Olavo Rasquinho VozesOs sistemas meteorológicos de alerta precoce e a sua importância (continuação da edição de 5 de Junho) Apesar de possuir um serviço meteorológico eficiente (Administração de Serviços Atmosféricos, Geofísicos e Astronómicos das Filipinas – PAGASA1) as Filipinas, devido ao Haiyan, foram palco de uma das grandes tragédias relacionadas com ciclones tropicais. No caso do Haiyan, os boletins de alerta foram emitidos, regular e atempadamente, antes e durante a passagem do tufão, mas o facto de os mapas de risco de inundações estarem desatualizados fez com que muitas pessoas tivessem perecido por se refugiarem em abrigos situados em zonas consideradas seguras nesses mapas. Por outro lado, devido a haver muitas línguas no país (mais de 180 línguas e dialetos regionais), os boletins são emitidos principalmente em inglês e tagalo, as duas línguas oficiais. Assim, as razões de um tão grande número de vítimas, além da excecional violência do tufão e dos mapas de risco de inundações estarem desatualizados, foi o facto de terem sido usados os termos “storm surge”, suscetíveis de não serem compreendidos por grande parte da população menos instruída. Entre as recomendações expressas nos relatórios das várias missões encarregues de avaliar as consequências do tufão sobressaíram a necessidade de atualização urgente dos mapas de risco de inundações e a utilização, nos boletins de alerta, de linguagem menos técnica com o intuito de ser facilmente compreendida pelas populações. Os media filipinos, e alguns internacionais, noticiaram que o presidente da autarquia de Guiuan2, a primeira cidade filipina que se encontrava no percurso previsto do tufão, enviou mensageiros com altifalantes, em motociclos, aos vários “barangays”3 da municipalidade próximos da costa, avisando a aproximação de um tsunami. O termo “tsunami”, embora não fosse tecnicamente correto nesta situação, alertou as populações, pouco sensibilizadas com a previsão de uma maré de tempestade, para que seguissem as instruções da autoridade de proteção civil a fim de serem evacuadas, o que foi conseguido com sucesso. Note-se que as pessoas estavam bem cientes das consequências dos tsunamis, dado que foram bastante divulgadas notícias sobre as consequências de um fenómeno deste tipo que ocorrera alguns anos antes, em 2004, na costa oeste de Sumatra, causando aproximadamente 230.000 vítimas mortais em 14 países diferentes. A OMM e o Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (UNDRR)5 têm insistido na necessidade de alargamento deste tipo de sistemas de alerta precoce a outros fenómenos, além dos relacionados com meteorologia. Surgiu, assim, o conceito de Sistemas de Alerta Precoce de Riscos Múltiplos (internacionalmente conhecido como “Multihazard Early Warning Systems” – MHEWS), que abrangem vários tipos de riscos, considerando as inter-relações entre eles. Os principais riscos que podem ser motivo da emissão de alertas multirriscos são essencialmente inundações, ciclones extratropicais, ciclones tropicais (ciclones, tufões, furacões), marés de tempestade, secas, incêndios florestais, ondas de calor, deslizamentos de terras, sismos e tsunamis. De acordo com o relatório “Global Status of Multi-Hazard Early Warning Systems 2024”, elaborado pela OMM e UNDRR (apresentado na COP29 pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres), os países com sistemas deste tipo menos desenvolvidos têm uma taxa de mortalidade relacionada com desastres naturais de quase seis vezes superior do que os países em que os sistemas multirriscos são mais avançados, e quase quatro vezes mais pessoas afetadas por catástrofes. Espera-se que na próxima conferência sobre o clima, a realizar sob os auspícios da UNFCCC6 (COP30 – 15 a 21 de novembro de 2025, em Belém, Brasil), venham a ser reforçadas as medidas para a melhoria dos sistemas de alerta precoce nos países em que ainda não estejam devidamente implantados. Referências: PAGASA – Philippine Atmospheric, Geophysical and Astronomical Services Administration. Guiuan – cidade importante na história das Filipinas. Consta que, no século XVI, foi na ilha Homonhon, pertencente àquela municipalidade, que Fernão de Magalhães desembarcou pela primeira vez naquele arquipélago. Talvez por esta razão a população da cidade é maioritariamente católica. Barangay – Divisão administrativa nas Filipinas, correspondente a aldeia. “ESCAP/WMO Typhoon Committee” – tem sede do Secretariado em Macau, desde 2007. UNDRR – United Nations Office for Disaster Risk Reduction. UNFCCC – United Nations Framework Convention on Climate Change.
Olavo Rasquinho VozesOs sistemas meteorológicos de alerta precoce e a sua importância Olavo Rasquinho * É do conhecimento geral a importância que os avisos meteorológicos têm para atividades humanas. No entanto, cerca de um terço dos 193 membros da Organização Meteorológica Mundial (OMM) ainda não possuem sistemas eficientes de alerta precoce no sentido de avisar as populações para se precaverem contra a perda de vidas e bens perante desastres naturais de carácter meteorológico. Em face desta realidade, a OMM selecionou para tema das celebrações do Dia Meteorológico Mundial (DMM) de 2025 “Closing the early warning gap together”, que se pode traduzir por “Reduzamos, juntos, as falhas dos sistemas de alerta precoce”. O tema insere-se na “Iniciativa Alertas Precoces para Todos” (“The Early Warnings for All Initiative”), a qual visa a proteção das populaações, à escala global, relativamente a fenómenos perigosos de carácter hidrometeorológico, climático e eventos ambientais relacionados. Os sistemas de alerta precoce assentam essencialmente em quatro componentes: conhecimento do risco; monitorização e previsão; comunicação e disseminação de alertas e capacidade de resposta das comunidades. A falha de qualquer destas componentes compromete a eficácia das medidas a tomar para evitar que um desastre natural se transforme numa catástrofe. Os serviços meteorológicos, com recurso a meios que fazem parte de uma rede global de observação, e a modelos físico-matemáticos que simulam o comportamento da atmosfera, preveem a ocorrência de fenómenos que poderão afetar a vida dos cidadãos. Por exemplo, a hora aproximada da chegada de um tufão a terra pode ser prevista, mas o simples facto de o seu movimento retardar ou acelerar pode ter como consequência não acertar na hora em que tal acontece. Normalmente os tufões, que se formam sempre no mar, diminuem a velocidade de progressão e a intensidade ao se aproximarem de terra. No entanto, esporadicamente, tal pode não acontecer. Foi o que ocorreu com o tufão Hato que, em agosto de 2017, atingiu Macau com consequências graves. Em vez de diminuir a sua velocidade de deslocamento e enfraquecer, sofreu uma súbita intensificação e aumento de velocidade, surpreendendo os meteorologistas. Tal aconteceu com a agravante de a chegada do tufão ter coincidido com a maré astronómica alta, o que reforçou as consequências da maré de tempestade. Pode-se então deduzir que a componente “monitorização e previsão” e, consequentemente, a componente “comunicação e disseminação de alertas” do sistema de alerta precoce não funcionaram a cem por cento devido ao comportamento anómalo do tufão. Tal aconteceu num território em que o sistema de alerta precoce está bem estruturado e funciona geralmente com elevado índice de sucesso. Imagine-se o que poderá acontecer quando este tipo de fenómenos ocorre em regiões onde não existem sistemas de alerta precoce ou, existindo, não são suficientemente eficazes devido a deficiência de meios ou inexistência de recursos humanos. Como exemplo desta situação pode-se mencionar o que ocorreu, em novembro de 1970, no então designado Paquistão Oriental. Esta província paquistanesa foi atingida por um dos ciclones mais violentos do século passado, o “Grande Ciclone Bhola”, que causou um número de mortos que se estima entre trezentos mil a meio milhão. É considerado o ciclone tropical que mais vítimas causou desde que há registos. Ventos de cerca de 200 km/h, coincidentes com uma maré astronómica alta, arrastaram as águas do Índico terra-a-dentro, invadindo grande parte do delta do rio Ganges, causando uma maré de tempestade de grandes proporções, que chegou a atingir 6 metros. As consequências foram tão graves que contribuíram para a revolta do povo da região, motivada pela fraca resposta do governo central. O descontentamento gerado contribuiu para intensificar a luta pela independência da província, o que se concretizou em 1971, dando origem a um novo país, o Bangladeche. Outro exemplo foi o que aconteceu em Mianmar (antiga Birmânia), em maio de 2008. Este país, dirigido durante dezenas de anos por ditaduras militares, não sofreria tanto as consequências do ciclone Nargis se estivesse apetrechado com um sistema de alerta moderno e eficiente. As mais de 130.000 vítimas mortais causadas pela maré de tempestade associada ao ciclone tropical seriam, certamente, em grande parte evitadas. Alguns dias antes do ciclone ter atingido aquele país já haviam sido emitidos avisos pelo Centro Meteorológico Regional Especializado (“Regional Specialized Meteorological Center – RSMC”) de Nova Deli, que é o centro responsável pela vigilância meteorológica para a bacia do Índico Norte1. Também o Serviço Meteorológico da Índia avisou o governo de Mianmar sobre a grande probabilidade de ocorrência de uma maré de tempestade de grandes proporções que afetaria o delta do rio Irauádi, o que veio a acontecer cerca de 48 horas depois, tempo suficiente para proceder à evacuação das populações. Nos casos dos ciclones Bhola e Nargis os sistemas de alerta praticamente eram inexistentes no Paquistão Oriental e em Mianmar. No entanto, nas Filipinas, país afetado anualmente, em média, por cerca de vinte tempestades tropicais e tufões, apesar das autoridades meteorológica e de proteção civil serem consideradas bem organizadas, ocorreram falhas em duas das componentes do sistema de alerta precoce, em novembro de 2013. As componentes “conhecimento do risco” e “comunicação e disseminação de alertas” falharam em parte devido a mapas de risco de inundações desatualizados e a linguagem utilizada inadequada. O tufão Haiyan (designado nas Filipinas por Supertufão Yolanda) provocou um número de vítimas mortais superior a seis mil. As principais razões para a catástrofe ter atingido tais proporções consistiram, além das falhas de duas das componentes do sistema de alerta precoce, nos factos de a pressão ter sido extremamente baixa no centro (cerca de 895 hPa), ventos de grande intensidade e o tufão ter entrado em terra próximo da hora da maré astronómica alta. Estes fatores conjugados provocaram uma maré de tempestade que atingiu, em alguns locais entre 6 e 7 metros. Note-se que a diminuição da pressão de 1 hPa corresponde à elevação do nível do mar de cerca de 1 cm. (continua) *Meteorologista – No âmbito do Programa de Ciclones Tropicais da OMM, foram criadas cinco organizações, algumas das quais classificadas como organizações intergovernamentais, com o intuito de procederem ao estudo e monitorização dos ciclones tropicais: Comité de Ciclones Tropicais (Sudoeste do Oceano Índico), Painel WMO/ESCAP de Ciclones Tropicais (Baía de Bengala e Mar Arábico), Comité de Tufões ESCAP/WMO (Noroeste do Oceano Pacífico e Mar do Sul da China), Comité de Furacões da Associação Regional IV (América do Norte, América Central e Caraíbas), Comité de Ciclones Tropicais da Associação Regional V (Pacífico Sul e Sudeste do Oceano Índico).
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA porta das estrelas (I) “One must have chaos within oneself to give birth to a dancing star” Friedrich Nietzsche O projecto centrado na Inteligência Artificial (IA) anunciado por Trump redefine as hierarquias do Vale do Silício. E esclarece a natureza industrial da IA. Desde que venceu as eleições, Donald Trump passou muito tempo a discorrer sobre as estrelas. No início foi Musk, o famoso «astro nascente», por ocasião do primeiro discurso do magnata após a vitória eleitoral. Posteriormente, ainda ligado a Elon, foi a vez de Marte, a estrela vermelha e onde plantar a bandeira estrelada para actualizar o destino manifesto de um povo tão excepcional que precisa tornar-se transglobal. E então, como um raio em céu azul, chegou a hora do Stargate, a «porta das estrelas» com a qual Trump pretende relançar o sonho americano, ligando-o à inovação tecnológica e ao desenvolvimento da IA, com o objectivo concreto de preservar a liderança mundial. Os Estados Unidos devem manter a superioridade tecnológica em relação à China que recentemente desenvolveu um modelo de IA (DeepSeek) capaz de alcançar resultados comparáveis aos do ChatGpt com hardware de nível inferior (segundo eles) e custos mais baixos porque só assim Washington poderá estabelecer com Pequim um «acordo» que é a nova palavra preferida de Trump a partir de uma posição de força. Stargate é um projecto potencialmente revolucionário. Trata-se de investir cem mil milhões de dólares imediatamente, destinados a quintuplicar, para acelerar o desenvolvimento da nova geração de inteligências artificiais, integrando a cadeia de produção material (centros de dados e chips) com a imaterial (gestão informática da nuvem e escrita de algoritmos). Para o fazer, Trump confia naqueles elementos do mundo tecnológico que, até ontem, estavam longe dos holofotes. E sanciona o fim daqueles que, dentro do Estado, estavam ocupados exactamente com essas questões. Em resumo, a “PayPal Mafia” nas suas correntes thielista e muskiana ficará de fora da porta das estrelas, ocupando a antecâmara na companhia de Eric Schmidt, ex-chefe democrata do Google que preside à (caríssima) Comissão de Segurança Nacional sobre IA, agora totalmente vazia de sentido. A decisão de Trump é clara. Como um novo Adam Smith, o magnata propõe uma divisão do trabalho necessária para que nenhum dos grandes homens do sector tecnológico consiga acumular demasiado poder. Não existem estrelas tão brilhantes que possam ofuscar a do presidente, que aplica o mais clássico dos divide et impera. Será que vai funcionar? Para entender, temos que atravessar a porta das estrelas. Quando, no dia 21 de Janeiro passado, Trump apareceu na Casa Branca para anunciar o lançamento do Stargate, havia três pessoas com ele. Menos conhecidas do que Elon Musk, muitas vezes em desacordo com o fundador da Tesla e ansiosas por mostrar ao mundo como também podem ser úteis ao magnata. Depois do presidente, o primeiro a falar foi Larry Ellison, co-fundador e Presidente Executivo da Oracle. A sua empresa trabalha com nuvem, ou seja, armazena quantidades imensas de dados para várias empresas tecnológicas. O empresário de oitenta anos, diante do presidente da sua idade, explica como a IA pode ser útil para a saúde. O seu discurso parece um anúncio publicitário. Mas cuidado com as aparências. Ellison teoriza o uso da IA para implementar um sistema de vigilância total, necessário para que «os cidadãos se comportem correctamente». O Presidente da Oracle é o único que não tem formalmente um papel na organização da Stargate, mas Trump apresentou-o como «CEO de tudo» e também deixou claro que ficaria feliz se comprassem o TikTok. Trump e Ellison são da mesma geração, ambos são nova-iorquinos e conhecem-se há muito tempo. Provavelmente entendem-se muito bem. Em seguida, interveio Masayoshi Son, conhecido como Masa. Ele é o fundador, director representante, executivo corporativo, presidente do conselho e CEO do SoftBank Group (SBG), um grupo japonês de capital de risco, e será o responsável financeiro da Stargate. A tarefa de levar a capitalização da porta das estrelas a quinhentos mil milhões de dólares é, antes de tudo, sua. Mas, acima de tudo, como bom japonês, Masa sabe que o projecto nasceu com uma função antichinesa de que «Isto não é apenas negócio», fazendo questão de especificar. Trata-se de desenvolver a IA para não perder a corrida pela inovação com a China. E talvez também criar um recipiente para promover o desenvolvimento da Arm, a empresa inglesa que comercializa chips de IA e que figura como o carro-chefe dos investimentos da SoftBank. Por último, mas não menos importante, Sam Altman. Em Novembro de 2023, após o caso que abalou os alicerces da OpenAI devido à sua demissão (posteriormente retirada), o Estado entrou na sua empresa. Informalmente. Mas a presença de uma figura como Larry Summers, ex-secretário do Tesouro e muito ligado aos aparelhos de segurança nacional no conselho da empresa-mãe da ChatGpt mostra claramente como o governo queria ter conhecimento das suas dinâmicas internas. Hoje, pouco mais de um ano depois, é Altman que se liga ao Estado. O fundador da OpenAi desempenhará, de facto, o papel de responsável operacional da Stargate. E já obteve um resultado importante, uma vez que a Microsoft à qual a OpenAi está ligada por um contrato até 2030 concedeu à empresa de Altman a possibilidade de utilizar também os serviços em nuvem dos seus concorrentes para este projecto. Em particular, obviamente, os de Larry Ellison, CEO de tudo. Aos principais actores juntam-se a própria Microsoft que disponibilizará a sua plataforma de nuvem (Azure) à Stargate e, obviamente, a Nvidia. Porque não existe IA sem GPUs (Unidades de Processamento Gráfico) para treinar os modelos de aprendizagem automática (machine learning). A Nvidia de Jensen Huang ainda é, de facto, praticamente monopolista no sector, embora o mercado esteja a expandir-se e seja cada vez mais difícil atender à procura. Por fim, o fundo dos Emirados Árabes Unidos (MGX) especializado em investimentos tecnológicos colaborará na gestão financeira da operação. E assim, quase como numa piada, a Stargate é, no final das contas, um recipiente no qual coexistirão um octogenário nascido no Bronx, um japonês de sessenta anos, um jovem guru da IA, a Microsoft, Jensen Huang com o seu casaco de couro e um fundo de Abu Dhabi. A tarefa de Trump será coordenar essa massa humana heterogénea, unindo-a em torno de um objectivo estratégico que é desenvolver a IA para reprogramar o sonho americano e manter a China a uma distância segura. Tudo claro. Como proceder? (Continua)
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesRiqueza O “Relatório da Riqueza Global para 2024” da UBS destaca que os suíços são o povo mais rico do mundo, com um activo médio de 709. 600 US dólares. Em segundo lugar, vêm os luxemburgueses, com um activo médio de 607.500 dólares. Os Hong Kongers estão em terceiro lugar, com um activo médio de 582.000 US dólares, equivalentes a cerca de 4.54 milhões de dólares de Hong Kong. A “Riqueza” inclui os rendimentos pessoais e outros activos depois de deduzidas as dívidas, também designada por “valor líquido”. O relatório também assinala que a percentagem de milionários em Hong Kong é de cerca de 10 por cento, ou seja, em cada dez residentes adultos de Hong Kong um é milionário. O relatório prevê que Hong Kong em 2028 venha a ter 17,3 por cento de milionários. No “Ranking das Regiões Mais Ricas do Mundo em 2024”, outro relatório publicado pela revista financeira “Forbes”, o Luxemburgo surge em primeiro lugar com um PIB de 143.740 US dólares, Macau ocupa o segundo lugar com um PIB de a 134.140 US dólares e Hong Kong classifica-se em 15.º lugar com um PIB de 75.130 US dólares. Dois relatórios financeiros diferentes mostram a situação financeira de Hong Kong e de Macau e existem vários pontos que vale a pena salientar: Primeiro, os milionários de Hong Kong representam cerca de 10 por cento da população e o PIB de Macau surge como o segundo mais alto do mundo. Estes dados indicam a pujança das duas regiões administrativas e as suas impressionantes conquistas sob o princípio “um país, dois sistemas”. Segundo, Macau apresenta um PIB per capita de 134.140 USD. Como todos sabemos, a principal fonte de receitas de Macau provém do jogo e este número reflecte a contribuição do sector para a economia da cidade. O sector do jogo traz rendimentos consideráveis para Macau, mas também comporta perigos escondidos. Embora a pandemia já tenha terminado, a economia não recuperou totalmente e as receitas do jogo diminuíram, o que afecta inevitavelmente a subsistência das pessoas. A economia de Macau dever ser diversificada moderadamente e a sua dependência do sector do jogo deve diminuir de forma a melhorar a vida de todos. Terceiro, o PIB per capita de Hong Kong é de 75.130 USD. Ao contrário de Macau, Hong Kong não tem indústrias que gerem grandes receitas. Se Hong Kong quiser melhorar a sua classificação, tem de criar indústrias que tragam mais receitas para a cidade. Quarto, os activos médios dos milionários de Hong Kong são de cerca de 582.000 USD. É sabido que os activos mais valiosos de Hong Kong estão relacionados com o imobiliário. Se os activos de um milionário incluírem uma casa, mas se essa casa for a sua habitação, então essa propriedade representa apenas um valor facial. Se a casa for vendida, recebe muito dinheiro, mas precisa de comprar outra casa para viver. Por conseguinte, o efeito financeiro deste tipo de activos é limitado. A riqueza traz segurança e é motivo de orgulho para todos. Ambos os relatórios financeiros demonstram a estabilidade financeira das duas regiões administrativas especiais. No entanto, como a economia ainda não recuperou totalmente depois da pandemia, as pessoas devem ter mais cuidado na gestão das suas finanças e dar o seu melhor para desfrutar do prazer que a riqueza traz. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
André Namora Ai Portugal VozesEscândalo no Santa Maria Imaginem. Imaginem um funcionário público ganhar num só dia 51 mil euros. Impossível? Não. Aconteceu no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, com o nosso dinheiro. Um médico dermatologista e outros elementos da sua equipa ganharam em apenas 10 sábados 850 mil euros. Só o médico em causa ganhou 450 mil euros em 10 dias. Como foi possível? Está em investigação porque se trata de uma fraude escandalosa. Em causa está o chamado SIGIC, o Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia, um sistema que permite fazer cirurgias fora do horário laboral, de modo a mitigar as longas filas de espera nos hospitais. Se por um lado aumenta a produtividade e diminui as listas de espera, por outro é um incentivo financeiro para os profissionais de saúde, tendo em conta que recebem dinheiro por isso. Ora, para os médicos poderem fazer cirurgias ao fim de semana, têm de cumprir uma meta. Deve existir um limite máximo de SIGIC a não ultrapassar um terço da produção cirúrgica total. Cada um dos interessados em participar no SIGIC em 2024 deveria produzir em cirurgia regular registada como tal em sistema na proporção estimada de 3:1. Ou seja, seria necessário realizar 66 cirurgias de ambulatório para poder fazer um dia de SIGIC com 22 doentes. A proporção mínima permitida é 2:1. O dermatologista Miguel Alpalhão chefiou uma equipa com mais colegas e uma enfermeira. O caso está a dar que falar todos os dias na imprensa e canais de televisão. O próprio presidente da gestão do hospital afirmou ter ficado estupefacto, mas têm vindo a público notícias de que a gestão do hospital já tinha conhecimento do que se passava há alguns meses. “Não é possível que uma cirurgia de cinco horas pague cerca de 900 euros e haja depois médicos a ganharem mais de três mil euros por tirarem um sinal”, desabafou um profissional do Santa Maria à revista sábado. O problema maior é que o caso de Miguel Alpalhão pode ser particular na magnitude dos valores envolvidos, mas tudo indica que há outros hospitais públicos – e mais especialidades médicas, além da dermatologia – em que os incentivos financeiros ao abrigo do SIGIC, para operar for a do horário regular de trabalho, não têm controlo. Um gestor com conhecimentos do que se passa na especialidade de oftalmologia adiantou que há oftalmologistas a fazerem dezenas de intervenções simples às cataratas aos sábados e aos domingos, que ganham dezenas de milhares de euros. E, nesse caso, o escândalo será gravíssimo na história do Serviço Nacional de Saúde completamente pago pelo Orçamento do Estado, o que significa dinheiro gasto pertencente a todos os portugueses. Mas, toda a moeda tem duas faces. Imaginem que num caso em que já se fala na expulsão do médico Miguel Alpalhão, ele foi para o curso de medicina porque quando jovem teve uma doença para a qual não existia explicação clínica. Em 2016 foi o melhor do seu ano a sair da Faculdade de Medicina de Lisboa. Escolheu dermatologia porque queria uma boa vida. Quem trabalhou com ele descreve-o como “um Dr. House”, com uma memória visual ímpar. Os 400 mil euros que recebeu por dez sábados no hospital de Santa Maria não o arrastaram só para um escândalo – puseram no radar o descontrolo financeiro das cirurgias no SNS fora do horário regular. Como jovem com 24 anos ganhou o prémio Professor Manuel Machado Macedo por se ter formado com a melhor nota do seu ano na Faculdade de Medicina de Lisboa. Um médico que trabalhou com ele descreve o dermatologista, que conheceu quando passou como interno (titular de um estágio pago) no seu serviço no Santa Maria, como “um Dr. House”, numa referência ao personagem da série fictícia, que tem um trato por vezes menos comum e um talento inato para diagnósticos. “Tem uma memória visual sem igual, fez diagnósticos que mais ninguém fez no estágio”, conta o seu professor. Havia médicos mais velhos a colocarem-lhe dúvidas sobre casos mais bicudos, algo invulgar no meio. “Tem uma cabeça brilhante”, afirmou o mesmo professor. Estava, como tantos outros médicos – cuja formação pós-universitária é patrocinada em grande medida pela indústria farmacêutica – no radar de alguns laboratórios (ao todo recebeu 23.422 euros em seis anos, Segundo o Portal da Transparência, quase tudo pago em espécie – viagens, congressos e afins). É professor assistente na faculdade onde se formou, segundo o seu perfil no site da CUF (onde também está listado como clínico no hospital das Descobertas, em Lisboa, e noutro em Torres Vedras). Entretanto, o Ministério Público já abriu um inquérito a tudo o que se passou com o médico Miguel Alpalhão e a sua equipa em Santa Maria. No entanto, não podemos deixar de referir as afirmações da ministra da Saúde que veio dizer que o caso “é muito grave” e que “já se iniciou uma investigação”. Mas, alguém acredita que uma ministra tem competência para exercer um cargo de importância vital como a área da Saúde e nada soubesse do que se passava em vários hospitais do país? Com casos desta natureza e com o que veio a lume também na semana passada sobre corrupção de outros funcionários públicos na Força Aérea, que foram notificados já como arguidos de suspeita de corrupção activa e passiva na aquisição de helicópteros lesando o Estado (todos nós) em cerca de 200 milhões de euros, como é que nos podemos admirar que o partido de André Ventura tenha aumentado a sua votação junto dos portugueses?
Amélia Vieira VozesAtlântida Debruçados agora na luz de Maio, o Verão parece chegar sempre mais cedo na vertigem aquática, e nessa ânsia de seguirmos a sua bonança não nos damos conta daquilo que o mar nos conta nos confins da sua enigmática natureza. O mar é o movimento líquido que a terra expulsou dos seus domínios, e com ele vamos como que deslumbrados na primeira alvorada dos dias bons. Milhões de pés se estendem na sua direção como um pêndulo por onde se deve seguir, que efectivamente ninguém lhe vira a cabeça. Poder-se-ia pensar que um banho de sol nos troca-se as voltas e mudássemos de posição, só que seria inconcebível uma imagem assim. Sabemos hoje que qualquer distopia é de efeito continental, mas a utopia sempre engloba a ilha, no primeiro caso abrasa-se de soberba, no segundo, o mundo tende para uma fraterna igualdade «… aquela terra de suavidade que da orla esquerda do mundo se olvida…é a que ansiamos…» e o que é certo é que esta legenda cabe em nós como um distintivo e comanda de certa forma a orla de alguns em seus estranhos passos. Existem verossimilhanças que nos dão conta da lenda, como o Dilúvio, que Platão identifica mais tarde como sendo o impacto de uma destruição. Talvez se tivesse baseado numa longa tradição oral que partiu do Egipto e fora mais tarde adaptada em forma de poema inacabado, soltando-se uma data que intriga: doze mil anos, que coloca o Dilúvio no tempo onde hipoteticamente a Atlântida se afundou. Seja como for, o senhor do mito da Caverna esteve muito atento aos longínquos movimentos de uma consciência que nunca saiu das nossas quimeras. O facto de ser perdida, preenche o espaço das coisas que poderiam ter sido possíveis e deixámos perder, ou somente foram levadas, e que ao desaparecerem nos coloca num cosmos onde tudo é sonho, desabamento e lembrança. Há uma estrela chamada Scheat que fica na constelação de Pégaso e que se encontra hoje na finalização de Peixes onde Saturno se lhe juntou, e não raro os mitos ligados aos mares afloram com intensa percepção neste ciclo neptuniano com uma longa memória comum diluviana, em certos momentos a altura das marés está entre as nuvens, e somos um grave efeito de uma lembrança que foge como aqueles vislumbres muito refinados que nem a vista alcança. Neste plano muito cósmico, civilizador e quase inefável, o indivíduo é um elemento inexistente, não há ninguém que nos fale de um só dos seus habitantes nem das hierarquias, mas fala-se desses atlantes como de uma dimensão quase paralela que habitou a Terra e onde alguns afirmam terem sido salvos do desastre – que todos no mundo procuram as marcas de um quebranto marítimo, e todas as suas descrições são válidas, e toda a busca uma estrada em que andamos de pé sobre as águas. Este filtro onde a ânsia da verdade se esconde é um estímulo que deixámos partir e que chamamos utopia. Ela será um elemento imprescindível para capturar a rede de união ao redor do mundo e enfraquecer os atributos geofísicos dos quintais de alguns que se acham distantes de outros e de cada um. Desde os Pilares de Hércules a uma imigração para a Gália, para a América, até às ruínas Maias, esta legenda participativa está em todo o terreno onde a humanidade adere a uma estranha raiz comum e dela cria o mito mais longevo. Certifiquemo-nos ainda do impacto literário e vejamos como o domínio criativo foi o que menos se absteve de o lembrar: o Império Russo retoma o tema em dois de seus poetas no fim do século dezanove, Frederick Tennyson, poeta inglês, na música, Manuel de Falla, e a ainda a pintura de Léon Bakst, e seria um trabalho de Posídon enumerar todo o espectro artístico deste legado que muitos creem ser mais hiperbóreo… talvez, afinal são os povos do Norte os que sempre seguram a Atlântida por brumas inimagináveis, mas será sempre Fernando Pessoa que estará nas profecias do mito dando-lhe contornos que ninguém viu. É um poema que começa assim:/ Não sei se é sonho, se realidade, se uma mistura de sonho e vida/ aquela terra de suavidade que da orla esquerda do sul se olvida/ É a que ansiamos/ Ali, ali/ a vida é jovem e o amor sorri. (…) Felizes, nós? Ali, talvez, talvez/ Naquela terra, daquela vez/ A liberdade cria-se e recria-se na grande marcha do tempo, e se a desejarmos como a uma água límpida devemos ir sempre mais longe e mais fundo, que ela é catástrofe redentora. Talvez que esta ânsia de ver o mar e estar com ele não passe de um desejo baptismal para os corpos sadios dos escravizados, e essa Atlântida desconhecida um fragmento perdido que nunca imaginaram.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA Grande América (IV) (Continuação da edição de 22 de Maio) Porque é que Putin não há-de ter mão livre para a Ucrânia? E quando ameaça arrancar a Gronelândia, de uma forma ou de outra, à Dinamarca atlântica (ou a si próprio), em termos que, teoricamente, poderiam desencadear um alívio para os prejudicados através do artigo 5.º do Tratado de Washington, não estará a enterrar a OTAN, o objectivo existencial da Rússia? E, ao mesmo tempo, marcar a vacuidade do Quadrilátero anti-chinês e alinhamentos similares, sempre destinados a ser revogáveis? Partamos do princípio de que não dispomos de nenhum documento parafraseado por Trump, Putin ou outro. Pelo contrário, estamos certos de que nunca poderíamos fazer melhor do que o escritor Leonardo Sciascia, uma vez que entre cavalheiros os entendimentos paramilitares são protocolados com um aperto de mão mesmo virtual. Mas e se o fizéssemos? Teríamos um relatório do grande confronto com o seguinte teor. Título: “Para uma nova ordem do caos”. Parênteses atribuíveis ao Minuteman. Primeiro. Partilhamos um interesse comum em perpetuar a existência dos impérios uns dos outros, bem como dos (al) nossos próprios. (Sorrisos cúmplices.) Segundo. Notamos que uma guerra entre nós não teria vencedores. Todos perdedores. (Felicitações mútuas.) Terceiro. Em comum, teremos amanhã um inimigo oculto que é agora o nosso trunfo supremo, a IA. Tememos que ela se apodere do nosso comando e nos elimine a todos, juntamente com o resto da humanidade. (As últimas cinco palavras parecem irreflectidas.) Quarto. Estabelecemos uma linha vermelha comum a ser estendida ao resto dos Estados e imposta, se necessário, pela força (aqui Putin lembra a Trump as cinco políticas de Roosevelt, suavemente) como proibir o desenvolvimento da IA para além do limiar que não nos permitiria controlá-la. (evoca Fausto, lendo da caverna na adolescência desgraçada. Os dedos de Trump batem com impaciência). Quinto e último. Qualquer alteração ao grande confronto requer a unanimidade. (Os três maiores líderes mundiais cruzam as seis mãos em aprovação fervorosa.) Aparentemente a limpar a mesa de conferências, o sortudo escriba encontrou cartas de jogar espalhadas representando a Ucrânia, Canadá, Gronelândia, Panamá, a Lua e Marte. Entre outras. Os cartéis do México não ficam esquecidos pois são organizações criminosas muito poderosas, não só no seu próprio território, mas também em muitas outras partes do mundo, incluindo a Europa. O termo “cartel” foi utilizado pela primeira vez pelos procuradores da Florida no início dos anos de 1980, durante um processo contra o grupo colombiano de tráfico de droga de Medellín liderado por Pablo Escobar. Esta palavra tem por objectivo traduzir, simplificando, as relações entre grupos criminosos frequentemente em conflito. Faz parte de uma convivência organizada entre clãs, polícias, militares e políticos. Nas malhas desta rede bem oleada, florescem interesses poderosos que vão muito para além de um comprimido de fentanil ou de metanfetamina. Actualmente, as duas organizações mais poderosas são o cartel de Sinaloa e o cartel Jalisco Nueva Generación, que, para abreviar, utiliza o acrónimo (CJNG). Estas estruturas criminosas transnacionais estão envolvidas na produção e no tráfico de droga, na compra e venda de armas, no branqueamento de capitais, no contrabando de migrantes, na exploração da prostituição e da corrupção e na extorsão. Não menos importante, o mercado negro do petróleo e dos combustíveis e de minerais como o ouro e a prata. Nos primeiros nove meses de 2022, a empresa estatal mexicana de petróleo e gás Pemex perdeu setecentos e trinta milhões de dólares devido ao roubo de petróleo através da inserção de torneiras ilegais nos oleodutos. O futuro próximo também parece bastante sombrio devido ao impacto das novas e certamente mortíferas tarifas comerciais contra o México anunciadas por Trump. No estado de Tabasco, a Pemex está a desenvolver um projecto de mil milhões de dólares para um novo campo de petróleo e gás, recentemente descoberto na zona de Bakté, que deverá estar operacional este ano. Não é por acaso que existem fortes tensões entre clãs criminosos em Tabasco. Em 2024, esse Estado ocupava o segundo lugar no México em termos de homicídios. A indústria mexicana de hidrocarbonetos está em crise devido ao esgotamento de importantes depósitos como Cantarell e Ku-Maloob-Zaap. As descobertas recentes são limitadas e o declínio da produção de petróleo e gás pode levar a graves desequilíbrios geopolíticos dentro e entre as fileiras do ilegal. O clã Sinaloa opera em quarenta e sete países. Há vinte e cinco anos que se dedica ao mercado das metanfetaminas e, desde há treze anos, também ao do fentanil. O cartel importa da Ásia os precursores químicos para a produção de fentanil e fabrica os comprimidos nos seus próprios laboratórios, situados em locais onde é mais fácil controlar o território. Sinaloa vive actualmente uma fractura interna. As famílias Zambada e Guzmán (El Chapo) disputam a liderança de todo o cartel. Os conflitos e a guerrilha espalham-se por vários Estados mexicanos sob o controlo do mesmo grupo. Na cidade de Caborca, no meio do deserto de Sonora, tem-se travado uma guerra entre os Guzmán (Los Chapitos) e o cartel de Caborca pelo controlo desta zona chave na rota para o Arizona. Os mercados mais lucrativos para a metanfetamina estão na Ásia e na Oceânia, liderados pela Tailândia, Japão, Austrália e Nova Zelândia. Os lucros podem ser cem vezes superiores aos obtidos com as vendas nos Estados Unidos. O comércio com a China é também importante, alargado pelos mexicanos a um peixe, a totoaba, pescado principalmente no Golfo do México, do qual se extrai a bexiga seca, muito importante na medicina tradicional chinesa. As ligações entre a China e o México são asseguradas por vários portos, entre os quais o de Mazatlán, inteiramente sob o controlo do cartel de Sinaloa, que também cede a utilização de porto de escala a outras organizações criminosas mediante pagamento. Igualmente importante é o porto de Manzanillo, no Estado de Colima, onde operam vários cartéis, incluindo o cartel de Sinaloa, embora o território circundante não esteja sob o seu controlo. No entanto, a maior parte do movimento de drogas e fentanil provenientes da Ásia é efectuada por via terrestre ou aérea. A fronteira com o Arizona está quase totalmente sob o controlo do cartel de Sinaloa. Os postos fronteiriços de San Luis, Rio Colorado e Nogales são funcionais para o tráfico de droga, mas também centros fundamentais para o contrabando de fentanil em comprimidos de marca destinados especialmente a pulverizar a zona de Los Angeles. O movimentado posto fronteiriço de San Ysidro é um cruzamento aberto para o cartel de Sinaloa. Uma vasta rede de túneis facilita a travessia da fronteira entre os Estados Unidos e o México. Os túneis subterrâneos exploram os sistemas de esgotos e de água das cidades fronteiriças. Por vezes, são escavadas ligações entre casas no México e empresas americanas para que as mercadorias possam ser descarregadas e carregadas sem serem vistas. A utilização de drones ou o lançamento de catapultas são acontecimentos raros, mas realçados na imprensa por serem cénicos. O cartel CJNG expandiu-se como um negócio de franchising. Os seus líderes estão ligados entre si por casamento ou laços de sangue directos. Depois do cartel de Sinaloa, é o segundo maior distribuidor de droga nos Estados Unidos. Os principais mercados são o Japão e a Austrália. A “Grande América” são os Estados Unidos prósperos e com poucas disparidades de rendimento e riqueza, onde a pobreza é mínima. As necessidades básicas essenciais, como os cuidados de saúde, são um direito e não um privilégio e estão universalmente disponíveis para todos. Uma nação com justiça e verdadeira como a proverbial senhora de olhos vendados segurando um conjunto de balanças, onde a rectidão é administrada de forma igual, e não apenas na aparência. Uma nação que o mundo admira pela defesa da democracia universal e dos direitos humanos, respeitando os outros. Ao mesmo tempo, os infractores serão rapidamente tratados pela comunidade mundial, reforçada pelas suas capacidades militares muito eficazes. Uma nação que promove e desenvolve tecnologia de ponta para melhorar a vida em todo o lado. Uma nação que é universalmente respeitada pelos seus esforços para viver em condições ambientais óptimas e limpas, mas que não cede aos extremistas das alterações climáticas. E por último, mas não menos importante uma nação com capacidades militares com as quais nenhuma nação sonharia em querer envolver-se. Possível mas absolutamente inexequível com Trump.
Duarte Drumond Braga VozesA cama quente O texto O que é o Neo abjecionismo foi publicado pela primeira vez em 1967, em Textos Locais e, mais tarde, em 1971, em Exercícios de Estilo. Mas já em 1963 tinha sido lido por Mário Cesariny na Casa da Imprensa. O que é mais importante não é tanto Luiz Pacheco deixar claro, nessa performance-confissão, que pediu sem devolver – que pediu sabendo que não ia devolver –, mas que tentou ser livre sozinho e não conseguiu. Precisou do outro, nem que fosse para lhe pedir esmola. Na verdade, o que estava em causa na mão que pede esmola é justamente a necessidade de haver um outro. Penso que a escrita de Luiz Pacheco se dirige muito a esse outro, é como essa cama já suada por outrem onde temos que nos deitar. E como ser livre sendo pobre?, eis a questão. Ele diz que consegue, que é mesmo “intensamente livre, livre até ser libertino, que é uma forma real e corporal de liberdade; livre até à abjeção, que é o resultado de querer ser livre em português”. E que nos interessa isso, a nós e aos nossos belos salários de Macau, que ainda teimam em resistir? Em 2025, Portugal prepara-se para pedir a Luiz Pacheco que, em troca, nos dê sem que tenhamos que lhe devolver. Se eu fosse um mau cronista diria que este nato a 7 de maio de 1925 foi o enfant terrible das letras portuguesas, um homem que escolheu viver nas margens da sociedade, ou outra parvoíce assim qualquer. O projeto “Luiz Pacheco Passeia por Todo o Papel”, delineado a propósito do seu centenário, promete fazer jus ao homenageado, sem cair em semelhantes clichês. Não haverá públicos peditórios ou muito gente a dormir na mesma cama (as famosas camas quentes de Macau?), como no inesquecível Comunidade. Não nos interessa se Pacheco seria ou não contra este aparato académico, que na verdade vai muito além do académico, pois possui forte dimensão de intervenção cultural, coisas que juntas se acham raramente, e ainda por cima por todo o território nacional. Como diria o próprio: “um cadáver nunca terá razão, mesmo que a tivesse tido antes”. Nos só conseguimos olhar com os olhos dos vivos, com os olhos dos presentes. Nunca conseguiremos olhar com os olhos dos mortos. O projeto “Luiz Pacheco Passeia por Todo o Papel” é o eixo central destas comemorações, reunindo instituições académicas e culturais num esforço coordenado para tornar mais presente e Luiz Pacheco. Organizado pelo Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias (CLEPUL) da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, o programa estende-se até 2026. A Comissão Organizadora, coordenada por Rui Sousa, preparou um programa que pretende abranger as múltiplas facetas da vida e obra do autor, editor e crítico. Através da editora Contraponto, fundada em 1950, Luiz Pacheco foi responsável pela publicação de nomes que se tornaram essenciais nas letras portuguesas, como Mário Cesariny, António Maria Lisboa, Natália Correia, Herberto Helder e Vergílio Ferreira. Como autor, Pacheco criou uma obra que possui dimensão autobiográfica e crítica, em textos como “O Libertino Passeia por Braga”, “Comunidade”, “Os Namorados” e “O Teodolito”. Ter que ser escritor, crítico, revisor, editor, até censor, tudo ao mesmo tempo, não é uma graça dada pelo talento, é o percurso obrigatório de um Ulisses que atravessa o bas-fond do fascismo, agora pelos vistos reaparecente. As comemorações incluem congressos internacionais (dois!), exposições, performances teatrais e ainda a publicação das suas obras completas. Cidades como Lisboa, Setúbal, Palmela e Braga – lugares por onde o libertino passeou – serão palco de eventos diversos. O ponto alto das celebrações será o “Congresso Internacional Luiz Pacheco”, nos dias 22 e 23 de outubro em Setúbal e Palmela, que será acompanhada pela inauguração de uma exposição a partir do espólio do autor, em posse do filho Paulo Pacheco, o Paulocas de Comunidade, no dia 23, e por uma leitura encenada de textos, em Setúbal, a 24. A partir de 2026, Luiz Pacheco passeará também além fronteiras, com uma exposição itinerante que, depois de ter passado pelas cidades do seu mapa íntimo, estará também em diferentes países, do Brasil e da Colômbia a Itália, Espanha e Polónia. Na Sertã, no início de julho, a Maratona de leituras ser-lhe-á dedicada. E na Casa da Liberdade Mário Cesariny e Perve Galeria, em Lisboa, está, até final do ano, uma exposição dos seus materiais éditos e inéditos. Também com o apoio do Instituto Politécnico de Santarém, estará patente uma exposição na biblioteca Brancaamp Freire. O texto “O que é o neo-abjecionismo” – a ele voltamos por ser a chave duma obra – procura, precisamente pela ideia de liberdade, transformar em escolha radical certas circunstâncias, antes de mais uma circunstância de 48 anos, é certo, e que toda a gente sabe qual é. Não é fácil. Só se consegue quem tem uma feia cara de gente. E o libertino, não vem passear pelo Fai Chi Kei?
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPrincess Mononoke 520 (II) A semana passada, analisámos os pontos de vista sobre o amor patentes na obra “Princess Mononoke” (“幽灵公主”) do mestre japonês de manga Hayao Miyazaki e também na recente série de televisão chinesa ” A História do Meu Melhor Amigo” (“流金歲月”)”. Em primeiro lugar, ambos os trabalhos sublinham que o amor verdadeiro deseja a felicidade do outro e que isso nos torna felizes a nós próprios. Quando o outro está triste, nós também entristecemos e desejamos sinceramente o melhor à pessoa amada. Em segundo lugar, o amor verdadeiro é livre. Os amantes verdadeiros não sequestram nem restringem o outro em nome do amor, porque esse tipo de amor não é verdadeiro, mas sim a manifestação de uma espécie de controlo para satisfação pessoal. Esse amor acaba por aprisionar ambas as partes numa jaula. Por conseguinte, a deixa mais importante da Princess Mononoke é “Virei ver-te quando tiveres saudades minhas.” Se num casamento houver falta de companheirismo, cuidado e apego, não existe amor e a certidão de casamento é apenas um contrato de servidão. O casal vive numa espécie de jaula, impossibilitado de escapar, mas tendo de viver obrigatoriamente um com o outro. Já que numa relação o que é preciso é existir amor, não há muita diferença se existe uma certidão de casamento ou não, certo? A resposta é “não é bem assim”. Um casal compra uma casa em conjunto para aí residir. Depois de se casarem, têm um bebé. Os pais do marido chamam ao bebé “neto”, bem como os pais da mulher. Duas famílias que antes não se conheciam ligaram-se por causa de uma certidão de casamento. A partir desse momento, o homem tem a responsabilidade de tomar conta dos pais da mulher e a mulher tem a responsabilidade de tomar conta dos pais do marido. O casal também tem de criar os filhos em conjunto. Este exemplo fala sobre cuidar dos pais e dos filhos, a custódia dos ancestrais e dos descendentes e da herança de bens. Existem tanto questões práticas como questões legais que só podem ser protegidas pela lei se a relação do casal for confirmada por uma certidão de casamento. Se quisermos ligar-nos à outra pessoa convenientemente, então o companheirismo, o cuidado e o apego que atrás mencionámos não chegam. Como é que podemos falar sobre “envelhecer juntos, tomar conta dos filhos e dos pais e direitos sucessórios”? Como vamos viver futuramente? Claro que o amor entre duas pessoas é o centro de tudo. O centro deve ser estável antes de considerarmos questões como “envelhecer juntos, tomar conta dos filhos e dos pais e direitos sucessórios.” Estas questões podem afectar o amor entre o casal, mas também são afectadas pelas condições de cada dupla. Suponhamos que um homem na casa dos 50 pede a mão de uma mulher divorciada de 38 anos com uma filha e ela aceita. Para este casal, o núcleo do amor – companheirismo, cuidado e apego – continua a ser válido, mas ainda é importante tomar conta dos pais? A resposta é, não necessariamente. Uma vez que o homem já está na casa dos 50, os pais já podem ter partido há muito, por isso a responsabilidade de tomar conta dos pais fica muito reduzida, e a questão da integração familiar é relativamente simples. Como a mulher já tem uma filha, decidiram não ter mais crianças e focar-se na que já existe. Portanto, o impacto destas questões num casamento pode ser mais limitado ou mais complexo. Se me perguntarem se concordo com os pontos de vista da Princess Mononoke sobre o amor, digo-vos que quero perguntar ao meu amor o que pensa. Posso não aceitar todos, mas também não nego todos em definitivo. Respeito a minha amada e quero estar com ela. Questões como tomar conta dos pais, direitos sucessórios e integração familiar não são importantes para nenhum de nós, mas questões como companheirismo, cuidado, apego e envelhecer juntos implicam um empenhamento a dois, não é algo que se faça sozinho. Amo-te, Princess Mononoke, podes vir ver-me quando tiveres saudades minhas. Talvez isto queira dizer, “Quando pensas em mim, ainda me amas tão profundamente como me amavas ontem.” Se não quiseres parar, se não quiseres ficar num certo sítio, então a minha forma de te amar é “caminhar contigo”, vás para onde fores, quer seja no fim do mundo ou num recanto do mar, ou para lá de centenas de rios e de montanhas, continuarei a caminhar contigo, porque quero segurar a tua mão com força quando caminhas ao meu lado. Se eu puder sussurrar ao teu ouvido todas as noites, “sinto a tua falta todos os dias”, e também espero que “seja Verão ou Inverno, vou amar-te cada vez mais”. Vou escrever-te um artigo e declarar o meu amor por ti, todos os anos a 20 de Maio. Se chegarmos ao topo do mundo, já não poderemos seguir em frente, por favor voa comigo e eu estarei sempre contigo. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
André Namora Ai Portugal VozesO coveiro da democracia Aí está ele! De mão no peito e no pescoço. A desfalecer. Com as televisões todas a cobrir o dia inteiro o trajecto das ambulâncias que o transportava. A aparecer na Praça do Município lisboeta de ligaduras no punho e pensos nos braços, a fingir que chorava à boa maneira bolsonarista e trumpista. Eis, o coitadinho, que merecia o voto dos analfabetos da política, ou melhor, de todos aqueles que não pensaram se não num Messias que salvará Portugal dos corruptos, dos imigrantes e dos ciganos. De seu nome André Ventura, conseguiu captar os descontentes com os partidos da governação em 51 anos de democracia e obter uma votação inacreditável que nenhuma sondagem alguma vez alvitrou. Ventura está na maior. No caminho de coveiro da democracia. O Chega ficará certamente como o partido principal da oposição, já que tudo indica que os votos dos emigrantes na Europa e fora da Europa irão oferecer dois deputados à AD e dois ao Chega. As eleições mostraram, efectivamente, tudo o que temos escrito aqui ao longo dos anos: o descontentamento da classe média, os salários baixos, as pensões de miséria, as escolas com chuva a entrar no seu interior, os jovens sem casa e a emigrarem, os médicos e enfermeiros mal pagos, os agentes policiais com esquadras que mais parecem pocilgas, os idosos sem lares dignos, os pobres sem poder de comprar os medicamentos não comparticipados, os transportes a abarrotar e com passes caros, o IRS a aumentar, os subsídios de renda a serem retirados a mais de 80 mil pobres, as grávidas a terem os filhos em ambulâncias, as consultas e cirurgias a demorarem meses e, algumas anos, a inexistência de habitação social ou de renda acessível, a violência doméstica a aumentar e os prevaricadores a serem mandados em liberdade. Todos estes factos têm sido salientados nestas crónicas e foram todas estas as razões que levaram ao aumento no voto num partido neofascista. Como foi possível que o Alentejo e Algarve sempre socialista e comunista fosse parar às mãos do Chega? Pelo descontentamento que grassa na população portuguesa. O Chega até venceu em Algueirão-Mem Martins, nos arredores de Lisboa, onde a grande maioria de moradores é constituída por empregadas domésticas e funcionários públicos de nível hierárquico inferior que se levantam todos os dias às cinco horas para apanhar um comboio para o trabalho, quando não há greve. Foi este fenómeno do descontentamento com os governantes do PSD e do PS que levou muita gente que não é racista, não é xenófoba, não é pedófila, não rouba malas, a votar no Chega. Votaram eleitores que antes colocavam a cruz no PSD, no PS, no PCP e até no Bloco de Esquerda. Uma amiga nossa do BE transmitiu-me que votou no Chega porque nunca perdoará a Mariana Mortágua ter despedido funcionárias do partido que estavam grávidas. E, por isso, assistimos à queda enorme do BE que fica com Mortágua apenas no Parlamento e com sintomas de em próximas eleições desaparecer do hemiciclo. Quanto ao “hecatombo” do Partido Socialista já se esperava. Um partido que optou por esquecer os jovens, que se transformou num feudo anti António Costa, que tem mais de seis facções no seu interior a degladiarem-se, obviamente que teria de cair na desgraça. Com mais ou menos reflexão, com um novo qualquer secretário-geral, irá demorar muitos anos a levantar-se do chão, se não lhe acontecer o mesmo que ao partido socialista francês. Votos socialistas com familiares a viver com dificuldades foram para o Chega. Votos socialistas anti Pedro Nuno Santos foram para o Livre. Quanto à AD, que foi levada ao colo pelas televisões, está a cantar uma grande vitória. Qual vitória? Aumentou um pouco o número de votos e nem sequer consegue ter a estabilidade normal para governar. Das duas, uma. Ou se alia ao Chega, ou aguarda que o pequeno grupo parlamentar socialista lhe aprove o programa de governo e o orçamento do Estado. As vozes já se fizeram ouvir, tristemente, nas hostes pêpêdistas. Hugo Soares e Paulo Rangel já deram o mote de que em muitas propostas irá existir uma coexistência com o Chega. Os portugueses não pensaram duas vezes. Embriagaram-se com as promessas de Ventura que nunca poderia cumprir, em face de Portugal não ter dinheiro para que os seus desideratos fossem para a frente e votaram numa criatura que já teve o desplante de dizer que “Ainda não viram nada” e “Irei ser o futuro primeiro-ministro”. Ventura é antidemocrático, apenas quer alterar a Constituição, retirar da Constituição a palavra “socialismo”, quer retirar todos os subsídios e as casas às comunidades ciganas, retirar, à laia de Passos Coelho, o subsídio de férias e de Natal, proibir que nas escolas haja educação sexual, que os polícias actuem a matar, de preferência negros porque é um racista puro e quer, essencialmente, que os imigrantes que estão a “aguentar” a Segurança Social sejam expulsos de Portugal, à boa maneira trumpista. A democracia portuguesa corre perigo. Não agora. Mas sim, nas próximas eleições legislativas, se os partidos democráticos não se convencerem que têm de se unir para defender um regime conquistado com muita luta, prisões e deportações de homens antifascistas. Ventura só tem em mente mudar o regime e ser o coveiro da democracia, de forma a poder continuar a receber os parabéns de toda a extrema-direita da Europa e EUA. Ventura – se os portugueses não abrirem bem os olhos e se os governantes não começarem a resolver os problemas de sobrevivência da maioria -, irá para chefe do executivo e a tragédia neofascista será uma realidade em Portugal.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesComo é que Macau se pode salvar? Os mortos não têm voz, mas o acto de suicídio fala sobre infortúnio. Não podemos tapar os ouvidos e fingir que não ouvimos, nem tapar os olhos e fingir que não vemos. A vida de cada pessoa é preciosa e única e um só caso de suicídio já é demais. Em resposta aos recentes casos de suicídio e à descoberta dos cadáveres, o Instituto de Acção Social (IAS) da RAEM, em conjunto com os departamentos governamentais competentes e as organizações de serviços sociais, realizou a “Reunião de Intercâmbio – Vamos juntos desempenhar o papel de guardião da vida, acarinhando às pessoas ao nosso redor”. Nessa reunião, o presidente do IAS informou que tinham ocorrido 18 casos de suicídio no primeiro trimestre de 2025, um decréscimo de quatro comparado com o mesmo período do ano anterior. Sem um decréscimo de casos de suicídio, o IAS não se teria apressado a realizar esta reunião. A estatística não explica tudo, mas é na realidade que se encontra a melhor explicação. Para contar uma história bonita sobre Macau basta ter alguma perícia, mas ser capaz de identificar os problemas e encontrar uma solução é o que verdadeiramente importa. Se o Governo da RAE não tomar medidas práticas para melhorar as condições de vida dos cidadãos e assim restaurar a sua confiança no futuro, as tragédias vão continuar a acontecer. Mesmo que a cobertura dos suicídios feita pela comunicação social seja um eco das directrizes “Seis Coisas para Fazer e Oito para Evitar” do IAS, ou mesmo que nada seja mencionado, acredita-se que os casos de mortes não naturais continuem a aumentar. Polir a imagem dourada de Macau e libertar a cidade do infortúnio não é tarefa difícil. Basta ter a mesma consideração pela vida dos residentes que se tem pelos membros da nossa família, encarar as suas preocupações como se fossem nossas e trabalhar conscientemente e com responsabilidade para proteger a subsistência do povo, promovendo o emprego. Nessa altura, todos os problemas serão resolvidos. Só quando as condições sociais e de sobrevivência forem garantidas é que o país pode estar seguro. A economia de Macau está actualmente afectada por vários factores e a situação não é favorável. Entre eles, existem vários problemas sociais que não foram eficazmente comunicados ou resolvidos através dos meios adequados. Manter a estabilidade através do uso de tácticas de alta pressão e de uma prosperidade quimérica são meras ilusões. Quando caem por terra, as ilusões levam naturalmente a um beco sem saída. Na verdade, desde que o Governo da RAE mostre determinação e tome as medidas necessárias, Macau pode salvar-se. Como as receitas do jogo ficaram aquém das expectativas e estão em andamento diversos projectos de construção de larga escala, é verdade que o Governo da RAE está a enfrentar alguma pressão financeira; caso contrário, este ano os funcionários públicos não teriam tido os salários congelados. Mas com as reservas financeiras acumuladas ao longo dos anos, o Governo da RAE pode concentrar o investimento de capital no desenvolvimento de vários projectos. E com o efeito de sinergia, os problemas económicos de Macau podem ser resolvidos. Quando a situação económica e as condições de vida melhorarem, os residentes de Macau irão naturalmente prosperar e encontrar alegria nas suas vidas. A fim de melhorar as condições de subsistência das pessoas e criar mais oportunidades de trabalho para os residentes, lanço as seguintes sugestões. Por exemplo, transformar o espaço do antigo Jockey Club no “Jockey Club Fun Land”, aproveitar o terreno do “Parque Oceanis” na Taipa, deixado ao abandono, para uma “Casa de Chá Ocean” ou para um “Mercado Nocturno Ocean” com elementos típicos chineses e portugueses, criar um “centro de actividades integradas” no Parque de Seac Pai Van e nos seus arredores, com prestação de serviços diurnos. Também, interligar as escolas da Zona A dos Novos Aterros Urbanos para criar uma “Cidade Escolar”, agilizar a transformação do local do canídromo da Companhia de Corridas de Galgos de Macau (Yat Yuen) num “Jardim Desportivo para os Cidadãos”, introduzir um programa de subsídios com duração de um ano destinado a jovens residentes e encorajar instituições e escolas da rede de ensino gratuito e departamentos governamentais a providenciarem oportunidades de trabalho para os mais novos. Se o Governo de Macau se preocupar com os seus cidadãos, e respeitar escrupulosamente o princípio de que os trabalhadores estrangeiros só deverão ser acolhidos para suprir a falta de mão de obra, reforçar a promoção do jogo responsável e minimizar todos os factores negativos que afectam a saúde mental dos cidadãos, passará a ser o melhor “guardião da vida”.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA Grande América (IV) “America great again with Trump? No. America under trump previously was a joke but this time America is fast becoming a train crash. For a president who’s proud boast was that he never started any wars is pulling out all his fingers to make up for lost time. He will be in power for just four years but the damage he has created already will take decades to repair.” Stephen Leader O pai fundador, Thomas Paine, a que Trump alude quando exalta o senso comum, decretou que “Temos o poder de começar o mundo de novo”. A quintessência do americano é (era?) olhar para cima e para além, para saber se o europeu estava inserido no grupo. A certeza de não ter alternativa. Manifestamente, o seu destino é o declínio, confundido com um eterno presente. O risco da América não é o declínio, é o colapso. Porque, fixada em si, está a alienar o mundo. Enquanto monitoriza compulsivamente a febre, esquece-se de que a sua saúde é sempre relativa à dos rivais que seguem as suas próprias trajectórias. Consideremos a supremacia tecnológica, um parâmetro com base no qual a América determina a classificação das potências. As elites americanas estão unanimemente obcecadas com o facto de os chineses ultrapassarem a América em matéria de Inteligência Artificial (IA). Trump acaba de lançar, entre trombetas, o colosso público-privado Stargate, com um capital futuro declarado (inflacionado) de quinhentos mil milhões de dólares, quando chega a notícia de que uma empresa chinesa autárquica desenvolveu capacidades semelhantes às da OpenAi e associados, gastando uma fracção do que a confiança dos “trustees” espera, através de técnicas de inovação lateral. Pânico na bolsa, nem sequer um Pearl Harbor virtual. Patéticas são as acusações contra Pequim de roubo de tecnologia e de exploração do baixo custo dos seus engenheiros, invejavelmente económicos. A que outra indisciplina se dedicaram os concorrentes durante as revoluções tecnológicas por exemplo, há dois séculos, dos americanos aos britânicos? E quando a IA tirar empregos até a engenheiros qualificados, o que dirá Trump aos seus adoradores? Quando a América aceitar que não negoceia apenas consigo própria, compreenderá que o “bullying” gera resistência porque há culturas e interesses diferentes dos seus. O grande Andrew Marshall aka Yoda, director do “United States Department of Defense’s Office of Net Assessment” de 1973 a 2015, tinha consciência disso quando insistiu no método comparativo na análise de conflitos. Aquele que se considera tão superior que não tem de integrar as culturas e os interesses dos outros na avaliação das relações de poder, enquanto se autoproclama senhor absoluto do seu próprio destino, prepara o terreno para a derrota. Marshall não deixou nenhum herdeiro. E Trump não tem qualquer semelhança com ele. Mas o “Terrível Simplificador” arrisca-se a chegar às mesmas conclusões a que Yoda talvez tivesse chegado, independentemente do seu percurso analítico. A salvação da América não reside num regresso à super ordenação sobre o sistema normal de poder. Nesse esforço, ela desmoronar-se-ia, e todos nós com ela. É melhor, enquanto há tempo, satisfazer primeiro entre (não exactamente) iguais. Revolução que implicaria uma auto-análise pungente. Por sua vez, só concebível com uma distância do “eu” inconcebível em Trump, menos ainda em Musk. Felizmente, a heterogénese dos fins, o velho Arquimedes escorrega no banho e descobre o princípio epónimo, perturba o tédio dos determinismos. O génio estável do acordo aplica a sua arte à geopolítica prática sem a extrair dos modelos matemáticos que enervavam Marshall, apenas porque “é assim que me divirto”. Mas o acordo é troca por definição. Pode sentir-se e talvez ser cem vezes superior ao rival com quem negoceia, mas ao negociar aceita-o tal como é. Legitima-o. E, claro, vice-versa. Então, o melhor ou o mais inteligente vencerá. Recordando a reacção (privada) de John Fitzgerald Kennedy à construção do muro de Berlim “mil vezes melhor um muro do que a guerra! atrever-nos-íamos a parafrasear “mil vezes melhor uma negociação do que o apocalipse!”. O frenesim de mudar tudo para que tudo mude antes que seja demasiado tarde obscurece o início do segundo Trump e pode fazê-lo descarrilar. Não invalida o facto de que, de tanto caos, possa surgir um princípio de nova ordem. Mais do que imperfeito, estamos de acordo. Nada a ver com a paz perpétua kantiana. Algo sugere que um grande confronto não é impossível entre os Estados Unidos, a China e a Rússia. Ajustar o passado e limitar o risco de apocalipse. Quando Trump anuncia que quer tomar pela força toda a América do Norte, não está apenas a actualizar Monroe. Está a declarar um vale-tudo. (continua)
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPrincess Mononoke 520 (I) Na última cena do filme “Princess Mononoke” (“幽灵公主”),realizado pelo animador japonês Hayao Miyazaki, San escolhe ficar na floresta e Ashitaka decide voltar para a aldeia. Embora se amem, a moral da história é o respeito mútuo e a libertação do outro para que possa viver livremente as suas escolhas. O final desta relação lembra-me uma série de televisão transmitida na China continental que se chamava “A História do Meu Melhor Amigo” (“流金歲月”). O protagonista é ´um bem-sucedido homem de negócios de meia-idade e a protagonista é uma estudante universitária que acabou de se formar. Um encontro casual provocou uma história de amor. Devido à diferença de idades, o herói acaba por deixar a heroína ir livremente atrás dos seus sonhos. Mais tarde, a heroína casou-se e teve um filho. Quando o negócio do marido estava à beira de falir, o herói tomou a iniciativa de abandonar o seu próprio negócio e ofereceu-se para trabalhar com Director Executivo para o marido da sua amada e salvar a empresa. Também prometeu dar formação ao marido para que ele se tornasse um excelente patrão em três anos. No final, a heroína divorciou-se, mas o herói continuou a não querer casar-se com ela. Mais uma vez, deixou-a partir em liberdade. A heroína acabou por partir sozinha para Pequim para investir na sua carreira e a história acabou aqui. A Princess Mononoke e a História do Meu Melhor Amigo exprimem coincidentemente dois pontos de vista sobre o amor. Em primeiro lugar, amar verdadeiramente significa ser feliz com a felicidade do outro. Quando ele está triste, nós também entristecemos, e desejamos sinceramente o melhor ao nosso amado. Em segundo lugar, o amor verdadeiro é livre. Os amantes não se sequestram nem se restringem uns aos outros em nome do amor, porque esse tipo de amor não é verdadeiro, mas uma espécie de controlo para satisfazer o amor-próprio. Esse tipo de amor acaba por aprisionar o outro numa jaula. Por conseguinte, a deixa famosa da Princess Mononoke é “Venho ver-te quando tiveres saudades minhas.” O amor implica companheirismo mútuo, cuidado e apego. Companheirismo significa que os dois estão juntos e que se acompanham mutuamente. Cuidado significa que estamos disponíveis para o outro sempre que precisa de nós. Apego é lealdade ao amor. Companheirismo e cuidado requerem tempo e viver em comunhão é um bom alicerce. Só cuidamos e acompanhamos as pessoas que nos são queridas, não fazemos isso pelo outro. Isto é apego. Companheirismo mútuo, cuidado e apego são elementos importantes que constituem o amor. A partir do momento em que estes elementos são estabelecidos, passam a integrar a vida dos amantes. Quando adoecemos, o outro cuida de nós incondicionalmente. Isto é cuidado. Se a doença for prolongada e o teu amor continuar a tomar conta de ti incondicionalmente, isso é companheirismo. Não te abandona quando estás doente. Isso é apego. Os amantes precisam de tempo para obter estes três elementos. Hoje podes andar e falar, não estás doente nem em sofrimento, por isso não podes compreender a importância destes três elementos. Quando é que as pessoas ficam mais susceptíveis à doença? A resposta, claro está, é quando envelhecem, com a idade vamos contraindo vários problemas de saúde. Nos dias que correm, quantos casais ficam juntos desta forma? Só com verdadeiro companheirismo, cuidado e apego, choramos e rimos juntos e desejamos o bem um do outro. Como mencionámos no artigo da semana passada, uma das frases emblemáticas de Sean Lau Ching Wan (劉青雲) sobre o amor é: “um dia vais perceber que não queres viver um amor apaixonado, mas sim ter alguém que nunca desista nem nunca te abandone.” Na próxima semana continuaremos a analisar as mensagens da Princess Mononoke e da História do Meu Melhor Amigo. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
André Namora Ai Portugal VozesO escritor Estava sentado numa esplanada do centro histórico de Santarém. Tinha pedido uma bifana e uma imperial. Pensava nas pessoas que ia vendo passar. Na diferença com que os humanos exteriorizam os seus hábitos nas mais diversas formas de se apresentarem. Passavam raparigas e rapazes com a nova moda de auscultadores nas orelhas, algo que, segundo vários clínicos, vais deixar a nova geração completamente surda aos 60 anos de idade, porque ouvem a música no máximo de decibéis; passavam reformadas com a sua bengala; passavam mães com os seus carrinhos transportando os bebés. É uma satisfação constatar que a natalidade não pára, mas é triste saber que muitas jovens não podem e não querem ter filhos por falta de condições financeiras para os criar e porque a situação das urgências hospitalares para grávidas está um caos; passavam apressadamente homens de pasta e fato e gravata, possivelmente advogados ou funcionários superiores da municipalidade; passavam crianças aparentando 12 ou 13 anos com a mochila às costas de tal forma pesadas que em nada beneficia o futuro das suas colunas vertebrais; passavam idosos com demência com uma senhora africana de braço dado. Ai, se não fossem os imigrantes… não sei quem é que trabalhava nas instituições de cuidados continuados, nos lares, nos milhares de casas de portugueses das classes média e alta como empregadas domésticas, nos restaurantes e cafés, na agricultura e nas obras de construção civil. E ainda temos políticos que querem os imigrantes fora de Portugal, quando nós fomos sempre um país que obrigou à factualidade de termos milhões emigrados pelos quatro cantos do mundo; passavam vendedores disto e daquilo. Penso que disse umas seis vezes que não estava interessado em relógios, carteiras, óculos, chapéus ou isqueiros; passavam polícias na conversa e sem boné na cabeça. Ainda me recordo quando os agentes policiais percorriam as ruas garbosamente fardados e faziam continência quando passava um militar superior fardado. Hoje, não ligam a ninguém e até parece que somos nós que temos a culpa dos seus baixos salários. A dado momento, chegou-se junto a mim um cidadão com o cabelo grisalho mal arranjado, a barba por fazer, com a roupa velha ou pouco limpa e disse-me qualquer coisa que não percebi. Respondi que não tinha trocado porque pagava a conta com o cartão multibanco. O indivíduo balbuciou mais umas palavras e eu pedi para repetir. Ele disse-me que não estava a pedir dinheiro. Desejava que eu lhe pagasse um bolo porque tinha fome. Respondi-lhe afirmativamente e acto contínuo perguntei o que fazia. Respondeu-me, surpreendentemente, que era escritor. Escritor? Mandei-o sentar na mesa e perguntei-lhe se queria uma bifana e uma imperial. Respondeu-me com um sorriso. – Então, você é escritor e tem fome, certamente por falta de dinheiro, não? – É assim. – Mas, não tem dinheiro porquê? – Porque tenho uma reforma de 700 euros, pago 450 pela renda, tenho de comprar alguns medicamentos não comparticipados, pago a electricidade, o gás, a água e fico com muito pouco dinheiro para a alimentação. Não compro roupa ou sapatos há cinco anos. – E a Segurança Social não lhe dá apoio? – Já tentei três vezes e ainda não consegui nada. – Oiça, meu caro, o que escreve? – Já escrevi dois livros sobre o capitão Salgueiro Maia e um sobre o que foi o Movimento das Forças Armadas? – E onde posso comprar os seus livros? – Esgotaram. – E a editora não lhe pagou as comissões das vendas? – Não, porque acordámos que eu não pagaria nada pela produção das obras mas também não receberia nada pelas vendas. Chegou a bifana e a imperial para o meu interlocutor e de um golo bebeu o líquido alcoólico e de quase uma dentada a bifana. A fome era grande e as lágrimas emudeceram-me os olhos. – Ó amigo, coma mais uma bifana… – Se o senhor puder, agradeço muito. – Não me trate por senhor, chame-me André e dê-me a sua morada para eu lhe enviar qualquer coisa que me diga que precisa e o número da sua conta bancária para quando eu puder enviar-lhe uns euritos. O escritor, que me pediu para não mencionar o seu nome, depois de lhe dizer que eu escrevia na blogosfera e que iria abordar aquele encontro. Agradeceu-me sensibilizado e ao retirar-se apenas me disse que eu tinha “caído do céu”. – Porque é que diz isso? – Porque nos dias de hoje há muita pouca gente que ajude o próximo. O escritor foi à sua vida e deixou-me a meditar na pobreza escondida que grassa pelo nosso Portugal. Uma pobreza que se intensifica de ano para ano e que os políticos assobiam para o lado. A pobreza em Portugal é uma realidade que afecta quase dois milhões de pessoas, representando 16,4 por cento da população em risco de pobreza ou exclusão social, de acordo com dados recentes. Embora a taxa de risco de pobreza tenha diminuído em 2023, a desigualdade de rendimentos e a pobreza continuam a ser desafios significativos para o país, com crianças, jovens e famílias monoparentais sendo os grupos mais vulneráveis. Em Portugal, uma em cada cinco pessoas vive em risco de pobreza ou exclusão social. Os pobres estão mais pobres em Portugal. A evolução dos principais indicadores de desigualdade, pobreza e exclusão social divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), a partir do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado em 2024, evidencia alguns sinais contraditórios, que devem ser lidos com um cuidado adicional. Uma parte desses sinais contraditórios resulta dos diferentes períodos de observação das suas principais variáveis. Enquanto os indicadores de nível de rendimento, de desigualdade e de pobreza reflectem a realidade de 2023, os indicadores de privação material e social e de exclusão social traduzem a realidade existente na data do inquérito, isto é, de Março a Junho de 2024. Contudo, o mais importante é que existe muita pobeza escondida no nosso país e há “escritores” com fome e que têm a dignidade e a coragem de pedir pelas ruas que alguém lhes mate a fome e, isso, é o mais triste de uma realidade que a classe política não demonstra ter preocupação, especialmente em manter reformados com pecúlios mensais de 200, 300 ou 400 euros.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA Grande América (III) (continuação da edição de 15 de Maio) E depois, disseram, demasiadas vezes, que a Europa está nas leis da história, mas quem conhece essas leis da história? E quem é que alguma vez impediu os homens, especialmente os grandes homens, de irem contra as leis da história? Estávamos em 1966. Sumantra Maitra tem razão quando lhes pergunta “o que é que vos aconteceu? para os exortar, com alguma ênfase, ao papel de um “país ocidental chave”. A sua tese atravessa a geopolítica da periferia marítima da memória quarentona, actualizada para as crises actuais, como as tensões entre turcos, gregos e franceses, aliados atlânticos de facto alinhados com eles próprios. O que acontece se rebentar um conflito? A Itália poderia concentrar-se na criação de dispositivos locais em algumas áreas-chave, assumindo a tarefa de fornecer apoio logístico e estrutural. Os italianos têm uma marinha bem estruturada. Este é um domínio em que poderiam dar um contributo considerável, tratando da formação e da segurança nas costas sul e norte. Trump e o Pentágono estão correctos, pois nós os Europeus fornecemos a logística, juntamente com os serviços secretos, a cibernética e tudo o que for útil. Mas são os italianos que põem as botas no terreno. Uma ideia que rejeitaram quando o Trump 1.0 os convidou a recuperar a Líbia. Não se tratava de imitar o malogrado desembarque concebido pelo então Presidente do Conselho de Ministros Giovanni Giolitti (1903-1914) em Trípoli, em 1911, a faísca da I Guerra Mundial, o golpe para as comunidades do Norte de África e levantinas italianas de que hoje tanto precisam. A questão era saber se deveriam admitir um forte grau de controlo turco sobre a Tripolitânia, depois o controlo russo sobre a Cirenaica, ou cuidar do seu próprio quintal. Recusaram. Um erro que deve servir de lição para o futuro. O estigma da nossa época é a consciência de que o homem pode acabar com o mundo. Um privilégio até agora reservado a Deus para os cristãos, que tem a última palavra sobre como e quando. Um segredo que se opõe até Cristo, pelo menos segundo Mateus de que “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não. Quanto àquele dia e àquela hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas só o Pai” (24,35-36). “Se o dono da casa soubesse a que horas da noite vem o ladrão, vigiaria e não deixaria que a sua casa fosse arrombada. Por isso, estai vós também preparados, porque o Filho do Homem virá à hora em que menos esperais” (24,43-44). Se este Evangelho se aplica, temos a certeza de que o ladrão está longe de casa, pois nunca antes o homem pensou no Fim. Resta-nos esperar que a misteriosa “Katechon” da segunda carta de Paulo aos Tessalonicenses, a suposta força de contenção que prevalece sobre o caos, atrase o apocalipse e a vinda de Jesus. Se os filósofos e os teólogos discutem sobre o “Katechon” é porque vivemos o apocalipse como presente, não como futuro. Imersos no caos, desfigurados pelo anomos iníquo que o Senhor esmagará “com o sopro da sua boca” (2,8). Será um sinal dos tempos que a Igreja Católica, durante séculos empenhada em infligir-nos “memento mori”, tenha suavizado essa ladainha depois de Hiroshima? Talvez receie perder o monopólio do mistério último, secularizado em conversa de café. Não entremos na diatribe apaixonada de quem, o quê, como é o “Katechon”. Hermenêutica inatingível. O que importa é observar como a percepção de viver dentro do apocalipse, a morte viva, exacerba o desespero do caos que nos paralisa. Ilude-nos a pensar que podemos escapar aos constrangimentos da política, ao modo da razão, à arte do simpósio. Uma tentação que gera terríveis simplificadores de todo o género. Produtores de anomia que pretendem executar com o sopro da sua boca. Trump é o poder que abranda ou acelera a crise americana? Uma pergunta muito europeia. Para um americano, a questão não se coloca. Aqueles que estão convencidos de que pertencem, por graça de mandato divino, à entidade suprema benevolente, super ordenada ao resto dos humanos, tendem a imaginar a sua trajectória como uma sequência de ciclos em constante evolução ascendente. Desenhando círculos sem fim, apenas inícios. Nas fases mais baixas, o americano crente empurra para o topo porque o melhor ainda está para vir.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA Grande América (III) “We are going through a bad stage in the cold war-all wars have their bad stages. But in all wars when one is going through a bad stage one should concentrate first and foremost on the core of the problem; and the core for us is what is left of Western Europe.” Weaknesses of Western Society Pietro Quaroni Nos últimos anos, temos assistido a um interesse sem precedentes dos americanos pela Europa. Inicialmente era “O que querem de nós?”. Uma mistura de condescendência e de desprezo simpático, que suscita respostas embaraçosas ou simplesmente o silêncio, uma vez que não estamos habituados a estabelecer o que podemos querer. Depois, a viragem brusca para “O que fariam no nosso lugar?”. Até ao contra-ataque de Trump. Com ele não há perguntas, apenas acordos pré-cozinhados ou improvisados. Tudo extremamente informal na base de que “Queremos isto, podem ajudar-nos assim, em troca recebem aquele outro. Boa sorte”. Claro que o poder de fogo é totalmente desproporcionado. Mortal é a retaliação em caso de insubordinação. O exemplo pode ser que se fizermos comércio de tecnologias de ponta com os chineses, no mínimo devemos esperar represálias em matéria de direitos aduaneiros e de regime de vistos, por cima da mesa, com passos acompanhados por baixo. O que nos obriga a saber de antemão o que podemos querer do líder e a que preço. Nada de extraordinário. Variantes tácticas de uma estratégia. Esta deveria assentar nos nossos rendimentos geoestratégicos, que não só negligenciamos como até minamos. O sul do continente é mediterrânico em primeiro lugar, europeu em segundo. Mas vive-se este privilégio como uma vergonha. Não aproveitaram a vantagem da viragem médio-oceânica de que desfrutavam desde a abertura do Suez, que hoje corre o risco de fechar desastrosamente devido à crise do Mar Vermelho. O seu olhar marítimo vê as suas águas interiores como um limite e não como uma fonte que os empurra para o mundo e o mundo para eles. Entre as heranças nefastas do seu europeísmo e do complexo de inferioridade que lhe está associado em relação às nações continentais, a hidrofobia é a mais prejudicial. A figura secreta da sua estratégia escapa-lhes pois são ocidentais porque são médio-oceânicos, não porque são europeus. Os seus vizinhos continentais, a começar pelos germânicos, são por vocação anti-médio-oceânicos. Desde tempos imemoriais. Como afirma a “Escola dos Annales”, o conceito de Europa nasceu contra Roma, quando a maré islâmica partiu o mare nostrum em dois, entre os séculos VII e VIII. Uma fractura que continua por resolver e a agravar-se. Continuam os italianos a ser o centro passivo, na melhor das hipóteses reactivo, do Médio Oceano, depois de terem sido o seu pivot decisivo. Ridículo disfarçarem-se de pivots. É urgente voltar a dar sentido à sua geografia de posto avançado ocidental no meio do oceano. E que isso conte mais em relação à Alemanha e à França, que estão viradas directamente para o Oceano Mundial, enquanto eles têm de defender com unhas e dentes a saída pelo Suez e pelo Bab-el-Mandeb (O Estreito de Bab-el-Mandeb, em árabe, “porta da lamentação” é o epicentro da vasta região marítima que se estende desde o Mar Vermelho até às porções ocidentais do Oceano Índico, englobando também o Golfo de Aden e parte do Mar Arábico. Este estrangulamento, que tem apenas vinte e sete quilómetros de largura no seu ponto mais estreito, perto da ilha de Perim, separa o Corno de África do Médio Oriente e serve de antecâmara ao Canal do Suez, a passagem artificial que, desde a segunda metade do século XIX, liga o Indo-Pacífico sem limites ao sistema atlântico através do Mediterrâneo). Juntamente com aqueles que estarão dispostos a trata-los como parceiros do meio do oceano. Em primeiro lugar, e certamente não só, os Estados Unidos. Eles sentem-se aqui em dívida para com o grande diplomata italiano Pietro Quaroni (os seus pensamentos e acções vêm descritas em “Pietro Quaroni, Italian Diplomacy and the Libyan Issue (1945-1949)” de Luciano Monzali) que pertencia a essa raça de servidores do Estado que entendiam esse privilégio como uma contribuição para a política externa. Mesmo contrariando as modas intelectuais, resistindo à tentação da burocracia e da politicagem. O seu opúsculo de ouro sobre o “Pacto Atlântico e Segurança na Liberdade”, publicado há sessenta anos, é de uma actualidade fulminante. Pietro Quaroni sugeria que se “enquadrassem numa política americana periférica” no seio da OTAN, evoluindo de uma “potência do mar” para uma “potência marítima”. O teatro talassocrático distingue-os dos seus parceiros continentais e dá-lhes maior liberdade de movimentos do que a França e a Alemanha. Expresso na “defesa periférica baseada na cintura externa da Europa, Inglaterra, Península Ibérica, Itália e Grécia”. Não sendo uma potência naval, é capital para lhes reavivar o entendimento bilateral com a América como primeira potência mediterrânica, tal como aconteceu com a Inglaterra quando ainda dominava as ondas. Enquanto a sua política externa se manteve firme no princípio de que podiam tomar todas as liberdades excepto a de se voltarem contra a Inglaterra, qualquer tolice que tivessem feito tinha consequências graves; no dia em que esquecessem este princípio, as consequências seriam tais que ainda agora as recordariam. Hoje, em vez da Inglaterra, estão os Estados Unidos, e é a primeira necessidade de a política italiana entender-se com os Estados Unidos como pretende Giorgia Meloni. Não devem deixar-se arrastar, em nome de uma pretensa Europa, para uma política europeia que é de facto-anti-americana. (Continua)
Amélia Vieira VozesGaivota Quem assistiu ao início do Conclave reparou certamente na gaivota que se deteve junto à chaminé onde por essa hora o fumo devia estar já visível diante dos expectantes olhares de milhares de pessoas e meios de comunicação, mas perante uma tão inesperada presença este momento tornou-se um sinal quase profético. Todos nos lembramos do raio que caiu no Vaticano a quando da abdicação de Bento XVI e a estranha impressão causada, um homem que veio então do fim do mundo depois do sucedido sentar-se-ia na cadeira de Pedro como uma gaivota, todo de branco, pairando por cima das púrpuras papais com sapatos argentinos um pouco gastos relembrando as sandálias do pescador. Os sinais andam por todo o lado, umas vezes enfáticos e grosseiros como foi o caso da imagem de Trump como Papa, essa funesta profanação que pode ser até subliminar e de efeito nauseante enquanto medida para todas as coisas, chamando, quem sabe, a atenção para assuntos concretamente fabricados para uma resolução final: mas se o compararmos a este que vem de suceder, o da gaivota, saberemos ver as diferenças, compor o discurso, olhar para o essencial. Os paramentos carregados de soberba nunca vestiram ninguém e ainda deixaram nus os seus vestimentários, mas um acaso pode vestir-nos para sempre com algo que não conhecíamos, que neste curtíssimo espaço de tempo lográmos “vestes” essências com asas no promontório da herança temporal. Yeats fala-nos das aves brancas crendo que todos os poetas amam as aves, falam com elas e as interpretam (cada um certamente à sua maneira) que sempre essa natureza etérea é de seu agrado fazendo parte de uma maravilhosa consciência que teima em não baixar por medo às grades, e foi isso que ali estava, aquela gaivota solitária vinda do recanto mais bonito da alma: / já nos cansa o meteoro, a sua chama, e ainda não se apagou, e não desapareceu; E a luz da estrela azul, suspensa no crepúsculo à beira do céu/… «In-As aves Brancas» Há coisas inesperadas, e isso é bom – acontecimentos súbitos- que a vida não será esse verdadeiro grande deslumbre onde todas as coisas comunicam de maneira diversa sendo os que mantêm a sua essência os mais contemplados? A continuidade é uma asa, uma recta para a eternidade, um ritmo, uma cruz ou um labor, e o que quer que olhemos será pelos olhos dessa alma que nos formou no caminho, só que a a visão das coisas agora se insinua num mundo muito cego que não tem o dom dos verdadeiros invisuais. Ninguém é insubstituível e todos temos faltas, mas há as gaivotas, as chaminés, os raios, a pedra e as núpcias criadoras que neste Maio moram. Os tempos estão agrestes mas ainda não sentimos o que pode significar tal expressão, que o sentimento não é probatório de coisa nenhuma até que venha alguma outra de mais lata que o resgate e transcenda. Francisco deixou o seu papa móvel branquíssimo para a Palestina fazer dele um pronto-socorro, e isso é Gaivota.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesOs cábulas do Hong Kong Queen’s College No passado mês de Abril, durante a realização do teste unificado de História da China no Queen’s College de Hong Kong, vários alunos de uma das turmas copiaram. Gritavam uns para os outros as respostas, consultavam os livros e os iPads. O vigilante tentou várias vezes detê-los, mas não conseguiu. A direcção do Colégio afirmou que só vai castigar os alunos prevaricadores de acordo com as regras internas. O Colégio também notificou os pais sobre este incidente, dizendo que como só falta um mês para os exames finais e, para evitar pressões desnecessárias sobre os estudantes, não se irá repetir o teste. Os resultados do teste unificado de História da China desta turma serão cancelados e a classificação a esta disciplina vai depender do exame final. Para as outras turmas, a classificação à disciplina de História da China tomará em conta os resultados do teste unificado e do exame final. Acontece frequentemente os estudantes copiarem nos testes. Com as novas tecnologias, as ferramentas que lhes permitem “fazer batota” mudam todos os dias. Das tradicionais cábulas em papel até aos dispositivos inteligentes, a evolução destas ferramentas reflecte a erosão da integridade académica através do abuso da tecnologia. Antigamente, os estudantes escreviam as respostas em pedaços de papel, comumente conhecidos por cábulas, e levavam-nos para a sala de exame; ou então pediam para ir à casa de banho e assim consultavam os materiais. Com a popularização dos relógios inteligentes, as funções dissimuladas de comunicação em tempo real permitem cabular remotamente online. Se o vigilante não estiver atento, os estudantes podem usar os relógios inteligentes para este fim, enquanto estão sentados nos seus lugares. Recentemente, apareceram óculos equipados com funções de tradução em tempo real que podem converter directamente os textos de inglês para chinês. A constante evolução destas ferramentas torna o trabalho dos vigilantes cada vez mais difícil. Para apanhar um ladrão, precisamos de provas. Para apanhar um aluno que faz batota, também é preciso ter provas. No entanto, para os vigilantes, é sempre muito difícil obter essas provas; se não conseguirem provar que o aluno copiou, é complicado acusá-lo. No caso da ” cábula em papel “, o estudante pode engoli-la ou escondê-la no momento em que está a ser exposto, ou então discutir com o vigilante e recusar-se a entregar a cábula. Os professores não são agentes da polícia e não têm direito de revistar os alunos, pelo que vários “batoteiros” escapam impunes por falta de provas e naturalmente não podem ser acusados. Estes casos, até certo ponto, levam outros estudantes a arriscar. Não existe certamente falta de alunos diligentes, estudiosos e trabalhadores numa sala de exames. Quando estes alunos descobrem as trafulhices dos colegas, podem escolher denunciá-los, mas se o fizerem o mais provável é virem a ser ostracizados e sujeitos a intimidação. Além disso, o ambiente de exames altamente stressante faz com que a maior parte dos estudantes se foque nas suas próprias respostas, e que não tenha tempo nem energia para observar os outros. Por conseguinte, as denúncias dos colegas representam uma pequena percentagem e a exposição destes casos depende de os vigilantes serem empenhados e quererem descobrir os infractores. Copiar, usar certificados falsos e plagiar são todas violações académica da mesma natureza – desonestidade e más práticas. Nos últimos anos, não é difícil encontrar estes casos nas notícias. Ter ocorrido este incidente num dos mais antigos colégios de elite de Hong Kong, reflecte não só o desvio moral dos estudantes, mas também a distorção dos valores da aprendizagem. Quanto mais os estudantes fazem batota, maior será a alteração de valores e menos estudarão com afinco. O grupo de “elite” criado por falsas conquistas pode parecer conhecedor, mas de facto é desprovido de valor e acabará por expor a sua falta de conhecimento nas respectivas áreas no futuro. Basta pensar: Um médico sem competências pode tratar um doente? Um advogado pode defender o cliente sem conhecer a lei? Este perigo escondido é como uma bomba relógio. O seu poder destrutivo continua a manifestar-se na próxima década ou mesmo mais tarde e, por fim, toda a sociedade pagará o seu preço. Temos de travar este problema. As escolas têm de tomar as medidas adequadas, prescrever o remédio certo, aperfeiçoar as situações que lhe dão azo e cultivar os valores correctos nos estudantes. Conter a batota requer esforços multi-dimensionais. Em primeiro lugar, os estudantes que copiam devem ser severamente punidos e esse comportamento não pode ser tolerado. As escolas devem ter regras para lidar com comportamentos fora do comum. Por exemplo, se pelo menos dois vigilantes virem um estudante a engolir papéis, deve ser desqualificado do exame. Depois do castigo devem ser reeducados. As escolas devem ter disciplinas que versem a integridade académica e cursos obrigatórios que moldem os valores da aprendizagem. É preciso fazer com que os estudantes compreendam que uma nota de 60 não é vergonhosa, mas é vital que percebam que um falso 100 tem de ser punido. Uma vez que esta ideia pedagógica se torne consensual, a sociedade deixará de julgar os heróis pelas suas notas, os estudantes poderão manter os seus valores morais e o espírito empreendedor de “conhecer a vergonha e depois aprender a ser valente” irá reaparecer. Só depois de se salientar a importância de identificar o “real valor” dos estudantes pode a educação voltar ao seu propósito original de “ensinar e partilhar conhecimentos”, os motivos que levam a fazer batota podem diminuir e a promoção de pessoas talentosas deixará de ser um jogo em que se compara número grandes e pequenos. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
André Namora Ai Portugal VozesLegislativas novas, alternativas velhas Nunca tínhamos assistido a uma campanha eleitoral para eleições legislativas de tão má qualidade. Vê-se perfeitamente que certos políticos não têm nível para governar e para apresentar aos portugueses alternativas que lhes provoquem uma vida melhor. E há outros políticos que não esperavam nem estavam preparados para eleições. Uma campanha eleitoral onde se detecta logo à vista desarmada que o povo não está sensibilizado e em grande parte está desiludido com as promessas nunca cumpridas. O povo não quer saber se Luís Montenegro tem uma empresa familiar e saca dinheiro de clientes potenciais com ligações ao Estado. O povo não quer saber se Pedro Nuno Santos comprou um monte no Alentejo ou um Maserati. O povo quer algo de concreto. Quer que a sua vida melhore, que não vá ao supermercado e veja sempre os preços a aumentar; que ao encher o depósito do seu carro constate que o mesmo combustível em Espanha é muito mais barato; quer saber quando é que se constroem mais centrais eléctricas ao redor da Grande Lisboa, para que um apagão nacional não prejudique todo um país e uma capital cheia de milhares de turistas, alguns a dormir no chão do aeroporto – neste particular referir que o apagão foi uma vergonha relativamente à dependência de Espanha e ao fiasco das eólicas e das infindáveis estações voltaicas -, o povo quer ver os seus salários ao nível da Europa e que acabem as pensões de 200, 300 e 400 euros; quer que os seus filhos e netos parem de emigrar por não existir habitação acessível para jovens; quer ver construídos vários lares públicos, a preço acessível aos idosos pobres, com qualidade no bem-estar e bom serviço; quer que a corrupção abandone os departamentos estatais, nomeadamente nas autarquias onde um investidor de um hotel de charme aguarda dois anos pela licença de abertura apenas porque se negou a entregar determinado pecúlio para o edil; o povo quer deixar de ver os terrenos baldios a servirem de grande negócio de certos presidentes de Juntas de Freguesia; o povo quer que acabem com as urgências encerradas e que as futuras mães não tenham que ter os seus filhos no interior de uma ambulância porque a incompetência de uma ministra da Saúde continua a não resolver nada sobre o encerramento das urgências de obstetrícia; o povo só quer que os políticos se compenetrem de que se governam o país, estão a governar para mais de quatro milhões de cidadãos que vivem ao nível da pobreza. A pré e a campanha eleitoral em si tem sido uma desilusão. Os debates televisivos tiveram um índice de audição baixíssimo. Os políticos líderes de partidos com assento parlamentar demonstraram uma nulidade de propostas alternativas para um futuro de 20 ou 30 anos. Debates televisivos mal moderados, onde o funcionário do canal pretendia ser a vedeta e só sabia interromper quem estava ali para debater. O próprio debate entre Montenegro e Nuno Santos foi desinteressante, apesar de Montenegro, surpreendentemente, ter aparecido tenso e nervoso, e por isso, ter perdido o debate. A campanha eleitoral está nas ruas do país e vocês, caros leitores, não acreditam: os banhos de multidão acabaram. As pessoas não se mobilizam por altifalantes que gritam aos quatro ventos que está ali o melhor para primeiro-ministro. Os partidos pagam a “voluntários” que vão atrás dos líderes partidários com bandeiras e gritando vivas ao partido em causa. Já ninguém liga à passagem de uma caravana partidária e, isto, é grave. É sinal que a democracia não tem cumprido o seu papel. De tal forma, que o neofascista André Ventura, que chegou a dizer que iria ser primeiro-ministro, teve atrás dele em determinada localidade cinquenta pessoas, parou, falou para os jornalistas num tom crítico contra a AD e o PS, e lá foi à sua vidinha “trumpinha”… Depois, nesta campanha eleitoral temos algo de risível, mas vergonhoso. São as sondagens. Já estamos habituados a nunca acertarem e a serem realizadas com a normalidade manobradora. Desta feita, a vergonha não existe. Chegámos ao ponto de uma estação de televisão apresentar uma espécie de sondagem diariamente, dando sempre uma vantagem substancial à AD, quando se repara que aquela “informação” apenas visa manobrar os potenciais eleitores para votarem na AD. Há sondagens para vários gostos, mas uma sondagem da Intercampus, que apresentou o Partido Socialista à frente, não foi divulgada em canal televisivo algum, os quais estão nas mãos de Cristiano Ronaldo e de outros milionários como ele. As sondagens, que manobram a opinião do potencial eleitor são o reflexo do tipo de política que hoje se pratica em campanha eleitoral. “A” insulta “B”. “B” insulta “A”. “A” insulta “C”. “C” insulta “A”. “D” insulta “C”. “C” insulta “D”. Querem que faça um desenho? Eu faço: Montenegro insulta Nuno Santos. Nuno Santos insulta Montenegro. Montenegro insulta Ventura. Ventura insulta Montenegro. Mortágua insulta Ventura e Ventura responde do mesmo modo. E isto é política, é alternativa para termos um país melhor? Nem pensar. Portugal está a viver o pior momento de seriedade e de ética política dos seus 51 anos de regime democrático. É pena. E não se adivinha qualquer medicamento para o doente.
Hoje Macau VozesDireito de Resposta da ATFPM Direito de Resposta acerca do artigo “Eleições | PS volta a denunciar alegadas práticas da ATFPM”, da autoria da jornalista Andreia Sofia Silva – Jornal Hoje Macau 9 de maio de 2025 Exmo. Senhor Director, Ao abrigo do Direito de Resposta consignado na Lei de imprensa, os abaixo-assinados, corpos gerentes da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM), para os devidos efeitos concernente à publicação mencionada no assunto em epígrafe, em que é referido o alegado envolvimento de “voluntários” da ATFPM na abordagem de eleitores junto de uma estação de correios de Macau, no contexto das próximas eleições legislativas portuguesas, vêm por esta via solicitar a publicação do seguinte esclarecimento relativamente ao conteúdo do artigo “Eleições | PS volta a denunciar alegadas práticas da ATFPM”, da autoria da jornalista Andreia Sofia Silva – Jornal Hoje Macau, 9 de maio de 2025: A ATFPM rejeita, de forma veemente, as falsidades e insinuações emanadas de fontes vinculadas a um partido político estrangeiro, as quais encontraram eco em certos órgãos de comunicação social portugueses. Os factos divulgados são destituídos de veracidade e não possuem qualquer relação, direta ou indireta, com esta Associação. A ATFPM lamenta a persistência do Partido Socialista em veicular alegações infundadas que visam denegrir a imagem desta instituição, o que configura uma inaceitável ingerência nos assuntos de uma associação sediada na Região Administrativa Especial de Macau. A ATFPM manifesta a sua preocupação face à reiterada prática de indivíduos com ligações e interesses ao referido Partido Político da República Portuguesa em invocar falsidades e imputar factos inverídicos a esta Associação, conduta que se verifica desde 2024. Tal prática, desprovida de qualquer fundamento, é abusiva e merece a mais firme condenação pública, porquanto não foi comprovada qualquer ligação desta organização aos alegados factos. A ATFPM reitera o seu veemente repúdio e informa que pondera o acionamento das medidas legais cabíveis contra o Partido Socialista, em face da sua tentativa de influenciar e manipular a opinião pública em seu favor, nomeadamente no círculo eleitoral da China. Acresce que a ATFPM considera censurável o recurso, por parte do Partido Socialista, aos meios de comunicação social em língua portuguesa para a divulgação de comunicados e queixas, o que configura uma forma indireta de propaganda eleitoral, através de órgãos de comunicação social que recebem subsídios do Governo da Região Administrativa Especial de Macau. Esta utilização dos meios de comunicação social de Macau, por parte do Partido Socialista, não é prática comum entre os demais partidos políticos de Portugal. Gratos pela atenção dispensada, aproveitamos a oportunidade para apresentar a V. Exa., Sr. Director do Jornal Hoje Macau, os nossos melhores cumprimentos. Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau aos 9 de Maio de 2025.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesManifestação contida Durante a “semana dourada”, no 1.º de Maio (Dia do Trabalhador), o centro da cidade de Macau estava inundado por uma multidão, no entanto, o ambiente era contraditório e as pequenas e médias empresas (PMEs) continuam a lutar pela sobrevivência. No primeiro trimestre de 2025 a taxa de desemprego global (1,9 por cento) e a taxa de desemprego dos residentes (2,5 por cento) aumentaram 0,2 pontos percentuais, face aos indicadores do quarto trimestre de 2024. Estes números indicam que o mercado de trabalho de Macau está a sofrer o impacto da recessão económica e o influxo de trabalhadores estrangeiros. As numerosas lojas que fecharam em áreas residenciais reflectem claramente a desolação económica. Embora o “Grande Prémio para o Consumo nas Zonas Comunitárias 2025” pareça funcionar como um acelerador temporário, não ataca a raiz do problema. Existe descontentamento social em relação à administração do Governo da RAEM, no entanto, no 1.º de Maio, exceptuando a situação de um cidadão que foi levado pela Polícia para ser investigado no Ministério Público por ter protestado sem avisar a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), não se registaram manifestações nem protestos. À medida que as queixas do público se acumulam, a atmosfera social tornou-se visivelmente mais silenciosa. E isso será bom ou mau? A comunicação social revelou que o grupo “Poder do Povo” tinha notificado o Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) da sua intenção de organizar uma manifestação de protesto no 1.º de Maio, de acordo com as disposições da lei do “Direito de Reunião e de Manifestação”. Os agentes da polícia “expressaram a sua preocupação repetidamente, promovendo diversas reuniões com membros do grupo para analisarem a situação e tomarem as medidas necessárias” bem como para “os avisar das várias possibilidades perante “situações incontroláveis” que os levariam a ter de assumir a “responsabilidade solidária” ou, caso contrário, arriscarem-se a violar a “Lei relativa à Defesa da Segurança do Estado da RAEM”. Finalmente, os dois principais membros do “Poder do Povo” sentiram o peso da pressão invisível e relutantemente optaram por apresentar uma carta onde expunham os seus pontos de vista à DSAL. Um artigo de outro jornal elogiava o CPSP pela forma com que lidou com este caso. Afirmava que o CPSP tinha aperfeiçoado significativamente a sua capacidade para desactivar “o protesto planeado para o 1.º de Maio”, e acreditava que o CPSP, que supervisiona protestos e manifestações de acordo com a lei, tinha adoptado uma abordagem de “apresentação de prós e contras” para neutralizar um protesto inflamado de forma branda, eliminando possíveis perturbações sociais que daí adviessem. Por um lado, o CPSP respeitou totalmente os direitos dos residentes a protestarem e a manifestarem-se e não rejeitou explicitamente a notificação apresentada pelo grupo “Poder do Povo”. Por outro lado, o CPSP usou a persuasão para convencer o grupo a cancelar o “protesto do 1.º de Maio”. Algumas pessoas tornam-se condescendentes e pensam que a cidade fica mais pacífica sem protestos nem manifestações, e este pensamento é o que mais me preocupa. Alguém com um mínimo de bom senso compreenderá que a acumulação de descontentamento social não é uma força motivadora, mas sim uma força destrutiva. A promulgação da lei do “Direito de Reunião e de Manifestação” destinou-se a salvaguardar a liberdade dos residentes para se manifestarem e protestarem, como garantido pela Lei Básica de Macau, e não para os proibirem. Antigamente, o Governo da RAEM comunicava efectivamente com os organizadores de protestos e de manifestações e coordenava muito bem estes eventos. Infelizmente, nos últimos anos, as autoridades têm estado muito nervosas ou então guiadas pelas suas próprias prioridades; e muitas vezes empolgam os assuntos e remetem-nos apressadamente para o nível da segurança nacional. Se uma ligeira tosse está condenada a causar um vírus altamente contagioso e fatal, desperdiça-se muita mão de obra e muitos recursos e sufoca-se a vitalidade da sociedade! Uma floresta sem qualquer som é aterrorizadora e um rio silencioso está cheio de presságios assassinos. Uma sociedade não pode sobreviver sem algum ruído.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA Grande América (II) (Continuação) “What is great about America? Slavery, Hiroshima, Nagasaki, Indian Removal, segregation, Vietnam War, Watergate.” – Anthony Galli O que conta para o império americano é a Europa Ocidental, “a mãe da América”, ou seja, França, Alemanha, Itália, Reino Unido, Espanha, Portugal e a Escandinávia como abertura para o Árctico e barreira anti-russa (anti-chinesa). Sem esquecer que os menos interessados em proteger a Europa de Leste são os euro-ocidentais. Questão de perguntar aos dinamarqueses, alemães e holandeses se concordam em dar aos polacos e lituanos um peso decisório igual ao seu. Por que razão um Espanhol lutaria contra Moscovo se um estónio decidisse organizar uma revolução colorida na Rússia? Segundo Maitra, o Mediterrâneo continua a ser central para os americanos, mas não o Mar Negro. O nosso Oceano Médio é o ponto fraco da Europa. O perigo não vem do leste, mas do sul. Não se vêm tanques russos na Bélgica. Mas vê-se um número crescente de crises no Mediterrâneo, provocadas pela decomposição de Estados, como a Líbia, por causa dos franceses e dos britânicos. É por isso que a França é um dos países ocidentais fundamentais para a segurança comum. No entanto, nunca percebi porque é que em certas questões, como a defesa total da Ucrânia, a França e a Polónia podem ter posições de falcão. É querer ser mais católico do que o Papa? Ao longo dos séculos, a França foi o bastião do realismo. O que é que aconteceu? A essa pergunta surge a resposta número três que se poderia intitular de revelação, responsabilidade e oportunidade que é o triângulo da nossa segurança. Revelação no sentido apocalíptico acima referido. Trump deixa cair o véu da hipocrisia acordada entre americanos e europeus. Os primeiros fingiam garantir-nos uma protecção ilimitada e nós fingíamos acreditar neles. De tal forma que muitos de nós acreditámos. De facto, funcionou muito bem. Agradecidos, regozijamo-nos. Mas é agora claro que a superpotência não defende todos os aliados até ao limite, alguns a troco de nada, e certamente nenhum de graça. Onde o preço, mais do que monetário, é humano e militar. É uma questão de inverter o postulado de Norstad. Ou seja, ter homens e armas em número e qualidade decentes para que, em caso de guerra, não cairmos num campo de batalha dispensável, bombardeado por amigos e inimigos nucleares. Como teria acontecido se a Guerra Fria tivesse aquecido, o que foi por pouco. Responsabilidade. Se pensarmos que podemos enclausurar-nos num canto do planeta, gozando dos nossos privilégios, a história de onde emergimos vai bater-nos à porta. Vai saquear os nossos apartamentos. Caoslândia avança. Aproxima-se da Europa Mediterrânica pelo Sul e pelo Leste, com as suas torrentes de cólera e de frustração, com a disponibilidade para a violência de povos jovens e sofredores, educados para ver nos europeus de hoje os netos dos seus antigos senhores. O parâmetro decisivo da nossa condição geopolítica é a soma dos factores demográficos e biológicos. A Europa do Sul é a região com o maior número médio de pessoas idosas no mundo, compreendendo actualmente 21por cento da população, com mais de 65 anos. Prevê-se que atinja 30 por cento em 2050 e a Europa diminui a sua população entre 2022 e 2050 em -7 por cento ou seja em declínio galopante até 2080 em comparação com os pelo menos dois mil milhões de pessoas espalhados entre a África boreal e o Levante. A nossa idade média deverá ser superior a 50 anos, contra os cerca de 25 anos dos que nos vão bater à porta. Não é com tanques que se evita esta crise. Militarmente, precisaremos de instrumentos de controlo e interdição navais, aéreos, cibernéticos e espaciais, a par de uma componente terrestre (jovem) credível. Acima de tudo, teremos de desenvolver uma política corajosa de coexistência e cooperação com os povos e regimes do Médio Oriente, do Norte de África à Península Arábica. Regiões onde ainda gozamos de uma boa reputação. No entanto, estamos a dissipá-la como uma pensão vitalícia, quando ela deve ser reconquistada e alargada todos os dias. O plano Mattei de investimentos em África de 5,5 mil milhões de euros é uma gota no oceano. É urgente resolver os antigos diferendos com a margem norte do Mediterrâneo, a começar pela França. O hábito de tropeçarem uns nos outros no pré carré do qual a França é obrigada a evacuar prepara o terreno para o fracasso mútuo. Quanto aos americanos, não pedem mais do que os apoiar, desde que se ponham as botas no chão, se necessário. Oportunidade. A OTAN não é ATAN, com um “a” de aliança. Um lema em si mesmo indigesto para Washington, porque aludiria a uma igualdade impossível entre líder e seguidores. Estamos em dívida para com o apocalítico Donald Rumsfeld por ter revelado, na véspera da agressão ao Iraque, a figura da OTAN e de qualquer outra organização militar liderada pelos Estados Unidos ou por qualquer outro líder. A missão faz a coligação e não o contrário. E é o líder que define a missão. O dogma viveu ameaçado pelos nossos decisores na síndrome do abandono. Estamos tão habituados a considerarmo-nos passivos, a confiar no “Número Um” como em “Nossa Senhora”, que ignoramos o estímulo que o aviso contém. No esquema transaccional dos alinhamentos tácticos que desenham o caos actual, poderíamos transformar a necessidade de confiar em nós próprios em primeiro lugar. Não nos reduzirmos a patéticos cavaleiros solitários. Ainda assim, alguns actos de pirataria suave ajudariam, considerando o quão querido é para os anglo-saxões o desporto de manter alguém honesto e o quão pouco eles nos consideram capazes de proteger os nossos interesses. No mínimo, surpreendê-los-íamos. Nenhuma relação se mantém se cada um considerar a fidelidade dogmática do seu parceiro como um dado adquirido. Um certo grau de infidelidade, ou seja, de iniciativa, ajudaria a cimentar a relação bilateral com os Estados Unidos. O pior acordo possível, sem dúvida alguma.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesA Inteligência Artificial sobre o sexo em Macau Fiz a experiência de perguntar à plataforma de inteligência artificial mais popular que temas sobre sexo, sexualidade e género fariam sentido discutir em Macau. A resposta trouxe três propostas que, embora não muito surpreendentes, achei interessantes. Claro que a plataforma usou alguma liberdade criativa e intelectual — que eu não lhe pedi — para inventar fontes, citações e pontos de vista. Basicamente, foi buscar o que já se sabe sobre Taiwan e Hong Kong, sobre a abertura crescente a temas LGBTQI+, e tentou fazer paralelismos com Macau. Mencionou o Arco-Íris de Macau/澳門彩虹/Rainbow of Macau como a associação mais ativa na defesa dos direitos LGBTQI+ no território, e até inventou entrevistas ao seu fundador, com citações fictícias. A primeira proposta que a inteligência artificial sugeriu é sobre os jovens de Macau e a sua abertura a identidades de género não-binárias e plurais, como forma de navegar entre identidades culturais ocidentais e orientais, e acompanhar mudanças geracionais. No mundo inteiro temos visto um movimento de emancipação nesta área, com muitos jovens a discutirem estas questões abertamente. Se em alguns países as instituições e as políticas acompanham estas mudanças (e noutros até recuam), em Macau o fosso pode ser maior, tendo em conta a sua situação geográfica. Fui procurar estudos que aprofundassem o assunto e encontrei um que inquiriu jovens de Macau entre os 18 e os 25 anos. Os autores analisaram de que forma a adesão ao policulturalismo, a ideia de que as culturas estão interligadas e se influenciam mutuamente, se associa a níveis mais baixos de preconceito sexual, incluindo atitudes negativas em relação a pessoas LGBTQ+. O estudo sugere que a diversidade cultural de Macau, e a crença de que as culturas se misturam, pode criar uma predisposição para aceitar também a diversidade sexual. Mas diria que ainda é preciso explorar mais sobre estas questões, ouvindo testemunhos reais sobre as experiências dos jovens que vivem em Macau. A segunda proposta — que eu já referi por aqui vezes sem conta — tem a ver com a falta de uma educação sexual acessível, inclusiva e focada em promover mais conhecimento e prazer, em Macau e no mundo. Se ainda há uns meses dei o exemplo de Hong Kong, onde se sugeria jogar badminton como forma de gerir a abstinência sexual, diria que Macau não está muito mais aberto a falar de sexo do que isso. Esta falta de discussão cria uma série de complicações que, pela ausência de dados na região, nem sabemos bem qual a verdadeira dimensão do problema. A ausência de uma educação sexual abrangente e inclusiva aumenta o risco de violência sexual, discriminação e propagação de infeções sexualmente transmissíveis. A terceira proposta surpreendeu-me, porque é um tema em que raramente penso: o crescimento do turismo LGBTQIA+ na Ásia e a oportunidade que Macau tem de apostar neste nicho. Sendo a indústria hoteleira o pilar da economia de Macau, faria sentido abraçar esta oportunidade, como já fizeram a Tailândia e Taiwan, criando espaços LGBTQIA+, ou com eventos específicos, como as celebrações do mês do Pride. De acordo com alguns dados produzidos on-line, este tipo de turismo é rentável e está em crescimento. A inteligência artificial até tem ideias interessantes, embora algo genéricas. Mas confesso que me agradou perceber que o algoritmo está afinado para defender os direitos de minorias sexuais e tem um discurso inclusivo. Torna-se perigosa, no entanto, quando começa a inventar dados e informação só para que o argumento soe bem. Ainda assim, em geral, pode ser uma ferramenta útil para discutir estas questões sem julgamento. Como a própria plataforma diz, tem o potencial de “combater mitos, difundir conceitos éticos e incluir perspetivas de grupos marginalizados, democratizando o acesso a uma educação sexual mais completa e positiva.” Nesta sugestão de criação de conteúdos, parecia alinhada com esses valores. Se algum dia vai substituir o trabalho de pessoas como eu, que escrevem sobre estes temas, ou o trabalho de educadores sexuais… talvez ainda seja cedo para tirar conclusões. As pessoas sensíveis e pensantes ainda têm muito a contribuir.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDia de São Valentim na República Checa Em Macau, muitas pessoas sabem que o 1.º de Maio é o Dia do Trabalhador e é um feriado oficial. O mesmo se passa na China continental, marcando o 1.º de Maio o início de um longo feriado. No entanto, poucos sabem que na República Checa o 1º de Maio é o “Dia de São Valentim”. No Dia de São Valentim, os amantes checos seguem a tradição e beijam-se sob as cerejeiras, entoando cânticos ao amor. E o beijo porquê? De acordo com o folclore checo, se uma rapariga não for beijada sob uma cerejeira no Dia de São Valentim, irá “murchar” no próximo ano, perdendo “a juventude e o encanto.” Por isso, um beijo significa “protecção e bênçãos”. E o que é a “protecção no amor”? Em meados de 2015, Sean Lau, o vencedor do Prémio de Melhor Actor do Festival de Cinema de Hong Kong, pelo seu trabalho no filme “Overheard 3”, apresentou a “teoria da nave espacial”. Usou uma frase simples para mostrar como a sua mulher Amy Kwok o protegia: “Quando entro numa nave espacial e viajo para qualquer lugar no Universo, tu encontras sempre uma maneira de me trazer de volta à Terra em segurança.” O significado desta frase é simples e claro. Esteja eu onde estiver, enfrente o que enfrentar, tu trazes-me sempre de volta em segurança. Estás sempre ao meu lado, fazendo-me sentir amado, quente, feliz e em paz. Para além da “teoria da nave espacial”, existe outra frase de Sean Lau que faz parte das “Citações Apaixonadas para a Minha Mulher”: “Um dia, já não vais querer um amor apaixonado, queres apenas alguém que não te abandone.” Será que o verdadeiro amor requer que duas pessoas fiquem juntas? Em Março de 2025, foi divulgada uma notícia em Taiwan, China, dizendo que uma mulher tinha publicado um artigo online, onde contava que tinha um namorado há seis anos, mas acabou por descobrir que ele se ia casar com outra. E isto aconteceu porque o namorado a amava demais e não queria que ela passasse pelo sofrimento causado pela relação com a sogra, por isso decidiu casar-se com uma mulher de quem os pais gostavam, mas que ele não gostava e assegurou à namorada que a sua “relação” não seria afectada. Depois de se casar com outra mulher, namoraria para sempre com a sua amada. O amor implica “protecção e bênçãos”. É a favor da “teoria da nave espacial” ou da “teoria da relação nora/sogra”? O que são “bênçãos”? Em Taiwan, China, a apresentadora do programa de televisão “Yu Meiren”, (Yu Yunjie) não teve contacto com os sogros durante muito tempo. Certa vez foi a tribunal devido a um desentendimento entre a mãe e o marido. Por fim, o juiz declarou que o seu casamento de 16 anos, tinha chegado ao fim. Posteriormente, Yu Meiren perdeu muito peso, mas agora está mais bonita do que antes e a sua disposição mudou. Ela declarou: “Os franceses acreditam que no amor ‘devemos aceitar os que vêm e não devemos reter os que querem partir’. Quando o amor acontece, devemos ser nós próprios, seguir o nosso coração e agir sem esquemas. Quando o amor acaba, devemos respeitar o outro e não tentar prendê-lo ou forçá-lo, o que significa que “deixar partir é a melhor das bênçãos”.” Concorda com a frase “Deixar partir é a melhor das bênçãos, a bênção é o melhor alívio”? A estrela do cinema de Hong Kong Cecilia Cheung expressou certa vez alguma desilusão depois do divórcio: “No amor só há uma coisa que nos pode magoar, é a falta de vontade. Quando não conseguimos viver connosco próprios, infligimo-nos dor.” Talvez que “protecção e bênçãos” tenham significados diferentes para cada pessoa, mas para mim, “Tenho de dizer isto apenas uma vez. Depois de todos estes anos, ainda te amo.” Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo