Plano Director | Zona Este, Porto Exterior e Zona Norte são prioritárias

Lai Weng Leong, director da Direcção dos Serviços de Solos e Construção Urbana (DSCC) disse, em resposta a uma interpelação escrita da deputada Ella Lei, que a prioridade na área do urbanismo, quanto ao desenvolvimento dos planos de pormenor, passa pela Zona Este, Porto Exterior e Zona Norte, tendo já sido iniciada a sua elaboração.

Quanto às restantes zonas do território definidas no Plano Director “o Governo irá, com a maior brevidade possível, iniciar os trabalhos de elaboração dos planos de pormenor”. A DSSC pretende “aperfeiçoar a distribuição do espaço em geral, optimizar as instalações colectivas e aumentar a área dos espaços verdes e de lazer, a fim de criar um ambiente comunitário com boas condições de habitabilidade”.

Quanto à melhoria das infra-estruturas urbanísticas no Porto Interior, incluindo ao nível das inundações que ocorrem com frequência, o Governo diz que “é uma meta de longo prazo” que depende de “uma ponderação geral de factores relacionados com o trânsito, prevenção de desastres, protecção ambiental e espaços públicos, entre outros”.

Ella Lei colocou ainda questões sobre o desenvolvimento da zona da Praia do Manduco, mas estes planos “devem ser estudados e implementados tendo em conta a elaboração dos planos de pormenor e pareceres dos serviços competentes e diversos sectores da sociedade”, apontou a DSCC.

Sobre a higienização urbana entre o Porto Interior e a Praia do Manduco, Lai Weng Leong adiantou que o Instituto para os Assuntos Municipais já instalou 14 novos contentores de compressão do lixo, prometendo melhorar gradualmente, com a empresa concessionária, a gestão dos resíduos na zona.

3 Mar 2023

Plano Director | Parcelas no COTAI deixam de estar na zona turística  

O Plano Director de Macau prevê que as parcelas de terreno 7 e 8, no Cotai, anteriormente concessionadas à Venetian, passem a estar na zona comercial e não na zona turística e de diversões, associada ao jogo. Para o advogado Carlos Lobo, esta é uma “decisão política” que pode colocar um impasse no futuro concurso público para operadoras de fora

 

Publicado esta segunda-feira em Boletim Oficial (BO), o tão esperado Plano Director de Macau não integra as parcelas 7 e 8, anteriormente concessionadas à Venetian SA, na zona turística e de diversões, mas sim na zona comercial. Na visão do advogado Carlos Lobo, esta é uma “decisão política” que reduz o espaço para a abertura de mais casinos.

“Estes terrenos sempre foram pensados para um projecto ligado a jogo, e sempre presumi que o Governo, quando fizesse um concurso público internacional e concorrencial, libertaria, pelo menos, um terreno para uma possível concessão ou para uma operadora estrangeira que ainda não estivesse presente em Macau, para esta poder concorrer.”

Os terrenos situam-se junto aos empreendimentos The Londoner e Macau Studio City, e foram posteriormente revertidos para a Administração. “Num futuro concurso público, como é que uma operadora de fora pode fazer propostas ao Governo quando não há terrenos disponíveis dedicados ao jogo?”, questionou Carlos Lobo.

O analista defende mesmo que tal situação pode gerar um impasse aquando da realização do concurso público para a atribuição de novas licenças de jogo. “Não estou a ver o Governo voltar atrás e classificar um novo terreno [para a finalidade de jogo]. Houve aqui uma clara decisão no sentido de não permitir que haja mais terrenos para casinos. Acho que estamos a fechar a porta a projectos do exterior”, entendeu Carlos Lobo.

Abre-se uma janela

Na visão do advogado, e também especialista em jogo, Óscar Madureira, esta decisão não surpreende, tendo em conta os sinais claros de que as autoridades pretendem reduzir o peso dos casinos na economia local.

“Se o Governo quer apostar na diversificação da economia e reduzir a exposição da economia a esta indústria, faz sentido esta alteração e disponibilizar uma menor área de jogo. Na verdade, Macau já tem muitas propriedades ligadas ao jogo e não fazia sentido continuar a expandir-se.”

O causídico entende que, mesmo sem novos casinos, poderão existir novos interessados no concurso público, pois “será aumentada a área comercial e de retalho, e pode haver mais oferta dentro desse modelo”. “Na verdade, aqueles terrenos nunca foram aproveitados e não houve uma alteração efectiva”, lembrou.

Segundo o Plano Director, as zonas comerciais “destinam-se essencialmente ao acolhimento de actividades de comércio e serviços e visam criar condições para a diversificação adequada da economia”. Nestes locais, pretende-se também “oferecer condições e um ambiente para a criação de indústrias emergentes e de ponta e articular a criação das zonas habitacionais, de modo a melhorar as condições para os residentes trabalharem nas zonas onde habitam”.

Por sua vez, relativamente à zona turística e de diversões, não existe uma referência explícita aos casinos. O Plano Director determina que estas áreas “destinam-se essencialmente à instalação de empreendimentos turísticos e serviços complementares e visam articular a distribuição dos demais usos dos solos, de modo a atingir um desenvolvimento conjunto, oferecendo aos turistas uma experiência de viagem abrangente, bem como optimizar a capacidade das instalações turísticas e de diversões”.

Urbanismo | Pedidos mais detalhes sobre distribuição populacional

A União Geral das Associações dos Moradores de Macau (UGAMM) espera que o Governo possa fazer bem o planeamento da cidade com base no Plano Director e revele em detalhe a distribuição da população pelas diferentes zonas. De acordo com o jornal Ou Mun, a presidente da UGAMM, Ng Sio Lai, considera que apesar de o Plano Director dividir Macau em 18 zonas tal não significa que as zonas são separadas, porque face à falta de terrenos deve haver uma lógica de complementaridade.

Ng Sio Lai sublinhou a necessidade de as zonas se complementarem e partilharem os equipamentos, como centros recreativos ou parques, em vez de adoptarem uma postura individual, ou seja, em que cada zona olha só para os seus interesses, o que pode levar a um duplicação de recursos desnecessária.

16 Fev 2022

Urbanismo | Plano Director publicado em Boletim Oficial

Foi hoje publicado em Boletim Oficial (BO) o Plano Director do território, depois de vários anos de debate e de consulta pública. O documento prevê o desenvolvimento de várias zonas urbanísticas em Macau e ilhas, incluindo o novo campus da Universidade de Macau (UM).

O Plano Director tem como objectivos transformar o território num centro mundial de turismo e lazer, consolidar o papel de Macau como plataforma comercial entre a China e os países de língua portuguesa e apostar na integração regional e cooperação económica. Outro dos objectivos deste Plano é “construir um belo lar para os residentes”.

O Plano Director, tal como já tinha sido anunciado, estabelece as Unidades Operativas de Planeamento e Gestão e pretende “a organização racional das infra-estruturas públicas e dos equipamentos de utilização colectiva”, bem como “um aproveitamento apropriado dos solos”. Pretende-se ainda “delimitar zonas não urbanizáveis e respectivos usos dos solos, estabelecendo restrições para os espaços com recursos naturais e valores paisagísticos, arqueológicos, históricos ou culturais que não possam ser desenvolvidos em circunstâncias normais”.

As autoridades querem também, com o Plano Director, “utilizar eficazmente os recursos marítimos, expandindo o espaço tridimensional e optimizando os espaços existentes para acomodar mudanças demográficas e sócio-económicas e, simultaneamente, apoiar o desenvolvimento regional”.

14 Fev 2022

Urbanismo | Aprovado Plano Director para os próximos 20 anos

O Plano Director de Macau foi finalmente aprovado, tendo como principal linha de força a procura de um equilíbrio entre zonas habitacionais, comerciais e serviços para “incentivar as pessoas a trabalharem nas zonas onde habitam” e atenuar “problemas sociais” resultantes da proximidade das áreas industriais. A aposta será materializada em zonas como a Avenida de Venceslau de Morais, Porto Interior e junto aos postos fronteiriços, onde não haverá espaço para edifícios industriais

 

O Governo aprovou na passada sexta-feira, o Plano Director 2020-2040 no qual se pretende encontrar um maior equilíbrio entre zonas residenciais, de serviços e comerciais e criar condições para “incentivar as pessoas a trabalharem nas zonas onde habitam”.

Segundo o Executivo, e sem nunca perder de vista os objectivos de cooperação regional, no espaço reservado às zonas urbanas serão criadas novas áreas comercias e destinadas aos serviços. Já os terrenos originalmente destinados a indústria, situados em zonas habitacionais, serão libertados para fins não industriais. Contas feitas, áreas como a Avenida de Venceslau de Morais, o Porto Interior e zonas adjacentes aos postos fronteiriços irão acolher mais comércio, serviços e ainda habitação.

“Ao nível da zona urbana, vão ser criadas novas zonas comerciais e reforçados os espaços para actividades económicas designadamente nas Portas do Cerco, na Zona de Administração do Posto Fronteiriço de Macau da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, no antigo Posto Fronteiriço do Cotai, no Porto Interior e na Avenida de Venceslau de Morais, no sentido de promover a cooperação regional e o desenvolvimento da economia nos postos fronteiriços”, pode ler-se numa nota oficial divulgada pelo Conselho Executivo.

Quanto à conversão de zonas industriais em zonas comerciais, o Governo abre também a porta à criação de zonas habitacionais com o objectivo de “incentivar as pessoas a trabalharem nas zonas onde habitam e promover o equilíbrio entre a função profissional e a função residencial” e ainda “criar condições para a diversificação adequada da economia e o crescimento das indústrias emergentes e de ponta”.

A fim de atenuar os “problemas sociais causados pela proximidade entre as áreas industriais e residenciais”, o Governo pretende que os terrenos destinados à indústria que se encontram “dispersos” fiquem concentrados no Parque Industrial Transfronteiriço da Ilha Verde, no Parque Industrial do Pac On, no Parque Industrial da Concórdia em Coloane e no Parque Industrial de Ká-Hó.

Linhas de força

Segundo a TDM – Canal Macau, durante a apresentação do regulamento administrativo que aprova o Plano Director, foi ainda revelado que o terreno do Parque Oceanus, à frente do Hotel Regency, na Taipa, irá acolher um corredor verde que poderá abranger espaços comerciais e de lazer.

“Zona comercial tem um sentido lato, isto quer dizer que abrange actividades comerciais e que podem ser construídos edifícios destinados ao lazer e à cultura, pois temos uma faixa verde com uma paisagem mais ambiental”, explicou Mak Tak Io, da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT).

O mesmo responsável confirmou ainda que as zonas C e D, junto ao lago de Nam Van serão para acolher instalações públicas, como edifícios do Governo, instalações desportivas e culturais.

Recorde-se que a área de intervenção do Plano Director está dividida em 18 Unidades Operativas de Planeamento e Gestão, as quais são classificadas como “zona urbana” e “zona não urbanizável”, sendo que esta última representa cerca de 18 por cento da área total. Entre os objectivos principais do plano, destaca-se a inserção de Macau na Grande Baía, a promoção da diversificação económica e a protecção do património histórico-cultural do território, tendo como eixo estratégico a construção de um Centro Mundial de Turismo e Lazer.

Além disso, prevendo-se que em 2040 haja em Macau cerca de 800 mil habitantes, o plano antevê “conquistar” três quilómetros quadrados ao mar, através da construção de novos aterros destinados ao desenvolvimento urbano, a responder “às exigências sociais e económicas” e à expansão do aeroporto.

3 Fev 2022

Plano Director IX – Oportunidade para uma análise S.W.O.T.

Por Mário Duarte Duque, Arquitecto

 

O regime de encomenda de obras públicas implica uma metodologia pela qual as decisões se pautam, e que se forma a partir de parâmetros previamente estabelecidos. Desses parâmetros os mais recorrentes são o preço, o prazo, a concepção e a experiência dos intervenientes, sem que a ordem tenha necessariamente significado.

Esta ordem só ganha significado quando se associa a esses parâmetros um coeficiente que pondera diferentes apreciações numa apreciação final.

Por sua vez a atribuição de coeficientes de ponderação deverá ser função das características da obra. Assim, para uma obra corrente e simples, o preço e prazo afiguram-se o mais importante, enquanto, para uma obra exigente e fundamental, a concepção e a capacidade técnica são essenciais, naturalmente dentro de prazos admissíveis e dentro de custos já aptamente estimados e reservados para o efeito.

Fácil é também admitir como os coeficientes desses parâmetros podem atentar uns contra os outros, e influenciar nefastamente o resultado final, no caso de a ponderação não estar ajustada às características da obra.

No caso da encomenda do Plano Director para Macau a concepção do plano não foi factor de apreciação. Apenas foram o preço, o prazo e a aptidão técnica da equipa.

Desde logo se afigurou que colocar à concorrência o número de dias e o preço para a elaboração da proposta de plano seria irrelevante face ao tempo que o mesmo plano precisaria para ser discutido e analisado, ou face ao encargo de toda a máquina necessária montar para discutir, analisar e desenvolver a mesma proposta.

Deixada a concepção de fora, ocorre que o aspecto que mais importaria na escolha, e que permaneceria ao longo de todo o processo, seria antes a aptidão técnica da equipa e a sua experiência em outras realizações que relevassem para o estudo em causa.

Sendo o Plano Director um plano fundamental, o facto de a concepção não ter sido critério de escolha, também não deve significar que a concepção não interessasse. Apenas deve significar, admitamos, que o dono da obra já estava munido de um documento estratégico do que pretende, para com isso prosseguir, como é capacidade e prática das administrações públicas.

Mas também significou que o dono da obra prescindiu de outros contributos que emergissem tanto de conhecimento como de intuição. Esses contributos não resultam de pensamento analítico ou dedutivo, mas são oportunidade para lançar mão de soluções que não se extraem do prato das considerações, com capacidade de propulsionar saltos que permitem ganhar tempo.

Essa consideração também só tem lugar em fase de proposta de plano, e extingue-se em fase de análise de proposta, sob pena de trazer o processo à estaca zero.

E, sendo as actuais circunstâncias apenas de análise, importam mais os instrumentos de que a análise se mune.
Tal como como se extrai do acrónimo, a análise S.W.O.T. é uma técnica de planeamento estratégico, que recorre a uma matriz onde se identificam os pontos fortes (Strengths) e fracos (Weaknesses), assim como as oportunidades (Opportunities) e as ameaças (Threats) na estratégia em consideração.

A mesma análise tanto assiste projectos e negócios, como assiste actos de governação e de participação em consultas de interessados.

Os pontos fortes (Strengths) estão onde as vantagens da estratégia se revelam, enquanto os pontos fracos (Weaknesses) são os que colocam a estratégia em desvantagem em relação a outras.

As oportunidades (Opportunities) já são os elementos e as condições do ambiente dos quais é possível tirar partido para a eficácia da estratégia, enquanto as ameaças (Threats) são os elementos e as condições do mesmo ambiente que podem frustrar ou colocar a estratégia em crise.

Nas categorias de informação que a análise S.W.O.T. trata, os pontos fortes e fracos são as características próprias da estratégia, enquanto oportunidades e ameaças já resultam da interacção da estratégia com o meio.
Como ferramenta, este instrumento de análise serve estágios preliminares de tomada de decisão para avaliação da eficiência global de uma estratégia, assim como da necessidade de mitigar algumas das suas componentes.

Permite concluir sobre a robustez do projecto face aos objectivos em vista, fazendo e respondendo a perguntas que permitem gerar informação significativa para cada componente do projecto, identificando os factores internos e externos que são favoráveis ​​e desfavoráveis ao atingimento desses objectivos.

A predominância de pontos fortes e de oportunidades configuram confiança. Por outro lado, a predominância de pontos fracos e ameaças devem suscitar prudência.

Chegados aqui, resulta que, em actos de governação, uma análise S.W.O.T. tanto assiste um governo na globalidade das estratégias de administração de bens públicos, como assiste a população em geral nas especificidades e interesses de cada grupo a que a iniciativa interessa.

Ou seja, é uma ferramenta que deve estar geralmente distribuída para que possa ser utilizada por todos os participantes, para que a informação possa ser integrável e gerível em sínteses subsequentes.
E, quando os interessados não estão dotados de aptidões e meios necessários para interpretar, gerir e gerar essa informação, assistem questionários onde as perguntas são, por si, estrategicamente vocacionadas para obter respostas relevantes de cada sector do universo dos interessados.

Esta interacção em consulta de interessados não serve apenas para “comprar” a legitimidade que interessa a uma iniciativa pública, serve principalmente para averiguar da combinação da estratégia com o ambiente externo, e concluir num conceito quantificável a que se chama a “adequação estratégica”.

As conclusões que resulta dessas consultas, quando dirigidas ao público menos especializado, devem ser “traduzidas” por comunicadores sociais, em moldes compreensíveis por esse público, mas a estrutura de análise deve manter-se evidente em qualquer versão desses relatórios.

Estabilizado o instrumento de governação em vista, a análise S.W.O.T continua a ser útil para medidas supervenientes, nomeadamente de “combinação” e “conversão” de elementos da estratégia.
Isso porque, as vantagens competitivas da estratégia emergem da combinação de pontos fortes com oportunidades.

Já a conversão dos elementos da estratégia tem por alcance a transformação táctica de pontos fracos e ameaças em pontos fortes e oportunidades. Exemplos recorrentes de medidas de conversão em iniciativas públicas é a reconfiguração de instrumentos, infra-estruturas, actividades e universos de participantes.

E, se as ameaças e pontos fracos não podem ser convertidos, as medidas não devem estabilizar, e o efeito estimado deve ser evitado, minimizado ou compensado, necessariamente nesta ordem de prioridade.

Se mesmo assim os objectivos não forem atingíveis, objectivos diferentes devem ser seleccionados e o processo repetido.

Quando aplicada a um Plano Director, uma análise S.W.O.T. também não deve ser abandonada com a conclusão da análise, antes deve continuar presente em fase de acompanhamento do plano ou de observatório, onde o desenvolvimento das condições iniciais, vantagens estimadas e impactos mitigados são monitorizados, para avaliação da sua eficácia e para informação de subsequentes revisões de plano.

Em Macau não existe experiência desenvolvida em acompanhamento de planos. Todos os que existiram não tiveram acompanhamento, muito menos revisões, foram simplesmente revogados, sequer substituídos. A avaliação desses resultados não está sistematizada. Só é possível através de um esforço de interpretação.

11 Jun 2021

Plano Director VIII – Dos momentos históricos e da ideologia

Por Mário Duarte Duque

 

O espaço urbano demarca-se do espaço natural pela artificialidade, mesmo quando proliferam elementos naturais nas cidades. Por isso, as cidades nunca poderiam ser ingénuas. Só a natureza é ingénua, pois não avalia, não reflecte, não planeia os seus actos. Produ-los automaticamente.

Em expressão disso, Kostof tipificou as cidades quanto ao seu método de génese por cósmicas, práticas e orgânicas.
A cidade orgânica é uma cidade coesa e indivisível. Comporta-se mais como um organismo contínuo do que como uma máquina com componentes especializadas. Depende de uma dimensão ideal e tem interacções próprias que lhe permite de imediato ajustar-se à mudança. Fa-lo mais por via de uma “consciência própria” do que por via de intervenção instrumental. Admite-se que Macau se tenha desenvolvido e caracterizado nesta categoria.

A cidade prática é a cidade a que recorre a instrumentalização para se manter factual e funcional, e depende recorrentemente da actualização dessa instrumentalização para lidar com a intensificação e com a mudança. É feita de componentes especializadas e autónomas, como se de uma máquina se tratasse. A falta de sincronia gera necessariamente disfuncionalidade. De todas as categorias, Kostof designou a cidade prática a menos “mágica”, que podemos também interpretar como a menos rica em deslumbramento.

Admite-se que em Macau já se tenha extinguido qualquer viabilidade de uma cidade orgânica, e que o modelo necessário lançar mão para resolver o ordenamento urbano da RAEM seja necessariamente o da cidade prática. Todavia, dessa constatação resultam duas condições complexas. Desenvolver novos instrumentos directores de ordenamento territorial e, simultaneamente, mudar o paradigma da génese urbana. A equação não parece fácil numa cidade onde pesam atributos históricos.

A cidade cósmica é a cidade ideal. Pauta-se por um diagrama ou um traçado que traduz uma interpretação do universo, onde os atributos podem ascender a um sentido de divino ou de verdade absoluta, muitas vezes articulado com a expressão do poder. Os modelos conhecidos no ocidente foram de apreensão racional, por via de uma grelha que regula todas as hierarquias espaciais e sociais, ou foram de apreensão sensorial recorrendo a eixos visuais e a impressionantes cenários urbanos onde o observador é um participante nessa teatralização.

São estas as cidades onde o ordenamento territorial é mais marcado por um “texto” função de uma ideologia sobrejacente, e que é explícita.

A título de exemplo, foi assim que as três vias do tridente que representa os três poderes da soberania, concentram-se à entrada do palácio de Versailles, e fácil é perceber em quem todos esses poderes convergiam à data. Mas em Washington DC o mesmo tridente já se concentra numa praça pública, e apenas numa das três vias o edifício do Capitólio tem a sua posição.

Como também a abertura da Av. Almeida Ribeiro em Macau se pautou por um momento histórico e por ideologia sobrejacente.

A mesma configuração urbana pode ainda ser simultaneamente expressão de um texto diferente a que chamamos “subtexto” quando, noutro plano de leitura, expressa ainda outro discurso cuja interpretação já é mais estrita.
Exemplo disso é a Baixa Pombalina onde, a par de um modelo racional de índole iluminista e classista, configura um altar maçónico, porque também era esse o pensamento místico dos que aí intervieram

Muitos planos de ordenamento territorial também emergiram de efectivos ou de eminentes cataclismos geográficos ou sociais que acabaram por servir a afirmação de já existentes ou novos status quo.

Desastres naturais e convulsões sociais foram recorrentemente origem catalisadora para a reconstrução aperfeiçoada das cidades, nomeadamente com iniciativas ambiciosas e oportunidade exibir o prestígio das cidades e dos protagonistas dessas transformações.

Muitas das linhas orientadoras dessas medidas são resultado de situações de exaustão, de risco, ou mesmo de colapso. São medidas que em muitas frentes se configuram em sentido de “defesa”, fosse qual fosse o efectivo “agressor”, assim como em sentido de “eficiência”.

Foi assim que as cidades se especializaram em determinadas aptidões. Cidades fluviais desenvolveram conhecimento em hidrologia para fazer face a recorrentes inundações, Lisboa desenvolveu estruturas resistentes a tremores de terra, e Singapura especializou-se numa política de integração étnica, garantindo que a ocupação de cada conjunto habitacional tenha uma correspondência étnica equiparável ​​à média nacional, pois foi esse equilíbrio que esteve na génese da separação de Singapura da Malásia.

Mas também se conhece exemplos do contrário, como foi o caso de Londres, e importa conhecer as razões. Apesar de se terem configurado desenhos inovadores de grande escala para a reconstrução da cidade após o Grande Incêndio em 1666, nenhum prosseguiu. A razão atribui-se à dificuldade em reconfigurar direitos sobre o solo. No entanto, foram feitas melhorias na cidade, nomeadamente na higiene e segurança contra incêndios, com ruas mais largas, construção de pedra e acessos ao Rio.

O mesmo não foi impedimento para que o conhecimento não fosse desenvolvido e viesse a ter utilidade, como efectivamente teve para o estabelecimento e apetrechamento de cidades na América do Norte.
Chegados aqui é legítima a expectativa que o Plano Director de Macau seja particularmente forte nas vertentes que são as principais preocupações da RAEM e, nesse sentido, desenvolva aptidões acrescidas, que desde logo se afiguram serem o saneamento urbano em condições hidrológicas adversas, assim como a habitação e a pressão imobiliária. O que se delinear na vertentes de transportes será em função e em articulação com essas decisões.

Como é igualmente legítima a espectativa de que o pensamento sobrejacente não seja ingénuo e, por isso, as soluções nas vertentes mais importantes não devem ser triviais.

A Proposta de Plano Director pra a RAEM não produziu um “texto” relevante de uma posição ideológica que deve caracterizar o futuro ordenamento territorial, pelo que não é exercício inútil especular sobre possíveis “subtextos”.

Daí é possível extrair que as orlas da RAEM são objecto de mais definição e intervenção, nomeadamente em circulação viária, do que as zonas mais interiores, seja qual for o actual nível de consolidação.

É pela orla do território que será feita a integração definitiva da RAEM no território continental da RPC, como é também esse o alcance temporal do Plano Director. Por isso, não faz sentido que tal integração não seja um ponto forte, senão o mais forte, do “texto” da Proposta de Plano Director, ou que isso se deva extrair de um “subtexto”, sendo que “subtextos” são frequentemente discursos secretos ou enigmáticos.

Assim, trazer esse “texto” à luz do Plano, permitiria estabelecer linhas orientadoras para definir funcionalmente e paisagisticamente essas frentes de integração do território, mesmo quando o ponto de partida ainda só seja a rede viária. Em verdade, mesmo projectando uma estrada regional ponderam-se as opções de traçado que, para além da sua utilidade, tornam a viagem mais aprazível.

Sobrejacente ao acto de ordenar o espaço está, ou deve estar, o pensamento que comanda as regras por que um plano urbanístico se pauta, e que, necessariamente, é reflexo do ordenamento social existente ou em vista.

É por isso impossível interpretar a paisagem urbana à margem de uma narrativa política ou do pensamento no momento histórico. Do mesmo modo que também é impossível não concluir pela ausência de narrativa, quando estamos perante algo ingénuo.

Por isso, a interpretação na vertente ideológica poderá posicionar-nos diferentemente na apreciação de um plano de ordenamento territorial. Mas já nos colocamos solidariamente na mesma posição perante tudo o que se nos apresenta ingénuo, trivial, ou que não releve em discurso urbano.

5 Jun 2021

Plano Director | Sulu Sou pouco optimista sobre mudança de posição do Governo

Sulu Sou considera que o Chefe do Executivo passou a “mensagem errada” quando defendeu que a população não se opôs às instalações governamentais previstas para as zonas C e D. Contudo, o deputado não acredita que o Governo volte atrás e destine o espaço a zonas verdes e instalações culturais e recreativas

 

Numa conferência de imprensa agendada para expressar as opiniões da Associação Novo Macau sobre as conclusões da consulta pública ao novo Plano Director, Sulu Sou considerou que a vontade da população não está a ser cumprida relativamente à criação de zonas verdes e instalações culturais e recreativas nas zonas C e D junto ao Lago de Nam Van.

Segundo o deputado e vice-presidente da Associação Novo Macau, apesar de quase 70 por cento da população ter mostrado oposição à construção de edifícios governamentais na zona e mais de 80 por cento estar contra os limites máximos de altura de 62,7 metros, o Chefe do Executivo passou a “mensagem errada” sobre o assunto, vincando que o plano é mesmo para avançar. Perante o cenário, Sulu Sou está pouco optimista sobre uma mudança de posição por parte do Governo.

“O Chefe do Executivo disse que os cidadãos não se opõem à construção dos edifícios governamentais e que se opõem apenas aos limites estabelecidos para os edifícios, mas isso não é verdade. Para ser honesto, não estamos optimistas [numa mudança de posição], porque enfrentamos repetidamente a mesma atitude por parte do Governo nos últimos anos. No entanto, temos a responsabilidade de mostrar novamente as nossas exigências, que são também as opiniões da população”, apontou ontem Sulu Sou.

Para o deputado, aquela área que, além das zonas C e D junto ao Lago Nam Van inclui também o Lago Sai Van e a zona B dos novos aterros, é o “último jardim da península de Macau” e que, por isso, esta é a “última oportunidade” para o defender. Além disso, Sulu Sou considera que existem “recursos suficientes” para albergar os serviços do Governo noutros locais como no Pac On, Zona Nova e Dynasty Plaza.

Quantos são?

Durante a conferência de imprensa, Sulu Sou referiu ainda que a Associação Novo Macau está “desiludida” com o facto de, tanto o documento de consulta pública, como o relatório serem omissos em termos de política demográfica.

“O Plano Director de qualquer cidade não pode estar separado da sua política demográfica. Estamos muito desiludidos que o documento de consulta pública e o relatório final não mencionem dados ou qualquer informação sobre o desenvolvimento da população em Macau. O relatório não tem em conta as necessidades gerais e regionais da população, projecções de evolução (…), capacidade de desenvolvimento e estrutura da população, pelo que as necessidades reais em termos de espaço público nunca poderão ser estimadas”, afirmou o responsável.

Sobre a classificação do Alto de Coloane como zona habitacional, proposta liminarmente recusada pela população e sobre a qual o Governo recuou, Sulu Sou apontou que o Executivo perdeu uma oportunidade de evitar um “conflito”.

“Não percebemos porque é que o Governo sugeriu que o Alto de Coloane fosse usado como zona habitacional durante o período de consulta pública. Pedimos ao Governo para reflectir sobre esta questão e não avançar temas que constituem conflitos sociais. A protecção de Coloane é uma exigência de longo prazo da população”, vincou.

13 Mai 2021

Membros do CPU emitem opiniões até 5 de Junho sobre Plano Director

Chan Pou Ha espera que os trabalhos de preparação da Lei do Planeamento Urbanístico fiquem concluídos até ao final do ano. As opiniões dos membros do Conselho do Planeamento Urbanístico vão ser entregues ao Chefe do Executivo no prazo de 60 dias

 

Os membros do Conselho do Planeamento Urbanístico (CPU) têm até 5 de Junho para elaborar um parecer individual com opiniões sobre o Plano Director da RAEM. A data limite foi traçada ontem, numa reunião à porta fechada, em que os membros discutiram a forma como o CPU vai dar o seu parecer.

“Segundo a Lei do Planeamento Urbanístico, o Conselho tem de emitir um parecer sobre o documento. Como são trabalhos com um grande volume tivemos de agendar uma reunião para discutir a realização dos trabalhos”, afirmou Chan Pou Ha, directora da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) e presidente do CPU.

“Todos os membros do Conselho do Planeamento Urbanístico vão apresentar um parecer por escrito. Têm cerca de um mês para o elaborarem, até dia 5 de Junho”, acrescentou.

As opiniões dos membros do CPU vão depois ser colocadas online no portal do conselho, e poderão ser consultadas nesse local. Contudo, as opiniões serão depois apresentadas e debatidas em dois encontros do CPU, agendados para 9 e 16 de Junho. “Nesses dias vamos ter uma reunião em que os membros podem apresentar as suas opiniões. Vamos ter duas semanas para fazerem as apresentações”, indicou Chan.

Concluídas as discussões, as opiniões dos membros do CPU vão ser compiladas com as opiniões da consulta pública e entregues ao Chefe do Executivo, Ho Iat Seng. Este processo tem de ser concluído dentro de 90 dias e vai também ser disponibilizado através do portal electrónico.

Este ano

Após a reunião, Chan Pou Ha deixou ainda o desejo de que o processo legislativo do Plano Director possa ficar concluído até ao final do corrente ano, tendo depois de ser votado na Assembleia Legislativa. “Esperamos que após o envio das opiniões ao Chefe do Executivo que os trabalhos possam ser concluídos ainda este ano”, disse Chan, no final do encontro. “Por isso, espero que o processo corra bem e que seja concluído o mais cedo possível”, realçou.

Na reunião de ontem, os membros do CPU assistiram ainda a uma apresentação sobre os resultados da consulta pública à população, que decorreu entre 4 de Setembro e 2 de Novembro do ano passado.

Também ontem, Chan Pou Ha abordou o assunto da instalação de uma comporta para controlar o nível da água no Porto Interior para evitar as cheias. A directora da DSSOPT confirmou que o Governo já está na posse dos resultados do estudo sobre a viabilidade do projecto, mas que ainda decorrem trabalhos técnicos, que impedem a divulgação do estudo. Porém, Chan prometeu que as conclusões vão ser anunciadas o mais brevemente possível.

6 Mai 2021

Plano Director | Consulta pública registou oposição a habitação no Alto de Coloane

Depois da consulta pública sobre o Plano Director registar quase duas centenas de opiniões contra a criação de uma zona habitacional no Alto de Coloane, o Chefe do Executivo disse que se vai manter o espaço verde. A construção de instalações governamentais nas zonas C e D junto ao Lago Nam Van foi também rejeitada, mas o Governo defendeu a necessidade de aproveitar os terrenos para instalações colectivas

 

 

O Governo recolheu um total de 1.265 opiniões na consulta pública sobre o projecto do Plano Director, subdivididas em 4.939 opiniões sobre os diversos tópicos. Mais de metade das opiniões foram sobre as finalidades dos solos, entre as quais 533 sobre as zonas habitacionais. A classificação do Alto de Coloane como zona habitacional esteve entre os tópicos mais discutidos, registando 193 opiniões discordantes. “Não concordam com a classificação do Alto de Coloane como zona habitacional, uma vez que o mesmo é considerado como pulmão e jardim de Macau, o Governo da RAEM deve proteger as colinas de Coloane”, refere o relatório.

Além disso, registam-se opiniões como a construção de habitação não ajuda os cidadãos, tratando-se antes de “um tipo de transferência de benefícios aos grupos financeiros”, além de preocupações com a destruição das colinas.

Em resposta às opiniões apresentadas, o Governo defende que o projecto do Plano Director prevê a construção de um edifício de baixa densidade que “não irá afectar as colinas existentes e terá uma distância e zona de protecção adequada” entre a área e a zona de protecção ecológica. O Executivo explicou ainda que o objectivo inicial era desenvolver uma zona habitacional no Alto de Coloane para que as pessoas que trabalham no Cotai pudessem ter casa na zona.

No entanto, face às preocupações apresentadas o Governo compromete-se a reavaliar a proposta. “A Comissão Interdepartamental analisará o ambiente circundante do respectivo terreno, em conjugação com a relação global entre o vizinho Parque de Seac Pai Van Lai Chi Vun e reexaminará as vantagens e desvantagens do Projecto do Plano Director, de modo a procurar mais espaço que poderá ser aperfeiçoado para satisfazer as necessidades da sociedade de reservar mais espaços verdes”, pode ler-se no relatório.

De acordo com o Gabinete de Comunicação Social, Ho Iat Seng já reagiu ao relatório da consulta pública e indicou que vai seguir a vontade das pessoas. “Quanto ao planeamento no Alto de Coloane, o Chefe do Executivo afirmou que o Governo aceitou as opiniões públicas emitidas sobre esta matéria, ou seja, irá manter a zona na qualidade de espaços verdes e não para fim habitacional”, diz a nota.

Sem cedência

A sociedade reagiu também com oposição à construção de instalações governamentais nas zonas C e D junto ao Lago Nam Van. “De um modo geral, a sociedade não concorda com a construção de instalações governamentais nesta zona e considera que esta deve ser considerada zona verde ou destinada a espaços públicos abertos e instalações culturais e recreativas”, indica o documento. As opiniões discordantes apresentadas focavam-se principalmente no “desperdício” que a construção representa numa zona em que a localização e paisagem “são excelentes”.

O Governo defendeu que “é necessário aproveitar ao máximo os terrenos e construir as instalações indispensáveis para o desenvolvimento urbano”, alegando escassez de solos e insuficientes instalações colectivas. No entanto, explicou que a proporção dos terrenos destinados a construções e a zonas verdes será clarificada nos planos de pormenor.

Foram ainda apresentadas 160 opiniões contra a altura máxima de 62,7 metros para os edifícios a construir nas zonas C e D, por entenderem que “é necessário proteger a sua paisagem”. No entanto, o Governo entende que o projecto do Plano Director propõe directrizes que têm em conta a preservação das paisagens do Centro Histórico de Macau. Também o Chefe do Executivo manteve que se vão construir instalações de utilização colectiva nas zonas C e D, que terão “baixa densidade e altura, de acordo com os critérios da Lei do planeamento urbanístico”.

Ponto de equilíbrio

Outra questão a gerar atenção foi a Zona Industrial de Ká-Hó, com opiniões a defenderem a troca de finalidade de terrenos industriais para fins habitacionais. Por outro lado, há quem seja a favor do desenvolvimento industrial e da criação de uma indústria complementar ao turismo.

Com instalações como o terminal de combustíveis localizadas nessa zona, o Governo propõe que as zonas industriais se mantenham, elevando-se antes a actividade económica e a modernização industrial. No entanto, as sugestões e o parecer do Conselho do Planeamento Urbanístico serão analisados para “optimizar a instalação de zonas industriais e equilibrar as necessidades do desenvolvimento económico e da conservação”.

Já o controlo de poluição foi um ponto que reuniu dezenas de opiniões favoráveis, muitas delas semelhantes e a considerarem necessário que a poluição da zona industrial de Ká-Hó seja supervisionada e a zona tampão fiscalizada, dado que “afecta as zonas habitacionais no seu redor”.

Duas dezenas de opiniões focaram-se ainda nas necessidades de habitação dos jovens, propondo, por exemplo, que sejam criadas medidas de concessão para a aquisição ou arrendamento de casa. As ideias apresentadas abrangeram ainda explorar a viabilidade de “comunidades partilhadas” que ofereçam aos jovens “um novo modo de vida e de habitação. Reconhecendo que os residentes sempre mostraram preocupação com a procura de habitação, o Governo declara que vai atribuir zonas habitacionais “adequadas para grupos etários, incluindo jovens e idosos, de acordo com a situação demográfica e as suas mudanças dinâmicas”.

Com o envelhecimento populacional em mente, houve quem pedisse a instalação de mais equipamentos colectivos, como lares e espaços verdes. O documento indica que as sugestões vão ser analisadas em conjunto com as opiniões do Conselho de Planeamento Urbanístico, para serem tidas em conta na elaboração do Plano de Pormenor de cada zona.

Areia a mais

Relativamente a novos aterros, 41 pessoas concordaram em pedir ao Governo Central a construção de um aterro para aumentar os espaços verdes na zona norte e na zona A. Em sentido oposto, houve mais vozes contra do que a favor da realização de aterros na Zona D, por preocupações com a protecção do meio ambiente e marinho.

Note-se que o Chefe do Executivo já disse que o Governo aceita as opiniões sobre o aterro da Zona D e que o plano do aterro no lado oeste da Zona A implica a autorização do Governo Central. Ho Iat Seng referiu que as obras do aterro da Zona C “encontram-se muito atrasadas” devido à falta do fornecimento de areia, enquanto “o andamento das obras do aterro da Zona D também depende da evolução da situação”.

Quanto às zonas de conservação ecológica, 88 por cento das 444 opiniões recolhidas mostraram-se favoráveis à sua existência. Já no âmbito dos espaços verdes e de lazer, 189 pessoas concordaram que é necessário aumentá-los, proporcionando mais espaços para actividades do público. “Nos últimos anos, os residentes têm dado mais importância à qualidade de vida em família e a espaços de actividades ao ar livre para as crianças, especialmente durante este ano, devido à epidemia”, pode ler-se.

Numa vertente distinta, o desenvolvimento de uma nova zona comercial marginal no lote que estava destinado ao Parque Oceanis gerou 53 opiniões discordantes. Estas vozes consideram mais adequada a transformação do terreno em zonas verdes ou espaços abertos, como forma de preservar a paisagem visual e responder à procura de espaços públicos. Neste ponto, o Governo disse que a área será desenvolvida em conjunto com o espaço de lazer marginal, um corredor verde à beira-mar e uma ciclovia. Além disso, observou que a zona comercial deverá “encorajar concepções arquitectónicas que possam elevar a classe da cidade”.

4 Mai 2021

Plano Director VI – da morfologia urbana

[dropcap]D[/dropcap]e todas as áreas de intervenção do Projecto de Plano Director, os Aterros da Baía da Praia Grande é aquela que teve génese ou desenvolvimento menos espontâneos, e que mais importa interpretar o que presidiu a essa génese.

O Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande, prosseguiu as orientações que remontam e resultaram ainda do levantamento exaustivo das condições hidrológicas feitas por Adolpho Loureiro no final do Sec. XIX, que à data tinha em vista aliviar o assoreamento, que sempre constituiu tormento para a utilização e gestão do domínio hídrico em torno do território, nomeadamente de acesso ao Porto Interior. Tais orientações tinham em vista estreitar o estuário entre a península de Macau e a ilha da Taipa, acelerando o caudal fluvial e de maré, para limpeza de fundos e para alívio da manutenção do canal do denominado “rada”.

Presentemente a realidade não é mais a mesma, não pelo agravamento do assoreamento das margens, mas pela urbanização do estuário a montante, ao ponto de o estuário não mais se poder espraiar e acomodar as situações extremas de caudal fluvial e de maré, passando as orlas urbanas mais antigas e mais baixas a ser recorrentemente fustigadas por inundações.

Presentemente um sistema ainda por compreender nas suas características actuais, e que hoje se faz por modelos numéricos de simulação, para informar e orientar futuras intervenções urbanísticas.

À questão geomorfológica sucede o modelo urbano de ocupação, e aquilo que mais releva para o desenho da cidade.

Ao contrário dos outros aterros efectuados no passado, que vêm substituindo sucessivamente os contornos do litoral, o Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande manteve grande parte da morfologia original da margem, nomeadamente na Av. da República, gerando “ao largo” grande parte do solo novo.

Disso resultou que os contornos da baía passaram a poder ser apreciados mais de perto, que não apenas da ilha da Taipa, como também dessas margens poderia ser apreciada a morfologia de uma nova ilha. Ou seja, diversas possibilidades de gerar nova paisagem e de apreciar a já existente.

Para isso, a regra da malha urbana pautou-se por uma rede viária de diferentes hierarquias, onde são interiores as vias de trânsito mais intenso, e são periféricas as de trânsito local. Disso espera-se que as margens do aterro mantenham o equilíbrio das suas características, mesmo que o trânsito de circulação mais geral se intensifique.

Disso resulta resguardo para as imagens de contorno litoral, visualmente ricas de reflexos urbanos na água, sem que essas imagens fossem cortadas por grandes vias marginais ou que as mesmas viessem a ser intensificadas e difíceis de atravessar. Foram ainda previstas situações em que a própria edificação existisse directamente sobre a água para perfeita continuação do seu reflexo, como é o caso do edifício da Assembleia Legislativa.

Da mesma malha urbana existem ainda vias transversais de direcções aparentemente aleatórias que captam outros avistamentos distantes no interior daquela nova “ilha”.

E como efectivamente se trata de uma “ilha” artificial, admitiu-se um núcleo de construção mais elevada que decresce em três frentes de água, como se uma colina artificial se elevasse dos lagos, por analogia à morfologia natural da península e das demais ilhas em redor.

As encostas dessa “ilha” artificial formam-se pelos os pisos que acrescem ao edifício imediatamente em frente.

A Torre de Macau não fora prevista no plano, mas serve a mesma morfologia, como algo especial que acresce ao cimo de uma de uma elevação.

Nesse plano foi ainda prevista a possibilidade de intervenções icónicas, por via de dois “colossos” com a fisionomia de duas torres de base elíptica que marcavam a entrada nesta “ilha”, pelo “istmo” por onde se acedia a partir do N.A.P.E.

Entretanto, o aterro na zona Sul desta “ilha” foi acrescentado e aquele acesso em “istmo” perdeu expressão ou preponderância.

Presentemente essa preponderância reside exclusivamente no eixo da ponte Nobre de Carvalho, mas que o Projecto de Plano Director não aproveitou para ladear por algo que fosse mais que um “descampado”, nomeadamente reposicionando os dois “colossos” previstos no plano inicial, para que enquadrassem perspecticamente a abordagem da Praça Ferreira do Amaral pela ponte Nobre de Carvalho.

O projecto de Plano Director prevê para esta zona a concentração de elementos comerciais, turísticos e de diversões, pela construção de diversas instalações públicas e instalações turísticas e culturais, mas também instalações governamentais, sem, contudo, enunciar um guião para toda essa articulação funcional.

Pretende ainda integrar esta zona num percurso de atributos paisagísticos ao longo da costa a que chama “Cintura de Turismo Histórico na Zona Costeira” que, todavia, já existe, se bem que em trechos de temas e características diferentes, e que nem sempre é periférico.

Possivelmente a intervenção pertinente seria antes a interpretação e a caracterização de cada um desses trechos existentes, a forma de os articular, para que se transitasse de um segmento para outro segmento, e se lhes desse continuidade.

O Projecto de Plano Director admite que nesta zona as construções possam atingir a altura da colina da Penha até ao máximo de 62,7 metros (aproximadamente 20 pisos) mas não diz com que partido plástico de distribuição volumétrica, sendo certo que não foi isso o que se representou nas imagens prospécticas adiantadas pelo plano, que antes se pautam pela contenção da altura.

Em verdade, a contenção das alturas nas orlas dos planos de água retira oportunidade de reflexo da arquitectura no plano da água que são sempre atributos das cidades costeiras ou litorais.

A preocupação em causa aparentemente prendeu-se com a salvaguarda dos avistamentos notáveis, todavia, a notoriedade dos avistamentos resulta tanto do objecto avistado como do partido que disso se tira do local de onde é avistado.

É por essa razão que os pontos de avistamento se seleccionam e se salvaguardam do próprio objecto avistado. Isso porque tudo o que daí se avista, significa que esse objecto é daí igualmente avistado.

É antes sobre essa vista revertida que é possível tomar decisões sobre onde é importante que um avistamento chegue, para limitar a altura da construção a edificar por meio, assim como decidir onde se pode prescindir desse avistamento, para que nesse sector a edificação em altura possa acontecer e não resulte danosa.

À preocupação de conter a cidade na sua altura, deveria antes prevalecer a preocupação de definir significativamente a cidade na sua volumetria, que está ao alcance de um plano de intervenção. Não somente de contenção que é antes atribuição de medida cautelar, na ausência de plano de intervenção.

O Projecto de Plano Director pretende “sublinhar a imagem de cidade costeira”, mas nenhuma morfologia significativa sustentou à escala dessa paisagem costeira, que é aquela que tem capacidade de ser percepcionada a grande distância. O mesmo é dizer que pretende sublinhar palavras que não escreveu.

E estamos a falar da silhueta que tem capacidade de definir o icon gráfico por que uma cidade se identifica, que vem sido construído na RAEM aleatoriamente, e que um plano director tem capacidade de aferir e de aperfeiçoar (vd. Cidades atentas ao seu “skyline”, in HojeMacau, 05-10-2007).

1 Dez 2020

Plano Director V – Da Morfologia Urbana – O espaço Canal

(Continuação de dia 13)

[dropcap]A[/dropcap] afirmação das ruas como a unidade espacial mais elementar de toda a organização social e económica urbanas, já não aconteceu nas cidades que optaram pela sua expansão em vez da sua intensificação.

Isso aconteceu a reboque da utilização de transporte automóvel particular ter passado a estar ao alcance de todos, e é também razão porque essas cidades dependem hoje em dia exclusivamente de centros comerciais dentre de edifícios na periferia, porque nunca fixaram populações em densidade que permitisse o aparecimento nessas periferias de uma rede de ruas verdadeiramente comerciais, onde se abastecessem localmente.

A razão para a expansão das cidades em bairros/cidades periféricas fundou-se também no aval do estado da urbanização mundial no 2.º quartel do sec. XX. A intensificação descontrolada e o excesso de tráfego tornaram as ruas das cidades impróprias para a habitação, nomeadamente na modalidade em que a habitação em banda dependia exclusivamente da orientação para essas ruas.

O mesmo aval recomendava que a intensificação da ocupação urbana deveria processar-se antes pela construção em altura, com edificações mais distanciadas entre si, libertando mais espaço ao nível do solo, e resguardadas da circulação rodoviária por cinturas de vegetação. Os exemples mais notáveis disso em Macau são a torre habitacional de Chorão Ramalho na Av. Sidónio Pais, recuada em relação ao plano marginal da rua, e as Torres da Barra de Manuel Vicente.

Por outras palavras, o mesmo significou um modelo de ocupação com características que foram mais a tradição do norte da Europa e menos as mediterrânicas. Como a proliferação do mesmo significou o abandono do “espaço canal” de rua e a decadência do elaborado modelo económico e social que resultou do desenvolvimento e intensificação das cidades, e que se renovava em cada geração desses habitantes.

Efectivamente não foram modelos de baixa densidade o que caracteriza a cidade de Macau, tanto na génese da sua morfologia como no seu crescimento. Mesmo quando o território foi excedente de solo em relação ao que fora densamente ocupado na península, e foi excedente de solo nas ilhas quando a península estava densamente ocupada na sua totalidade.

Se avistarmos do ar os bairros antigos revela-se uma elevação de construção com uma altura predominante, rasgada por canais. As torres que aí esporadicamente se impõem pautaram-se pela modalidade de acréscimo de volume de reconstrução que acontece apenas recuadamente, e que assenta sobre uma base (um pódio), o qual respeita o plano marginal da rua original.

Foi também esse o modelo adoptado em novas urbanizações tais como a Zona de Aterros do Porto Exterior (o ZAPE) ou o bairro do Hipódromo, em sentido de manutenção da tradição do espaço canal (a rua), com a altura e largura achadas adequadas, e com todas as valências funcionais que caracterizam essa tipologia de espaço urbano a que chamamos “rua”.

Enquanto isso, nas cidades onde se seguiu o modelo de torres isoladas, rodeadas por verde ambiental, tal como preconizado pelo urbanismo moderno, o mesmo não contribui para a socialização do espaço urbano. O acréscimo desse espaço, se nuns casos significou mais espaço para todos, noutros também significou mais espaço para ninguém. A segurança que resultou desse modelo de ocupação foi menor que a do espaço de rua tradicional, nomeadamente logo que as ruas mais exaustas e degradadas foram reabilitadas e o tecido social foi recuperado.

O que aconteceu, entretanto, foi também que as mesmas ruas passaram a ter os limites de ocupação regulados, as actividades passaram a ser criteriosas e a circulação ajustada e condicionada à dimensão das vias e aos usos. Por outro lado, as ruas novas adoptaram logo de início condições geométricas e funcionais melhor ajustadas.

O espaço canal nos bairros antigos é ainda portador de uma capacidade intrínseca de salvaguarda de património histórico.

A rede de artérias, seja consequência de uma topografia ou de um modelo racional abstracto, confere às cidades aspectos próprios e únicos que são mais persistentes do que a vida económica ou o interesse nos edifícios aí construídos.

Essa salvaguarda reside no facto de que o plano marginal do espaço urbano constitui uma barreira entre domínios, o púbico e o privado, que só é possível anular por medidas excepcionais.
Em verdade, ao fim de algumas décadas, uma cidade pode ter o seu parque edificado inteiramente substituído, mas continuará a manter sinais expressivos da mesma cidade, que resultam da matriz do seu espaço público, e que não dependem exclusivamente das edificações que lá existiram.
É exactamente disso que Macau é um bom exemplo.

Por sua vez, a rigidez dos planos marginais do espaço urbano é algo que carrega tradição e elaboração, a que correspondem modalidades diversas de espaços vestibulares ou espaços de transição que, por sua vez, variam com características e tradições locais.

Por razões diversas não se passa directamente de um espaço predominantemente público para um espaço predominantemente privado, como não se passa directamente de um espaço interior para um espaço exterior. Principalmente quando, o que acontece lá fora é demasiado mundano, e onde recorrentemente faz muito calor ou muito frio, ou frequentemente chove, ou o sol é abrasador.

As componentes arquitectónicas configuradas para essa finalidade têm nomes, como alpendre, vestíbulo, arcada, peristilo ou nártex.

Disto resulta que os atributos de uma rua ou de uma praça possam ser muitos e diversos, tornando o espaço urbano rico em elaboração.

O projecto de Plano Director para a RAEM não discorreu sobre as características tipológicas do espaço urbano a preconizar nas novas urbanizações, seja na salvaguarda de uma tradição local que se desenvolveu e se ajustou, seja na vertente do seu aperfeiçoamento ou inovação.

18 Nov 2020

Plano Director V – Da Morfologia Urbana / O espaço canal

[dropcap]E[/dropcap]m morfologia urbana importa tanto o que se concretiza, com as características e os atributos do que se concretiza.

A tipologia urbana de espaço canal é caracterizada por um território rasgado por artérias onde os humanos circulam socialmente nas suas diversas formas de locomoção e de interacção urbana.

A fronteira desses espaços constitui o limiar entre o público e o privado, e o mesmo significa territorialidade, segurança e privacidade.

Naturalmente as configurações que disso podem resultar são diversas e as variações constituem manifestação cultural.

Efectivamente, no espaço mediterrânico, o limiar desses canais era tendencialmente murado, e ainda é, independentemente de a edificação privada se estender, ou não, até esse limite.

Disso resultava resguardo da luz, da territorialidade e da privacidade, senão mesmo contenção da ostentação privada que não era bem vista, sendo isso o que ainda persiste nas culturas a sul e a este do Mediterrâneo.
Assim, as construções tinham poucas portas e janelas que dessem directamente para o espaço público, e tinham cortinas necessariamente.

Aí, o espaço público era estritamente o necessário, porque não era de fácil manutenção, e nem sempre claro se o mesmo era de todos, ou antes, se era de ninguém.

Foi também essa uma tradição que emergiu de densidades populacionais mais altas, i.e. onde a vida humana estava organizada em regimes de grande concentração e proximidade, numa cidade que representa o território em torno, e que se dedica a actividades predominantemente de entreposto comercial.

Se nos distanciarmos desta realidade urbana ocidental, que sequer é estranha à oriental, e se progredirmos na direcção das tradições do norte europeu, que são as mesmas que proliferaram do outro lado do Atlântico, ao norte do continente americano, aí as ruas não são muradas sempre que a construção não se estende até ao limiar da rua, o espaço público abunda em climas onde é mais fácil manter estruturas de verde ambiental, e facilmente gera paisagem natural. É também uma tradição que emergiu de densidades populacionais mais baixas, onde poucas são as ruas que têm actividades comerciais.

Aí, as construções já precisam de captar luz, as janelas são maiores e não se correm cortinas.
Nos países de religião predominantemente protestante, correr cortinas é antes visto como encobrimento de algo que não é socialmente aceitável.

Em verdade, circular à noite nas ruas de uma cidade holandesa, onde abundam edifícios com habitação no rés-do-chão, a tentação de um estrangeiro é mesmo olhar para os interiores das casas.

E de tudo isso chegam ainda manifestações dispersas aos nossos dias, tais como, quando alguém responde a um anúncio de uma propriedade em Portugal, a primeira pergunta que faz é se está murada. Ou a avó que visita a casa dos netos na Holanda e vê as cortinas corridas, a primeira coisa que faz é abri-las, por causa do que os vizinhos possam pensar.

Em verdade, as dispersões das semelhanças destas tradições foram no passado mais em torno de um mar, de um rio, ou de um canal.

Resulta por isso curioso que, no passado, os humanos já estiveram mais próximo de poderem ser nacionais de meios hídricos, nas margens dos quais se fixaram, do que dos territórios continentais que a partir dessas margens se estendiam.

E tudo teve a ver com os caminhos que se percorriam, dos quais o caminho pelo meio hídrico já foi o mais fácil e o mais público.

As tradições urbanísticas ocidentais do sul e do norte, muito embora norteadas pelo mesmo modelo clássico de urbanização, resultaram de diferentes densidades demográficas, onde numa, a escassez era mais a edificação, e noutra, a escassez era mais o espaço público.

Foi a revolução industrial que veio homogeneizar essas diferentes demografias urbanas do mundo ocidental e, no final do séc. XIX, a ocupação dessas cidades já se caracterizava na generalidade pelo aproveitamento do solo com construção até aos limites do espaço privado.

Assim, o espaço canal, formado principalmente por ruas (os segmentos), mas também por praças (os nós), definidos pelos seus planos marginais (o alinhamento das fachadas dos edifícios), passou a ser a modalidade mais generalizada de definição do espaço urbano.

Em verdade, o território urbano onde a construção esporadicamente se elevava, passou a ser toda igualmente elevada, apenas esporadicamente perfurada no miolo do domínio privado por pátios ou saguões, para ventilação e entradas de luz, e rasgada no domínio público por fundos canais onde toda a vida social se concentrava e acontecia, fosse nas rotinas diárias, como nas ocasionais, fosse para ligações distantes ou próximas.

As ruas passaram a ser o suporte mais elementar de toda a organização social e económica urbanas, às quais os residentes da cidade pertenciam como a uma nação, da mesma forma como já tinham pertencido no passado a um mar, um rio ou um canal.
Continua…

12 Nov 2020

Plano Director | Criticada falta de dados sobre crescimento da população

A Novo Macau defende que é impossível tomar uma decisão informada sobre a desistência da Zona D dos Novos Aterros quando a consulta sobre o Plano Director não disponibiliza dados sobre a distribuição da população

 

[dropcap]A[/dropcap] Associação Novo Macau criticou o Governo pela falta de estimativas sobre a distribuição da população nos documentos de consulta sobre o Plano Director. A associação democrata entregou ontem as suas ideias sobre o projecto e considerou que faltam elementos para que a população possa participar no debate de forma informada.

“O Governo diz que com o Plano Director vai criar condições para a ‘cidade inteligente’. Mas, quando lemos o documento de consulta não encontramos dados específicos. Por exemplo, há uma previsão de que a população vai ser de 800 mil habitantes. Só que não estão especificadas as zonas da cidade pelas quais a população vai estar distribuída”, apontou Sulu Sou, vice-presidente da associação.

Ao mesmo tempo, a associação defendeu ainda a necessidade de o Governo formular um plano a longo prazo para o desenvolvimento da população e impor mais restrições no “crescimento sem limites” das pessoas vindas de fora. “Se não tiverem uma política de expansão da população bem definida e mais restrita para pessoas vindas de fora, nem que destruam 10 Coloanes vai haver espaço para morar tanta gente”, atirou.

O deputado mostrou-se igualmente incomodado com o facto de poucos dias depois do Governo ter apresentado o documento de consulta sobre o Plano Director ter vindo a público revelar que pretendia abdicar da Zona D dos Aterros.

“Como é que podemos concordar com a decisão de desistir da Zona D dos Aterros se nem nos informaram sobre a distribuição da população?”, questionou.

Três problemas

O dia de ontem serviu para a Novo Macau entregar ao Governo as suas opiniões sobre o novo Plano Director. No documento foram destacados principalmente três pontos que visam as áreas da Colina da Penha, o terreno do Parque Oceanis, na Taipa, e ainda o Alto de Coloane.

Em relação à Colina da Penha a associação mostrou-se contra a construção de edifícios do Governo nos terrenos de Nam Van, por considerar que a necessidade não foi justificada e por estar reticente face à construção em altura, que considera poder bloquear o corredor visual até à Ponte Governador Nobre de Carvalho. Ao invés, foi defendido que seja criada uma área de lazer entre os lagos de Nam Van e Sai Van.

A construção de uma zona de lazer é também o destino defendido para o Parque Oceanis. No entanto, o plano director prevê a construção de uma zona comercial.

Finalmente, no que diz respeito ao Alto de Coloane, a associação é contra qualquer construção, indo ao encontro dos interesses da população que defende a “protecção completa daquela zona natural e montanhosa”.

28 Out 2020

Plano Director IV

[dropcap]A[/dropcap] altura dos edifícios tende a ser contemplada como o resultado de actos abusivos de urbanização, operados pela especulação imobiliária, e com a conivência do poder que administra bens públicos.

Não tivesse sido assim, o poder público estaria em condições de transmitir aos habitantes de uma cidade que a construção em altura é a forma mais eficiente do uso do solo urbano, nomeadamente quando o solo não chega, e é necessário para outros usos que dependem de solo não edificado, como por exemplo circulação ou resguardo e fruição ambientais.

O mesmo certamente os habitantes da cidade extrairiam, se esse fosse o seu reconhecimento da prática urbanística que conhecem.

A construção em altura foi antes resultado de capacidade instrumental que permitiu às cidades resolverem crises de crescimento e de saturação, de se reinventarem e de estabelecerem um novo equilíbrio.
Para isso contribuíram novos materiais e novas soluções estruturais, e contribui Elisha Otis com a invenção dos elevadores com travões de segurança, apresentados na feira universal de Nova York em 1854, pois até então os elevadores eram demasiado perigosos para transportar passageiros.

Como também para isso contribui o desenho mais bem vocacionado a essa morfologia pois, desenhar algo em altura, não é plasticamente a mesma coisa que acrescentar pisos.
Efectivamente uma torre não se desenha da mesma forma como um edifício alto. É antes uma “estória” que se conta na vertical.

Tem um começo, uma base ou um plinto onde toda a carga se concentra, em muitos casos exprimindo isso mesmo no desenho.

Tem ainda um desenvolvimento, um corpo ou um fuste e tem um epílogo, um coroamento, um pináculo ou um remate.

Tudo reduzindo em escala na progressão da altura, seja para atenuação dos momentos da carga, seja para enfatização plástica da altura, parecendo mais alta do que na realidade é, assim abrindo o angulo para recuo visual e para projecção solar no solo.

Não é por acaso que uma das formas que mais caracterizou a Arte Deco, e que é recorrente a forma dos arranha-céus desse período, tenha sido o zigurate, i.e a pirâmide em degraus.

As torres poderão ter ainda no topo um amortecedor de massa sintonizado (um TMD), composto por elementos suspensos e de grande dimensão, que chegam a atingir várias centenas de toneladas de peso.
É um dispositivo montado em estruturas para reduzir a amplitude das vibrações mecânicas, protegendo dos efeitos dinâmicos do vento ou dos sismos, reduzindo a amplitude da vibração, atenuando a sensação de desconforto, o desgaste das juntas de construção, ou mesmo a falha estrutural.

São amortecedores sintonizados porque são dimensionados especificamente para cada estrutura e, por serem deveras especiais, podem merecer um desenho cuidado e nalguns edifícios fazerem parte do circuito de visitantes, como é o caso da torre Taipei 101.

Como também não é por acaso que sinos de grandes dimensões em bronze maciço, se penduraram no cimo de torres de igrejas muito altas.

Para o privado que é dono do solo, construir “mais alto” foi também contrapartida de quem aceitou ou quis ocupar “menos solo”. Foi isso que aconteceu com o centro Rockfeller em Nova York onde, a parte do lote que não foi ocupada, é hoje a praça onde os noviorquinos no Inverno patinam no gelo ao ar livre.

Em suma, na ideia de torre, construção em altura, ou na morfologia urbana que contempla essa possibilidade, não há nada de que a humanidade ou os habitantes das nossas cidades se devam envergonhar.
Apenas o modo de habitar é diferente, mas também muito em sintonia com a razão por que gostamos de viver em cidades grandes e cosmopolitas.

A construção em altura não merece de todo ser considerada uma palavra feia.
O preconceito resulta do facto de que o planeamento urbanístico, ou a falta dele, confrontaram os habitantes da cidade com alturas excessivas em locais desadequados, condições geométricas insuficientemente resolvidas e tipologias de fogos com condições mínimas, que rapidamente se degradaram por falta de regimes de manutenção nessas moles residenciais, de escritórios ou industriais.

Consolidou-se uma tradição de desenho arquitectónico de edifícios altos onde é indiferente o número de pisos, pois o edifício é sempre desenhado da mesma maneira, apenas acrescentando o desenvolvimento da mesma “estória”, todavia sem nada de novo ou de interessante, nomeadamente para a diversidade dos fogos e dos espaços.

Ao mesmo tempo os mesmos habitantes da cidade assistiram à distribuição de vantagens de sobreocupação de solo que se afiguraram como não equitativas ou discricionárias.

Questão não se coloca nos novos aterros da RAEM, para que a morfologia urbana deva seja truncada toda à mesma altura, onde os lotes serão obrigatoriamente colocados na posse dos particulares em condições que são função das vantagens que será possível deles retirar.

As faces da uniformização são transversais, tanto nos benefícios como nos prejuízos.
Questão que antes se colocaria em zonas já consolidadas, onde a atribuição de vantagens geraria desigualdades sobre a renovação do que está já está na posse dos particulares, mas também situações que a urbanização sabe administrar em regime de perequação numa bolsa conjunta de terrenos.

Chegados aqui, afigura-se poder existir um equívoco na estrutura de interpretação e de comunicação por que enveredou o projecto de Plano Director para a RAEM no que respeita a morfologia em geral e a altura de edifícios em particular.

Para obter a confiança do público de que não se praticará mais do mesmo a respeito de volumetrias de construção excessiva e discricionária, a interpretação facultada em torno do plano alimentou o preconceito de que a altura da construção é generalizadamente nefasta e indesejável, sendo isso inverso à teoria do urbanismo e à história das cidades.

Optou pela prudência da contenção volumétrica, em prejuízo de instrumentos que são de vantagem para o uso eficiente do solo, expressão do engenho e da arte, apenas sujeito a rigor mais criterioso.

22 Out 2020

Plano Director III

[dropcap]A[/dropcap] formação de urbanista obtém-se por vias diversas. Pode ter origem na engenharia, na geografia ou na arquitectura e, em função disso, os contributos de especialidade podem ser na área das infra-estruturas, da demografia, dos transportes e da distribuição dos usos, ou mesmo somente para a integração de todos esses contributos numa morfologia urbana, cuja aptidão continua a ser exclusivo da formação urbanista com origem na arquitectura.

Essa realidade não é mais do que o resultado da especialização e autonomização do conhecimento, sendo que todos esses contributos são simultaneamente necessários.

Por sua vez as situações podem reclamar a predominância de um desses contributos, tendo em conta as prioridades e os objectivos a que o plano deve dar resposta e, nesse exercício, é possível identificar qual desses contributos está em comando ou foi negligenciado.

No caso do Projecto de Plano Director para a RAEM suscita-se que a circulação e a distribuição de usos tenham estado em comando e que o contributo mais ténue tenha sido a morfologia urbana.

Para a questão importa ter em atenção duas tradições de urbanismo que são o “prescritivo”, de matriz predominante anglo-saxónica, e o “descritivo” de matriz mais continental europeia. O primeiro pratica-se por via de parâmetros e índices a que as edificações devem obedecer, o segundo define a morfologia urbana a que as edificações devem corresponder.

Chegados aqui, fácil é admitir que o “urbanismo descritivo” é mais garante de uma paisagem urbana qualificada do que o “urbanismo prescritivo”, e que o “urbanismo prescritivo” pode ser responsável por uma paisagem urbana estéril por excessiva normalização paramétrica.

Reportando à realidade da RAEM todas essas situações estão presentes e permitem este aval.
Nas zonas da cidade não sujeitas a Plano de Pormenor praticou-se “urbanismo prescritivo” na última metade do séc. XX por influência de Hong Kong, onde a ocupação foi resultado de um algoritmo que tinha a área do lote como variável mais definidora.

Por via da disparidade das dimensões dos lotes e da possibilidade de se aglutinarem lotes para uma única edificação, a imagem urbana resultou aparentemente desregulada e deveras acidental.

Como resultou totalmente homogénea por normalização da única variável em presença, i.e. a dimensão e a configuração do lote, inscritas na mesma operação urbanística, como é o caso do Bairro do Hipódromo.
Por outro lado, o “urbanismo descritivo” aconteceu por via do recurso a soluções tradicionais ou a projectos tipo, que respeitavam planos marginais de fachadas.

Disso, o Porto interior foi o exemplo mais relevante, todavia mais delapidado.
Como também aconteceu por via de Planos de Pormenor, que é o caso do Plano dos Novos Aterros do Porto Exterior (o NAPE) e o Plano de Fecho da Baía da Praia Grande. O primeiro pautado pelas regras da matriz geométrica abstracta e racional, o segundo por uma matriz geométrica extraída da paisagem local.

Fora de qualquer uma destas situações de urbanização, as ocupações são resultado de instrumento de planeamento urbano ainda prévio designado por “zonamento”, o qual significa apenas bolsas de território afectas a uma determinada finalidade. Não é ainda molde de urbanização, muito menos garante de paisagem urbana qualificada.

No Projecto de Plano Director para a RAEM que se encontra em consulta, as novas zonas habitacionais da Zona A dos Novos Aterros tem esta descrição visual:

E, face aos elementos de interpretação atrás descritos, o mesmo tanto pode antever um modelo de “urbanismo descritivo” a que as edificações devem obedecer, todavia sem render uma paisagem urbana interessante ou qualificada, ou antes um resultado estéril de “urbanismo prescritivo”, por excessiva normalização paramétrica.

Não sendo nem uma coisa, nem outra, estamos perante um resultado ainda prévio de apenas “zonamento” para a finalidade habitacional.

porque era este o nosso arquétipo de casa, e agora passámos a representar premeditadamente em “cruz” porque esse passou a ser o novo, recorrente, e aparentemente único arquétipo de casa.

A questão releva porque, muitas vezes, é somente e exactamente “zonamento” o que se pratica e se concretiza, por falta de exercício de morfologia urbana.

A questão também releva porque é exactamente preocupação do Projecto de Plano Director a preservação da paisagem, nomeadamente a preservação dos avistamentos notáveis, mas não a criação de paisagem e de avistamentos novos igualmente notáveis, nomeadamente de zonas residenciais.

A questão é em tudo semelhante à preocupação na defesa do património histórico, sem cuidar da relevância do que se constrói hoje, e de acrescentar património histórico ao futuro.

Da mesma forma que se almeja que os nossos padrões de consumo se norteiem cada vez mais por essencialidade, a edificação a realizar no futuro, com capacidade de ser duradoura, deve pautar-se pela confiança naquilo que é desejável persistir.

15 Out 2020

Plano Director II – Centro, para que te quero?

[dropcap]F[/dropcap]oi apenas no último quartel do séc. XX que se iniciaram infra-estruturas na Europa que permitiriam a necessária e efectiva reabilitação das qualidades que são intrínsecas ao centro das cidades, entretanto exaustos ou abandonados. Nomeadamente o estabelecimento de transportes colectivos de condução automática e generalizada à periferia, inclusivamente aos aeroportos, e que levariam os residentes a prescindir da utilização de automóveis próprios na cidade.

A tarefa enfrentou dificuldades semelhantes à de levar no passado o caminho de ferro ao centro de cidades já consolidadas, todavia em cidades já maiores, mais consolidadas, mais densificadas e mais intensificadas.

Foi essa a génese das linhas expresso de metropolitano urbano e suburbano, escavadas mais fundo às já existentes, que teriam estações de correspondência no centro da cidade e onde necessariamente foram sacrificados quarteirões para construção dessas estações e de instalações auxiliares ou complementares.

Foi também quando os transportes colectivos passaram a ser planeados em modo “seamless”, i.e. contínuo, com ligações de correspondência cómodas e resguardadas da intempérie.

Foi para isso que se demoliu em 1971 o mercado Les Halles no centro da cidade de Paris e se lançou mais tarde mão à obra de Potsdamer Platz em Berlim em 1990, imediatamente à reunificação da Alemanha e à queda do muro, e que foi considerada o maior estaleiro que a Europa alguma vez conheceu.

Ou seja, os castros históricos da cidade poderão permanecer imutáveis, mas os centros da cidade contemporânea não. Ou se aperfeiçoam dia a dia, ou se degradam também dia a dia.

À escala de Macau já se efectuaram duas intervenções semelhantes, uma no Tap Seac, outra na Praça Ferreira do Amaral, mas onde muito pouca coisa concorreu nessas oportunidades.
No caso de Berlim sequer foi necessário empreender demolições, pois a Segunda Guerra Mundial se encarregara disso. Potsdamer Platz era por onde o muro de Berlim passava e onde toda essa cintura fora limpa de destroços no pós-guerra, mas não foi reconstruída, para vigilância e segurança da nova linha de fronteira.

Mas é também em Berlim onde melhor se percebe o que o centro significa para uma cidade, exactamente por via de dele ter sido privada.

Com a divisão no pós-guerra do território alemão e da sua capital pelas forças aliadas, apenas a França, a Inglaterra e os Estados Unidos aderiram a que as suas ocupações integrassem o mesmo novo estado alemão.

A repercussão disso em Berlim foi que apenas os sectores da cidade ocupados por esses aliados se unificassem e pertencessem ao novo estado Alemão Federal, todavia separados do sector soviético da cidade, o qual tinha continuação para o território do outro novo estado alemão a que pertenceu, a Alemanha Democrática.

A questão releva porque o centro de Berlim estava no sector soviético e aí permaneceu como o centro de Berlim, capital da República Democrática Alemã. Os sectores francês, inglês e americano eram constituídos por periferias da cidade original, e passaram a relacionar-se entre si como troços de uma cidade sem centro, e onde lugares junto ao muro, outrora bairros de prestígio muito perto do centro, como Potsdamer Platz e Kreuzber, passaram a ser as traseiras de uma cidade nova.

Daqui também se extrai que Berlim Oriental teve condições para ser a capital da República Democrática Alemã, mas Berlim Ocidental não teve condições para ser a capital da República Federal Alemã.
Mais ainda releva o facto de que foi nestas mesmas condições que o município de Berlim Ocidental geriu urbanisticamente a cidade, durante mais de 50 anos, sem cuidar de a resolver.

Efectivamente a sanação dessa situação não passava por planeamento urbanístico ou por reordenamento territorial. Passava antes por restabelecimento de outras condições cuja base não era de ordenamento territorial, todavia necessárias para que planeamento urbanístico se cumprisse com sentido.

No mesmo ano de 1990 em que as repúblicas alemãs se reunificaram e o muro de Berlim caiu, a obra de Potsdamer Platz foi imediatamente lançada e essa foi a oportunidade e o principal instrumento que serviu para “coser” o tecido urbano original, reunificando e reapetrechando.
Efectivamente retirar ou desactivar o centro de uma cidade é o mesmo que desorganizar, desarticular ou descomandar um organismo.

Por outro lado, o oposto, i.e. o excesso de concentração e de intensificação dos centros, e que se designa pode macrocefalia, por analogia ao que acontece com outros organismos, poderá ser outra forma de disfuncionalidade, se os instrumentos necessários para essa gestão não estiverem disponíveis, não produzirem resultados eficazes ou forem desproporcionais aos recursos do território.

Nessas situações poderão prosseguir medidas de descentralização, que não passa por repetir o centro, antes de intensificar outros centros de hierarquia inferior ao abrigo da “teoria dos lugares centrais”, ou especializar esses centros, sendo que existiram sempre funções que são reservadas ao centro que se encontra no topo dessa hierarquia.

É também assim que se administram estruturas governamentais, nisso o ordenamento territorial não é muito diferente, pelo que não é difícil obter o mesmo entendimento por parte de quem governa territórios.

O Projecto do Plano Director apresentado para a RAEM caracteriza-se por “Um Centro, Uma Plataforma, Uma Base” e propõe o uso de “portais”, “centros modais”, “cinturas” e “núcleos” para criar a nova estrutura espacial urbana.

Esses termos preenchem o que se descrevem atrás a respeito de ligações com outras regiões (portais), especialização articulada de centros (núcleos e centros modais), assim como novas acessibilidades, se bem que só periféricas (cinturas). Nada se menciona a respeito do centro que organiza, articula, norteia ou comanda todo este organismo.

As designações utilizadas são “Centro Mundial de Turismo e Lazer” que antes corresponde a uma especialidade extensível a toda a Região Administrativa Especial, “Centros Modais de Cooperação Regional”, todavia todos localizados na periferia e “Centro Histórico” incluído na zona consolidada da península de Macau, para a qual não foi definida nenhuma estratégia.

É isso o que reveste o projecto de Plano Director mais em sentido de Plano de Urbanização de novas zonas, e menos de Plano Director de toda a região.

O projecto contempla que se preservem as actuais zonas comerciais concentradas na Avenida de Almeida Ribeiro e na ZAPE, destinadas essencialmente às actividades de comércio e serviços, nomeadamente as actividades comerciais, os escritórios, as actividades financeiras, de retalho, de restauração, de convenções e exposições, entre outros.

Tudo funções que caracterizam um CBD (Central Business District), mas nada sobre a sua intensificação, o seu reapetrechamento ou a sua actualização como centro de um organismo com um novo desenvolvimento urbano. Ou seja, algo que evolui em sentido de microcéfalo, de que não se conhece exemplo em urbanismo.

A medida mais sugere ser temporária, e que esse centro passe entretanto a ser noutro local, ou sequer na RAEM, e que o actual centro só não será para implodir porque incluiu um centro histórico classificado património mundial.

O mesmo é dizer que o actual centro evoluirá em sentido de castro histórico, mas isso também não prescinde de dever ser funcionalmente e acessivelmente apetrechado, por não é exclusivamente arqueológico ou museográfico.

Mesmo que a intenção seja de entregar o centro e os bairros antigos à estratégia económica neoliberal, que foi o modo mais generalizado como as cidades conseguiram conduzir renovação urbana no passado recente, essa massa económica carece de apetrechamento e de interfaces.

A pergunta simples, com alcance de aperfeiçoamento de Plano Director, é:
– À chegada a Macau, para onde se vai apontar o sinal de “centro”, e como lá se chega?

11 Out 2020

Ung Vai Meng alerta para negligência de locais históricos no Plano Director

[dropcap]U[/dropcap]ng Vai Meng, ex-presidente do Instituto Cultural (IC), alertou para a necessidade de uma maior preservação de zonas históricas tendo em conta o actual projecto do Plano Director, noticiou o jornal Ou Mun. Segundo Ung Vai Meng, a definição de zonas constante no projecto pode alterar o actual tecido histórico do território, tendo dado como exemplo o desaparecimento do istmo Ferreira do Amaral [que vai da praça das Portas do Cerco, a norte, à Estrada do Arco, a sul] da zona Norte 2. De frisar que este istmo era uma “língua” de terra que ligava a península de Macau à China, sendo “um laço importante” entre Macau e o país e que por isso deve ser mantido, disse Ung Vai Meng. O ex-presidente do IC disse também, numa sessão de consulta pública sobre o projecto, que a proposta de nomeação das zonas também negligencia nomes como Areia Preta, Mong-Há e Nam Van que têm o seu significado histórico e já fazem parte do léxico da população.

Mak Tat Io, chefe do departamento de Planeamento Urbanístico da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), explicou que a divisão territorial proposta foi feita em termos estatísticos, sendo efectuada a divisão do centro histórico em três zonas [Zona Central 1, 2 e 3] que possuem maior ligação entre si. Além disso, a separação pode resultar numa divisão das ruas e zonas, embora o futuro Plano Director tenha em conta o património e o actual tecido urbano. Mak Tat Io disse ainda que a zona do istmo Ferreira do Amaral é mencionada na lista dos 23 corredores visuais.

Consenso, precisa-se

Na mesma sessão de consulta pública, alguns residentes levantaram a questão do futuro crematório. Mak Kim Meng, representante do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), adiantou que a localização será feita com base no consenso da sociedade e que não existem, para já, quaisquer planos. O responsável adiantou ainda que o projecto do Plano Director prevê dez por cento de terrenos para equipamentos de utilização colectiva e 23 por cento para a construção de infra-estruturas públicas, pelo que haverá espaço suficiente para o crematório. Mak Tat Io disse que isso não significa que existe a necessidade de construir o crematório, mas tal assunto será decidido quando houver consenso social.

11 Out 2020

Plano Director II – Centro, para que te quero?

[dropcap]N[/dropcap]o ordenamento territorial da tradição ocidental, que se admite ser a matriz da cidade de Macau, e em aspectos em que a civilização chinesa sequer difere, a cidade não é um território de produção, mas a sua representação concentrada e centralizada, nomeadamente administrativa e económica, assim como o interface desse território que representa.

Não é por acaso que estados optaram por fixar, ou por relocalizar as suas capitais nos centros mais geométricos dos seus territórios.

Em causa está necessariamente a acessibilidade ao território que a cidade representa, de que serve de interface, e é daí que se retira o sentido da expressão que “todos os caminhos vão dar a Roma”.

Outras modalidades existiram em que as cidades não foram a representação económica e administrativa de um território de produção, mas o próprio território de produção.

Foi isso o que caracterizou o ordenamento territorial das civilizações maia, asteca e khmer, mas também condição que autores Costanza, Graumlich, Steffen, Tainter e Turchin, entre outros, atribuem ter resultado em incapacidade urbana de lidar com o crescimento e com a mudança, e o subsequente declínio e extinção.

Foram efectivamente as tradições urbanas de alta densidade e de matriz grega e romana, que caracterizam o chamado Velho Mundo, que se revelaram mais capazes e mais resilientes, fazendo uso eficiente do espaço, atingindo recorrentemente a saturação, mas também desenvolvendo capacidade instrumental para lidar com o crescimento e a mudança, para se adaptarem e para evoluírem.

Chegados aqui, fácil é reconhecer que às cidades é intrínseco um sentido de espaço tanto de representação como de invenção, e é isso que nutre as componentes artísticas que as cidades tendem a desenvolver e pelas quais são conhecidas.

Por sua vez, as cidades são territórios que, só por si, também carecem da sua própria representação, a qual serve de interface com outros sectores da mesma cidade, assim como com as outras cidades, e a que chamamos “o centro”, onde designadas funções desejavelmente e necessariamente se “conCentram”.

No caso especial de Macau nunca existiu propriamente um território que Macau representasse, mas o centro de Macau sempre representou Macau, sem sombra de dúvida.

Muita da capacidade instrumental de que no passado foi necessário lançar mão não se prendeu apenas com o crescimento e com a saturação das cidades, mas também com a mudança de paradigmas nomeadamente de transporte, mas sempre persistindo ou prosseguindo a ideia de centro, que não necessariamente o castro histórico primitivo.

Efectivamente sempre foi grande a determinação de manter consolidada a ideia de centro de cidade, independentemente do que o centro representasse.

Tanto que, logo pela alvorada do transporte ferroviário, as estações centrais não foram construídas na periferia das cidades já consolidadas. Antes foram construídos viadutos, como também foram abertos túneis, para que o comboio chegasse ao centro das cidades, onde se contruíram elegantes “hotéis de gare”, geralmente pertencentes à mesma companhia concessionário do caminho de ferro, e de onde se rasgaram elegantes bulevares que conduziam à praça do município, “a sala de visitas da cidade”.

Se o transporte fosse o barco e não o comboio, a gare era então marítima, mas não se dispensava o hotel elegante junto à gare, nem o bulevar que conduz à sala de visitas da cidade”.

Foi isso que existiu em Macau. A gare marítima foi o cais 16, o hotel elegante foi o Grand Hotel (kok chai), o bulevar que se rasgou foi a Av. Almeida Ribeiro, e a sala de visitas o Leal Senado.

Mas também condições que atingiram nova saturação e necessidade de nova intervenção instrumental, senão por via novo paradigma, como aconteceu com o transporte aéreo. Aí as novas gares (os aeroportos) já se localizaram necessariamente na periferia.

O transporte urbano mais generalizado passou a ser o automóvel que rapidamente saturou as cidades. Aos aeroportos chegava-se predominantemente de automóvel ou de táxi. Para isso, existiam baias a que chamaram “kiss and ride”, onde se largavam e apanhavam os passageiros.

Poucas foram as cidades que cuidaram do acesso entre os aeroportos e o centro da cidade, como se cuidou na era do comboio.

Conjuntamente com outros factores, as lojas elegantes e as sedes comerciais de prestígio começaram a abandonar os centros das cidades, os hotéis aí existentes baixaram de categoria, os residentes passaram a ser de outro grupo socio-económico, em muitos casos a criminalidade instalou-se, e os centros outrora elegantes, passaram a ser lugares degradados.

A continuar…

9 Out 2020

Macau dissecado

[dropcap]O[/dropcap] tão esperado documento de “Consulta pública sobre o Projecto do Plano Director da Região Administrativa Especial de Macau (2020-2040)” foi finalmente publicado, estando a data limite de consulta pública marcada para 2 de Novembro. Já que em 2049 termina o período em que o regime da Lei Básica da Região permanecerá inalterada por 50 anos, o Projecto do Plano Director será uma base importante para determinar os 20 anos seguintes de Macau. Tentar saber se virá a haver uma nova ronda de consulta pública do Projecto do Plano Director, ou se as decisões tomadas para este Projecto do Plano Director serão repudiadas por um Executivo da cidade vindouro, como aconteceu com a rejeição da proposta de design conceptual para a nova Biblioteca Central de Macau pelo actual Governo, equivale a fazer futurologia, porque Macau é um lugar muito diferente de qualquer outro. Até mesmo o Edifício do antigo Restaurante Lok Kok, considerado de interesse arquitectónico e integrado na Lista do Património Cultural de Macau, foi demolido há uns anos.

As expectativas gerais em relação a este documento de Consulta, nunca foram muito elevadas. Em primeiro lugar, os conteúdos do Projecto do Plano Director são demasiado sucintos, limitando-se a apresentar descrições de ordem geral. Os pontos chaves do Relatório Técnico estão apresentados numa terminologia profissional. Este tipo de terminologia é habitualmente usado pelo Governo da RAEM em muitos dos seus documentos de Consulta, o que os torna incompreensíveis para os leigos. Quando lemos o documento de Consulta, ficamos com a impressão de que os conteúdos são positivos, mas na verdade não se avança com nada de concreto e o demónio pode estar escondido nas entrelinhas. Quando se trata de concretizar os projectos, os membros do Governo de Macau têm a palavra final. Por exemplo, há muitos anos atrás, o plano para a “criação de cinco terrenos de aterros novos em Macau” foi aprovado pelo Governo local e o então primeiro-ministro Wen Jiabao veio pessoalmente à cidade anunciar a sua aprovação. No entanto, uma das secretárias da RAEM propôs a suspensão do projecto de aterro da Zona D, um dos cinco terrenos de aterros novos. Estes procedimentos são simplesmente inacreditáveis.

No Artigo 3 do Projecto do Plano Director, sobre os Objectivos do Plano, declara-se “O Plano Director da RAEM visa atingir os objectivos do Plano Director do artigo 6.º da “Lei do planeamento urbanístico” (Lei n.º 12/2013) e os objectivos constam do Despacho do Chefe do Executivo n.º 234/2018, para criar uma cidade feliz, inteligente, sustentável e resiliente”. O recurso a uma série de adjectivos (feliz, inteligente, sustentável e resiliente) que traduzem qualidades mais ou menos subjectivas, faz com que o cidadão comum fique sem perceber de que forma o Executivo pretende atingir estas metas. Na verdade, o adjectivo “feliz” refere-se ao indíce de bem-estar bruto. Mas estarão actualmente os cidadãos de Macau felizes com as suas condições de vida, com os bens que possuem, com os seus salários, com as ligações sociais, a educação, as condições ambientais, a participação civíca, a administração do Executivo, o Serviço de Saúde, com o seu bem-estar pessoal, a segurança e o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal? Por exemplo, com o recente endurecimento da “Lei da Habitação Económica”, vai ser muito difícil para a população de Macau vir a melhorar as suas condições de vida num futuro próximo. Enquanto a democratização do sistema político não for implementada, a participação das associações irá sempre inibir a participação pública. Desta forma, apenas um pequeno número de pessoas pode ter acesso à possibilidade de desenvolvimento sustentável.

Neste caso, como é que a administração governativa pode ser melhorada? Quanto à criação de “uma cidade resiliente”, no relatório da “Cidade da Oportunidade 2020”, recentemente publicado pela Fundação para o Estudo e Desenvolvimento da China, Macau aparece em terceiro lugar no tópico “Resiliência urbana”, o que não deixa de ser impressionante. No entanto, quando me apercebi que Hong Kong aparece em primeiro lugar, uma cidade onde a convulsão social ainda não terminou e Xangai figura em segundo lugar, com um Vice-Presidente da Câmara a ser investigado, senti arrepios na espinha.

No Relatório Técnico sobre preservação da vista bilateral da Capela de Nossa Senhora da Penha e do Lago de Sai Van, é recomendado que a altura dos edifícios a construir no futuro não ultrapasse os 62,7 metros que correspondem à altitude do topo da Colina da Penha. Se a recomendação sobre a altura dos edifícios for aceite, é possível que venham a aparecer construções desta dimensão junto à Capela de Nossa Senhora da Penha de futuro. Nesse momento, o que é que nos vai restar?

A “Obra de Construção da Travessia Pedonal ao longo da Avenida de Guimarães na Taipa” está em curso há mais de um ano. Recentemente, devido ao esforço conjunto de vários departamentos de construção, a Taipa tem sido alvo de enormes congestionamentos de trânsito. É uma dor de cabeça para os condutores e para a polícia de trânsito, que se esforça diariamente para criar alternativas de circulação. Quando a construção da travessia pedonal ao longo da Avenida de Guimarães vier a causar um problema semelhante na Taipa, para que o Projecto do Plano Director da RAEM possa ser aprovado à pressa, Macau vai assemelhar-se a alguém que está a ser dissecado por decisão arbirátria dos médicos. Nessa altura, os residentes da cidade serão os únicos a sofrer as consequências.

Enquanto cidadãos de Macau, devemos todos expressar as nossas opiniões sobre o Projecto do Plano Director da RAEM durante o período de consulta pública, e impedir que as associações e os peritos se pronunciem em nosso nome!

24 Set 2020

Plano Director I ½ – “What goes around, comes around”

[dropcap]N[/dropcap]uma sequência de tarefas toma-se ½ por algo não somente intercalado em ordem, mas algo que se instala, muitas vezes em sentido de crise, e que protela a tarefa seguinte.

No caso de 8½ de Fellini, a circunstância prendeu-se com o efeito alienatório da modernização na criatividade, o alegado bloqueio criativo que disso resultou, e a dificuldade em realizar um filme, na sequência de 8 já realizados.

No caso da RAEM, a circunstância prende-se com a consulta sobre Plano Director, e a crise coloca-se logo no início da sua discussão, com a dúvida de quem irá estar apto a intervir nesse Plano, por via de que nomeações e com que garantias. Isso face ao modo como sucessivas notícias, sobre o futuro da Biblioteca Central de Macau, formaram moldes institucionais de actuação profissional.

Em 30 de Agosto último o Executivo da RAEM anunciou que a Biblioteca Central de Macau não seria mais no edifício do antigo Tribunal e passaria a ser algures na península de Macau.

Em 10 de Setembro anunciou que seria exactamente no lote do Hotel Estoril no Tap Seac. Decisão que comunicou já suportado em quatro estudos alternativos, por ateliers internacionais.

Desejavelmente pensar-se-ia que qualquer destas notícias foram resultado de decisões tomadas e de estudos efectuados durante a noite. Razão por que os arquitectos que a RAEM já contratados para os mesmos objectos de estudo apenas puderam tomar conhecimento das novas circunstâncias no mesmo dia em que foram anunciadas.

Pressupõe-se também que os arquitectos estrangeiros consultados não foram informados de que já existiam arquitectos nomeados para o mesmo objecto de estudo.

Os arquitectos estrangeiros em causa pautam-se por desempenho admirável, só podem saber que os arquitectos não estão autorizados a atravessarem-se nas nomeações já formadas por um Dono de Obra a outro arquitecto, sem previamente consultarem o arquitecto já nomeado, desejavelmente obter a sua anuência e a relação contratual estar esclarecida.

Efectivamente a relação de um arquitecto com um Dono de Obra pressupõe-se ser de confiança, regulada por um contrato pautado por regras da boa fé, como qualquer contrato, com objecto próprio e objectivos exclusivos, pois dois objectos de arquitectura não podem ocupar o mesmo espaço, nem o mesmo programa é para ser realizado aqui e ali ao mesmo tempo.

Mas também algo com que os arquitectos da RAEM já atentaram quando, em abstracto, se atravessaram à nomeação feita ao arquitecto Siza Vieira, expressando interesse no mesmo objecto de “estudo”, e razão por que o Executivo da RAEM recuou, e prosseguiu com o concurso público de arquitectura para o antigo Hotel Estoril.

Com tudo isto fragilizaram-se moldes de intervenção respeitável, e abortaram-se 2 projectos em curso, que resultaram de 2 concursos públicos de arquitectura, a Biblioteca Central, no antigo edifício dos Tribunais, com assinatura do arquitecto Carlos Marreiros, e o Centro Juvenil de Actividades Culturais, Recreativas e Desportivas do Tap Seac no lote do antigo Hotel Estoril, com assinatura do arquitecto Chu Chan Kam.

Obviamente que nem as novas decisões foram tomadas, nem os novos estudos foram realizados durante a noite, pelo que, mesmo que o Executivo da RAEM não estivesse ainda em capacidade de apresentar aos órgãos de comunicação social toda a nova estratégia, sabia que a mesma afectava posições com uns, que era seu dever salvaguardar desde logo, eventualmente pedindo o mesmo sigilo que pedira a outros, e não confrontá-los como esse desenvolvimento, aquando da mesma apresentação pública. Não andou bem.Mas também a prática sequer é nova, ou mesmo exclusiva do Executivo.

Em 1999, antes da obra da nova sede da Assembleia Legislativa estar concluída, projecto que também resultou de um concurso público de arquitectura, o deputado Fong Chi Keong, na sombra, promoveu modificações à obra, que vieram a ser projectadas por Omar Yeung, arquitecto da sua confiança pessoal.

Essas modificações prosseguiram em projecto que só veio à luz em 2000, no dia seguinte à recepção provisória da mesma obra. Não na versão de um conceito ou ideia para discussão, mas já de projecto de obra, o qual pressupunha um acordo já formado, e pressupunha fases anteriores de projecto já aprovadas por “detrás dos panos”.

O arquitecto Omar Yeung, à data, também não se encontrava registado na DSSOPT, pelo que recorreu à assinatura do arquitecto Alan Kong.

Em 2006, essas circunstâncias foram observadas pelo órgão judicial administrativo da RAEM que contemplou a medida como “ajustada com a realidade social de Macau, por ser uma cidade pequena, com pouca população, que não consegue sustentar grande número de arquitectos qualificados e célebres”, assim como “permite que os arquitectos com fama mundial, mas não estão inscritos na DSSOPT, possam conceber projectos de construção em Macau, desde que o termo de responsabilidade seja subscrito por um arquitecto inscrito, elevando assim a imagem e o nome da RAEM”.

Admite-se que isso tenha sido proferido em abstracto, na medida em que o arquitecto Omar Yeung, só passou a ser famoso em Macau, e não por obra de arquitectura, depois de ter sido constituído arguido no caso Ao Man Long, todavia absolvido.

Mas proferido já em concreto a respeito dos actos da arquitectura, sendo que o mesmo não se admite, por exemplo, nos actos da advocacia.

Em verdade, a imagem e o nome da RAEM já foi elevada desde que parte do seu património construído foi reconhecido como património universal, nomeadamente reportando a épocas em que era uma cidade muito mais pequena, com muito menos população, e por artefactos de que sequer se conhece os autores.

Pelo que muito possivelmente deparamo-nos com o mesmo “efeito alienatório da modernização”. Aquele que já colocou um realizador em crise na realização de um filme, e que, na RAEM, coloca em crise a preparação, encomenda, desenvolvimento e construção de obra pública de arquitectura, desejavelmente respeitável e consequente, em todos os seus trâmites.

À data de todos estes factos, já a Associação de Arquitectos de Macau, a AAM, munira departamentos da RAEM com um documento que servia de guião para a organização e condução de concursos de arquitectura, cujas condições eram aquelas em que a AAM aceitava participar, e a falta era razão para alertar os arquitectos de não estarem reunidas condições para uma participação segura.

Como a AAM também sempre esteve designada, desde a sua génese, para representar os associados em situações que lhes geram vulnerabilidade e que são transversais a toda uma comunidade profissional, para que se reiterem os preceitos que assistem, e os arquitectos não tenham que enfrentar essas situações sozinhos.

Como também a mesma associação já tinha votado nas assembleias gerais da União Internacional de Arquitectos de que faz parte, uma directiva que regula a actividade dos arquitectos em nações de acolhimento, a qual se pauta por parcerias efectivas de trabalho com os arquitectos locais.
Efectivamente, “what goes around, comes around”, se disso não se cuidar, mesmo que passem 20 anos.

Algo que o arquitecto Carlos Marreiros optou por não cuidar durante o seu mandato de presidente da AAM, e consequência que hoje colhe por mero capricho do destino.

Efectivamente o exercício da arquitectura na RAEM é um verdadeiro complexo de contradições e de faltas convertidas em dívidas.

Faltas da RAEM, perante os residentes, pois a cidade carece de um tecido urbano visual e funcionalmente qualificado. Perante os arquitectos porque não proporciona um ambiente profissional em que as suas aptidões se desenvolvam. Prefere concursos de concepção/construção que reservam um valor perceptual baixo para pontuar a concepção arquitectónica. Organiza concursos de arquitectura que a nada conduzem, como se isso não constituísse frustração intelectual e financeira. Vê-se agora em necessidade de recorrer ao estrangeiro, para obter algo verdadeiramente qualificado.

Faltas dos arquitectos da RAEM perante a população da RAEM, sempre que não usaram as oportunidades que tiveram para gerar ou empreender algo relevante, e perante os seus colegas arquitectos sempre que se atravessaram nos seus objectos de estudo.

Faltas da Associação dos Arquitectos de Macau, por não cumprir o que está estabelecido nos seus estatutos, seja perante os associados, seja perante a população da RAEM, não produzindo as recomendações necessárias que um Executivo sensato escutaria para seu próprio resguardo.

E surge esta epifania, apenas a pretexto de uma biblioteca, mas que bateu forte, na alvorada de um Plano Director, perante a possibilidade de intervenientes e organizadores virem pautar-se por mais do mesmo, se outras garantias não existirem.

24 Set 2020

Plano Director | Especialistas querem visão a longo prazo e mais dados

Especialistas ligados à engenharia e ao planeamento urbanístico esperam que o Executivo possa ser mais transparente em relação ao Plano Director, apresentando os prós e contras de construir a linha Leste do Metro Ligeiro à superfície ou debaixo da terra. Agnes Lam considera faltar coordenação ao Governo

 

[dropcap]“O[/dropcap] que vejo é que não existe coordenação suficiente e é por isso que trouxemos aqui especialistas de diferentes sectores”, afirmou ontem Agnes Lam, à margem de um encontro promovido pela Universidade de Macau (UM) sobre os planos previstos na área dos transportes e da cidade inteligente, que constam no Plano Director.

Numa sessão que juntou, académicos e técnicos ligados à engenharia e ao planeamento urbanístico, foi consensual a ideia de que o Governo deveria partilhar mais informações e dados concretos, que estiveram na base das decisões apresentadas no plano que se encontra em consulta pública até 2 de Novembro.
Lee Hay Ip, presidente honorário da Associação de Engenharia Geotécnica e membro do Conselho de Planeamento Urbanístico (CPU) afirmou estar preocupado com a construção da linha leste do Metro Ligeiro, nomeadamente, com o facto de não existir nenhum estudo comparativo que indique as vantagens e desvantagens de fazer a obra acima do subsolo, recorrendo a uma ponte, ou debaixo da terra, através de um túnel subaquático, sendo esta última, a opção em cima da mesa.

“Devia existir um intervalo de custos de construção, para o público ter noção, de que se trata de uma obra de 50 milhões ou de 500 mil milhões. Deviam listar os prós e os contras e o custo correspondente de cada opção de forma a que a população de Macau tenha dados suficientes. Para já, não temos nada. Além disso, não sabemos quais os custos de operação, a longo prazo, de fazer um túnel”, apontou.

Devido às mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global, Lee Hay Ip apontou ainda que “ir para debaixo da terra” acarreta outros riscos, tal como o aterro da Zona A poder vir a inundar, colocando em causa o projecto, que assegura o transporte de passageiros, mesmo quando é içado o nível 10.

“O nível das inundações que resultam do “storm surge” tem vindo a aumentar desde o Hato. Se demorarmos 10 anos a construir a linha leste, quer dizer que em 2030, quando estiver operacional, e com uma perspectiva de utilização de 20 anos, em 2050, com o nível das inundações a aumentar, o próprio aterro da Zona A pode ficar abaixo do nível da água. Será seguro manter o metro a funcionar nestas condições e com tantas pessoas debaixo da terra?”, sublinhou engenharia geotécnico.

Por seu turno, Sio Chi Veng, Presidente da Associação dos Engenheiros de Macau alertou para a importância de não descurar os interesses de turistas e residentes e os gastos a longo prazo, inerentes à manutenção das infra-estruturas previstas no Plano Director, sobretudo porque “Macau tem muito dinheiro”.

“Não podemos pensar que [o Plano Director] apenas vai afectar os próximos 20 anos, mas talvez os próximos 100. Estas infra-estruturas vão afectar a vida de Macau depois de 2040. Macau (…) não se preocupa com quanto tem de gastar com a manutenção. Mas se compararmos com outras regiões, que têm limitações financeiras, as estações (…) incluem, por exemplo, um centro comercial ou uma área residencial, para a tornar lucrativa e funcional. Acho importante considerar o panorama geral, a longo prazo, e não apenas os custos iniciais”, defendeu

Só para turistas?

Outra das preocupações apontadas prende-se com o facto de o Plano Director não prever a passagem do Metro Ligeiro no centro de Macau. Para Chan Mun Fong, professor adjunto da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UM, a decisão “foi uma grande desilusão”, esperando, pelo menos, que o plano que previa ligar a Barra às Portas do Cerco “não seja esquecido”.

“Não quero continuar a ouvir que o Metro Ligeiro é para os turistas. Esta linha poderia mudar essa concepção, ou seja, que é também capaz de servir uma grande fatia da população de Macau. Por isso, é possível fazer uma obra que sirva a população e que não tem obrigatoriamente de passar no meio da cidade”, referiu o académico.

Também Lee Hay Ip considerou que a passagem pelo centro de Macau “é muito importante para os residentes”, apesar de compreender que “é muito difícil em termos de engenharia”. “Neste caso, fazer o metro passar por baixo da terra pode ser uma boa solução”, acrescentou.

Agnes Lam espera igualmente que o Governo volte a pôr no plano “a intenção de colocar o metro a passar pelo centro de Macau”.

“O traçado actual não está suficientemente focado no dia-a-dia das pessoas e da comunidade. Alguns desses planos já existiam e, se não os podemos concretizá-los, é preciso explicar porque não podem ser feitos”, vincou a deputada.

Ondas de choque

Para Agnes Lam, a falta de coordenação na forma como o Plano Director foi apresentado está relacionada com o facto de o Governo de Ho Iat Seng ser relativamente recente.

“O conflito deve-se também, a meu ver, com o facto de Macau ter mudado de Governo há pouco tempo. Alguns departamentos já tinham feito parte do planeamento, mas, ao mesmo tempo, há indicações em sentido contrário. Acho que o Governo, especialmente o novo Chefe do Executivo, que parece ser mais determinado a tomar decisões, deve dar atenção à forma como os trabalhos estão a ser coordenados”, explicou a deputada ao HM.

De acordo com a deputada, um exemplo disso é a possibilidade de o Executivo deixar cair os planos previstos para a Zona D, para construir o novo aterro que vai ligar a Zona A ao nordeste de Macau, algo que estará a ser negociado com o Governo Central.

“Há uma intenção substancialmente diferente em relação ao que consta no Plano Director e o Governo tem de explicar a razão, fornecendo dados, o que justificou essa decisão. Se consideram que a Zona D não é boa ideia (…) têm de traduzir isso em números, porque, neste momento, não é possível compreender como foi tomada esta decisão”, explicou.

Hac Sá | Agnes Lam questiona projecto do parque de campismo

Agnes Lam tem dúvidas se o novo projecto do parque de campismo de Hac Sá está de acordo com o Plano Director, segundo o Jornal do Cidadão. Segundo a deputada, a zona deve ser preservada e caso o projecto tenha fim turístico, a preservação da montanha pode ficar em risco, defendendo também que a zona da praia não deve ser demasiado desenvolvida.

Lo Chi Kin, vice-presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), disse no programa Fórum Macau, do canal chinês da Rádio Macau, que o projecto de renovação do parque de campismo não deve ser “de nível internacional”, explicando que a intenção do Governo é disponibilizar instalações municipais de boa qualidade aos residentes. Lo Chi Kin disse que o projecto do novo parque de campismo deve estar de acordo com o Plano Director, actualmente em consulta pública, algo que motivou o adiamento dos trabalhos do IAM.

23 Set 2020

Plano Director I – Uma outra Lei Básica

[dropcap]N[/dropcap]ão é invulgar socorrermo-nos de comparações para melhor transmitir conteúdos que não são vulgares, que antes são específicos de determinadas disciplinas. É nessa vertente que o título aqui procura assistir.

Efectivamente, falar de um Plano Director em ordenamento geográfico é o mesmo que falar de uma Constituição para um ordenamento jurídico.

É pois um regime onde se define a base das garantias com que os cidadãos contam, só que na vertente do seu “ambiente” físico, mas que igualmente lhes confere suporte, que é base para o seu desenvolvimento e por onde se pauta toda a especificação que prossegue em definição de detalhe e em especialidade, num determinado território.

A designação “ambiente” releva porque é essa que passou a prevalecer desde o momento em que o ambiente dos humanos passou a ser predominantemente urbano e não natural, ou rústico.
Se transpusermos isso para a realidade de Macau, nem outro entendimento seria possível, porque é só essa a realidade territorial, onde o espaço natural não é rústico, apenas serve necessidades essenciais ao equilíbrio do conjunto urbano.
Chegados aqui, é possível ter uma medida do que tem sido reduzido aos residentes de Macau em termos de garantias, com o protelamento da definição de um Plano Director, e de onde e porquê os estados são susceptíveis de incorrer em responsabilidade se não definirem o seu ordenamento geográfico.

Não é momento para falar porque isso aconteceu desse modo em Macau, é antes momento de falar do que deverá ser posto termo e deverá prosseguir com a iniciativa de implementação de um Plano Director para Macau.
Em primeiro lugar almeja-se por um forte conceito de Plano, fundado em princípios, que permita não só estruturas de interpretação assimiláveis por todos, nomeadamente por parte de quem tem interesse directo e legítimo (os stakeholders, tal como são consagrados em actos de governação, i.e. os residentes e os diversos sectores económicos da RAEM), como também se espera que seja, por si, gerador e orientador de todos os planos de pormenor que o mesmo irá servir de enquadramento.

Quando se diz que uma lei é inconstitucional, porque não prossegue os princípios de uma Constituição, o mesmo se poderá dizer em relação aos Planos de Pormenor cujas disposições não prosseguem os princípios de um Plano Director.
Na mesma analogia algumas Constituições pautam-se expressamente em sentido de fomentar o desenvolvimento individual dos cidadãos e das suas aptidões tendo em vista o seu melhor contributo para a sociedade, assim como a sua felicidade.

À luz do mesmo princípio, razão nenhuma subsiste para que um Plano Director, no prosseguimento dos seus objectivos e enquadramento, não fomente Planos de Pormenor que se pautem pela experimentação e pela inovação, sem necessariamente reproduzir o exemplo de outros tomados por bons ou seguros, mas antes por ter feito um levantamento crítico da realidade e de ter sabido equacionar e analisar as questões “fora da caixa”.

Há quem diga que é possível admirar um estado só pela sua Constituição sem precisar de conhecer em pormenor a sua legislação, e o mesmo se poderá também dizer a respeito de um território, só pelas características infra-estruturantes do seu Plano Director.

Em expressão muito próxima do mesmo, Thomas Heatherwick, talvez mais conhecido pelo pavilhão que desenhou para o Reino Unido na Exposição Universal de Xangai de 2010, no seu manifesto de 2013 “I don’t like design, at all”, sustentou que “o que define o carácter de uma cidade é sua infra-estrutura, não é um edifício extraordinário”. “É a infra-estrutura da cidade que a diferencia, mais do que um museu ou a casa chique de alguém”.

Um “edifício extraordinário” poderá traduzir-se por um edifício icónico, e uma infra-estrutura poderá ser algo que permita que os habitantes de uma cidade circulem eficiente e confortavelmente no seu quotidiano, ou que impeça que as suas vidas e os seus negócios sejam afectados, por exemplo, com inundações.

Uma infra-estrutura poderá não ser algo que se contempla, mas está lá, e manifesta-se flagrantemente necessária quando falha.
Chegados aqui, é possível gerar uma posição quanto à razão de dedicar, em Plano Director, zonas da cidade a edifícios icónicos. Seja pela utilidade, seja pela contradição de que o propósito se imbui, na medida em que a proliferação e a concentração da extraordinariedade, antes se afigura efémera, como converge, no seu conjunto, em sentido inverso, i.e em sentido trivial.

Reportando à história da arquitectura e do urbanismo, existe o conceito de arquitectura de acompanhamento que se caracteriza pela continuidade e pela tipicidade das soluções, e existe arquitectura que se destaca nesse mesmo contexto.

Para a arquitectura se destacar tem de realçar no seu conjunto e sem competição, seja na dimensão, no desenho ou na posição, marcando o topo de uma alameda, o início de uma rua ou uma função de destaque.
Efectivamente, perante a preocupação de conter a cidade na sua altura, deveria antes prevalecer a preocupação de definir significativamente a cidade na sua morfologia, a qual se desenvolve necessariamente em todas as dimensões do espaço, que não só a altura. I.e., que se pauta por uma desejável continuidade e homogeneidade tipológica, mas também uma desejável pontuação e acentuação, nomeadamente em desenho e em altura.
Fácil é assim reconhecer que o edifício das Ruínas de São Paulo não seria um edifício tão icónico para Macau, se não tivesse o mesmo percurso de abordagem, o mesmo avistamento, a mesma posição ao cimo de uma enorme escadaria, se fosse uma igreja inteira como as outras, ou se tivesse outra com tantos atributos ao lado, e à qual não pertencesse em conjunto.

Ou seja, iconografia não é “mato”, antes contribui e se suporta criteriosamente numa morfologia urbana significativa.
Em verdade, é constatável que os edifícios ora pensados para serem “icónicos” antes vêm servindo o exibicionismo dos residentes e das empresas que, para a sua visibilidade, a reboque, socorrem-se do “icon” arquitectónico mais forte, para sua promoção, geralmente o “icon” mais novo. Não necessariamente por apreciarem as qualidades do desenho. Eventualmente por apreciarem a sofisticação do seu apetrechamento.

Mas também algo que logo se extingue com o “icon” que lhe irá suceder ao lado, mais bem apetrechado, para onde imediatamente as elites se mudam. E é nesse modo que a arquitectura, presentemente pensada icónica, se torna imediatamente obsoleta, muito antes de se extinguir na sua utilidade ou na sua integridade construtiva. Nada que se possa apreciar em sentido de sustentabilidade.

Nessa sucessão e proliferação, a iconografia arquitectónica não tem capacidade de pautar e servir significativamente uma morfologia urbana, ao que, já em 1986, Matteo Thun, também em manifesto, denominara, “The Heavy Dress” Collection.

É, antes uma enorme contradição urbanística ser hoje possível construir edifícios mais robustos e duradouros, todavia condenados a uma reduzida vida económica, seja por alteração de motivações ou expectativas, passíveis de se tornarem num parque de sucata urbana, por falta de interesse e de manutenção, que assim permanecem, mas que preferimos ignorar.

Efectivamente urbanização é um recurso económico, mas apenas se for cuidado à semelhança dos demais recursos.

Importa consciencializar que a consulta pública lançada sobre o projecto de Plano Director é uma verdadeira “consulta de interessados”, que os responsáveis e comunicadores desse Projecto se devem munir da estrutura de interpretação necessária que, sendo verdadeira e tecnicamente sólida em todas as suas vertentes, será sempre aquela que melhor traduz as preocupações, na forma em que mais bem é compreendida por cada sector a abordar.

Os consultados devem tomar em concreto os elementos do projecto em consulta, que consubstanciam uma base abrangente de trabalho e de diálogo, porque é apenas nesse sentido que, em concreto, o caminho se abriu. Como também devem reduzir a concreto todas as questões que em abstracto os preocupa, no caso de o caminho não deva ser exactamente esse, para aperfeiçoamento do conceito de Plano Director, numa síntese que seja verdadeiramente geradora e orientadora de um guião, para tudo o que se afigura prioritário configurar a jusante.

11 Set 2020

Plano Director | Aumento de área para o comércio para colmatar “défice”

A área do território com finalidade comercial vai aumentar para quatro por cento, uma medida que o secretário para os Transportes e Obras Públicas considera necessária à diversificação

 

[dropcap]O[/dropcap] secretário para os Transportes e Obras Públicas disse ontem que a área comercial foi a única que se considerou estar “em défice”. O Plano Director abrange uma área de aproximadamente 36,8 quilómetros quadrados, e aumenta para quatro por cento a percentagem com finalidade comercial. Os conteúdos do plano, que está em consulta pública até 2 de Novembro, foram ontem apresentados ao Conselho do Planeamento Urbanístico.

A Venceslau de Morais e a antiga zona administrativa judiciária em frente ao MGM Macau, estão entre as zonas que o Governo considerou poderem “ter alguma vocação” para o comércio, algo que o secretário diz que contribui para a política de diversificação económica.

Quando um terreno é destinado em mais de 65 por cento a uma finalidade, é essa que fica categorizada. No entanto, há flexibilidade no aproveitamento do terreno. “Em Macau, há muitos edifícios em que mais de 65 por cento são habitacionais e por baixo têm lojas. (…) Não impede que haja algum comércio”, disse o secretário.

Mak Tat Io, chefe do Departamento de Planeamento Urbanístico da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) explicou que vão ser incluídas lojas de comércio para criar turismo histórico na zona costeira com o objectivo de “melhor mitigar os problemas causados pela concentração dos turistas num só lugar”. O documento de consulta prevê o desenvolvimento de círculos comerciais para apoiar o desenvolvimento de “novos núcleos industriais de alta tecnologia” e de aproveitar oportunidades económicas derivadas da Ponte do Delta.

Possíveis ajustes

Em relação ao Metro Ligeiro, o foco é na Linha Leste, mas o secretário indicou que no futuro podem ser consideradas outras opções. “Por enquanto, no Plano Director temos esta linha de metro, mas não descartamos a possibilidade de no futuro fazermos outra linha no Porto Interior. Cinco anos depois podemos ter uma revisão e outra alternativa”.

Perante preocupações de um membro do Conselho do Planeamento Urbanístico sobre a capacidade deste transporte face à procura no futuro, o presidente da Comissão Executiva do Metro Ligeiro disse que a frequência do Metro Ligeiro pode ser ajustada.

Por outro lado, questionado sobre o Alto de Coloane, Raimundo do Rosário remeteu informações para os planos de pormenor, que vão ser criados depois do Plano Director. “O limite exacto, (…) densidade ou altura do edifício só com o plano de pormenor”, disse o secretário.

10 Set 2020

Plano Director | Sulu Sou crítica aproveitamento de terrenos na Taipa 

O aproveitamento dado ao terreno situado à entrada na Taipa, bem como a quatro terrenos na zona centro da ilha, é criticado por Sulu Sou. O deputado lamenta as finalidades reveladas pelo projecto do Plano Director de Macau e teme a “cobertura” dada a interesses empresariais

 

[dropcap]O[/dropcap] deputado Sulu Sou fez criticou ontem o projecto do Plano Director relativamente às finalidades do terreno à entrada na Taipa, recuperado pelo Governo, e dos quatro terrenos no centro da Taipa onde vai nascer um parque provisório de pneus. Numa nota divulgada na sua página oficial de Facebook, Sulu Sou destacou o facto de, no projecto, os terrenos destinados ao parque provisório de pneus estarem situados numa zona de habitação, enquanto que o terreno situado à entrada da Taipa está classificado como zona comercial. O documento “confirma que o terreno do parque temporário de pneus está sinalizado como uma zona habitacional, ao invés de ser uma zona verde ou um parque aberto ao público”, disse o deputado.

Para Sulu Sou, “quando o Governo recusou avançar para a preservação da fábrica devoluta em conjunto com o projecto do parque de pneus, confirmou que não tinha como objectivo preservar o parque a longo prazo, e que este seria apenas um brinquedo provisório”. “É provável que venha a tornar-se num espaço de habitações luxuosas e privadas no futuro”, adiantou.

Privatização à vista

Sulu Sou escreveu também que o Governo “está a dar cobertura a um outro protagonista, o terreno à entrada na Taipa onde iria ser construído o parque aquático Oceanis”. “O terreno foi recuperado pelo Governo e cobre uma área superior a 130 mil metros quadrados. Há muito que a comunidade vem pedindo [no local] um planeamento para fins de lazer e zonas verdes. No entanto, o documento de consulta do projecto do Plano Director mostra que o terreno está classificado como zona comercial sem ‘espaços verdes ou zonas de acesso ao público’”, frisou.

O deputado teme que, com a aprovação do projecto do Plano Director, o terreno à entrada da Taipa “seja completamente privatizado pelo sector empresarial, e o máximo que será dado à sociedade será um ‘corredor verde junto ao mar’ ou algumas árvores”.

“Por outras palavras, quando a zona comercial no terreno à entrada da Taipa estiver concluída, o parque temporário de pneus será convertido numa zona de casas de luxo, e esse será o dia em que os grandes empresários vão ganhar”, concluiu. O HM tentou chegar à fala com o deputado Sulu Sou, mas até ao fecho desta edição não foi possível estabelecer contacto.

Anunciado a 21 de Agosto, o parque provisório de pneus vai nascer em quatro terrenos actualmente desaproveitados no centro da Taipa, perto da Avenida Kwong Tung, Rua de Bragança, Rua de Chaves e edifício Nam San. A ideia do projecto é construir, “com o uso de pneus como elementos principais da concepção, num grande número de instalações de lazer, recreação e desporto”.

9 Set 2020