Deixem as balas voar

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om a abertura ao trânsito na Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau marcada para este ano, a Construção da Região Metropolitana da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau estará prestes a acontecer. De acordo com as tendências actuais, o papel político da RAEM e da RAEHK e as suas funções estratégicas serão certamente reajustados.

Após o encerramento do Congresso Nacional do Povo (CNP) e a da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC), que terão lugar no próximo mês de Março, as lideranças aos mais diferentes níveis serão confirmadas. Vão ser atribuídas novas tarefas e lançar-se-á de imediato mãos à obra para a criação de um novo figurino político. O tempo passa e não espera por ninguém, tal e qual como as reformas e as políticas de abertura. Para a China, as grandes preocupações políticas concentram-se no que se passa em casa e no estrangeiro, ao passo que os acontecimentos que ocorrem em Hong Kong e em Macau são vistos como questões locais. Mas, seja como for, a China não tolerará nunca quem queira destabilizar os seus macro ou micro-territórios.

Depois do regresso de Macau à soberania chinesa, a cidade tem confiado à indústria do jogo o seu florescimento económico. Quem tem poder e influências consegue gerir a economia em proveito próprio. A situação de Macau, socialmente próspera e politicamente ultra-estável, é criada pela coordenação entre grupos representantes de diversos interesses. No entanto, sob esta superfície de super-estabilidade, a administração do Governo está minada de corrupção e os preços das matérias-primas e das propriedades sobem continuamente.

A sociedade está apenas virada para o lucro e, mesmo instituições e organizações chinesas sediadas em Macau, acabaram por ser contagiadas por este modus vivendis. Mas se pensarmos bem, quando as coisas vão longe demais numa certa direcção, acabam por surgir forças contrárias que as virão combater. As mudanças acabam sempre por acontecer mais cedo ou mais tarde, é tudo uma questão de saber quais devem chegar em primeiro lugar. É voz corrente que, se o CNP e o CCPPC terminarem favoravelmente, os assuntos de Macau serão agendados para discussão, numa antecipação à mudança nos lugares-chave do Governo da RAEM, prevista após a eleição do Chefe do Executivo, em 2019.

Até 2019, Hong Kong, Macau e Taiwan passarão por eleições locais. Em Taiwan, as eleições estão marcadas para finais de 2018 e o seu resultado vai influenciar directamente o futuro do Partido do Progresso Democrático (PPD) e do Kuomintang da China (KMT) e afectará indirectamente as perspectivas de unificação pacífica com a China. Para o KMT e para o Presidente Xi Jinping são questões da mais alta importância.

Em Hong Kong, a eleição circunscrita a um círculo, para preencher quatro lugares em aberto no Conselho Legislativo, está marcada para 11 de Março de 2018. Uma outra eleição similar, para preencher mais dois lugares vagos, está marcada para o final do ano. Estas duas eleições podem ser encaradas como “uma injustiça política” deixada pelo antigo Chefe do Executivo Leung Chun-ying. É o preço a pagar pela população de Hong Kong, e também pelo Comité Permanente do PNC que usou o seu poder para interpretar a Lei Básica, donde resultaram estas eleições. “Hoje é sobre Hong Kong, amanhã será sobre Taiwan”, aposto que o Governo Central não ficará propriamente feliz se isto vier a acontecer.

Da mesma forma, “Hoje é sobre Macau, amanhã será sobre Hong Kong”. Esta é uma frase muito usada pelo campo da pan-democracia de Hong Kong nos seus comentários ao princípio “um país, dois sistemas”. Durante um certo período, o despertar das consciências do campo democrático de Macau ficou a dever-se ao trabalho empenhado dos seus membros na Assembleia Legislativa.

Mas, com a chegada do jovem Sulu Sou ao hemiciclo, aconteceu uma mudança na forma de discutir e debater os assuntos. Sulu Sou foi eleito sob o slogan “levar as reformas e o desenvolvimento sustentado à Assembleia Legislativa”. A entrada de sangue novo na Assembleia deveria ter-lhe trazido vitalidade. No entanto, algumas pessoas tomarão uma decisão política errada, ao transformarem um caso simples numa questão complicada. Esta decisão teve como consequência a suspensão do mandato de Sulu Sou. E, no pior dos cenários, Sulu Sou pode vir a ter o seu mandato cessado por decisão política da Assembleia Legislativa.

Se vier a ser o caso, a Assembleia Legislativa e a sociedade em geral sairão diminuídas. Se Sulu Sou tivesse optado por apresentar recurso da decisão e por pedir uma nova votação do seu círculo eleitoral, o processo demoraria um ano ou mais.

A 4 de Dezembro de 2017, a Assembleia Legislativa tomou uma decisão política insensata. Foi como se tivesse dado um tiro no princípio “um país, dois sistemas”. Como as balas ainda andam à solta, deixemo-las voar por mais algum tempo. Eu acredito que a população de Macau tem discernimento e também acredito na independência judicial, no princípio “um país, dois sistemas” e na erudição da cultura chinesa. Mas uma coisa em que não acredito é em elites políticas.

12 Jan 2018

Um Natal muito diferente

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]urante a época natalícia a cidade ficou apinhada de turistas, muitos dos quais chegaram de propósito para assistir ao “Festival de Luz de Macau”. Outros vieram atraídos pelo ambiente particularmente festivo que se vive em Macau nesta altura, muitos deles oriundos da China continental. Será que isto quer dizer que na China não se celebra o Natal?

Os leitores que estão mais atentos às notícias saberão certamente que existe no país uma atitude de boicote a todas as “festividades ocidentais”, especialmente depois do 19º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, que colocou um maior enfase na ideologia. No entanto, o Natal, que é uma “festividade ocidental”, não consta da lista negra dos dirigentes.

Embora um dos valores mais importantes dos chineses sempre tenha sido a “confiança cultural”, a cultura tradicional foi severamente atingida pela “Campanha Anti-Direitista” (1957) e pela “Revolução Cultural” (1966). A campanha “Esmagar os Quatro Velhos e Cultivar os Quatro Novos” colocou Confúcio e os seus ensinamentos sob fogo cerrado. Quando o tempo de vida de uma cultura está quase a chegar ao fim, a confiança passa a ser apenas um slogan. Como as autoridades chinesas estão perfeitamente cientes da situação, desenvolvem inúmeras iniciativas para levar a pessoas a interessar-se de novo pelos valores da cultura tradicional. São disso exemplo o trabalho do Instituto Confúcio e a promoção do estudo dos clássicos da literatura. A par destas manifestações, surgiu na China nos últimos anos uma espécie de moda que leva as pessoas a interessar-se pelo Cristianismo.

O aumento de importância da “cultura cristã” na China demonstra falta de auto-confiança. Hoje em dia, a informação e as tecnologias de comunicação estão muito avançadas, as pessoas deslocam-se para estudar no estrangeiro e as viagens de negócio são muito frequentes. Como a cortina de ferro já “subiu” `há muito tempo, é contraproducente suprimir à força o que passou a ser moda. Abraçar o que é novo é um dos traços que caracteriza a cultura chinesa erudita, que permitiu à Nação absorver a novidade e a diversidade e tornar-se sistematicamente mais forte. O Budismo, uma religião estrangeira, faz desde há muito parte da vida do povo chinês. Por seu lado, as ideologias comunistas de “ocidentais”, como Marx, Engels, Lenine e Estaline, tornaram-se a estrela guia do Partido Comunista Chinês desde algumas décadas a esta parte. Aparentemente as necessidades políticas suplantam as necessidades sociais!

A menos que surja uma segunda Revolução Cultural na China, as reformas e as políticas de abertura irão sofrer sérios retrocessos. O Natal, à semelhança de outras festividades religiosas, vai tornar-se parte da cultura chinesa.

O Natal é a época de celebrar o nascimento de Jesus Cristo. Os cristãos, para além de observarem os Seus ensinamentos, são nesta época obrigados a cumprir diversos deveres sociais.

Assisti à última sessão pública de consulta da Proposta de Lei sobre o “salário mínimo” organizada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, no dia 23 de Dezembro. No documento posto a consulta, o Governo de Macau proponha o salário mínimo de 30 patacas/hora, bastante menos que os 34.50HKD/hora de Hong Kong. Como o nível de vida de Macau é superior ao de Hong Kong, esta quantia é manifestamente insuficiente para suprir as necessidades básicas. Durante a sessão de consulta, um dos oradores, representante dos trabalhadores, defendeu que só 2.800, dos 44.200 empregados que ganham menos de 30 patacas hora, são residentes locais. Assim, não existe necessidade de fixar um salário mínimo, estes trabalhadores “não residentes” estão dispostos a aceitar valores inferiores pelo seu trabalho.

Macau importa trabalhadores não residentes desde o tempo da administração portuguesa, sob o pretexto de colmatar a deficiente oferta de serviçais domésticos. Mas é suposto importarmos “trabalhadores não residentes” ou “escravos não residentes”? Seguindo este raciocínio, a questão do salário mínimo não se aplica a trabalhadores domésticos nem a trabalhadores com deficiência. Mas os trabalhadores não residentes, de acordo com a lei de Macau, desfrutam de alguns dos direitos dos residentes. Logo, não existe qualquer motivo para não contemplar os “trabalhadores não residentes” com o salário mínimo.

No séc. XXI Macau vai estar apenas focado na eficiência dos mercados e na economia, em detrimento das questões laborais. Deve prestar-se mais atenção à defesa da dignidade do trabalho. Jesus escolheu nascer num estábulo para se identificar com os pobres. Mas hoje em dia as pessoas esqueceram esta mensagem, embriagadas pela procura do prazer imediato.

29 Dez 2017

Uma má decisão política

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] comentador de Hong Kong, Johnny Lau, afirmou que um político deve possuir três qualidades: ética, coragem e discernimento políticos. Os deputados da Assembleia Legislativa não têm necessariamente de ser especialistas em leis, existem conselheiros jurídicos na Assembleia que se ocupam dessas matérias. Quando os deputados discutem as propostas de lei e as colocam à votação, estão a lidar com questões de ordem política. Estas decisões derivam dos antecedentes pessoais de cada um, do estrato social que representa e do interesse geral, que deve sempre ser tido em consideração. Mas, acima de tudo, é uma decisão que devem tomar com discernimento, conscientes das suas repercussões em termos sociais.

Em termos históricos não existem “ses” e a História é irreversível. Quando acontecem infortúnios a única possibilidade é tentar remediá-los. Mas se as “terapias” falham, todos os envolvidos são apontados como responsáveis. Portanto, a melhor forma de lidar com o infortúnio é fazer tudo para o evitar. O resultado da votação pela suspensão do mandato do deputado Sulu Sou foi bem claro: 28 votos a favor e 4 contra. Esta decisão, quer em termos pessoais, quer em termos colectivos, é uma má decisão política.

Em qualquer lugar deste planeta, para manter a estabilidade política é necessário disponibilizar aos opositores os canais apropriados para expressarem os seus pontos de vista, e não empurrá-los para um beco sem saída. Encorajar os jovens a juntarem-se ao sistema vigente, permite-lhes expressar as suas opiniões dentro desse sistema e chegar a um consenso social por via do debate. Mesmo as pessoas comuns, se se sentirem inseridas, escusam de inventar inimigos que não existem. E já que o Conselho Legislativo de Hong Kong se tornou um campo de batalha onde se digladiam os opositores políticos, não há qualquer necessidade de a Assembleia Legislativa de Macau se vir a tornar num “barril de pólvora”.

O parecer submetido pela Comissão de Regimento e Mandatos sobre a suspensão do mandato do deputado Sulu Sou não era tendencioso e a análise dos conselheiros jurídicos da Assembleia lembrava a todos os deputados que o propósito da imunidade parlamentar é proporcionar a todos os representantes a possibilidade de cumprirem em pleno os seus mandatos. A imunidade dos deputados deve ser defendida a todo o custo, pois destina-se a evitar julgamentos de parlamentares. Quando um deputado estiver numa situação em que pode vir a ser julgado, a situação deverá ser muito bem analisada para apurar se existem provas muito consistentes que apoiem a acusação. Também é necessário analisar se essas provas substanciais entram ou não em contradição com os princípios fundamentais do direito à imunidade dos deputados. A questão é que uma suspensão do mandato transcende o deputado em causa e passa a envolver a Assembleia como um todo, especialmente no que respeita à manutenção da estabilidade e da dignidade do Parlamento.

É lamentável que os deputados que votaram a favor da suspensão do mandato de Sulu Sou não tenham tido em consideração a dignidade da Assembleia Legislativa. Esta atitude vai enfraquecer inquestionavelmente o desenvolvimento político de Macau no futuro. As lutas não terão de existir se não houver opressão. Quando a luta substitui a discussão e a comunicação, cria-se um cenário em que, ao fim e ao cabo, todos ficam a perder. Não nos esqueçamos das sábias palavras de Mohandas Karamchand Gandhi, “Olho por olho e o mundo fica todo cego”.

Antes da Assembleia Legislativa ter decidido pôr a suspensão do mandato do deputado Sulu Sou à votação, o cenário ainda parecia promissor porque qualquer pessoa sensata não iria optar por “vencer a batalha, mas perder a guerra”. Desejaria sim pôr fim à discussão o mais rapidamente possível e, após o termo do mandato de Sulu Sou, tomar as medidas que fossem necessárias, o que teria sido a decisão certa. A Assembleia Legislativa decidiu efectuar a votação a 4 de Novembro, e não nos dias 5 e 6 dedicados ao debate das Linhas de Acção Governativa da área dos Transportes e Obras Públicas. Parece-me ter sido uma resolução acertada, caso contrário Sulu Sou teria sido privado da última possibilidade de se defender.

Infelizmente, as melhores expectativas não se vieram a concretizar. Actualmente Sulu Sou está sob suspensão do mandato e terá de enfrentar um julgamento. Não se sabe se irá ser condenado ou apenas sentenciado a uma prisão de 30 dias, essa decisão competirá ao juiz. As duas partes envolvidas poderão vir a apelar da sentença, se assim o desejarem. Mas o que sabemos é que a Assembleia Legislativa perdeu um deputado e que este caso político vai alimentar o falatório da cidade. Se a situação tivesse ido mais além e, em vez da suspensão estivéssemos a falar de cancelamento do mandato e de uma re-eleição para substituição do cargo, Macau ia enfrentar o caos. Quando atiramos uma pedra a um lago criamos uma ondulação momentânea mas, não tarda, o lago volta a serenar. Mas se continuarmos a atirar pedras para o lago, acabamos por nos molhar. Macau tem talentos, mas falta-lhe pessoas com discernimento político.

 

15 Dez 2017

Suspensão ou expulsão?

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m Agosto, os jornais publicaram o relatório da “Sondagem sobre o nível de interesse na eleição para a Assembleia Legislativa”, organizada pela Associação de Desenvolvimento e Pesquisa da Inteligência Criativa de Macau e pelo Instituto de Investigação Social e Cultural da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau. A sondagem foi realizada através de um questionário online. Os 456 questionários preenchidos registaram uma pontuação média de 46.2%, abaixo dos 60% considerados positivos. Um dos organizadores desta sondagem foi o Prof. Pang Chuan, um dos deputados nomeados pelo chefe do Executivo da actual Assembleia Legislativa.

A 6ª. Assembleia Legislativa assumiu oficialmente funções há menos de dois meses, durante os quais muitas sessões já tiveram lugar. Tirando a área de Transportes e Obras Públicas, que ainda não foi totalmente debatida no âmbito do Relatório das Linhas de Acção Governativa para o ano financeiro de 2018, as quatro áreas restantes já foram objecto de debate. O público tem estado mais ou menos a par do que se passa na Assembleia através das transmissões televisivas e dos jornais. Dos diversos temas levados a debate, destacamos aquele que se tornou assunto de conversa em toda a cidade, ou seja, a “impossibilidade de contratar um camionista, mesmo que se lhe pague 40.000 patacas”. Se o desempenho da actual Assembleia Legislativa também vier a ser avaliado, pergunto-me qual será a classificação do Prof. Pang Chuan, já que também é deputado.

Aposto que estão todos de acordo que Sulu Sou Ka Hou é o deputado da actual Assembleia Legislativa que mais se destaca do geral. Numa altura em que os mandatários nomeados pelo chefe do Executivo estavam a ser criticados pelos participantes de um fórum público, pensaram que as criticas que lhes eram dirigidas tinham partido dos “apoiantes de Sulu Sou”. Mas por que é que o deputado mais jovem se tornou o centro das atenções na Assembleia? Porque pode vir a ser o primeiro representante a ver o seu mandato suspenso, ou mesmo cancelado, pelo plenário.

No que diz respeito ao alegado envolvimento de Sulu Sou em reuniões ilegais, que terão tido lugar antes da sua candidatura a deputado, a Acusação está completamente a par da situação, mas eu também estou, já que fui mandatário da lista do “Novo Progresso de Macau” , que concorreu às eleições para a Assembleia Legislativa. As outras listas que difamaram o “Novo Progresso de Macau” durante o período eleitoral, também estão certamente bem informadas. De facto, os membros da lista do “Novo Progresso de Macau” analisaram os possíveis impactos que as acções desenvolvidas pelas forças policiais no âmbito do caso da “Doação de 100 milhões de yuans feita pela Fundação de Macau à Universidade de Jinan, em Guangzhou”, teriam, a curto prazo, no processo de Sulu Sou. Os membros da associação fizeram uma análise detalhada e uma avaliação dos riscos deste caso, e foram de opinião que as acções de Sulu Sou são absolutamente sustentáveis em termos legais.

A acusação é uma coisa e o julgamento é outra. Esta polémica não teve um efeito significativo nas eleições. Mas o que interessava era utilizar as acções de Sulu Sou como trunfo para atacar a oposição durante o processo eleitoral. No entanto, nessa altura, não existiram críticas directas aos seus comportamentos, apenas alguns rumores caluniosos e sem fundamento. E porque é que este assunto não foi trazido à baila de forma frontal? Será que não lhe deram importância? Os opositores de Sulu Sou não mencionaram este tema intencionalmente, porque, se o tivessem feito teriam também de falar do caso da doação da Fundação de Macau à Universidade de Jinan, no qual Sulu Sou monitorizou as acções do Governo da RAEM, e isso apenas abonaria a favor do jovem deputado. Por isso, os opositores na sua “esperteza”, evitaram o assunto.

Quando a Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa reconheceu que Sulu Sou tinha sido eleito e submeteu este reconhecimento à aprovação do Tribunal, a equipa do “Novo Progresso de Macau” não ousou ter um segundo de descanso. Por agora, as audições e o julgamento de Sulu Sou são meros procedimentos rotineiros. A existir problemas, talvez passem antes do mais pela razoabilidade, ou falta dela, da acusação feita pela polícia. Depois disso, compete à Assembleia Legislativa decidir a forma como vai resolver a situação deste jovem deputado que desempenha o seu dever no hemiciclo sob o lema “Reformar a Assembleia Legislativa rumo ao Desenvolvimento Sustentável”.

Já que se costuma dizer que a ausência de notícias é bom sinal, eu reformulo e passo a dizer, a ausência de opiniões é bom sinal. O parecer da Comissão de Regimento de Mandatos sobre Sulu Sou não é de todo tendencioso, o que quer dizer que os membros da Comissão foram incapazes de encontrar razões válidas para apoiar o termo do seu mandato. Se um deputado poder ser suspenso ou expulso sem provas substanciais, estar-se-á a ir contra a vontade dos eleitores e a prejudicar a própria Assembleia Legislativa.

Recentemente, alguns jovens de Hong Kong saíram da prisão sob fiança após apresentação de recurso. Todos eles agradeceram a Rimsky Yuen, “Secretário da Justiça,” por ter permitido que os apoiantes da desobediência civil aprendessem uma lição valiosa e por ter ajudado a população a tomar consciência do valor do “estado de direito” em Hong Kong.

Se o mesmo se passar em Macau, pergunto-me se os interessados irão “agradecer a Wong Sio Chak, o Secretário para a Segurança”.

 

1 Dez 2017

O Chefe do Executivo e o deputado

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Chefe do Executivo Chui Sai On apresentou na Assembleia Legislativa, durante uma hora, o “Relatório das Linhas de Acção Governativa para o ano financeiro de 2018”, no passado dia 14 de Novembro. Segundo o relatório, tudo irá permanecer em consonância com o status quo, registando-se um aumento no orçamento da segurança social. A temática do Relatório versa, como de costume, a redução de impostos, a distribuição de dinheiro e os aumentos salariais, sem surpresas nem inovações. O Chefe do Executivo deve pretender chegar ao fim do seu mandato, que termina dentro de apenas dois anos, de forma estável e pacífica. O que o futuro nos reservar virá a ser da responsabilidade da próxima Administração.

Comparado com a segurança derivada do Relatório das Linhas de Acção Governativa, o deputado Sou Ka Hou enfrenta uma guerra aberta. Os leitores terão provavelmente conhecimento de que, na véspera da apresentação do Relatório, a Assembleia Legislativa, o Ministério Público e as Forças de Segurança de Macau emitiram os seus próprios comunicados de imprensa sobre o envolvimento de Sou Ka Hou no caso das “reuniões ilegais” e sobre a acusação que lhe foi feita de “prática do crime de desobediência qualificada”. O julgamento do deputado está marcado para breve. No seu comunicado de imprensa, a Assembleia Legislativa afirmava que, de acordo com o Estatuto dos Deputados à Assembleia Legislativa, o caso tinha sido enviado para discussão à Comissão de Regimento de Mandatos e que se aguarda o seu parecer. O Ministério Público forneceu apenas um apanhado geral dos pormenores do caso no seu comunicado. Estes dois órgãos públicos prestaram esclarecimentos sobre a situação. Mas, as Forças de Segurança de Macau emitiram uma nota explicativa contendo 27 pontos críticos, semelhante à reconstituição detalhada de um crime, de uma forma que cria nos leitores a sensação de estarem a presenciar um julgamento.

Em Macau, uma sociedade regida pela lei, antes de um suspeito ser julgado, deverá ser tratado ao abrigo do princípio da “presunção de inocência”. Este direito legal, que assiste a todos os réus, é reconhecido pela Convenção Internacional das Nações Unidas e é uma salvaguarda fundamental dos direitos humanos. Neste aspecto, Macau não é excepção. No entanto, as autoridades do Governo da RAEM parecem ter abraçado e trazido para a praça pública a causa da acusação, o que não deixa de ser estranho. O caso aconteceu há um ano atrás. A condenação de Sou por “reuniões ilegais”, só poderá ser decidida no Tribunal Judicial de Base. Mesmo depois da deliberação deste Tribunal, qualquer uma das partes pode apresentar recurso. É um assunto de competência jurídica. Já quanto à permanência de Sou Ka como deputado, a decisão caberá, após parecer da Comissão de Regimento de Mandatos, à Assembleia Legislativa, que reunirá em sessão plenária para o efeito. Esta decisão será tomada, com a presença de todos os deputados, por escrutínio secreto, mas Sou não será o único a enfrentar as consequências, os outros 33 deputados também serão afectados.

Após ter apresentado o “Relatório das Linhas de Acção Governativa para o ano financeiro de 2018”, o Chefe do Executivo deu uma série de entrevistas. Um dos jornalistas lembrou-o que, desde que assumiu o cargo, tem vindo a alertar a população para o potencial risco que existe na compra de propriedades imobiliárias, que registam aumentos constantes de preço. O Chefe do Executivo comentou que o mercado imobiliário se rege pela lei da oferta e da procura e que a maioria dos compradores são residentes, sendo que alguns deles adquirem uma segunda habitação. O problema de raiz está no facto de o rápido crescimento da economia de Macau apenas beneficiar um pequeno grupo, sendo a maioria afectada de forma negativa. Hoje em dia, quem detém poderosos interesses na sociedade controla a distribuição dos recursos e, de forma alguma, abre mão do seu domínio.

Confrontado com uma série de problemas sociais, o Governo da RAEM recorre basicamente ao Plano de Comparticipação Pecuniária e às pensões para minorar a insatisfação e distribui subsídios para garantir o apoio de associações e organizações. Macau é conhecido por ser “uma sociedade com muitas associações e organizações”. Muitas delas, subsidiadas pelo Governo, garantem apoio às suas políticas. Nos tempos que correm, com a entrada em alta das taxas do jogo, esta aliança com as organizações e associações, prontas a patentear o seu “patriotismo e amor a Macau” tem, até certo ponto, criado uma falsa sensação de super-estabilidade. Em resultado desta situação, a discrepância entre os ricos e os pobres, e a complementar crise escondida, têm vindo a tornar-se cada vez mais graves. Pessoas mais jovens, como é o caso de Sou Ka Hou, sem qualquer apoio das associações tradicionais, são muitas vezes apanhadas na teia quando tentam agir de forma genuína contra uma situação de injustiça. Sou Ka Hou defendeu activamente posições de oposição de forma bastante destemida, acabando diversas vezes por ser estigmatizado e rotulado de defensor da “Independência de Macau”.

A forma como a Assembleia Legislativa lidar com este caso, dará uma oportunidade à população e aos eleitores de Macau de ficarem a conhecer o seu funcionamento e a verdadeira natureza dos seus deputados. Nos próximos dois anos, tempo que falta até ao termo do seu mandato, o Chefe do Executivo Chui Sai On não deve ser sujeito a mais pressões. Mas para Sou Ka Hou, este biénio será certamente um período de teste.

17 Nov 2017

Em defesa do artigo 95 da Lei Básica

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o seguimento do 31 de Dezembro de 2001, o Governo da RAEM nada fez para implementar as disposições estipuladas pelo Anexo I da Lei Básica de Macau. Não seleccionou representantes dos membros dos órgãos municipais a integrar a Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo. Foi por esse motivo que os 2º, 3º e 4º mandatos dos Chefes do Executivo foram exercidos sob uma “lei deficitária”. E isto porque antes da extinção dos órgãos municipais provisórios, em 2001, o Governo da RAEM não fez uma gestão correcta dos tempos previstos. Tinha sido dado um período de dois anos, a contar do regresso de Macau à soberania chinesa, para organizar a criação do órgão municipal sem poder político, mas tal não aconteceu. O resultado foi a ausência de representantes dos membros dos órgãos municipais a integrar a Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo, durante os três mandatos dos Chefes do Executivo. A quota destes representantes foi preenchida por membros de Macau no Comité Nacional da Conferência Consultiva do Povo Chinês.

Ao longo dos últimos dez anos e, apesar de muitas pessoas terem lutado pela constituição do órgão municipal sem poder político, a antiga secretária para a Administração e Justiça, Florinda Chan, afirmou que este órgão “poderia ou não vir a ser criado”. Estas declarações explicam porque é que, enquanto esteve no poder, não tomou quais quer medidas neste sentido. Além disso, os sucessivos Chefes do Executivo nunca deram grande importância à criação destes órgãos e quem tem grandes interesses a defender sempre a boicotou. Até agora as coisas foram permanecendo na mesma, mas nesta altura já não são permitidas mais desculpas nem mais adiamentos. No actual documento de consulta, pode ler-se “atendendo rigorosamente às disposições consagradas na Lei Básica de Macau…. procurando-se que os mesmos sejam criados legalmente conforme o consagrado na Lei Básica de Macau em inícios de 2019 e de forma a que sejam criados os representantes dos membros dos órgãos municipais a integrar a Comissão Eleitoral do 5.º Mandato do Chefe do Executivo”.

Perante esta situação, pergunto-me se os 2º, 3º e 4º mandatos dos Chefes do Executivo foram legítimos, já que foram eleitos através da Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo, com uma composição imperfeita (não obedecia escrupulosamente à Lei Básica de Macau). Se estes mandatos foram legítimos, então a Lei Básica de Macau não passa de um pedaço de papel sujeito a interpretações aleatórias. Se foram ilegítimos, de quem é a responsabilidade? Embora a população de Macau seja tolerante, quem desconsidera a lei não deve tomar essa tolerância como um dado adquirido.

Para implementar escrupulosamente o Artigo 95 da Lei Básica de Macau, é preciso respeitar o seu conteúdo legislativo durante o processo de criação do órgão municipal sem poder político. O actual documento de consulta sugere que todos os membros dos dois conselhos do órgão municipal sejam nomeados pelo Chefe do Executivo. Mas esta forma de nomeação é completamente inaceitável porque não se ajusta à realidade de Macau. Além disso, não está de acordo com o propósito legislativo da Lei Básica, na qual o órgão municipal sem poder político está estabelecido como um corpo estatutário, com a possibilidade de ser organizado pelos membros da população, de forma a existir participação na gestão de questões sociais, assuntos relacionados com a vida do dia a dia, bem-estar social e, ainda, sugestões e aconselhamento do Governo nas suas decisões.

Para se compreender melhor o que acabei de dizer, passo a citar um trecho da obra do Professor Xiao Weiyun, antigo membro da Comissão de Redacção da Lei Básica de Macau e professor de Direito na Universidade de Pequim. Segundo Xiao, a razão pela qual o Artigo 96 da Lei Básica só contém uma frase, “A competência e a constituição dos órgãos municipais são reguladas por lei”, fica a dever-se a “ter sido tido em consideração que, os diferentes sectores de Macau têm pontos de vista próprios sobre competência e sobre a constituição dos órgãos municipais”, e é por isso que a Lei Básica só estabelece princípios orientadores no Artigo 96, de forma a poder lidar com as necessidades emergentes no futuro. Foi dada flexibilidade ao Governo da RAEM no que respeita à definição de competência e à constituição dos futuros órgãos municipais”.

Mas terá o Governo tido qualquer flexibilidade na redacção do documento de consulta sobre a “Criação do órgão municipal sem poder político”? Em que altura é que os diferentes sectores de Macau declararam oficialmente que queriam desistir do direito de se tornarem membros dos conselhos dos órgãos municipais? O que se propõe actualmente é que todos os membros do Conselho de Administração Municipal” e do “Conselho Consultivo Municipal” sejam nomeados pelo Chefe do Executivo, o que constitui uma desobediência ao Governo Central e aos princípios da Lei Básica orientadores do desenvolvimento gradual da democracia na RAEHK e na RAEM. Esta proposta é um desrespeito à constituição dos órgãos municipais, já que esta contempla a inclusão de cidadãos e lhes confere o direito de opinião e aconselhamento.

Actualmente, o IACM tem três Conselhos Consultivos de Serviços Comunitários (na Zona Norte, na Zona Central e nas Ilhas), com membros nomeados pelo Governo na sua totalidade, e realiza colóquios abertos sobre assuntos comunitários a intervalos irregulares. A permanência destes conselhos está dependente das necessidades futuras. A nomeação dos membros do órgão municipal sem poder político (pertencentes ao Conselho Consultivo Municipal), com acção nos domínios da cultura, recreio e salubridade pública, deverá ser feita pela população. Desta forma estes representantes da população têm uma oportunidade para participar na “gestão de questões sociais, assuntos relacionados com a vida do dia a dia, bem-estar social e, ainda, de sugerir e aconselhar o Governo nas suas decisões”. Os respectivos sistemas de nomeação podem ser baseados no modelo já existente dos Conselhos Consultivos de Serviços Comunitários, que define três zonas, e o número dos seus membros deve ser determinado pela quantidade de habitantes de cada uma delas. Defendo ainda que um número considerável de membros do Conselho de Administração Municipal deverá pertencer ao Conselho Consultivo Municipal, para facilitar a coordenação entre os dois Conselhos.

Os membros dos conselhos do órgão municipal sem poder político, devem ser escolhidos através de eleições representativas e não apenas por nomeação do Chefe do Executivo. A implementação e a interpretação dos Artigos 95 e 96 da Lei Básica encerram propósitos legislativos que não podem ser distorcidos segundo a vontade de cada um.

3 Nov 2017

Enquadramentos e pontos de fuga

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] 6ª Assembleia Legislativa iniciou os trabalhos esta segunda-feira, com a cerimónia de juramento de lealdade dos 33 deputados, que teve lugar durante a parte da manhã. A primeira reunião plenária aconteceu durante a tarde tendo-se procedido à eleição do presidente, do vice-presidente e dos 1.º e 2.º Secretários da Assembleia. A ordem de trabalhos afigurava-se simples, mas ao longo da discussão dos vários pontos percebeu-se que a questão era mais complexa. Tratava-se de um plano bem pensado para estabelecer o enquadramento político da Assembleia.

Existem 14 deputados eleitos por sufrágio directo que, se se agruparem, acabarão por vir a ter uma influência considerável no hemiciclo. No entanto, apenas três quartos actuaram em conformidade com o espírito do sufrágio universal durante a eleição do presidente da Assembleia. Os restantes agiram de acordo com o que era esperado, do que resultou uma adesão à pré-estabelecida “lista de enunciados” da Assembleia Legislativa.

Ho Iat Seng foi reeleito presidente da Assembleia Legislativa com 30 votos a favor, resultado por demais esperado. Chui Sai Cheong obteve a vice-presidência com 29 votos, revelando plenamente toda a subtileza das suas negociações com o campo Pró-Regime. No caso de Kou Hoi, a eleição para 1.º Secretário faz parte da sua carreira e do seu percurso na Assembleia Legislativa. A eleição de Chan Hong para 2.º Secretário, resulta de uma troca de favores. Como toda a sessão foi transmitida em directo pela televisão o público pôde verificar as novas disposições na Assembleia Legislativa. Para escapar a este cenário vai ser necessário muito esforço mental durante os próximos quatro anos.

Antes da votação para a presidência da Assembleia, Sou Ka Hou, o mais jovem dos deputados, solicitou a Cheung Lup Kwan, que presidia à reunião plenária, que os eventuais candidatos à presidência do plenário pudessem falar para se ficar a conhecer as suas propostas. Mas o pedido foi recusado por Cheung, que alegou falta de tempo e de precedentes. Além disso nenhum dos outros deputados apoiou o pedido de Sou. Finalmente, os 33 deputados votaram e o resultado foi o que já se esperava. O processo da eleição de Chui Sai Cheong para vice-presidente foi similar, mas teve dois pontos a salientar. Em primeiro lugar, Ho Iat Seng obteve mais um voto de apoio do que Chui Sai Cheong, demonstrando que um dos quatro deputados da chamada “Frente Liberal” aceitou as condições pré-estabelecidas com a condição de não oferecer qualquer resistência. Em segundo lugar, a eleição de Chui Sai Cheong para vice-presidente é uma forma de satisfazer o chamado equilíbrio de poderes entre representantes dos trabalhadores e representantes do patronato. Aliás esta é uma prática habitual desde o regresso de Macau à soberania chinesa. A escolha de Chan Hong para 2.º Secretário não passa de um arranjo de bastidores. Aparentemente, o vice-presidente da Assembleia Legislativa não tem grande autoridade nem responsabilidade, mas a alteração no enquadramento político significou uma mudança na distribuição de poderes.

Antes do Chefe do Executivo ter apontado os sete deputados nomeados, Lam Heong Sang, antigo vice-presidente da Assembleia Legislativa (que tinha declarado a intenção de não se candidatar à eleição por sufrágio indirecto em representação do sector do trabalho), afirmou numa entrevista que não se importaria de ser nomeado deputado pelo Chefe do Executivo. Este excerto da entrevista pode levar os leitores a pensar que o equilíbrio de poderes na Assembleia, entre o sector que representa os trabalhadores e o sector que representa o patronato, será mantido através da reeleição de Ho Iat Seng e de Lam Heong Sang. Mas na realidade o que se passa é bem diferente. Não faço ideia porque é que o sector do Trabalho foi persuadido a abster-se de participar, mas sei de ciência segura que, quando Chui Sai On resignar em 2019, o seu irmão mais velho, Chui Sai Cheong, irá manter-se como vice-presidente da Assembleia Legislativa até 2021. Se Ho Iat Seng se demitir do cargo de Presidente da Assembleia Legislativa, para se candidatar à eleição para Chefe do Executivo de Macau, talvez possa realizar o sonho de se retirar em 2021. Nesse caso é provável que Chui Sai Cheong assuma o cargo de presidente da Assembleia e continue a desempenhar um papel importante na cena política.

Para além dos membros da Mesa da Assembleia Legislativa, a disposição dos lugares dos deputados no parlamento também é mais uma manifestação do novo paradigma político. Alegadamente, a Assembleia Legislativa informou os deputados de que, pela primeira vez, os seus lugares seriam escolhidos por sorteio. Posteriormente poderiam trocar entre si. Mas esta decisão foi objectada pelos deputados reeleitos, pelo que apenas os novos deputados se sentaram em lugares “sorteados”. O procedimento do sorteio vem substituir a prática tradicional da escolha dos lugares por ordem de chegada, que nos parecia justa. A seguir ao sorteio, os deputados com afinidades políticas foram trocando de lugares de forma a ficarem juntos e os independentes ficaram onde lhes calhou. No fim de contas, a disposição dos deputados continua a ser determinada pela vontade da maioria.

A Assembleia Legislativa é o centro de poder da RAEM. Não poderá caber apenas aos novos deputados a criação “de pontos de fuga no enquadramento”, vai depender também da sociedade civil e da sua vontade de se fortalecer e de tomar as rédeas do próprio destino.

20 Out 2017

Suicídios políticos à beira rio

[dropcap style≠’circle’]L[/dropcap]embro-me de há quatro anos atrás ter escrito um artigo durante o Festival Duanwu (Festival do Barco do Dragão). Quatro anos volvidos, a história repete-se por causa das eleições para a 6ª. Assembleia Legislativa, com data marcada para 17 de Setembro próximo.

Não tive oportunidade de aprender História com o Padre jesuíta Benjamim Videira Pires, mas dou aulas numa escola fundada por ele. Tendo sido historiador e director de um colégio, surpreendi-me quando soube que vestia roupas muito usadas. Levou uma vida modesta, marcada pela procura da Verdade, precisamente o oposto do que acontece com os políticos.

De todos os suicídios cometidos por causa da política, o mais surpreendente é sem dúvida o de Qu Yuan, que se atirou ao Rio Miluo. Qu foi governador do Estado Chu, mas perdeu os favores do Rei devido a intrigas urdidas por outros ministros. Vendo que o seu Estado estava à beira do declínio, e não conseguindo encontrar forma de o salvar, Qu optou por se suicidar o que, bem vistas as coisas, não é forma de salvar um país.

Uma outra história ocorreu dezenas de anos depois desta. Xiang Yu, que ficou do lado dos derrotados durante o Conflito Chu–Han, lançou-se ao Rio Wu. Na guerra, Xiang não tinha rival. Desenhou uma estratégia e levou a cabo um ataque muito ofensivo que o fez vencer o combate. Mas, apesar da vitória pessoal a sua facção foi derrotada e, com vergonha de enfrentar a corte imperial, decidiu matar-se em vez de aceitar o convite do barqueiro que se ofereceu para o levar para a outra margem do rio. Há quem diga que se ele tivesse atravessado o rio, talvez tivesse vencido a batalha. Na minha opinião e, baseado no que ele fez nas horas que antecederam o seu suicídio, acho que nunca teria conseguido aceitar a derrota. E, mesmo que tivesse atravessado o rio, a derrota dar-se-ia mais cedo ou mais tarde. Quando as pessoas não assumem as consequências das suas acções e decidem suicidar-se para fugir ao fracasso, serão dignas da nossa compreensão?

A última história passa-se em “Hou Kong” (Rio Hou)”, antigo nome de Macau. A vida é realmente enigmática. Um suicídio por razões políticas acontece em Macau, uma cidade sem rio.

A duração de uma vida política depende da capacidade de se saber lidar e valorizar as circunstâncias. Dois provérbios chineses, “tem a sabedoria de te retirares quando os problemas te submergem” e “retira-te quando tiveres conquistado o reconhecimento”, são adágios reconhecidos pelo valor das verdades que encerram. Eles ajudam as pessoas a lembrar-se que há um tempo para seguir em frente e lutar e um tempo para nos afastarmos. Só quando sabemos abrir mão de certas coisas é que podemos conservar o mais importante. Quando alguém se quer manter na mesma posição por demasiado tempo, sem aceitar avanços ou inovações, fica cada vez mais conservador e a sua carreira política termina mais cedo ou mais tarde. Acabará por perecer, às suas mãos ou às mãos de terceiros.

Quem gosta de História tem de conhecer o passado e antever o futuro. Macau está mergulhado em contradições devido ao seu rápido desenvolvimento económico, que se irão reflectir no processo eleitoral para a Assembleia Legislativa.

9 Jun 2017

Primeira volta da batalha eleitoral              

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] sexta eleição para a Assembleia Legislativa está marcada para 17 de Setembro e prevê-se que, enquanto eleição directa, venha a ser a mais competitiva desde o regresso à soberania chinesa. Até ao momento os preparativos de constituição das comissões de candidaturas, a cargo de alguns candidatos potenciais, têm mantido a Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa muito ocupada.

De acordo com a legislação eleitoral de Macau, os candidatos que pretendam concorrer às eleições, sem pertencer a quaisquer associações políticas, deverão formar uma Comissão de Candidatura apoiada pelos eleitores. A Comissão necessita de um mínimo de 300 assinaturas e de um máximo de 500. Conforme estipulado pela alínea 3 do Artigo 27 da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa, “cada eleitor só pode subscrever uma lista de candidatos”. No entanto não especifica quais as penalizações em caso de transgressão. Segundo práticas anteriores, se alguém assinar dois pedidos de reconhecimento de constituição de comissões de candidatura, é anulada a subscrição apresentada em segundo lugar. Desta vez, a Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) já divulgou alguns comunicados de imprensa onde se refere à situação de eventuais subscrições múltiplas, nos seguintes termos “… a CAEAL considera que tais casos constituem, eventualmente, uma violação às legislações vigentes, pelo que os mesmos foram submetidos ao Corpo de Polícia de Segurança Pública para uma investigação”. A partir do momento em que esta informação foi divulgada, muitos dos eleitores que tinham subscrito mais do que um pedido de reconhecimento de constituição de comissões de candidatura, intencionalmente ou não, ficaram muito assustados. Alguns deles procuraram ajuda junto da Associação de Novo Macau.

Relativamente a este assunto, a Associação de Novo Macau encaminhou as apreensões dos eleitores para a CAEAL e solicitou uma reunião para analisar em profundidade estas questões, nomeadamente no que concerne às “candidaturas plúrimas”. Mas a Comissão não conseguiu programar o encontro por sobrecarga de agenda. No entanto emitiu um comunicado de imprensa durante a tarde de 18 de Maio para lembrar “os eleitores para assinarem um único pedido de reconhecimento de constituição de comissão de candidatura” para que sejam evitadas situações punidas por lei, conforme estipulado nos Artigos 150 e 186 da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa.

Mas a Associação de Novo Macau descobriu que estes dois Artigos só são aplicáveis a casos de “candidaturas plúrimas”, que devem obedecer a certas circunstâncias factuais, a saber, “nomear a mesma pessoa a candidato por diferentes listas de candidatura, para a mesma eleição”. No quadro das próximas eleições, é praticamente impossível virem a ocorrer “candidaturas plúrimas”. Membros da Associação de Novo Macau preocupados com o processo eleitoral e, numa tentativa de apoiar os esforços desenvolvidos pela CAEAL, têm-se dedicado ao estudo da legislação eleitoral de Macau. Descobriram que já existiam mediadas penalizadoras (multas) para actos de “proposituras plúrimas”, antes do regresso à soberania chinesa. Mas na sequência da revisão da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa, já depois do regresso à soberania chinesa, o termo “proposituras plúrimas” foi substituído por “candidaturas plúrimas”, tendo sido acrescentadas emendas aos conteúdos, numa versão da Lei Chinesa. No entanto, tem graça que não tenha sido feita qualquer outra alteração à Lei Portuguesa, para além do montante da multa.

Na procura de esclarecimento para esta situação e, de forma a superar as preocupações dos eleitores que terão assinado “proposituras plúrimas”, a Associação de Novo Macau encaminhou o assunto para a CAEAL, na expectativa de que esta possa esclarecer o público com prontidão. No entanto, até terça feira a Comissão ainda não tinha dado qualquer resposta.

Para que a sexta eleição para a Assembleia Legislativa venha a ser equitativa, justa, transparente e íntegra, a CAEAL terá de agir em conformidade. O seu trabalho terá de se apoiar na monitorização de diferentes sectores sociais, para que venha a existir “transparência, igualdade, justiça e integridade” no processo eleitoral. De outra forma, as eleições directas passam a ser um jogo político que terá por protagonistas os poderosos e os influentes e não serão representativas da população. A sociedade ficará à mercê do sofrimento.

Para incrementar a cultura política de Macau, a monitorização efectiva da sexta eleição para a Assembleia Legislativa e da constituição das Comissões de Candidatura terão de ser implementadas escrupulosamente. Também não podem ser subvalorizadas as tentativas de manipulação dos eleitores.

26 Mai 2017

Visitas oficiais

 

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ntre 20 e 23 de Fevereiro de 2013, o então presidente do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional, Wu Bangguo, visitou Macau a convite do Chefe do Executivo, Chui Sai On. Pouco depois da visita, Wu foi substituído no cargo por Zhang Dejiang.

Este ano, entre 8 e 10 de Maio, Zhang Dejiang esteve em Macau a título oficial, a convite do actual Chefe do Executivo da RAEM. Durante os três dias da visita, Zhang proferiu vários discursos. O termo do seu mandato como Presidente do Comité ocorrerá em Março do próximo ano, após a realização do Congresso Nacional do Povo. Entretanto, na segunda metade deste ano, realiza-se em Pequim o 19º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, onde serão escolhidos os futuros líderes do País. À parte Xi Jinping, é muito provável que se vão verificar muitas alterações na liderança da China, depois do 19º Congresso Nacional.

A visita oficial de Zhang Dejiang, que já chefiava o Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e de Macau, reveste-se de um significado particular. No fundo destina-se a avaliar, no âmbito do trabalho daquele Gabinete, se a população de Macau integrou com sucesso o conceito de “Um País, Dois Sistemas”. O fracasso da reforma constitucional de Hong Kong, a eclosão do Movimento dos Chapéus de Chuva e as restantes perturbações que ocorreram durante a eleição do Chefe do Executivo, podem ser encarados como insucessos do Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e Macau. Mas no caso de Macau nunca existem problemas. No entanto isso não deve ser motivo de orgulho para a sua população.

Quando este artigo for publicado, Zhang Dejiang já terá saído de Macau. No primeiro dia da visita, declarou que queria ter a possibilidade de “deslocar-se e ver mais coisas”. A julgar pelos preparativos do Governo da RAEM, Zhang satisfez sem dúvida o seu desejo. Mas o que é que viu e o que é que ficou a saber sobre a comunidade, é a questão que se levanta. Será que viu as realidades de Macau? A resposta é um rotundo “NÃO”!

Para que a visita se realizasse sem problemas e fosse bem-sucedida, o Governo da RAEM manteve o itinerário confidencial e fechou muitas ruas. Podia deslocar-se a qualquer ponto da cidade sem problemas, ao abrigo dos esmerados preparativos do Governo, enquanto a população sofria as agruras dos engarrafamentos. Fica a dúvida sobre a quantidade de problemas de Macau que Zhang ficou a conhecer. Mas como não houve notícia de petições, protestos, ou apresentação de reivindicações, conclui-se que Macau é uma cidade harmoniosa. “Macau não pode ser caótica”, declarou Zhang na televisão, dirigindo-se a todos os sectores da cidade. O caos não acontece graças a um elevado grau de segurança e à filtragem de notícias promovida pelo Governo da RAEM.

Durante a visita à Assembleia Legislativa, na manhã de dia 9 de Maio, uma Associação submeteu uma carta com uma petição, mas a 350 metros do edifício. A avaliar pelas imagens televisivas, Zhang foi recebido apenas pelo presidente e pelo Vice-presidente da Assembleia, os deputados não se vislumbravam. Sendo assim, que impressão pode ter recolhido de uma visita ao Parlamento que apenas durou uns escassos minutos? Relativamente à carta com a petição, não se sabe se alguma vez chegou a ser entregue a Zhang. Quando a população não tem acesso aos líderes, como é que os “conflitos”, para citar Zhang, podem ser abordados e remediados?

Se compararmos as visitas oficiais dos políticos chineses com as vistas oficiais dos políticos estrangeiros, compreendemos que existe uma enorme diferença na forma de chegar ao povo. Já que Macau nunca foi uma cidade problemática e, além disso faz parte da China, não vale a pena desconfiar tanto da população. Os dirigentes deveriam pensar sobre este assunto. Quem se isolou durante a visita foi Zhang, não foi a população de Macau. Quando existe um abismo tão grande entre os diferentes estratos da sociedade, as contradições sociais que daí advêm têm necessariamente um grande impacto.

Na antiga China, os Imperadores visitavam as cidades de forma incógnita para ficarem a conhecer a realidade das metrópoles e a forma como as pessoas pensavam. Mas nos dias de hoje, os dirigentes só fazem visitas a “cenários montados”. Os antigos Imperadores podiam mover-se à vontade, coisa que os líderes da actualidade são incapazes de fazer.

12 Mai 2017

A luta para passar o camelo pelo buraco da agulha      

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]pós o Chefe do Executivo ter anunciado a data para a realização das eleições para a Assembleia Legislativa, a Comissão de Assuntos Eleitorais da AL entrou imediatamente em funções, tendo promovido recentemente uma série de sessões de esclarecimento sobre as suas funções e tarefas. Entretanto, no seguimento do início da actividade das Comissões de Candidatura, os candidatos à Assembleia têm multiplicado os esforços de propaganda para conquistarem o voto dos eleitores.

Na sessão da Assembleia da semana passada, que contou com a presença do Chefe do Executivo, constava da ordem de trabalhos a resposta a questões levantadas pelos deputados. Muitos dos representantes eleitos por voto directo não deixaram fugir esta oportunidade para darem voz às inquietações das populações. O entusiasmo que demonstraram pode ter sido motivado pela proximidade do acto eleitoral. Foi uma oportunidade de ouro para poderem criticar publicamente a ineficácia e o mau funcionamento do Governo, uma forma eficiente para conquistar a simpatia do público. Sempre que estamos em ano de eleições, o Governo da RAEM podia candidatar-se ao título de maior “fábrica de votos”. Os candidatos que quiserem alinhar com o Governo, têm sem dúvida mais hipóteses de ser eleitos.

Aparentemente as próximas eleições serão as mais competitivas de sempre. Os media vão tomando partido e nos últimos meses, para não dizer nos últimos anos, têm vindo a “fabricar” notícias para promover os seus favoritos, garantindo, no entanto, que os conteúdos das “notícias” não sejam de cariz publicitário nem promocional. Embora a Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa tenha repetidamente apelado à auto-disciplina dos media, os grupos de comunicação social mais poderosos não vêem nestas recomendações força de lei e por isso elas acabam por ser ineficazes.

Uma cultura política evoluída tem de ter como primeiro objectivo o fim da corrupção. A última revisão da Lei Eleitoral concede poder à Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa para rejeitar candidatos que provadamente não apoiem a Lei Básica, mas não lhe concede poder para rejeitar candidatos ou grupos parlamentares que provadamente se envolvam em actos de corrupção eleitoral. Estes casos são, quando muito, encaminhados para os tribunais. Nas últimas eleições para a AL alguns casos identificados de corrupção foram levados aos tribunais. No entanto as decisões do juiz não influenciaram o resultado eleitoral, porque a corrupção nestas situações actua a diversos níveis e de forma a que seja muito difícil provar as ligações dos candidatos a estes esquemas menos limpos.

Sem uma supervisão adequada, que garanta o equilíbrio, é muito difícil realizar “eleições transparentes”. Independentemente da vontade dos agentes da lei a qualidade dos eleitores é outro factor que pesa bastante. Desde o regresso de Macau à soberania chinesa, as relações entre o Governo a as diversas Associações têm vindo progressivamente a estreitar-se. Numa cidade de 600.000 habitantes, existem 7.000 Associações registadas, facto que faz de Macau a “metrópole das associações”. Refém das relações entre as várias comunidades de interesses, a Administração fica dependente da cooperação entre as diferentes associações que, por seu lado, dependem do apoio do Governo. No quadro destas relações simbióticas, torna-se difícil identificar a corrupção eleitoral. Na altura das eleições, ou o Governo reforça a vigilância, ou as acções que se desenrolam ao abrigo das áreas mais nebulosas da lei vão continuar a acontecer. A última revisão da Lei Eleitoral, enfatiza o respeito pela lei em vez de enfatizar um forte empenho na identificação da corrupção eleitoral.

Perante um eleitorado dividido por interesses pessoais e um Governo incapaz de realizar uma verdadeira monitorização deste processo, ter eleições justas e independentes vai ser mais difícil do que passar um camelo pelo buraco da agulha. Mas os que acreditam num mundo melhor têm de continuar a lutar para que a cultura política de Macau possa progredir para um patamar superior.

1 Mai 2017

A boa vontade é necessária para unir

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]pós Carrie Lam ter sido eleita para o cargo de Chefe do Executivo de Hong Kong, o Cardeal John Tong Hon da Diocese da cidade enviou-lhe uma carta de felicitações, manifestando esperança que o próximo Governo possa promover avanços no processo democrático e na salvaguarda da liberdade religiosa. Na carta, o Cardeal John Tong Hon afirma que “a Igreja Católica continuará a reger-se pela “doutrina social da Igreja”, estabelecida pelos diferentes Papas, a qual realça a importância das eleições democráticas como pilar do exercício do poder político”. Expressa ainda o desejo que Carrie Lam possa “fazer avançar o processo democrático em Hong Kong durante os cinco anos do seu mandato, no sentido de alcançar o derradeiro objectivo: a participação universal”. Declara também que a Diocese Católica de Hong Kong “tem desejado desde sempre manter uma parceria positiva e colaborante com o Governo local em benefício da comunidade” e espera que o Governo possa “escutar as opiniões dos diferentes partidos para, em conjunto, promover a solidariedade e o progresso da sociedade de Hong Kong”.

Acredito que para Carrie Lam a solidariedade e o progresso em Hong Kong devem ser absolutamente prioritários. Logo após a eleição declarou que a resolução das divisões sociais era o primeiro ponto da sua lista de prioridades. Se tentarmos identificar a origem destas divisões e os motivos que conduziram ao “Movimento dos Chapéus de Chuva”, percebemos que existe uma relação directa com decisões tomadas pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional em relação à reforma constitucional de Hong Kong, feita a 31 de Agosto de 2014. Estou convencido que para ultrapassar estas divisões Carrie Lam terá de ser capaz de levar a bom termo a agenda que deveria ter sido cumprida enquanto chefiava a Secretaria da Administração. Esta tarefa requer a capacidade de escutar as diferentes facções, sob o beneplácito do Governo Central.

Quando Leung Chun-ying foi eleito Chefe do Executivo de Hong Kong, declarou que não ia tomar partido, não favoreceria as posições do “Campo Leung” (o seu próprio campo)” nem as do “Campo Tang” (a facção de Henry Tang Ying-yen)”, iria sim focar-se no bem-estar da população de Hong Kong. No entanto, não foi a isso que assistimos. Os campos políticos da cidade viram-se divididos como nunca, sob a liderança de Leung Chun-ying. A divisão política produz enormes impactos sociais. É preciso ir para além das palavras para unir as pessoas e é necessário ter boa vontade para ganhar a sua confiança, de forma a que os partidos políticos possam negociar num clima de calma.

Agora que as eleições para a chefia do executivo, estão concluídas em Hong Kong, em Macau estão a caminho as eleições para a Assembleia Legislativa. Embora o sistema eleitoral possa não ser o mais perfeito, oferece um enquadramento que proporciona a participação política. Os eleitores podem usar o seu voto para escolher os candidatos. Desde que o processo decorra num clima de justiça e equidade, quem perde não pode objectar os resultados das urnas e não se corre o risco de perturbação social.

Quer Hong Kong quer Macau são Regiões Administrativas Especiais da China. O conceito de “Um País Dois Sistemas” foi feito à medida destas duas regiões’ com contextos únicos do ponto de vista histórico e social, com realce para a solidariedade e o progresso. Se a divisão se enraizar na sociedade, não será benéfico para a unificação da China.

É preciso tempo e cooperação para a sociedade de Hong Kong recuperar. Em Macau o progresso social vai depender da existência de imparcialidade e de justiça. Se o processo eleitoral for encarado como um teatro político que leva a cena um argumento escrito pelo Governo Central, então a noção de “Um País Dois Sistemas” aplicável a Hong Kong e a Macau, será apenas nominal. Se os cidadãos das duas regiões permanecerem indiferentes à política, é previsível que fiquem repulsivamente obedientes, perdidos na multidão ou que abandonem as cidades. É preciso ir muito além das palavras ocas de sentido para ultrapassar as divisões sociais e alcançar o progresso. A suspeita tem de ser substituída pela confiança se quisermos unir forças que garantam o desenvolvimento social. Só desta forma é possível delinear uma sociedade harmoniosa.

21 Abr 2017

17 de Setembro                 

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]orque é que o dia 17 de Setembro vai ser uma data importante? Porque é o dia em que os residentes de Macau vão ser chamados às urnas para eleger os deputados da 6ª. Assembleia Legislativa. Esta data esteve também na origem da demissão de Jason Chao da vice-presidência da Associação de Novo Macau e da sua saída de membro deste grupo político. Jason não se vai candidatar à Assembleia, mas pretende monitorizar o processo eleitoral como independente para impedir irregularidades como subornos, intimação ou coerção dos eleitores, troca de favores, compra e venda de votos etc., e garantir que esta eleição venha a ser verdadeiramente equitativa, justa, transparente e integra. A monitorização não pode ser apenas efectuada pela Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa e não se pode esperar que os grupos que se candidatam tenham auto-disciplina suficiente.

Os gastos de cada candidatura têm um tecto de 3,5 milhões, uma soma elevadíssima para candidatos sem grandes meios financeiros, mas que para os ricos e poderosos não passa de uma gota de água no oceano. Muitos deles terão gasto bem mais que este valor antes do início da campanha eleitoral. Os alvos da monitorização de Jason também incluem os candidatos da Associação de Novo Macau. Foi por este motivo que se demitiu, para garantir que a sua avaliação venha a ser equitativa e justa.

Se alguém afirmar que não houve corrupção nos anteriores processos eleitorais para a Assembleia não passa de um mentiroso. Se por outro lado alguém acreditar nesta afirmação não passa de um idiota! A Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa já teve ocasião de convocar uma reunião com representantes dos media para os sensibilizar para uma certa disciplina no tratamento dos candidatos. Pede-se que façam a cobertura de todas as campanhas de forma equitativa, objectiva e justa. Os membros da Comissão têm vindo a sublinhar que durante o período eleitoral os media só podem cobrir as campanhas relatando as actividades desenvolvidas pelos candidatos, abstendo-se de fazer propaganda a favor de qualquer um deles. Infelizmente, alguns órgãos de comunicação social promovem candidatos potenciais trazendo-os constantemente para as luzes da ribalta. Saliente-se, no entanto, que representantes dos jornais de língua portuguesa tentaram informar-se junto da Comissão sobre os procedimentos a adoptar e não receberam qualquer resposta satisfatória sobre o assunto. Por este motivo, a monitorização independente do processo eleitoral para a Assembleia torna-se cada vez mais necessária.

Mas não são só os media locais que estão interessados na demissão de Jason. Os jornalistas da China continental estão a seguir-lhe os passos de perto, devido à singularidade da sua personalidade no panorama do movimento social de Macau e à originalidade do seu pensamento e da sua acção. Em 2013, dos três grupos que se candidataram às Legislativas pela Associação de Novo Macau, só o que era liderado por Jason causou preocupação às autoridades locais, apreensão que as levou a tentar diminuir a sua influência. Podemos afirmar que, dos democratas de Macau, Jason é o único que se mantém fiel ao seu ideal e que nunca coloca os seus interesses pessoais no prato da balança.

Quanto à questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo defendo uma posição diferente da de Jason, mas, no entanto, não posso negar que a sua insistência nos princípios e nos procedimentos é bem mais honesta do que as tácticas dos políticos experientes. Conheci Jason na altura em que colaborei com o jornal “Macau Concealers” dirigido pela Associação de Novo Macau. A sociedade local não lhe deu muitas oportunidades. A falha em atingir os objectivos eleitorais da Associação de Novo Macau para a Assembleia em 2013 não pode ser-lhe atribuída, mas sim a alguns membros da Associação egoístas e auto-centrados. O tempo e os factos já o provaram amplamente.

Já que Jason suspendeu a sua ligação à Associação de Novo Macau em prol da monitorização do processo eleitoral de 17 de Setembro, só podemos esperar da população de Macau uma atitude pró-activa e um voto massivo que diga “NÃO” à corrupção eleitoral.

17 Mar 2017

Lembrando Roosevelt

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o dia 26 de Fevereiro apresentei um seminário sobre as “Relações da China com o Vaticano” numa iniciativa da revista que dirijo. O Cardeal Joseph Zen Ze-kiun, representante da Diocese de Hong Kong, e o Cardeal John Tong Hon, ex-colaborador do Centro do Espírito Santo de Hong Kong, participaram como oradores convidados.

O Cardeal John Tong Hon tem 500 artigos publicados sobre o relacionamento da China com o Vaticano que alimentaram imensos debates e discussões. Por seu lado, o Cardeal Joseph Zen é um homem de posições bem definidas e um pastor fiel aos princípios da fé. Um dos motivos que determinou o convite ao Cardeal Joseph Zen foi proporcionar aos cristãos de Macau a possibilidade de entrarem em contacto com as suas diversas perspectivas sobre esta matéria. Durante os preparativos do seminário vários amigos partilharam comigo a preocupação sobre a possibilidade do Cardeal Joseph Zen não poder entrar em Macau. Na verdade, nunca me inquietei com este assunto e, lembrei-me das famosas palavras do Presidente Roosevelt, “só devemos temer o medo”. Estas palavras continuam a ser aplicáveis aos dias de hoje, porque se ultrapassarmos os nossos medos, já não há mais nada a temer!

Quando os preparativos chegaram ao fim, o Cardeal Joseph Zen entrou em Macau sem problemas e o seminário foi um completo sucesso. Embora tenha exigido um grande esforço, compensou ver que os cristãos de Macau puderam assistir a debates de grande sabedoria e à queda de barreiras invisíveis.

Chip Tsao, um ilustre académico de Hong Kong, também citou Roosevelt num dos seus artigos, “Só um optimista insensato pode negar a realidade ameaçadora que vivemos”. Na minha opinião, o verdadeiro optimista deve, em primeira mão, compreender as realidades ameaçadoras e depois acreditar nas suas capacidades e na sua coragem para derrotar a escuridão e lutar para que a luz regresse.

O Cardeal Joseph Zen é um verdadeiro optimista porque, embora reconheça a crise, está disposto a encará-la com coragem e, sujeitando-se a críticas, luta para despertar aqueles que ainda não se aperceberam dos perigos da situação.

Apesar das suas pequenas dimensões, Macau ganhou um lugar na História moderna. Sun Yat-sen deu os primeiros passos como revolucionário em Macau. O Instituto Cultural restaurou recentemente a Antiga Farmácia Chong Sai e abriu-a ao público. Foi aqui que Sun Yat-sen prestou serviço como médico. Macau é considerado como um dos principais centros missionários do Extremo Oriente a desenvolver trabalho na altura do Natal. É também a porta de entrada de muitos missionários que vêm pregar na China. Depois da fundação da República Popular, na década de 50, grandes grupos de missionários estrangeiros foram expulsos do País. Alguns deles fixaram-se em Macau, como o missionário e Padre Jesuíta Luis Ruiz Suárez S.J., que contribuiu para aumentar o trabalho de caridade e para o desenvolvimento da educação. A Santa Sé encara o papel da Diocese de Macau como um agente de ligação entre a Igreja Católica e a China. Embora as relações entre a China e o Vaticano sejam tratadas ao mais alto nível, Macau é indissociável desta discussão.

O Cardeal Joseph Zen revelou-nos toda a sua generosidade durante a visita a Macau, e provou-se que os receios que certas pessoas alimentavam se devem a uma falta de conhecimento sobre a realidade dos Governos da RAEM e da China. O desenvolvimento das relações entre a China e o Vaticano não está dependente de optimismos nem de pessimismos, mas sim de empenho e coragem. Esta posição é defendida pelo Cardeal John Tong Hon num dos seus artigos, onde afirma “ambas as partes (a China e o Vaticano) precisam de confiar uma na outra, de paciência e de diálogo para resolver os problemas de boa fé e sem comprometer os princípios de cada uma delas.” É sem dúvida uma tarefa extremamente difícil que requer comunicação, negociações e boa vontade.

Já que o Cardeal Joseph despendeu algum do seu tempo para vir a Macau, penso que no mínimo os residentes não devem desperdiçar as suas boas intenções.

No meu próximo artigo vou falar-vos da demissão de Jason Chao da vice-presidência da Associação de Novo Macau e da sua saída de membro da associação.

5 Mar 2017

Em defesa dos Estaleiros de Lai Chi Vun

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]penas por causa de um comunicado sobre o potencial perigo para a segurança pública dos Estaleiros de Lai Chi, o Governo da RAEM pretende proceder à sua demolição sem apresentar um relatório de riscos, sem avançar com uma explicação à população, sem consultar outros departamentos públicos, ignorando as directrizes do próximo plano quinquenal de desenvolvimento da região e desobedecendo ao “13º Plano Quinquenal Nacional” apresentado pelo Governo Central. Como é possível continuar a considerar o Governo da RAEM uma entidade “ao serviço do interesse público, transparente e fiável” se permite que o Departamento de Obras Públicas ordene arbitrariamente a demolição dos estaleiros da zona portuária de Lai Chi Vun, em vez de preservar este marco da indústria naval de Macau?

O “Estudo do Planeamento da Povoação de Lai Chi Vun da Vila de Coloane” é elaborado pelo Grupo de Trabalho Interdepartamental, uma plataforma formada por representantes da DSSOPT, da Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e de Água e do Instituto Cultural. Mas, ao longo dos anos, não se registaram progressos significativos e o plano não foi implementado. No entanto, foi dito publicamente que seria criado um departamento especial, encarregue de assessorar a preservação dos estaleiros e de delinear estratégias para a sua conservação e restauro.
Agora as autoridades vêm dizer que os estaleiros estão em ruínas e que representam um perigo para a segurança. Perante estes desenvolvimentos, os responsáveis dos departamentos a quem foi atribuída inicialmente a responsabilidade deste Estudo deveriam demitir-se por incompetência.

O comunicado de imprensa da DSSOPT afirmava que a “licença” de 11 estaleiros de Lai Chi Vun tinha expirado a 31 de Dezembro de 2015 e que não tinha sido renovada. Então nesse caso, porque é que neste ano e tal a DSSOPT não uniu esforços com o Instituto Cultural, a Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e de Água e a Direcção dos Serviços de Turismo para garantir a preservação e a revitalização dos 11 estaleiros e levar a cabo o “Estudo do Planeamento da Povoação de Lai Chi Vun da Vila de Coloane” de forma responsável? E o que sabemos sobre as quatro zonas propostas para urbanização no local dos estaleiros, a Praça Portal, a Zona de Restauração, a Zona de Lazer e a Zona de Exposição Geral de Construção de Juncos? Até agora, apenas é certo que os 11 estaleiros estiveram ao abandono por mais de um ano! Bom, e se estão em ruínas e podem causar perigo, só podemos culpar estes departamentos. Mas ainda resta saber se estão verdadeiramente “em ruínas e podem causar perigo” ou não.

Alguns engenheiros e académicos pagaram uma inspecção ao local. Chegaram à conclusão que a reparação dos 11 estaleiros não era difícil, requeria apenas apoio financeiro e técnico por parte do Governo. Até mesmo o Presidente do Instituto Cultural, que vai deixar o cargo brevemente, afirmou pessoalmente aos jornalistas que a preservação da totalidade da zona dos estaleiros era possível com tecnologias modernas. Mas a DSSOPT não consultou o Instituto Cultural antes de ordenar a demolição.

“Iremos impulsionar a governação pública, aperfeiçoar o mecanismo de consulta, estimular a participação do público; persistiremos no cumprimento do princípio da racionalização de quadros e simplificação administrativa, para a subida da qualidade e o aumento da eficácia, elevar a qualidade de serviços em todos os aspectos dos trabalhadores de serviços públicos, construir plenamente um Governo e uma sociedade baseados no Estado de Direito, e impulsionar o progresso ordenado e gradual da política democrática” – este é um dos sete maiores objectivos do “Plano Quinquenal de Desenvolvimento da Região Administrativa Especial de Macau (2016-2020)”. Mas o que se está a passar não parece coincidir com este objectivo! O que Macau precisa é de um Governo responsável, não de um Governo que aja de forma arbitrária.

Talvez alguns dos leitores possam pensar, “ah, mas mesmo que toda a zona dos Estaleiros de Lai Chi Vun fosse recuperada, a indústria naval de Macau não seria revitalizada”. A atitude mais pragmática seria, depois de demolir os estaleiros, construir edifícios habitacionais ou leiloar os terrenos para construção de propriedades de luxo”. Apesar deste ponto de vista, Zhu Rong, professor universitário do Continente, da Escola de Design da Universidade de Jiangnan referiu-se ao assunto na sua publicação “Conservação e reutilização dos Estaleiros de Lai Chi Vun de Macau numa perspectiva cultural e turística” datada de 2015. Zhu Rong afirmava nesta publicação. “Os singulares traços históricos de Macau, moldados por características culturais únicas, apresentam grande potencial para o desenvolvimento. E já que a herança industrial é componente importante da herança cultural, existe uma larga margem para a reutilização e para projectos futuros. Quando falamos da protecção e reutilização dos Estaleiros de Lai Chi Vun em Coloane não estamos simplesmente a defender a conservação de ruínas materiais, estamos a defender a protecção de valores humanitários”.

Quando fui à Alemanha no ano passado, reparei que bastantes edifícios eram muito antigos o que seria de estranhar num país que foi devastado pela II Guerra Mundial. Vim a saber mais tarde pelo guia que, durante a reconstrução do país, os alemães fizeram um enorme esforço para recuperar as alvenarias originais dos edifícios destruídos e reconstruíram-nos de maneira a assemelharem-se o mais possível à forma original. Moveu-os a vontade de preservar o espírito germânico através destes edifícios, como legado às novas gerações. Por enquanto, o Governo da RAEM ainda tem um parque industrial histórico intacto. Demoli-lo será uma lástima! É responsabilidade do Governo e das gentes de Macau fazer todo o possível para o conservar!

17 Fev 2017

Perspectivas para o Ano do Galo                      

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m primeiro lugar, quero desejar a todos saúde e prosperidade para este Ano do Galo. Os antigos chineses acreditavam desde tempos ancestrais que o galo possuía cinco virtudes, o dom da literatura, faculdades militares, bravura, benevolência e fiabilidade. Mas, hoje em dia, raras são as pessoas possuidoras destas virtudes. Na minha opinião, a atribuição destas virtudes ao galo era uma forma de satirizar a desumanidade do Homem. Desde o regresso à soberania chinesa, Macau e Hong Kong passaram por muitas mudanças, no entanto do ponto de vista político não se registaram quaisquer progressos. Espero que as alterações a este nível se comecem a manifestar a partir da segunda metade do Ano do Galo!

Em 2012 Henry Tang Ying-yen e Leung Chun Ying foram candidatos às eleições para Chefe do Executivo de Hong Kong. Mas só devido à actuação dos grupos de pressão pró-China, o candidato eleito conseguiu evitar a embaraçosa situação de ser escolhido para o cargo com menos de 50% dos votos. Depois de Leung Chun Ying ter assumido o poder a expensas alheias, não tentou unificar as várias facções do campo pró-regime, originadas pelas eleições. Em vez disso, manteve uma governação nepotista, autocrática e de estilo ditatorial que ainda criou mais cisões na sociedade de Hong Kong. Se olharmos para as reformas constitucionais teremos de salientar que, embora a Decisão de 31 de Agosto de 2014 (o método para seleccionar do Chefe do Executivo no 4º mandato em 2012, que se mantém em vigor para o 5º mandato de 2017) tenha sido tomada pelo Governo Central da China, Leung Chun Ying não se esforçou por apresentar ao poder central uma proposta que reflectisse a vontade da opinião pública de Hong Kong quanto a esta matéria. Limitou-se a curvar-se perante os pontos de vista dos membros do Governo Central e ignorou o sentimento das pessoas de Hong Kong. Daqui resultou o insucesso da reforma constitucional na mobilização das consciências políticas locais. E na sequência destes acontecimentos, Leung Chun Ying não tentou sequer pacificar a população depois das forças policiais terem lançado gás lacrimogéneo sobre manifestantes. Optou, em vez disso, por levantar a questão “da independência de Hong Kong” e por enfatizar os problemas internos da cidade agitando o fantasma da cisão nacional (da China). Quis eliminar todas as forças de oposição, servindo o Governo Central e criando condições para a sua reeleição. Podemos afirmar que a recente decisão que tomou de retirar a candidatura à reeleição foi resultado de procedimentos errados da sua parte. Se o resultado do próximo escrutínio para a eleição do Chefe do Executivo não for determinado pela livre vontade dos membros da Comissão Eleitoral de Hong Kong, mas sim pela manipulação de bastidores, que deu lugar à eleição do antigo Secretário da Administração, não irá haver paz na cidade. Resta-nos saber se o Governo Central terá aprendido a lição das eleições de 2012 e, se será ou não capaz de se abster de interferir no processo eleitoral de 2017. Disso irão depender a estabilidade e a prosperidade futuras de Hong Kong.

Em Macau a Comissão dos Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa já está oficialmente constituída e terá um papel determinante para garantir que as eleições venham a ser justas e transparentes, mas para isso terá de se empenhar num combate eficaz à corrupção eleitoral. Comparado com Hong Kong, Macau é politicamente mais imaturo, já que a classe dirigente e os políticos em geral não se empenharam na educação cívica das populações, o que resultou na apatia política das gerações mais jovens. A implementação dos 15 anos de educação gratuita apenas conseguiu garantir 15 anos de escolaridade, mas falhou o objectivo de levar os jovens a absorver os princípios nos quais a educação se sustenta. O desenvolvimento anormal do conceito de ecologia política em Macau levou a uma deformação social. As próximas eleições de Setembro para a Assembleia Legislativa irão determinar o destino da cidade, através do uso do direito de voto. Se esta campanha continuar a ser dominada pelas más práticas de suborno, (oferta de refeições e mantimentos), ou benefícios (viagens, presentes, compensações monetárias), Macau irá a caminho da perdição.

A economia determina as condições de sobrevivência dos povos, mas a política deve dominar a economia. Se os macaenses quiserem alterar o status quo, devem deixar de se queixar e tomar medidas que lhes permitam conduzir a mudança. Terão de participar activamente na discussão dos temas de interesse social, aprender a distinguir o verdadeiro do falso e votar pelo futuro de Macau.

3 Fev 2017

Grande anestesia é o hábito       

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]lguns pais estacionam as motas nos passeios quando vão buscar os filhos à escola. Há pouco tempo uma transeunte denunciou um estacionamento ilegal a um polícia que estava nas imediações. No entanto o agente afirmou que a zona onde os veículos estavam estacionados não lhe pertencia. Acrescentou ainda que, tanto quanto lhe era dado ver, as motos não estavam a bloquear a passagem, até porque tinha acabado de ver um grande grupo de estudantes a passar sem dificuldade, só tiveram de contornar os motociclos. Portanto, não lhe parecia grande problema. Todos os dias muitos pais estacionam as motos para irem buscar os filhos à escola. No entanto o polícia informou a transeunte que, se mesmo assim, quisesse apresentar queixa, poderia ligar para o Departamento de Trânsito ou que ele o poderia fazer em seu nome. Se a senhora decidir avançar com a reclamação, os proprietários dos veículos terão de pagar uma multa e, na pior das hipóteses, ver as suas motos apreendidas. Nesta situação, não podemos acusar o polícia de irresponsabilidade, porque cumpriu o seu dever e esteve atento ao que se passava à sua volta. Se for necessário culpar alguém, terá de ser a transeunte. E isto porque nunca ninguém se queixou dos estacionamentos ilegais, nem os estudantes, nem os professores, nem a escola, considera-se que estas situações fazem parte do seu dia a dia. Quando se trata de colégios caros, então para além das motos, temos também grandes carros, alguns deles de funcionários do Governo, estacionados ilegalmente em frente aos portões de entrada. E como os habitantes de Macau já estão acostumados a estas situações, a maioria considera-as naturais. Os poucos que ainda se indignam acabarão por desaparecer se tudo continuar na mesma.

Vejamos agora outro exemplo. Na paragem da Praça de Ferreira do Amaral estão funcionários cuja função é fazer com que as pessoas façam fila para entrar nos autocarros. No entanto, quase ninguém obedece. Os lugares reservados para idosos, deficientes, grávidas e crianças, são sempre ocupados por quem não precisa. Os idosos já se habituaram a ir em pé porque não querem arranjar discussões. O “ladrão” dos lugares reservados está geralmente de olhos fechados, ou vai a fazer uma soneca, ou a ouvir música de auscultadores postos, ou a jogar um joguinho no telemóvel. Todos têm uma coisa em comum, não dão por nada que se passa à sua volta. Por seu lado o condutor vai concentrado na condução, e deixa que os passageiros resolvam as questões entre si. Este fenómeno das “mentes letárgicas” tornou-se parte integrante da vida em Macau. Mas é tempo de acabar com estas práticas “inquebrantáveis”.

Em Macau as pessoas aceitam o que têm. Só quando os seus interesses são postos em causa é que protestam um pouco. Ninguém quer saber se não existe controlo do afluxo crescente de turistas, as pessoas só se queixam dos engarrafamentos e das ruas congestionadas. O Governo distribui anualmente dinheiro aos residentes para lhes adormecer os espíritos e fazê-los esquecer os aumentos constantes das rendas de casa, para não falar do valor dos apartamentos para venda, inacessível à maior parte das bolsas. Para acordar as pessoas em Macau é necessário mudar-lhes os hábitos. E para mudar os hábitos é necessário alterar o estilo de vida fácil, de um conforto sufocante, sob o risco de entrarem num coma prolongado que irá sobrevir a uma situação continuada de “mente em estado letárgico”.

Segundo os dados publicados pela Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública, existiam mais de 300.000 eleitores recenseados em Macau em finais de 2016, o que representa um aumento de 30.000 eleitores em comparação com 2012. Estes números terão certamente impacto nas próximas eleições para a Assembleia Legislativa, agendadas para Setembro próximo. Mas se os padrões de comportamento habituais não se alterarem, a prática de comprar votos através da concessão de favores é que continuará a determinar quem é eleito. Numa pequena cidade como Macau, com relações interpessoais muito próximas, as pessoas acostumadas a uma vida confortável optam por fechar os olhos a problemas de ordem social, desde que não sejam demasiado evidentes ou demasiado sérios. Este género de “tolerância” não é benéfico para o progresso social. Se esta situação se mantiver, toda a cidade poderá ficar refém do populismo o que será um caminho sem retorno.

Os hábitos formam o nosso carácter e o nosso destino é determinado pelo nosso carácter. Temos de alterar as nossas práticas se quisermos mudar Macau. Temos de nos interessar e ser participativos para a sociedade mudar e evoluir. 2017 vai ser o ano para nos livrarmos dos maus hábitos!

20 Jan 2017

Expectativas para 2017

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s eleições para a Assembleia Legislativa terão lugar em Setembro de 2017. Com a aproximação deste acto eleitoral a população poderá vir a ser mobilizada pelo Governo para manifestações de apoio. As palavras e as acções dos políticos e, eventuais incidentes em que venham a estar implicados, passarão a estar na ordem do dia. Mas, acima de tudo, aparecerão muitos indivíduos a reclamar por justiça para o povo e a bater-se pela democracia e pelo bem-estar social, utilizando fundos do Governo para conquistar votos para si próprios.

Neste contexto, os macaenses devem encarar esta questão de forma racional não se deixando influenciar pelos interesses envolvidos. Quando andam todos atrás de proveitos pessoais, a sociedade sofre com isso e também o nosso futuro.

Há pouco tempo o Governo implementou medidas para regular a circulação automóvel, como o aumento substancial das multas a veículos que estacionam em locais não permitidos durante muito tempo. Esta medida foi muito mal recebida pelo público e houve quem chegasse a propor a organização de manifestações de protesto. Estes aumentos de multas, e taxas de parqueamento, já tinham sido propostos pelo Governo há alguns anos atrás no âmbito das políticas de transportes terrestres. Mas na altura os críticos ultrapassaram largamente os apoiantes. Na verdade, se os condutores em vez de estacionarem em locais proibidos deixarem os carros nos parques, não serão penalizados pela nova legislação. Mas como não existem locais suficientes para parqueamento legal que satisfaçam as necessidades dos cidadãos, o que irá acontecer se não se tomarem as medidas adequadas?

Têm também sido tópicos de discussão os actos de omissão e as arbitrariedades por parte de funcionários do Governo. Há pouco tempo, o marco de fronteira do Templo de Lin Kai, da área de San Kio, tornou-se outro assunto polémico. O marco, uma pedra de pequenas dimensões, estava colocado desde há muitos anos junto a uma casa antiga, adjacente ao Templo, e quem por ali passava mal dava pela sua existência. A antiga casa foi recentemente demolida e no mesmo lugar foi construído um prédio novo. O local onde o marco está colocado tornou-se subitamente o sítio de passagem para que entra e sai das lojas do andar térreo do novo edifício. Por causa disso houve quem sugerisse que o marco deveria ser deslocado para outro lugar. Felizmente, esta sugestão não vingou e o marco continua onde sempre esteve, sem ter sido obrigado a “emigrar” à força.

Talvez haja quem defenda que não é nada por aí além deslocar a pedra alguns metros para a direita. Mas se aceitarmos esta ideia, então a “Lei de Salvaguarda do Património Cultural” de Macau pode ser considerada letra morta. Se a deslocação da pedra fosse encarada como uma coisa de somenos, não haveria razão para o empreiteiro não a ter mudado de sítio quando construiu o edifício. E de facto isto não aconteceu porque o marco está protegido pela “Lei de Salvaguarda do Património Cultural”, já que é parte integrante do Templo de Lin Kai, considerado património cultural, ao abrigo da protecção estatutária, e não pode ser removido nem deslocado. Para deslocar o marco, serão necessários procedimentos estatutários governamentais ou de uma associação abalizada para o efeito. Quem cometer uma transgressão terá de enfrentar a punição estipulada por lei. Afinal de contas, em Macau ainda impera o estado de direito.

A minha expectativa para 2017 é que Macau se torne em pleno sentido uma sociedade regida pelos princípios do estado de direito, onde todos os cidadãos respeitem a lei e a acção do Governo siga o mesmo exemplo. Quanto aos candidatos a deputados para a Assembleia Legislativa, desejo que para além de virem a ser “fazedores” de leis, também as defendam e não se limitem a ser políticos cuja única preocupação seja a de conquistar votos.

6 Jan 2017

As consequências do Motim 1-2-3

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] debate em torno das questões das diferentes áreas de governação, que se prolongou por vários dias, está finalmente concluído. Para além das sessões de interpelação oral, todo este processo assemelhou-se mais a uma conferência de imprensa do que outra coisa. Com esta sessão foram encerrados os debates da 5ª Assembleia Legislativa.  Mas é possível que em 2017 venhamos a ouvir o mesmo grupo de deputados na Assembleia, porque a “Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau”, ainda em revisão, dificilmente poderá deter a corrupção eleitoral. Os ricos e poderosos continuam a desfrutar de absoluta vantagem no processo eleitoral. As provisões recentemente introduzidas na “Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau” vêm reforçar o controlo da liberdade de expressão, o que evidentemente coloca em desvantagem as novas gerações da oposição. No entanto, estas novas disposições não foram contestadas por nenhuma das bancadas do hemiciclo. Há alguns dias atrás fui com alguns membros da Associação de Novo Macau à Assembleia entregar um manifesto de objecção às novas adendas, mais especificamente no que diz respeito à alínea em que se diz que “os candidatos à Assembleia Legislativa devem declarar o seu apoio à Lei Básica e demonstrar a sua lealdade à Região Administrativa Especial”. A nossa acção destinou-se a chamar a atenção do público para a crescente redução de liberdades. Embora sabendo que será muito difícil que o Governo venha a retirar estas adendas, acreditamos que é necessário ter a coragem de lutar contra as “impossibilidades” e que essa deve ser a atitude de todos os combatentes pela democracia. No fundo é pôr em acção as palavras do famoso filósofo chinês Hu Shih (1891-1962), “Antes morrer por falar do que viver em silêncio”.

O que está a acontecer actualmente em Macau está directamente relacionado com os incidentes do “Motim 1-2-3”. Quando estes episódios terminaram, há 50 anos atrás, Macau tornou-se um local onde só passaram a ter lugar na política pessoas com um certo tipo de pensamento. A grande centralização do poder e a monopolização da informação impediram a transformação da estrutura social. A RAEM queixa-se frequentemente de falta quadros qualificados. Mas a razão para que isso suceda prende-se com o facto de muita gente ser excluída das posições de decisão e portanto haver pouco por onde escolher.

Para assinalar o 50º aniversário do “Motim 1-2-3”, diversas organizações realizaram em conjunto três eventos nos dias 3 e 4 de Dezembro. Os meios de comunicação social chineses deram pouco ou nenhum destaque aos acontecimentos. No entanto perguntamos o que levará o “campo patriótico” a evitar conotações com o “Motim 1-2-3”? Será certamente o carácter político do “Motim 1-2-3”!

Alguns dos intervenientes que falaram nestes eventos comemorativos pensavam que esta revolta não tinha sido encorajada pela Revolução Cultural. Mas é inegável que se não fosse a movimentação decorrente da Revolução Cultural, o conflito despoletado pela construção da escola na Taipa não se teria transformado numa luta de grandes dimensões. Claro que quando grupos de manifestantes empunhando o livrinho de “Citações do Presidente Mao Tsé Tung” se dirigiram ao Palácio do Governador, tornou-se inevitável que os protestos se tivessem transformado em confrontos.

Antes de 1966 Macau era um local muito agradável para se estar no mês de Outubro. No dia 1 tínhamos as comemorações do Dia Nacional da China. Logo a seguir, no dia 5, comemorava-se a Implantação da República Portuguesa. Dia 10, eram as comemorações do Dia Nacional da República da China (Taiwan). Salvas de artilharia faziam-se ouvir e a cidade ornamentava-se de bandeiras patrióticas. Mas depois do “Motim 1-2-3” de 1966, as forças do Kuomintang (Partido Nacionalista) foram retiradas de Macau e a influência da Igreja Católica diminuiu. Aos poucos, Macau foi ficando sob a influência de frentes políticas que utilizavam nas suas manobras slogans como “amor à Pátria, amor a Macau”. Após o regresso de Macau à soberania chinesa, em 1999, estas frentes tornaram-se o reflexo do próprio Governo de Macau.   

Uma sociedade deve ser um fórum de troca e debate de diferentes pontos de vista. Quando as pessoas vivem em locais onde não devem fazer análises nem ter um pensamento independente, acabam por ficar semelhantes a robots. A História não se repete! As consequências do “Motim 1-2-3” fizeram-se sentir e os macaenses transformaram-se em actores secundários na cena política. Quando numa sociedade não existe pluralismo de pensamento não pode existir diversidade de desenvolvimento. Para mitigar todos estes factores negativos, podemos encarar as eleições do próximo ano como um ponto de viragem.  Mas isso vai depender dos eleitores e de haver ou não vontade para exigir reformas radicais.

9 Dez 2016

Linhas de Acção Governativa para 2017               

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omo habitualmente o Chefe do Executivo, Chui Sai On apresentou na Assembleia Legislativa o Relatório das Linhas de Acção Governativa (LAG) para o ano financeiro de 2017. Seguidamente as várias áreas administrativas serão analisadas e os debates vão prolongar-se até 6 de Dezembro. Mas que ninguém inveje a sorte dos jornalistas encarregados de cobrir as discussões plenárias, porque serão inevitavelmente maçadoras e vai ser muito difícil encontrar temas que valha a pena destacar.

Como já era esperado o documento não contém nada de inovador ou surpreendente, para além da habitual menção à distribuição de dinheiros e aos aumentos de salários. O Governo da RAEM continua a colocar em primeiro lugar a defesa da estabilidade e da prosperidade, especialmente porque convém levar as coisas com calma, atendendo à proximidade das eleições para a Assembleia. Quanto à criação do Novo Órgão Municipal, aparentemente antes de 2018 não haverá novidades. Mas se olharmos para assuntos como a eleição directa de 50% dos deputados e o sufrágio universal na escolha do Chefe do Executivo, chegamos à conclusão que estas matérias nunca passarão de slogans e “agendas” para matar o tempo na Assembleia Legislativa, a menos que muitas vozes populares se ergam para as fazer valer.

Os debates da Área de Administração e Justiça limitam-se a ser sessões de interpelação oral, resumindo-se a infindáveis sequências de perguntas e respostas. Os leitores mais curiosos podem verificar que as próximas sessões justificam o que acabei de dizer. Macau é um lago de águas estagnadas com umas pequenas ondulações. A loiça suja é tanta que não fica a dever nada à do 16º Festival de Gastronomia! Ultimamente tem-se ouvido dizer que o Mar Morto pode secar um dia. E este lago de águas estagnadas, será que um dia destes começa a cheira mal?

Nos últimos anos a economia de Macau tem lucrado com as reformas verificadas na China e com a política dos “Vistos Individuais”. No entanto a taxa de câmbio entre o yuan e o HKD caiu recentemente de 1000 HKD = 830 Yuans, durante Agosto de 2015, para 1000 HKD = 883 Yuans. Quando as pessoas se apercebem que o dinheiro que possuem está constantemente a desvalorizar, quem é que tem vontade de o guardar?

O crescimento anormal do mercado imobiliário, a emissão descontrolada de dinheiro em papel e o aumento do crédito mal-parado, são fenómenos prejudiciais que, a manter-se, podem fazer com que a economia chinesa decaia à medida que a americana dispara.

Depois da 6ª Sessão Plenária do 18º Comité Central do Partido Comunista Chinês, o Presidente tem-se deslocado constantemente para tratar de assuntos de política interna e de crescimento financeiro. Em Hong Kong, o Chefe do Executivo movido pelo desejo de ser reeleito, utilizou a questão da “independência do território”, um conceito sem pernas para andar, para levar o Comité Permanente do Partido a interpretar a Lei Básica. Talvez, do seu ponto de vista, o Governo Central não esperasse que os tumultos fossem uma ameaça de mudança e quantas mais facções e desentendimentos houver em Hong Kong, mais hipóteses terá de ser reeleito. Já o Chefe do Executivo de Macau só quer que as coisas se mantenham o mais sossegadas possível até ao fim do seu mandato, e o resultado das eleições do próximo ano vai certamente assegurar que assim seja. No que respeita à eleição de 2019 para a chefia do governo, os candidatos que se vão apresentar serão aqueles que forem aprovados pelo Governo Central já que não há muitas opções no pequeno círculo político de Macau.

É possível que o Governo Central saiba mais sobre Hong Kong e Macau do que os seus habitantes. Se Leung Chun Ying for sensato retira-se de cena enquanto mantiver a boa forma. Em Macau, com o início do julgamento do antigo Procurador do Ministério Público – que, alegadamente, cometeu muitíssimos crimes -, espera-se que ainda saiam muitos coelhos da cartola. O que está para vir dos desenvolvimentos do “caso da permuta do terreno da Fábrica de Panchões Iec Long” pode funcionar como um detergente para desinfectar as nódoas da corrupção espalhadas por Macau. Oxalá possa lançar uma luz de esperança sobre as sombras que cobrem a cidade.

É certo que as Linhas de Acção Governativa para 2017 não trazem surpresas, mas é possível que grandes surpresas estejam à vista num futuro não muito distante.

25 Nov 2016

Interpretação da lei em Hong Kong. Distribuição de dinheiro em Macau

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] incidente que lançou o caos no Conselho Legislativo de Hong Kong, relacionado com a tomada de posse dos dois jovens deputados pró-independência, foi finalmente analisado através da interpretação da Lei Básica de Hong Kong, feita pelo Comité Permanente do Congresso Nacional Popular. Para além desta decisão ser definitiva, a interpretação erradicou de vez a possibilidade de ser aceite legalmente a defesa da independência do território. Está a tornar-se cada vez mais impraticável a prática política de “Um País, Dois sistemas” e as cisões sociais agravam-se. Mas terá sido necessário entregar a interpretação da Lei de Bases de Hong Kong ao Comité Permanente do Congresso Nacional Popular? O ex-Secretário da Justiça de Hong Kong, Elsie Leung, falou-nos sobre os motivos desta decisão, que passo a citar: o Governo Central queria evitar a ocorrência de acontecimentos fora do seu controlo e receava que o resultado da revisão judicial do Governo local, efectuada pelo Tribunal de Hong Kong, não estivesse à altura das suas expectativas. Desta forma, decidiu agir de forma inequívoca, controlando a situação através do uso do poder. Esta demonstração de força do sistema judicial de Hong Kong demonstra um desrespeito pelo estado de direito da região. Li Fei, Secretário-Geral Adjunto do Comité Permanente do Congresso Nacional Popular e Presidente do Comité da Lei Básica, chegou a criticar abertamente o desempenho de alguns legistas de Hong Kong durante uma conferência de imprensa.

Esta é a quinta vez que o Comité Permanente do Congresso Nacional Popular é chamado a interpretar a Lei Básica de Hong Kong e os danos causados repercutem-se no tempo. A ideia da “independência de Hong Kong” é dificilmente praticável e é um mero “slogan” esvaziado de sentido, usado por certas pessoas que querem conquistar apoios. É o reflexo do descontentamento de certos sectores da sociedade de Hong Kong com a actuação do Governo local, liderado por Leung Chun Ying. Estão ainda insatisfeitas com a impossibilidade de eleger directamente o Chefe do Executivo e de verem esse processo eleitoral estender-se a todos os lugares do Parlamento. O surgimento de um sentimento de “nostalgia pela administração colonial” é potenciado por certos enquadramentos sociais. Se estas situações sociais forem tratadas com cuidado, a ideia da “independência de Hong Kong” não criará raízes. No entanto, na cena política de Hong Kong existem indivíduos sedentos de espalhar a desordem e que “ateiam fogos” de olhos postos nos lucros políticos pessoais.

Como a interpretação da Lei Básica é já um facto consumado, resta-nos contar com o bom senso da população de Hong Kong para minimizar os danos causados. Em Macau, não vai ser necessário interpretar a Lei Básica porque a classe dominante tem tudo sob controlo. Mas, por detrás de um Macau híper estável e próspero, existe uma acumulação de problemas que um dia acabarão por se fazer sentir.

É difícil prever quando é que estes problemas passarão a ser uma ameaça. Mas se o Governo da RAEM no seu relatório financeiro anunciar o cancelamento do Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico do ano 2017, o caos será inevitável. No artigo publicado em 2009 “Asia Weekly” sobre o Plano de Comparticipação Pecuniária de Macau, salientava-se que com o rápido crescimento da economia macaense, a distribuição da riqueza evidenciava grandes desequilíbrios, ficando os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. O objectivo do Plano de Comparticipação Pecuniária é estabilizar a sociedade e ganhar a confiança da população. A distribuição anual de verbas, minimiza apenas superficialmente o descontentamento popular, que aliás pode explodir a qualquer momento, apesar das compensações. Na verdade, tudo isto representa uma mão cheia de problemas com os quais o próximo Chefe do Executivo de Macau terá de lidar.

No final do artigo era colocada uma questão aos leitores, “deverá o Governo da RAEM continuar a distribuir dinheiro à população?” A resposta é clara, “com certeza”. Sucessor de Edmund Ho, Chui Sai On integrou o Plano de Comparticipação Pecuniária nas Linhas de Acção Governativa anuais mal assumiu o cargo. E estabeleceu-se que a quantidade de dinheiro distribuído deveria aumentar. É impossível pôr de lado o Plano de Comparticipação Pecuniária porque os benefícios socio-económicos não podem ser distribuídos de forma razoável enquanto houver uma disparidade tão grande entre pobres e ricos. Além disso, o Governo da RAEM vai estar na berlinda enquanto os problemas da habitação e do trânsito continuarem a fazer as primeiras páginas dos jornais. Além de distribuir dinheiro para acalmar a população, o Governo pura e simplesmente não consegue encontrar outras formas de lidar com estas dificuldades. É ainda de salientar o crescimento do populismo e as exigências para que o Governo distribua estas verbas pela população. Se não for possível acalmar as pessoas com o Plano de Comparticipação Pecuniária podem prever-se grandes confusões sociais.

Embora Hong Kong e Macau partilhem o estatuto de Região Administrativa Especial da China, os seus assuntos internos diferem enormemente. Hong Kong está num turbilhão graças às controvérsias no desenvolvimento do seu processo constitucional, o qual desencadeou cisões sociais. Macau é abençoado pela paz e pela prosperidade e almeja a protecção social mais do que a democracia. Apesar das diferenças, ambas deverão seguir o mesmo rumo se a situação não se alterar. Ao cabo de 50 anos sobre o Regresso à Soberania Chinesa, as duas regiões serão absorvidas pela China tornando-se apenas mais duas das suas cidades.

Se estes desenvolvimentos são compatíveis com o espírito da Lei Básica é o assunto que deixo à consideração dos meus leitores.

11 Nov 2016

Balbúrdia no parlamento     

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]ias antes do tufão Haima ter varrido Hong Kong e Macau, as duas cidades emitiram, em diferentes alturas do dia, um alerta de sinal 8 porque ambas sofreram as mesmas condições climatéricas. Por outro lado, as reacções de dois dos políticos pró-independência no Conselho Legislativo de Hong Kong, e os insultos que proferiram, pouco têm a ver com o que se passa em Macau. Este caso deverá ficar resolvido quando o resultado das perícias judiciais for revelado a 3 de Novembro. Mas o descontentamento político da geração mais jovem e o seu desafio às autoridades não irá necessariamente diminuir. Neste aspecto, tanto Hong Kong como Macau irão enfrentar a mesma situação e vale a pena analisá-la.

Os residentes de Macau que seguem o desempenho dos deputados da Assembleia Legislativa, só precisam de assistir às transmissões televisivas em directo das sessões do plenário. A estrutura da Assembleia Legislativa de Macau é diferente da do Conselho Legislativo de Hong Kong.  O número de deputados indigitados e eleitos indirectamente, no seu conjunto, representa mais de metade dos assentos. Esta característica fez com que a política parlamentar de Macau se tenha tornado durante muito tempo “híper estável”. À primeira vista, a situação da legislatura de Macau parece ser completamente diferente da de Hong Kong, mas, de facto, a balbúrdia é a mesma. Uma híper estabilidade, sem disputas nem conflitos, não é sinónimo de verdadeira harmonia. Em Macau existem todos os tipos de conflitos sociais e os casos de corrupção sucedem-se dia após dia. Apesar da nova “Lei do Enquadramento Orçamental”, recentemente aprovada na generalidade, a Assembleia Legislativa não recebeu inicialmente um maior poder regulamentar efectivo sobre os seus conteúdos. No que respeita à revisão da “Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da RAEM”, também acredito que não promove o progresso gradual e ordeiro do sistema político de Macau. Quanto às eleições para a Assembleia em 2017, receio que os eleitores venham a ser comprados pelos diversos candidatos com pequenos favores. Este cenário preconiza a longo prazo mais malefícios em termos sociais.

O episódio da confusão e dos insultos no Conselho Legislativo de Hong Kong resume-se, numa primeira análise, à condenação de dois legisladores “fora do comum” que estavam prestes a tomar posse. Mas, de facto, representou um desafio ao estado de direito de Hong Kong. A partir do momento em que este valor fundamental é subestimado, o “politicamente correcto” passará a ser a estrela que tudo guia. Nesse caso, Hong Kong não ficará muito longe de uma ditadura autoritária. Além disso, a dilatação da importância deste episódio é uma jogada intencional por parte de quem lucra pessoalmente com o caos político. Na China, foi uma prática comum durante a Revolução Cultural.

Durante 2016, último ano da 5ª Assembleia Legislativa, os deputados eleitos directamente trabalharam de forma consistente para consolidar os seus próprios interesses. O jornal Observatório de Macau promoveu um seminário sobre as eleições para o Conselho Legislativo de Hong Kong em meados de Outubro. Um dos oradores, o Dr. Ricardo Reis da Camões Tam, fez uma análise preliminar das eleições de 2017 para a Assembleia Legislativa, afirmando que a proporção de deputados representativos dos diferentes sectores vai permanecer inalterada. Por aqui se vê a diferença para Hong Kong, que viu emergir grupos a favor da independência.

O resultado previsível das eleições pode ficar-se a dever à imaturidade política e à apatia de longa data da sociedade macaense. Se os jovens que vão votar pela primeira vez não o fizerem de forma sensata, é muito provável que as previsões do Dr. Ricardo Reis de Camões Tam se tornem realidade. Os distúrbios no Conselho Legislativo de Hong Kong nunca se repetirão em Macau.

Um parlamento que não conhece a controvérsia, torna-se no Senado da antiga Pompeia… depois do vulcão!

28 Out 2016

Visita a Macau

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Chefe do Conselho de Estado, Li Keqiang, esteve esta semana de visita a Macau para participar na cerimónia inaugural da 5ª Conferência Ministerial do Fórum de Macau. Apesar da visita ter durado apenas três dias, a cidade foi muito agitada pela sua presença. Todos os locais onde se deslocou foram, literalmente, invadidos por multidões. Mas na realidade estas massas de gente eram “multidões organizadas”. Os veículos foram impedidos de estacionar e circular para deixar as ruas livres. Até o Túnel do Monte da Guia ficou silencioso.
Na ópera tradicional chinesa, encontramos histórias sobre imperadores e comissários imperiais que se disfarçavam de pessoas comuns para viajar de forma incógnita pelo País e investigar casos de corrupção entre os altos funcionários. Quando estes altos funcionários eram presos, a audiência aplaudia alegremente por ser esse o seu maior desejo, ou seja, ver os vilões serem apanhados e punidos. No entanto, estes funcionários corruptos nunca são apanhados nem presos na vida real. Encontram-se sempre em posições de liderança e experienciam um sentimento de superioridade, uma herança que lhes ficou da classe burocrática da China feudal. Ninguém tem coragem suficiente para se libertar das regras subentendidas da burocracia, nem mesmo na China continental, que é, como todos sabemos, um País que se pretende socialista. Contas feitas, apenas uma meia dúzia se atreve. Hu Yaobang, foi um deles, mas acabou por ter de se demitir do cargo de Secretário Geral do Partido Comunista.
No artigo “Lembrar o Regresso de Yaobang à cidade de Xingyi”, escrito por Wen Jiabao, antigo Chefe do Conselho de Estado, este relata-nos as palavras sentidas que Hu Yaobang um dia lhe dirigiu, “Encarrego-te de uma missão, Jiabao. Mais logo, vais levar contigo alguns camaradas e irão visitar aldeias da periferia para investigarem o que por lá se passa. Mas, não te esqueças, nunca informes os funcionários locais da tua ida”; “os quadros com posições de liderança devem visitar pessoalmente as bases da sociedade para investigar e recolher informações. Devem tentar compreender o sofrimento das massas, ouvir a sua voz e recolher matéria de interesse em primeira mão. Para quem está em posições de chefia, não existe maior perigo do que o divórcio da realidade”. Continuando no artigo, podemos ainda ler, “estas palavras sentidas e cheias de significado do Camarada Hu Yaobang têm ecoado no meu espírito ao longo dos anos”. No entanto, quando Wen Jiabao visitou Macau, há muitos anos atrás, o traçado do seu itinerário esteve muito aquém do que era reclamado por Yaobang.
À medida que a data da visita de Li Keqiang se foi aproximando, os pontos de entrada em Macau, quer terrestres quer marítimos, passaram a estar fortemente vigiados para prevenir toda e qualquer ameaça. A 5 de Outubro, um ex-activista de Hong Kong, actualmente realizador independente, quando estava a sair do ferry foi impedido de entrar em Macau, onde se dirigia para participar num workshop sobre produção de video-clips. As autoridades macaenses invocaram o Artigo 17 da Lei de Bases da Segurança Interna da Região Administrativa Especial de Macau, onde se pode ler, “constituam ameaça para a estabilidade da segurança interna” para proibir a sua entrada. Foi informado de que, se quisesse vir a Macau teria de voltar “depois de 13 de Outubro”. A visita de Li Keqiang deixou a administração de Macau “à beira de um ataque de nervos”. Num ambiente tão controlado, o que é que Li Keqiang pode realmente ver e ouvir?
Em Macau, existem muitos sítios dignos de ser visitados, nomeadamente o Terminal Marítimo de Pac On, o Sistema de Metro Ligeiro em Taipa, o Mercado Provisório do Patane, o Complexo Municipal de Serviços Comunitários da Praia do Manduco e a Fábrica de Panchões Iec Long. No entanto, nenhum destes locais estava incluído no itinerário de Li Keqiang. Os encontros do Chefe do Conselho de Estado foram também sujeitos a apertado controle, fossem eles com representantes dos diferentes sectores sociais, ou com cidadãos comuns. Alguns órgãos da imprensa independente pediram autorização para cobrir de perto esta visita. Mas as zelosas autoridades governamentais alegaram que “a quota de coberturas já está atribuída” e rejeitaram o pedido.
Se Li Keqiang quiser realmente saber como vivem as gentes de Macau, deve considerar seguir o exemplo dos comissários da antiga China, que se disfarçavam de gente vulgar e se misturavam com o povo para ficarem a conhecer o seu modo de vida. É difícil saber se tem vontade, ou suficiente coragem, para o fazer!

14 Out 2016

Viagem ao Ocidente (Parte 2)

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uando regressei da peregrinação a Portugal, Espanha e França o meu trabalho sofreu alterações e Hong Kong estava ao rubro com a campanha eleitoral para o Conselho Legislativo. Nestas eleições, o lado que se opõe ao regime obteve dois terços dos assentos no Conselho e manteve o poder de veto nas votações sectorizadas. Em consequência desta votação, passou a haver mais lugares no Conselho Legislativo. Nestas eleições, os cidadãos de Hong Kong deram uma resposta clara às políticas de C.K. Leung, – governar através da acção – ao mesmo tempo que enviaram uma mensagem explícita ao Governo Central, ou seja, pedir a substituição do Chefe do Executivo e dar início à reforma constitucional. O Governo Central tem de confiar nos habitantes de Hong Kong e estes têm de confiar no Governo Central, de forma a evitar um agravamento das relações entre a China e Hong Kong.
Vivi a peregrinação a Fátima, Santiago e Lourdes como uma formação espiritual, nesta que foi uma viagem comemorativa do ano do “Jubileu da Misericórdia”, numa iniciativa da Diocese de Macau. A paz do Santuário de Fátima deu-me uma sensação de regresso a casa, em contraste com o ambiente frenético e barulhento que se vive na nossa cidade. De alguma forma fez-me regressar à Macau dos anos 60 e 70, como se tivesse recuperado algo há muito perdido, sentimento que não há dinheiro que compre. Infelizmente, Macau foi trocando aos poucos a sua paz e tranquilidade por dinheiro fácil.
Comparada com a jornada de 20 dias, ao longo de 800 Km, a viagem de três dias, e apenas 80, pelos Caminhos de Santiago, em Espanha, não foi nada por aí além. Mas, para os macaenses, que sempre têm vivido como ilhéus, esta viagem de três dias representou uma experiência inolvidável. Sob os cuidados do Padre Manuel Machado, a viagem decorreu sem sobressaltos, permitindo-nos experienciar o milagre da comunhão entre o Homem e a Natureza e redescobrir a pureza da fé ao percorrer os trilhos há muito calcorreados pelos antigos peregrinos. Ao fim da tarde, sentado perto da Catedral de Santiago, à espera do pôr do Sol, compreendi como podemos ser livres e senhores de nós próprios. Nesta altura, na Europa, os dias são mais longos e só jantámos por volta das 21h, numa cafetaria/snack-bar de uma estação de serviço. Tudo isto me fez lembrar do que havia antigamente em Macau e que agora não passa de uma recordação.
O ambiente que se vive em Lourdes, é muito diferente do que se vive em Fátima, embora os dois locais sejam Santuários construídos para celebrar as aparições de Nossa Senhora. Lourdes encontra-se num circuito muito turístico e recebe inúmeros crentes em busca de cura para os seus males. Os voluntários recebem os peregrinos, reúnem-nos e preparam-nos para as cerimónias rituais. Embora houvesse uma fonte inesgotável de água santa, era preciso esperar numa fila três horas para poder mergulhar no liquido sagrado. Apesar da grande concentração de pessoas na gruta da Nossa Senhora de Lourdes, as acções praticadas e toda a serenidade envolvente permitiam que nos encontrássemos connosco próprios.
A peregrinação de 20 dias chegou ao fim. Antes de viajar, estava preocupado com problemas de segurança que pudessem vir a ocorrer. Mas, depois do que vi, ouvi e experienciei, percebi que estava preocupado sem razão. Todas as pessoas que conheci eram amáveis e generosas. Apenas com três saudações, “Bom Dia, Hola Hola e Bonjour”, consegui conquistar a simpatia dos locais. Uma boa atitude e um comportamento apropriado, são as chaves para ganhar o respeito e a amizade dos outros.
Quando regressei a Macau, esperavam-me alterações no trabalho e na minha vida pessoal. Os resultados da eleição para o Conselho Legislativo de Hong Kong, que teve lugar este mês, exprimem uma transição de poder da antiga para a nova geração. Em Macau, as eleições para a Assembleia Legislativa acontecerão em Setembro de 2017, mas isso é um assunto que discutiremos mais tarde.

23 Set 2016