Timor-Leste | Autoridades garantem que navios chineses não saem do país

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] primeiro-ministro timorense garantiu ontem que as forças de segurança timorenses têm instruções para garantir que os navios chineses apanhados a pescar tubarão em águas do país não saem da costa até estar concluída uma investigação.

“Neste monto a PNTL [Polícia Nacional de Timor-Leste] e a FDTL [Forças de Defesa de Timor-Leste] têm instruções para zelar por isso e garantir que os navios não fogem”, disse Rui Maria de Araújo em declarações à Lusa no Palácio Presidencial em Díli.

O chefe do Governo, que falava depois do encontro semanal com o chefe de Estado, Francisco Guterres Lu-Olo, referia-se ao caso de 15 navios chineses com licença para pescar em águas timorenses e que foram alvo de uma rusga no sábado.

A operação foi conduzida pela polícia timorense, com base no mandato do Ministério Público timorense, com o apoio da unidade marítima e a assistência da organização ambiental Sea Shepherd.

Gary Stokes, responsável desta acção da Sea Sheperd, disse à Lusa que os navios foram apanhados a pescar principalmente tubarão numa operação conduzida no sábado passado ao largo do porto de Com, na costa norte de Timor-Leste.

Os navios visados são das empresas chinesas Hong Long Fisheries e Pingtan Marine Entreprises e têm desde final de 2016 uma licença para operar em águas timorenses.

A operação envolveu o navio Ocean Warrior da Sea Sheperd que, com lanchas rápidas, ajudou a transportar efectivos da PNTL, que efectuaram a rusga no interior das embarcações, acompanhada e registada por ‘drones’ e por câmaras da organização ambiental.

O governante garantiu que a situação está a ser analisada por duas vertentes, por um lado ao nível do Ministério Público para apurar se houve ou não crime, e pelo Ministério da Agricultura para determinar se houve infracções às licenças.

17 Set 2017

Timor-Leste | Português condenado fala de incongruências na sentença

“Fomos todos enganados”

Tiago e a esposa, Fong Fong Guerra, foram condenados a oito anos de prisão pelo tribunal de Timor-Leste pela co-autoria do crime de peculato. Em entrevista, Tiago Guerra diz que há incongruências na sentença e muitas dúvidas sobre o paradeiro do dinheiro que o tribunal afirma estar nas contas do casal. O português, que aguarda a decisão do recurso, fala de entraves na sua defesa

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]erdeu 14 quilos enquanto esteve preso preventivamente em Díli. Tanto ele como a esposa necessitam de ser operados e de tratamento médico que não conseguem ter em Timor-Leste.

Do país não podem sai r por terem os passaportes confiscados e estarem sujeitos ao termo de identidade e residência. Os pedidos para que possam procurar ajuda médica no estrangeiro, foram entretanto recusados.

Eles são o casal português Tiago e Fong Fong Guerra, que desde 2014 se vêem a braços com um caso na justiça timorense. No passado dia 24 de Agosto foram ambos condenados pelo tribunal a oito anos de prisão pelo crime de co-autoria num caso de peculato, tendo sido absolvidos dos crimes de branqueamento de capitais e falsificação de documentos. O tribunal condenou-os ainda ao pagamento de 859 mil dólares.

Foram acusados de “prejudicar as finanças e a economia do Estado” de Timor-Leste, por alegadamente se terem apropriado de fundos oriundos da indústria petrolífera, que pertencerão ao país.

Tiago Guerra está na fase de recolha de mais provas para sustentar o seu caso. “Estes dias têm sido muito complicados. Somos condenados por um crime que não cometemos e estamos a ver as nossas vidas destruídas”, contou ao HM.

Tiago Guerra não faz a mínima ideia de quando será proferida a última de todas as decisões. “Aqui em Díli o tribunal de recurso pode demorar um ano ou dois a apreciar um caso. Aqui há dias houve uma decisão que tinha sido interposta em 2014, ainda estava preso. Pode demorar muito tempo.”

O português diz não aceitar a sentença e fala de entraves na apresentação de provas durante a preparação da sua defesa.

“A questão mais importante aqui é o direito à defesa. Os juízes tinham dúvidas, e isso está escrito no acórdão, sobre o paradeiro dos fundos. Queríamos chamar as testemunhas que fizeram a transferência, mas foram todas negadas, os juízes indeferiram esses pedidos. Depois tentamos ainda trazer uma testemunha do banco que fez a transferência, mas o pedido também foi indeferido”, contou.

O português adiantou que “sem direito à defesa, e sem cumprir os princípios básicos de justiça, tem sido muito complicado pensar em como podemos fazer isto”. “Estamos focados na apresentação do recurso e em garantir que está lá tudo”, acrescentou.

Onde está o dinheiro?

Em 2011, Tiago Guerra detinha a Olive Unipessoal, uma empresa sediada em Timor-Leste, a partir da qual efectuava negócios e recebia pagamentos por trabalhos de contabilidade, consultoria e auditoria. Desde 2010 que Fong Fong Guerra, a sua esposa, detinha em Macau uma outra empresa, a Olive Consultancy.

Segundo Tiago Guerra, foi esta empresa que serviu como intermediária no pagamento de 860 mil dólares norte-americanos entre uma sociedade de advogados norueguesa, em representação de uma empresa, a uma outra empresa norte-americana. O pagamento, feito através de um contrato de agente depositário (contrato escrow), foi feito a convite de Bobby Boye, nigeriano com nacionalidade americana.

Esse contrato valeu à Olive Consultancy o pagamento de dez mil dólares americanos, sendo que, a partir da transferência do dinheiro para os Estados Unidos, Tiago Guerra assume nunca mais ter tido contacto com Bobby Boye.

Boye, que chegou a desempenhar funções como assessor do Estado timorense no sector do petróleo, cumpre hoje pena nos Estados Unidos pela prática de vários crimes financeiros.

Tiago Guerra fala das diversas incongruências que encontrou na leitura da sentença que o condenou a si e à sua esposa, relativas ao paradeiro do dinheiro.

“Os juízes dizem que o dinheiro (860 mil dólares) foi enviado e saiu da conta, como ficou provado graças aos peritos do Banco Central, mas depois dizem que está em parte incerta. Há uma terceira afirmação de que o dinheiro está nas nossas contas em Macau. Quando têm estas dúvidas, penso que o principio da defesa não está a ser respeitado.”

Para descobrir o rasto do dinheiro, as autoridades timorenses enviaram cartas rogatórias, a pedir diligências e informações, às autoridades de Macau.

“Pediram cartas com informações sobre nós, e foi enviado um resumo, assinado pela Polícia Judiciária e Interpol, de todas as contas bancárias em nosso nome. O saldo de todas essas contas dá pouco mais de seis mil dólares. Dizem que estão congelados 860 mil dólares? Nessa altura estava preso, não tive nada a ver com esse pedido. [As autoridades timorenses] ignoraram todas essas informações”, clarificou Tiago Guerra.

O português, que foi condenado por alegadamente ter transferido dinheiro que pertence aos cofres públicos de Timor-Leste, afirma ainda que a sentença que ouviu não dá certezas sobre se os 860 mil dólares pertencem, de facto, ao país.

“As autoridades dizem que o dinheiro que foi transferido para a nossa conta lhes pertencia, mas essa é outra questão. Isso não ficou provado em tribunal. A lei diz que os pagamentos de quaisquer receitas do petróleo devem ser feitos directamente ao fundo soberano, que pertence ao Estado timorense e cuja conta está na Reserva Federal em Nova Iorque. Estamos a falar de um banco dessa dimensão”, referiu.

Tiago Guerra questiona: “a partir do momento em que o dinheiro não foi transferido para lá, alguém pensa que pertence ao Estado timorense?”

O português assegura que, quando fez a transferência do montante, em 2011, jamais poderia imaginar que esse dinheiro pertencia a Timor-Leste.

“Só em Dezembro de 2016, quando tivemos acesso aos autos, vimos que o dinheiro está em disputa entre a empresa norueguesa e o Estado timorense. Até então não tínhamos a mínima ideia de que o dinheiro poderia pertencer a Timor e muito menos que viesse dos impostos [da indústria petrolífera].”

Alguma ingenuidade

Tiago Guerra, licenciado em engenharia e com carreira feita na área das telecomunicações, chegou a Timor-Leste em 2010, depois de ter passado pelo Brasil e pela China. Trazia na bagagem uma proposta para abrir a Digicel, empresa irlandesa, em Timor-Leste, projecto que falhou.

“A empresa contratou-me para começar uma empresa de operações de telecomunicações, e quando cheguei não havia uma licença nem a legislação que permitisse ter a licença. Não havia nada.”

Na cabeça do casal Guerra começou a pensar-se a ida para Macau, e foi nessa altura que foi criada a Olive Consultancy. A ideia era colocarem os filhos na Escola Portuguesa de Macau, onde tinham uma reunião agendada que nunca chegou a acontecer, devido ao facto de terem sido detidos no aeroporto de Díli dois dias antes.

A ligação do casal Guerra com Bobby Boye surgiu pelo facto de serem vizinhos.

“Houve a necessidade de um agente depositário e na altura Boye era uma pessoa bem vista aqui. Sei que entretanto fomos todos enganados e ludibriados por ele. Na altura tinha uma óptima reputação aqui, eu diria que era o assessor mais visível em Timor-Leste. Era recebido por todos os ministros. Quando recebemos esta proposta decidimos avançar”, lembrou Tiago Guerra.

Hoje o português não tem duvidas de que foi algo ingénuo na hora de aceitar este contrato.

“Nunca pensei que alguém pudesse ser assim. Éramos vizinhos, quando cheguei a Díli a casa dele era mesmo ao lado da minha. Agora sabemos que é criminoso, está a cumprir a pena, e que já tinha estado antes na prisão. Mesmo assim conseguiu ser escolhido no processo de contratação de um assessor internacional.”

Tiago Guerra frisa ainda não compreender como é que o tribunal timorense nunca notificou Bobby Boye como co-arguido no crime de peculato.

“Não sei como é que estou a ser condenado de ser co-autor de um crime de peculato, quando o autor do crime nem sequer foi notificado pelas autoridades. Está a cumprir pena nos Estados Unidos e são conhecidas todas as informações sobre ele. Dizem que não o conseguem encontrar? Essa informação é difícil de aceitar”, remata.

5 Set 2017

Timor Leste | Língua portuguesa com muito para fazer no país

Timor Leste está a dar passos largos no que respeita ao ensino e divulgação da língua portuguesa, mas ainda há muito para fazer. A ideia foi deixada pela representante do país no Congresso de Lusitanistas que decorreu na semana passada no território, a professora de linguística da Universidade Nacional de Timor Lorosa’e, Benvinda da Rosa Lemos Oliveira

[dropcap style≠’circle’]”O[/dropcap]  português está no bom caminho em Timor Leste.” A afirmação é de Benvinda da Rosa Lemos Oliveira, professora de linguística da Universidade Nacional de Timor Lorosa’e, já no final do 12º Congresso de Lusitanistas que teve lugar na semana passada.

“Antes de 1975, apenas cinco por cento da população falava português”, diz ao HM. Hoje, sublinha com satisfação que a percentagem já ultrapassa os 40, o que representa quase metade da população falante da segunda língua oficial do país. “Ainda está a dar passos pequenos”, afirma, mas a evolução é inegável.

“Em 75, aquando da invasão indonésia, deixámos de falar completamente o português”, recorda. Mas Benvinda Oliveira tinha livros em casa que fizeram com que, de alguma forma, fosse continuando a ter contacto com a língua, apesar da proibição oficial por parte das autoridades indonésias. “Havia uma igreja que era autorizada a dar a missa ao domingo e era em português e, depois da independência, tem sido uma lenta reconquista”, explica.

A responsabilidade e o mérito, considera, estão no próprio ensino, mas os resultados práticos estão ainda muito aquém do desejável. “Temos falta de livros, não há quase nada”, conta.

Aliada à fraca oferta de manuais e de literatura, não há livrarias. “Só temos bibliotecas e mesmo assim as obras são muito poucas, havendo mesmo áreas em que são praticamente inexistentes”, diz.

Macau é um exemplo

Para a académica, que passou a última semana no território, Macau é um exemplo quando se fala de língua portuguesa.

“O Governo devia e podia dar mais atenção ao português”, afirma, enquanto exemplifica com o apoio dado à imprensa portuguesa da RAEM. Se existissem iniciativas do género em Timor Leste, a língua também estaria mais próxima da população, sublinha.

“Por exemplo, os jornais são escritos em tétum em cerca de 90 por cento da imprensa. Os restantes dez estão ocupados pelo Bahasa Indonésia, sendo que o português ou é totalmente ignorado, ou esporadicamente aparece num ou noutro conteúdo”, ilustra a professora.

Benvinda Oliveira considera ainda que a televisão deveria ter um papel mais activo na divulgação da língua portuguesa. De acordo com a académica, os media são o meio que mais facilmente chega aos jovens e, como tal, deveriam ser um investimento no que respeita ao português. “A maioria das antenas parabólicas ainda estão viradas para o país vizinho”, lamenta.

A sugestão da professora vai no sentido de, além de melhorar os aspectos associados aos meios, aumentar os cursos de português dirigidos aos jovens. A razão, aponta, é a necessidade de um espaço que abranja todas as áreas de ensino e onde os mais jovens possam praticar a língua. “Acabam por falar só entre as quatro paredes de uma sala de aula e num horário reduzido, mas o que há a fazer compete à política”, afirma.

Português para internacionalizar

“O português tem um papel predominante na actualidade e, como tal, deve servir de ferramenta para a própria internacionalização de Timor.” A ideia, defendida por Benvinda Oliveira, tem por base a insuficiência do tétum para levar Timor Leste mais longe. A professora deixa ainda a sugestão: “Timor Leste e Macau devem dar as mãos no sentido de afirmar ainda mais o português na Ásia”, refere.

“Fiquei cheia de inveja quando cheguei a Macau ao ver as placas na rua com as duas línguas”, conta ao HM. No entanto, Timor Leste tem outro tipo de vantagem: apesar de não estar escrita, a língua acaba por ser mais falada. A razão poderá ter que ver com algumas semelhanças entre o tétum e o português. “Um falante de português consegue perceber muito de tétum”, língua que, refere, tem mais de 50 por cento de empréstimo do português e que faz com que o entendimento oral seja facilitado. A união de forças entre as duas regiões é, de acordo com a professora, um passo em frente no desenvolvimento e afirmação no que respeita ao português.

Para Timor Leste, o futuro vai passar pelo marcar de posição da língua no território. “O país só tem a ganhar se o fizer, quer em termos económicos, quer políticos. Podemos ter acesso aos eventos internacionais. O tétum precisa do português para se alimentar. Precisamos do português para nos internacionalizarmos”, remata.

1 Ago 2017

Entrevista | Anabela Leal de Barros, investigadora

 

No modo como se fala estão muitas vidas, muitas centenas de anos, muitos barcos que chegam e partem. Anabela Leal de Barros, docente e investigadora, vai atrás da história das palavras, mas também das histórias das pessoas. De casa em casa, de escola em escola, fixou contos e lendas de Timor-Leste. Hoje, é lançado em Macau “Rumando de Lés a Leste – Contos e Lendas de Oecusse”, um livro cheio de gente

 

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omo é que surgiu o interesse por Timor-Leste?

Para além do facto de todos os portugueses nascerem com o gene “amigo de Timor-Leste” e terem andado anos a sonhar com a sua libertação?… Quando lá cheguei pela primeira vez, em 2002, e vi tudo o que havia a fazer para a implementação real do português como uma das duas línguas oficiais, e vi aquelas montanhas relvadas a cair a pique sobre aquele mar turquesa bordado de búzios, e vi aqueles sorrisos sempre a radiar, seja por rios secos ou caminhos pedregosos, percebi que ou ia de vez ou ia muitas vezes.

Antes deste livro há um trabalho no país. Que percurso foi este que levou à decisão de recolher contos e lendas de Oecusse?

Começou por ser a lecionação, enquanto docente da Universidade do Minho, de disciplinas de Linguística na Universidade de Timor Lorosa’e (UNTL), em 2002 e 2003, no curso de Português (uma das licenciaturas que a Fundação das Universidades Portuguesas então oferecia em Timor), e mais tarde no Mestrado em Formação de Professores, ramo de especialização em Língua Portuguesa, com orientação de mestrandos e participação em júris de provas, que a Universidade do Minho leccionou no INFORDEPE (Instituto Nacional de Formação de Docentes e Profissionais da Educação) e na UNTL (2012 a 2015). Nesses 14 anos percebi que os professores timorenses que frequentavam esses cursos guardavam pelo menos dois tesouros em situação precária e a merecer estudo: o português de Timor, com traços locais, asiáticos e antigos, e a literatura timorense de tradição oral. Eram maioritariamente os mais velhos, que frequentaram a escola em língua portuguesa, antigos guerrilheiros e membros da Resistência que antes a tinham usado como código, dificilmente decifrável pelos indonésios, e por fim tinham passado a ensiná-la, ainda sem habilitações superiores, quase generalizadamente. Comecei a sensibilizá-los e prepará-los para a recolha desse material, publiquei os “Contos e Lendas de Timor-Leste” (2014), deixei metade dos textos de 2002 para outro livro e, com o lançamento de uma edição revista e ampliada daquele, a 27 de Novembro de 2015, no âmbito das Comemorações dos 500 anos da Chegada dos Portugueses a Timor-Leste, no enclave de Oecusse, inaugurei uma nova fase: instalado o “vício” da recolha e salvaguarda dos contos e lendas, passei a dedicar-lhe períodos exclusivos ‘in loco’, de casa em casa e de escola em escola. Daí o novo livro, e mais dois, um deles em co-autoria com um antigo orientando de mestrado.

Oecusse é o único município isolado do resto do país. Até que ponto esta localização geográfica específica se repercute nos contos e também na oralidade?

Em todos os municípios de Timor-Leste abundam ainda os contos e lendas por recolher e registar, e quando contados em português, a partir de uma das dezenas de línguas maternas timorenses, trazem traços antigos e locais ainda não devidamente recolhidos e descritos. Contudo, Oecusse é aquele onde essa aventura impõe mais desafios; para se imaginar o quanto esteve isolado no passado basta sabermos que no século XXI o enclave ainda fica fechado por terra das cinco da tarde às nove da manhã; por mar, o barco leva meio dia a chegar de Díli e não é diário; pelo ar, o avião também folga um dia, quando não mais, ao sabor do tempo atmosférico. ‘Isolado’ no meio da ‘ilha’ (do latim ‘insula’), ‘ilhado’ no meio da Indonésia, Oecusse e os seus mais velhos são os depositários de um português que fascina escutar e investigar, à medida que se escavam os contos. O indonésio envolvente, o baiqueno materno, o tétum veicular e oficial, o inglês, outras línguas importadas dos municípios timorenses de leste, entrelaçam-se e confluem de algum modo nesse português que muitos guardam e nos entregam com um sorriso a seguir a um “Tardi!”, “Noiti!”, às vezes “Boa tarde”, “Boa Noite”, mas sobretudo “Bom dia/Dia!” apenas na voz dos mais puristas. Com os progressos cada vez mais evidentes do inglês, e em inglês, começamos a ouvir “Morning, sir!”… Quanto à repercussão nos contos, para além dos “bordados” que exibem nessas línguas, pois as palavras vão afluindo (quem conta em baiqueno prefere por vezes nomear certas realidades em tétum, ou até em indonésio, língua de desambiguação mesmo entre timorenses) e enquanto linguista é minha obrigação mantê-las no texto (com anotações em rodapé), também os contos são por vezes de fonte ou influência indonésia, tal como outros viajaram há muito de Portugal e acabaram adaptados e adoptados como locais; ou então migraram de outros municípios. Contos leva-os o vento, seguem os contadores para onde quer que vão e, a certo momento, passam a ser cidadãos do mundo. Daí que faça sentido começarmos por conhecê-los no seu lugar de nascimento, e depois, se possível, irmos seguindo as suas passadas, pois mal começam a andar, ensaiam caminhos e voos mais altos e cada vez mais longos.

A recolha das histórias que compõem este livro foi feita casa a casa. Como é que foi o trabalho de campo?

Foi no campo. Atravessei leitos de rio onde quase só corriam pedras e poeiras, subi montes, desci vales (tomo este isocolo à poesia barroca), bem devagarinho (que não haveria sinalização que valesse a tanto abismo, derrocada, área esburacada, charco, porco, galináceo e caprino a fazer-se à estrada). Foi à queima-roupa. Sem marcações, iam-me levando de casa em casa; cada contador acompanhava-me ou indicava-me a casa ou a escola de outro — de moto, de microlete, em longas caminhadas a pé; por vezes começava por fotografar as flores de um jardim e acabava a registar um conto e a provar fritos de coco. Os contadores, desprevenidos, muniam-se logo de um sorriso e de uma cadeira, mal me viam à distância, entregavam-me o seu tempo sem nunca regatear, íamos buscando palavras nos dicionários de todos os que arriscavam estar presentes (em baiqueno, em tétum, em indonésio, em português), e ora a ferros, ora com ventosas, ora de parto fácil e natural, lá vinha o conto, com o café de Timor bem docinho. No fim, valia sempre a pena; o conto aflorava limpo, provando, afinal, que o português não é assim tão difícil, e a satisfação geral quado lhes lia o resultado “final” é a minha melhor memória.

Procura-se com esta obra não só fixar a tradição oral de Oecusse, mas também o “português timorense” que, no enclave, tem características especiais. Que características são estas e como foi o processo de escrita dos contos e lendas recolhidos?

As eventuais características exclusivas do português deste distrito só serão discerníveis quando todos os traços específicos do português timorense estiverem descritos; sem ambicionar já a fazer essa destrinça, sem efectuar essa joeira, posso contar que, enquanto investigadora e docente de História da Língua Portuguesa, há mais de 20 anos, vibrei ao ouvir falantes de Oecusse lamentarem hospitaleiramente não terem mais a oferecer-me para além de ‘água cozida’ (hoje, em português europeu, sempre ‘água fervida’): o adjectivo/particípio passado presente nos dicionários antigos (logo desde o vocabulário manuscrito de português-chinês de Ricci e Ruggieri, do século XVI, e também nos manuscritos lexicográficos em chinês-português dos sécs. XVII e XVIII). Ou ainda ver e fotografar em Padiae uma ‘sintina < sentina’ (‘sanitários públicos, casa-de-banho’), ler nas ementas ‘assadura’ (‘carne grelhada’), ouvir dizer ‘chumaço’ (‘almofada, cheia’), ‘lapiseira’ (‘caneta, esferográfica’), ‘baliza’ (‘fronteira’). Em termos morfossintácticos, diz-se em Timor sempre ‘ribeira’ (não ‘ribeiro’), ‘pequeninho’ (não ‘pequenino’), ‘gémeos de três’ (decalque do tétum para o cultismo ‘trigémeos’, desconhecido), ‘pente de bananas’ (mais específico, pois ‘cacho’ é todo o “braço coberto de pentes” dado por uma bananeira), ‘tempo da chuva’ (não ‘das chuvas’); ‘tempo da colheita’ (não ‘das colheitas’). No âmbito dos intercâmbios linguísticos, achei no baiqueno (ainda sem norma ortográfica) ‘teto/tetu’ (indicando também o ‘telhado’ e o ‘forro’ das cabanas com uma parte ao ar livre onde se sentam os vigilantes dos pássaros no meio das várzeas), ‘parinseza/parincesa’ (‘princesa’), ‘cantareiros’ (‘canteiros’, os vários patamares ou pedaços de terra alagada que compõem uma várzea ou arrozal, com pequenas “paredes” para conter a água). Neste momento, os professores timorenses mais conhecedores do português manifestam certas perplexidades a esse nível. Por exemplo, por que está a televisão a preferir somente a palavra ‘arroz’, quando todos sabem que em Timor se distingue o ‘néli’ ou ‘néle’ (‘grão cru, planta, semente, grão por descascar’) e o ‘arroz’ (‘grão pilado, descascado ou já cozinhado’). A verdade é que é preciso urgentemente legitimar essas distinções locais, que Sebastião Rudolfo Dalgado já tinha registado, sem esquecer que os termos asiáticos viajaram e foram partilhados; esse veio da Índia, permite uma distinção lexical e semântica de crivo mais fino, justificável numa área geográfica em que o arroz é a base da subsistência, e muitas vezes prato único, ainda hoje. Enfim, os traços são muitos, todos os dias me aparece e fascina algo novo que conheço dos dicionários e manuscritos antigos — mas que aí me aparece ainda falado. Depois, surgem-me os termos locais e de línguas vizinhas que chegaram ao português europeu no período dos Descobrimentos: sobretudo palavras do malaio-indonésio, como ‘areca’, ‘arequeira’, ‘gamute’, ‘gamuteira’, ‘tuaca’, ‘tuaqueira’, ‘gondão’, ‘gondoeiro’, ‘gundieiro’, ‘casuarina’, ‘bétel’, ‘canária’, ‘parão’, ‘tuaca’, ‘lorico/louro’ (antes ‘loro’, o ‘papagaio’), ‘suco’, ‘cacatua’ (em português europeu, hoje, só ‘catatua’, mas sendo aquela a forma etimológica), ‘barlaque’, ‘catupa’. Algumas chegaram-nos já através do tétum. Outras são mesmo do tétum, como ‘tais’ (os lindíssimos panos tradicionais de algodão colorido tecidos pelas timorenses). Vou anotando essas formas nos livros de contos e investigo-as depois em artigos científicos, mas seria aborrecido impor o meu entusiasmo nas já longas listas que agora me ocorrem, embora assim ‘de cor’ (e é mesmo ‘de coração’), e mereceria então ‘que me enfiassem uma peúga pelas goelas abaixo’, como diz o Woody Allen para explicar que “o mal é o bem em excesso”.

As histórias que os mais velhos sabem têm uma importância especial em Timor-Leste, certo?

Timor-Leste é tão rico de histórias como pobre de livros. Os livros permanecem ainda nas memórias dos falantes, mas todos os dias vão falecendo e falhando com elas e eles. Com os contos, falece o português. Não só o de outrora, que me interessa tanto, mas também o do futuro, que nos deveria interessar a todos, porém, não somente para enfeitar discursos políticos e camuflar interesses económicos. O meu oásis são as escolas. Os professores sabem o que os contos valem e já sabem a importância de os fixar e guardar em português. Trabalham comigo, num intervalo das aulas, no seu pouco tempo livre, juntos, um falando baiqueno, e depois tétum, e entretanto indonésio, e algum inglês (entre os mais novos), e por fim português. Os timorenses são multilingues. Daí, também, o valor de, no meio de tantas línguas, ainda guardarem espaço de cor, de coração, para a portuguesa. E para as histórias que ela mesma conta. Por exemplo, em Oecusse existe uma Lagoa a que chamam, mesmo em baiqueno, ‘Lagoa Sina’, mesmo ao lado do lugar onde aportaram pela primeira vez os portugueses em 1515: a praia de Lifau. ‘Lagoa Sina’ inclui, não o substantivo ‘China’, como parece a um leigo do século XXI, mas o adjectivo ‘chino, -a’, a forma antiga exclusiva para se dizer em português ‘chinês, -a’, como ainda hoje em castelhano (‘yo soy chino/ella es china’). Essa palavrinha conta uma história: os comerciantes chineses foram-se instalando muito cedo nesse sítio, onde hoje já se desmoronaram as construções que os abrigaram, mas a língua, essa, não esquece a história e continua a dar-lhe abrigo.

 Quais são os próximos projectos?

Para além de meia dúzia de livros já prontos sobre outros assuntos, que vão sofrendo há anos (fechados no computador) a prioridade que dou aos de Timor (mas também aos manuscritos e impressos antigos de Macau e da China, em vias de publicação), da literatura timorense de tradição oral sairão em breve mais dois livros de contos, e outro de Oecusse que recolhi em Junho-Julho deste ano, enquanto aguardava que chegasse de Macau (em quatro dias), mas sobretudo de Díli (em mais 15 dias), o livro “Rumando de Lés a Leste. Contos e Lendas de Oecusse”, para o lançamento. Outros projectos incluem contributos para a definição de normas ortográficas e a construção de dicionários para certas línguas locais, ou o estudo do intercâmbio e das interferências dessas línguas maternas no ensino-aprendizagem do português, para o que a colaboração dos estudantes, docentes e orientandos de mestrado e doutoramento timorenses serão cada vez mais indispensáveis.

24 Jul 2017

Timor-Leste, eleições | A apoteose de Mari Alkatiri, secretário-geral da Fretilin, em Oecusse 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] secretário-geral da Fretilin, Mari Alkatiri, chegou sábado num cavalo castanho, rodeado de centenas de pessoas, ao campo de futebol da capital do enclave timorense de Oecusse, onde uma multidão o recebeu em apoteose, num comício do partido. A uma semana nas eleições legislativas, de 22 de Julho, o antigo primeiro-ministro timorense reconhece que a sua imagem, que antes transmitia austeridade, é hoje uma surpresa para as multidões que o partido tem vindo a reunir.

“As pessoas não esperavam. Tinham em mim a pessoa de confrontação, quase de conflito, antipático. Mas não. Agora, liberto de tudo, sou aquilo que sou e sei que tenho aos ombros a responsabilidade de representar os que começaram tudo isto comigo e agora já não estão vivos. Sinto que os represento assim”, disse.

No palco, discursa, interage com velhos e novos que ali estão e dança, fazendo vibrar os apoiantes que vieram de todo o enclave.

Desde o inicio da manhã que, um pouco por toda a zona de Pante Macassar, se viam passar camionetas amarelas, motas e carros, carregados de apoiantes do partido.

No comício unem-se o moderno e o antigo, com jovens de telemóvel na mão a registar o momento, enquanto katuas, velhos líderes tradicionais, vestidos com tais, passeiam a cavalo entre os veículos.

Um desses katuas entrega o bikase, cavalo em baikeno (a língua regional), a Mari Alkatiri, que depois percorre o curto percurso entre a sua casa e o comício.

No campo de futebol, um animador e um conjunto no palco põem todos a dançar. A pouco e pouco, Alkatiri consegue chegar à tribuna de honra onde, depois do hino timorense e da Fretilin, o candidato conduz um minuto de silêncio.

Na esquina do segundo andar de um hotel próximo, em posição privilegiada, observadores da União Europeia (UE), munidos até com um par de binóculos, acompanham a movimentação no campo e os discursos no palco principal.

Em redor, onde há sombra, muitos amontoam-se, ainda que a grande festa se faça, no meio de muitas bandeiras, no terreno em frente ao palco e à tribuna de honra onde Alkatiri está acompanhado de vários líderes nacionais e regionais do partido.

A Fretilin, considerada o partido com a melhor estrutura em Timor-Leste, tem um ‘posto de campanha’ em cada posto administrativo com representações ainda em cada suco e em cada aldeia. Alkatiri sobe ao palco, onde agora dança com um grupo de mulheres e homens.

17 Jul 2017

Mário Costa, presidente da União de Exportadores da CPLP: “Podemos ser uma potência económica mundial”

Proporcionar o encontro entre empresários dos quatros cantos do mundo, tendo a língua portuguesa com factor unificador, é um dos propósitos de Mário Costa. O presidente do União de Exportadores da CPLP considera que, nos próximos 40 anos, o espaço lusófono pode tornar-se num dos grandes blocos económicos. A entrada na China faz-se, agora, através de Macau

[dropcap]Q[/dropcap]ual o papel da União de Exportadores da CPLP?
Fazemos parte da Confederação Empresarial da CPLP, somos reconhecidos como a representação do sector privado que veio introduzir um novo pilar económico na CPLP. O nosso objectivo é aproximar as empresas deste espaço e promover negócios. Como é óbvio, cada um destes países pertence a sub-regiões onde se pode fazer comércio livre. E ninguém é alheio ao peso de Macau como plataforma para a China, não só na colocação de produtos, como também na captação de investimento para estes países que têm grandes recursos naturais, tecnologia, know-how, mas falta capital. Falta alguma liquidez para pôr em prática os projectos. Temos países com recursos, como os países africanos e Timor-Leste, enquanto no Brasil e Portugal há tecnologia e know-how. Portugal e Brasil têm necessidade de sair para fora porque estão estagnados internamente; como tal, têm necessidade de ir para estes países onde estão os recursos. Mas falta o capital e sabemos que a China tem excedentes, não aplica todo o capital que tem.

Nesse contexto, a China é um gigante económico incontornável.
Queremos vir cá para mostrar todas as oportunidades que existem no mundo lusófono. Os empresários chineses têm boas oportunidades de negócio, não só ao nível de grandes infra-estruturas como portos e aeroportos, mas também ao nível de agricultura e indústria. Se juntarmos o know-how, os recursos naturais e a capacidade de investimento que a China tem, podem sair daqui projectos gigantescos. Se a CPLP conseguir introduzir este factor de liquidez em todo o processo, pode ser uma potência global, na nossa opinião. Em três ou quatro décadas, se continuarmos no percurso que estamos agora, a CPLP pode tornar-se numa potência económica mundial, tem tudo para isso. Estamos nos quatro cantos do mundo. Brasil na América, Portugal na Europa, os países africanos e Timor-Leste. Existe mercado, não só dos países da CPLP, como nas regiões onde estão inseridos, estamos a falar de quase 31 por cento da população mundial, são dois mil milhões de consumidores. Se juntarmos a isso liquidez, acho que isto é explosivo.

Macau servirá como plataforma para esta aproximação ao mercado chinês.
Sim, a minha vinda cá é para criar esse laço entre a parte chinesa e a parte dos países da CPLP, ou seja, uma perspectiva mais empresarial. Existem, neste momento, grandes contactos políticos, institucionais, e estamos a tentar passar isso para o mundo das empresas. Esta é a primeira aproximação, estamos a conhecer o mercado, a falar com as instituições oficiais para que, no futuro, tenhamos aqui um núcleo em Macau que possa servir todos os países da CPLP. A relação empresarial com a China é bastante importante, mas também abrimos delegações, por exemplo, nos Estados Unidos, na Rússia. Como costumo dizer, é preciso primeiro percorrer o caminho de pedras. Assim sendo, quis vir cá desbravar terreno. Este é um grande mercado de colocação de produtos e de captação de investimento. Macau é a estratégica plataforma para a China. Por cá já reunimos com o Fórum Macau e com o IPIM.

Como se escolhem empresas com capacidade de internacionalização?
É preciso avaliar muito bem os empresários porque estamos a falar de culturas muito diferentes, formas de pensar diferentes e é preciso que as pessoas saibam dialogar. Há muitos empresários que são bons no seu próprio terreno, na sua região ou país, e sair pode ser algo muito complicado. Esse trabalho é complexo. Muitos empresários também pecam porque fazem o negócio, mas depois esquecem-se da parte logística, da parte financeira, da parte da segurança jurídica dos negócios. Nós temos parceiros que podem ajudar nesses detalhes, temos dimensão para isso.

Como funciona a rede de núcleos da União de Exportadores da CPLP?
Temos núcleos em todos os países da CPLP, já estamos em 21 países. Normalmente, o coordenador do núcleo, que é vice-presidente, é um empresário de referência, que é o modelo de empresário que queremos para esse espaço. Depois temos o coordenador do núcleo e delegados, pessoas técnicas, que trabalham com os empresários. Se uma empresa quer ser associada avaliamos a empresa, o empresário. Os nosso especialistas, que conhecem muito bem a realidade dos outros países, avaliam se aquela companhia e pessoa estão preparadas para ter relações com estes países. Depois aceitamos a candidatura, ou não. A partir daí desenhamos o perfil deles. Os empresários têm de dizer o que é que têm, a experiência que têm para os darmos a conhecer ao mundo. Depois, os nossos núcleos vão procurar, junto dos nossos parceiros e associados, empresas que cumpram requisitos daquilo que eles pretendem, que tenham apetência de internacionalização e fazemos o match entre a oferta e a procura. A partir daí, quem faz os negócios são os empresários, nós somos apenas a plataforma de encontro.

Estes projectos também têm alcance social. Pode dar-nos um exemplo?
Temos o projecto da União de Exportadores para o Desporto, em que queremos aproveitar o desporto como factor de desenvolvimento do ser humano. Em África abrangemos seis milhões de crianças nas escolas e usamos o desporto como forma de educação. Só para ter uma ideia, havia uma grande necessidade de fazer o teste de HIV a crianças. O Governo montou tendas e ninguém apareceu. Então, fizemos um torneio de futebol e as crianças tinham de fazer o teste antes de participarem no torneio. Eram filas e filas de crianças. Neste momento estamos a organizar a maior competição juvenil em África, a Copa Coca-Cola. Queremos pegar nesses talentos para desenvolver o desporto, estamos a ajudar na organização dos clubes, de competições, fazer clubes link, ou seja, clubes portugueses, ou brasileiros, que possam ajudar a desenvolver clubes mais pequenos que tenham potencial. Estamos a criar centros de alto rendimento para desenvolver os jovens com maior talento.

Até que ponto as barreiras nacionalistas são empecilhos à cooperação económica?
Estou em países da CPLP todos os meses, fico uma semana em Portugal e uma semana fora, e sinto que há uma vontade muito grande de pertencer à CPLP, mas também há muita vontade de vincar que “este é o meu país”. Nesse aspecto estamos, agora, a fazer a diferença. Quando chegarmos ao cidadão comum e ele perceber que para ele a CPLP é importante, ele vai ter força sobre o seu próprio Governo. É isso que estamos a fazer. Estivemos na Guiné Bissau e levámos 80 empresários de Portugal, Brasil e Angola, entre outros países, para investirem lá. Não imagina a quantidade de pessoas que estavam no evento e que quiseram fazer negócio, que disseram: “Isto é uma luz ao fundo do túnel para nós. Pessoas que falam a mesma língua e que querem ser nossos parceiros?”. É uma lógica win-win. Queremos juntar tudo, capital, recursos, know-how, essa é a nossa lógica, criar empresas CPLP, não portuguesas, nem brasileiras, queremos empresas com a bandeira da CPLP, que falem todas a mesma língua, que formem um bloco. Já temos muitos casos mas, à escala mundial, são precisos muitos mais. Quando tivermos um nível forte de envolvência, vai ser o orgulho da própria pessoa a dizer que pertence à CPLP, que resultou disto.

Não teme dificuldades surgidas dos fantasmas do colonialismo?
Esse é um grande obstáculo que temos agora, mas que as novas gerações vão resolver. Eu próprio tive dificuldades com os angolanos por ser português e estar a liderar este projecto. Mas agora tenho grandes amigos angolanos, pessoas de topo que viram o trabalho que está a ser feito. As novas gerações em todos estes países já esqueceram um bocado o colonialismo, os mais velhos ainda têm alguma resistência, mas isso desaparece. Fala-se agora em livre circulação de pessoas e capitais, em cidadania CPLP, porque os empresários estão a exigir e os políticos vão atrás. A cooperação económica é estratégica e a lusofonia tem de se afirmar no mundo, se não a francofonia passa-nos à frente, assim como os ingleses. Nós temos mais afinidades entre os países lusófonos do que os países francófonos, eles têm uma relação mais fria e distante. Nós queremos cooperar, culturalmente somos muito mais afáveis, temos mais coração.

Quantos membros tem a União de Exportadores da CPLP?
A União de Exportadores tem quatro anos e tem mais de 600 associados, mas representamos milhões de empresas através de protocolos de parceria, e era esta dimensão económica que a comunidade precisava. A própria CPLP, em si, estava a ficar velha, ultrapassada quando estava a completar 20 anos. Não se sabia para que servia. Tivemos de introduzir o pilar da cooperação económica, se não nada faz sentido. Houve necessidade de renovar a CPLP, em 2010 deram estatuto à Confederação Empresarial. Nós consideramos que os empresários têm de andar sempre à frente dos políticos.

12 Jul 2017

Timor-Leste | A campanha mais profissional de sempre para as legislativas

Timor-Leste prepara-se para ir a votos já no dia 22 de Julho. No país, a campanha eleitoral já ferve e, pela primeira vez, há ferramentas mais profissionais usadas pelos candidatos para fazer passar a mensagem política
António Sampaio, Agência Lusa

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]o marketing político ao uso de ‘drones’, de debates em estúdios de última geração à intensa intervenção nas redes sociais, a campanha para as legislativas de 22 de Julho em Timor-Leste está a ser a mais profissional de sempre.

Uma profissionalização que se nota em particular nos maiores dos partidos – o Congresso Nacional da Reconstrução de Timor-Leste (CNRT) de Xanana Gusmão e a Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), de Mari Alkatiri.

Em Díli, por exemplo, onde os dois partidos ainda praticamente não estiveram desde o início da campanha, que começou a 20 de Junho, a sua presença já se nota de forma significativa com ‘outdoors’ de grandes dimensões a decorarem as principais avenidas.

Cartazes em que CNRT e Fretilin dominam, mas que incluem também outros, quer do partido timorense mais antigo, a União Democrática Timorense (UDT, quer do mais recente, o Partido da Libertação Popular (PLP), liderado pelo ex-Presidente Taur Matan Ruak.

Do lado do CNRT as imagens apostam na figura do seu líder, Xanana Gusmão, que aos 71 anos de idade ainda não falhou um ato de campanha, percorrendo Timor-Leste de uma ponta a outra para os comícios do partido.

“Vota CNRT, vota no futuro” é o ‘slogan’ do partido que, desde o sorteio do seu lugar no boletim de voto, aposta também nas referências futebolísticas: o C e o R e o 7 a serem referências a Cristiano Ronaldo.

Dionísio Babo, presidente do Conselho Directivo Nacional – e que é também ministro da Coordenador dos Assuntos da Administração do Estado e da Justiça e ministro da Administração Estatal – diz que o profissionalismo se nota tanto nas estratégias dos partidos como na forma como funcionam as autoridades eleitorais, STAE e CNE.

Mais informação

Uma profissionalização que reflecte ao mesmo tempo as melhorias que se vivem em Timor-Leste mas também a necessidade de responder a uma população mais informada em que “mais de 20% são novos votantes, sem tanta relação emocional com o legado do passado”.

Para estes jovens, disse, a aposta é na publicidade nas redes sociais, com mensagens “mais profissionais” que ajudem a dar a conhecer o partido.

O CNRT, por exemplo, usou ‘drones’ para gravar imagens de vários pontos de Timor-Leste, mostrando novas infra-estruturas e o desenvolvimento que o país viveu. O vídeo passa agora nas redes sociais mas também em tempos de antena na televisão pública RTTL ou no recém inaugurado canal privado GMN TV.

Babo reconhece o impacto que a diferente capacidade financeira dos partidos tem na sua promoção mas nota que mesmos os mais pequenos conseguem fazer chegar a sua mensagem nas redes sociais, por exemplo.

Também a Fretilin mostra uma máquina de campanha profissional e sofisticada com imagens que recorrem a anónimos para promover o slogan “fazer mais” e vídeos que mostram um país vibrante e activo sob o lema “Ba Timor-leste Ida Buras Liu (para um Timor-Leste mais desenvolvido).

José Teixeira, um dos arquitectos da campanha, aponta o elevado grau de profissionalização e sofisticação da campanha, resultado da evolução do país, da aposta da Fretilin na formação dos seus jovens e no apoio de organizações internacionais como a Labour International ou o International Republican Institute que “deram formação a todos os partidos” em aspectos como o uso das redes sociais.

“A aposta nos jovens foi uma das melhores coisas que fizemos. A Juventude Fretilin, jovens qualificados e emergentes, aproveitam toda a tecnologia e tudo o que temos disponível, permitindo uma campanha diferente”, explicou.

“Em vez de ter só os líderes a falar, temos os jovens que vão aos mercados, aos parques, a todo o lado e montam um ponto de promoção para dar a conhecer os nossos planos, os nossos programas.”

O ‘estreante’ PLP, com menos dinheiro que os dois grandes, faz valer a sua promoção num grupo de jovens intensamente activos nas redes sociais, muitos deles ex-jornalistas que estiveram no gabinete de imprensa da Presidência.

Imagens, vídeos, comentários, intervenções políticas marcam o debate diário num espaço onde já estão, segundo as estimativas mais recentes, mais de 400 mil timorenses (um terço da população).

Taur Matan Ruak é a figura central do partido ainda que outros nomes, como Fidelis Magalhães, surjam também a representar o PLP, inclusive em debates televisivos que têm, nas últimas semanas marcado a programação televisiva.

Este fim-de-semana, por exemplo, o Conselho de Imprensa conduziu, nos estúdios da GMN TV, um debate com sete dos 21 partidos. O tema: o Estado da Comunicação do Estado. A campanha para as legislativas termina a 19 de Julho.


Interpretações abusivas?

O Partido Socialista de Timor (PST) acusou as autoridades eleitorais de impedirem, em alguns municípios de Timor-Leste, algumas acções de campanha para as legislativas deste mês, no que considerou “uma abusiva” interpretação da lei.

“A base da nossa queixa fundamenta-se no facto de em alguns municípios os militantes estarem a ser impedidos de fazer campanha porta a porta, dentro do horário estipulado para a campanha”, disse à Lusa, Azancot de Menezes, secretário-geral do PST.

“No nosso ver há uma interpretação errada da lei. Num Estado livre e democrático não se pode impedir elementos dos partidos de andarem nas ruas a distribuir folhetos ou a dialogar com os cidadãos”, disse.

A base da polémica está na interpretação dada a um dos artigos do decreto de Maio deste ano que regula as regras da campanha eleitoral para as legislativas de 22 de Julho e que, segundo o PST, alguns elementos das delegações municipais da Comissão Nacional de Eleições (CNE) usam para “criar obstáculos a todos os partidos políticos”.

O artigo em causa determina que todos os partidos têm que fornecer o calendário de actividades de campanha à CNE até cinco dias antes do início da campanha.

“Caso houver coincidência de local e horário para os partidos políticos ou coligações partidárias, a CNE notifica os partidos políticos ou as coligações coincidentes para concordância mútua sobre o horário e local”, refere o decreto.

O PST insistiu que esta questão abrange apenas situações de comícios ou outros actos de campanha de maior dimensão e que, nesses casos, “a CNE deve ser informada atempadamente para evitar a realização de encontros simultâneos, no mesmo local e hora, de vários partidos políticos”.

Não pode, considerou o PST, “haver limitação à campanha, nem necessidade de autorização prévia e muito menos que se possa proibir as campanhas” noutros casos.

Contra as notícias falsas

A comissão eleitoral tem, entretanto, alertado para a publicação de notícias falsas em formatos digitais. Recentemente o presidente da Comissão Nacional de Eleições disse estar em estudo uma eventual denúncia junto do Ministério Público para investigar ‘sites’ e páginas digitais de noticias falsas sobre a campanha para as legislativas.

“Estamos preocupados com esta situação e estamos a estudar apresentar uma denúncia junto do Ministério Público ou da polícia para investigar quem são os autores deste tipo de actos”, disse à agência Lusa Alcino Baris.

“Consideramos que este tipo de actos prejudicam a estabilidade própria desta fase da campanha e, por isso, estamos a pensar apresentar uma denúncia para apurar os autores” afirmou.

Pela primeira vez, numa campanha política em Timor-Leste, as redes sociais têm sido inundadas de notícias falsas, muitas alegando apresentar informação sobre declarações que líderes dos principais partidos, CNRT e Fretilin, teriam feito em comícios ou encontros.

As notícias sugerem ter havido críticas mútuas entre os líderes dos partidos – cujo relacionamento é hoje mais próximo do que nunca – com os internautas em redes como o Facebook a partilharem os textos centenas de vezes. Em muitos casos, os textos são partilhados por militantes de outras forças políticas.

Timor-Leste é um dos países onde as redes sociais, nomeadamente o Facebook, e plataformas de comunicação como o Whatsapp têm mais importância, com o acesso à internet a existir já em todos os municípios do país.

O acesso à internet é mais fácil do que aos órgãos de comunicação social convencionais, levando a que as redes sociais, ou outras plataformas, se tornem espaços privilegiados de diálogo e debate, inclusive político.

A empresa Timor Social, que trabalha no desenvolvimento de estratégias de comunicação nas redes sociais, estima que um terço da população do país (cerca de 400 mil timorenses) tenham perfis activos nas redes sociais, em particular, no Facebook.

10 Jul 2017

Timor-Leste | Casal português reitera inocência

Tiago e Fong Fong Guerra
[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m casal português acusado de vários crimes financeiros em Timor-Leste defendeu ontem a sua inocência numa intervenção, a única que fizeram, na recta final do julgamento que ficou visto para sentença. Tiago e Fong Fong Guerra foram julgados pelos crimes de peculato, branqueamento de capitais e falsificação documental sendo central ao caso uma transferência de 859 mil dólares, feita em 2011 por um consultor norte-americano, Bobby Boye.

Nas alegações finais, e para os crimes de peculato e branqueamento de capitais, o Ministério Público pediu penas de prisão de 8 anos para cada um dos dois arguidos, além do pagamento de uma indemnização no valor de 859.706 dólares com juros desde 2011. A defesa pediu a absolvição do casal.

Tiago Guerra lamentou o facto de todo o processo se ter prolongado quase três anos, recordando que sempre colaborou com a justiça e que dois anos antes de ser detido colaborou com a Comissão Anti-Corrupção (CAC) para dar informações solicitadas sobre um caso. “Sou uma pessoa formada com princípios éticos dos mais elevados, criado sempre a pensar na dignidade dos outros. Quando decidimos vir para este país viemos para ajudar. Custou-nos imenso, a mim pessoalmente, receber uma acusação tão grave como esta que afecta todos os princípios morais com que fui criado”, afirmou. “Custou-me muito, dada a mágoa e trauma que o caso causou a toda a família, à nossa saúde mental e física. Perdi 14 quilos na prisão, estive internado várias vezes, necessito de operações que não posso fazer aqui”, relatou.

Fong Fong Guerra, por seu lado disse que continua sem entender porque é que a procuradoria mantém que os dois arguidos conspiraram com o consultor americano Bobby Boye que foi condenado nos Estados Unidos por lesar o estado timorense. “A procuradoria insiste que nós conspiramos com o Bobby Boye. Somos honestos e abertos com tudo. Sempre fomos. Bobby Boye nunca nos disse nada sobre o seu trabalho, o que acontecia no seu trabalho no Governo”, disse.

“Não é verdade que tenhamos conspirado nada com ele. Nós até pensamos que ele tinha uma filha a estudar nos Estados Unidos. Só depois é que percebi que era mentira. Sempre pensamos que era sul-africano-americano, e afinal era nigeriano”, considerou.

Na sua declaração, Fong Fong Guerra referiu-se também ao impacto que o caso está a ter nos dois filhos do casal, de quem estão separados há quase três anos. “Se fossemos gananciosos então porque é que não continuámos a branquear dinheiro? Espero que os juízes nos dêem a justiça que merecemos. Já perdemos 3 anos do crescimento dos nossos filhos. Fomos punidos demais já só porque conhecíamos uma pessoa”, considerou.

Esta foi a única declaração que os arguidos proferiram durante todo o julgamento em que a defesa prescindiu de quaisquer testemunhas. Jacinta Correia – que preside ao colectivo de juízes do Tribunal Distrital de Díli que ouviu o caso desde finais de Fevereiro – marcou a data de leitura da sentença para 24 de julho.

28 Jun 2017

Timor-Leste | Mário Carrascalão morre aos 80 anos de idade

Mário Carrascalão, governador de Timor-Leste entre 1983 e 1992 e uma das mais importantes figuras da independência do país, faleceu aos 80 anos de idade, vítima de ataque cardíaco. A morte chegou um dia depois de ter recebido o Grande Colar da Ordem de Timor-Leste das mãos de Taur Matan Ruak

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]ário Carrascalão, que morreu na quinta-feira à noite em Díli, aos 80 anos, não suscitava avaliações consensuais entre os timorenses, mas trabalhou grande parte da vida pelos consensos, abrindo até a porta ao diálogo entre a resistência e os ocupantes indonésios. Ainda viveu um dia após ter-lhe sido concedida a mais alta condecoração do país, o Grande Colar da Ordem de Timor-Leste, pelas mãos do ex-chefe de Estado, Taur Matan Ruak.

As imagens da entrega da condecoração dominaram as redes sociais em Timor-Leste, onde se sucedem os comentários de pêsames de familiares, amigos, dirigentes timorenses e cidadãos comuns, que ensombraram os festejos do 15.º aniversário da restauração da independência, no sábado.

Líderes timorenses recordaram a voz de denúncia sobre a situação no território, mesmo enquanto Governador nomeado por Jacarta (1982 a 1992), e o papel interventivo que permitiu a primeira abertura de Timor-Leste, levando muitos timorenses a estudar em universidades indonésias.

“Salvou centenas de vidas, forçou a abertura de Timor-Leste ao mundo, conseguiu que milhares de jovens timorenses tivessem uma oportunidade única de se formarem. Mas talvez mais importante, conseguiu convencer o comando militar Indonésio em Timor-Leste a dialogar com Xanana”, escreveu em Outubro de 2015, o ex-Presidente José Ramos-Horta.

Carrascalão, que nasceu em Venilale em 1937, dedicou, como muitos dos 11 seus irmãos, grande parte da vida à política timorense. Já depois da independência fundou o Partido Social Democrata timorense e chegou a ser vice-primeiro-ministro no IV Governo constitucional, liderado por Xanana Gusmão.

Terceiro Governador nomeado pela Indonésia para Timor (de 18 de Setembro de 1983 a 18 de Setembro de 1992), recordou em entrevista à Lusa, em 2015, os encontros que manteve com Xanana Gusmão em Lariguto (1983) e Ariana (1990), abrindo a porta ao primeiro diálogo com a resistência.

“Encontrei-me com ele enquanto comandante das FALINTIL [Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste]. Se se apresentasse como comandante da FRETILIN [Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente] eu não me sentaria à mesma mesa. Senti que ele, nessa altura, também me representava e a outros como eu. Quando conversava com Xanana Gusmão estava a conversar com alguém que era representante do braço armado do povo timorense, do qual a UDT [União Democrática Timorense] já fazia parte”, explicou.

Carrascalão entrou tarde na escola e fez três anos num, sendo depois dos primeiros alunos do Liceu Dr. Francisco Machado, hoje uma das alas da Universidade Nacional Timor Lorosa’e. Terminou o 5º ano e, porque em Timor não havia na altura como continuar o ensino, foi até Lisboa terminar o secundário, no Liceu Camões.

Foi dispensado do exame de aptidão e entrou directamente no Instituto Superior de Agronomia onde se formou em silvicultura, terminando o curso com 19,5 valores e uma tese que foi o primeiro estudo de sempre feito sobre o pinheiro manso português.

Regressado a Timor-Leste, assumiu o cargo de chefe dos serviços de agricultura, funções que ocupava quando em 1974, juntamente com Domingos Oliveira, César Mouzinho, António Nascimento, Francisco Lopes da Cruz e Jacinto dos Reis, fundou a UDT.

Depois do golpe

Depois do golpe da UDT, do contra-golpe da FRETILIN e da curta guerra civil, Carrascalão refugiou-se em Atambua, seguindo depois para Jacarta. Ingressou na diplomacia indonésia em 1977.

Numa longa entrevista à Lusa, em Novembro de 2015, Mário Carrascalão lembrou esse período, e considerou que a pressão sobre Suharto [Presidente da Indonésia entre 1967 e 1998] para abrir Timor-Leste e a postura neutra que manteve enquanto governador, permitindo manter o cargo e ajudar “muitos” timorenses, contribuíram para a independência do país.

“Enquanto estive aqui como governador não se pode dizer que estive do lado dos independentes ou dos integracionistas. Tive que me manter sempre neutro porque se fosse nitidamente pró-independência já sabia de antemão que os indonésios me sacavam do lugar porque não permitiriam que actuasse contra eles”, afirmou.

“Pensei mais no futuro. O mundo não podia continuar a ignorar o que se passava em Timor. Pedi a Suharto para abrir Timor. Max Stahl nunca teria entrado em Timor se eu não tivesse pedido ao Suharto para abrir o território”, disse.

Um jogo de cintura foi possível porque conseguiu a confiança dos indonésios, que precisavam do governador para limpar a imagem dos antecessores, ferrenhos apoiantes da integração. “Criei uma imagem que favoreceu a Indonésia e o que eu pedia era aceite”, disse. Esta sua postura e o cargo que ocupava, não lhe mereceram louvores de todos e para muitos timorenses, como o próprio admitiu, era visto como traidor, colaborador do regime ocupante.

“A minha acção aqui em Timor é interpretada de uma forma. Lá fora fui sempre visto como um traidor, um colaborador de Suharto. Para alguns convinha criar o inimigo fictício. Mas aqui em Timor era um dos daqui e tudo fazia para poder salvar este ou aquele e para ajudar”, disse Carrascalão sobre esse período.

Mário Carrascalão afirmou que só mesmo na sua família sabiam o que estava a fazer e que os timorenses que estavam no país na altura reconheceram esse papel, ainda que nem todos “os lá de fora” pensem assim.

“Inclusive na minha família havia pessoas que estavam reticentes, que pensaram duas vezes em utilizar o meu apelido para não ser confundidos com o Mário Carrascalão. Também houve disso”, admitiu.

A cimeira falhada

Macau chegou a cruzar-se na vida política de Mário Carrascalão algumas vezes. A primeira terá sido em 1975, quando o Governo português tentou realizar uma cimeira no território (intitulada Cimeira de Macau), em Junho. A ideia era encontrar uma solução para a independência de Timor-Leste, numa altura em que o processo português de descolonização caminhava a passos largos no ocidente.

Carrascalão esteve presente em nome da UDT. De Portugal chegou o já falecido Almeida Santos, que era, à data, Ministro da Coordenação Interterritorial, bem como representantes da APODETI (Associação Popular Democrática Timorense). A FRETLIN não esteve representada na Cimeira de Macau.

A cimeira acabaria por fracassar dada a existência de diversas forças políticas. Na entrevista concedida à agência Lusa, em 2015, Carrascalão admitiu que Portugal “jogava com um pau de dois bicos”, por negociava com os partidos timorenses e ao mesmo tempo com a Indonésia. O Governo português, teve, na visão do antigo dirigente, “encontros na Cimeira de Macau para tratar do processo de descolonização de Timor, mas ia negociando com os generais indonésios, nomeadamente com o general Ali Moertopo (responsável pelos serviços secretos), sob a forma de melhor integrar Timor na Indonésia”, recorda.

“O próprio encontro na cimeira de Macau deu-se quando estava a decorrer em Hong Kong um encontro com uma delegação indonésia”, sublinha. Portugal “queria aliviar-se do fardo de Timor”, referiu ainda Mário Carrascalão.

No final da década de 70, Carrascalão apadrinhou ainda um acordo de cooperação assinado entre a agência Lusa e a Antara, agência noticiosa da Indonésia. Ao HM, Gonçalo César de Sá, que à época era delegado regional da Lusa na Ásia, disse que, sem Mário Carrascalão, provavelmente não haveria acordo.

“Nessa altura fui para Jacarta, ainda não havia relações diplomáticas [entre a Indonésia e Portugal], e nessa altura o Carrascalão teve importância neste processo, porque apoiou grandemente o facto de termos conseguido um acordo de cooperação antes mesmo de haver relações diplomáticas.”

Gonçalo César de Sá não tem dúvidas de que “sem o apoio do Carrascalão não teríamos tido a coragem de avançar com esse acordo com a Antara. O papel do Mário foi importante, bem como o de Ramos-Horta.”

Encontro com Monjardino

João Severino, que foi jornalista em Macau durante os anos 80 e 90, recorda o facto de Mário Carrascalão, seu cunhado, ter tido um encontro com Carlos Monjardino, actual presidente da Fundação Oriente, quando este era número dois do Executivo local, em meados dos anos 80.

“Se fosse vivo, o doutor Mário Soares poderia testemunhar os esforços que desenvolveu para a solução de independência de Timor-Leste através de Mário Carrascalão”, escreveu na sua página de Facebook. “Não é por acaso que na cerimónia de tomada de posse do novo Presidente da República de Timor-Leste, Francisco Guterres Lu Olo, as suas primeiras palavras foram de homenagem ao “grande patriota” Mário Carrascalão”, acrescentou.

Ao HM, João Severino recordou ainda o facto de Carrascalão não se ter tornado jogador de futebol por um triz. “Tirou o curso de Silvicultura porque o pai não o deixou ser guarda-redes do Benfica. Era muito bom na baliza e seria de certeza um grande jogador do Benfica.” Para além disso, Mário Carrascalão “fez parte da mesma associação estudantil do Jorge Sampaio que contestou a ditadura”, lembrou o jornalista e ex-director do jornal Macau Hoje.

As opiniões em relação ao falecido dirigente não são consensuais, pelo facto de ter sido governador nomeado pela Indonésia, apesar de ser lembrado como uma figura da independência. “O que me recordo é que ele sempre me dizia que tudo o que fosse feito em prol de Timor e da sua população ele apoiaria. E foi por isso que ele apoiou o projecto da Lusa, e era por isso que era governador”, rematou Gonçalo César de Sá.

Em Abril de 1999, quando Timor-Leste ainda não era independente, milícias indonésias protagonizam um ataque à casa do seu filho Manuel Carrascalão, provocando a sua morte e a de dezenas de civis que estavam refugiados nessa habitação. A Indonésia só permitiria o fim da indexação de Timor-Leste em Outubro desse ano.

22 Mai 2017

Lu-Olo eleito Presidente de Timor-Leste com 57,08% dos votos válidos

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]rancisco Guterres Lu-Olo foi eleito esta segunda-feira como Presidente da República em Timor-Leste, obtendo 57,08% dos votos válidos, à frente do segundo classificado, António da Conceição, com 32,47%, segundo dados finais provisórios.

Quando estavam escrutinados 100% dos 696 centros de votação, Lu-Olo somou 294.938 votos, contra os 167.760 de António da Conceição, num sufrágio em que participaram 528.813 eleitores, ou 71,16% do total recenseado, segundo o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE).

Em terceiro, a grande distância dos dois primeiros, surge José Luís Guterres, que obteve 13.513 votos (2,62%), à frente de José Neves, que obteve 11.662 votos ou 2,26 por cento dos votos válidos (que totalizaram 516.727).

Em quinto entre os oito candidatos surge Luís Tilman, que obteve 11.124 votos ou 2,15% do total, seguindo-se António Maher Lopes, com 9.098 votos ou 1,76% do total.

Nas últimas duas posições surgem Ângela Freitas, que obteve 4.353 votos ou 0,84%, e Amorim Vieira que se ficou pelos 4.279 votos ou 0,83%.

Os seis candidatos menos votados somaram entre si 54.029 votos, ou 10,46% do total.

Dos números

Lu-Olo venceu em nove dos 12 municípios (Aileu, Baucau, Bobonaro, Covalima, Díli, Lautem, Manatuto, Manufahi e Viqueque), com António da Conceição a vencer nos municípios de Ainaro, Ermera e Liquiçá e na Região Administrativa Especial de Oecusse-Ambeno (RAEOA).

O Presidente eleito, que tomará posse a 20 de Maio, obteve o seu melhor resultado em Viqueque, na ponta leste do país, onde conseguiu 82,79% dos votos e o seu pior em Liquiçá, onde se ficou pelos 41,35%.

Já António da Conceição registou a sua maior percentagem de apoio em Liquiçá (49,82%) e a pior em Viqueque (9.67%).

Lu-Olo venceu nos três centros de votação fora de Timor-Leste, obtendo 65,61% dos votos em Lisboa, 64% dos votos em Sydney e 47,88% em Darwin.

Os dados provisórios, que têm agora de ser validados oficialmente, mostram que Lu-Olo ficou acima dos 50% em sete dos 12 municípios do país e que António da Conceição não conseguiu a maioria absoluta em nenhuma região do país.

A maior taxa de participação registou-se em Aileu, a sul de Díli, onde votaram 81,49% e a menor ocorreu em Manufahi, também a sul da capital, onde votaram apenas 68,05% dos eleitores inscritos.

22 Mar 2017

Eleições | Presidência de Timor-Leste entre Guterres Lu-Olo e António da Conceição

Fecharam as urnas em Timor-Leste para a eleição do próximo Presidente da República. A grande interrogação que se coloca, enquanto não chegam os resultados, é se Francisco Guterres Lu-Olo é eleito à primeira. A acontecer uma segunda volta, o candidato da Fretilin deve ter António da Conceição como adversário
Com agência Lusa

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s eleições presidenciais em Timor-Leste ocorreram sem incidentes, com toda a tranquilidade e transparência, com a sensatez a ser a imagem de marca do primeiro sufrágio sem a organização das Nações Unidas. Os elogios marcaram as reacções internacionais ao acto eleitoral que vai eleger o quarto Presidente da República timorense, sucessor do actual Taur Matan Ruak. O presidente da Comissão Nacional de Eleições (CNE), Alcino de Araújo Baris, disse à Agência Lusa que “não houve nada de grave a registar e as coisas funcionaram normalmente em praticamente todo o lado”. Já a campanha eleitoral havia decorrido sem acidentes de maior, facto que, para o investigador Rui Flores, foi uma “mostra da maturidade democrática do país”.

A contenda tem como nomes cimeiros nos boletins de voto Francisco Guterres Lu-Olo, apoiado pelos dois principais partidos, e António da Conceição, que concorre sob a égide do Partido Democrático, com o apoio do Presidente cessante Taur Matan Ruak.

No sufrágio anterior, a afluência às urnas foi elevada, 78,2 por cento do eleitorado, com largas filas de eleitores a aguardar oportunidade para votar, já bem depois da hora prevista para o fecho das urnas. Ainda assim, Alcino de Araújo Baris espera que a taxa de participação seja ainda mais maior que a registada em 2012, apesar de, até à hora de fecho desta edição, ainda não terem sido apresentados dados concretos da participação eleitoral. Portanto, uma democracia vibrante em termos eleitorais, apesar de todas as dificuldades logísticas, mas ainda imune às maleitas da abstenção.

“Os eleitores mostraram bastante ânimo, queriam participar neste processo e as coisas estão a funcionar em todo o território”, revelou o presidente da CNE à Lusa na altura em que as urnas eram encerradas.

Pela primeira vez na história da jovem democracia timorense, foi dada a oportunidade à diáspora para participar no acto eleitoral, mas apenas em Lisboa, Sydney e Darwin. Assim sendo, os primeiros dados de participação vieram da Austrália, onde o entusiasmo eleitoral foi oposto ao verificado em Timor-Leste. Em Sydney, dos 658 eleitores registados, apenas 75 foram às urnas, sendo que o candidato mais votado foi Francisco Guterres Lu-Olo, com 48 votos, não tendo sido ainda apurados os resultados das restantes candidaturas.

Em Darwin a afluência foi muito superior. Das 228 pessoas registadas para participarem no sufrágio votaram 168, tendo o candidato apoiado pela Fretilin obtido 79 votos, contra os 58 de António da Conceição, segundo os dados revelados pela Lusa. Os resultados referentes à votação de Lisboa ainda não tinham sido divulgados até ao fecho da edição.

Apesar de ainda serem prematuros, uma vez que os resultados finais podem ser apurados apenas daqui a 48 horas, os votos contados na Austrália podem ser lidos politicamente, uma vez que dão vantagem ao candidato favorito. “A dúvida é se Francisco Guterres Lu-Olo ganha à primeira, se houver segunda volta há aqui uma surpresa, uma vez que a Fretilin e CNRT não chegarão aos 50 por cento”, projecta Rui Flores, investigador que viveu em Timor-Leste durante três anos.

Observadores satisfeitos

Timor votou ontem para eleger o quarto Presidente. Será uma segunda volta necessária?

Durante a eleição registaram-se apenas pequenos problemas. O presidente da CNE relatou aos jornalistas um caso de atraso na abertura de uma mesa de voto em Dom Caileto, no município de Bobonaro, assim como a detenção de um eleitor que se tentou passar por outra pessoa para votar de novo. Ocorreram ainda alguns erros de impressão de boletins de voto e mesas de voto em más condições. Tirando isso, a quarta eleição presidencial de Timor-Leste correu bem – é essa a opinião generalizada dos observadores internacionais no local.

A eurodeputada basca Izaskun Bilbao Barandica, que lidera a missão oficial de observadores da União Europeia, mostrou-se agradada com a correcção e transparência do processo. Numa primeira avaliação, a observadora descreveu que, “nos maiores centros urbanos, especialmente em Díli, os membros das mesas demoraram algum tempo a consultar os nomes dos eleitores nos cadernos”, o que resultou em algumas filas. Em declarações aos jornalistas, a eurodeputada realçou que o essencial é que tenha sido garantido o sigilo da votação e que o acto se tenha realizado sem impedimentos.

Estiveram em Timor-Leste 15 equipas, compostas por 35 pessoas, a acompanhar o processo em 10 dos 13 municípios timorenses, que continua com a contagem dos votos. Ana Gomes e Marisa Matias estão entre os sete eurodeputados no terreno.

“Onde estive a observar está tudo calmíssimo, tranquilíssimo, com muita afluência e sinais de que as pessoas, mesmo os jovens, são muito conhecedoras do processo e do que têm a fazer”, afirmou a eurodeputada do PS à agência Lusa em Díli.

À primeira

A presidência parece estar dividida entre Francisco Guterres Lu-Olo e António da Conceição. O primeiro candidato, apoiado pelos dois principais partidos timorenses, parece ter alguma vantagem. Lu-Olo chega às urnas com o aval político da Fretilin, liderada por Mari Alkatiri, e pelo Congresso Nacional de Reconstrução Timorense (CNRT), do histórico Xanana Gusmão. Ambos os partidos tinham nas últimas sondagens a preferência do eleitorado, granjeando, respectivamente, 29 por cento e 17 por cento. É, claramente, o candidato que encarna o sentido de unidade nacional expresso pelas elites políticas timorenses, segundo os dados recolhidos pela sondagem da Asia Foundation, realizada em Dezembro último.

A candidatura de António da Conceição é apoiada pelo actual Presidente e pelo Partido Democrático. No total, as últimas sondagens sugerem que o candidato deverá reunir cerca de 10 por cento das intenções de voto.

Apesar da tranquilidade na ida às urnas, esta eleição tem como pano de fundo alguma turbulência política e as futuras legislativas.

Neste aspecto, Rui Flores adianta que “a grande questão é ver se a convergência de interesses da Fretilin e da CNRT se vai verificar nas legislativas”. O investigador considera improvável que haja uma coligação pré-eleitoral entre as duas grandes forças partidárias timorenses.

Uma das maiores incógnitas é saber quem encabeçará as listas às eleições legislativas, sendo que a única certeza é que Taur Matan Ruak será candidato, através de um pequeno partido que criou mas que parece não descolar nas sondagens apuradas até agora. A ida às urnas para eleger o próximo Governo deverá ocorrer no mês de Julho.

Neste contexto, é de salientar que o Presidente cessante, eleito com o apoio de Xanana Gusmão em 2012 depois de derrotar Francisco Guterres Lu-Olo, entrou em ruptura com o Executivo apoiado pela Fretilin e a CNRT. As desavenças políticas chegaram ao ponto de Taur Matan Ruak ter tentado chumbar o Orçamento de Estado de 2016, mas a frente política de unidade nacional dos dois maiores partidos timorenses forçaram a promulgação.

O actual Presidente e antigo líder da resistência armada à ocupação indonésia, FALINTIL, lançou acusações ao Executivo que o modelo de desenvolvimento económico seguido é contraproducente. Matan Ruak insurge-se contra a política de aposta em megaprojectos e nas concessões a petrolíferas, em detrimento do investimento em áreas sociais, como a saúde, educação, agricultura e pescas.

Dois caminhos

A jovem democracia timorense parece separada em duas facções, sendo que os partidos históricos continuam a conseguir a simpatia da maioria do eleitorado.

Porém, esse apoio popular já conheceu melhores dias. Segundo um estudo da Asia Foundation, em 2014, 73 por cento dos inquiridos mostraram contentamento com o rumo seguido pelo país. Esta margem de manobra da elite política timorense viu-se reduzida a 58 por cento em 2016. A discrepância é ainda maior entre o eleitorado com menos 25 anos, com uma redução de 80 por cento para 50.

Um dos factores de descontentamento popular, que Taur Matan Ruak tenta capitalizar, é o fantasma da corrupção que paira sobre o bloco central timorense, num pequeno país muito dependente das rendas do petróleo. Outro ponto é o alegado investimento em grandes projectos, como o complexo petroquímico e de tratamento de gás natural de Tasi Mane e o terminal de contentores de Tibar, nos subúrbios de Díli. No ano passado, o complexo petroquímico recebeu um investimento de cerca de 193 milhões de dólares, um valor equivalente a todos os gastos do Estado com saúde, educação e agricultura. Isto num jovem país ainda com grandes dificuldades estruturais onde parece começar a fermentar algum ressentimento na população, criando uma atmosfera de crescente insatisfação social.

A corrupção é assim um dos problemas latentes em Timor-Leste, algo que surge quase como uma consequência natural numa democracia recente e onde foram descobertos significantes jazigos de combustíveis fósseis. No início deste mês, o Departamento de Estado norte-americano divulgou um relatório onde alertou para a “corrupção endémica” no sector público.

Estes são os cenários de fundo em Timor-Leste. Enquanto os resultados das presidenciais não chegam, os dados para as legislativas já rolam numa das mais jovens democracias mundiais.

21 Mar 2017

Confrontos em Timor-Leste entre grupos de artes marciais fazem 24 mortos em três anos

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]onfrontos entre grupos de artes marciais timorenses e o uso de um tipo de arma banca conhecida como ‘rama ambon’, importada da Indonésia, causaram nos últimos três anos 24 mortos, 46 feridos graves e 23 ligeiros, segundo o Governo.

A informação faz parte do relatório da comissão do Parlamento Nacional que analisou uma proposta de lei do Governo contra a violência de grupos de artes marciais, que têm causado problemas em Timor-Leste, e ainda o uso de várias armas brancas em diversos incidentes.

Especialmente visados na proposta de lei estão os crimes de fabrico, importação, transporte, venda, cessão ou porte de ‘rama ambon’ – armas usadas em vários pontos do arquipélago indonésio.

Trata-se de uma espécie de fisgas com que se lançam pequenas flechas, lâminas ou setas e que chegaram a ser usadas em muitos incidentes nos últimos anos como prática de iniciação de jovens em grupos de artes marciais ou em confrontos entre grupos.

Os dados referem que em 2014 se registaram 36 incidentes de violência envolvendo praticantes de vários grupos de artes marciais, que causaram 11 mortos, 17 feridos graves e oito ligeiros.

Em 2015, os 26 incidentes registados causaram oito mortos, 15 feridos graves e três ligeiros e no ano passado houve a registar 29 incidentes com cinco mortos, 14 feridos graves e 12 ligeiros.

Lei em debate

Longuinhos Monteiro, ministro do Interior, participou ontem no plenário no debate do diploma na generalidade, processo que começou com questões técnicas, nomeadamente o facto da comissão A do parlamento ter aprovado um texto substitutivo que vai muito além dos 15 artigos da proposta do Governo.

Esse texto inclui vários capítulos de outras leis, incluindo a lei de segurança interna, o uso de força e o regimento de armas e revoga ainda a lei existente das artes marciais, tendo o ministro explicado que o executivo não o contesta desde que “não substitua a ideia básica da proposta inicial”.

“O importante é que a lei reflicta a nossa preocupação com o fabrico, importação, transporte e posse destas armas brancas e com as práticas ilícitas de artes marciais”, disse à Lusa Longuinhos Monteiro.

O ministro explicou que não se trata de travar artes marciais reguladas e “até reconhecidas como desportos olímpicos” mas sim outras que “estão na ilegalidade e causam problemas” constantes.

“Muitas situações que ocorrem têm origem em confrontos nas artes marciais”, recordou.

A lei prevê penas de 3 a 6 anos para quem fabricar, importar, exportar, transportar, vender, ceder ou ter na sua posse armas brancas como a rama ambon, que aumentam para quatro a oito anos para quem usar as armas na prática de crimes.

As penas são duplicadas em casos de serem cometidas por elementos das forças de segurança, do sector da justiça, funcionários públicos ou “elemento ou grupo de artes marciais ou de práticas rituais”.

A prática ilícita de artes marciais é punida com pena de prisão até três anos, que aumenta até oito anos se for feita “com o objectivo de causar desordem social”, com a pena a dobrar para elementos das forças de segurança, do sector da justiça, funcionários públicos.

“Não é aceitável que elementos das forças de segurança, funcionários públicos criem uma situação que viola a lei e a ordem pública”, afirmou Longuinhos Monteiro.

O uso de uniformes ou símbolos relacionados com artes marciais ou rituais ilegalizados é punido com multas até 500 dólares.

22 Fev 2017

Pescadas dezenas de toneladas de tubarão em águas timorenses 

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]avios chineses que estão a operar, com licença, em águas timorenses pescaram nos últimos meses pelo menos 40 toneladas de tubarão, animal protegido nas leis timorenses, disseram fontes de organizações ambientalistas.

Imagens vídeo obtidas a 10 de Fevereiro e a que a Lusa teve acesso mostram vários arrastões chineses a pescar ao largo da costa norte de Timor-Leste, com quatro deles acoplados ao ‘navio-mãe’, de grande dimensão, onde depositam os animais pescados.

Os autores das imagens solicitaram anonimato.

As imagens mostram o interior de um dos depósitos desse navio principal onde praticamente só são visíveis tubarões, suscitando entre organizações ambientalistas grande preocupação sobre o facto de os navios estarem a pescar espécies que são protegidas na lei timorense.

Fontes ligadas a duas organizações ambientalistas, a Conservation International e WorldFish, e elementos ligados ao sector do mergulho referiram à Lusa preocupações com a “pouca clareza e transparência” relativamente ao contrato dado à empresa que opera os navios.

As mesmas fontes levantam igualmente dúvidas sobre o licenciamento dado aos navios chineses, que operam em Timor-Leste desde Novembro do ano passado, e sobre a não implementação de outros aspectos prometidos do acordo com a empresa.

Questionado pela Lusa, o director-geral de Pescas, Acácio Guterres, garantiu que os animais não vão ser exportados, quando confrontado pela Lusa com imagens de vídeo obtidas por um drone que mostram o depósito de um dos navios chineses com dezenas de tubarões.

“Pescaram cerca de 40 toneladas. Já dissemos que não vão ser exportados”, garantiu Acácio Guterres, depois de ver o vídeo, não explicando no entanto o que vai acontecer ao tubarão já pescado.

O responsável timorense não conseguiu igualmente explicar o que ocorre aos responsáveis dos navios que pescaram espécies protegidas, em particular porque a lei em vigor prevê nestes casos penas de 1 a 5 anos de prisão e multas de entre 500 e 500 mil dólares.

Outras espécies

Fontes do Ministério da Agricultura e Pescas explicaram à Lusa que o volume de tubarão pescado pode ser até “muito mais elevado” e que há igualmente outras espécies protegidas, como é o caso de tartarugas, a ser apanhadas nas redes dos navios chineses.

Joni Freitas, chefe do departamento de Captura e Licenciamento do Ministério da Agricultura e Pescas disse à Lusa que apesar de todas as espécies de tubarão estarem protegidas em Timor-Leste os animais pescados pelos arrastões chineses não se incluem entre as cinco mais protegidas internacionalmente.

Os navios em causa pertencem à empresa Pingtan Marine Entreprise, que se virou para Timor-Leste depois de o Ministério de Assuntos Marítimos e Pescas indonésio ter suspendido a concessão ou renovação de licenças de pesca em 2014.

Acácio Guterres e Joni Freitas, chefe do departamento de Captura e Financiamento do Ministério da Agricultura e Pescas, confirmaram à Lusa dados sobre o acordo de licenciamento dos 15 navios que estão em Timor-Leste.

No total, a empresa pagou 312.600 dólares para todas as licenças de operação e exportação em Timor-Leste o que permite a cada um dos navios pescar 100 toneladas por ano, ou 1.500 toneladas entre si (o que equivale a cerca de 21 cêntimos por quilo).

“Gostaríamos de aplicar valores mais elevados mas não podemos porque é o que está na lei”, disse Freitas, referindo-se ao decreto de 2005 que define as tarifas a cobrar para a pesca comercial em Timor-Leste (entre 80 dólares por tonelada para peixe pequeno e 250 por tonelada para crustáceos).

Os dois responsáveis referem que os navios são inspeccionados “cada três meses quando visitam o porto”, confirmou que o Governo só tem “cinco inspectores” mas são menos claros sobre se o tipo de espécie pescado está ou não a ser verificado.

Em entrevista à Lusa em Novembro – quando divulgou detalhes sobre os navios que tinham acabado de chegar a águas timorenses – Estanislau da Silva, ministro de Estado, Coordenador dos Assuntos Económicos e ministro da Agricultura e Pescas, explicou haver garantias que parte do pescado seria para o mercado nacional.

Até ao momento ainda não chegou ao mercado timorense nem um único peixe do acordo, tendo Acácio Guterres explicado que isso ocorreu porque os navios pescaram aquém do esperado, sendo que o valor total do trimestre, “cerca de 374 toneladas” é equivalente a um quarto da quota anual.

“Talvez nos próximos meses chegue ao mercado”, referiu, sem explicar em que circunstâncias.

Não foi possível obter comentários adicionais do ministro da Agricultura e Pescas que está actualmente numa visita ao estrangeiro.

17 Fev 2017

Julgamento de portugueses retidos em Díli marcado para Fevereiro

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] julgamento de um casal de cidadãos portugueses que está retido em Timor-Leste há dois anos, acusados de peculato, branqueamento de capitais e falsificação documental, começa no dia 28 de Fevereiro, determinou o Tribunal de Díli.

A data do arranque do julgamento de Tiago e Fong Guerra, que tem para já uma segunda sessão marcada para 14 de Março, foi confirmada numa curta audiência no Tribunal Distrital de Díli (TDD) presidida pela juíza Jacinta da Costa na terça-feira.

“Por um lado estamos satisfeitos pelo facto de o tribunal ter adiado o início do julgamento, considerando que ainda decorre prazo para apresentarmos a contestação bem como o rol de testemunhas e outros meios de prova, exercendo assim, de forma plena, todos os direitos processuais por forma a podermos provar a nossa inocência e limpar o nosso bom nome”, disse à Lusa Tiago Guerra.

“Contudo, não podemos deixar de salientar que esta questão, que já leva dois anos, tem paralisado as nossas vidas, bem como a vida dos nossos familiares, em especial dos nossos filhos”, sublinhou.

Um dos advogados do casal tinha sido notificado de que o julgamento começaria a 3 de Janeiro mas a notificação não cumpriu o previsto na lei, que determina que devem ser os arguidos a ser notificados pessoalmente.

Os dois portugueses – que só no final de Dezembro tiveram acesso ao processo completo – foram ao TDD e acabaram por ser formalmente notificados a 28 de Dezembro, ou seja com tempo insuficiente para que o julgamento pudesse começar a 3 de Janeiro.

Na curta audiência na terça-feira a juíza propôs o arranque do julgamento para 28 de Fevereiro, data aceite pela defesa e Ministério Público.

“Não tem sido fácil lidar com a presunção de culpa, reconhecendo que principio maior é o da presunção da inocência, tal como foi invocado recentemente pelo primeiro-ministro timorense”, frisou Guerra.

“Queremos acreditar num julgamento justo com igualdade de armas entre a acusação e a defesa. Esperamos, acima de tudo, que seja feita justiça”, disse ainda.

Da acusação

Em causa está a acusação, pelos crimes de peculato, branqueamento de capitais e falsificação documental.

Na acusação, o MP considera os arguidos responsáveis pela autoria material em concurso real e na forma consumada dos três crimes.

Como provas, além de documentos contidos no processo, o MP timorense apresenta quatro testemunhas, incluindo o ex-vice-ministro das Finanças Rui Hanjam, dois outros funcionários do Ministério das Finanças e a actual ministra desta pasta, Santina Cardoso.

A procuradora defende a manutenção das medidas de coação, considerando até que “se reforçaram os pressupostos que determinaram a aplicação” dessas medidas.

Pede ainda que os arguidos sejam condenados a pagar uma compensação civil no valor do que dizem ser as perdas do Estado timorense, que totalizam 859.706,30 dólares.

No caso do crime de peculato e de branqueamento de capitais, as penas máximas previstas no Código Penal timorense são de 12 anos de cadeia e para o crime de falsificação de documentos a pena máxima é multa ou três anos de prisão.

5 Jan 2017

Brexit | Díli em diálogo com Lisboa e Londres sobre luso-timorenses

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]imor-Leste está em contactos preliminares com as autoridades portuguesas e inglesas para acompanhar a situação dos luso-timorenses no Reino Unido, na sequência do referendo de saída da União Europeia, disse ontem o chefe da diplomacia timorense.
“Estamos em contacto com as autoridades inglesas sobre o processo que vai decorrer até 2018. E estamos em contacto com Portugal para ver quais são os passos, em caso de haver uma alteração da lei laboral na Inglaterra em relação aos cidadãos da UE”, disse Hernâni Coelho.
“Estamos a antecipar possíveis acontecimentos depois desta decisão do referendo. Mas neste momento ainda é cedo demais para especular sobre o que vai acontecer. Estamos em contactos preliminares, mas temos que ver como decorrem agora as negociações e se implementa esta decisão”, sublinhou.
O ministro dos Negócios Estrangeiros timorense disse que os dados indicam que residam no Reino Unido cerca de 16 mil cidadãos portugueses naturais de Timor-Leste.

Remessas de peso

Anualmente milhares de timorenses, beneficiando da lei da nacionalidade portuguesa, deslocam-se ao consulado em Díli para obter nacionalidade portuguesa que usam, na maioria dos casos, para ir trabalhar para o Reino Unido.
As remessas que enviam para Timor-Leste, como ocorre com emigrantes timorenses noutros locais, são significativas para muitas famílias timorenses.
As contas do Governo indicam que os luso-timorenses no Reino Unido podem mandar em média para Timor-Leste cerca de 30% do seu salário, que rondará um valor aproximado de 2.000 dólares.
Isso implicaria que, mensalmente, chegariam a Timor-Leste remessas do Reino Unido de milhões de dólares, valor que Hernâni Coelho admite ser difícil estimar com certeza.
Mais claro, por exemplo, são os dados das remessas dos cerca de 2.000 trabalhadores timorenses que estão na Coreia do Sul – no âmbito de um programa bilateral – e que enviam para Timor-Leste anualmente entre 10 e 12 milhões de dólares.
Os eleitores britânicos decidiram que o Reino Unido deve sair da UE, depois de o ‘Brexit’ (nome como ficou conhecida a saída britânica da União Europeia) ter conquistado 51,9% dos votos no referendo de quinta-feira.
Logo na sexta-feira, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, anunciou a sua demissão, com efeitos em outubro, e os líderes da UE defenderam uma saída rápida do Reino Unido. O Conselho Europeu reúne-se na terça e quarta-feira em Bruxelas para analisar os cenários pós-Brexit.

30 Jun 2016

Timor | Taur Matan Ruak inicia primeira visita oficial à China

[dropcap style=’circle]O[/dropcap] Presidente da República timorense, Taur Matan Ruak, inicia esta terça-feira a sua primeira visita oficial à China, durante a qual está previsto, segundo informou ontem o seu gabinete, uma ampla agenda de encontros e cerimónias.
Taur Matan Ruak, que estará na China até 5 de Setembro, é acompanhado do ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Hernâni Coelho, e de outros responsáveis timorenses.
Em comunicado, o seu gabinete explica que a visita visa “agradecer à República Popular da China por ter sido o primeiro país a reconhecer a declaração de independência de Timor-Leste a 28 de Novembro de 1975 e a estabelecer relações diplomáticas com Timor-Leste aquando da restauração da independência a 20 de Maio de 2002”. taur
Durante a visita, explica ainda, Taur Matan Ruak quer agradecer o “contributo da China para o desenvolvimento de Timor, e intensificar a cooperação entre os dois países, nomeadamente nas áreas de turismo, agricultura através da criação da Zona de Desenvolvimento Agrícola através de Tecnologia Avançada, desenvolvimento do capital humano, gás e petróleo”.
Uma cooperação, refere, que se pode intensificar “no âmbito da ‘Nova Rota da Seda’ dada a posição geográfica estratégica de Timor-Leste na região da Ásia e Pacífico.
Taur Matan Ruak aproveitará a visita para convidar os responsáveis chineses a participarem, a 28 de Novembro, nas comemorações do 40.º aniversário da Proclamação da Independência de Timor-Leste, marcadas para o enclave de Oecusse.

1 Set 2015