Juntos para os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim. Juntos por um futuro compartilhado

No seu discurso de ano novo de 2022, o Presidente Xi Jinping enfatizou que “Não pouparemos esforços para apresentar excelentes Olimpíadas ao mundo. O mundo está voltando os olhos para a China, e a China está pronta. ”A cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim 2022 será revelada no dia 4 de Fevereiro, o dia do “Início da Primavera” no calendário lunar chinês, indicando que os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim 2022 irão penetrar no Inverno frio da pandemia de COVID-19 que envolve o mundo e, iluminarão um futuro brilhante para a humanidade com o espírito olímpico deixar brilhar.

Os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim apresentarão ao mundo uma gala simples, segura e maravilhosa. A China compromete-se a sediar uma Olimpíada “simples, segura e maravilhosa” com uma abordagem “verde, inclusiva, aberta e honesta”, estabelecendo um novo padrão para os Jogos Olímpicos. A China realiza preparativos gerais de maneira suave e ordenada contra a pandemia que tem estado a expandir-se pelo mundo. Entretanto, a China tira proveito do legado dos Jogos Olímpicos de Verão de Pequim 2008, modernizando vários locais desportivos para “Estádios Olímpicos Duplos”. Pela primeira vez na história das Olimpíadas, todos os estádios dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim serão sustentados de maneira totalmente verde. Tendo publicado duas versões de livro de instruções sobre contramedidas COVID-19 e aderido ao gerenciamento preciso e de circuito fechado da epidemia, a China coloca a saúde e a segurança dos participantes em primeiro lugar. Os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim serão realizados conforme programado, demonstrando o espírito chinês de cumprimento de promessas, autoconfiança e abertura.

Os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim envolveram mais de 300 milhões chineses em desportos de Inverno e, assim promoveram efectivamente a cultura olímpica e os intercâmbios e aprendizado mútuo entre as civilizações.

Nos últimos 6 anos , desde que Pequim ganhou a licitação para sediar esta Olimpíadas de Inverno, os desportes de Inverno na China têm continuado a aquecer nas regiões do sul, oeste e leste, dando forte impulso à China, com o objectivo de construir uma nação de potência desportiva e saudável, expandindo notavelmente o mercado global de desportos de inverno. A China, aproveitando os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim como uma oportunidade, adopta novas práticas para melhorar o ambiente ecológico, constrói novos modelos para o desenvolvimento de regiões e cidades e cria um novo ambiente para o progresso do ser humano e da sociedade. Os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim coincidirão com o Ano Novo chinês. A China mostrará ao mundo uma civilização oriental antiga enquanto vigorosa, uma moral de grande país de abertura e inclusão, e reunirá a vontade e a força para construir conjuntamente um futuro compartilhado.

Os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim têm conquistado amplo apoio da comunidade internacional. Politizar os desportos e interromper os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim não será suportado. Actualmente, as grandes mudanças do mundo sem precedentes no último século e a pandemia ocorrem combinadas, o apelo ao fortalecimento da solidariedade e cooperação para enfrentar desafios comuns está se tornando mais forte do que nunca. O slogan dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, “Juntos por um futuro compartilhado”, está alinhado com o lema olímpico “Mais rápido, mais alto, mais forte, juntos”, a tendência dos tempos de paz, desenvolvimento e cooperação, bem como as expectativas do mundo. A 76.ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou por consenso a resolução sobre a Trégua Olímpica para os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, co-patrocinada por 173 estados membros. A 10ª Cimeira Olímpica, realizada pelo COI, declarou o apelo da comunidade desportiva internacional para apoiar os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim e opor-se à politização dos desportos.

Mecanismos multilaterais, incluindo o G20, Fórum de Cooperação China-África, Fórum China-CELAC e Organização para Cooperação de Xangai, juntamente com a maioria dos países,expressaram firme apoio aos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, reflectindo plenamente a justiça e a aspiração da comunidade internacional. É de destacar, que mesmo a imprensa dos EUA admite, que a posição dos EUA sobre os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim foi seguida por somente 9 países, incluindo Reino Unido, Canadá, Austrália e Lituânia etc., demonstrando o fracasso do governo dos EUA em politizar o evento.

O desporto é a linguagem comum da humanidade que transcende as fronteiras e civilizações nacionais. O espírito olímpico é o melhor retrato do progresso contínuo e da autotranscendência da humanidade. Os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim vão injectar um forte impulso na reparação das feridas da epidemia, aumentando a confiança no desenvolvimento, consolidando a solidariedade e a amizade no mundo e promovendo a construção de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade. Vamos dar as mãos com toda a confiança e trabalhar juntos por um futuro compartilhado!

Por Liu Xianfa, Comissário do Ministério dos Negócios Estrangeiros da RPC na RAEM

24 Jan 2022

De 2012 a 2022

Penso que toda a gente ouviu dizer que certo profeta terá afirmado que o mundo ia acabar em 2012. Durante o Inverno de 2012, viajei até Xangai e Hangzhou, na China. Apesar do frio, o lago Ocidental de Hangzhou estava repleto de turistas. O mundo não acabou em 2012 e a receita bruta de Macau sobre o jogo excedeu as 300 000 000 000 patacas. Hong Kong e Macau prosperavam e nas duas cidades as pessoas viviam em paz.

Nenhum profeta previu o fim do mundo em 2022. No entanto, Abhigya Anand, uma criança astróloga indiana, fez as seguintes previsões para o corrente ano:  a indústria imobiliária vai ser afectada, as relações entre a China e a Índia vão estar tensas, vão existir rupturas nas cadeias de abastecimento e vão ocorrer inundações devastadoras. O profeta francês Nostradamus previu que haveria oito desastres significativos em 2022, mas nenhuma menção ao fim do mundo. No entanto, 2022 vai ser definitivamente um ano muito mais conturbado do que foi 2012.

Quanto a Macau, em 2021 a receita bruta dos jogos de fortuna atingiu os 86,8 mil milhões de patacas, bastante abaixo da previsão de 130 mil milhões de patacas feita pelo Governo, valor que equilibraria as despesas do Executivo.

A rápida propagação da variante Ómicron deu origem em todo o mundo à quinta vaga de surtos de Covid-19. O fim da quarentena para quem viaja entre Hong Kong e Macau não está à vista e se a pandemia se agravar, Macau pode entrar a qualquer momento em confinamento em relação à China continental. A previsão do fim do mundo é aterradora, mas incomparável aos impactos devastadores da Covid-19 na sociedade e na vida das pessoas.

Alguns especialistas acreditam que a pandemia de Covid-19 irá continuar em 2023. E durante mais quanto tempo vão os residentes de Macau aguentar a retracção da economia?

Não sou profeta, mas quando observamos as mudanças que ocorreram em Hong Kong e em Macau ao longo destes dez anos, salta à vista que a atmosfera social já não é tão pacífica como costumava ser. Sob o princípio orientador “Hong Kong governado por patriotas” e “Macau governado por patriotas”, os agentes políticos das duas RAEs são “uniformemente” aprovados enquanto patriotas. Na ausência de oposição e de dissidência, o comboio da administração conduzido pelo Chefe do Executivo corre suave e eficientemente. No entanto, se o comboio não tiver travões, vai descarrilar mais cedo ou mais tarde. Além disso, os relatórios recentemente publicados pelo Comissariado contra a Corrupção e o Comissariado da Auditoria de Macau fizeram soar o alarme de negligência por parte do Governo da RAE. Os quatro sectores industriais para a promoção da diversificação adequada da economia de Macau, a ser realizada na Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau, em Hengqin, estão ainda numa fase inicial de desenvolvimento. Contudo, é uma realidade que os residentes de Macau que compraram apartamentos em Hengqin se vêem impedidos de se instalar nas suas propriedades porque os seus direitos e interesses legítimos na aquisição de imóveis sitos em Distrito de Hengqin não foram protegidos. Mesmo o Conselho de Consumidores de Macau é incapaz de fazer o que quer que seja em relação a esta situação. Assim sendo, como é que a população de Macau pode ter a confiança necessária para investir e participar no desenvolvimento dos quatro sectores industriais in Zona de Cooperação Aprofundada?

Politicamente falando, podem ser usados muitos meios para atingir uma oposição nula. Mas isso não significa que a administração do Governo venha a ser altamente proficiente, na medida em que não existe oposição nem monitorização do Quarto Poder. Assemelha-se à situação de uma pessoa a quem faltam glóbulos brancos, que corre um risco maior de morte. Quanto à segurança nacional, é preciso lembrar que as maiores crises de poder na História foram causadas pelos fracos desempenhos das equipas governativas, como foi o caso das Dinastias Ming e Qing e durante o período da República da China. Assim, governantes que aceitam e conjugam os diversos elementos e que caminham de mãos dadas com o povo são a melhor garantia de segurança nacional e regional.

Em 2022, sob o impacto da quinta vaga desta pandemia, vai ser difícil assistir à recuperação da economia. Politicamente, existe apenas “uma voz”, por isso não se espera grande agitação na governação. Existe um provérbio chinês que nos diz, “da maior das desgraças nasce a felicidade”, que significa que quando a situação já não pode piorar, muda para melhor. Posto isto, desde que consigamos encontrar uma forma de sobreviver em 2022, já nos podemos considerar bem-sucedidos. E se conseguirmos permanecer fiéis aos nossos ideais, seremos vencedores. Quanto às outras questões, Deus lá saberá como lidar com elas.

21 Jan 2022

Aumento das propinas

A semana passada, alguns jornais anunciaram que as propinas das Universidades de Macau iam aumentar. Porque as propinas vão sofrer um aumento acentuado, alguns deputados da Assembleia Legislativa propuseram que a questão fosse debatida no Plenário. Subsequentemente, o Governo de Macau emitiu um comunicado, assinalando que tinham sido tomadas várias medidas para reduzir este aumento. Este incidente atraiu a atenção de diversos sectores da sociedade.

A fórmula de cálculo das propinas universitárias e o seu justo valor são questões complicadas. É impossível afirmar após uma análise primária se o valor de 30.000 ou 40.000 patacas anuais é excessivo, adequado ou baixo. O rendimento per capita em Macau é de cerca de 20.000 patacas mensais, pelo que 30.000 patacas representam um mês e meio de salário e 40.000 patacas equivalem a dois. Que impacto é que o pagamento deste valor tem na vida das pessoas? Como é que vai afectar o orçamento familiar? Vale a pena pensar sobre o assunto.

A partir das notícias publicadas nos órgãos de comunicação social, não é difícil perceber que se compararmos o valor das propinas entre cursos semelhantes em Hong Kong e em Macau veremos que em Macau os custos são inferiores. Um dos factores mais importantes para calcular o valor das propinas é o custo de manutenção das Universidades.

Como é sabido, o custo de vida em Hong Kong é muito elevado, e como tal não é surpreendente que os custos de manutenção de uma Universidade em Hong Kong sejam elevados. As Universidades são subsidiadas pelo Governo.

Os fundos governamentais são provenientes dos impostos pagos pela população. As receitas do Governo de Hong Kong estão sobretudo dependentes dos impostos pagos sobre a venda de terrenos e sobre as actividades industrial e comercial. Não existem muitas fontes de rendimento e as receitas provenientes dos impostos têm sido menores, o que levou o Governo de Hong Kong a adoptar a política de “Recuperação de Custos”. Associa-se a esta situação o facto de já há muito tempo Hong Kong ter uma baixa taxa de natalidade, tendo passado de 130.000 finalistas do secundário por ano, na década de 80, para cerca de 50.000 na actualidade. No entanto, enquanto nessa altura havia duas Universidades hoje em dia existem treze. Com uma limitação dos subsídios que recebem do Governo e uma acentuada redução do número de alunos, como é que é possível que as Universidades de Hong Kong continuarem a funcionar sem aumentem o valor das propinas?

A situação financeira do Governo de Macau é completamente diferente da do Governo de Hong Kong. Antes da pandemia, o Governo de Macau tinha receitas muito elevadas provenientes dos impostos sobre a indústria do jogo.

Estas receitas faziam de Macau uma cidade próspera. Os habitantes de Macau nunca se preocupavam com falta de dinheiro. Mas já passaram mais de dois anos sobre o início da pandemia e as receitas do Governo de Macau foram fortemente afectadas, o que veio dar origem a um déficit fiscal. Há pouco tempo, a Pfizer anunciou que a epidemia vai terminar em 2024. O relatório 19/123 do Fundo Monetário Internacional assinala que em 2025 a situação económica de Macau irá regressar à normalidade. Os sólidos alicerces financeiros e estas boas notícias enchem de confiança os residentes da cidade, que compreendem que a epidemia é apenas uma dificuldade que será ultrapassada a curto prazo. Desde que todos trabalhem em conjunto para vencer as dificuldades, o dia de amanhã só poderá vir a ser melhor.

Como é que as Universidades podem conseguir mais recursos financeiros para apoiarem o seu funcionamento e o seu desenvolvimento? Para reduzir a propagação do vírus, tem de haver redução de contactos sociais. Na altura mais complicada da epidemia, não existiam aulas presenciais, apenas online. Será que a sociedade aceita uma emenda à lei que permita que as Universidades explorem a possibilidade de oferecerem formação superior online? Se os alunos estrangeiros estudarem online, o vírus não viaja até Macau. Ao mesmo tempo, o número de estudantes pode aumentar, bem como o rendimento das Universidades e a sua situação financeira vai naturalmente melhorar.

Durante a epidemia, os trabalhadores têm estado preocupados com os empregos, as empresas com os seus negócios, o Governo com a manutenção do estilo de vida da população, com a situação pandémica e com as receitas dos impostos. Nestas circunstâncias, o aumento de qualquer tipo de contribuição representa uma decisão difícil. Mesmo que não houvesse epidemia, haveria sempre algumas pessoas que se queixariam dos aumentos das propinas. Numa situação em que as pessoas lidam com dificuldades económicas, é possível que haja muita oposição a esta decisão.

“Aumentar as fontes de rendimento e reduzir as despesas” é um princípio importante da gestão financeira. A “Redução de Despesas” vai afectar os accionistas, por isso o aumento das fontes de rendimento é sempre preferível. A solução reside em encontrar uma forma adequada de aumentar as fontes de rendimento de forma a que todos possam ser felizes e virem a ter um sorriso no rosto outra vez.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk 

18 Jan 2022

Olhe, não falaram de nós!

Os leitores imaginem a maioria dos pavilhões desportivos em Portugal. A sua lotação não dá para quatro mil espectadores. Quatro mil pessoas é muita gente. Por vezes, na televisão vemos manifestações de 500 protestantes e parece que estão presentes mil ou dois mil. Nós estávamos a falar com um jovem de 30 anos que veio a Portugal passar as férias de Natal e Ano Novo. Jovem enfermeiro que emigrou para os Países Baixos (Holanda) e assistimos juntos ao debate entre António Costa e Rui Rio, a maior audiência televisiva da semana. E no final, oiço o enfermeiro exclamar: “Olhe, não falaram nada de nós! Nós somos quatro mil enfermeiros que fomos embora nestes dois anos de pandemia”.

Quatro mil enfermeiros que Portugal perdeu? Isto é escandaloso, arrepiante e desolador. Emigraram por várias razões. O jovem enfermeiro disse-nos que a maioria tinha um salário de miséria em Portugal e não recebia as horas extraordinárias que a covid-19 provocava. Que ele próprio chegou a estar de serviço no Hospital de São João, no Porto, 24 horas interrompendo o serviço de enfermagem apenas para comer umas sandes. Não tinha contrato de trabalho e quando pressionou a gestão hospitalar disseram-lhe que tinha de aguardar por algum tempo. Resolveu logo ir-se embora.

Tinha um colega em Amesterdão e pegou na mala, beijou os pais e a irmã e foi ganhar três vezes mais, com casa e telemóvel gratuitos e ainda um subsídio para os transportes e alimentação. As horas extras são pagas a dobrar aos sábados, domingos e feriados. Obviamente, que a vida nos Países Baixos é mais cara, talvez por isso o nosso enfermeiro se sente feliz porque o contrato de trabalho inclui a residência gratuita. Na verdade, o debate da semana entre o socialista e o social-democrata estiveram mais de uma hora a falar de tudo menos da desgraça que vai pelo interior dos nossos hospitais. Um milhão de portugueses não tem médico de família e num centro de saúde chega-se a encontrar apenas dois enfermeiros.

O debate político foi uma caça ao voto, os dois políticos querem a cadeira de São Bento e apenas se preocuparam com o que muito pouco interessa ao povo. O desplante foi tão grande que António Costa até arranjou a desculpa de o Orçamento do Estado ter sido reprovado para não “oferecer” os prometidos miseráveis 10 euros aos pensionistas e Rui Rio afirmou que vai baixar os impostos quando todos os portugueses sabem que ainda vão pagar mais taxas no futuro.

Nada disseram da ferida enorme de quatro mil enfermeiros terem emigrado e de as nossas instituições hospitalares terem ficado numa aflição em matéria de recursos humanos. Quatro mil enfermeiros que decidiram ir embora dá muito que falar. Toda a gente pergunta porque é que o Governo não se decide pelo aumento de salários aos enfermeiros e ao pagamento imediato das horas extraordinárias. Os enfermeiros tiram um curso, estagiam e praticam a profissão para depois deixarem o que gostam de fazer no seu país, deixam os pais e irmãos, deixam os namorados e namoradas e alguns nunca mais pensam em casar porque terminam a ligação amorosa. Menos natalidade é um facto real que tem a ver com este problema.

São jovens enfermeiros que sonharam namorar, casar e ter filhos. Trabalharem no seu Portugal para bem de todos os que têm a fatalidade de entrar para um hospital. O debate político entre António Costa e Rui Rio foi uma desilusão, onde se preocupava Rio se Costa se ia embora se perdesse e Costa indagou o opositor como é que formava governo se ganhasse as eleições. Os problemas reais que estão a transitar o nosso país para um dos mais pobres da Europa, que observamos uma classe média a desaparecer, pois, amanhã só teremos ricos e pobres.

Os nossos enfermeiros têm emigrado essencialmente para o Reino Unido, Suíça, Espanha, Países Baixos e Emirados Árabes Unidos. É onde vivem como gente e ainda conseguem ajudar a família que reside em Portugal. Só no último ano (2021), o número total de enfermeiros que manifestaram intenção de emigrar corresponde a cerca de um terço dos novos enfermeiros formados anualmente pelas escolas portuguesas.

Assim, enquanto até Junho (de 2021) tinha havido 277 pedidos de emissão de declarações para emigrar, entre Junho e Dezembro esse número ascendeu a 636. E a emigração de enfermeiros não para, nem sequer reduz o número dos que se vão embora. E as nossas autoridades não sabem do que se está a passar? Não ouviram um dirigente da Ordem dos Enfermeiros dizer que está em perigo o funcionamento dos nossos hospitais por falta de enfermeiros? O assunto é grave e este tipo de emigração nada tem a ver com o do pedreiro ou dos motoristas. Estamos perante uma especialidade que trata da nossa saúde e que não podemos viver sem a sua presença nos nossos hospitais. No debate televisivo da semana entre Costa e Rio, naturalmente, que o tema deveria ter vindo a lume e cada um dos intervenientes tinha que se ter pronunciado o que faria para evitar a emigração de enfermeiros, caso subissem ao cargo de primeiro-ministro após o dia 30 deste mês.

*Texto escrito com a antiga grafia

17 Jan 2022

Turismo em comum e democracias participativas

No turismo, o que é especial é comum: os motivos e recursos que atraem turistas a um determinado destino ultrapassam em larga medida a esfera dos serviços turísticos e até a das transações de procura e oferta inerentes às actividades económicas de agentes privados – ou mesmo públicos. Ainda que certamente existam, muito raros serão os casos de viajantes que se deslocam a determinando sítio motivados pela excelência dos serviços de transporte (por muito magníficas condições que se ofereçam em comboios, autocarros ou aviões, também se pode desfrutar dessas comodidades para viajar até outros destinos). Também é raro que se escolha um destino de viagem porque se pode usufruir de determinada unidade hoteleira, até porque hoje há uma oferta altamente diversificada e relativamente sofisticada de serviços de alojamento onde quer que nos desloquemos.

São outras as razões que normalmente nos motivam a ir aos sítios. Excluindo razões pessoais ou profissionais de viagem – em que não há exactamente a livre escolha de um destino mas a necessidade de visitar um sítio predefinido – são razões e motivos profundamente enraizados e partilhados por comunidades locais que nos atraem enquanto turistas. Podem ser características ecológicas e paisagísticas (as praias, as montanhas, os lagos, os parques naturais, a geologia, a fauna, etc.) e as diferentes actividades possíveis nesses lugares (educativas, desportivas, entretenimento, relaxamento). Podem ser aspectos culturais, mais relacionados com elementos materiais (monumentos, museus, arquitectura de edifícios e espaços públicos, artesanatos locais) ou imateriais (modos de vida, eventos, tradições, música ou outras artes performativas, culinária, formas de vestir). Pode ser mais simplesmente o prazer ou à vontade com que se circula em ruas limpas, ambientes despoluídos ou comunidades acolhedoras e seguras.

Quaisquer que sejam estas razões, estamos invariavelmente no domínio do comum, dos recursos comunitários, cuja utilização – ou até produção – resulta de acção colectiva, sem proprietários. Frequentemente são flexíveis as estruturas hierárquicas que regulam a sua utilização – quando as existem: são recursos de todos e não são de ninguém e qualquer pessoa pode deles usufruir. E no entanto, a apropriação dos benefícios resultantes da sua utilização turística está longe de ser comunitária: não só traduz um processo profundamente injusto de privatização, como acaba por beneficiar um número muito limitado de entidades, que em última análise vive da extração de recursos que são de todos – e que lá permanecem, para continuarem a ser extraídos. No caso do turismo, são as empresas de transporte e alojamento quem mais beneficia destes recursos comunitários, frequentemente absorvendo mais de 70 ou 80 por cento dos gastos de quem viaja, e oferecendo um contributo mínimo (ou nulo) para a sua produção, preservação ou valorização.

Estes motivos mais do que justificam o envolvimento das comunidades em processos de planeamento do desenvolvimento turístico. E justificam também que o seu poder de influência seja equiparado (pelo menos) ao do poder das empresas que operam no local – e que normalmente rejeitam essa condição de igualdade reivindicando o mérito da criação de empregos – e negligenciando, quer o facto de viverem da exploração de mercados criados a partir dos recursos comuns a quem vive naquele local, quer o reconhecimento de que a actividade turística também gera problemas económicos, sociais, culturais e ambientais a quem vive em zonas de destino massificado. Barcelona é um desses casos, cidade de bom clima e boa comida, com uma notável dinâmica cultural, incluindo patrimónios antigos e artes contemporâneas, praia e boa vida nocturna, futebol de alto gabarito e notável arquitectura urbana, tudo ligado por muito razoável e acessível rede de transportes públicos.

A massificação turística que se foi construindo sobretudo a partir dos Jogos Olímpicos de 1992 foi criando sucessivos problemas de ocupação do espaço, homogeneização cultural e gentrificação, que foram transformando o centro da cidade em lugar de entretenimento para turistas, em vez de local de encontro de residentes. Os problemas tornaram-se mais evidentes e os conflitos mais acesos quando a crise financeira de 2007-2009 começou a gerar outras vítimas, as do desemprego conjugado com a usura dos mercados de habitação, os novos desalojados nas suas próprias cidades de residência, que foram perdendo as suas casas, cada mais integradas na dinâmica do turismo através de alugueres de curta duração suportados por plataformas digitais alegadamente “colaborativas” – mas que na realidade constituem poderosos instrumentos para maximizar novas formas de exploração de recursos, territórios e pessoas.

Estes conflitos abririam caminho a uma recomposição política sem precedentes na cidade, conduzindo ao poder autárquico novas forças que viriam a atribuir novas centralidades aos conceitos de “comum”, comunidade ou participação nas instituições. Isto também se aplicaria ao turismo, com a criação de um órgão consultivo da câmara municipal – o Conselho de Turismo – onde têm assento, com um delicado equilíbrio numérico, associações empresariais directa e indirectamente ligadas ao turismo, associações de residentes de cada bairro, peritos diversos e organizações não-governamentais com conhecida relevância local, enfim, os protagonistas do turismo, quer enquanto prestadores dos serviços necessários, co-habitantes de um espaço super-ocupado, ou vítimas de uma massificação predatória do território.

Tive oportunidade recente de estudar o assunto, com um colega catalão e outro holandês, com base num conjunto de entrevistas feitas em Barcelona quando a pandemia ainda o permitia. Ficámos a saber do potencial deste tipo de organismo para promover e reforçar laços colaborativos entre agentes com agentes e motivações diferentes e até contraditórios. Mas também constatámos as dificuldades para se gerar alguma forma de consenso sobre as matérias mais complexas, sobre as quais a divergência de posicionamentos – e de potenciais benefícios, já agora – são mais profundas e expostas. O tempo não resolve essas divergências, antes pelo contrário: participar exige tempo, discussões longas e acesas, paciência para frequentemente se chegar a becos sem saídas colectivas. Sobra apenas a expressão dos diferentes interesses que marcam as tensões e conflitos sociais da cidade e já não é pouco, dizem-nos: aprender com lentidão novas formas de colaborar e fazer em conjunto, ao mesmo tempo que se oferece uma fotografia instantânea de quem apoia ou rejeita cada proposta, quem beneficia ou fica prejudicado com cada iniciativa, já são contributos preciosos para haver melhores e mais informadas políticas locais. Para os interessados, o trabalho está publicado na revista académica “Urban Research & Practice”.

14 Jan 2022

Resoluções Sexuais 2022

O Ano Novo de 2022 pede resoluções sexuais. Inspirada nas propostas de muitos investigadores e terapeutas sexuais para o ano de 2022, sistematizei aqui alguns dos desafios que as pessoas poderão abraçar para uma sexualidade feliz e saudável no novo ano.

Descobre o que te dá prazer. Esta é uma dica útil para dois tipos de cenários. Primeiro, para os que não têm prática de masturbação para perceber que tipo de caricias e intensidades são prazerosas. Para os que erradamente julgam que a masturbação é algum motivo de vergonha, é importante reiterar que é um importante veículo para a auto-descoberta.

Outras vantagens já foram descritas na literatura, como ajudar a dormir, aliviar o stress e até fortalecer o sistema imunitário. Segundo, há quem até saiba o que lhe dá prazer e, ainda assim, pode aumentar o repertório de experiências e técnicas. As pessoas e as relações estão sempre a mudar, e estar disponível para (re-)explorar novas experiências sensoriais é um dos segredos para uma vida sexual satisfatória a longo-prazo. Não há limites para esta descoberta. Os brinquedos sexuais são ferramentas que podem otimizar esta exploração. Em breve farei um guia de como comprar brinquedos sexuais: que são muito diversos e para muitas carteiras e objectivos.

Descobre que o sexo é muito mais do que a penetração. Se se começar a interiorizar que o sexo tem muitas formas e práticas, só há vantagens em abraçar esta diversidade. Assim é possível acomodar vários apetites e vontades sexuais em vários momentos das nossas vidas. Há alturas em que pode apetecer umas coisas, em vez de outras. Existem muitas formas de ligação e intimidade que até podem não envolver o toque nos genitais. Só a oportunidade de sentir a pele dos outros, com intenção e consciência, pode ser uma experiência sexual muito gratificante.

Aprende a comunicar o que te dá prazer. Esta dica é muito cliché, mas difícil de ser concretizada. A comunicação tem muito que se lhe diga, principalmente sobre temas sexuais. A investigação é clara que comunicar sobre as fantasias com as parceiras e parceiros está associado com maior prazer sexual e com maior qualidade da relação. Mas também se sabe que é preciso alguns cuidados na comunicação. Comunicar não é atirar as frustrações sexuais para o outro.

Uma boa dica é de que estas conversas devem acontecer fora da cama. Também é preciso ter algum tacto na forma como se fala, começar com as coisas boas da relação sexual e depois explorar alternativas ou partilhar fantasias que gostariam de ver concretizadas. A comunicação é como dançar o tango, precisa de duas pessoas. Mas também precisa que as pessoas estejam em alguma sintonia, para que seja possível ouvir o que outro precisa na cama (ou fora dela).

Estas sugestões são apoiadas por terapeutas sexuais na sua prática diária, bem como pela evidência científica. As dicas são gerais. Prometo rever em breve dicas mais práticas para uma mão cheia de truques na manga. Por exemplo, aprendi no podcast sobre sexo e psicologia do Dr. Justin Lehmiller que há investigação que comprova que gemer e vocalizar com volume durante o encontro sexual está associado a mais prazer. Só com disponibilidade para perceber que o sexo não é um script biologicamente programado é que se abrem as oportunidades de aprender e transformar o sexo, e de como ele é vivido no dia-a-dia. E assim viver um 2022 com mais prazer, por consequência.

12 Jan 2022

Reforço das medidas preventivas

Dada a possibilidade de um novo surto epidémico em Hong Kong, o Centro de Coordenação de Contingência para reforçar a resposta ao novo coronavírus de Macau pede que os residentes estejam mais vigilantes, prestem mais atenção à higiene pessoal, usem máscaras, reduzam os ajuntamentos, tentem evitar festejos e reuniões e deslocações a zonas de grande incidência epidémica.

O Governo está simultaneamente a estudar a implementação de medidas adicionais para prevenir a ocorrência de um surto, nas quais se incluem a necessidade de mostrar o certificado de vacinação ou um teste negativo ao ácido nucleico para aceder a determinados locais.

Até agora, os casos positivos da variante Ómicron que surgiram em Macau, eram todos importados, não existindo registo de infecções locais. Tendo em vista as medidas supracitadas, o Governo pretende obviamente aumentar o nível de consciencialização da população, reforçar a prevenção e diminuir o risco de propagação do vírus. Todos devem cooperar.

As novas medidas ainda não foram anunciadas, mas, pela lógica, os locais que irão pedir o certificado ou o teste negativo deverão ser bares, discotecas, saunas, restaurantes, cinemas, ginásios, salões de beleza, etc. Os restaurantes serão os locais que levantam mais preocupações.

Após a divulgação destas notícias, os profissionais da restauração manifestaram as suas preocupações. Em primeiro lugar, como é obvio, expressam o receio que haja redução de clientela. Alguns profissionais de catering assinalaram que já houve cancelamentos de alguns banquetes, e acredita-se que estes cancelamentos continuem. Parece inevitável que o sector da restauração vá ser afectado. Em segundo lugar, se as medidas de inspecção forem implementadas, será necessário destacar funcionários para fazer a verificação dos certificados e dos testes. Terão os restaurantes funcionários suficientes para a realização de mais esta tarefa? Se o cliente apresentar um certificado falso, o restaurante pode ser responsabilizado e incorrer em pena?

Os funcionários que fazem a verificação dos certificados e dos testes não são peritos que possam atestar a autenticidade desses documentos. Se vierem a ser responsabilizados pela documentação falsa, estaremos perante um caso de “uma pessoa comete um crime e o castigo recai sobre outra”. A verificar-se esta situação as preocupações do pessoal da restauração não deixam de ser razoáveis.

Depois do surto da epidemia, Macau implementou o código de saúde. Este código pode ajudar a identificar pessoas que estão infectadas com o vírus, ou que tiveram contacto próximo com quem está. Esta medida foi sem dúvida eficaz. O certificado de vacinação e o teste negativo são registados no código de saúde. Esta informação fica disponível no telemóvel. Os funcionários dos restaurantes podem aceder à informação através do telemóvel do cliente. Deve ser dada especial atenção quando estes dados são apresentados em papel. Como é que os funcionários dos restaurantes podem ser responsáveis pela autenticidade destes documentos? Se um cliente apresentar em papel um certificado ou um teste falsificado, qual vai ser a responsabilidade do restaurante perante a inspecção? Todos estes factores devem ser tomados em linha de conta pelo Governo antes de formular as medidas preventivas de reforço.

O Governo tem de combater a epidemia, mas todos nós a temos de combater ainda mais. Se todos estivermos saudáveis, Macau estará naturalmente saudável. O Ano Novo chinês está a chegar. Na sociedade chinesa, as famílias juntam-se para celebrar esta ocasião. Se alguns membros da família viverem em Macau e outros na China continental, será possível as pessoas considerarem ficar em Macau, não se reunindo desta vez com os seus familiares do continente, por causa da epidemia?

Actualmente, só a vacinação pode prevenir os efeitos negativos do vírus. Há algum tempo, peritos em saúde publicaram um artigo no Journal of the American Medical Association, assinalando que as vacinas e os anti-corpos têm um efeito limitado no tempo, sugerindo que devemos tratar este vírus como tratamos outras infecções respiratórias. Ezequiel J. Emanuel, vice-reitor para as iniciativas globais da Universidade da Pensilvãnia, declarou:

“Temos de ajustar os nossos objectivos para conseguirmos gerir esta situação e podermos viver normalmente na presença do vírus, tal como fazemos com a gripe.”

A comunicação social não falou sobre as medidas que devem ser tomadas para implementar esta teoria. Cientistas da Organização Mundial de Saúde assinalaram que os resultados preliminares da investigação mostraram que o risco de hospitalização com a variante Ómicron é inferior ao risco de hospitalização com a variante Delta, risco esse que diminui acentuadamente em pessoas vacinadas. Na ausência de medicamentos que possam combater eficazmente o vírus, o melhor método de protecção continua a ser a vacinação.

A Pfizer assinalou que em 2024 este vírus será uma espécie de vírus da gripe, e esta declaração dá-nos esperança. Esperamos que se possam criar medicamentos que combatam eficazmente o vírus e que o possamos erradicar o mais rapidamente possível.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
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11 Jan 2022

A política: A grande porca

A Paródia foi fundada em 1900 por Rafael Bordalo Pinheiro. O novo jornal dava conta, através da caricatura e do cartoon, dos principais acontecimentos políticos e sociais de então. Sob o título “A Política: a Grande Porca”, Bordalo Pinheiro inaugurou uma série de zoopolítica onde os grandes vícios da política e das instituições nacionais eram transfigurados em animais. Aqui, a política foi apresentada como uma grande porca que amamentava uma ninhada de bacorinhos, cada um deles representando partidos políticos e seus membros, identificados por siglas nos respectivos traseiros.

Pois, durante toda a semana passada só me lembrei de Rafael Bordalo Pinheiro ao assistir às dezenas de debates, e ainda faltam alguns, que decorreram por vários canais de televisão entre os políticos que vão a eleições no próximo dia 30. Os debates se decorressem em 1900 encheriam as páginas do jornal de Bordalo Pinheiro. Tivemos pena de não possuir um jornal humorístico porque esgotava diariamente pela certa. Os debates não foram debates. Dez minutos para cada interveniente, que passavam o tempo a lavar roupa suja, não chegaram para nada. Teria sido pelo tão miserável tempo concedido aos intervenientes que nenhum político falou do que interessava ao povo? Não se falou do problema da habitação, da saúde, do apoio social, das reformas miseráveis que existem em Portugal, do desemprego, dos impostos que aumentam mensalmente, das infraestruturas necessárias nas aldeias e algumas vilas.

Em nada se falou do que seria importante. Apareceram os líderes do PS, PSD, PAN, Bloco de Esquerda, PCP, Iniciativa Liberal, CDS e do Chega.

António Costa, sempre preocupado em conseguir os votos suficientes para uma maioria absoluta. Rui Rio, impreparado, não apresentou uma proposta governativa para bem do país no caso de ganhar as eleições e ainda se pôs a “namorar” com o líder do CDS. Sobre Inês Sousa Real não faço a mínima ideia como é que pode ter pensado em ser uma política em defesa de pessoas, animais e da natureza. Não disse uma palavra que defendesse a agricultura e nem sequer se lembrou de referir as muitas matas e residências que arderam nos últimos anos e que ainda não foi feita qualquer reflorestação ou sobre as famílias atingidas pelos fogos e que vivem das esmolas dos amigos ou de beneméritos como o empresário de futebol Jorge Mendes. O Cotrim Figueiredo tem dado a ideia de que não sabe o que quer. Ninguém percebe o que é Iniciativa Libera. O senhor dá a ideia que não sabe o que é o liberalismo, que não sabe ainda se se alia ao PSD para tentar uma maioria de governo de direita. O Francisco Rodrigues dos Santos, mais conhecido como o “Chicão”, ainda não se convenceu que devia dedicar-se a coleccionar soldadinhos de chumbo e pôr-se a fazer guerras com a bonecada. Ele bem quer guerrear os adversários de debate televisivo, mas o que diz ultrapassa o ridículo e tem mostrado bem que apenas anda na política para possuir um “tacho” sem se aperceber que o CDS está a definhar. Catarina Martins surpreendeu os auditórios. Calma, sabendo do que fala, apresentando propostas, estragou tudo ao não ter sido mais dura e falar de “homem para homem” com o neofascista André Ventura. Este, já chega. Já chega de tanta demagogia, de tanta trapalhada, de ser tão malcriado para certos adversários, chega de mentiras e de tentar arrebanhar a maioria silenciosa fascista que inequivocamente existe no país, chega de Ventura por não ter um bocadinho de ventura. Como lhe disse António Costa “não passará”. Jerónimo de Sousa tem estado a despedir-se, diz as suas verdades em defesa dos mais desprotegidos, prossegue com a linha cunhalista de sempre e as suas intervenções nos debates não vão conseguir que o povo lhe dê 10 por cento dos votos.

Enfim, a política é efectivamente em 2022 a mesma coisa que em 1900 quando Bordalo Pinheiro afirmou que era uma grande porca. Todos querem defender a ida para o poder. O poder dá dinheiro, influência, negócios obscuros, corrupção infindável. Todos os políticos têm-se portado muito mal porque o povo português na sua maioria está a cada vez mais pobre. E ainda por cima os preços dos produtos estão a aumentar assustadoramente. Os restaurantes estão vazios. A cultura nem se vê. O Ministério da Saúde não sabe o que fazer com o vírus ómicron e colocou as criancinhas a vacinarem-se. Para se ser político tem de se ser muito competente, sério, trabalhador e não estar a pensar constantemente quanto é que aquela adjudicação de um projecto de milhões me pode dar de comissão…

Se os debates eram para elucidarem o povo do que poderá melhorar a sua vida, nada disso aconteceu. As eleições estão à porta e nos debates nada foi anunciado para bem de todos nós. Nem o debate do próximo dia 13 entre António Costa e Rui Rio nos irá trazer qualquer solução. Ambos querem o poder e ambos não se importam de um dia se aliarem. Na verdade, a política é uma grande porca…


# Rafael Bordalo Pinheiro

*Texto escrito com a antiga grafia

10 Jan 2022

Energia nuclear – Solução para a neutralidade carbónica?

Desde o fim do século passado que os temas mais debatidos a nível mundial são o aquecimento global e as alterações climáticas. Na realidade, apesar de as expressões “aquecimento global” e “alterações climáticas” serem frequentemente usadas indistintamente, o conceito associado à primeira (“aquecimento global”) é menos abrangente do que o segundo. Aquecimento global consiste no aumento, à escala mundial, da temperatura média do globo terrestre e é medido tendo como base a temperatura do ar à superfície, observada em milhares de estações meteorológicas espalhadas pelo planeta, durante períodos mais ou menos longos, de preferência não inferiores a 30 anos. O IPCC, órgão científico das Nações Unidas, atribui às atividades humanas a causa principal do aquecimento global e, consequentemente, das alterações climáticas.

Quando se afirma que um dos objetivos do Acordo de Paris é prevenir que o aumento da temperatura tenha como limite 2 °C até ao fim do século, preferencialmente até 1,5 °C, embora se refira à temperatura média do ar à superfície, subentende-se que o conceito “aquecimento global” abrange também as restantes componentes do sistema climático: hidrosfera (constituída por oceanos, mares, rios e lagos), litosfera, criosfera e biosfera.

Apesar das numerosas ações que têm sido conduzidas com recurso ao multilateralismo, envolvendo universidades, ONGs, várias agências e programas das Nações Unidas, como a OMM e a UNEP, o problema das alterações climáticas tem vindo a agravar-se dramaticamente. A temperatura das várias componentes do sistema climático tem subido com graves implicações para a sustentabilidade da biodiversidade e da vida humana.

Segundo a OMM, com base em dados referentes ao período de janeiro a setembro de 2021, a temperatura média global em 2021 teve um aumento de 1,09 °C, em relação a 1850-1900 e, em algumas regiões, o aumento tem sido muito mais acentuado, como na região ártica, onde, em 20 de junho de 2020, foi registada a temperatura recorde de 38 °C, na cidade russa Verkhoyansk, a 115 km a norte do círculo polar ártico

É já lugar-comum afirmar que a causa da degradação do clima consiste no aumento da concentração dos gases de efeito de estufa (GEE) que são injetados na atmosfera, devido à queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão mineral).

Após o Protocolo de Quioto (ratificado em 2005) e 26 COPs, entre as quais a COP21 (2015), em que foi alcançado o Acordo de Paris, e a recente COP26, realizada em novembro de 2021, em que foi estabelecido o Pacto do Clima de Glasgow, a realidade é que a concentração de gases de efeito de estufa na atmosfera não cessa de aumentar.

Apesar de todas as tentativas para reduzir a concentração dos GEE na atmosfera, nomeadamente o dióxido de carbono, o mais significativo destes gases, a realidade é que, de acordo com o diretor-executivo da International Energy Agency (IEA), é muito provável que a queima de carvão atinja o recorde anual em 2022. A China, um dos maiores consumidores deste combustível (mais de metade do consumo mundial) comprometeu-se a começar a reduzir o seu consumo somente a partir de 2025, o que vai permitir que durante os próximos quatro anos venha a aumentar o seu consumo. Analogamente, a Índia, responsável pela substituição da expressão “eliminação progressiva” (phase out), em relação ao carvão, por outra mais atenuada, “redução gradual” (phase down), no texto do Pacto do Clima de Glasgow, também continuará a aumentar a utilização do carvão nos próximos anos.

Perante esta realidade, e apesar de cada vez mais se recorrer às energias renováveis, também referidas como energias verdes, é lícito duvidar se o preconizado no Pacto do Clima de Glasgow está ao alcance da humanidade. Segundo este documento, para que se possa atingir um dos objetivos principais do Acordo de Paris (limitar o aquecimento global a 2 °C até ao fim do século, de preferência até 1,5 °C), terá de se proceder a reduções rápidas, profundas e sustentáveis das emissões de GEE, incluindo a redução das emissões globais de dióxido de carbono de aproximadamente 45% até 2030, relativamente aos níveis de 2010, de forma a se atingir a neutralidade carbónica por volta de 2050.

São muitas as vozes segundo as quais tal não será possível sem o recurso à energia nuclear. Perante esta dificuldade, o lóbi nuclear tem intensificado a sua atividade, desenvolvendo argumentos no sentido de que esse objetivo só será possível com recurso à energia nuclear. Acontece, porém, que a energia nuclear, apesar de não implicar a produção de GEE, não se pode considerar energia limpa, na medida em que é utilizada a fissão nuclear, processo em que é gerado lixo radioativo.

A fissão nuclear consiste no processo em que um núcleo instável é fragmentado em núcleos cuja soma das massas é menor que a massa inicial, produzindo-se, assim, uma transformação de massa em energia, conforme a equação de Einstein, E=mc2 . É o que acontece quando se recorre ao bombardeamento, com neutrões, de núcleos de átomos de urânio-235 de modo que estes se fragmentem, dando origem a partículas menores e uma forte libertação de energia.

Neste processo, parte da massa inicial é transformada em energia, utilizada para produzir vapor através do aquecimento de água. Este vapor, sob elevada pressão, atua sobre as pás de uma turbina que, por sua vez, aciona um gerador elétrico. Acontece, porém, que o urânio é um mineral não muito abundante, e da sua desintegração resulta lixo radioativo, o que impede que a energia nuclear com recurso à fissão possa ser unanimemente classificada como energia renovável. Além disso, está associada à fissão nuclear a ocorrência de desastres ambientais com graves consequências, como os de Three Mile Island (EUA, 1979) Chernobil (URSS, 1986) e de Fukushima (Japão, 2011), o que tem motivado fortes movimentos populares no sentido de pressionar os governos para desistirem deste tipo de energia.

Assim, por exemplo, o recurso à energia nuclear na União Europeia não é consensual. Enquanto que alguns países continuam a fomentar a construção de novos reatores, outros estão a desmontar os existentes ou, pura e simplesmente, não os chegam a instalar. Este é o caso de Portugal, que não tem nenhum reator nuclear a produzir energia, nem pretende recorrer à sua instalação futura.

Enquanto que a França, que produz cerca de 75% da sua eletricidade com recurso a esta energia, continua a investir em reatores nucleares, a Alemanha tem planos para desativar aqueles que ainda possui. Três das centrais nucleares para produção de eletricidade na Alemanha, em funcionamento desde meados da década de 1980, foram desativadas no último dia do ano de 2021, estando previsto o mesmo destino para as três que restam em 31 de dezembro de 2022.

A França está acompanhada, no seu ponto de vista, por outros países como a Polónia e a Eslováquia. Por outro lado, a Bélgica e o Luxemburgo alinham com a Alemanha no que se refere à necessidade do abandono deste tipo de energia. Outros países, como a Itália, são mais prudentes e mantêm uma posição intermédia.

No final de 2021, a Comissão Europeia submeteu aos países membros da UE um projeto de plano em que considera que, em determinadas condições, a energia nuclear e o gás natural podem ser considerados sustentáveis para fins de investimento, o que provocou, por parte do porta-voz do governo alemão, a afirmação de que a Alemanha considera a tecnologia nuclear perigosa e que rejeita expressamente a avaliação da Comissão.

Entre os que defendem a utilização da energia nuclear para atingir o preconizado no Acordo de Paris e no Pacto do Clima de Glasgow, conta-se o diretor da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), Rafael Mariano Grossi. Segundo ele, deve-se abdicar de ideologias e encarar com realismo a evidência de que sem energia nuclear não se conseguirá abdicar dos combustíveis fósseis.

Não havendo unanimidade no que se refere à utilização de energia nuclear com recurso à fissão, há já países, empresas, organizações e até empreendedores a título individual (e.g. Bill Gates) a investir na investigação sobre a fusão nuclear.

Enquanto que na fissão nuclear se recorre à fragmentação de núcleos para gerar energia, a fusão nuclear é um processo em que se fundem dois ou mais núcleos de átomos, daí resultando um núcleo maior, cuja massa é menor que a soma das massas dos núcleos iniciais, libertando-se quantidade enorme de energia. Trata-se de um processo em que se recorre à união de átomos de isótopos de hidrogénio, inesgotáveis na natureza, o que permitirá classificar a energia nuclear como energia renovável. Acontece, porém, que este processo não se tem mostrado rentável, na medida em que, com a tecnologia atualmente existente, tem sido necessária mais energia para desencadear a fusão do que a energia que dela resulta.

Entre os vários projetos experimentais envolvendo fusão nuclear, conta-se o International Thermonuclear Experimental Reactor (ITER), instalado no sul de França (Saint-Paul-les-Durance), que consiste no resultado da conjugação de esforços e financiamento da China, Coreia do Sul, EUA, Índia, Japão, Reino Unido, Rússia, Suíça e União Europeia. Nas palavras do presidente da França, Emannuel Macron, a energia produzida com recurso à fusão nuclear será “limpa, segura e praticamente ilimitada”. Não se espera, no entanto, que haja resultados que permitam a sua exploração rentável antes de cerca de vinte anos.

Um outro projeto de fusão é o que decorre na National Ignition Facility (NIF), em Livermore, na Califórnia, em que se usa tecnologia laser para fundir átomos de hidrogénio.

Também a China, além de envolvida no projeto ITAR, desenvolve, desde 2006, o estudo Experimental Advanced Superconducting Tokamak (EAST) em que são aquecidos isótopos de hidrogénio (deutério e trítio) a temperaturas elevadíssimas, da ordem de 150 milhões de graus Celsius, obtendo-se uma massa no estado de plasma constituído por partículas subatómicas que se fundem, dando origem a hélio e libertação de enormes quantidades de energia. O grande problema consiste no facto de a tecnologia atual não estar ainda suficientemente evoluída para controlar toda a fusão de modo que a quantidade de energia resultante seja muito superior à utilizada para desencadear o processo.

Perante o avanço da tecnologia, é lícito esperar que, no prazo de uma ou duas décadas, se possa unanimemente considerar a energia nuclear, com recurso à fusão, energia limpa e renovável, que poderá contribuir para que se atinja a neutralidade carbónica a meio do século corrente, conforme preconizado no Pacto do Clima de Glasgow.

6 Jan 2022

Mediação na área da Grande Baía

O Governo Central da China e os Governos de Hong Kong e Macau emitiram conjuntamente dois documentos, a saber, os “Critérios de Avaliação da Qualificação dos Mediadores da Grande Baía de Guangdong-Hong Kong-Macau” (CAC) e o “Código de Mediadores da Grande Baía de Guangdong-Hong Kong-Macau (CEP), a fim de regular a mediação na Área da Grande Baía.

A mediação é um método de resolução de conflitos que não passa pelos tribunais, é, de certa forma, o primeiro passo para ultrapassar dissidências. O princípio da mediação é simples e prático. Desde que as partes em conflito cheguem a um acordo na escolha de um mediador, o processo avança. O mediador, escolhido por ambas as partes, pode facilmente ganhar a confiança de todos. Ao contrário da litigação, não existe processo legal, e pode ser suspensa em qualquer altura. As suas diversas vantagens fazem com que as pessoas aceitem bem este método.

Embora a mediação resolva conflitos, pode levantar algumas dificuldades na implementação das suas decisões. De uma forma geral, quando as partes chegam a acordo devem assinar um documento comprovativo. Se alguma delas não assinar o documento, a outra pode levantar um processo e pedir uma indemnização.

O CAC estipula claramente que, devido aos diferentes sistemas jurídicos da China continental de Hong Kong e de Macau, cada região pode definir as qualificações dos seus mediadores, de acordo com os seus padrões e com a sua realidade e que, assim que a Conferência dos Departamentos Jurídicos da Grande Baía de Guangdong-Hong Kong-Macau (Conferência Conjunta) der a sua aprovação, os nomes dos mediadores podem vir a constar da lista comum.

O CAC estabelece a qualificação dos mediadores. O mediador terá de ter completado um curso de mediação reconhecido pela Conferência Conjunta, terá de ter pelo menos cinco anos de experiência na área, ter ética profissional e não pode ter má reputação nem nenhum registo de violação da ética profissional.

O CAC também define os mecanismos através dos quais um mediador pode ser retirado da lista de mediação. Se houver violação da lei, o mediador pode ser banido. No entanto não está mencionado se esta exclusão é temporária ou definitiva, um aspecto que deverá posteriormente ser clarificado. Para além disso, para evitar a exclusão das listas o mediador deverá receber formação contínua. Um padrão profissional elevado garante que o mediador vai continuar a aprender e a manter-se a par dos tempos na área da mediação.

Embora o CAC estabeleça um mecanismo de exclusão dos mediadores, não especifica as condições em que isso pode acontecer. É possível que venham a ser dados pormenores sobre este assunto futuramente.

À semelhança do CAC, o CEP assinala que, devido aos diferentes sistemas jurídicos da China continental de Hong Kong e de Macau, é possível que cada região defina os padrões de ética profissional, de acordo com os seus padrões e com a sua realidade. O CEP também estabelece 12 responsabilidades e princípios básicos do mediador, dos quais vale a pena assinalar a questão dos honorários. O CEP estipula que o mediador é responsável por chegar a acordo quanto aos seus honorários e pela forma de pagamento. O mediador não pode cobrar mais se os resultados da mediação forem positivos. Assim o mediador só pode cobrar pelos serviços profissionais. Não pode cobrar mais nem menos em função do resultado da mediação e não se prevê uma situação em que se os resultados forem negativos o mediador não é pago. Acredita-se que esta regulação tornará os preços da mediação equivalentes, o que fará que não venham a existir casos de honorários demasiado elevados ou demasiado baixos.

No seu conjunto, os dois documentos assinalam que os sistemas jurídicos da China continental, de Hong Kong e de Macau são diferentes, e que os requisitos para os mediadores também são diferentes, mas é certo que vão regular a mediação na Área da Grande Baía e vão ajudar Hong Kong e Macau a integrarem-se melhor nesta grande zona.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão/Instituto Politécnico de Macau
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5 Jan 2022

Mais triste, mais injusto

Fecha o ano ainda mais triste e injusto do que tinha começado: há um vírus global continua a ameaçar a convivência, a condicionar os quotidianos e a matar as pessoas. E há uma sociedade altamente individualista e predatória que os impactos assimétricos desta crise tornam ainda mais injusta. A brutalidade dos dados sobre as desigualdades no planeta é cruamente revelada na última edição do “World Inequality Report”, recentemente publicado por um centro de investigação criado pela Escola de Economia de Paris e pela Universidade de Berkeley. Thomas Piketty, um dos economistas com mais relevante trabalho na crítica do capitalismo contemporâneo, é um dos editores do estudo, prefaciado por Abhijit Banerjee and Esther Duflo, fundadores do “Poverty Action Lab” e em 2019 galardoados com o chamado prémio Nobel da economia. O relatório está disponível na internet com acesso livre e apresenta indicadores globais sobre a evolução do rendimento anual e da riqueza acumulada pela população do planeta.

O estudo tem em consideração a chamada “paridade do poder de compra”, uma “correcção” no cálculo dos rendimentos que considera as substanciais diferenças entre aquilo que se compra com os mesmos 100 euros em Portugal ou na Alemanha, só para dar dois exemplos que até nem serão dos mais extremos. Ao introduzir este mecanismo, diluem-se razoavelmente as diferenças de rendimento entre Portugal e a Alemanha (ou entre África e a Europa, ou entre Sudoeste Asiático e América do Norte), uma vez que nos países menos desenvolvidos os preços tendem a ser mais baixos. Mesmo introduzindo este mecanismo, a desproporção que se revela nos rendimentos gerados e no capital acumulado – quer entre países, quer entre classes sociais – evidencia o carácter profundamente despropositado e injusto da dinâmica do capitalismo contemporâneo. Também se mostra como a passagem do tempo não está a resolver problemas – antes pelo contrário – e que a pandemia de covid-19 só os agrava.

Em média, cada habitante em idade adulta deste planeta (5.1 mil milhões de pessoas) auferiu 16.700 euros em 2021 (tendo em conta as tais paridades de poder de compra). Mas este valor médio é quase irrelevante: na realidade, mais de metade (52%) do rendimento gerado globalmente foi apropriado por apenas 10% da população (que inclui as 517 milhões de pessoas mais ricas). Neste grupo, o rendimento anual médio individual foi de 87 200 euros, mas já se está nesta categoria se o rendimento for de 37 200 euros anuais. De outra forma: um salário mensal pouco superior a 3.000 euros é suficiente para se estar neste grupo. Já o rendimento médio anual da metade da população com rendimentos mais baixos é de 2.800 euros – o que significa que metade dos seres humanos do planeta (2,5 mil milhões de pessoas) vive, em média, com salários pouco superiores a 200 euros por mês. No nível intermédio fica 40% da população (2 mil milhões de pessoas), com um rendimento médio anual de 16.500 euros (menos de 1500 euros por mês). Para se estar neste grupo – a classe média – basta um rendimento anual de 6700 euros anuais (um salário pouco superior a 500 euros por mês). Se estas medidas da distribuição da riqueza gerada não são muito abonatórias para a justiça ou mesmo a eficiência do sistema económico contemporâneo, a avaliação da distribuição da riqueza acumulada – ou do capital disponível para criar condições para a prosperidade económica futura – mostram com ainda mais evidência a inevitável persistência futura destas desigualdades. Neste caso, os dados mostram que os tais 10% da população mais rica detêm, em conjunto, 76% de toda a riqueza do planeta. Já a metade mais pobre detém apenas 2%.

Estas diferenças entre classes sociais assumem proporções diferentes consoante a geografia: a Europa continua a ser a região com menores desigualdades e a parte mais rica da população (10% das pessoas) absorve 36% do rendimento gerado por ano. Pelo contrário, no Médio Oriente, a região mais desigual, esse valor atinge 58%. Por outro lado, o grupo de 40% da população classificado na situação intermédia detém cerca de 40% da riqueza acumulada na Europa, enquanto em todas as outras regiões esse valor se situa entre os 25 e os 30%. A análise de dados históricos (desde o século 19) sugere que essa classe média europeia se foi consolidando ao longo do século 20 e que há uma perda sistemática e continuada de poder de compra pela classe média dos Estados Unidos desde os anos 1980. No entanto, o aspecto mais notório é que a metade mais pobre da população mundial praticamente não acumula riqueza – ou capital – independentemente da região do mundo onde vive (desde 1% da riqueza total na América Latina a pouco mais de 4% na Europa): o problema da desigualdade só se vai agravar no futuro, portanto. Os dados só agora comecem a reflectir os impactos da pandemia de covid-19 nas sociedades contemporâneas e alguns sinais de agravamento são já evidentes: a riqueza total da população do planeta cresceu 1% entre 2019 e 2021, mas a riqueza dos 0,001% mais ricos aumentou 14%. No caso particular dos bilionários, a riqueza cresceu mesmo mais de 50% durante este triste período.

A tristeza desta época tradicionalmente festiva não se reduz às compilações estatísticas sobre injustiças sociais ou ecológicas de um sistema económico em crise permanente e cada vez mais perto do abismo. Há também – ou sobretudo – as pessoas que nos morrem, que deixam de estar. São presenças que marcam as nossas vidas, cuja leveza é subitamente substituída pelo peso de uma ausência inaceitável, inevitável e insuperável. Cada pessoa tem as suas e toda a gente se vê a perder com a passagem da pandemia e o rasto de tristeza que vai deixando. Desta vez calhou-me – a mim e a outras pessoas fazedoras e leitoras deste jornal – perder o João Paulo Cotrim, com quem me encontrei e desencontrei desde o início dos anos 1990. Cada vez que nos encontrávamos – às vezes com anos de intervalo – retomávamos conversas como se tivessem sido interrompidas na véspera. Através do João Paulo conheci outra gente e foi também através dele – e da sua delicada engenharia de pontes – que se criou a minha relação com o Hoje Macau, já há mais de 3 anos. Pessoa de saberes variados e quase infinitos, tinha esse condão de oferecer oportunidades de aprendizagem sem se propor ensinar ninguém, na tranquilidade de quem tem a noite toda pela frente. Fico mais pobre, certamente. Lisboa e o país também.

31 Dez 2021

O Natal já vai longe

Chegamos a Dezembro e temos de pensar que no dia 25 não temos um café, um restaurante, uma padaria, um centro comercial aberto. Porquê? Ora, porque nos ensinaram a estar sentados à mesa no dia anterior a comer que nem uns alarves e a entregar prendas que nos custaram os olhos da cara. Chamam-lhes o Natal. Inventaram um Pai Natal para que o comércio ganhe muito dinheiro. No entanto, esqueceram-se que existem por todo o mundo uns vírus que pode estragar os planos dos comerciantes gananciosos e até provocarem pandemias que levam milhares à morte.

Disseram-nos na infância que é uma festa da família. Que horror nos dias de hoje pensar nesse ensinamento. Onde estão as famílias? Emigraram os pais, os filhos e já os netos. Cada membro da família vive em local diferente. A pandemia, o vírus, não permite que se juntem aqueles que ainda residem na mesma cidade. Nem o tal Pai Natal conseguiu entrar por chaminé nenhuma porque o pessoal às 10 da noite já dormia na tal noite chamada de consoada.

Há famílias que estão muito unidas, conseguem realizar testes à covid-19 e suas irmãs variantes e se resultar negativo comeram que se fartaram e beberam o dobro. Guiaram o carro com os copos e lá foram embater numa árvore deixando a família seguindo viagem numa ambulância. Há outras famílias que mal se falam, nem telefonam a desejar um bom tal Natal. Há muito que deixaram de ser família e até de acreditar no tal Natal. Poupam em prendas, em garrafas de vinho, em bacalhau e até em carrinhos de miniatura. O tal Natal não existe em milhares de casas, mas em Portugal o passado sábado foi um dia muito triste. Chuva intensa, muito frio, tempestade que provocou estragos, polícia por todo o lado a mandar parar os que já iam atrasados para o almoço do tal Natal. A pandemia está a piorar de uma maneira estrondosa e esperemos que não cheguemos ao ponto idêntico do que se passa em Inglaterra onde se verificaram 100 mil infectados num só dia. O tal Natal foi muito triste porque as televisões nada tinham para oferecer que covid, mais covid e ainda covid. Televisões que têm cada vez mais miúdos sem experiência e que nem uma reportagem se lembram de realizar pela cidade onde o tal Natal esteve a ser celebrado por corpos deitados no chão por todo o lado. Chamam-lhes os sem-abrigo. Que chocante é ver um jantar de luxo num casino e a uns metros ali perto outros humanos que nem um pão conseguiram arranjar.

Portugal fingiu que festejou mais um tal Natal, mas houve mulheres que na noite do tal Natal levaram sovas enormes de maridos completamente bêbedos. Houve filhos que deambularam à procura de um bar ou discoteca, mas nada encontraram a não ser uma mercearia aberta onde compraram uma caixa de cervejas e em pleno jardim foi até caírem para o lado. Tivemos lágrimas em milhares de casas porque os familiares estavam confinados devido à covid-19 e outros nos cuidados intensivos de um qualquer hospital. Hospitais onde o pessoal médico, enfermeiros e assistentes já não aguentaram tanto trabalho, tanta febre, tanta tosse, tanta dor de cabeça. Para esses profissionais a consoada foi de seringas, análises, exames cardiológicos, enfim, tentar salvar vidas porque não existe nenhum tal Natal se uma pandemia aparece de máscaras das mais variadas cores, mas que não evitaram a captação da doença que está a deixar o mundo completamente virado de pernas para o ar.

Mas, ninguém festejou o tal Natal? Sim, milhares de pessoas estiveram reunidas a comer, a beber e a dizer mal do Governo. Para esses, o tal Natal teve tudo: relógios de 50 mil euros, colares de pérolas de 20 mil, robots de 10 mil, rabanadas, sonhos, presunto, queijo da serra, bacalhau especial da Noruega, anel de diamantes, sapatos de dois mil euros e no dia seguinte, no dia do tal Natal almoçaram os restos que sobraram da consoada. E que remédio, porque tudo esteve encerrado. Nem um restaurante abriu a porta. Mas, nesta tristeza toda e num país encerrado por causa do tal Natal, viva à inteligência de um único homem na capital lisboeta. Um amigo nosso chinês que teve o seu restaurante aberto. Inteligente, esperto e benfeitor porque à porta do seu estabelecimento havia uma fila de clientes que ultrapassava as três dezenas. No meio disto tudo, temos de entrar na normalidade, infelizmente com uma pandemia que não nos larga, mas ainda bem que o tal Natal já vai longe…

*Texto escrito com a antiga grafia

30 Dez 2021

Taxar os ricos

O congressista Gabriel Boric foi eleito Presidente do Chile e irá assumir funções em Março de 2022. O Presidente eleito anunciou que vai reformar o modelo económico e criar um “estado social” para que todos os cidadãos possam usufruir dos mesmos direitos. Acrescentou ainda que, depois de assumir funções, irá reduzir a carga horária semanal dos trabalhadores de 45 horas para 40, promover o “desenvolvimento sustentável”, criar 500.000 postos de trabalho para mulheres, reformar o sistema de pensões, o sistema de saúde, manter os direitos matimoniais, salvaguardar o direito à interrupção voluntária da gravidez e criar um “imposto sobre a riqueza”.

Gabriel Boric afirmou: “Vamos esforçarmo-nos o mais possível para garantir que os trabalhadores não tenham que depender das suas próprias poupanças para fazer face a situações graves como esta pandemia. Espero que todos os políticos cheguem a um consenso.”

Já todos ouvimos falar da maioria das medidas propostas por Gabriel Boric, no entanto a taxa sobre a riqueza é mais invulgar.

Os rendimentos pessoais referem-se ao fluxo financeiro obtido durante um certo período de tempo. O “imposto sobre o rendimentos” e o “imposto sobre mercadorias” taxam os fluxos financeiros.

A riqueza é a acumulação dos recursos financeiros de uma pessoa numa altura determinada. O imposto sobre a riqueza taxa os recursos financeiros dessa pessoa numa altura determinada. O “imposto sobre o património líquido”, o “imposto sobre heranças” e o “imposto sobre prendas e doações” são exemplos típicos dessa situação. O “imposto sobre o património líquido” existe na Alemanha, na Holanda, na Suíça, etc. Antigamente em Hong Kong e em Singapura também existia o “imposto sobre heranças”, mas entretanto foi abolido.

De uma forma geral, o imposto sobre a riqueza é pago pela pessoas individuais, mas na Alemanha e na Índia, as empresas também estão sujeitas a este imposto. Na medida em que o imposto sobre a riqueza é calculado a partir dos recursos financeiros do contribuinte, as suas dívidas e os os seus impostos serão deduzidos no cálculo.

Quem defende este imposto alega que é uma questão de justiça. O imposto sobre a riqueza é calculado a partir de todos os recursos funanceiros do contribuinte e não apenas a partir do seu rendimento. Se parte dos recursos financeiros não estavam até aqui sujeitos a tributação, passarão a estar através do imposto sobre a riqueza. Este imposto é também uma ferramenta poderosa para a redistribuição da riqueza, ajudando a reduzir a disparidade entre os muito ricos e os muito pobres.

De acordo com os dados estatísticos das Nações Unidas, actualmente no Chile cerca de 1% da população detém 25% da riqueza do país e cerca de 50% dos chilenos tem um salário mensal inferior a 500 dólares americanos. O imposto sobre a riqueza poderá ajudar a diminuir a disparidade entre os ricos e os pobres.

Para além deste aspecto, a criação do imposto sobre a riqueza vai ajudar a resolver os problemas que surgiram na sequência da pandemia, que trouxe consigo mais despesas para o Governo e menos receitas. Se o Governo taxar os ricos, vai naturalmente conseguir angariar uma grande quantidade de dinheiro e encontrar a solução dos problemas financeiros. Em 2020, a Bolívia aprovou a lei do imposto sobre a riqueza, a Argentina aprovou um imposto de cobrança única sobre a riqueza e o Reino Unido está a considerar a hipótese de optar pela mesma medida.

Mas este imposto pode ter os seus inconvenientes. O alvo do imposto sobre a riqueza são os ricos. Para evitar este imposto, estas pessoas vão deslocar os seus bens para outros países. Se estes bens forem deslocados, futuramente o Governo fica sem recursos financeiros para desenvolver o país. Foi por este motivo, que Hong Kong e Singapura aboliram o impostos sobre as heranças. Além disso, o Governo cobra impostos sobre os rendimentos pessoais. Se implementar o imposto sobre a riqueza, é um imposto que vai ser acrescentado ao que já existe sobre as propriedades. Porque é que é necessário taxar o mesmo bem duas vezes?

Se o Chile se tornar um estado social, terá de levar a cabo reformas económicas e simultâneamente implementar uma série de políticas sociais. O imposto sobre a riqueza é apenas uma dessas medidas. Se estas políticas vão ser bem sucedidas é ainda uma incógnita, mas é certo que a criação do imposto sobre a riqueza vai ser definitivamente um motivo de controvérsia social.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

29 Dez 2021

Macau é central no diálogo entre Portugal, a China e os países lusófonos

Por Rui Lourido, historiador

Macau está de parabéns pelos 21 anos de criação da sua Região Administrativa especial (RAEM). Este regresso de Macau à administração chinesa concluiu um intenso processo negocial, que decorreu de forma empenhada e responsável entre o governo de Portugal e o governo da República Popular da China (RPC), no quadro constitucional de “Um País Dois Sistemas”. O espírito de confiança de ambas as partes, alicerçado no decorrer dos mais de quatro séculos de coexistência pacifica e de respeito de Portugal para com a China, permitiu uma transição pacífica exemplar e a concentração de energias das diferentes comunidades no desenvolvimento de Macau. O Governo do Partido Comunista da China quis privilegiar o desenvolvimento de Macau, e também de Hong Kong, ao integrá-las no projeto da Grande Baia de Guangdong, com mais 9 cidades. Esta é a maior oportunidade deste século para estas duas regiões especiais potenciarem um desenvolvimento sustentável.

Macau foi homenageada na III Conferência de Cooperação Portugal China, organizada pelo Observatório da China, com a Câmara de Cooperação e Desenvolvimento Portugal-China, em parceira com a União das Associações de Cooperação e Amizade Portugal-China. A conferência decorreu nos dias 14 e 15 deste mês de dezembro de 2021, em Lisboa, nas instalações da UCCLA.

Gostaria de destacar algumas intervenções desta conferência que analisaram o papel de Macau:

O Secretário-Geral da UCCLA, Dr. Vítor Ramalho, na sua intervenção de boas vindas destacou o facto de a Cidade de Macau, para além de ter sido uma das 8 cidades fundadoras da UCCLA, preside, atualmente, à Comissão Administrativa da UCCLA (eleita em 2019). Macau designou a sua Delegação Económica e Comercial em Lisboa (DECMACAU), para ser a sua representante na UCCLA. O Doutor Alexis Tam, atual Chefe da DECMACAU, afirmou que o Governo da RAEM continuará empenhado em contribuir para a cooperação bilateral e multilateral entre a China, Portugal e os países lusófonos, em especial, nas áreas do turismo, comércio, investimento e educação (no âmbito do ensino do português).

O Diretor do grupo de média Macau Business, José Carlos Matias, referiu que o Projeto da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau, em Hengqin, vai permitir a médio prazo (2035) a diversificação económica: a cooperação científica e tecnológica, o investimento em indústrias de valor acrescentado, desenvolver a Marca industrial de Macau, e o setor de serviços financeiros, turismo e medicina tradicional chinesa.

O Presidente da Associação dos Comerciantes e Industriais Chineses em Portugal e representante da RAEM no Conselho de Estado, Dr. Choi Manhin, bem como o Eng. Ilídio Serôdio, Vice-Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa, consideraram Macau como porta fundamental e facilitadora da entrada das pequenas e médias empresas Portuguesas e dos Países de Língua Portuguesa na China.

O Diretor do Instituto Confúcio da Universidade de Lisboa, Prof. João Barreiros, recorda que, “para quem teve o privilégio de conhecer Macau”, era previsível a “sábia suavidade” com que se deu a sua integração na RPC.

Já a Presidente da Associação Amigos da Nova Rota da Seda, Profª. Maria Fernanda Ilhéu, sugeriu que Macau poderia ter um papel mais ativo na Cooperação científica Portugal-China-Países de Língua Portuguesa e alargá-la a instituições homólogas na China Continental, com uma coordenação em rede de programas de mestrados e doutoramentos e de linhas de financiamento para projetos de investigação conjunta, mobilidade de investigadores e bolsas para alunos de mestrado e doutoramento.

O CEO do Bison Bank referiu que Macau será central no mercado offshore de compensação em RMB – o que implicará grande desenvolvimento dos serviços financeiros em Macau.

A Diretora da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto, a Profª Manuela Pintado, destacou alguns projetos levados a cabo com Macau nas áreas da biotecnologia (“Research Program Portugal-Macau” desde 2017), que considera ser uma oportunidade não só para o desenvolvimento da cooperação do conhecimento científico entre os estados, mas também uma oportunidade económica.

O Presidente do Observatório da China dedicou a sua comunicação às relações de Macau/China com os países de Língua Portuguesa, no âmbito da iniciativa Uma Faixa e Uma Rota. Tendo destacado a urgência de Portugal modernizar a ligação ferroviária transeuropeia, de forma a ligar, por um lado, o porto de águas profundas de Sines à Rota Marítima da seda que atravessa o Atlântico e, por outro lado, a ligar à rede ferroviária Madrid-China.

A III Conferência de Cooperação Portugal China foi encerrada pelo Secretário de Estado da Internacionalização, do governo de Portugal, Eurico Brilhante Dias, o qual destacou o importante papel de Macau nas relações presentes e futuras entre Portugal e a China.

A centralidade de Macau/China no diálogo com Portugal e os outros países lusófonos vem-se fortalecendo ao longo dos 21 anos de criação da RAEM.

28 Dez 2021

Raiva

Raiva. É o que me invade e coloniza ao saber da morte do João Paulo. Como se não fosse possível o desaparecimento do seu olhar pleno de doçura, da sua voz fremente de ideias, do seu sempre renovado abraço solidário e cúmplice.

Tínhamos ainda tanto para fazer, João Paulo. Como é possível que nos deixes assim, de projectos nas mãos que nunca apertámos porque o nosso ritual era sempre um fraternal abraço? Raramente encontrei alguém com quem tivesse tantas coisas em comum, tantas paixões para partilhar, tantos sonhos para realizar.

Raiva. Vêm-me à ponta dos dedos palavras feias com que solitário agrido os céus. Não as quero deixar aqui, não as quero partilhar com ninguém. Ficam entre mim e Deus, cuja única desculpa é não existir.

Graças a ti, João Paulo, o Hoje Macau cresceu no mundo da lusofonia. Graças a ti, João Paulo, voltei a acreditar que este país ainda era possível. Apresentaste-me o Paulo José Miranda, o António de Castro Caeiro, o António Cabrita, o Luís Carmelo, o Valério Romão, a Rita Taborda Duarte, a Gisela Casimiro, o José Navarro de Andrade, o José Luís Tavares, o José Anjos, o Bernardo Trindade e muitos outros, que agora creio órfãos, como eu, da tua partida, mas que me fizeram acreditar que Portugal ainda era possível. Sobretudo, porque a tua capacidade de acreditar me motivava e me arrancava ao diletantismo que marca as minhas breves passagens pelo país que me viu nascer.

Já não vamos fazer o jornal de esquerda que tanta falta faz a Portugal e ao seu povo. Já não vais publicar os meus pobres livros. Mas, sobretudo, já não me vou sentar contigo, horas sem princípio nem fim, refém das tuas palavras e, sobretudo, do teu olhar. Sobre mim e sobre as coisas.

Eras um imane, um aglutinador de escritores, de artistas, de pensadores. E fazias isso sem esforço e sem tretas. E não digo que o fazias unicamente pelas letras, mas porque eras um ser humano excepcional, que sem ignorar a maldade dos homens a remetia para o seu devido lugar: o caixote do lixo do esquecimento.

Raiva. Expludo de raiva. Esvaem-se-me as palavras, impotentes para exprimir a dor. Até sempre.

28 Dez 2021

Ómicron

A Ómicron, a nova variante do coronavirus, está a alastrar rapidamente. No Reino Unido, já se registaram cerca de 15.000 casos. Tendo em conta o crescimento acelerado desta variante nas Ilhas Britânicas, a França vai endurecer as regras de entrada e saída entre os dois países. Muitos turistas ingleses têm afluído a terras gaulesas antes que as novas medidas sejam implementadas.

Também já se registaram casos da nova variante em cerca de 40 estados dos EUA. As autoridades sanitárias avisaram que a Ómicron poderá tornar-se a estirpe dominante dentro de poucas semanas. O Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças exorta a população a vacinar-se o mais brevemente possível.

A Coreia do Sul também registou infecções provocadas pela Ómicron. Devido à evolução da epidemia, o Governo restringiu o número de participantes nos vários serviços religiosos. Se não estiverem vacinadas, podem estar presentes até 299 pessoas, ou seja, 30 por cento da capacidade das salas. Se todos tiverem a vacinação completa, a taxa de ocupação pode subir para 70 por cento.

Para se defender da Ómicron, a China implementou a política de “tolerância zero”, o que significa que mal um caso é detectado, a transmissão do vírus deve ser controlada de imediato e a pessoa infectada, e aqueles com quem contactou, devem ficar em isolamento. Os seviços de Saúde de Macau salientaram que a cidade adoptou o mesmo tipo de medidas preventivas.

Em face desta severa pandemia, os ministros da saúde dos sete países mais industrializados reuniram-se e emitiram um comunicado, onde se salienta que a Ómicron é actualmente a maior ameaça à saúde pública, pelo que pediam a cooperação de todos os países. Nos Estados Unidos, a Pfizer criou uma vacina pediátrica, para ser administrada a crianças dos 2 aos 4 anos.

Todos os países apelam a que os seus cidadãos tomem a terceira dose da vacina. E porque é que a terceira dose previne a infecção pela Ómicron? O Imperial College of London estudou cerca de 330.000 casos entre 29 de Novembro e 11 de Dezembro, dos quais 120.000 infecções provocadas pela variante Delta e mais de 1.800 provocadas pela Ómicron. O estudo demonstrou que as pessoas que já tinham tido infecções prévias têm 5,4 vezes mais probabilidade de contrair a Ómicron do que de contrair a variante Delta. O estudo demonstra que a imunidade das pessoas que já contraíram o vírus é de apenas 19 por cento em relação à Ómicron, semelhante à que adquirem com duas doses da vacina. Mas após a administração da terceira dose, estima-se que a imunidade suba para valores entre os 50 por cento e os 80 por cento. Além disso, as pesquisas demonstram que o risco de hospitalização não é inferior à da variante Delta.

Dados da Pfizer demonstram que a terceira dose da vacina BNT pode multiplicar por 25 os anti-corpos contra a Ómicron. A British Health and Safety Agency realizou um estudo que concluiu que as pessoas que receberam a terceira dose BNT da Moderna obtêm um grau de imunidade de 70 a 75 por cento à Òmicron.

A Pfizer calcula que a epidemia dure até 2024 e o vírus acabará por se tornar endémico, à semelhança da gripe.
A Ómicron é agressiva e mais transmissível do que a Delta. Todos a temem. Convém lembrar que de Agosto a Outubro, Macau foi repetidas vezes atingida pela epidemia e a economia foi muito afectada. Com o aparecimento de novas variantes, vamos aprendendo gradualmente a lidar com este vírus. Todos os vírus têm mutações, os cientistas precisam de tempo para estudar as novas variantes, para criarem novas vacinas e novos medicamentos. É inevitável que as pessoas aguardem estes resultados com alguma expectativa.

Dentro de alguns dias entramos em 2022 e as pessoas vão juntar-se na rua para celebrar o novo ano. No final de Janeiro, comemora-se o Ano Novo chinês, e é muito provável que as fronteiras de Hong Kong com a China e com Macau abram brevemente. Todos estes factores vão contribuir para um aumento significativo do fluxo de pessoas que vão atravessar as fronteiras entre a China, Hong Kong e Macau. Se não forem tomadas medidas anti-epidémicas em conjunto, se surgir um caso de infecção pela estirpe Ómicron, o confinamento vai voltar e a economia ressentir-se-á outra vez. Perante este cenário, esperamos que os Governos da China, de Hong Kong e de Macau possam tomar em conjunto medidas preventivas que todos possam aceitar e implementar. Em caso de aparecimento de casos de infecção, poderemos responder de forma concertada para impedir a propagação do vírus. Só desta forma todos se podem sentir seguros e as empresas podem ficar mais tranquilas.

A Pfizer prevê que a epidemia acabe em 2024. Esperemos que esta previsão se concretize, que o mundo recupere o mais rapidamente possível e que a humanidade deixe de estar ameaçada pelo coronavírus.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
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21 Dez 2021

Marcelo malandreco tem nova namorada

Conheci Marcelo Rebelo de Sousa na redacção do semanário Expresso, logo no início da publicação com Francisco Pinto Balsemão em director. Era uma nova forma de jornalismo e continha algumas “bicadas” ao governo de Marcelo Caetano apesar de o pai de Marcelo Rebelo de Sousa ser um dos ministros. Marcelo sempre foi uma inteligência acima da média, o melhor estudante começou a escrever no Expresso ainda não tinha terminado o curso de Direito.

Os seus artigos davam que falar durante a semana. Criava factos políticos com uma facilidade que nunca ninguém soube provar se eram verdadeiros ou falsos. Sabia do que escrevia e no Expresso o seu nome passou a ter um peso enorme tendo criado uma intimidade com o director Balsemão que rapidamente o semanário passou a ser o jornal mais popular em vendas. Marcelo Rebelo de Sousa nunca foi um santinho, apesar de frequentar a missa dominical.

As jornalistas bonitas que apareciam na redacção (naquele tempo não eram muitas) ou as secretárias do jornal tinham sempre a atenção especial e de forma educada da parte de Marcelo Rebelo de Sousa. Era malandreco e, daí, tentar um ou outro namorisco com as donzelas do jornal. Uma das secretárias deu-lhe mesmo a alcunha de o “malandreco”. O jovem Marcelo fez-se homem, doutor, professor doutor e um dos melhores em Direito que Portugal jamais teve. Casou e teve dois filhos, um rapaz e uma rapariga, cuja consorte foi a senhora Cristina Motta Veiga. Marcelo nunca se quis divorciar por razões ligadas à religião que pratica. No entanto, o “malandreco” depois da separação matrimonial não se estava a ver sem uma namorada e foi de tal ordem a paixão que teve como escolha durante quase 40 anos a advogada e professora de Direito, Rita Amaral Cabral. Nunca decidiram viver na mesma casa apesar de viajarem juntos e passarem férias na mesma casa. A professora Rita conhecia Marcelo de ginjeira, como diz o povo, conhecia-lhe os gostos, tristezas, vaidades e ambições. Rita Cabral deve ter sido a primeira pessoa em Portugal que soube da intenção que Marcelo possuía em vir a ser Presidente da República. E a verdade, é que conseguiu e até hoje não tivemos nenhum Presidente em que o povo sentisse tanto afecto pelo seu trabalho para bem dos outros.

No entanto, Marcelo Rebelo de Sousa sempre foi grande amigo de Ricardo Salgado e Rita Cabral também esteve ligada ao BES. Há quem diga que as relações do que parecia um namoro eterno foram diminuindo desde que o BES entrou na ribalta pelas piores razões e porque as pessoas mais ligadas a Ricardo Salgado podiam vir a sofrer graves consequências. Marcelo, na qualidade de Presidente da República, teria manifestado à namorada que não contasse com ele para qualquer defesa. As mesmas fontes, acrescentaram-nos que a partir dessa posição do Presidente-namorado- Marcelo, Rita Cabral nunca mais teve a mesma paixão de 40 anos. E sendo verdade ou não, o que sabemos é que há alguns meses o namoro terminou e Marcelo limita-se a uns telefonemas com a sua ex-mais-que-tudo. O Presidente festejou recentemente os 73 anos e o pessoal do Palácio de Belém ficou a saber que algo de estranho se estava a passar. Marcelo deixou a casa de Cascais e passou a dormitar no Palácio de Belém. Passou a encomendar ramos de flores a toda a hora e hoje já se sabe que toda esta mudança de comportamento se deve à nova paixão de Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente está apaixonado e tem uma nova namorada, uma senhora bem resolvida na vida, que sabe o que quer e que corresponde com a mesma paixão que Marcelo sente por ela.

Inclusivamente a nova namorada está disposta a assumir publicamente o namoro a partir do momento que Marcelo assim o entenda.

A existência de uma nova figura feminina na vida de o “malandreco” já é do conhecimento dos amigos mais íntimos de Marcelo e mesmo dentro do Palácio de Belém, onde o assunto é comentado em surdina – ainda que a generalidade de quem conhece o “affaire” prefira não revelar a identidade da senhora, pelo menos até Marcelo decidir fazê-lo por sua iniciativa. O Presidente está apaixonado provando mais uma vez que no ser humano velhos são os trapos. Já no Verão passado todos os habituais companheiros de praia do Presidente tinham estranhado que Marcelo não apareceu nem um dia na praia do Gigi e nunca pernoitou no seu habitual hotel da Quinta do Lago. Marcelo prefere romanticamente estar por perto da sua nova amada, apesar de nos últimos dias ter sido ao contrário, já que o Presidente foi alvo de uma intervenção cirúrgica e que certamente foi a senhora que não deixou o quarto do Hospital das Forças Armadas onde o Presidente esteve internado. Esperemos apenas que o cupido obrigue Marcelo a falar menos e a criticar secretamente as jogadas políticas e económicas que tanto têm prejudicado o povo português.

*Texto escrito com a antiga grafia

20 Dez 2021

Índice mínimo de subsistência (II)

A semana passada, analisámos a questão da protecção à terceira idade e o índice mínimo de subsistência (IMS). O Governo assegura uma pensão aos residentes de Macau com mais de 65 anos. Há três níveis principais no sistema de reformas. O primeiro consiste numa pensão de 3.740 patacas mensais. O segundo é a parte do Fundo de Previdência Não Obrigatório que recebe verbas do Governo. O terceiro consiste na contribuição mensal dos empregadores e trabalhadores canalizada para o Fundo de Previdência Não Obrigatório.

Os três níveis da segurança na terceira idade acima mencionados têm aspectos que merecem ser assinalados. A pensão carece de um mecanismo de ajuste razoável. Os idosos não sabem quando é que a pensão que recebem vai aumentar e quanto irá aumentar.

O Fundo de Previdência Não Obrigatório é injectado por verbas governamentais e está dependente da situação financeira do Executivo. Nos últimos tempos, devido à epidemia, o Governo entrou em o défice orçamental o que torna impossível a injecção de capital. Os idosos deixaram de ter acesso às verbas do Fundo de Previdência Não Obrigatório, que também deixará de receber as contribuições dos empregadores e dos trabalhadores.

Actualmente, o IMS per capita é de 4.350 patacas, superior à pensão mensal de 3.740 patacas, por isso há quem defenda que as pensões deveriam estar ajustadas ao IMS.

Na verdade, o IMS também é insuficiente. Será que 4.350 patacas cobrem as despesas mensais de uma pessoa? Há quem defenda a indexação do IMS ao rendimento médio per capita, valor que se baseia no “rendimento mensal do trabalho”. “A média é usada como padrão para garantir a segurança mínima dos residentes. As estatísticas mostram que o “rendimento mensal do trabalho” médio em 2020 era de 15 mil patacas.

O Artigo 7 Parágrafo 1 da Lei No. 4/2010, estipula que o Fundo de Segurança Social é a base deste sistema. Desta forma, em Macau, todos os benefícios são pagos pelo Fundo de Segurança Social, nos quais se inclui a pensão de reforma. O 2º parágrafo do Artigo 4 estipula que o Fundo de Segurança Social deverá manter o equilíbrio entre receitas e despesas para garantir a sua operacionalidade

De acordo com estas duas secções, o Fundo de Segurança Social deve ter rendimentos suficientes para fazer face às várias despesas de segurança social, a fim de alcançar um equilíbrio entre rendimentos e despesas e cumprir a lei.

As receitas do Fundo de Segurança Social são maioritariamente provenientes das contribuições dos residentes, de investimentos e de doações do Governo. Devido ao envelhecimento da população, o volume das contribuições dos residentes não é comparável às despesas que o Governo tem com o sector da Segurança Social e o retorno dos investimentos é limitado. Assim sendo, a principal fonte de financiamento do Fundo de Segurança Social continua a ser as verbas injectadas pelo Governo. Em 2020, este Fundo recebeu dos excedentes fiscais do Governo cerca de 1.6 mil milhões de patacas. Em 2021, a partir dos excedentes fiscais foram injectadas cerca de 1.5 mil milhões de patacas.

O Governo propôs-se alocar 6.45 mil milhões de patacas para o Fundo de Segurança Social em 2022. Se houver financiamento, a segurança social não será afectada, mas a epidemia teve impactos negativos na economia e nas receitas do Governo. De futuro, nos planos financeiros de longo prazo, o Governo terá de reconsiderar onde alocar fundos e quais os montantes a que podem ascender.

O Governo emitiu um documento de consulta pública sobre o “Segundo Plano Quinquenal para o Desenvolvimento Económico e Social da Região Administrativa Especial de Macau (2021-2025)”, que menciona o aperfeiçoamento do sistema de segurança social. O Artigo 2 da Lei No. 4/2010 estipula que o objectivo do Sistema de Segurança Social é proporcionar aos residentes os serviços básicos nesta área, especialmente a protecção à terceira idade, e a melhoria da qualidade de vida dos residentes. A determinação do Governo de garantir protecção aos idosos é inquestionável.

Os cuidados aos idosos são uma questão de bem-estar social, que passa pela protecção das reformas e que requer o esforço conjunto do Governo e dos cidadãos. De momento, a sociedade aguarda o resultado do “mecanismo de ajuste permanente das prestações do sistema de segurança social” antes de passar à discussão dos aumentos das pensões.

O Governo publicou o “Relatório sobre a Revisão do Fundo de Previdência Não Obrigatório”, onde se recomenda que em 2026 seja implementado o Fundo de Previdência Obrigatório. Esta implementação vai estar dependente da situação económica nessa altura. Mas é certo que o Fundo de Previdência Obrigatório vai permitir que os trabalhadores tenham uma reforma melhor, mas a pensão única será sempre gasta. Os idosos têm os gastos sempre contados. A pressão psicológica a que ficam sujeitos é evidente.

Para minimizar este problema, acredita-se que o Sistema de Anuidades possa ser uma das soluções. Hong Kong já implementou um Plano de Anuidades. Quem o subscrever com o montante de 3 milhões de Hong Kong dólares, pode receber uma mensalidade fixa e vitalícia de 18.000 HK dólares. Ao mesmo tempo que consideramos a implementação do Fundo de Previdência Obrigatório, deveríamos também considerar a criação de um plano de anuidades semelhante ao de Hong Kong, mas com os devidos ajustes à situação actual de Macau, para que todos possam vir a ter um reforço vitalício das suas pensões?

A segurança na terceira idade é garantida pela segurança social e a pensão garante a segurança pessoal. Quanto mais cedo fizermos um plano de reforma e explorarmos várias fontes de rendimento para esse período da vida, maior será a nossa proteção. Quanto mais cedo equacionarmos todas as despesas que iremos ter após a reforma, mais responsáveis seremos por nós próprios. Só assim poderemos usufruir de uma vida despreocupada durante a reforma.


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14 Dez 2021

Crianças na berlinda

Agora Portugal está a discutir, sem que haja entendimento, a vacinação às crianças com idade entre os cinco e os 11 anos. A Direcção-Geral de Saúde decidiu que as crianças devem ser vacinadas. A partir desta posição tem sido o descalabro com a divergência total entre médicos, especialmente pediatras, e os especialistas que têm estado inseridos no processo de vacinação nacional. E os pais? Pior ainda. Há pais que concordam em absoluto que os seus filhos tomem a vacina contra o coronavírus alegando que na sua menoridade também levaram várias vacinas e nunca houve qualquer discussão de discordância nem quaisquer tipos de reacções maléficas para a as crianças.

E o que se tem passado? Por um lado, têm-se registado vários casos de crianças infectadas e foram divulgados casos em que uma criança de quatro anos de idade ficou infectada há mais de um ano e tem vivido muito mal e sem melhorar: não come, não tem forças para correr, está sempre triste, não consegue dormir e já disse aos pais que quer morrer. Uma directora do departamento médico que exerce o tratamento da covid-19 de um hospital do Porto, afirmou na rádio que deviam ser divulgados os casos tenebrosos que lhe têm passado pelas mãos. A médica afirmou que o número de crianças infectadas está a aumentar e que algumas têm ficado afectadas ao nível do foro mental. Por outro lado, temos clínicos que discordam da vacinação alegando que o risco é mínimo e que ao serem vacinadas adquirem doenças muito graves. Os médicos também se pronunciaram contra a medida de nas escolas quando aparece alguma criança infectada serem enviadas para casa todas as crianças. Discordam em absoluto e adiantam que o vírus não vai desaparecer e a prova é que muitas pessoas que foram vacinadas com duas doses, vieram a adquirir o vírus, foram hospitalizados nos cuidados intensivos e alguns morreram.

Os cientistas afirmam que a criança tem as mesmas características fisiológicas de um adulto e que os vírus e as suas variantes tanto podem atacar adultos como crianças e que estas devem também ser vacinadas. O debate tem sido imenso nas televisões e rádios. Toda a gente dá a sua opinião, dizem o contrário absoluto do seu interlocutor, chegam a insultar um médico que acabe de se pronunciar contra a vacina em crianças e logo de seguida ouve-se outro clínico a rebater o colega e a provar a importância de as crianças serem vacinadas. O imbróglio está a ser enorme, deixando a maioria das famílias sem saber o que decidir. Obviamente, que todos querem o melhor para os seus filhos, mas ao tomarem conhecimento médico de que tem havido imensas crianças com reacções graves após a vacinação, os pais pensam duas vezes no cumprimento da directriz do Ministério da Saúde.

A situação gerada não é de fácil solução. Os próprios pediatras, por exemplo, um deles no Alentejo, aconselhou todos os pais a não vacinarem os filhos com idade entre os cinco e os 11 anos. O pediatra foi alvo de ataques verbais de outros médicos e de muitos pais que concordam com a vacinação.

Muitas têm sido as autoridades associativas que têm tomado posição, incluindo a Ordem dos Médicos, cujas afirmações de um seu dirigente tem sido das mais críticas. A vacinação de crianças entre os cinco e 11 anos é “desproporcionada” e “desnecessária” e não aconteceria em “nenhuma outra doença” com “um terço da população já protegida”, disse o presidente do Colégio da especialidade de Pediatria. Jorge Amil Dias recordou alguns indicadores usados pelo próprio grupo de trabalho que recomendou a vacinação de crianças para sustentar o seu raciocínio. E acrescentou: “cerca de 70 mil crianças” que já terão sido expostas ao vírus – número que, segundo os estudos existentes, deverá ser o dobro ou o triplo, pois acredita-se que “por cada caso positivo identificado haverá dois ou três não identificados”. Portanto, concluiu o pediatra, “cerca de 200 mil crianças já contactaram com o vírus, já adquiriram anticorpos contra o vírus, porque o contacto com a infecção causa imunidade natural”. “Sabendo-se que existem 600 mil crianças entre os cinco e os 11 anos (segundo dados do Governo), pelo menos um terço das crianças desta faixa etária já estão naturalmente imunizadas”, assinalou, realçando que essas crianças “não ficaram doentes, nem morreram e só excepcionalmente, em quatro casos, precisaram de ser internadas em cuidados intensivos”.

“Outros indicadores referem que cerca de quatro mil crianças estão a ser inoculadas naturalmente pelo vírus em cada mês e não ficam doentes, concluiu. Palavras de um especialista mas que ainda não convenceram milhares de pais. O importante é que as crianças estão na berlinda e muitas delas sem fazerem a mínima ideia do que se passa. A vacinação às crianças ainda irá fazer correr muita água por baixo da ponte, mas o rio já transborda…

*Texto escrito com a antiga grafia

13 Dez 2021

O deserto de Ariake

Voltei recentemente a Tóquio, mais de um ano depois da última visita. Começava 2020, despontavam os primeiros casos de covid-19, soavam os alarmes e impunham-se severas restrições na vizinha China mas ainda não se sabia o que estava para vir, nem por aqui, nem pelo resto do mundo. Entrava-se nos preparativos finais para os Jogos Olímpicos de Tóquio, em particular nas zonas de Odaiba e Ariake, na baía da cidade, uma área em plena renovação pós-industrial ou de terrenos recentemente conquistados ao mar, onde novas centralidades urbanas eventualmente irão emergir, com o necessário impulso olímpico. Aqui ficaram a aldeia olímpica que alojou participantes nos Jogos, o Parque Marítimo para desportos aquáticos, o parque dos desportos urbanos (como o skate), a Arena para o voleibol, o coliseu para o ténis ou o centro de ginástica que há de tornar-se centro de exposições.

Nesses inícios de 2020 – e até antes – grandes transformações eram já visíveis na cidade que havia de acolher participantes e entusiastas dos Jogos, uma esperada renovação suportada também pelo entusiasmo turístico aqui não tem parado de crescer na última década: renovadas estações de metro e comboio (que por aqui frequentemente incluem um ou mais centros comerciais), novas áreas envolventes e acessibilidades (cada vez mais facilitadoras da circulação a pé ou em bicicleta e das transições entre diferentes modos de transporte), mais informação em língua estrangeira (até então um pesadelo para turistas a ter que lidar em japonês com uma complexa rede de intrincadas linhas de transportes diversos numa cidade gigantesca) – e também novas torres de habitação e escritórios, serviços, restauração e hotéis vários, enfim, uma profunda reorganização e modernização da maior área metropolitana do mundo – que, ainda assim, está a perder população (e prevê-se que continue).

Costuma dizer-se que em Tóquio qualquer negócio funciona: os mais de 35 milhões de habitantes da metrópole garantem mercado para viabilizar todas os investimentos. Não parecia ser o caso, no entanto, nos meses que antecederam os Jogos Olímpicos. Em anterior visita à cidade, ainda em 2019, procurei na internet restaurante de bom peixe e arejadas vistas sobre a cidade. Encontrei um no alto de torre muito recentemente construída na zona de Shiodome, magnífico na sua moderníssima arquitectura interior e nas envolventes a proteger e promover o trânsito pedonal, sempre em conexão fácil com a rede de transportes públicos. Salão de tectos altos, paredes de vidro, amplas vistas sobre a noite de Tóquio, esmerado serviço e comida a fazer justiça à melhor tradição japonesa, país onde não é fácil encontrar onde se coma mal. O restaurante, manifestamente à espera de melhores tempos olímpicos, oferecia descontos de 60 por cento em relação aos preços alegadamente habituais, o que naturalmente facilitou bastante a visita.

No entanto, os Jogos haviam de ser adiados, primeiro, e condenados a uma versão limitada, um ano depois, sem espectadores que usufruíssem das novas maravilhas da cidade e com a imprensa obrigada a isolamento na aldeia olímpica, sem poder testemunhar e divulgar as transformações visíveis em várias zonas da metrópole. Foi numa delas, aliás, que me instalei para esta recente visita a Tóquio: em Ariake, coração dos Jogos, mesmo em frente ao Coliseu onde se disputaram as provas de ténis, com vista para as obras de desmantelamento do parque de desportos urbanos e próximo também do ex-centro-de-ginástica-futuro-centro-de-exposições.

Fiquei num hotel novíssimo, aberto há um ano, naquilo que seria mesmo a tempo da abertura dos Jogos Olímpicos. Edifício bonito, funcional e confortável, com serviço exemplar, ligação directa a um centro comercial e a um simpático jardim, e preços bastante moderados, incomparáveis com o que é habitual em Tóquio. Tudo nesta área tresanda a conforto e modernidade: duas linhas de monorail a fazer a ligação ao resto da cidade, amplas avenidas, largos passeios, omnipresentes ciclovias, abundantes espaços verdes – toda a arquitectura, nos edifícios e nas ruas, reflecte uma certa ideia de futuro, de leveza, de relação mais equilibrada com o ambiente. E, no entanto, tudo é deserto: mesmo em hora de ponta muito pouca gente utiliza os monorails, não há congestionamentos nas estações dos transportes públicos (e muito menos nas estradas, onde são raros os automóveis particulares), não circulam bicicletas nos quilómetros de ciclovias disponíveis.

Na realidade, não parece haver pessoas para estas micro-cidades do futuro que vão emergindo na grande metrópole de Tóquio. Os tais negócios que se espera que funcionem sempre permanecem em contínuo adiamento, sempre em saldos, para facilitar a vida a visitantes ocasionais, como eu, mas sem grande contributo para a qualidade de vida dos residentes, que não encontram nestas novas áreas de desenvolvimento recente razões que justifiquem a deslocação.

Não voltei ao tal magnifico restaurante de bom peixe e boas vistas mas pode ver-se na respectiva página na internet que os tais preços de saldo continuam, dois anos depois – tornaram-se os preços normais, afinal. A metrópole é enorme e qualquer movimento custa tempo e dinheiro, requer motivação plausível, praticamente inexistente nestes novos sítios sem gente nem história, com episódicas atrações (como as extraordinárias instalações multimédia que se podem visitar em Ariake), que na melhor das hipóteses justificam uma deslocação esporádica mas que estão muito longe de se tornar espaços de presença regular.

Se a expectativa em redor da promoção internacional associada a um evento internacional de alta exposição mediática parecia justificar o frenesim intenso de construção e renovação da cidade antes dos Jogos, já a modesta realidade imposta pelas restrições associadas à pandemia de covid-19 parecia justificar cautelas futuras, que afinal não se verificam: na realidade, gruas gigantescas continuam a marcar a paisagem da metrópole de Tóquio, com outras novas torres de arquitectura e envolventes moderníssimas a emergir em diferentes locais – e em particular na zona de Toranomon, onde se concentra largo número de edifícios oficiais. Apesar da abundância desta oferta de serviços e habitação para uma população em declínio, os preços das casas não dão sinais de descida (ao contrário do que se passa nos novos hotéis e restaurantes). A expansão de novas e belas áreas urbanas, bem equipadas mas quase desertas, contrasta com os massivos movimentos diários da população jovem para as várias periferias onde se foram reinstalando as grandes universidades quando as necessidades de expansão deixaram de ser compatíveis com a exiguidade dos espaços disponíveis no centro. Fazem-se cidades modernas com mais conforto e infraestruturas mais compatíveis com a protecção do ambiente, mas não se faz cidade sem história nem pessoas.

10 Dez 2021

Índice mínimo de subsistência (I)

No passado dia 1, a comunicação social fez saber que o Governo de Macau tinha anunciado que a pensão de reforma não deveria estar associada ao índice mínimo de subsistência (IMS), porque a soma da pensão e do subsídio para idosos já tinha ultrapassado o montante do IMS.

Actualmente, o Governo garante uma pensão de reforma aos residentes de Macau com idade superior a 65 anos. Há três níveis principais no sistema de reformas. O primeiro consiste numa pensão de 3.740 patacas mensais. O segundo é a parte do Fundo de Previdência Não Obrigatório que recebe verbas do Governo. O terceiro consiste na contribuição mensal dos empregadores canalizada para o Fundo de Previdência Não Obrigatório.

Além destes três níveis, os idosos recebem ainda 9.000 patacas anuais através do Subsídio à Terceira Idade, 10.000 patacas anuais através dos cheques pecuniários e 600 patacas em vales de saúde. Têm também desconto no imposto automóvel e cuidados de saúde de baixo custo. Todas estas contribuições excedem o valor do IMS, que é de 4.350 patacas.

O IMS é um indicador utilizado pelo Governo para ajudar os mais desfavorecidos. Na concessão de apoios, o IMS é utilizado para calcular o montante do auxílio. No “Sistema de Concessão de Auxílios a Particulares e Famílias em Estado de Privação Económica”, a alínea nº 1 do Artigo 3º do Regulamento Administrativo n.º 6/2007 estipula que Macau instituiu o IMS. O quinto parágrafo do mesmo artigo estipula que o IMS será emitido pelo Chefe do Executivo de acordo com as recomendações do Serviço de Assistência Social. A Ordem Executiva n.º 2011/2019 especifica que o IMS per capita é de 4350 patacas.

Para calcular o IMS, é necessário recorrer a uma equação. Em 2015, com base no “Relatório de Investigação sobre o Mecanismo de Ajuste dos Padrões mínimos de Vida de Macau”, a Comissão de Trabalho Social do Gabinete de Segurança Social recomendou que o Governo continuasse a utilizar a equação existente para calcular o IMS. Salienta-se igualmente que, se a diferença entre o IMS antes e depois do ajuste for inferior a 3%, este se mantém inalterado.

O principal motivo para a notícia referida no início deste artigo é o envelhecimento da população de Macau, que se tornou um problema social. O relatório “Projecção da População de Macau entre 2016-2036” assinalou que a população da cidade está a envelhecer mais rapidamente. Em 2026, a percentagem de pessoas com mais de 65 anos representará 16 por cento da população, o que significa cerca de 157.600 idosos. Se a proporção exceder os 14 por cento, de acordo com os regulamentos das Nações Unidas sobre a percentagem de população idosa, então é uma sociedade envelhecida. Embora o relatório tenha salientado que, até 2036, Macau passará a ter uma sociedade envelhecida, os dados do Serviço de Estatística e Censos mostram que, a partir de 2020, os residentes com mais de 65 anos já representam 12,9 por cento da população total de Macau, o que se aproxima dos requisitos das Nações Unidas para considerar que uma sociedade está envelhecida.

Além disso, os dados mostram também que a taxa de mortalidade da população em 2020 era de 3,3 por cento. Quanto menor for a taxa de mortalidade, maior a esperança de vida, o que agrava o problema do número de idosos e aumenta a necessidade de protecção através das pensões de reforma.

Os três níveis da segurança na velhice acima mencionados têm aspectos que merecem ser assinalados. A pensão carece de um mecanismo de ajuste razoável. Os idosos não sabem quando é que a pensão que recebem vai aumentar e quanto irá aumentar. Isto faz com que os seus orçamentos financeiros possam ser uma incógnita.

A questão do ajuste de pensões, é regulamentada no Artigo 26.º do Sistema de Segurança Social n.º 4/2010. Este Artigo estipula que o montante das prestações sociais pagas pelo Fundo de Segurança Social deve ser primeiro analisado pelo Conselho Permanente de Concertação Social e, em seguida, decidido pelo Chefe do Executivo.

Actualmente, o Conselho Permanente de Concertação Social é composto por funcionários do Governo, por empregadores e por trabalhadores. Um dos pontos do Plano de Trabalho para 2020 é a discussão do “mecanismo de ajuste constante dos benefícios do sistema de segurança social”, mas o resultado ainda não foi anunciado.

O Fundo de Previdência Não Obrigatório é injectado por verbas governamentais e está dependente da situação financeira do Executivo. Nos últimos tempos, devido à epidemia, o Governo entrou em o défice orçamental o que torna impossível a injecção de capital. Os idosos perderam, sem dúvida, este rendimento. Como ainda se desconhece quando a epidemia acabará, desconhece-se também quando é que o Governo poderá voltar a reinjectar capitais neste Fundo. Naturalmente, os idosos não sabem quando podem voltar a receber este subsídio.

Neste contexto, deixa de haver um Fundo de Previdência Não Obrigatório para o qual empregadores e trabalhadores podem contribuir mensalmente. Se as pessoas não fizerem os devidos preparativos antes da reforma, a situação pode vir a agravar-se. Mesmo com preparativos, a pensão única será sempre gasta, a pensão do Governo é o rendimento dos idosos. Não é de estranhar que haja vozes que pedem um aumento da pensão e a sua ligação ao IMS.

Continua na próxima semana.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

7 Dez 2021

Isto é uma bronca

A onda de vacinação contra o coronavírus sob a batuta do vice-almirante Gouveia e Melo correu às mil maravilhas. O número de infectados reduziu, o número de internados diminuiu tal como os internados nos cuidados intensivos e os que morreram. Pensou-se que a vacinação era de uma eficiência indubitável. Na verdade, o Ministério da Saúde e os especialistas decretaram medidas de desconfinamento e até assistimos a certos abusos, como por exemplo, não usar máscara em locais fechados. Mas, a “bronca” rebentou: temos cidadãos que foram vacinados com as duas doses e que estão internados com o vírus ou com uma variante qualquer. Os detractores do sistema já se pronunciaram no sentido de que a vacinação foi um fiasco. Contudo, a melhoria na saúde dos portugueses foi significativa. E por referirmos as variantes, a verdade é que anda por aí a ómicron que já fez estragos no tecido social e está a provocar uma tensão significativa com o número de infectados a aumentar, chegando ao ponto de a directora-geral da Saúde ter afirmado que por volta do Natal poderemos ter cerca de oito mil infectados diariamente.

Um jogador do Belenemses SAD foi à África do Sul e quando regressou deixou 15 colegas da equipa infectados. O encontro contra o Benfica constituiu um escândalo em toda a imprensa internacional. O Belenenses SAD jogou com nove atletas e um deles era o guarda-redes suplente. Obviamente, que o Benfica venceu por 7-0 em 45 minutos e o jogo terminou porque o Belenenses SAD já não tinha em campo o número regulado de jogadores. E de quem foi a culpa do escândalo? Da Liga de Clubes, do secretário de Estado do Desporto ou do Ministério da Saúde? E se em campo tivessem estado jogadores da equipa azul infectados como ficariam os jogadores do Benfica? Ainda na sexta-feira passada, dia do derby Benfica- Sporting muitos foram aqueles que colocaram a questão de não acreditar que no Benfica não houvessem jogadores infectados. Para o estádio da Luz os responsáveis da Saúde deram mais um péssimo exemplo de confiança no sistema de vacinação.

Obrigaram os milhares de adeptos a apresentar o certificado de vacinação e o documento comprovativo de teste profilático negativo. Então, se a pessoas levou duas e até três doses de vacina ainda tem de mostrar que não está infectado? Toda a gente discordou destas decisões que mais parecem ser tomadas em cima do joelho e a mostrar que não podemos ter confiança na vacina.

A variante ómicron já obrigou o Governo a tomar medidas confinantes como o regresso do estado de calamidade, sendo as máscaras obrigatórias em todos os locais fechados e nos restaurantes tem de se mostrar o certificado de vacinação. As pessoas andam desorientadas, receosas, sem confiança nas vacinas, rejeitando que os seus filhos dos cinco aos 11 anos sejam vacinados. As variantes vieram estragar o panorama que parecia de melhoria paulatina. Aconteceu que da variante alfa à ómicron, o coronavírus SARS-CoV-2 percorreu meio alfabeto grego na forma de variantes suspeitas de causar mais problemas do que as que já tinham proliferado.

Nem todas tiveram o mesmo impacto. Algumas permaneceram meras ameaças. E, de todas, a delta foi a única capaz de se impor em praticamente todo o mundo por causa da sua grande capacidade de contágio. Ninguém sabe o que vai acontecer com a ómicron, que agora mantém o planeta em tensão. Em poucos meses poderá ser esquecida, como aconteceu com a lambada (descoberta no Peru) ou a mu (na Colômbia), mas também, segundo nos esclareceu um especialista, poderá começar a substituir a delta e assumir o seu nicho ecológico.

Também não está claro quais seriam as consequências disso: não se sabe se produz uma doença mais grave e se escapa mais da acção das vacinas.

O que constatamos é que em alguns países o número da infectados está a aumentar provocando medidas de confinamento. Todos os países e territórios que estão a manter medidas severas de controlo à doença estão a realizar um bom trabalho em benefício das suas populações. Ao vermos o estádio da Luz com milhares de pessoas e sabendo que já se vendem certificados de testes falsos, sentimos um certo receio se no meio daquela multidão não teremos uma situação quase caótica e como dizia a directora da Saúde, Graça Freitas, um Natal com um número assustador de oito mil infectados em cada dia. No futebol e outras modalidades o caso é grave.

Jogadores, treinadores, membros de equipas médicas estão confinados em quarentena não se fazendo a mínima ideia a quantos colegas e adversários teriam pegado a doença. Tivemos um exemplo concreto: o jogador Coates do Sporting trocou impressões várias vezes durante o jogo com o Tondela com o guarda-redes Trigueira. Pois, o guarda-redes acusou a covid-19 e passados uns dias foi anunciado que o Coates também estava infectado. No interior das empresas o pânico também já se iniciou e tem havido casos em que numa fábrica com mais de 300 trabalhadores cerca de 20 já ficaram retidos em casa depois do teste ter dado positivo.

Tudo indica que o mundo mudou e desta vez para dar lugar a uma pandemia que parece não ter fim. A vida dos povos está a tornar-se um martírio e não vislumbramos nada nem ninguém que feche a porta a esta cambada de vírus que resolveu terminar com a palavra paz.


*Texto escrito com a antiga grafia

6 Dez 2021

O adeus de Solskjaer ao Manchester United

Penso que ninguém pode questionar a lealdade de Solskjaer ao Manchester United. Desde o tempo em que era jogador até à altura em que foi treinador, tudo o que fez teve sempre em vista os interesses do clube. No início desta época, com o regresso de Cristiano Ronaldo e a vinda de novos jogadores, todos os adeptos esperavam que os tempos de glória do Manchester United estivessem de volta. Infelizmente, o clube e os jogadores foram sofrendo revezes uns atrás dos outros e a capacidade de Solskjaer como treinador passou a ser questionada. Solskjaer acabou por sair de forma amigável do clube. Embora já não seja seu treinador, afirma que será sempre um fiel adepto do Manchester United.

A partida de Solskjaer veio demonstrar que não basta ser leal, também é necessário ser competente.
Em Hong Kong e em Macau, têm surgido muitos “patriotas” desde que a China implementou os princípios “Hong Kong governado por patriotas” e “Macau governado por patriotas”. Estes patriotas, para provarem a sua lealdade, irão sempre defender e apoiar quaisquer ideias e iniciativas desde que sejam propostas pelo Governo Central e pelo Governo da RAEM. Mas será que um tal patriotismo cego beneficia o país e a sociedade? Será útil à administração do Governo da RAE?

É inegável que os Chefes dos Executivos de Hong Kong e de Macau são absolutamente dependentes do Governo Central. Se analisarmos as administrações dos quatro Chefes do Executivo precedentes, verificamos que todos lidaram com conflitos e com contradições. Donald Tsang Yam-kuen (o Segundo Chefe do Executivo de Hong Kong) governou bem, mas foi condenado à prisão quando saiu de funções. Embora o último recurso que apresentou tenha tido resultados positivos, a sua prisão diminuiu o amor de muitas pessoas por Hong Kong.

Quando Carrie Lam Cheng Yuet-ngor assumiu o cargo, afirmou que queria resolver as desavenças sociais deixadas por Leung Chun-ying (o terceiro Chefe do Executivo). Mas a sua actuação acabou por ser contraproducente e criou ainda mais desavenças. A implementação da “Lei da República Popular da China para a Salvagarda da Segurança Nacional da Região Administrativa Especial de Hong Kong” e o “Aperfeiçoamento do Sistema Eleitoral (Consolidação das Emendas)” mergulhou Hong Kong numa nova fase de incertezas. Da mesma forma, a ecologia política de Macau foi alterada depois da “desclassificação” dos candidatos às eleições para a 7.ª Assembleia Legislativa de Macau. E na medida em que a pandemia de COVID-19 continua activa há quse dois anos, haverá impactos inimagináveis no futuro de Macau.

Na antiga China contava-se a história de Bian Que, um médico genial e do Rei do Estado de Cai. Bian Que tinha avisado o Rei por três vezes para ter cuidado com a sua saúde, uma a cada dez anos. Mas o Rei não sentia qualquer problema de saúde, e por isso achava que Bian Que tinha qualquer intenção oculta quando o consultava.

Por altura da quarta consulta, Bian Que saiu sem dizer nada ao Rei. O Rei mandou um servo perguntar a Bian Que porque é que tinha saído sem dizer nada. Bian Que respondeu que quando deu o primeiro aviso ao Rei a doença estava numa fase inicial e teria sido fácil de tratar. Na segunda consulta, o médico tinha percebido que a doença se tinha alastrado, mas que ainda era curável.

Na terceira consulta, a doença tinha chegado a um estado crítico mas o Rei continuou a recusar o tratamento. Na quarta consulta, a doença do Rei tinha chegado ao estado terminal e já não tinha cura, por isso tinha saído sem dizer nada. O Rei depois de ter ouvido o mensageiro continuou a não dar crédito às palavras de Bian Que. Cinco dias depois, o Rei chamou Bian Que para que o tratasse. Mas Bian Que já tinha deixado o estado de Cai para evitar que o dessem como criminoso. O Rei acabou por morrer desta doença fatal.

Embora Ole Gunnar Solskjaer tenha sido despedido do Manchester United, continua a afirmar a sua lealdade ao clube. Mas parece não ter sido capaz de explicar as razões que levaram ao seu insucesso. Às vezes amamos uma pessoa, mas não sabemos transmitir-lhe esse amor. E quanto maior for o amor, maior será a dor.

À medida que a pandemia se arrasta, as comunidades locais começam a ter diferentes opiniões sobre as políticas do Governo da RAEM viradas para a promoção da economia e da protecção do estilo de vida da população. A partida de Solskjaer, poderá dar o mote para alguma auto-análise.

3 Dez 2021

Cimeira sobre o clima de Glasgow (COP26) – Sucesso ou fracasso?

Muitos de nós, pelo menos aqueles que têm mais de 40 anos, lembrar-se-ão certamente do muito debatido “buraco do ozono”. Na década de 80 do século passado, a grande preocupação de muitos cientistas e daqueles que se interessavam pela sustentabilidade da vida no nosso planeta, era a rarefação do ozono na chamada ozonosfera, camada da estratosfera entre 20 e 30 km de altitude, onde se concentra cerca de 90% do ozono atmosférico, que constitui uma espécie de filtro de parte da radiação ultravioleta emitida pelo sol. A diminuição da concentração desse gás permitia que parte dos raios ultravioletas prejudiciais (raios ultravioleta B) atingissem a superfície do globo, em especial na região da Antártida e países em latitudes altas, como a Argentina e parte do Chile, afetando a saúde dos humanos e outros animais. O termo “buraco” foi adotado pelos meios de comunicação social, mas, na realidade, tratava-se de uma zona em que a concentração daquele gás se apresentava acentuadamente mais atenuada do que o habitual.

Curiosamente, o ozono (O3), cujas moléculas são constituídas por três átomos de oxigénio, desempenha um papel importante quando na ozonosfera, mas é prejudicial na camada limite da atmosfera, onde nós desenvolvemos as atividades no dia a dia. A formação do ozono nesta camada ocorre quando determinados gases, como os óxidos de azoto e compostos orgânicos voláteis, reagem com o oxigénio na presença da radiação solar. Quando respirado, pode provocar inflamação das vias respiratórias, por vezes com graves consequências em pessoas com doenças respiratórias. A sua concentração tende a aumentar em zonas urbanas e industriais, em determinadas condições meteorológicas, principalmente quando ocorrem anticiclones estacionários, aos quais estão associados grande estabilidade atmosférica e ventos fracos.

Menciono esta situação anómala (do buraco do ozono), na medida em que a sua atenuação constituiu um exemplo de como é possível reverter situações de degradação do ambiente causadas pelas atividades humanas.

Uma vez comprovada que a causa dessa diminuição de concentração era devida à ação de determinados gases de efeito de estufa (GEE) que também afetam o ozono estratosférico (ODS – ozone depleting substances), os cientistas induziram os decisores políticos a tomarem medidas no sentido da proibição do seu uso. Na realidade, após o Protocolo de Montreal, entrado em vigor em 1989, em que se preconizou a eliminação progressiva dos ODS, a concentração do ozono estratosférico evoluiu no sentido do seu aumento. Hoje considera-se este facto como um exemplo em que foi possível evitar, em larga medida, a degradação do ambiente causada pelas atividades antropogénicas. A aplicação das medidas preconizadas no referido Protocolo teve tal êxito que levou Kofi Anan (Secretário-Geral da ONU entre 1997 e 2006 e prémio Nobel da paz 2001) a afirmar que “talvez seja o mais bem-sucedido acordo internacional de todos os tempos”.

Outro exemplo de êxito de tomada de medidas com sucesso no sentido da melhoria do ambiente, embora numa área mais restrita, foi o Clean Air Act de 1956, que consistiu numa lei do Parlamento do Reino Unido com a finalidade de reduzir a poluição causada pela queima de carvão em lareiras domésticas e fornos industriais na região de Londres. Esta medida foi tomada na sequência de vários episódios de poluição extrema causada por smog (mistura de fumo e nevoeiro – smoke + fog), nomeadamente o Great Smog de Londres, entre 5 e 9 de dezembro de1952, que causou a morte de cerca de 12.000 pessoas.

Exemplos como este constituem um fator de esperança no que se refere à possibilidade, não direi de recuperação das características do clima, mas de atenuação da sua degradação, no sentido de limitar o progressivo aquecimento e as consequências que comprovadamente daí advêm.

É conveniente relembrar que o Acordo de Paris, alcançado cerca de16 anos depois do falhado Protocolo de Quioto (ratificado em 1999), consistiu essencialmente em compromissos a nível global no sentido de reduzir a emissão de GEE, mitigar as consequências das alterações climáticas e tomar medidas financeiras e estruturais para a adaptação a essas alterações. Para concretizar estas pretensões foram estabelecidos os seguintes principais objetivos: 1) manter, até 2100, o aumento da temperatura inferior a 2 graus Celsius, tendo como referência os valores pré-industriais, e incentivar esforços para limitar o aumento a 1,5 ºC; 2) Promover a capacitação dos países para enfrentar os impactos das alterações climáticas; 3) Tornar os fluxos financeiros consistentes com uma via de desenvolvimento com baixas emissões e resiliente ao clima.

Na cimeira de Glasgow, que se realizou de 31 de outubro a 12 de novembro de 2021, esteve prestes a alcançar-se unanimidade no que se refere à proposta de acabar com o uso do carvão. A Índia exerceu, no entanto, forte pressão para impedir esta recomendação, tendo conseguido que no texto final da COP26 se substituísse o termo “eliminação progressiva” (phase out), referente ao uso do carvão, por “redução gradual” (phase down).

Provavelmente, se fosse só este país a propor esta alteração, teria havido maior resistência no sentido de tal não ser aceite, mas a China e outras economias emergentes também se manifestaram nesse sentido. Outros, embora não se tivessem manifestado, devem ter esfregado as mãos de contentamento quando a alteração foi aprovada (estou a pensar nos representantes da Austrália, por exemplo).

Fazendo um balanço das discussões e, perante o resultado final, não se pode dizer que a Cimeira de Glasgow tenha sido um fracasso, mas esteve longe de satisfazer os mais exigentes, entre eles António Guterres, Secretário-geral das Nações Unidas, que, no seu discurso de encerramento, se referiu ao resultado da cimeira nos seguintes termos:

“Os textos aprovados são um compromisso. Refletem os interesses, as condições, as contradições e o estado da vontade política no mundo de hoje. São passos importantes, mas, infelizmente, a vontade política coletiva não foi suficiente para superar algumas contradições profundas”.

Do Pacto de Glasgow sobre o Clima (Glasgow Climate Pact), assinado por governantes de cerca de 200 países, ressaltam, entre outros, os seguintes compromissos e constatações:

Finalização do Livro de Regras de Paris (Paris Rulebook), documento que consta de orientações detalhadas sobre como os países devem proceder para alcançarem a neutralidade carbónica.

Necessidade de os países desenvolvidos cumprirem totalmente a meta anual de US$100 mil milhões para apoio aos países em desenvolvimento, com urgência, com a devida transparência na implementação das suas promessas (compromisso estabelecido anteriormente, mas não integralmente cumprido).

Compromisso de atualização anual das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs – Nationally Determined Contributions) em vez de a cada cinco anos, conforme havia sido estipulado no Acordo de Paris. (Entende-se por NDCs os planos que constam das ações previstas para a redução das emissões dos GEE e adaptação às alterações climáticas, como contributo nacional para se atingir as metas globais estabelecidas no Acordo de Paris).

Foi também um ato significativo a assinatura por parte de 140 países e Comissão Europeia da “Declaração de Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra” (Glasgow Leaders’ Declaration on Forests and Land Use), em que se estabelece o compromisso de se acabar com o desmatamento até 2030. A área abrangida por estes países é de cerca de 90% da cobertura florestal mundial. Entre os que assinaram a declaração contam-se o Brasil, China, EUA, Indonésia, Malásia e Rússia, países com grande extensão de florestas. Pena é a Bolívia e a Venezuela, onde se encontra parte da Amazónia, não a tenham assinado.

Os diplomatas brasileiros presentes na COP26 foram bastante construtivos nas discussões realizadas na cimeira de Glasgow, o que contrastou com a política atualmente a ser praticada pelo atual governo brasileiro.

Segundo o Observatório do Clima, apesar da atitude colaborante sob pressão internacional, o atual governo tem vindo a desmontar políticas de combate à desflorestação e tem, pelo menos, cinco projetos de lei no Congresso que amnistiam o roubo de terras e põem em risco as terras indígenas, as quais constituem barreiras eficazes contra a destruição da floresta. (O Observatório do Clima é uma rede de 37 entidades da sociedade civil brasileira que tem por objetivo discutir as alterações climáticas no contexto nacional).

Também segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazónia (Imazon), a Amazónia brasileira perdeu 10.476 km² de floresta entre agosto de 2020 e julho de 2021, o que corresponde a 57% mais do que no mesmo período anterior (agosto 2019/julho 2020), além de ser a maior destruição da floresta dos últimos 10 anos. (O Imazon é um instituto brasileiro de investigação cuja missão é promover conservação e desenvolvimento sustentável na Amazónia)

Será que a humanidade, analogamente ao que sucedeu com o Protocolo de Montreal e o Clean Air Act de 1956, estará preparada para tomar medidas drásticas no sentido de pôr em prática as recomendações do Acordo de Paris e, mais recentemente, da cimeira da ONU sobre o clima, realizada em Glasgow?
Esperemos pela COP27, que se realizará de 7 a 18 de novembro de 2022, em Sharm El-Sheikh, no Egito…

2 Dez 2021