Emigrantes tratados como lixo

No tempo do fascismo de António Salazar um grande número de portugueses atravessava os montes fronteiriços e ia para França a fim de não cumprir serviço militar nas colónias. Por lá ficavam como emigrantes e juntando-se a milhares de portugueses que ao longo de décadas tinham optado por uma vida melhor nos Estados Unidos da América, na Austrália e da Suíça. Os emigrantes portugueses sempre foram tomados por boa gente, trabalhadores, sérios, pacíficos e unidos em família. Mas sempre trabalharam no duro. De sol a sol.

As mulheres ainda hoje começam às seis da madrugada em limpezas de escritórios, entram numa fábrica às nove e só saem às 18 horas. Mas, a maioria delas ainda vai fazer umas limpezas e só chega a casa às 21 horas. Mal vêem os filhos e os maridos. É uma vida desgraçada. Alguns dirão que ganham muito dinheiro, mas não nos podemos esquecer que o pecúlio tem vindo a reduzir porque o nível de vida no Luxemburgo, França, Suíça e Holanda em especial, está a subir assustadoramente. Desde o aluguer de uma casa aos produtos comestíveis tudo está muito caro. Alguns portugueses emigrantes até já concluíram que podem ter uma vida muito decente em Portugal e trabalhando menos e têm resolvido regressar à sua terra.

Os emigrantes sempre foram desprezados pelas autoridades portuguesas. Na maioria das terras onde trabalham em Inglaterra e em França não existe consulado português que lhes dê apoio. Os sucessivos governantes que temos tido desde o golpe de Estado do 25 de Abril de 1974 apenas souberam viajar em primeira classe ou executiva dos aviões e gozar instalados em bons hotéis, por vezes levando consigo a cara metade, ou a secretária ou a amante, tudo pago pelo Estado.

Chegam aos países onde vivem emigrantes, nomeadamente, no dia 10 de Junho, de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas, e botam um discurso de palavras que o emigrante não entende. Apenas lhes fica na memória que os governantes prometeram este mundo e o outro e nunca cumpriram absolutamente nada. Ainda nos lembramos de um ministro que uma vez prometeu a uma comunidade portuguesa em New Jersey que lhe havia de enviar dois jogos de equipamentos, incluindo botas e uma dezena de bolas para o clube de futebol existente na comunidade.

Já passaram mais de 10 anos e nem uma bola chegou à cidade americana. Os emigrantes queixam-se há anos que a Radiotelevisão Portuguesa (RTP) deve mudar radicalmente para melhor a programação que emite para o estrangeiro. Nunca aconteceu essa melhoria e os emigrantes preferem ver os canais locais ou a TVE espanhola.

Os emigrantes são seres humanos muito especiais. Foram para trabalhar, mas souberam organizar-se e solidariamente criaram os seus clubes de lazer e de desporto. Muitas vezes ajudam quem chega de novo e nada conhece na terra que escolheu para viver. A história da nossa emigração está cheia de dignidade e conhecimento intelectual.

Na cidade de Perth, na Austrália, os portugueses são os proprietários de todos os navios de pesca e os homens mais ricos da cidade. Na América, muitos descendentes de emigrantes chegaram ao cargo de presidente da Câmara, vereadores e até senadores. Hoje, temos descendentes de portugueses nos mais altos cargos da política e do empresariado norte-americano. Mas, tudo foi com o seu trabalho e estudo. Nunca os governos portugueses se preocuparam com o seu bem-estar. A preocupação maior foi sempre que os emigrantes enchessem os cofres dos bancos em Portugal.

Um dia, os emigrantes reivindicaram o seu direito a votar sempre que se realizassem eleições em Portugal. Inacreditavelmente ainda se realizam eleições às quais não é permitido o voto do emigrante. No entanto, nas últimas eleições legislativas os emigrantes que vivem na Europa e fora da Europa votaram nos seus partidos de preferência. Votaram, mas aqueles milhares que o fizeram nos países da Europa viram uma cambada de incompetentes anularem-lhes o voto e atirarem os boletins para o lixo. Essa Comissão Nacional de Eleições devia ter sido atirada ao mar.

Foi uma vergonha o que se passou, alegando que os votos não traziam uma cópia do Cartão de Cidadão do votante. Misturaram os votos todos e escandalosamente 80 por cento dos votos dos emigrantes foi para o lixo.

Aliás, eles já estão habituados a serem tratados como lixo há muitas décadas. Recordamos aqui o que lemos sobre um português de nome José Martins que passou toda a sua vida a trabalhar em Banguecoque, na Embaixada de Portugal, e a ajudar todos os portugueses que passavam pela Tailândia e que veio a falecer na miséria. Se algum embaixador que passou em serviço pela Tailândia e que esteja vivo, sabe bem da veracidade deste “crime” feito a um verdadeiro patriota.

Por agora, o caso dos votos no lixo foi para tribunal e este decidiu que as eleições na Europa fossem repetidas. Um constitucionalista de renome explicou na rádio que para se cumprir a Constituição essas eleições tinham que se efectuar no dia 27 de Fevereiro. Mas, os decisores nem lêem a Constituição e nem respeitam a lei constitucional. Os “sabichões” marcaram a repetição eleitoral para 13 de Março, atrasando toda a formação do novo governo com os prejuízos graves que isso acarreta. Como diz um vizinho nosso, é o país que temos…

*Texto escrito com a antiga grafia

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