Rota das Letras | A pintura de Benjamin Hodges, entre a incompreensão e a contemplação

A exposição de pintura “Vou a Caminho do Meio Dia”, do artista e antropólogo Benjamin Hodges apresenta a visão de um estrangeiro a residir em Macau há 15 anos e as suas múltiplas tentativas de compreensão de um idioma e uma sociedade diferentes do seu lugar de origem. A mostra integra o cartaz do festival literário Rota das Letras

 

A primeira exposição individual de pintura do artista e antropólogo Benjamin Hodges é uma ode às múltiplas tentativas de compreensão de Macau. “Vou a Caminho do Meio Dia” [I’m Going to the Middle of The Day] integra o programa do festival literário Rota das Letras e está patente na Livraria Portuguesa até 6 de Novembro.

O título da exposição nasce da confusão das traduções automáticas nas redes sociais. “Quando os algoritmos de tradução automática nas redes sociais não conseguem identificar correctamente o significado de um texto em chinês, é adicionada a linha de espaço reservado predefinida ‘Vou a caminho do meio do dia'”. Benjamin Hodges partiu deste ponto de vista para tentar transmitir a sua própria incompreensão em relação ao espaço onde habita há 15 anos.

“Como americano a viver em Macau, um espaço multilinguístico, estou sempre dependente de várias formas de tradução para compreender as coisas. Então essa frase é uma espécie de metáfora para a minha própria condição, para tentar fazer sentido nos espaços onde estou”, contou ao HM.

Docente assistente da Universidade de Macau na área de Comunicação, Cinematografia, Media, e Estudos Culturais, Benjamin Hodges revela que a sua pintura inspira-se na sua própria história, vagueando entre diferentes géneros, como a paisagem ou o retrato.

Nesta mostra, “muitas das pinturas retratam espaços de Macau, espaços esses que estão agora transformados graças ao desenvolvimento radical [que o território tem tido nos últimos anos]. Podemos usar as mesmas técnicas antigas de pintura a óleo para pintar esses espaços, e fiz isso, mas claro que os espaços mudaram radicalmente”.

O autor diz ter usado, nos seus quadros, o género de ficção, mas com a classificação de ficção gráfica, “que é sobre os medos que temos em relação à paisagem”. “Aqui recorro um pouco à ideia dos espaços que são assombrados pelo passado”, acrescentou.

Desta forma, Benjamin Hodges acabou por retratar alguns lugares de Macau, mas com outros olhares e pontos de vista, não só relativamente aos espaços, mas também à incompreensão que muitas vezes existe sobre o território.

“‘Vou a caminho do meio-dia’ é uma expressão usada, de certa forma, face à perseverança [existente] em relação à incompreensão de ambientes diferentes. As cenas sobre a praia, ou as paisagens tropicais sem nome [que estão na exposição], são sobre locais onde nos podemos encontrar como turistas ou viajantes, que tentamos que façam sentido, mas onde há sempre uma espécie de incompreensão, uma falta de conexão. Estas pinturas não são apenas pinturas sobre Macau, mas sobre a condição de incompreensão, de procurar sentido em novos ambientes.”

Eterna mudança

No seu trabalho como artista, académico e antropólogo, Benjamin Hodges acaba por explorar relações humanas com diferentes realidades físicas e virtuais. Confessa que “Macau está sempre em mudança” e que é possível conhecer o território, faltando sempre algo mais para um conhecimento pleno. “Uma coisa é podermos interiorizar algumas verdades históricas, através da ficção de viagens ou da antropologia, para termos um sentido do espaço. Mas Macau tem um longo de historial de pessoas que chegam e tentam com que faça sentido. Cheguei em 2008 e tenho a minha própria história de Macau e as minhas próprias memórias.”

Assim, nas pinturas e escritos de Benjamin Hodges encontram-se sempre “coisas muito pessoais, mudanças que ocorreram devido à abertura do jogo, ao desenvolvimento do território e à transformação da paisagem”. Mas as reflexões sobre a mudança e as tentativas de compreender o que é diferente não se versam a Macau, pois todo o mundo enfrenta mudanças climáticas, exemplifica o artista. “Uma das coisas que tento fazer no meu trabalho como pintor e como antropólogo é pensar e interrogar não só essas histórias, mas considerar como elas formam as nossas ideias de como o futuro pode ser”, rematou.

12 Out 2023

Fotografia | Rusty Fox lança “Nocturnal” no próximo domingo

O fotógrafo local Rusty Fox lança no domingo, no festival literário Rota das Letras, um novo livro de fotografia. “Nocturnal” retrata, a preto e branco, árvores que evocam imagens do corpo humano, onde o ambiente nocturno se mistura com sensações de melancolia e estranheza

 

Noite, melancolia, estranheza, corpo, movimento estático, natureza morta. Todas estas palavras cabem nas fotografias de Rusty Fox, fotógrafo natural de Macau que lança, no próximo domingo, “Nocturnal” [Nocturno], pondo fim a um breve interregno na edição de livros de fotografia. O lançamento, agendado para as 17h na Casa Garden, integra o cartaz do festival literário Rota das Letras.

Ao HM, Rusty Fox confessa que estas imagens surgem no seguimento de trabalhos anteriores, muito focados na natureza e nas suas formas. “Sempre fui fascinado por objectos relacionados com diferentes formas de vida. Durante muitos anos trabalhei num projecto sobre espécimes de animais e taxidermia [técnica de preparação de animais mortos para que fiquem com as mesmas posições que tinham em vida], no tempo em que estudei fotografia no Reino Unido. Descobri que as plantas e as árvores são, de alguma forma, semelhantes aos espécimes de animais, são como objectos de exposição colocados na nossa cidade, como um museu.”

O nome “Nocturnal” surgiu do editor e designer Yang, e remete para o lado noctívago de Rusty Fox. “Eu, como fotógrafo, sou noctívago, tal como as árvores nas ruas vazias à meia-noite, que têm o seu próprio mundo.”

Confrontado com o facto de a obra remeter para atmosferas de estranheza, melancolia e até morbidade, o autor diz que muitos dos que vêem as suas imagens têm a mesma percepção, assumindo até que o seu trabalho constitui uma certa “metáfora sexual”. “O engraçado é que são apenas árvores, nada mais. Claro que, como fotógrafo, trabalho muito para que o público se sinta assim, mas também os lembrarei que, afinal, são sempre árvores.”

Estas percepções nascem do facto de Rusty Fox ter feito trabalhos anteriores sobre animais. “Vemos as árvores como tendo a forma de um corpo humano, mas para mim é mais um espécime, para ser sincero.”

Tempo de reflexão

O período da pandemia foi complexo para quem pretendia publicar novos trabalhos, confessa Rusty. “Normalmente tentamos participar em feiras de livros de arte em todo o mundo e, devido à covid, não o pudemos fazer. Para mim, não era sensato publicar um livro nessa altura. O meu último livro, ‘Dummy’ [de 2018] foi lançado mesmo antes da pandemia. Usei este tempo para ‘observar’ a relação que temos com as árvores e descobri que são ainda mais fascinantes como objectos vivos, pelo que decidi fazer este livro sobre elas.”

Rusty Fox adiantou que o feedback que tem recebido em relação ao livro tem sido positivo. “Normalmente, tenho tido mais público ou leitores interessados no meu trabalho, sobretudo em relação aos meus livros mais antigos, mas penso que ‘Nocturnal’ está a correr bastante bem.”

Questionado sobre o posicionamento da fotografia mais contemporânea em Macau, tanto do ponto de vista das exposições, edições ou acolhimento do público, Rusty Fox considera que “está a melhorar”. “Além da fotografia tradicional, parece que há cada vez mais público interessado no lado mais contemporâneo da fotografia, o que é muito bom. Além disso, muitas pessoas, como eu, estão a tentar levar os trabalhos dos fotógrafos locais a diferentes actividades, como feiras de livros de arte e exposições internacionais, o que é sempre bom de ver”, rematou.

“Nocturnal” vai partilhar o palco do Rota das Letras com o lançamento de outro livro de fotografia, “Seeing the Light”, de Francisco Ricarte, arquitecto que, nos últimos tempos, se tem dedicado bastante à fotografia e que já conta com várias exposições e obras publicadas.

11 Out 2023

Henrique de Senna Fernandes | Livro realça lado “polivalente” do autor

Lançado na sexta-feira, pela Praia Grande Edições, “Cem Anos de Henrique de Senna Fernandes”, dirigido por Lola Geraldes Xavier, apresenta um retrato das múltiplas perspectivas da vida e obra do autor macaense. A académica entende que a obra de Henrique de Senna Fernandes continua a despertar interesse

 

Autor de “Amor e Dedinhos de Pé” e “A Trança Feiticeira”, Henrique de Senna Fernandes continua a ser tido por muitos como o maior autor macaense, aquele que sempre se disse português de Macau e teimou em escrever na língua de Camões.

Na última sexta-feira, primeiro dia do festival literário Rota das Letras, foi lançada a obra “Cem Anos de Henrique de Senna Fernandes”, com coordenação de Pedro D’Alte e direcção de Lola Geraldes Xavier, docente da Universidade Politécnica de Macau (UPM). Ambos pertencem a um grupo de investigadores “com interesses pelas literaturas e culturas em português”, intitulado “Ecoador”, que inclui outros académicos, nomeadamente de Macau, como Lu Jing, estudante bolseiro de doutoramento da UPM, e Yang Nan, mestre em Língua e Cultura Portuguesa pela Universidade de Macau.

A obra reúne um conjunto de ensaios sobre Henrique de Senna Fernandes da autoria de académicos deste grupo “informal e sem qualquer financiamento”. “O acolhimento [do projecto] da parte de uma editora com os mesmos interesses [celebrar o centenário do nascimento do romancista] é muito louvável”, disse Lola Geraldes Xavier.

Essencialmente o livro “pretende colocar em diálogo vários modos artísticos” do autor macaense, contando também com ilustrações de Dilar Pereira e um ensaio fotográfico de Sara Augusto. “As contribuições são diversas e multidisciplinares, da parte de investigadores da Literatura, Filosofia, História, Direito, Economia ou Sociologia, entre outros. Os temas são igualmente múltiplos: revisão da literatura sobre o autor, enfoque sobre alguns contos, romances, biografia, gastronomia na obra de Senna Fernandes ou a importância histórico-cultural das suas publicações.”

Em declarações ao HM, Miguel de Senna Fernandes referiu que “é importante o lançamento deste livro”. “Agradeço desde já a todos os que quiseram demonstrar a admiração pelo trabalho de Henrique de Senna Fernandes, [sem esquecer] as várias actividades que decorreram este ano sobre a obra do meu pai. Infelizmente, não tive tempo para participar neste livro”, acrescentou. Além disso, a publicação do livro representa “um marco importante no que diz respeito à figura que foi Henrique de Senna Fernandes, sendo um inestimável tributo a este escritor de Macau”.

Os vários lados de Henrique

Nas primeiras páginas do livro, Pedro D’Alte descreve Henrique de Senna Fernandes como uma figura “versátil, polivalente e conciliadora”. Lola Geraldes Xavier concorda, destacando que a versatilidade do autor se denota mais “ao nível dos géneros literários que tratou e das profissões e cargos que abraçou”. Henrique de Senna Fernandes foi também uma figura “conciliadora” devido às “relações interétnicas que cultivou, quer biográfica quer literariamente”.

“Creio que a marca que deixou na comunidade de Macau e macaense, em particular, pela sua intervenção cívica e cultural, será, porventura, um legado em pé de igualdade com o literário”, acrescentou. Considerando ser essencial traduzir mais Henrique de Senna Fernandes para chinês e inglês, Lola Geraldes Xavier entende que a essência da sua escrita se sente com mais intensidade nos romances, “que têm chamado mais a atenção de estudiosos e cineastas”, ao invés dos contos.

“No entanto, ele começou por ser premiado por um conto, nos jogos florais da Queima das Fitas da Universidade de Coimbra, em 1950, por ‘A-Chan, a tancareira’. Os contos carregam em si o embrião de alguns romances, pelas temáticas, espaços, tempo ou tipos sociais de personagens.”

O seu filho destaca que, em Macau, “ele é conhecido, acima de tudo, como professor, sobretudo pela comunidade macaense, pois foi professor de história de muitas gerações, tanto no liceu como na Escola Comercial Pedro Nolasco”.

“Ele é recordado, carinhosamente, por ‘senhor professor’, mas claro que a escrita lhe deu outra dimensão. Ele marcou uma época e a história de Macau e quem lê Henrique de Senna Fernandes faz uma viagem no tempo”, frisou.

Um autor (ainda) a descobrir
Neste livro de ensaios, Lola Geraldes Xavier fez um estudo sobre o estado da arte em relação ao que já se publicou sobre os escritos de Senna Fernandes, em parceria com Chen Gaozhao, estudante de doutoramento em português na UPM. As conclusões mostram que “na década do século XX o autor continua a despertar interesse, inclusivamente na academia”.
As palavras de Senna Fernandes não se esgotam nos romances mais conhecidos, muitos deles editados pelo Instituto Cultural, havendo ainda escritos por publicar, nomeadamente a obra “O Pai das Orquídeas”, livro no qual Henrique de Senna Fernandes estava a trabalhar antes de morrer, em 2010, sem esquecer os demais contos que ficaram em papel.
“Do que já está publicado, ‘Mong-Há’ é o livro menos estudado, tal como são menos estudados temas relacionados com aspectos sociológicos, como personagens, a tradução, a diáspora e biografia, por exemplo”.
Os cenários que surgem nas obras de Henrique de Senna Fernandes fazem parte de um certo imaginário de uma Macau em constante mudança socioeconómica. Neste sentido, questionámos Lola Geraldes Xavier se os escritos do autor macaense se poderão tornar numa quase de referência histórica ou antropológica.
A docente da UPM recorda que “ainda em vida o autor tinha consciência desse desaparecimento e, talvez por isso, também da importância do seu legado”. Lola Geraldes Xavier destaca os casos dos escritos de outros autores portugueses de Portugal, nomeadamente Almeida Garrett e Eça de Queirós, questionando se se transformaram, de facto, em referências históricas. “A literatura é uma arte social, logo histórica, mas a sua essência ultrapassa essas fronteiras, pelo que todo o grande escritor sobrevive pela inserção da sua obra no cânone literário e não na história”, considerou. Para Miguel de Senna Fernandes, as obras do seu pai constituem “uma memória”, tendo em conta “tudo aquilo que se vai desfazendo em Macau”.

9 Out 2023

Henrique de Senna Fernandes recordado hoje no Rota das Letras

O centenário do nascimento do escritor macaense Henrique de Senna Fernandes marca o arranque de mais uma edição do festival literário Rota das Letras. O painel inaugural, que serve de apresentação do livro “Cem anos de Henrique de Senna Fernandes – Uma Nova Colecção de Ensaios”, com coordenação de Lola Geraldes Xavier, decorre hoje na Livraria Portuguesa a partir das 18h15. A Livraria Portuguesa é, aliás, o local de todas as sessões do programa deste fim-de-semana do festival.

A obra conta ainda com as participações do filho do escritor, Miguel de Senna Fernandes, a académica Sara Augusto e Pedro D’Alte, entre outros, fazendo uma leitura transversal do percurso de Senna Fernandes, que foi também advogado e professor.

Às 19h30 será a vez de se discutir a temática “Grande Baía: A Busca por uma Maior Diversidade Literária”, com a participação de Carlos Morais José, director do HM, a académica e ex-deputada Agnes Lam, e os autores Wang Weilian e Zhu Shanbo. Destaque ainda para a inauguração, às 17h30, da exposição de pintura de Benjamin Hodges, intitulada “Vou a Caminho do Meio Dia: A Arte de Benjamin Kidder Hodgess”.

Romances e mistérios

O programa do Rota das Letras de amanhã arranca às 15h com a presença do autor Nick Groom, que irá falar de “Tolkien Hoje: Do Senhor dos Anéis aos Anéis do Poder”. Segue-se o painel dedicado a W. H. Auden, às 16h, intitulado “W.H. Auden: A Demanda por Justiça de um Poeta e as suas Impressões sobre Macau e Hong Kong”, com a presença do académico Glenn Timmermans e o jurista Paulo Cardinal.

Para as 17h está marcada a sessão “A Torre dos Segredos: Os Mundos Paralelos de Camões e Damião de Góis”, com Edward Wilson-Lee. Às 18h30 o escritor e tradutor Valério Romão junta-se a Xiao Hai para falar da “Poesia dos Trabalhadores Migrantes: Um Género Literário em Ressurgimento na China”.

No domingo, além das sessões de Sara F. Costa, decorre ainda a sessão, às 15h, sobre “A Nova Geração de Escritores da Grande Baía I: Os Livros de Wang Weilian e Zhu Shanbo”.

Por sua vez, às 16h, Glenn Timmermans junta-se a Nick Groom para falar de William Shakespeare, com a sessão “Um Homem para Todas as Estações: 400 anos de Shakespeare”. Edward Wilson-Lee volta a falar sobre o poeta às 17h.

No domingo a última sessão, marcada para as 18h, será dedicada a Valério Romão, que abordará o tópico “Família Feliz: Quantos Mal-entendidos cabem num Prato? E num Romance?”.

6 Out 2023

Rota das Letras | Festival regressa com convidados internacionais

A 12ª edição do festival literário Rota das Letras regressa com uma programação que volta a incluir convidados internacionais. Francisco José Viegas, Valério Romão e Yara Monteiro são alguns dos convidados do evento que se realiza entre 6 e 15 de Outubro. No plano musical, destaque para “Samba de Guerrilha”, a obra de Luca Argel que ilustra a história do Brasil

 

A 12.ª edição do festival literário Rota das Letras já mexe, com a divulgação dos primeiros convidados do evento que marca o regresso de escritores e artistas internacionais. O festival, que se realiza entre 6 e 15 de Outubro, será o primeiro desde 2019 a contar com a presença de convidados internacionais, depois das edições anteriores marcadas pelas restrições impostas pelo combate à pandemia.

Entre os primeiros nomes anunciados pela organização do festival, destaque para Francisco José Viegas, Valério Romão e Yara Monteiro.

Francisco José Viegas, convidado recorrente nos cartazes do Rota das Letras, regressa a Macau um ano depois do lançamento do romance policial “Melancholia”. A obra marca o retorno de um personagem que o escritor criou há mais de 30 anos, o inspector Jaime Ramos, curiosamente a braços com a investigação da morte de uma escritora num festival literário (o Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim).

“Melancholia” segue-se ao aclamado e premiado romance “A Luz de Pequim”, e é a última obra da prolífera carreira do escritor dos sete ofícios, que foi professor, cronista no Jornal de Letras, Expresso, Semanário, O Liberal, O Jornal, Se7e, Diário de Notícias, O Independente, Record, Visão, Notícias Magazine, Elle, Volta ao Mundo e Oceanos. Além disso, foi director das revistas Ler e Grande Reportagem, bem como da Gazeta dos Desportos e dirigiu, entre 2006 e 2008, a Casa Fernando Pessoa.

Foi Secretário de Estado da Cultura do Governo de Passos Coelho, cargo que acabaria por ocupar durante apenas um ano depois de se demitir.

Valério Romão é outro dos destaques entre os primeiros nomes anunciados da programação deste ano do Rota das Letras. Com uma carreira literária dispersa entre vários géneros e formas de expressão, mas quase sempre com os pés assentes em terrenos literários, Valério Romão escreve de tudo um pouco. Conto, romance, teatro, crónica, fez traduções de clássicos, e aventurou-se em expedições conceptuais entre música e literatura, como o projecto MAO MAO que junta spoken word e a experimentação musical (com José Anjos ao leme).

O seu último livro, “Cair para Dentro”, é um roteiro de vida e das relações complicadas de um duo constituído por mãe e filha. A posição de absoluto domínio maternal começa a ser colocada em causa a partir do momento que a começa a demonstrar os primeiros sintomas de demência.

A 12.ª edição do Rota das Letras conta também com a presença de Yara Monteiro, a escritora portuguesa nascida em Angola que se estreou em 2018 na vida literária com a publicação do seu primeiro romance “Essa Dama Bate Bué!”. No ano passado, a autora venceu o Prémio Literário Glória de Sant’Anna, com a obra ‘Memórias Aparições Arritmias’. Sobre a obra de poesia, um dos jurados do prémio literário, a escritora brasileira Jane Tutikian, referiu: “Não se pense em rodeios estilísticos, em jogos de figuras de linguagem, em complexidade. Ao contrário, os poemas são construídos numa linguagem simples, objectiva, libertando, assim, a subjectividade e cocriação imagética do leitor”.

Samba e clássicos

Com os eventos a terem como principais epicentros a Casa Garden e a Livraria Portuguesa, a organização do festival literário revelou ontem que a edição deste ano irá celebrar a obra e os 500 anos do nascimento de Luís de Camões, assim como o nascimento de Henrique de Senna Fernandes, que faria 100 anos no último dia do Rota das Letras (15 de Outubro).

A programação do festival irá apresentar também aos amantes das letras sessões que irão incidir sobre autores como Pablo Neruda, W’H Auden e J.R.R. Tolkien, três vultos literários que faleceram há 50 anos.

Além disso, a organização do festival promete a publicação de novos livros de autores locais, exibição de filmes e exposições.

Com a revelação dos primeiros detalhes do festival literário foi também anunciada a apresentação de “Samba de Guerrilha”, um espectáculo operático que alia música e literatura em três actos. O espectáculo criado por Luca Argel, artista carioca radicado no Porto, terá lugar no Teatro Broadway no dia 14 de Outubro, às 20h30. Os bilhetes para o espectáculo já estão à venda.

Segundo Luca Argel, “Samba de Guerrilha” foi pensado como “uma ópera samba” dividida em três actos, através da qual se conta a História do Brasil. Composto por arrojadas versões de clássicos do samba, que se revelam um “interessante instrumento de pesquisa histórica”, o disco parte da premissa de demonstrar como as velhas questões dos tempos coloniais e dos primeiros anos do Brasil enquanto nação, em especial a escravatura, continuam, ainda hoje, a condicionar a vida de milhões de pessoas, sob a forma de racismo, pobreza e todo o tipo de discriminação social.

O primeiro acto começa ao som de Samba do Operário, tema escrito pelo mítico Cartola em parceria com um português de Alfama, chamado Alfredo, que se estabeleceu no morro da Mangueira em fuga à ditadura de Salazar.

As faixas são antecedidas por uma narração que contextualiza histórica e socialmente cada momento – na voz da rapper luso-angolana Telma Tvon.

25 Ago 2023

Lawrence Lei, dramaturgo e autor: “Quis descrever o absurdo da vida na pandemia”

A pandemia e as relações humanas que se entrelaçam em torno de uma doença que mudou o mundo é o tema central do seu último romance. “Masked Faces” [Rostos Mascarados], da autoria de Lawrence Lei, um dos mais importantes dramaturgos de Macau, foi lançado na última sexta-feira no festival literário Rota das Letras. O autor diz-se satisfeito com a possibilidade de ser também conhecido pelo público português

 

O seu trabalho mais recente é “Masked Faces” [Rostos Mascarados]. Do que trata esta história?

“Masked Faces” é um romance, com o qual ganhei o 13.º Prémio de Literatura de Macau. A história começa assim: “As pessoas acordam um dia e descobrem que o mundo sofreu mudanças dramáticas, e todos os seres humanos podem apenas mostrar metade dos seus rostos em público…”. Esta é uma história sobre confiança, a traição no amor e a amizade sobre um médico que, a fim de analisar os contactos próximos dos casos de covid-19 dos seus pacientes, vê-se obrigado a entrar nos círculos da vida privada dos seus bons amigos e espiar o outro lado da sua vida pública.

Porquê o nome “Masked Faces”? Quais as principais ideias que quis partilhar com os leitores?

O título da história em chinês significa metade do rosto. “Masked Faces” tem dois significados, em que o mais evidente diz respeito à metade da cara que fica exposta depois de usar uma máscara e há depois o significado implícito que se refere à hipocrisia e à natureza humana mascarada. Ao escrever “Masked Faces”, quis descrever a realidade e o absurdo da vida em contexto de pandemia, e explorar a falta de confiabilidade do amor e da amizade.

O que sente ao ver este trabalho apresentado no festival literário Rota das Letras? O que pensa da importância deste evento para o panorama literário local?

É uma grande honra ver os meus trabalhos serem apresentados no festival Rota das Letras e ser conhecido tanto pelos chineses como pelos portugueses. O festival é uma importante plataforma para as publicações de Macau e serve como uma ponte para o intercâmbio cultural que existe entre a China e Portugal, permitindo que as culturas chinesa e portuguesa se misturem e comuniquem.

Até que ponto “Masked Faces” é diferente dos seus trabalhos anteriores?

O estilo de escrita é diferente. Desta vez decidi escrever recorrendo a uma estrutura de “meta-ficção”, desenvolvendo duas narrativas. Estas parecem não estar interligadas entre si, mas acabam por se influenciar. Os seus protagonistas escreveram as suas próprias histórias e decidiram os seus próprios destinos.

Quanto tempo levou até terminar “Masked Faces”?

Gastei mais de 200 horas de trabalho nesta novela, que incluem a pesquisa, entrevistas com especialistas médicos e no processo de escrita. Antes de começar a escrever esta história tinha de ter um bom entendimento da pandemia e de como se processava o ritmo de trabalho e as operações com as medidas de combate à covid-19.

É conhecido como um dos mais importantes dramaturgos de Macau. Como se sente face a este reconhecimento? Quais os principais tópicos que gosta de abordar na sua escrita?

Escrevo há mais de 40 anos e já escrevi mais de 50 peças de teatro, participando e testemunhando o processo de desenvolvimento do teatro local em Macau. É para mim uma grande honra contribuir para este desenvolvimento. Quanto aos meus trabalhos, os grandes temas que gosto de abordar, seja em guiões ou novelas, são centrados em temas sociais e questões relacionadas com a vida das pessoas.

Macau está em mudança em termos sociais e políticos. Gostaria de escrever sobre estas mudanças?

Desde a transição, em 1999, que Macau tem experienciado mudanças sociais, económicas, políticas e até em termos de valores de vida. A minha escrita, seja para peças de teatro ou para novelas, sempre reflectiu estas alterações, especialmente as mudanças dramáticas ocorridas nos valores sociais ocorridas aquando da liberalização do jogo.

O que pensa do panorama do teatro de Macau nos dias de hoje? Há muitas associações e pequenos grupos a trabalharem em projectos. Acredita que enfrentam mais dificuldades actualmente comparando com o passado?

O nível de performance melhorou muito graças ao facto de muitas pessoas ligadas ao teatro terem estudado no estrangeiro. No entanto, os grupos de teatro enfrentam hoje muitas dificuldades. A falta de salas de espectáculo sempre foi um problema, e tendo em conta as actuais medidas de combate à pandemia implementadas pelo Governo a situação piorou ainda mais. Não há estabilidade na organização de espectáculos neste momento e muitas vezes são suspensos devido à pandemia. Isso faz com que os custos de produção sejam muitos, com grandes perdas. A deterioração da economia social tem vindo a afectar a operação por parte destes grupos. O subsídio cultural concedido pelo Governo tem vindo a ser cada vez mais restrito, tornando a situação pesada, o que aumenta de forma crescente as dificuldades de operação dos grupos de teatro.

5 Dez 2022

Rota das Letras | Festival aposta em autores locais, celebra Saramago e “Romance dos Três Reinos”

A 11.ª edição do Rota das Letras decorre ao longo de dois fins-de-semana, entre 2 e 4 de Dezembro na Livraria Portuguesa, e entre 9 e 11 de Dezembro, no Art Garden, sede da Sociedade Arte para Todos (AFA). Esta é mais uma edição que volta a ser muito condicionada pelas medidas de controlo da pandemia da covid-19

 

O Festival Literário de Macau celebra este ano o centenário do nascimento de José Saramago e os 500 anos do clássico chinês “Romance dos Três Reinos”, numa edição “muito condicionada” pela pandemia e que aposta novamente nos autores locais.

A 11.ª Rota das Letras, que decorre entre esta sexta-feira e domingo, na Livraria Portuguesa, e entre 9 e 11 de Dezembro, no Art Garden, vai voltar a centrar-se nos escritores do território e a procurar “assinalar efemérides que sejam importantes para a literatura de Macau, literatura lusófona e literatura universal”, afirmou o director do festival, Ricardo Pinto, à Lusa.

Neste sentido, é dado destaque aos centenários do nascimento de José Saramago e de Maria Ondina Braga e aos 500 anos da primeira publicação integral do “Romance dos Três Reinos”, clássico da literatura chinesa.

As sessões de celebração dos autores portugueses vão decorrer no próximo domingo, durante a tarde. No tributo ao único português a ser distinguido com o Nobel da Literatura, vão ser apresentados trabalhos de Miguel Real e José Luís Peixoto que têm como referência a vida e a obra do escritor: “As Sete Vidas de Saramago”, uma biografia do autor; e “Autobiografia”, um romance em que Saramago é personagem central. Esta sessão terá também a participação da artista chinesa de Macau Kay Zhang, que em conversa com Carlos Marreiros vai falar do seu projecto artístico inspirado no “Ensaio sobre a Cegueira”.

Na noite de domingo, também na Livraria Portuguesa, os interessados vão ainda poder assistir à projecção de um documentário sobre Maria Ondina Braga, antecedida por uma evocação da autora, a cargo da Professora Vera Borges. O filme, “O que Vêem os Anjos”, tem realização de Tiago Fernandes, entrevistado agora por Hélder Beja.

Aposta local

A abertura do evento está agendada para esta sexta-feira, pelas 18h30, na Livraria Portuguesa, e aposta passa pela “prata da casa”, com a apresentação dos trabalhos mais recentes dos escritores locais Lawrence Lei, sobre a pandemia e com o título Rostos Mascarados, e de Cheong Kin Han, que em Ying aborda a interrupção da gravidez.

Ricardo Pinto, afirmou à Agência Lusa, que estes são alguns dos autores de Macau convidados a celebrar a literatura “com temas muito actuais, como a pandemia e a questão da interrupção voluntária da gravidez”, respectivamente.

Por volta das 19h30, os interessados vão poder assistir a uma performance apresentada por Wong Teng Chi, com base no conjunto da sua dramaturgia em que explora temas como a observância social e questões de identidade e género.

No dia seguinte, o primeiro sábado do evento, os autores locais voltam a estar em destaque. A manhã do segundo dia foi feita a pensar no “público infantil”, com a Livraria Júbilo a apresentar os trabalhos da ilustradora Yang Sio Maan.

As suas mais recentes ilustrações constam de Wild Words, um dicionário da natureza selvagem distribuído no Reino Unido. Logo depois, Tony Lam fará a apresentação de uma aventura para crianças que se passa em boa parte nos subterrâneos do Templo de A-Má

A tarde de sábado fica marcada pela celebração do 5.º centenário da primeira publicação integral do “Romance dos Três Reinos”, um clássico da literatura chinesa, numa sessão que vai ter como oradores Wang Di e Wang Sihao, académicos da Universidade de Macau, e como moderador Yao Jingming, académico e escritor.

Na noite de sábado, decorre ainda um dos momento altos do evento, nas palavras do director do festival, com o lançamento da segunda edição do ‘Livro dos Nomes’ de Carlos Morais José e fotografias de Sara Augusto. “Destacava em relação aos autores locais o lançamento da segunda edição do ‘Livro dos Nomes’ de Carlos Morais José, agora com fotografias de Sara Augusto. É uma segunda edição muito enriquecida e um livro que seguramente vai suscitar o interesse de muita gente”, afirmou Ricardo Pinto.

A 3 de Dezembro, o evento vira-se para autores de vários países de língua portuguesa, Krishna Monteiro, Manuel da Costa, Hélder Macedo, entre outros, juntam-se numa sessão online para falarem do seu contributo para uma nova antologia bilingue de contos lusófonos, traduzidos para chinês. Viagem, assim se intitula este projecto, é uma edição do IPOR e tem representados todos os países de língua portuguesa.

Continuação no Art Garden

No fim de semana seguinte, de 9 a 11 de Dezembro, o Festival Rota das Letras muda-se para o Art Garden, onde será apresentado o projecto plurianual “A Room of One’s Own”. Baseado na obra homónima de Virginia Woolf (“Um Quarto Só Seu”), o projecto inclui uma série de sessões de debate, seminários, concertos e performances que vão explorar o tema da Condição Feminina.

A primeira mesa-redonda do fim-de-semana, na sexta-feira, pelas 18h30, junta Agnes Lam e Glenn Timmermans, professores da Universidade de Macau, à psicanalista Natalie Si, num debate sobre o conceito de literatura feminina e as suas implicações psicológicas, a partir da obra de Virginia Woolf.

A sessão é seguida da apresentação de um concerto no terraço do Art Garden. O músico meditativo de Hong Kong Paul Yip, os poetas locais M. Chow e Isaac Pereira, e a bailarina de Macau Tina Kan inspiram-se na escrita poética de Virginia Wool para criarem um espectáculo onde se combinam a palavra, a música e o gesto.

Evento condicionado

Num balanço às 10 edições anteriores do Rota das Letras, Ricardo Pinto sublinhou que o festival se encontra “hoje muito condicionado pela situação da pandemia que se continua a viver em Macau e na China”. “Diria que estamos ansiosos para regressar a outros tempos em que tínhamos a possibilidade de ter connosco autores da lusofonia, da China, do mundo chinês em geral e de muitos outros países”, complementou o responsável.

Macau fechou as fronteiras em Março de 2020 e quem chega ao território – com excepção da China continental – é obrigado a cumprir quarentena em hotéis designados pelas autoridades, actualmente fixada em cinco dias.

Ricardo Pinto lamentou que com o formato actual, a habitual criação de antologias de contos, com textos dos autores convidados, e a organização de sessões literárias nas escolas e universidades do território, que eram para os organizadores “o segmento do festival mais relevante”, estejam ausentes do programa.

O Festival Literário de Macau foi fundado em 2012 pelo jornal em língua portuguesa Ponto Final, assumindo-se nos primeiros anos como “o primeiro grande encontro de literatos” da China e dos países lusófonos.

30 Nov 2022

Francisco José Viegas e Stacey Kent juntam-se à lista de convidados do Rota das Letras

O elenco da 10.ª edição do Festival Literário de Macau – Rota das Letras foi alargado com três nomes de peso: o escritor português Francisco José Viegas, o realizador norte-americano Tony Shyu e a cantora norte-americana de jazz Stacey Kent.

Ainda com a pandemia a empurrar para o online parte do cartaz, o festival decorre entre sexta-feira e domingo, mas hoje oferece já dois aperitivos performativos aos amantes das artes de Macau. O primeiro é uma performance de teatro físico, sem texto, intitulada “Por Confirmar”, marcada para as 17h30, na residência do cônsul-geral de Portugal na RAEM, no edifício do antigo Hotel Bela Vista, e repetida à mesma hora amanhã e no sábado.

O espectáculo é baseado na escrita de Olga Tokarczuk, que ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 2018, com interpretação e coreografia da autoria do grupo Cai Fora, composto por Lou Chong-neng e Hsueh Mei-hua.
Palavras são substituídas pelo corpo na actuação que foca um olhar distanciado sobre a azáfama do quotidiano, cheio de correrias, suor e cansaço, com almas que se desprendem de pessoas que as deixam para trás.

A outra entrada do Rota das Letras deste ano é a performance “Não Querer Saber de Nunca Saber por Onde Ir”, apresentada hoje e amanhã às 22h no edifício Art Garden, sede da associação Art For All. O espectáculo, que une performance musical e monólogo, é da responsabilidade de Isaac Pereira e François Girouard.

Assim arranca o cartaz que reúne quase seis dezenas de autores convidados, onze sessões de apresentação de livros e debate dos mais diversos temas; quatro performances com um total de onze representações, uma das quais um concerto e duas exposições de fotografia.

Artes com todos

Com epicentro na Casa Garden, sede da Fundação Oriente, o festival literário arranca com uma palestra para estudantes sobre os 200 anos do Cemitério Protestante de Macau, ainda antes da cerimónia de inauguração. A partir das 14h de amanhã, numa sessão reservada a estudantes, Stephen Morgan e Andrew Leong conduzem uma visita guiada ao cemitério protestante, com a obra e vida de Robert Morrison como fio condutor.

De seguida, é apresentada uma palestra para o público geral sobre os 200 anos da tradução da Bíblia e do Cemitério Protestante. Stephen Morgan, Andrew Leong e Tereza Sena serão os oradores. Depois, haverá uma segunda visita ao cemitério, desta feita para o público em geral, guiada por André Lui, João Guedes e Paul B. Spooner, que irão contar em chinês, português e inglês as muitas histórias que o espaço encerra. Estas actividades, repetem-se no sábado, às 14h30.

A acção passa para o espaço ao lado, a Casa Garden, com a cerimónia de abertura do festival marcada para as 17h de amanhã, seguida da inauguração de duas exposições de fotografia. “A Estranha Familiaridade”, promovida pela revista Macau Closer, e “Visto com os Pés, Escrito com os Olhos”, mostra nascida da parceria criativa de Carlos Morais José e Rosa Coutinho Cabral.

Em relação às novidades anunciadas ontem, no sábado às 15h30, a Casa Garden transmite online uma entrevista em directo à cantora de jazz norte-americana Stacey Kent sobre o seu novo tema “Tango em Macau”, música com letra de Kazuo Ishiguro, Prémio Nobel em 2017.

Num painel de novidades editorais, marcado para as 14h30 de domingo na Casa Garden, o realizador norte-americano Tony Shyu irá fazer online a apresentação do argumento do filme “Macau Omen”.

Na mesma tarde, às 18h15, Francisco José Viegas participa na palestra “Narrativas da Escrita e da Fotografia”, em conjunto com Nuno Veloso, Sara Augusto, João Palla Martins, Shihan de Silva Jayasuriya, João Miguel Barros (online), António Júlio Duarte, Rusty Fox, Chan Hin Io e Leo Fan.

2 Dez 2021

Rota das Letras | Festival em formato concentrado aposta em autores locais

Numa versão altamente marcada pela pandemia, o festival literário vira-se para dentro e aposta nos autores de Macau. Além da homenagem a Henrique de Senna Fernandes, será celebrado o centenário da publicação de “Clepsydra” de Camilo Pessanha e discutido o impacto do confinamento nos autores locais

[dropcap]A[/dropcap] homenagem ao escritor macaense Henrique de Senna Fernandes vai ser um dos pontos altos da edição deste ano do Festival Literário Rota das Letras, que decorre entre 2 e 4 de Outubro. O programa, que inclui também a celebração dos 100 anos da publicação de “Clepsydra”, de Camilo Pessanha, foi apresentado ontem e vai ter uma sessão dedicada à pandemia da covid-19 e aos efeitos do confinamento na criação literária.

A cerimónia que vai celebrar o escritor macaense está agendada para 4 de Outubro, o mesmo dia em que morreu em 2010. Para assinalar a memória de Henrique de Senna Fernandes serão apresentadas as primeiras traduções em chinês e inglês do livro de estreia do autor macaense, “Nam Van – Contos de Macau”. A obra foi publicada pela primeira vez em 1978, em português.

“Uma das principais razões de ser do Festival Literário é a aproximação, através da literatura, das diferentes comunidades de Macau”, justificou Ricardo Pinto, director-geral do Rota das Letras, sobre a escolha.

“Fazemo-lo desta vez dando pela primeira vez a conhecer aos públicos de língua chinesa e inglesa, a obra que revelou Henrique de Senna Fernandes como um exímio contador de histórias”, realçou.

A sessão agendada para as 17h nas Oficinas Navais conta com a participação do filho do escritor, Miguel de Senna Fernandes, que vai publicar o seu primeiro livro de contos.

Ao contrário das edições anteriores do festival, que se prolongavam por mais de uma semana, a pandemia levou a que a organização optasse por uma edição em moldes diferentes. Também o facto de as fronteiras de Macau estarem encerradas a pessoas com nacionalidade estrangeira levou a organização a focar mais a atenção nos autores locais.

“A crise devastadora que se abateu sobre o mundo obrigou-nos a repensar a edição deste ano do Festival, numa perspectiva realista de contenção de custos e de aposta nos talentos locais”, explicou Ricardo Pinto.

“Esta mesma crise, enquanto tema de reflexão para todos nós, não podia obviamente estar ausente da programação do Festival”, acrescentou.

Reflexões sobre a pandemia

Com a aposta a passar pela “prata da casa”, Eric Chau, Wang Feng, Jenny Lao-Phillips e Konstantin Bessmertny são os autores presentes na sessão de abertura, marcada para as 14h30 de 2 de Outubro, na Oficinas Navais. Os autores vão reflectir sobre os efeitos da pandemia para a sociedade, para o futuro e o impacto para as suas futuras obras. “Numa época de crise em que o mundo está dividido em diferentes zonas de bloqueio, a ideologia de ‘Think Global Act Local’ parece ser especialmente relevante”, comentou Alice Kok, directora executiva do Rota das Letras. “Agora é tempo de reforçar a nossa energia criativa e trazê-la para a boca de cena”, considerou.

Depois da sessão de abertura do festival, serão anunciados os vencedores do Concurso de Contos, além do lançamento do livro de poemas “Sétimo Céu”, que conta com a participação de escritores como Jidi Majia, José Luís Peixoto, Gisela Casimiro e Hirondina Joshua.

Na manhã do primeiro dia do evento decorre também a abertura da Exposição de Fotografia ‘Macau, 2020: Tempo de Introspecção’ e o lançamento da revista Zine Photo, da autoria de João Miguel Barros.

A agenda de um primeiro dia muito preenchido termina com uma peça de teatro intitulada “O Momento”, a cargo da Associação de Teatro de Macau Comuna de Pedra, inspirada no romance 1984, de George Orwell.

Sábado foi o dia escolhido para celebrar os 100 anos da publicação de “Clepsydra”, livro que agrega os poemas dispersos do autor que passou a maior parte da sua vida em Macau, onde está sepultado. Os poemas de Pessanha vão ser ditos e cantados num recital dirigido pelo maestro Simão Barreto, numa sessão agendada para as 18h30 nas Oficinas Navais.

22 Set 2020

Miguel de Senna Fernandes lança livro de crónicas: “O meu pai esteve sempre presente”

Depois de criar, em 2018, o blogue “Crónicas à Sexta”, Miguel de Senna Fernandes passa algumas dessas crónicas para um livro com o mesmo nome. Tratam-se de “estórias e ironias do comum dos dias, de alegrias e avarias, desde Marias a Zacarias”, como o próprio escreveu. O livro, com chancela da Praia Grande Edições, é lançado a 4 de Outubro no festival literário Rota das Letras. O evento deste ano celebra o conto e em especial a obra do escritor macaense Henrique de Senna Fernandes, pai de Miguel

 

[dropcap]C[/dropcap]omo surgiu a oportunidade de publicar o livro “Crónicas à Sexta”?

O festival Rota das Letras quis fazer um tributo à obra do meu pai. Este ano todo o programa está sujeito ao tema ‘Contos’ e acharam que deviam fazer uma nova edição, em chinês e inglês, da obra do meu pai, “Nam Van: Contos de Macau”. Depois, em conversa, propuseram-me publicar os meus contos que estão no meu blogue. É uma boa oportunidade de lançar algo que gosto de fazer.

Tem o blogue desde 2018. Porque sentiu necessidade de partilhar os seus escritos?

Inicialmente, eram apenas crónicas que me vinham à cabeça e fiz o esforço para as publicar todas as sextas-feiras. Daí o título da obra ser “Crónicas à Sexta”. Claro que muitas vezes não é fácil escrever crónicas e muitas vezes não consigo concentrar-me na escrita como gostaria. Houve muitas interrupções, mas quis manter um compromisso para que todos estes contos e crónicas fossem lançadas às sextas-feiras. Coloquei todas as crónicas à disposição da organização do festival e até pedi que fossem eles a escolher os textos.

É importante o festival Rota das Letras celebrar os escritos do seu pai?

Sim. Foi bom manter viva a ideia do tributo à sua obra. Já estava à espera que isso fosse adiado para outra altura, mas a organização decidiu manter a palavra. Louvo o esforço da organização nesta época da pandemia. Naturalmente, aguardo com alguma expectativa a edição do seu livro em chinês e inglês. É uma excelente ideia para que, pelo menos, a obra possa sair fora das fronteiras e entrar no mundo chinês. Isso é fundamental, já que hoje em dia há uma tendência para se valorizar coisas da terra. Junto da comunidade chinesa há uma crescente consciencialização da produção local, e isto é muito bom.

Dia 4 de Outubro marca o décimo aniversário da morte do seu pai. Considera que é importante dar uma nova roupagem à sua escrita?

Não só às obras do meu pai, mas também em relação às obras de outros autores de Macau. É importante renovar o interesse pelas obras já publicadas, quanto mais não seja para incentivar outros escritores. Porque apesar das grandes transformações sociais, Macau continua a ter um manancial de histórias. É um campo fértil para histórias, romances, crónicas e há muito canto por aí que pode inspirar obras. É sempre bom que as organizações locais, sobretudo nesta área literária, se debrucem também sobre a renovação do interesse das obras já feitas. É mentira quando dizem que Macau não tem literatura. Claro que tem, mas se calhar a literatura em português podia chegar a outro tipo de patamar. Talvez não se tenha conseguido porque o universo de leitores não é vasto em Macau, o que se compreende, mas é sempre bom manter as obras vivas. Apesar das dificuldades reais que existem, não se deve abandonar a defesa da literatura aparentemente ténue em Macau.

O seu pai serviu de inspiração para escrever estas crónicas?

Não necessariamente. Não me baseei nada naquilo que escreveu, mas o pai esteve sempre presente. Nunca utilizei fórmulas ou a inspiração com base nas obras dele, e penso que ele até gostaria que eu fizesse as coisas por mim, tal e qual como ele começou. Há sempre aquela mão que me abençoa e tenho o meu pai sempre presente quando escrevo. Mas inspiro-me em outras coisas. O meu pai dizia sempre isto, que em cada canto e em cada esquina de Macau há uma história e ele mostrou isso.

Podemos esperar crónicas de análise à sociedade de Macau, ou são reflexões pessoais?

Não é uma análise, não faço isso. No fundo tento focar-me muito na condição humana. Quando falamos sobre uma obra muitas vezes temos de versar sobre o estado de espírito da personagem, há essa representação da condição humana. Talvez algumas questões existenciais venham à tona, há uma tentativa de explorar, através das personagens, até que ponto e em que termos nós existimos. Não é uma análise à sociedade, embora haja ali caricaturas, histórias com alguma profundidade. Há uma história, de que gosto muito, sobre cartas de amor de crianças. É uma história que brinca muito com a inocência das pessoas, mas fala-se de coisas sérias, que não respeitam idade. Há uma certa ingenuidade ali e é precisamente isso que fascina.

É essa a sua crónica preferida, ou tem outras?

Gosto de todas, no fundo. Quando escrevo, o primeiro leitor sou eu, sou um grande julgador de mim próprio. Escrevo, deixo de lado uns tempos e depois volto a ler para ver se gosto. São crónicas muito diferentes. No fundo é uma experiência e tenho de explorar várias possibilidades diferentes nesta forma de escrita. Não sei como as crónicas vão ser publicadas, mas eu, pelo menos, vejo uma evolução nas várias formas de abordar o conto. Há uma história sobre o natal e gosto muito desta. Foi a primeira história que fiz, em 2015. Gosto muito de um conto sobre o bolero [Chi-ca-pom, o bolero improvável]. Também gosto do conto sobre as cartas de amor. Tenho outros contos em mente e vários projectos que vou tentar concretizar no próximo ano. Tenho várias coisas escritas que estão ainda em esboço e que se podem transformar em algo.

Esses projectos passam pela publicação de um romance?

O meu sonho é publicar um romance. Tenho o plano de um romance feito há muito tempo, mas falta-me alguma perspectiva histórica, relacionada com o tufão de 1874. Falta-me alguma pesquisa que terei de fazer. Penso que seria um romance fantástico. Mas esse período histórico serve apenas como pano de fundo. Espero ter tempo para acabar isso. Comecei a escrevê-lo, mas tive dificuldades em termos de enquadramento histórico e ficou para depois. Vamos ver se o reformulo depois.

Porquê esse período histórico em específico?

O tufão em si é um fenómeno da natureza que naturalmente cria várias possibilidades de narrativa, várias histórias que podem servir como pano de fundo. Não há uma razão em especial, mas apenas um certo fascínio sobre esse fenómeno da natureza. Espero que os leitores apoiem aqueles que escrevem e usam o seu tempo para produzir obras. Sobretudo que apoiem aqueles que se vão estrear. Para que haja uma reacção ao que se cria.

17 Set 2020

IC | Rota das Letras e outros eventos adiados devido ao surto do Covid-19

[dropcap]O[/dropcap] Instituto Cultural (IC) emitiu ontem uma nota onde dá conta do cancelamento de todas as actividades programadas para o próximo mês, onde se inclui o festival literário Rota das Letras, que habitualmente se realiza em Março.
“A epidemia do novo tipo de coronavírus está ainda em fase importante de prevenção e controlo. O IC cancelou todas as actividades externas programadas para Março e considerou que os locais culturais sob a égide do IC são espaços interiores, a fim de reduzir o risco da propagação da epidemia na comunidade e evitar o contacto e a concentração de pessoas, todos os locais culturais permaneceram fechados até novo aviso”, pode ler-se no comunicado.
Numa outra nota, a direcção do Rota das Letras explica que, para já, não existe uma data pensada para a realização do festival. “Iremos acompanhar de perto o desenvolvimento da epidemia e trabalhar de forma próxima com o Governo e com os nossos patrocinadores, a fim de definir uma data exacta após este cancelamento.”
Em relação aos bilhetes de espectáculos já comprados pelos espectadores, o IC promete assegurar o reembolso até ao dia 31 de Maio deste ano. Os espectáculos que envolvem a aquisição de bilhetes incluem o Concerto de Cordas “O Fascínio dos Sopros e das Cordas”, pela Orquestra Chinesa de Macau, no dia 14 de Março e o Concerto “Sinfonia do Destino”, pela Orquestra de Macau, no dia 21 de Março. Além disso, vários espectáculos de entrada gratuita serão cancelados e adiados.

21 Fev 2020

IC | Rota das Letras e outros eventos adiados devido ao surto do Covid-19

[dropcap]O[/dropcap] Instituto Cultural (IC) emitiu ontem uma nota onde dá conta do cancelamento de todas as actividades programadas para o próximo mês, onde se inclui o festival literário Rota das Letras, que habitualmente se realiza em Março.

“A epidemia do novo tipo de coronavírus está ainda em fase importante de prevenção e controlo. O IC cancelou todas as actividades externas programadas para Março e considerou que os locais culturais sob a égide do IC são espaços interiores, a fim de reduzir o risco da propagação da epidemia na comunidade e evitar o contacto e a concentração de pessoas, todos os locais culturais permaneceram fechados até novo aviso”, pode ler-se no comunicado.

Numa outra nota, a direcção do Rota das Letras explica que, para já, não existe uma data pensada para a realização do festival. “Iremos acompanhar de perto o desenvolvimento da epidemia e trabalhar de forma próxima com o Governo e com os nossos patrocinadores, a fim de definir uma data exacta após este cancelamento.”

Em relação aos bilhetes de espectáculos já comprados pelos espectadores, o IC promete assegurar o reembolso até ao dia 31 de Maio deste ano. Os espectáculos que envolvem a aquisição de bilhetes incluem o Concerto de Cordas “O Fascínio dos Sopros e das Cordas”, pela Orquestra Chinesa de Macau, no dia 14 de Março e o Concerto “Sinfonia do Destino”, pela Orquestra de Macau, no dia 21 de Março. Além disso, vários espectáculos de entrada gratuita serão cancelados e adiados.

21 Fev 2020

Oitava edição do Festival Rota das Letras lança Concurso de Contos

[dropcap]A[/dropcap] 8ª edição do Festival Literário de Macau – Rota das Letras arrancou, com o lançamento do Concurso de Contos nas línguas portuguesa, chinesa e inglesa. Os interessados deverão submeter as suas histórias até às 20h do dia 30 de Novembro de 2019, na redacção do jornal Ponto Final ou através do email shortstories.thescriptroad@gmail.com.

As regras do concurso são idênticas às de 2018, com a entrega de prémios (um para cada idioma) no valor de 10 mil patacas e a publicação em livro – nas três línguas – dos textos seleccionados.

Os contos serão seleccionados por escritores que passaram pela Rota das Letras, depois de uma pré-selecção a cargo de um painel composto por representantes da organização e de outras entidades.

19 Jul 2019

Rota das Letras | “Sophia” sobe ao palco amanhã pela companhia D´as Entranhas

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma abordagem de “um real” possível, tendo em conta que um poema é, para Sophia de Mello Breyner, “um círculo onde o pássaro do real fica preso”, é o que o espectáculo “Sophia” pretende levar ao palco, amanhã, pela mão da companhia D´as Entranhas, revela a actriz Vera Paz ao HM.

A peça marca a abertura oficial da oitava edição do Festival Literário Rota das Letras e vai ter lugar às 21h nas Oficinas Navais n.º2.

“Sophia” é um espectáculo que nasce a partir da viagem levada a cabo no livro “Contos exemplares”. “É a história de um homem e de uma mulher que vão fazendo um caminho, e à medida que vão andando vão perdendo tudo”, aponta a actriz.

Foi esta permissa, “a da procura”, que serviu de mote para o trabalho que viria a seguir. “Estamos sempre à procura de um lugar ideal e nunca vivemos o momento presente e ao perder o presente, perde-se tudo o que se vai vivendo pelo caminho”, refere. No fundo, trata-se de uma interpretação da vida, das encruzilhadas e das escolhas que se fazem, tendo em conta “o que fica quando se chega ao fim”.

A partir daqui, D´as Entranhas pôs mãos à obra e pegou nos textos da poetisa portuguesa para os poder trabalhar, até porque “é uma obra imensa, de uma dimensão quase intocável. A Sophia é um monstro sagrado da literatura”.

Mas o objectivo não é fazer a récita do trabalho de Sophia de Mello Breyner. Numa abordagem mais atrevida, D´as Entranhas construiu uma história, “a partir de poemas escritos em várias fases da vida da autora”.

 

Temas universais

Mais do que abordar a componente política do trabalho de Sophia de Mello Breyner, o enfâse agora é posto na sua “componente poética, do amor, da morte, da vida, de um homem e de uma mulher”, refere Vera Paz. “É uma voz masculina e feminina capazes de representar qualquer um”, explica.

A actriz recorda uma peça homónima encenada há doze anos, “uma primeira ‘Sophia’ em que a componente era muito política”. Mas, agora o objectivo foi mostrar um outro lado da autora – “ela tinha tantos lados que uma pessoa nem sabe por onde pegar”, aponta. “Aqui foi uma outra releitura, talvez porque as pessoas estão a viver outros momentos da vida”, justifica.

Por outro lado, o amor é sempre um tema a ser abordado, assim como a morte e a vida, “são temas universais”, remata.

 

Olho cinematográfico

Para produzir “Sophia” foram desconstruídos poemas, interpretadas ideias e produzida toda uma cenografia “quase cinematográfica” para acompanhar as palavras e os actores. “O espectáculo conta com uma importante componente plástica, da autoria de Bernardo Amorim,  que integra a projecção de vídeo e o acompanhamento músical”. O objectivo é criar interactividade  com uma encenação “mais visual”, diz.

A contracenar com Vera Paz vai estar o também director de D´as Entranhas, Ricardo Moura.

O espectáculo conta com entrada livre.

14 Mar 2019

Rota das Letras | Poesia e Salvador Sobral marcam a edição deste ano

A oitava edição do festival literário Rota das Letras acontece no próximo mês e será dedicado à poesia, lembrando não só o centenário do nascimento de Sophia de Mello Breyner como os 200 anos do nascimento de Walt Whitman. Na música, destaque para o concerto de Salvador Sobral

 

[dropcap]N[/dropcap]em só de romances se fará a nova edição do festival literário Rota das Letras, que este ano muda de casa e acontece em vários pontos da cidade. O programa foi ontem divulgado e dá destaque à poesia escrita em português e inglês, mas também à música. Agendado para os dias 15 a 24 de Março, o festival acontece no Centro de Arte Contemporânea, localizado no Porto Interior.

Grandes nomes da poesia norte-americana, como Walt Whitman e Herman Melville serão recordados, sem esquecer o centenário da poetisa portuguesa Sophia de Mello Breyner. Jorge de Sena, autor que ficou conhecido essencialmente pela sua poesia e que escreveu um único romance, “Sinais de Fogo”, também será lembrado.

A organização do festival vai recordar o poeta macaense Adé dos Santos Ferreira, que escreveu poemas em Patuá. “Todos eles serão homenageados durante o evento, em sessões de poesia, debates, projecção de filmes, performances e exposições, envolvendo convidados locais e vindos do exterior”, aponta o comunicado oficial.

Na música destaque para a presença de Salvador Sobral, o cantor português que venceu o Festival Eurovisão da Canção com o tema “Amar pelos Dois”. O concerto acontece a 17 de Março, estando prevista a realização de outros eventos com “músicos, romancistas e cineastas”, que serão “anunciados oportunamente”.

Nova literatura

A primeira edição do festival sem Hélder Beja como director de programação celebra também o centésimo aniversário do 4 de Maio, a efeméride que marca o nascimento do chamado Movimento da Nova Literatura da China. O programa irá destacar o contributo de alguns dos seus mais importantes mentores, como Lu Xun, Hu Shi e Zhu Ziqing, entre outros.

Está garantida a presença dos poetas chineses Jidi Majia, vice-presidente da Associação de Escritores da China, Bei Dao, Yan Ai-Lin, Chris Song, Yam Gon, Chen Dong Dong, Shu Yu, Huang Fan, Lu Weiping, Na Ye, Tan Wuchang e Hsiu He, a maioria proveniente da China Continental, mas também alguns oriundos de Taiwan e Hong Kong.

Dos países de expressão portuguesa vão chegar, entre outros, José Luís Tavares (Cabo Verde), Pedro Lamares (Portugal), Hirondina Joshua (Moçambique), Gisela Casimiro (Guiné-Bissau) e Eduardo Pacheco (Angola).

A associação local de poesia O Outro Céu junta-se ao evento através dos seus membros Mok Hei Sai, Lou Kit Wa, Wong In In e Gaaya Cheng. O grupo de teatro de Macau Rolling Puppets levará à cena, nos últimos três dias do Festival, nas antigas Oficinas Navais, a peça de teatro de marionetas Droga, adaptação do romance homónimo de Lu Xun publicado em 1919.

Além do Centro de Arte Contemporânea o festival Rota das Letras terá sessões públicas em diversos outros locais da cidade, como o Art Garden, Albergue da Santa Casa, Centro de Indústrias Criativas de Macau, Instituto Português do Oriente, Cinemateca Paixão e Livraria Portuguesa.

A oitava edição conta com o jornalista e escritor Carlos Morais José e a artista plástica Alice Kok na direcção do festival. O director do jornal Hoje Macau assume as funções de director de programação, sendo que Alice Kok, presidente da Associação Arts For All, passa a ocupar o cargo de directora executiva.

A saída de Hélder Beja aconteceu depois de ter sido retirado o convite aos autores Jung Chang, Suki Kim e James Church, cujas obras são sensíveis ao Governo chinês, tendo a direcção do festival sido informada por parte do Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM que a sua presença no território não era oportuna.

10 Fev 2019

Liberdades | Juízes portugueses e Rota das Letras em relatório norte-americano

O Congresso dos EUA voltou a publicar um relatório sobre a China e aponta vários casos preocupantes “em relação à autonomia de Macau e ao Estado de Direito”. Em resposta, o Governo de Chui Sai On recusa a ingerência de outros países nos assuntos da China e fala em sucesso na aplicação do princípio “um país, dois sistemas”

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] opção legislativa de afastar juízes portugueses dos casos que envolvem segurança nacional e as pressões políticas durante o Festival Rota das Letras para retirar o convite à escritora Jung Chang, que não seria autorizada a entrar em Macau, são dois dos casos que constam no relatório do Congresso dos Estados Unidos da América sobre a China. O documento, apresentado na quarta-feira, sublinha que ao longo do último ano foram propostas várias alterações legislativas que “levantam preocupações em relação à autonomia de Macau e ao Estado de Direito”.

O primeiro caso diz respeito à alteração à Lei de Bases da Organização Judiciária, nomeadamente quanto ao afastamento de juízes estrangeiros das questões que envolvem segurança nacional. “Os advogados portugueses mostraram-se alarmados com a proposta e demonstraram receios que possa violar a Lei Básica de Macau e uma maior erosão da independência do sistema judiciário da cidade”, é sublinhado.

Ainda no campo das propostas do Executivo, o Congresso norte-americano foca a futura lei de cibersegurança, cuja consulta pública já foi realizada. “Se por um lado o Governo terá alegadamente garantido que a lei não vai colocar em causa a liberdade de expressão, os ciberanalistas dizem que com base no reduzido número de ataques cibernéticos em Macau, que esta não é uma lei imperativa. Este aspecto levanta preocupações nas ciberindústrias face à interpretação e ao impacto da lei”, é apontado no documento.

Literatura e Sulu Sou

No campo cultural é dado destaque ao caso Rota das Letras, em que quatro escritores foram impedidos de participar, depois de pressões sobre a organização por parte do Gabinete de Ligação do Governo Central. “Em Março de 2008, o Gabinete de Ligação em Macau terá avisado os organizadores de um festival literário em Macau que o Governo não garantia a entrada de vários autores de livros, incluindo a escritora sediada no Reino Unido e autora de um biografia de Mao Zedong, Jung Chang”, é notado. A menção ao Rota das Letras surge no contexto dos casos, frequentemente referidos nestes relatórios, de pessoas a quem é negada a entrada em Macau, principalmente políticos e activistas pró-democratas de Hong Kong. Sobre o caso do Rota das Letras, o Congresso recorda ainda as palavras do clube literário Pen Hong Kong, que defendeu que a não garantia da entrada no território “viola directamente o direito à liberdade de expressão”.

Também na vertente política, o congresso destaca o caso de Sulu Sou, naquela que foi a primeira suspensão de um deputado depois da transição. O Congresso nota também que o legislador viu-se forçado a abdicar do direito de recurso da condenação relacionada com a infracção à lei do direito de reunião e manifestação para poder regressar à Assembleia Legislativa.

Recusa de ingerências

Em resposta ao relatório, o gabinete do porta-voz do Chefe do Executivo emitiu um comunicado a denunciar a ingerência dos países estrangeiros no assuntos da China. “O Governo da Região Administrativa Especial de Macau repudia terminantemente o referido relatório, frisando que Macau pertence à República Popular da China e que nenhum país estrangeiro tem o direito de ingerência nos seus assuntos internos”, pode ler-se na resposta.

“Desde o regresso de Macau à Pátria, o princípio de “um país, dois sistemas” e a Lei Básica têm sido implementados em pleno no território e a RAEM desenvolveu-se e registou resultados notórios”, é acrescentado.

Ainda sobre os motivos apontados no relatório, o Executivo considera que “ignora factos”, “tece comentários irresponsáveis sobre a RAEM” e “profere acusações infundadas”.

12 Out 2018

Hélder Beja, director de programação do Rota das Letras: “Foi aberto um precedente”

Sete anos depois, o director de programação do Rota das Letras vai deixar o projecto que ajudou a criar e a colocar no calendário cultural de Macau. Embora reconheça que os eventos que culminaram no cancelamento da vinda de três escritores deixaram “uma marca indelével”, Hélder Beja considera que o Festival Literário é importante e pode ter continuidade desde que as regras do jogo sejam claras. Na calha, tem ideias novas, também à volta dos livros, e a expectativa de que passem por Macau, um espaço que espera que continue a ser “de relativa liberdade”

O Festival Literário de Macau – Rota das Letras termina no domingo. Qual é o balanço da sétima edição?

Foi uma boa edição, embora relativamente diferente das anteriores, obviamente por tudo o que aconteceu antes do arranque. Julgo que, de alguma forma, marcou esta edição. Era impossível que fosse de outra maneira, mas penso que as coisas também foram voltando à normalidade com o passar dos dias. Acabámos por ter excelentes sessões, óptimos autores, muito bons moderadores. Houve um cuidado especial com isso e também um esforço para ter transmissões online com qualidade, pelo que o impacto das sessões acabou até por ser maior, em alguns casos, do que em anos anteriores.

Das inúmeras sessões do Rota das Letras, que começou a 10 de Março, destaca alguma em particular?

Uma das revelações – acho que para toda a gente que pôde assistir – foi Li-Young Lee, poeta nascido na Indonésia de ascendência chinesa. É um homem que tem uma ligação histórica à China através do bisavô, [Yuan Shikai], que foi o primeiro Presidente republicano da China após o governo provisório de Sun Yat-sen, e do pai, que trabalhou para Mao Tsé-Tung. Ele vive há muitíssimos anos nos Estados Unidos e, apesar de ser muito americano, tem também qualquer coisa de ancestral no sentido de buscar dentro dele próprio as coisas mais essenciais da vida. Isso nota-se na forma como escreve, como lê a sua poesia e como comunica com as pessoas. Foi uma grande surpresa. Por outro lado, como estava à espera, foi um prazer ter Peter Hessler e Leslie Chang até porque eram desejos antigos do festival. Foi uma grande partilha sobre a China, sobre o Médio Oriente e norte de África, com a questão da Primavera Árabe. Outra boa surpresa foram os autores do Sudeste Asiático: o Miguel Syjuco e o Prabda Yoon. Foi muito bom, de facto, trazer autores com qualidade de países sobre os quais sabemos muito pouco do ponto de vista literário e perceber que há vozes muito interessantes – no caso do Prabda – e muito interventivas – no caso do Miguel.

Na véspera do arranque do Rota das Letras anunciou a demissão do cargo de director de programação, com efeitos a partir de segunda-feira, na sequência dos eventos que culminaram no cancelamento da vinda de três escritores por não estar garantida a sua entrada. Reconsiderar é uma hipótese?

Não. Esta decisão foi pensada e ponderada e também significa o fechar de um ciclo para mim. São sete anos. Estive na fundação do festival como o Ricardo [Pinto] e julgo que conseguimos construir um projecto muito bonito, muito singular e, diria até, inédito no panorama cultural em Macau, com grande esforço sempre, por parte de todos, claro. Foi também esse acumular que me fez tomar esta decisão e, a juntar a isso, a minha vida pessoal também diz que é o momento de fechar esse ciclo e de pensar em novos projectos e em novos desafios. Saio de consciência tranquila, porque sempre dei o melhor e tenho prazer em ter contribuído, o melhor que pude, e a grande custo às vezes, para deixar uma marca positiva na cena literária de Macau.

Mas o fechar desse ciclo foi precipitado pelo que aconteceu…

Completamente. A razão central foi o que aconteceu antes do festival começar que já foi, entretanto, mais clarificada do que estava quando anunciei a minha demissão. Não poderia ser eu a libertar toda a informação, porque a recebi em segunda mão e, portanto, não me cabia a mim indicar a fonte. Felizmente, essa clarificação aconteceu. É algo que prezo e sinto-me melhor com esta situação neste momento porque pelo menos chamámos as coisas pelos nomes.

Esta foi uma situação sem precedentes no Rota das Letras, fundado em 2012. É a morte do Festival Literário de Macau? Pode a continuidade do festival implicar, por exemplo, sujeitar uma lista de autores convidados a aprovação prévia?

Eu nunca estaria disponível para fazer um festival em que fosse preciso, ou necessário, enviar uma lista de autores para aprovação. Não me parece também que seja essa a vontade dos que estiveram envolvidos até hoje, como o Ricardo Pinto ou o Yao Feng. Na minha opinião – e posso estar errado – não me parece que ninguém queira isso. Aconteceu desta vez este caso e, obviamente, pode repetir-se no futuro, porque foi aberto um precedente. No entanto, julgo que continua a ser possível fazer o festival, mas é preciso perceber com que liberdade e quais as regras do jogo. Também temos de ser realistas e perceber o sítio em que vivemos e que nem tudo é possível numa Região Administrativa Especial da China.

A própria história do festival sinaliza que aparentemente já foi…

Sim. Mas, de facto, agora há a sensação de que nem tudo é. Tudo depende se estamos dispostos a aceitar, ou não, essa premissa e como é que vamos reagir quando acontecer alguma coisa – porque essa é uma questão fundamental de toda esta história. A reacção é quase tão importante como o acto anterior. Portanto, desde que esteja bem ciente na cabeça de quem possa eventualmente continuar o projecto o que é que está disposto a aceitar e como irá reagir se algo do género voltar a acontecer, parece-me possível continuar a fazer um festival literário.

Mas o festival pode vir a ter espartilhos…

É claro que o que aconteceu deixa uma marca indelével, mas também acho que o festival é muito importante. Entre o festival não trazer nada à cidade, ou trazer tudo aquilo que seja possível, acho que é mais importante trazer tudo aquilo que seja possível. Este ano aconteceu isto – é muito grave – mas o programa foi riquíssimo na mesma. Em causa está uma questão de princípio e essa, sim, é problemática.

Como foi transmitida a mensagem aos autores convidados de que a sua entrada não estaria garantida? Como foi recebida?

Foi-lhes comunicado exactamente o que foi dito na esfera pública, de que tínhamos sido informados oficiosamente da elevada probabilidade de não poderem entrar em Macau. Discutimos com eles e, juntos, decidimos que era melhor as viagens não acontecerem. Eles perceberam, de um modo geral, a mensagem e o que estava em causa.

O Festival Literário chegou a indagar por que razão era inoportuna a vinda daqueles três escritores em particular? No passado, chegaram a ter outros autores com livros banidos na China, por exemplo…

Pensei muito sobre isso, mas são tudo especulações. As ideias que eu tenho não são importantes agora. Como não participei nas conversas, não percebo qual foi o raciocínio do lado de lá. Obviamente, importa dizer que não me parece que nenhum deles devesse ser alguma vez impedido de vir a Macau, e também relembrar que a Jung Chang esteve no Festival Literário de Hong Kong há pouquíssimo tempo. Isto é muito importante, porque estamos a falar das duas regiões administrativas especiais e houve aqui uma clara diferença.

Esperava algum tipo de reacção, por parte do Governo, de Macau ou até de Portugal, ou da comunidade, por exemplo, dado que estamos perante um caso que vai muito além do próprio festival?

Penso que estamos a falar de estruturas muito intricadas e é sempre muito difícil perceber como é que estas estruturas reagem a coisas que acontecem e que depois passam para a esfera pública. Claro que teria sido reconfortante que alguém tivesse falado verdadeiramente sobre este caso, mas isso não aconteceu. Acho que também são as formas de gerir os processos que existem aqui (…) e, portanto, vai ficar tudo como está. Não me surpreendeu por aí além, mas não é fácil também lidar com essa situação, claro.

Uma das componentes mais importantes do Festival Literário é o Rota das Escolas, uma iniciativa que tem contado com a coordenação da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ). Este ano, porém, o organismo decidiu não participar para “evitar afectar as actividades regulares de ensino nas escolas” devido ao período de exames, isto quando o Rota das Letras tem habitualmente lugar em Março. Esta edição foi penalizada de algum modo por isso?

Poderia ter sido mas, felizmente, acho que não foi, porque fizemos um esforço tremendo para manter o nível e conseguimos levar os autores a muitas escolas e a muitos jovens leitores. Amanhã [hoje] vamos à Escola Hou Kong, com a autora Maria Inês Almeida e também à Pui Ching com duas escritoras de literatura infantil de Hong Kong, ou seja, a duas das principais escolas chinesas. Nas escolas, talvez o número de sessões tenha diminuído ligeiramente, mas não muito. Claro que não deixou de ser surpreendente uma colaboração de tantos anos ter sido interrompida deste modo, mas não é de todo apenas uma desculpa, porque durante a abordagem individual também houve escolas que nos deram esse argumento. Em contrapartida, reforçámos – e de que maneira – as sessões em universidades e, se juntarmos, num pacote, todas as sessões, na verdade, tivemos mais do que em anos anteriores.

Falaste em novos projectos, novos desafios. Passam por Macau?

Espero que sim, não consigo ainda adiantar muito, mas tenho ideias e quero fazer coisas novas, espero que muitas delas passem por Macau. A minha decisão não é um adeus nem um virar de costas a Macau – de todo. A decisão foi ponderada e difícil, mas acho que também sensata e acertada. Espero poder olhar para trás e perceber que fiz a coisa certa. Acho que Macau é um sítio onde ainda é possível fazer coisas. Espero que continue a ser um espaço de relativa liberdade, porque está obviamente e cada vez mais sob alçada da República Popular da China e sabemos quais são as questões de liberdade que se colocam nesse panorama. Mas, sendo Macau um sítio que eu acredito que pode continuar a ser de relativa liberdade, quero continuar a fazer coisas aqui.

Também à volta dos livros?

Sim, porque, acima de tudo, são a minha vida. Portanto, acho que, de alguma forma, passarão sempre por outros projectos que possa vir a fazer, em Macau ou noutros sítios.

Se esses projectos forem em Macau não receias que suceda o mesmo que te levou a decidir deixar o Rota das Letras?

Estamos sempre sujeitos àquilo que possa acontecer mas, desde que tenhamos os nossos princípios bem fundamentados, julgo que não devemos desistir. Tanto as pessoas, como a história de Macau, merecem esse esforço e essa continuidade. Não acho que devemos todos desistir de fazer coisas por causa de um episódio mau. Não quero desistir de fazer projectos interessantes em Macau.

23 Mar 2018

Literatura | “Reflexões de Mesquita” com versão em português e em chinês

É sobre uma destacada figura de Macau que Marco Lobo se debruça no segundo romance histórico: Vicente Nicolau de Mesquita. Na obra, originalmente publicada em inglês e agora vertida para português e chinês, Marco Lobo recupera um “herói acidental”, imaginando a dimensão humana que ficou de fora dos relatos da História

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]traído por personagens com defeitos e emocionalmente alteradas, Marco Lobo escolheu o ilustre militar e oficial macaense Vicente Nicolau de Mesquita (1818-1880) como figura central do seu romance histórico – o primeiro sobre Macau, terra dos seus antepassados. “Dado que o livro era sobre Macau, achei que devia ter como personagem principal um macaense. Além disso, ele é muito importante na história de Macau. É por causa dele que Macau é o que é hoje”, explica.

“Eu diria que ele foi um herói acidental, porque foi por causa da morte do seu chefe, o governador Ferreira do Amaral [assassinado em 1849], que ele liderou o ataque ao Forte de Baishaling [Passaleão]. Por causa desse sucesso – embora não imediatamente, mas pouco depois da sua morte [1880] – Macau foi entregue a Portugal como colónia [1887]. As coisas estão completamente relacionadas”, refere.

Marco Lobo, convidado do Festival Literário – Rota das Letras – contextualiza: “O livro começa em 1849 [data da batalha do Passaleão], mas os eventos já estavam a acontecer na mudança do século: A rainha D. Maria II, de Portugal, estava enfraquecida, a coroa era contestada e, em 1822, o Brasil declarou a independência. Toda a Europa estava também em revolução: os militares tinham sido profundamente derrotados e esmagados por Napoleão, os ingleses estavam altamente dependentes dos seus aliados. Ora, tudo isto, criou uma atmosfera em que Portugal queria reconquistar o seu estatuto, além de que Hong Kong tinha acabado de ficar sob domínio britânico [1842], pelo que Ferreira do Amaral viu a Inglaterra como modelo”.

Considerando que a chave estava em derrotar a China no campo de batalha, “o governador Ferreira do Amaral foi criando uma série de situações para antagonizar os chineses e propiciar um conflito, mas acabaria assassinado. Os chineses não queriam uma guerra, mas as humilhações foram suficientes para que um pequeno exército se reunisse para atacar Macau. Eis que surge Mesquita que lidera o assalto ao Forte do Passaleão [nas cercanias das Portas do Cerco] e que, por acidente, diria eu, acabou por vencer a batalha”, diz o autor.

Estava criado o mito de um herói romântico que o escritor, de certo modo, contesta. “Quando fiz pesquisa para o livro, tentei ser o mais factual possível, mas também conto a história como a vejo. Por exemplo, acredito nos relatos sobre a Batalha do Passaleão? Não, de todo. Não acredito que pouco mais de 30 homens os derrotaram num único acto fazendo com que os chineses fugissem como ratos”, sublinha Marco Lobo que explorou as razões que terão levado à vitória, como a superioridade tecnológica em termos de armas.

Se, por um lado, procura ser “historicamente preciso”, adequando-se à época, por outro, Marco Lobo toma liberdades na caracterização das personagens, explorando o lado humano de Mesquita que escapa à História. “Não há muito escrito sobre ele como homem, pelo que tive que o imaginar”, revela.

Depois do grande feito, Mesquita “esperava ser distinguido como herói. Era segundo tenente na altura e, tipicamente, passados dez anos recebe-se um distintivo militar, mas ele demorou tempo a consegui-lo, por isso, penso que ele não era muito especial. Depois, como o chefe tinha sido assassinado não havia ninguém para o promover, só subiu de posto mais de um ano depois [da batalha], quando chegou o novo governador, passando a primeiro tenente. Havia, logo aqui, feridas emocionais”, descreve Marco Lobo. “Ele queixou-se a vida toda de que era olhado com inferioridade, porque era macaense e não português e talvez haja alguma verdade nisso”.

A simbologia das estátuas

Mesquita ganhou uma estátua décadas depois da sua trágica morte (suicidou-se depois de matar a mulher e uma filha num ataque de loucura) após ter sido reabilitado. Inaugurada em 1940 no Leal Senado acabaria por ser derrubada durante os incidentes do “1,2,3”, ocorridos em Dezembro de 1966, a primeira vez que a Revolução Cultural galgou as fronteiras da China. “As estátuas são sempre símbolo de algo. Basta pensarmos no Iraque, onde o derrube da estátua de Saddam Hussein [em 2003] marcou simbolicamente o fim do regime. Neste sentido, a estátua do Coronel Mesquita era símbolo de algo muito poderoso, pelo menos o suficiente para os chineses o atacarem”, argumenta.

“Reflexões de Mesquita” foi publicado originalmente em 2017 em inglês, ganhando uma versão em chinês e em português com a chancela da Praia Grande Edições, que organiza o Festival Literário de Macau – Rota das Letras, depois do desafio lançado por Ricardo Pinto. “Achei bastante interessante. Nunca tinha pensado nisso antes”, sublinha Marco Lobo, reconhecendo o potencial estimulante da nova audiência.

“Ao escrever sobre a diáspora portuguesa nunca tive a certeza se a audiência ocidental seria o verdadeiro mercado. Tenho a certeza que muita gente nem sabe onde fica Macau. Nós temos uma boa ideia da diversidade cultural porque vivemos aqui. De muitas formas esta pode ser uma melhor audiência para o livro porque a história é conhecida em Macau e na China, embora eu não tenha a certeza sobre quão conhecida é, pelo menos entre os chineses”, observa. O livro foi escrito de “vários pontos de vista”, incluindo o de Mesquita, [e] não sou gentil com ninguém”, salienta.

“O tempo em que decorre a acção é, por um lado, a Macau bonita das pinturas de George Chinnery e, por outro, a do comércio do ópio e do tráfico de cules. É um cenário em que há luz e escuridão”, sintetiza o escritor.

Macau em livro

Marco Lobo tem um terceiro romance em preparação que, por acaso, também se cruza com Macau. Com data prevista de lançamento para o Outono, o novo livro – ainda sem título – aborda o governador que sucedeu a Ferreira do Amaral, Pedro Alexandrino da Cunha, que permaneceu apenas 38 dias no cargo. Terá morrido de cólera, mas na nova trama de Marco Lobo a história é diferente. “O livro gira em torno das circunstâncias da sua morte. Ele é só central para a história porque morre, dado que um dos personagens está envolvido na sua morte”, explica Marco Lobo que recuperou personagens ficcionadas do livro “Reflexões de Mesquita” para o novo romance. Outra parte desenrola-se na Califórnia, nos tempos da corrida pelo ouro. “Esse personagem chinês, tal como outros, vai tentar encontrar a sua fortuna na Califórnia que, em 1850, conquista o estatuto de Estado norte-americano.

Biografia do avô Pedro José Lobo em estudo

Marco Lobo é filho de Sir Roger Lobo e neto de Pedro José Lobo, uma figura incontornável do século XX em Macau. Escrever sobre o avô é “uma ideia sob consideração”. “Até estou sob um pouco de pressão para escrever por parte das algumas pessoas, mas vamos ver como corre”, diz, entre risos. Há uma condição prévia para avançar com o projecto, que seria uma biografia ao invés de um romance. “Teria que ter total liberdade para escrever tudo o que quero e isso é difícil, até porque tenho uma família enorme”, enfatiza Marco Lobo, que profissionalmente é professor universitário de Economia.

Além da diáspora portuguesa – o seu primeiro livro, “The Witch Hunter’s Amulet” debruça-se sobre Goa – Marco Lobo, de 63 anos, tem particular interesse pelos conflitos culturais que envolvem a raça e a religião, como fica patente no romance histórico “Reflexões de Mesquita”.

Nascido em Hong Kong, sempre teve uma ligação muito íntima com Macau, onde vinha frequentemente passar o Verão ou o Natal porque o avô morava no território. “Macau é-me muito familiar. Guardo memórias muito queridas e nostálgicas da antiga Macau”, sublinha Marco Lobo, que estudou em Inglaterra e nos Estados Unidos antes de partir para o Japão, onde se encontra radicado há décadas.

22 Mar 2018

Rota das Letras | Cancelamentos de presença de autores depois de pressão do Gabinete de Ligação

[vc_row][vc_column][vc_column_text]

A indicação de que a vinda de três escritores convidados para Festival Literário de Macau não seria “oportuna” veio do Gabinete de Ligação, afirma Ricardo Pinto, director do evento. A organização do Rota das Letras vai reflectir sobre a continuidade do festival após os recentes acontecimentos que levaram, entretanto, o director de programação a anunciar a sua saída

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] dias do início, o Festival Literário de Macau “Rota das Letras” cancelou a presença de três escritores após ter sido informado “oficiosamente” de que a vinda de Jung Chang, James Church e Suki Kim “não era considerada oportuna” e que, por conseguinte, “não estava garantida a sua entrada no território”. Desconhecia-se, no entanto, a fonte da informação, depois de os secretários para os Assuntos Sociais e Cultura e da Segurança, Alexis Tam e Wong Sio Chak, garantirem não ter conhecimento sobre o caso. Ricardo Pinto confirmou que a referida indicação não veio do Governo de Macau, mas antes “da parte do Gabinete de Ligação”. Contudo, em declarações reproduzidas pela TDM no mesmo dia, sábado, feitas a partir de Pequim, o director do Gabinete de Ligação, Zheng Xiaosong, afirmou desconhecer o caso em torno da Rota das Letras.

“Obviamente não íamos colocar os autores convidados na situação de chegarem aqui a Macau e não poderem entrar”, uma vez que havia “grande” a probabilidade de tal suceder, reiterou Ricardo Pinto. Para o director do Festival Literário, esta situação foi uma “surpresa”, atendendo a que “foi a primeira vez” que sucedeu algo do género desde que o Rota das Letras nasceu em 2012. “Para nós foi especialmente desconcertante porque não acho que se justifique em circunstância nenhuma, mas em relação a estes autores ainda menos”, sublinhou.

Continuidade na mesa

O cancelamento da presença de três escritores por não estar garantida a sua entrada em Macau vai levar o Rota das Letras a reflectir sobre a continuidade de um evento que conquistou um lugar no calendário cultural. “Depois do que aconteceu, obviamente tudo terá que ser reflectido, repensado e discutido” mais tarde para “ver até que ponto faz sentido continuar com o festival, em que termos, em que circunstâncias, em que condições”, afirmou o director, Ricardo Pinto, à margem da cerimónia de abertura do Rota das Letras, que arrancou no Sábado e decorre até ao próximo dia 26. “Não há nada que eu possa dizer [sobre o futuro]. Acho que o importante, neste momento, para nós, é que este festival possa ser bem organizado” e ter o “menor ruído possível depois de todo o que já houve”.

Os três escritores em causa são Jung Chang, conhecida principalmente por “Cisnes Selvagens – Três Filhas da China” (1991) e pela controversa biografia “Mao: A História Desconhecida”; James Church, um ex-agente da CIA, autor da série “Inspector O”, uma história de detectives passada na Coreia do Norte; e Suki Kim, sul-coreana conhecida por trabalhar infiltrada, autora de “Without You, There Is No Us” (2014), livro no qual converteu a experiência de ensinar inglês às crianças das elites da Coreia do Norte.

DSEJ retira participação

Uma das partes importantes do Festival Literário de Macau é o “Rota das Escolas”, uma iniciativa que tem contado com a coordenação da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ). Na edição anterior, por exemplo, incluiu cerca de 30 sessões em instituições de ensino oficiais e privadas. No entanto, este ano, segundo revelou o próprio organismo à Rádio Macau, “não consideraram participar nos trabalhos do Festival Literário”, para “evitar afectar as actividades regulares de ensino nas escolas”, atendendo a que a data do Rota das Letras (que se tem realizado quase sempre em Março) se sobrepõe ao período de exames.

“O que nos foi informado é que a DSEJ não estava com disponibilidade para fazer a habitual coordenação que, “obviamente, nos facilitava imenso”, comentou Ricardo Pinto. “O nosso contacto com as escolas começou por ser sempre feito directamente – julgo que só há duas edições passou a ser coordenado pela DSEJ”. No entanto, “o facto de a DSEJ não ter, este ano, querido ou podido (…) não impediu que nós tivéssemos feito esse trabalho. Aliás, várias dirigiram-se ao festival no sentido em que pudéssemos levar lá os autores e é isso que vai acontecer”, sublinhou.

Apesar dos recentes acontecimentos, Ricardo Pinto tem confiança de que a adesão ao Rota das Letras não vai ser beliscada. “Por uma razão: independentemente de nós termos querido muito que os autores que não vão estar presentes estivessem, também acho que obviamente aqueles que vêm têm muita qualidade e seguramente muito a dar ao festival. Julgo que seria mau para eles sobretudo, mas mau também para o público não agarrar esta possibilidade de poder contactar com eles”, sublinhou.

Normalmente, o Festival Literário acaba por reunir, em torno das múltiplas iniciativas, entre 10 e 20 mil pessoas ao longo de 15 dias. “Não me parece que esse número seja muito diferente”, disse Ricardo Pinto. “Temos dezenas de autores, incluindo muitos locais também, que em si mesmo são um excelente cartaz para o festival e uma garantia para as pessoas que aqui se dirigirem de que não se arrependerão”, rematou.

[/vc_column_text][vc_column_text css=”.vc_custom_1520871558252{margin-top: 15px !important;margin-right: 0px !important;margin-left: 0px !important;padding-top: 10px !important;padding-right: 15px !important;padding-bottom: 18px !important;padding-left: 15px !important;background-color: #3f3f3f !important;border-radius: 1px !important;}”]

Hélder Beja abandona direcção

Hélder Beja está demissionário [foto de arquivo]

Este episódio teve outra consequência: o anúncio de Hélder Beja de que vai abandonar o cargo de director de programação do Festival Literário de Macau imediatamente depois do final da sétima edição, ou seja, no dia 26. “Na qualidade de co-fundador e membro da direcção da Rota das Letras desde a primeira hora, e na sequência dos eventos noticiados nos últimos dias, que culminaram com o cancelamento da presença de alguns autores que se preparavam para participar no festival, considero que na presente conjuntura não tenho condições para continuar”, escreveu num breve comunicado enviado na sexta-feira às redacções. “Foi um prazer e um desafio ajudar a criar e a desenvolver a Rota das Letras”, concluiu. Ricardo Pinto tentou demovê-lo no sentido em que, “a ter que tomar essa decisão, o fizesse “o mais tarde possível”, dado que o festival se encontra em curso, mas compreende a decisão. “Também lhe disse que percebo perfeitamente as razões dele. Percebo a frustração que ele sente, comungo dessa frustração e acho que essa frustração sentem-na todas as pessoas que estão envolvidas na organização do festival”, argumentou. “Obviamente irei ter ainda uma conversa com o Hélder depois do festival. Gostaria muito que continuasse”, realçou.

Wong Sio Chak desconhece “rumor”

Instado a comentar a notícia sobre o cancelamento da participação de três autores do Festival Rota das Letras, o secretário para Segurança afirmou não ter conhecimento sobre a situação. Wong Sio Chak adiantou ainda que contactou com o Corpo de Polícia de Segurança Pública que também afirma não ter informação sobre o assunto. De acordo com comunicado, o secretário para a Segurança frisou que a entrada e a saída do território de qualquer indivíduo é uma questão do foro privado da própria pessoa, pelo que as autoridades policiais nunca divulgam informação sobre a mesma. Por fim, afirmou não saber o motivo para o surgimento de “esse rumor”.

[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

12 Mar 2018