhood”, que tem agora a sua estreia marcada.

Estreia a dançar

“Polina”, filme francês realizado por Valérie Müller e Angelin Preljocaj, marca a abertura do Festival Internacional de Cinema de Macau. O filme conta a história de uma jovem russa que sonha desde a infância com uma oportunidade no Bolshoi. Cansada da disciplina a que está submetida, a bailarina vai para França onde abandona o ballet clássico para se aventurar no mundo da dança contemporânea. “Polina” conta com as interpretações de Juliette Binoche e Anastasia Shevtsova.

O MIFF é composto por mais quatro secções de competição: “Gala”, “Dragões Escondidos”, “Crossfire” e “Cinefantasy”.

Momento de oportunidade

Ainda no programa está o “Crouching Tigers Project Lab” que integra, entre 9 e 11 de Dezembro, palestras, oficinas e painéis destinados ao debate entre profissionais do sector. É aqui que poderão ser criadas alianças para avançar com projectos cinematográficos. As ideias em cima da mesa são 12 e estão divididas em três categorias: género, autor e parceiros associados. Os vencedores serão distinguidos com prémios monetários: um no valor de 20 mil dólares — atribuído pela Fox International Productions — e outro de 10 mil, concedido pela Ivanhoe Pictures e Huace Media.

Entre os candidatos estão dois projectos portugueses, “Peregrinação”, de João Botelho, e “San Ma Lo 270”, de João Pedro Rodrigues e Rui Guerra da Mata.

Para os jovens talentos, essencialmente os locais, o MIFFA tem, desde segunda-feira, as inscrições abertas para um concurso de curtas-metragens. Os candidatos interessados têm até 30 de Novembro para enviar os seus projectos.

A conversar é que se aprende

Não há festival de cinema sem masterclasses e Macau não é excepção. Apesar da tímida estreia com duas sessões agendadas, consta do programa a master com Gianni Nunnari, e outra com Tom McCarthy e Bobby Cannavale. Ambas agendadas para 10 de Dezembro, sabe-se já que o tema abordado por McCarthy será o uso de histórias pessoas na arte de contar, enquanto Cannavale irá abordar a relação entre realizadores e actores.

O MIFF é organizado pela Direcção dos Serviços de Turismo de Macau e pela Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau (MFTPA). Conta com um orçamento de 55 milhões de patacas, dos quais 20 milhões são garantidos pelo Governo.

16 Nov 2016

Helena de Senna Fernandes: “A minha responsabilidade é dar continuidade aos trabalhos”

Helena de Senna Fernandes assumiu a representação da primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau. Uma posição repentina que vem na sequência da demissão de Marco Mueller da direcção do evento. A também directora dos Serviços de Turismo fala da sua “inesperada” função e do acontecimento pelo qual dá a cara

[dropcap]H[/dropcap]erdou a representação repentina da primeira edição do Festival de Cinema Internacional de Macau. Como é estar neste papel?
É verdade. Foi uma situação inesperada mas, depois de termos recebido a notícia da demissão de Marco Mueller na noite de sexta-feira, impunha-se a manutenção da estabilidade da organização. A demissão do director não é positiva, nesta altura do campeonato, sobretudo numa altura em que estamos na fase final de preparação do evento. Depois de falarmos com os consultores internacionais do festival, era necessário transmitir confiança aos nossos parceiros e ao nosso público. Era necessário alguém que substituísse Mueller na direcção e não seria justo convidar outro director para continuar o trabalho que outra pessoa já tinha feito. Não seria agora que iríamos mudar alguns dos conceitos que foram deixadas por Marco Mueller. Neste sentido, a melhor solução foi a presidência da comissão organizadora assumir a representação do evento. Não tenho experiência na área do cinema, mas considero que a minha responsabilidade é dar estabilidade e continuidade aos trabalhos que ainda têm de ser realizados de modo a garantir o sucesso do projecto.

Quais são, agora enquanto representante, as expectativas para o MIFF?
Para já, o mais importante é dar continuidade ao evento, principalmente no que respeita à promoção dos jovens de Macau que têm o sonho de fazer os seus próprios filmes. A intenção é avançar com a ideia de tornar a iniciativa numa plataforma em que os cineastas locais consigam ter uma oportunidade para darem a conhecer ao exterior os seus trabalhos. Penso que esta é uma forma privilegiada de dar a conhecer as indústrias criativas de Macau. Também tencionamos, através do festival, dar uma oportunidade para que seja criado um público local, ou seja, para que os residentes possam ter acesso a mais géneros de cinema. A ideia é que o público conheça, não só o cinema comercial, mas que também tenha acesso e comece a apreciar filmes mais artísticos. Esta é uma altura em que as pessoas de Macau podem abrir mais os olhos para que, eventualmente, esteja aberta a possibilidade de criar uma indústria nesta área. Queremos também criar os consumidores destes produtos que são os filmes. Tem de existir gente que assista e compre, nós temos de criar esta componente referente às audiências de Macau.

Falou de indústria do cinema mas Macau não tem essa dinâmica. Em que é que o MIFF vai ajudar, concretamente?
Acho que essa ajuda não se vai verificar já. Esta é a primeira edição e não se pode esperar esse tipo de retorno imediatamente. Quando olhamos para este festival, temos de estar conscientes de que não estamos só a projectar filmes ou a dar prémios. Estamos também a criar espaço para que a indústria internacional venha a Macau e possa conhecer o território. Existe também uma componente formativa e que é concretizada pela realização, por exemplo, de masterclasses. Para que haja uma indústria a funcionar tem de existir conhecimento e faz parte do evento promover isso também. Os jovens locais não devem ter apenas o sonho em ser realizadores, têm de ter conhecimento. Por outro lado, esta é uma indústria que deve desenvolvida passo a passo e não de um dia para o outro. Como estamos a iniciar este caminho, temos ainda de ter em conta que é importante trabalharmos muito com a China e mesmo com Hong Kong. A China, por exemplo, representa uma grande parcela de público de cinema e como tal, ao pensar na criação da indústria em Macau, temos de ter em atenção as perspectivas de entrada no mercado chinês e as colaborações que possamos vir a ter com cineastas da China Continental. É lá que está o grande público que irá consumir os produtos do cinema de Macau.

É a directora do Turismo de Macau. Qual é o impacto do MIFF no sector?
Claro que é importante utilizar este evento enquanto plataforma para promover Macau. Uma das questões é a promoção do território internacionalmente de modo a que seja mais conhecido e que mais pessoas queiram vir de visita. Por outro lado, e de muita importância, é a promoção da terra enquanto espaço de produção de cinema, ou seja, que Macau se torne capaz de chamar os cineastas internacionais para que cá venham fazer, por exemplo, a rodagem das películas. É fundamental esta aposta no sentido de que realizadores internacionais escolham a região para os seus cenários e, desta forma, projectar Macau para audiências internacionais.

O embaixador do MIFF é Jang Keun Suk, um actor coreano essencialmente conhecido pelo seu trabalho em novelas. Qual foi o critério para esta escolha?
Também estamos a falar de turismo e, desse ponto de vista, a Coreia é o nosso mercado mais importante.

É uma estratégia de marketing turística?
Sim. É uma estratégia para atrair os olhos dos coreanos para Macau. Na óptica do turismo, e agora falo enquanto directora do organismo, é importante ter um forte representante coreano porque é que aí que está o nosso grande alvo internacional. Neste momento, é um mercado que está a crescer na ordem dos dez por cento e, como tal, não foi ao acaso que escolhemos Jang Keun Suk como embaixador.

Cannes ou Locarno são conhecidas precisamente devido aos festivais de cinema que acolhem. Poderiam ser desconhecidos, mas estão nas bocas do mundo e são destinos por muito apetecidos por serem uma referência da sétima arte. Acha que Macau pode vir a fazer parte dos destinos culturais associados ao cinema e com o contributo do MIFF?
Locarno, Cannes e mesmo Hong Kong já são festivais com uma forte afirmação no mercado e já existem há muitos anos. Sim, acho que podemos pensar nisso como um objectivo a atingir no futuro. Não vamos pensar nisso como um objectivo que se atinge dentro de pouco tempo, mas podemos começar agora a criar um nicho próprio. Espero que com o tempo e com a continuação do trabalho possamos conseguir um lugar de relevo.

Disse na conferência de imprensa de apresentação que o MIFF ainda iria ter algumas surpresas…
Não posso ainda dizer quais serão porque a comissão ainda está em fase de contactos e negociações. Mas estamos a falar de convidados especiais que, esperamos, vão fazer do festival um evento mais completo.

Gosta de cinema?
Infelizmente não tenho possibilidade nem tempo para ir ao cinema. Vejo essencialmente através da internet, mas a altura em que dedico mais tempo a ver filmes é, realmente, dentro dos aviões. E sim, gosto de filmes e de diferentes géneros de cinema.

Quais são os filmes da sua vida?
O primeiro filme que me lembro de ver é o “Música no Coração” e este é realmente um filme de que gosto. É um filme que tenho sempre presente.

Como é que vê este festival no futuro?
Penso que vai ser estabelecido como um dos festivais de referência a nível mundial. Espero que seja, num primeiro passo, um festival obrigatório, primeiro dentro da Ásia, e com o tempo vá ganhando terreno ao nível internacional.

16 Nov 2016

Camponês executado por homicídio motivado por demolição forçada

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s autoridades chinesas executaram ontem Jia Jinglong, o camponês que matou um funcionário local depois de a sua casa ter sido demolida, num caso que suscitou o debate na China sobre o abuso de poder.

Jia Jinglong foi executado em Shijiazhuang, a cerca de 300 quilómetros de Pequim, após receber a última visita dos familiares, noticiou a agência oficial chinesa Xinhua.

O recurso do camponês foi rejeitado pelo Tribunal Supremo do Povo no mês passado.

O homicídio, em Fevereiro de 2015, suscitou a simpatia dos chineses vítimas de abuso do poder e dois jornais estatais difundiram editoriais apelando a que Jia fosse poupado.

“Jia não teria provavelmente agido daquela forma se a sua perda tivesse sido devidamente tratada”, escreveu então o jornal oficial em língua inglesa China Daily.

Em 2013, o camponês opôs-se à demolição da sua casa, que visava a construção de um complexo residencial, argumentando que não recebeu a compensação justa.

O seu casamento, já marcado, acabou por ser cancelado e Jia começou a planear o assassinato do chefe local do Partido Comunista Chinês, He Jianhua.

No ano passado, Jia dirigiu-se ao homem de 55 anos, durante uma reunião entre os funcionários locais, e deu-lhe um tiro na cabeça.

O seu acto foi “extremamente cruel e o seu efeito na sociedade extremamente negativo”, referiu a Xinhua, que cita o Tribunal Supremo.

Fonte de tensão

O caso ilustra a frequente tensão entre moradores e autoridades em torno das demolições forçadas na China, onde o sistema legal continua a ser débil e o cidadão comum tem poucas hipóteses de obter justiça em casos envolvendo as autoridades.

A venda de terrenos é uma fonte importante de rendimentos para os governos locais, o que fomenta o uso da força para expulsar os moradores.

Vários casos dão conta de subornos pagos pelos construtores de imobiliário às autoridades locais, visando a expulsão dos residentes de suas casas.

Em Maio, um aldeão chinês foi abatido a tiro pela polícia, na província de Henan, centro da China, após ter matado um funcionário do Governo e dois homens quando resistia a uma demolição forçada.

Segundo relatou a imprensa chinesa, Fan Huapei, de 36 anos, terá matado um responsável pelo gabinete administrativo do distrito de Huiji, na cidade de Zhengzhou, e dois trabalhadores da equipa de demolição e ferido um terceiro trabalhador.

De acordo com o jornal Beijing News, centenas de locais compareceram no funeral de Fan, enquanto 150 aldeões e um grande número de pessoas não identificadas contribuíram com donativos para a família.

“A China carece de uma supervisão efectiva em casos de demolições forçadas. As pessoas com propriedades que são demolidas reagem violentamente, e os seus actos são vistos como heróicos”, afirmou na altura ao jornal oficial Global Times Hu Xingdou, professor do Beijing Institute of Technology e especialista em questões sociais.

16 Nov 2016

O presente de Hitler ao Extremo-Oriente 犹太人在中国

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] História dos Judeus na China vem de longe, remonta pelo menos ao séc. VIII. Também durante o Nazismo muitos vieram à procura de refúgio na “terra dos dragões”.

A economia mercantil da antiga China atraiu muitos comerciantes judeus. Viajando através da Rota da Seda, muitos deles instalaram-se na parte ocidental do País. Os judeus foram oficialmente aceites em 960 DC na cidade de Pien-Liang (Kaifen nos dias de hoje). Construíram a Sinagoga da Pureza e da Verdade, a primeira na região, em 1163. A comunidade foi crescendo nos oito séculos que se seguiram, atingindo o seu auge no séc. XVII, com 5.000 membros. Contudo, o período que se seguiu trouxe guerras, pobreza e isolamento religioso, provocando um declínio significativo da comunidade.

Mas em Xangai a história dos judeus é totalmente diferente. Conhecida como a “Pérola do Oriente”, Xangai recebeu, durante a II Guerra Mundial, cerca de 30.000 refugiados judeus, dados que deveriam ser acrescentados ao Registo da Memória do Mundo da UNESCO.

Em 1845 Xangai foi forçada a abrir as suas portas ao comércio externo, por imposição dos Tratados unilaterais que se seguiram às Guerras do Ópio, e uma rede de proeminentes famílias de Judeus Sefarditas – os Kadoories, Hardoons, Ezras, Nissims, Abrahams, os Gubbays, e, muito especialmente, os Sassoons – rumaram à cidade. Na altura, faziam parte da elite dos muitos ocupantes ocidentais da zona.

Pequena, mas poderosa, esta classe de comerciantes financiou muitas das Mansões Belle Époce construídas no distrito de Bund, numa versão local da Ringstrasse, em Viena. O Cathay Hotel, propriedade de Victor Sassoon, foi concluído em 1929 e tornou-se a “jóia da coroa” do Bund, o centro da vida social dos judeus da cidade. Neste sentido, Xangai é possivelmente a Maior Cidade Judaica Alguma Vez Construída. Pouco depois, em meados dos anos 30, chegaram os refugiados, fugidos da Alemanha Nazi. Nessa altura a comunidade judaica de Xangai aumentou consideravelmente, atingindo um número próximo dos 30.000 membros.

Embora os refugiados que se instalaram em Xangai vivessem certamente bastante melhor do que os seus familiares e amigos que ficaram para trás, na Europa, a vida no Extremo-Oriente não deixava de ser conturbada. Em Xangai, inicialmente tudo parecia promissor aos olhos dos judeus alemães acabados de chegar, pouco depois da subida ao poder de Hitler. Muitos deles eram médicos e dentistas. Aparentemente Xangai ficou tão grata pela vinda de pessoas com estas qualificações profissionais que um jornal escreveu num destaque: “O presente de Hitler ao Extremo-Oriente”.

Sam Sanzetti não era médico. O seu verdadeiro nome era Semyon Liphshitz e era fotógrafo. Chegou a Xangai em1922. Depois de trabalhar como aprendiz, abriu o seu próprio estúdio em1927 e tornou-se um dos mais famosos fotógrafos de Xangai. Trinta anos depois mudou-se para Israel, onde permaneceu até à sua morte em 1986. Sanzetti fez cerca de 20.000 retratos de habitantes da cosmopolita Xangai. Fotografou a sépia e a cores trabalhadores, figuras da alta sociedade, mulheres, famílias, crianças, enviados diplomáticos, figuras públicas famosas, etc. A imagem de marca de Sanzetti foi composta pela compleição suave dos seus modelos, pelo olhar intenso, a postura marcada, a beleza feminina e a inocência infantil. Os seus retratos deram origem a uma nova marca “O Xangai look”.

16 Nov 2016

A pele de um independente

Horta Seca, Lisboa, 12 Novembro

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]empre em dúvida, sempre em dívida. Podia tatuá-lo no braço só para me poupar ao trabalho de responder à quotidiana pergunta: como vais? Ou nos cada vez mais frequentes debates sobre edição: defina lá o trabalho do editor independente, se faz favor. Independente tornou-se a minha segunda pele – ainda que não perceba de quê, tantas são as dependências –, do mesmo modo que abysmo passou a primeiro nome: abysmo de joão paulo cotrim.

Estaremos sempre em dívida para com os autores. Cabe-nos ajudá-los a apurar o veneno do texto, a desenvolver o invólucro certo capaz de inocular a potencial multidão dispersa. Não basta um qualquer, tem que ser o leitor: inteligente e conhecedor ou emocional e dedicado, se possível uma hábil mistura de ambos. Capaz de admirar a vanguarda, sem esquecer as tradições, esforçado para reconhecer a explosão das estruturas narrativas, ainda que aceitando dançar com a frase fulgurante, enfim, prazer e esforço algures no cruzamento de físico teórico com groupie ou de bailarina clássica com adepto de futebol. Além dos direitos, claro, no confronto da prática que dá corpo ao livro, esperam ainda que os ajudemos no despertar da vocação: levá-los à frase, ao género, ao tema em que se cumpram.

Duvidaremos sempre do caminho. Isto não é tanto um negócio, mas uma maneira de ver o mundo, de estar no centro das ideias, da criação, da discussão, das coisas. Duvidamos da estratégia, dos tempos, das parcerias. Se corremos contra o tempo, se não devíamos olhar para trás na vez de procurar o futuro. Duvidaremos se não haveria ainda mais uma volta a dar, se não deixámos escapar uma gralha (e deixámos, pois). Se o recusado não era merecedor de segunda alternativa. Se o editado não era merecedor de recusa. Duvidaremos sempre de que tenhamos feito tudo, de que os argumentos oferecidos eram exactos, se estavam afiados como x-acto.

Servirá isto para alguma coisa? Azar. Se estamos, como Wile E. Coyote, no meio do precipício, o melhor é seguir em frente na vez de olhar para baixo. E cair.

A Tout Livre, Paris, 23 Setembro

As rentrées tendem a ser infernais. O ano passa a correr e parece que uns bons dez meses se espatifam contra a montra do Natal. O ano dos livros há anos que dança a mesma dança. Dos pleonasmos, portanto, uma das mais graves maleitas do mundo editorial. Esta reentrada foi quente como bólide celeste rasgando a atmosfera. Contudo, não poderíamos ter tido melhor maneira de comemorar cinco anos de abysmo do que a edição da Chandeigne, por via do empenho da Anne Lima, da bela tradução de Autismo, do Valério, assinada por Elisabeth Monteiro Rodrigues. Foi muito bem recebido pela crítica, nomeado para o Prix Femina, que só não venceu, confirmado por várias fontes, devido às movimentações politicamente correctas que o entregaram a um jordano. Os prémios vivem bastante de correntes de ar, e constipam-se. Saltemos.

Este contacto com o sistema editorial francês, que lançou por esta altura quatrocentos e tal romances e mais de uma centena de romances, sublinhou-me mais as fragilidades do português. Descontemos por ora a diferença estrondosa de um país que gosta de livros, campeonato que Portugal perdeu há anos. Ali, veja-se, os distribuidores e os livreiros lêem os livros. Em Maio, em encontro dos editores com as principais distribuidoras, todas ao barulho, grandes, médias ou pequenas, foram apresentadas as novidades, algumas delas já impressas. Autisme circulou em pdf, mas foi o suficiente para tocar a parte fria da cadeia antes de chegar aos entusiastas: os livreiros. A eles se deve, estou em crer, a fortuna que o romance está a ter [a entrar em segunda edição, por estes dias]. Fui testemunha de um exemplo desse entusiasmo, logo no dia do lançamento, em conjunto com novos títulos do Gonçalo M. Tavares e do Valter Hugo Mãe, mas basta percorrer, no mural das Editions Chandeigne as inúmeras fotos de montras e dos coup-de-coeur, um pouco por todo o país, para perceber que não foi caso único. As apresentações de Quentin Shoëvaërt-Brossault foram de uma profunda simplicidade. Era apenas um leitor, em modo partilha. Fazem-nos tanta falta os leitores.

Centre Pompidou, Paris, 24 Setembro

As filas já eram grandes, mas agora são enormes para garantir que não levamos kalashnikovs para os museus, enfim, além das que já lá moram. Pensei que a exposição pop, Beat Generation – New York, San Francisco, Paris, acrescentaria ainda mais culpas do que Magritte, a sua parceira no andar mais rente ao céu, na mais bela panorâmica da cidade. Pisamos os telhados antes de entrar nos subterrâneos da arte, parece-me programa. Estava errado. As multidões abarrotavam as salas do Magritte, afinal pop. Paris reconciliou-se com o ignorado de há umas décadas? Que poder de atracção possui este óbvio inimigo do óbvio? As imagens dizem muito mais do que mostram e inteligência pode bem ser espectacular e lúdica. Que prazer ler primeiro os títulos e procurar a copa a partir desta raiz! Ou vice-versa.

A Beat apresentava-se com um eixo em torno do qual orbitava tudo o resto, que foi muito e variado: On the road, de Jack Kerouac, feito estrada sobre uma mesa. Ao longo de dezenas de salas podíamos atender telefones e ouvir Giorno, ver filmes com Dylan, gastar horas nas legendas das fotografias de Ginsberg, ler e ouvir Burroughs, Ferlinghetti, Corso, passear por instalações, pinturas, documentários, cartazes, fanzines, colagens, cut ups, perder o olhar nas fotos de Robert Frank, até à Dreamachine, de Brion Gysin, que nos põe a sonhar acordados. Desde o dadaísmo, mais coisa, menos coisa, se pensarmos em movimento literário temos que contar com as outras linguagens. E que cada uma conte as outras.

S. Luiz, Lisboa, 13 Novembro

Arnaldo Antunes em concerto. A energia é arrebatadora e o tom metálico estica os sentidos da língua tuga até altos penhascos. De súbito, uma declaração de amor ao leitor: «Se sou voraz, me sacie./Se for demais, atenue./Se fico atrás, assobie./Se estou em paz, tumultue.//Você é que me continua.»

16 Nov 2016