Lei Sindical | Governo vai demorar 500 dias a realizar concurso público e estudo

O Conselho Permanente de Concertação Social debateu ontem a necessidade de estudar a implementação da lei sindical. Todos concordam com o estudo da lei, mas os patrões estão contra a legislação. O concurso público e a realização do estudo vão demorar quase dois anos a serem concluídos

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo anunciou nas Linhas de Acção Governativa (LAG) a realização de um estudo sobre a necessidade de implementação da lei sindical e, ontem, o Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS) debruçou-se sobre o assunto. Uma coisa é certa: o único ponto em que patrões e empregados estão de acordo é na realização do estudo, que irá demorar cerca de 500 dias (quase dois anos) a ser feito, juntamente com a elaboração do concurso público e adjudicação.

A necessidade de 500 dias foi explicada por Wong Chi Hong, director dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL). “Precisamos de saber quais as condições e requisitos para a implementação da lei sindical, e só assim podemos aumentar a possibilidade de legislar sobre esta matéria. Pretendemos ter políticas e medidas que beneficiem do desenvolvimento de Macau”, disse aos jornalistas no final do encontro.

Um estudo inútil?

Com base nas declarações de Choi Yok Lum, representante do patronato, o consenso será difícil de atingir, mesmo com o estudo feito. “Temos a posição de que não vamos deixar a lei sindical passar, achamos que não é uma ocasião oportuna para fazer a lei.”

“Esta proposta de lei foi apresentada várias vezes na Assembleia Legislativa e foi sempre chumbada, o que quer dizer que Macau não reúne condições para a elaboração da lei sindical”, acrescentou Choi Yok Lum. “Estamos de acordo com a proposta do Governo de adjudicar este projecto de estudo a uma terceira parte, a uma instituição académica, mas achamos que há que ter em consideração as opiniões das diferentes partes quanto ao método de fazer o estudo, orientações e destinatários.”

O responsável disse ainda que as associações já desempenham o seu papel de porta-vozes dos trabalhadores. “Diferentes associações e canais têm os seus meios para a apresentação de opiniões. A parte patronal opõe-se à implementação da lei sindical. Isto é muito claro e desde sempre foi assim. A única coisa em que concordamos é na realização de um estudo por parte de uma entidade académica.”

Lei Chan U, representante dos trabalhadores e membro da Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM), mostrou-se a favor da legislação, até porque os deputados da FAOM (Kwan Tsui Hang, Ella Lei e Lam Heong Sang) entregaram recentemente uma proposta de lei no hemiciclo, que também foi chumbada.

“Se a iniciativa legislativa partir do Governo será mais adequado”, defendeu. “Estamos a entrar na fase de estudo e este foi o resultado decidido pelo CPCS. Estamos de acordo com a realização do estudo preliminar, mas achamos que o Governo deve elaborar esta lei porque, de acordo com o Artigo 27.º da Lei Básica, deve legislar sobre este assunto. Esperamos que o Governo possa acelerar o processo de elaboração da lei sindical”, concluiu.


FAOM quer cinco dias de licença de paternidade

Lei Chan U, representante dos trabalhadores e membros dos Operários, afirmou que a parte laboral deseja a implementação de cinco dias de licença de paternidade no sector privado, bem como 90 dias de licença de maternidade. “Estamos a favor de cinco dias úteis, e insistimos porque os funcionários públicos também têm cinco dias de licença de paternidade remunerados. Em Hong Kong serão cinco dias e esta é uma tendência mundial. Quanto à licença de maternidade estamos a favor de 90 dias, porque assim podemos seguir as convenções internacionais, onde se estabelece 98 dias. Devemos seguir o Governo quanto à proposta dos 90 dias, e depois passo a passo chegar aos 98.”


Governo estuda montantes do salário mínimo

A DSAL vai entregar, nos próximos meses, inquéritos para perceber o impacto do salário mínimo junto dos trabalhadores de limpeza e segurança, e das respectivas empresas. A revisão do valor do salário mínimo poderá ser uma possibilidade, confirmou Wong Chi Hong. “Vamos fazer uma revisão e precisamos de ter estatísticas e fundamentos. Só depois é que vamos decidir se vamos aumentar ou não.” Choi Yok Lum, representante dos patrões, falou de um profundo impacto. “Após a implementação do salário mínimo houve um impacto muito profundo para a sociedade de Macau. Houve muitos conflitos com a implementação da lei. Esperamos que, com este estudo, o Governo possa obter alguns fundamentos e saber qual o impacto.”

30 Dez 2016

Ng Kuok Cheong questiona Governo sobre Lei Sindical

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] deputado Ng Kuok Cheong interpelou ontem o Executivo quanto ao progresso da legislação sindical, frisando que já existem leis do género no Interior da China, em Taiwan e em Hong Kong. Em interpelação escrita, o membro da Iniciativa de Desenvolvimento Comunitário de Macau sublinha que o Artigo 27.º da Lei Básica estabelece que os residentes de Macau gozam do direito e liberdade de organizar e participar em associações sindicais e greves. Apesar do estatuído no preceito fundamental, o deputado lamenta a inércia no que diz respeito à elaboração de uma lei sindical. Ng Kuok Cheong acrescentou ainda que, durante o debate das Linhas de Acção Governativa, o Executivo disse que apenas o Conselho Permanente de Concertação Social pediu um estudo para a elaboração da lei. O deputado levantou algumas dúvidas em relação ao dito estudo: quais as áreas que abrange, qual a data de conclusão, se haverá consulta pública acerca da lei sindical, e se a mesma será aprovada durante o mandato do actual Executivo.

29 Dez 2016

Debate | Song Pek Kei exige Biblioteca Central no NAPE ou novos aterros

É já na próxima quarta-feira que o hemiciclo vai discutir a localização da biblioteca central. Para a deputada Song Pek Kei, que fez o pedido de debate, deveria localizar-se na zona dos novos aterros ou perto do Centro Cultural de Macau

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] construção da nova biblioteca central vai voltar a ser debatida na próxima quarta-feira, mas desta vez numa sessão plenária da Assembleia Legislativa (AL). Apesar de o Governo já ter garantido que a biblioteca central será mesmo erguida no edifício do antigo tribunal, a verdade é que a deputada Song Pek Kei, autora do pedido de debate, entende que há outras localizações mais viáveis.

“Segundo algumas propostas, o Governo poderia escolher um local perto da nova zona de aterros, do Centro Cultural e do Centro de Ciência para construir a biblioteca, pois poderá ser melhor do que a actual localização”, apontou a número três de Chan Meng Kam no seu pedido de debate, entregue ao hemiciclo em Novembro.

Song Pek Kei não se mostra contra o projecto, mas entende que ainda há espaço para analisar a sua localização. “A adequabilidade da realização de um debate sobre a escolha do local tem que ver com a recolha de opiniões mais valiosas para o plano de construção da biblioteca central, pois deseja-se que a construção deste espaço cultural e de grande dimensão seja mais científica, exequível e adequada às exigências dos residentes.”

A deputada estabelece mesmo um paralelismo com a estrutura similar de Hong Kong, edificada há seis anos. “O Governo referiu que a Biblioteca Central de Hong Kong, que entrou em funcionamento em 2010, tem uma área semelhante à da concebida para a Biblioteca Central de Macau e, na altura, o custo de construção atingiu os 700 milhões de dólares de Hong Kong. O custo previsto para a Biblioteca Central de Macau é de 900 milhões de patacas, tratando-se de um orçamento razoável”, entende. “O que difere em Macau é que os edifícios do antigo tribunal e da Polícia Judiciária implicam a protecção do património cultural; a fachada do antigo tribunal vai ser preservada, vão ser aditadas mais construções em cima e efectuadas escavações em baixo para a construção das caves, tratando-se de uma situação mais complexa do que construir um edifício em terreno plano, com provável desperdício de tempo e um custo elevado”, referiu Song Pek Kei.

Será necessário?

A deputada não tem dúvidas sobre os valores orçamentais apontados, mas questiona até que ponto a biblioteca central é necessária num território já composto, na sua óptica, por uma extensiva rede de bibliotecas.

“Segundo a dimensão prevista na concepção da nova biblioteca central, o número de pessoas que esta anualmente conseguirá receber pode atingir até três milhões, distanciando-se significativamente da soma das bibliotecas públicas de todas as zonas, no que à sua utilização diz respeito. Atendendo ao desenvolvimento das bibliotecas comunitárias nos últimos anos, o Governo deve, antes do planeamento da nova biblioteca central, avaliar a distribuição das bibliotecas comunitárias. Chegou a fazê-lo?”, questionou.

Para fundamentar essa questão, a deputada apresenta números. “Segundo estatísticas efectuadas pelos media, em 2015 existiam 86 salas de leitura e bibliotecas públicas em Macau, uma densidade mais elevada do que nas regiões vizinhas. Há ainda 103 bibliotecas escolares, 80 bibliotecas especializadas e 34 bibliotecas de instituições do ensino superior e de escolas técnicas. Portanto, o número total perfaz 305”, concluiu.

A mesma sessão plenária será ainda dedicada ao pedido de debate feito por Ng Kuok Cheong, que quer discutir a implementação do sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo já em 2019.

 

 

 

 

 

Três propostas para votação

A sessão plenária da próxima quarta-feira vai ainda servir para votar, na generalidade, três propostas de lei apresentadas pelo Governo. Uma delas prende-se com as alterações ao Código Penal que visam introduzir os crimes de assédio sexual, prostituição e pornografia com menores. Será ainda votada a alteração ao regime das carreiras dos trabalhadores dos serviços públicos, bem como a proposta de lei sobre o “controlo do transporte transfronteiriço de numerário e de instrumentos negociáveis ao portador”, criada para responder a regras do Grupo Ásia-Pacífico contra o Branqueamento de Capitais. Os deputados vão também votar as alterações nos Serviços de Polícia Unitários, que passam a ter mais responsabilidades na área da protecção civil, extinguindo-se o Gabinete Coordenador de Segurança.

29 Dez 2016

Chan Meng Kam questiona panorama dos talentos bilingues

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] deputado da bancada de Fujian interpelou o Executivo sobre a actual situação de talentos bilingues em português e chinês. Aquando da 5ª Conferência Ministerial do Fórum Macau, o primeiro-ministro Li Keqiang apontou para a necessidade de estabelecer pontes linguísticas que auxiliem aos contactos económicos. Na altura, deu-se particular relevo às áreas das finanças, da contabilidade e do direito.

De acordo com Chan Meng Kam, não existe um plano governativo para a formação em língua portuguesa. “Existem em Macau cerca de 77 mil alunos do ensino secundário, dos quais apenas 3800 estudam português. Ora isto representa uma percentagem abaixo dos cinco por cento”, contextualizou o também empresário ligado ao sector do jogo. Como tal, é necessário o impulsionamento da aprendizagem da língua de Camões com um plano de longo prazo, acrescentou.

Alexis Tam, secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, prometeu que nas Linhas de Acção Governativa do próximo ano esta questão será abordada, nomeadamente com a instalação de um centro de formação de docentes de português, em parceria com instituições estrangeiras. Será, também, aumentado o número de vagas para as bolsas de mérito para os alunos que pretendam estudar a língua ao nível do ensino superior. Para tal, as dez escolas públicas de Macau serão uma boa plataforma para avançar com os estudos.

Para já, as intenções ainda não passaram para a realidade, uma vez que ainda não se sabe como serão implementadas.

28 Dez 2016

Não residentes | Deputados escrevem ao Governo a pedir novas medidas

Lam Heong Sang quer uma lista de sectores em que trabalhadores importados não entram; Ella Lei pretende obter do Governo todos os dados relativos a recursos humanos recrutados ao exterior. Os deputados do sector laboral voltam ao ataque, em nome dos que são de cá

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]ferece um diagnóstico ao Governo e a receita para resolver a maleita: diz Ella Lei que o descontentamento social motivado pelos trabalhadores não residentes se deve à opacidade com que a Administração lida com o assunto. A deputada considera que são insuficientes os dados disponibilizados sobre os recursos humanos recrutados ao exterior, existem falhas na fiscalização e a legislação peca por ser incompleta.

Na interpelação a Chui Sai On, a representante dos Operários recorda que há “um acto administrativo que define que os empregadores devem cumprir a garantia do número mínimo de trabalhadores locais”, para depois lamentar o facto de as autoridades nunca terem revelado o número de não residentes por empresa e por sector de actividade. Esta situação tem, como consequência, que “a garantia surta pouco efeito”, alega.

A deputada entende que falta “um princípio para aprovação” dos pedidos de importação de mão-de-obra, pelo que “as autoridades, na verdade, ajustam a proporção dos trabalhadores locais livremente”, o que faz com que seja “impossível à sociedade julgar a racionalidade das aprovações” concedidas.

Ella Lei frisa que a situação actual causa insatisfação ao sector laboral, mas recorre a outro argumento: também a parte patronal está descontente com o que tem vindo a acontecer. “Algumas empresas recebem muitas mais quotas do que outras, em termos proporcionais”, aponta. “As dúvidas da sociedade nunca ficaram resolvidas. Continua a existir a ideia de que há parcialidade na aprovação dos pedidos.”

Para a deputada, falta também transparência nos dados relativos ao tipo de funções desempenhadas por trabalhadores não residentes. A dirigente dos Operários pretende ainda saber que salários auferem.

“Com a falta de transparência, é inevitável que o Governo seja acusado de estar a autorizar pedidos de aprovação às escondidas”, alerta. “A Administração nunca divulgou junto da população uma análise sobre os recursos humanos do território, bem como um plano para impulsionar a formação dos profissionais locais.”

A rematar a interpelação, Ella Lei pergunta se o Executivo vai divulgar todos os detalhes sobre o quadro actual da importação de mão-de-obra. “As autoridades argumentam que existem muitos sectores em Macau e que a existência de um limite unificado de trabalhadores não residentes não é viável. Os pedidos de importação estão a ser aprovados conforme a situação específica das empresas. Por isso, o Governo conhece muito bem os números e a proporção entre residentes e não residentes”, vinca Ella Lei, que quer conhecer estes dados.

Mudar a lei

O colega de bancada de Ella Lei, Lam Heong Sang, também escreveu ao Executivo acerca da necessidade de defesa do proletariado detentor de BIR. Numa interpelação oral, o vice-presidente da Assembleia Legislativa alertou para as lacunas da lei da contratação dos trabalhadores não residentes, que foram descobertas depois da entrada em vigor do diploma.

Depois de uma revisão legal, o deputado pretende elencar os tipos de emprego onde deveriam ser proibidos trabalhadores contratados ao exterior. Lam Heong Sang gostaria também de ver um limite ao recrutamento deste tipo de mão-de-obra, assim como gostaria que fosse reforçado o regime de fiscalização. De acordo com o dirigente dos Operários, esta medida visa assegurar a garantia dos mais básicos interesses laborais, com o acesso a um salário estável e ao regime de previdência.

Na interpelação, o deputado menciona a possibilidade de implementação de um mecanismo de substituição dos trabalhadores não residentes por residentes. Além disso, salienta a necessidade de acabar com a hipótese de a mão-de-obra estrangeira deixar de trabalhar na empresa que fez o pedido de bluecard. Lam Heong Sang acrescenta também a pertinência de aumentar as penas para quem infringe as leis do trabalho.

O deputado alerta ainda para a inércia governativa neste domínio, uma vez que, em meados de 2015, o Executivo mostrou vontade de rever as leis laborais, em especial no que toca à contratação de trabalhadores não residentes. Nesse sentido, questiona se já há um calendário para a apresentação da proposta de alteração à lei.

28 Dez 2016

Coutinho diz que não teme consequências políticas da detenção dos filhos

Preferiu não esperar pelo próximo plenário da Assembleia Legislativa para falar sobre o assunto. Os dois filhos de Pereira Coutinho foram detidos por suspeita de tráfico de droga, mas o deputado diz-se tranquilo em relação ao futuro político e agradece o apoio que tem recebido

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi o último a entrar numa sala que estava cheia – metade eram jornalistas, os outros eram sócios da ATFPM – e fê-lo sob uma chuva de aplausos. José Pereira Coutinho vive “momentos difíceis”, com a detenção dos dois filhos por suspeitas de tráfico de droga, e decidiu chamar os jornalistas à sede da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau para agradecer o apoio que tem recebido.

“Esta conferência de imprensa foi convocada por mim para agradecer às pessoas. Recebi telefonemas da Austrália, da Europa, de Hong Kong, do Interior da China, foram mensagens de solidariedade e de apoio moral. Não tenho outra forma de agradecer a atenção que as pessoas têm para com aquilo que está a acontecer neste momento com a minha família”, afirmou.

No passado dia 22, a Polícia Judiciária (PJ) divulgou uma nota à imprensa em que anunciou ter detido “os líderes de um grupo criminoso de tráfico de droga local, que colaborava com um grupo criminoso de tráfico transfronteiriço”.

No mesmo comunicado, em que identificaram os suspeitos como sendo “dois irmãos de apelido Kou”, as autoridades explicavam que a detenção, que aconteceu a 21 deste mês, surgiu na sequência de uma denúncia. À PJ chegou a indicação de que os dois irmãos iriam à zona norte para a obtenção de estupefacientes. Os suspeitos foram detidos no local e a Judiciária apreendeu quatro sacos de marijuana, com um peso total de um quilograma. A PJ acredita que a droga iria ser vendida em estabelecimentos de diversão nocturna. No mesmo dia, foi detido um terceiro suspeito perto de um casino no Cotai.

O trigo e o joio

Alegando o segredo de justiça a que “estão obrigados todos aqueles que são conhecedores do caso”, Pereira Coutinho não fez comentários sobre a questão pessoal que levou à realização da conferência de imprensa, tendo apenas confirmado que o filho mais velho está detido preventivamente, enquanto o mais novo se encontra sob termo de identidade e residência.

O deputado preferiu não tecer comentários sobre a posição que tomou relativamente à recém-aprovada lei da droga, que introduz penas mais pesadas para o consumo e tráfico de estupefacientes.

“Pedia o grande favor de respeitar a privacidade da minha família”, disse, na declaração inicial que fez. “Não são figuras públicas ou que tenham estado nos meios de comunicação social no passado. Eles precisam de sossego e de paz para que possamos ultrapassar estes momentos difíceis das nossas vidas.”

“Neste momento, o processo está sob investigação”, prosseguiu. “Nada mais poderei avançar, aguardo serenamente porque confiamos na justiça e, com o tempo, as coisas vão-se consolidando e vai transparecer aquilo que, de facto, se passou”, acrescentou.

Em resposta a um jornalista, o presidente da ATFPM refutou ter de assumir responsabilidades por causa da eventual conduta criminosa dos filhos e chamou à colação o caso Ho Chio Meng. O antigo procurador foi nomeado pelo Chefe do Executivo, mas ninguém assacou responsabilidades ao líder do Governo, argumentou.

“A minha conduta não vai mudar minimamente nas funções que exerço e que terei de cumprir mais um ano como deputado à Assembleia Legislativa. Vou continuar a ser a mesma pessoa, a exercer com consciência as minhas responsabilidades e não esperem de mim facilidades porque tenho um compromisso com os cidadãos de Macau: cumprir rigorosamente o meu mandato”, prometeu.

Questionado sobre as eventuais repercussões políticas de um caso que é pessoal, a nove meses das eleições legislativas, Pereira Coutinho diz estar tranquilo. “Macau é pequeno, as pessoas conhecem-se umas às outras. Não estou minimamente preocupado com o resultado que vier das eleições do próximo ano, porque acredito que, num regime democrático, temos de saber viver com aquilo que as pessoas pensam sobre quem está a trabalhar para servir Macau”, declarou.

“Digo honesta e sinceramente que em nada me está a afectar porque acredito que as pessoas de Macau sabem ver a diferença das coisas. Uma coisa é eu ter de assumir responsabilidades de um caso concreto, da situação concreta. Outra coisa é pessoas adultas – estamos a falar de um rapaz de 31 anos e outro de 27 – que terão de assumir perante a lei as suas responsabilidades.” A confiança do deputado é, segundo explicou, alicerçada nas mensagens que tem recebido nos últimos dias.

Paz e elogios

O presidente da ATFPM contou ainda que houve pessoas próximas que o aconselharam a esperar pelo próximo plenário da AL para explicar “a meia dúzia de pessoas” o que aconteceu. “Eu disse que não, que queria fazer esta conferência de imprensa. A única coisa que quero é paz, é descanso para a minha família”, desabafou, garantindo no entanto estar “psicológica e emocionalmente em forma para enfrentar os futuros desafios” que terá de enfrentar no exercício das suas funções políticas. “Quanto ao futuro, Deus saberá fazer e decidir da melhor forma. Não estou minimamente preocupado.”

Na mesa que serviu para a conferência de imprensa estavam vários membros da ATFPM, num gesto de solidariedade para com Pereira Coutinho. A mais interventiva foi Rita Santos: a presidente da mesa da assembleia-geral fez um discurso emocionado em que não faltaram lágrimas.

Rita Santos fez um rasgado elogio a José Pereira Coutinho, que conhece dos tempos do liceu. Recordou o passado difícil do deputado, a infância passada no Seminário de São José pelas dificuldades que a família teve de enfrentar após a morte prematura do pai, dizendo que “aprendeu com os padres a ser uma pessoa honesta”.

A dirigente da ATFPM lembrou ainda que, desde 1998 – ano em que convidou Coutinho para se juntar à associação – que é visível o empenho do deputado para o bem-estar da população: “Resolve todas as questões que lhe são trazidas com dedicação e amor”.

“Está a passar por uma situação muito difícil. Gostaríamos que continuasse a ter força para trabalhar em prol de Macau”, disse Rita Santos, que acabou por dar a tónica pessoal ao encontro com os jornalistas. “Quem o conhece sabe que está sempre a falar da mulher, dos filhos e do orgulho que tem no neto”, sublinhou. “Não queremos que o nosso líder seja fraco. Ele prometeu-nos que vai continuar a trabalhar”, exclamou, fazendo alusões à “pressão social na Internet” que a dirigente deseja que acabe.

28 Dez 2016

A morte dos deuses é a morte da humanidade

17 DE DEZEMBRO DE 2016, LISBOA

[dropcap]O[/dropcap] céu de chuva dos dias anteriores afastou-se e o dia chega com sol e no mar ondas vigorosas, alguém, em redacção de jornal prepara notas laudatórias para cronologias de morte anunciadas. A cidade vive nesta tarde uma morte profunda, inevitável como todas, por isso absolutamente inaceitável, marcada com o ferro de cronos, irremovível, doentia, miseravelmente fútil. Acresce que ao incontornável aperto do tempo, a companhia viu-se sujeita a contornos orçamentais que, no seu entendimento, não permitem a continuidade do seu projecto, “a intenção de construir um teatro de reflexão com uma função activa na realidade cultural portuguesa”. Ainda talvez incerto, torna-se provável que a Companhia Cornucópia tenha terminado nesta tarde a sua longa, única, brilhante, e inestimável carreira. Em actividade desde 1973, levou a cena, 126 criações, cerca de 5. 100 representações, algumas estreias mundiais, encenadores convidados, co-produções, dezenas de actores em palco. Entre outros escritores dramaturgos, William Shakespeare, Tchekov, Moliére, Genet, Pasolini, Strindberg, Holderlin, Brecht, Garcia Lorca, Gil Vicente, Camões, Almeida Garrett, António José da Silva, Botho Strauss, Samuel Beckett, Heiner Müller, Raul Brandão, Edward Bond, Rui Belo, Rainer Werner Fassbinder, Arthur Schnitzler, Johann Wolfgang von Goethe, Aristófanes, Diderot, Voltaire, Marquês de Sade.

Luís Miguel Cintra, visivelmente cansado e doente, é um gigante da cultura portuguesa do último quarto do século XX e deste início de do XXI. Actor com presença magnética, de profunda sensibilidade e investigador da alma humana, foi e é presença referencial na cinematografia de Manuel de Oliveira, e marco na investigação estética do teatro contemporâneo.

A cidade empobrece, ficamos todos mais pobres, os que se revêem no projecto de criação e no talento do “Teatro do bairro alto” , e aqueles outros, e são muitos, demasiados talvez, que nada conhecem do homem nem da companhia de teatro, ou mesmo aqueles que conhecendo, ou pensando conhecer, estão contra este teatro que nunca quis ser de efeito comercial fácil e alegria tautológica à construção da imbecilidade humana.

“A cidade empobrece, ficamos todos mais pobres, os que se revêem no projecto de criação e no talento do “Teatro do bairro alto” , e aqueles outros, e são muitos, demasiados talvez, que nada conhecem do homem nem da companhia de teatro.”

São várias as vozes que pululam nos comentários nas redes sociais à notícia do fim da companhia, com afirmações tão esclarecidas como certamente quem as produz, de que se a companhia não consegue viver com o subsídio que lhe foi atribuído e com as receitas de bilheteira, deve fechar a porta, também ficam a perder a possibilidade de mais facilmente vir alguma a perceber qual a dimensão deste projecto na elevação do pensamento arcaico ao civilizacional, a relevância da cultura nas sociedades e nas relações entre povos e países.

Entretanto, há outras vozes, sem dúvida mais sábias, e igualmente neste sábado 17 de Dezembro, surge a possibilidade de, talvez, a companhia poder resistir algum tempo mais, a possibilidade de Luís Miguel Cintra e Cristina Reis ( que há dezenas de anos assina o espaço cénico das sucessivas criações) se mantenham em actividade.

Uma conversa em palco, improvisada, sem prévio ensaio, inesperada, e talvez auspiciosa. O Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rabelo de Sousa decidiu ir a palco, o ministro da Cultura, Luís Castro Mendes, também o faz, é um texto em cada um é autor próprio. Luís Miguel Cintra tem esta conversa talvez anteriormente imaginada, mas não programada. Prova-o o cancelamento da visita agendada a Castelo Branco do Ministro da Cultura.

Talvez que o problema do financiamento possa ser ultrapassada favoravelmente à continuação do teatro do Bairro Alto em função criativa, dando continuidade ao que tão brilhantemente tem feito; interrogar o homem sobre os seus anseios, medos, sonhos, fragilidades, grandezas. Ajudar-nos a perceber o que é a final estar vivo em sociedade, o que somos e o que podemos ser.

Talvez Lisboa não tenha cado irremediavelmente mais pobre neste dia, ainda que seja breve e efémero, também o tempo dos mestres, todos ganhávamos com o esforço empenha- do e consistente da tutela no anular, ou avançar no tempo, a perda.

21 Dez 2016

MP | Procurador de Macau relativiza polémica das recomendações

Sónia Chan promete que vai ter mais cuidado. O sucessor de Ho Chio Meng desdramatiza o caso; Chui Sai On só fala dele depois do julgamento. Mas o Chefe do Executivo lembra que Macau é terra pequena onde todos se conhecem

Terra de minudências

[dropcap]O[/dropcap] procurador de Macau, Ip Son Sang, relativizou ontem o caso de familiares de membros do Governo que foram recomendados para trabalhar no Ministério Público (MP), escusando, porém, revelar que cargos desempenham para evitar que sejam estigmatizados.

“Não é conveniente indicar o cargo ou a posição concreta. (…) Penso que será melhor não identificar os colegas e funcionários para não lhes causar estigma”, afirmou Ip Son Sang, à margem da cerimónia do 17.º aniversário da transferência de administração.

A história foi contada, no início da semana passada, em tribunal pelo antigo procurador, Ho Chio Meng, que, ao falar sobre a existência de funcionários com relações familiares entre si no seio do MP durante o seu julgamento, revelou que as duas secretárias de apelido Chan – numa referência a Florinda Chan e a Sónia Chan, respectivamente antiga e actual secretária para a Administração e Justiça – lhe telefonaram, recomendando familiares.

Ip Son Sang rejeitou a ideia de que a imagem do MP tenha sido beliscada pela revelação de Ho Chio Meng, que liderou o organismo entre 1999 e 2014. “Nunca, nunca”, afirmou, garantindo ter “confiança” na equipa de magistrados, o ciais de justiça e funcionários administrativos.

O actual procurador defendeu ainda que “vale a pena manter” a Comissão de Estudos do Sistema Jurídico-Criminal, quando questionado por que razão continua activa. A comissão em causa foi criada em Fevereiro de 2015 e Ho Chio Meng, na qualidade de procurador-adjunto, foi escolhido para a liderar, isto quando se encontrava já sob investigação do Comissariado contra a Corrupção.

A designação para esse cargo na comissão, da qual é único membro, resultou na interpretação de que per- deu o estatuto de magistrado, o que permitiu que, em Fevereiro último, fosse colocado em prisão preventiva. O julgamento de Ho Chio Meng, acusado de mais de 1500 crimes, incluindo burla, abuso de poder, branqueamento de capitais e promoção ou fundação de associação criminosa, teve início no passado dia 9.

A EXIGÊNCIA DE CHAN

A revelação feita pelo antigo procurador, em sede de julgamento, sobre os telefonemas foi confirmada pela actual secretária. Sónia Chan reconheceu ter feito a controversa chamada em 2008 – altura em que desempenhava o cargo de coordenadora do Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais, mas rejeitou qualquer “troca de interesses” ou ilegalidade, algo que reiterou ontem.

Macau é um território muito pequeno onde todos se conhecem, pelo que é “muito difícil” manter a distância, diz Chui Sai On acerca da polémica com Sónia Chan

“Não posso mudar o passado, mas no futuro vou exigir mais a mim própria”, disse aos jornalistas.

Já o chefe do Executivo, Fernando Chui Sai On, evitou pronunciar-se sobre o caso: “Como o processo ainda está no tribunal – e temos de respeitar a independência judicial – não é conveniente estarmos a tecer comentários”. “Assim que terminar o procedimento, se quiserem retomar o assunto estarei ao vosso dispor”, prometeu.

Em termos genéricos, Chui Sai On reconheceu haver preocupações relativamente a “injustiças” ou “por causa de relações” familiares ou próximas, mas recordou que Macau é um território muito pequeno onde todos se conhecem, pelo que é “muito difícil” manter a distância.

“Não posso [ir] na rua [e] dizer: ‘Olha nos próximos cinco anos não te conheço’. Não posso fazer isso”, enfatizou.
Chui Sai On revelou também estar a par da queixa que foi formalmente apresentada, que, garantiu, será tratada de acordo com os procedimentos.

21 Dez 2016

O casaco preto

[dropcap]L[/dropcap]embro-me tão bem. Estava frio, muito frio, e eu usava um casaco preto, o primeiro que comprei cá em Macau. Tinham-me dito que aqui estava sempre calor e, quando fiz a mala, só coube lá dentro o Verão. Na altura a Internet era uma coisa pequena e Macau, Macau tão longe, eram alguns textos sobre acontecimentos históricos e pouco mais, sem qualquer meteorologia. As televisões em Portugal, Portugal tão longe, mostravam ainda uma terra com uma água de tancares e tancareiras.

Naquela manhã de frio, tanto frio, ouvi o hino da mãe pátria e assisti a bandeiras a subir ao vento, rostos cinzentos em vermelhos palanques, o verde RAEM, a festa sem sorrisos. As coisas oficiais não se prestam à felicidade. E eu estava ali porque me tinham dito para estar, porque estava a trabalhar, a pensar que chego sempre atrasada a tudo porque não nasci a tempo. A RAEM fazia dois anos.

Eram tempos ainda de alguma incerteza, como de incertezas tinham sido alguns dos livros que se tinham publicado na antecipação de 1999. Em 2001, as incertezas eram já diferentes, conseguia perceber que eram outras, mas isto tudo era frio, mesmo quando o Verão cabia na cidade. Havia um vento agreste que soprava de algumas bocas mais dadas a esgares do que a considerações políticas de alto nível.

Entretanto o tempo passou e toda a gente se esqueceu de tudo, do medo, da novidade, dos primeiros dias, dos dias que seguiram aos primeiros dias. Eu, que tinha cá chegado sem saber ler nem escrever, tentava aprender as palavras da terra, quantas vezes em vão, com a sensação, no entanto, que podia deixar o casaco preto em casa, que o tempo estava a mudar, que agora era tudo mais normal. Que éramos todos mais normais.

Macau tem pressa em chegar a 2049, quer tudo ao mesmo tempo e não quer nada, não se sabe bem quem lhe traça o destino, quem lhe toca no rosto

Os dias na cidade fizeram-se, à semelhança dos dias noutras cidades do mundo. Os anos atropelaram-se, a terra cresceu, eu nunca tinha visto terra a crescer, só conhecia terra onde crescem coisas. Eu ainda à procura de saber ler e escrever, numa cidade tão arrebatadora, que nos esmaga na pequenez que se sente nos prédios, nas ruas, nas luzes. Em tudo o que, de um dia para o outro, se ergue em direcção ao céu. Um território que constrange de pequeno que é, mas que não pára, não deixa descansar, não deixa pensar porque tudo é demasiado rápido, era para ontem se faz favor.

E de repente chegámos aqui, com certezas acumuladas sobre o que queremos e o que não queremos. E com dúvidas acumuladas também. Macau tem pressa em chegar a 2049, quer tudo ao mesmo tempo e não quer nada, não se sabe bem quem lhe traça o destino, quem lhe toca no rosto, quem lhe dá a mão. Macau não está quase a entrar em 2017, já voou no tempo, os 17 anos do passado são muitos mais, a memória é fraca, tão fraca, há quem fale na RAEM como se ela fosse Macau, a RAEM não é Macau, é sé a RAEM.

Temos certezas acumuladas e devidas acumuladas também. Das dívidas nem vale a pena falar: ninguém paga o que deve aos mortos, sobretudo quando fazem parte de um passado distante. O presente, de certa maneira, também já lá vai. Está tudo de olhos postos no que vai acontecer daqui a dois anos, quem são eles, quem é ele, mandas tu ou mando eu, 2049 está já aí e ninguém quer saber, o futuro pertence sempre a quem acha que manda mais.

21 Dez 2016

Guerras de propaganda

[dropcap]N[/dropcap]ão se fala muito dele, não tem a visibilidade de um canal de televisão internacional como a BBC, a CNN ou mesmo a Russia Today, mas existe no serviço de acção externa da União Europeia (UE) um departamento que tem como função denunciar, contrariar e refutar a propaganda russa. Chama-se East StratCom Task Force – um nome que parece saído de um filme de espionagem, à boa maneira de James Bond. Imbuído de uma lógica que se assemelha à da Guerra Fria, produz duas newsletters por semana, Disinformation Digest e Disinformation Review, quer em inglês quer em russo, em que não apenas elenca aquelas que terão sido as notícias falsas da semana produzidas pela Rússia, como também reforça os pontos de vista da União sobre assuntos prementes. Esta semana, por exemplo, as publicações, distribuídas online, falavam da propaganda “desconstruída” em torno de Aleppo, e da campanha contra as ONGs em curso na Rússia.

Como se viu durante a recente campanha eleitoral para a presidência dos Estados Unidos da América (EUA), as notícias falsas vieram para ficar. Abundam nas redes sociais; no Facebook, por exemplo. Recordo-me particularmente de uma, posta a circular há pouco mais de seis meses, que iria arrumar com as hipóteses de António Guterres ser eleito secretário-geral das Nações Unidas. Tratava-se da alegada apresentação da candidatura de uma mulher – tal como preconizava o ainda secretário-geral Ban Ki-moon –, diplomata filipina, que receberia o apoio de toda a Ásia (China incluída). O pior destas “notícias”, melhor seria se lhes chamássemos boatos, é que são partilhadas e comentadas, passando a fazer parte do conhecimento comum de muitos cidadãos. São alcandoradas ao estatuto de facto. Como a suposta notícia de que Donald Trump teria dito há duas décadas, que a ser candidato presidencial sê-lo-ia pelo partido republicano – “informação” que seria desmentida mais tarde.

A generalização destes boatos veio tornar a vida dos jornalistas ainda mais difícil. São apenas os profissionais da comunicação social se vêem forçados a proceder à verificação de um número cada vez maior de alegados factos, como também vão ter de relatar amiúde a própria existência do boato. A divulgação de que ele corre nas redes sociais pode permitir uma melhor compreensão das narrativas que se pretendem fazer passar e da realidade que se procura construir, isto sem se ter a certeza sobre quem está por detrás do processo, cuja origem é quase sempre impossível de determinar. Mais: os governos passaram a acusar-se uns aos outros – particularmente os Estados Unidos e a Europa, de um lado, e a Rússia, do outro – de “assaltos” informáticos e de ataques cibernéticos, com o objectivo claro de destruir a “imagem” do inimigo. É como se o Muro de Berlim não tivesse vindo abaixo.

Contrariar a lógica de quem quer danificar a imagem de políticos da UE e afectar os valores que são tradicionalmente comuns a uma maioria dos Estados-membros não é uma tarefa fácil. Os ataques cibernéticos que se sucedem um pouco por todo o lado contribuem para ajudar a construir um inimigo – o que facilita a explicação da derrota. Foi assim nos EUA, tem sido assim nos países que se preparam para eleições em 2017, como a Alemanha, a França e a Holanda.

É como se o Muro de Berlim não tivesse vindo abaixo Angela Merkel, por exemplo, disse há dias que vamos todos ter de nos habituar “a vi- ver com eles”. E são quase impossíveis de confirmar de uma forma independente. Os jornalistas limitam-se a citar os porta-vozes dos governos que acusam outros da autoria de roubo de informação e da autoria de notícias falsas. De serem criminosos, portanto.

Os governos passaram a acusar-se uns aos outros de “assaltos” informáticos com o objectivo claro de destruir a “imagem” do inimigo.

Foi assim no rescaldo das eleições nos EUA, em que as autoridades norte-americanas apontaram o dedo à Rússia de Putin de ter estado na origem do furto de informação ao responsável pela campanha eleitoral de Hillary Clinton à presidência dos EUA, John Podesta. Sublinhe-se Putin, pois a acusação dos serviços secretos norte-americanos foi clara: um ataque desta ordem não poderia ter sido feito sem uma ordem expressa do Kremlin.

Dada a incapacidade de a comunicação social provar a fiabilidade das afirmações postas a circular pelos governos – saber-se-á alguma vez se foi Putin quem ordenou o ataque ou se a fuga dos e-mails da campanha de Clinton, divulgados pelo Wikileaks, partiu de dentro da própria estrutura de apoio à antiga secretaria de Estado? –, esta nova guerra torna impossível ao cidadão comum acreditar no quer que seja. É como se de repente tivéssemos passado a viver num mundo de realidades paralelas, saltando de uma para outra ao ritmo do zapping televisivo ou dos sítios que frequentamos na internet. Saúda-se naturalmente a liberdade de escolha, a liberdade de informação. O problema é que a informação nunca foi pura nem foi nunca totalmente objectiva. A informação sempre foi e sempre será enformada por quem a produz e obedece a uma lógica que escapa, em muitos casos, quer ao jornalista quer ao leitor. É como se o trabalho jornalístico estivesse ferido de morte. Parece que os tempos em que era possível acreditar num ou noutro jornalista fazem já parte da história. Há muitos anos, o relato independente do jornalista em cenário de guerra era essencial para se ter uma visão menos contaminada do que se estava a passar. Agora, acreditar que é possível acreditar não ajuda muito, pois torna-nos em simples receptores de informação, como se o processo comunicacional se resumisse à administração de um vacina, na sequência da qual passássemos todos a pensar o mesmo.

Este estado de coisas aproveita a quem? Numa primeira leitura, a Putin. Ao pôr em evidência os podres da democracia “ocidental”, o Presidente russo estaria não apenas a vingar-se pela divulgação dos Panama Papers, que, ao porem em evidência o modo de funcionar dos oligarcas russos, terão sido percepcionados no Kremlin como um ataque proveniente de Washington, mas também a sublinhar uma equivalência moral entre o “ocidente” e a Rússia. Todo este caldo de cultura – a incerteza, as instituições frágeis – seria o enquadramento perfeito para justificar uma liderança autoritária do tipo da de Putin. Mas esta é apenas a leitura que é feita por alguns analistas “ocidentais”

21 Dez 2016

Veículos de Macau já podem circular na Ilha da Montanha

Os veículos de Macau já podem andar na Ilha da Montanha. A ligação foi oficialmente aberta ontem e contou com a presença de Wong Sio Chak. O secretário frisou que a cooperação com os vizinhos está ainda no início, mas é já um marco na promoção da competitividade regional

[dropcap]F[/dropcap]ontem oficialmente aberto o acesso de veículos de Macau à Ilha da Montanha. A cerimónia, que coincidiu com a comemoração do 17.º aniversário da transferência de administração, teve como representante oficial do Governo da RAEM o secretário para a Segurança. Para Wong Sio Chak, foi “uma medida muito bem ponderada”.

A abertura da ligação rodoviária entre as duas zonas está ainda na primeira fase. O secretário explicou que poderão existir mais etapas dependendo dos trabalhos que venham a ser feitos no aperfeiçoamento da ligação.

E a China aqui mais perto

O reforço da cooperação regional e o alcance de uma melhor ligação com os mercados do Interior da China e internacionais foram alguns dos aspectos sublinhados pelo governante na cerimónia da entrada em circulação de veículos de Macau na Ilha da Montanha. O objectivo, reiterou, “é a ampliação de espaço de Macau, o fortalecimento de sinergias para o seu desenvolvimento e a promoção de uma diversificação moderada da economia local”.

A abertura à circulação de veículos de Macau para este território da China Continental é fruto do incremento do mecanismo de cooperação entre a província de Guangdong, a cidade de Zhuhai e a RAEM. A ideia é promover “uma nova zona económica de classe mundial e uma comunidade com uma qualidade de vida elevada”.

DEVAGAR SE VAI AO LONGE

Se para já a medida é tomada com cautela, o objectivo das próximas fases tem objectivos mais alargados. “Acreditamos que, no futuro, esta liberdade de circulação facilitará o intercâmbio das populações de ambos os territórios, aperfeiçoando a aquisição de recursos para o desenvolvimento regional, promovendo a cooperação de complementaridade de Guangdong- -Macau, principalmente na economia de Zhuhai-Macau”, referiu o secretário. Em causa está o desejo de consolidar a cooperação, capacidade e competitividade regionais.

A ideia é promover “uma nova zona económica de classe mundial e uma comunidade com uma qualidade de vida elevada”, diz Wong Sio Chak

Para já, nem todos os veículos com matrícula de Macau vão poder circular livremente na Ilha da Montanha – têm de ter permissão das autoridades. Wong Sio Chak promete novidades para breve, sabendo-se já que o processo se vai desenrolar em diferentes fases e que terão prioridade condutores com ligações a Hengqin.

21 Dez 2016

Aniversário da RAEM | Cooperação com o Continente marca discurso de Chui Sai On

Foram palavras viradas para Norte, com o Chefe do Executivo a defender a importância de Macau desempenhar o papel de plataforma de acordo com as políticas nacionais e a ideia “Uma faixa, uma rota”. Para os de cá, o líder do Governo deixou promessas de bem-estar

Um bom lar na Grande China

[dropcap]S[/dropcap]olidificar Macau enquanto plataforma de acordo com o projecto “Uma faixa, uma rota” foi a ideia que marcou a intervenção de Chui Sai On na celebração oficial do 17.º Aniversário da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM). O objectivo, sublinhou o Chefe do Executivo, é responder “às necessidades nacionais e às vantagens específicas de Macau”.

Na cerimónia que decorreu na manhã de ontem na Torre de Macau, Chui Sai On salientou que o território está em fase de ajustamento económico, sendo que as perspectivas locais são encaradas com cautela. “Apesar das previsões para 2017 apontarem muitas incertezas na economia mundial, continuamos a encarar com optimismo cauteloso a perspectiva do desenvolvimento económico de Macau. Acre- ditamos que, no próximo ano, a economia local terá um desenvolvimento estável, e estamos confiantes de que será alcançado um crescimento positivo”, afirmou o líder do Governo.

Para desenvolver acções que façam convergir as políticas nacionais e as particularidades de Macau, Chui Sai On fez referência ao primeiro plano quinquenal do território. Com a iniciativa pretende-se, “através de um planeamento de alto nível, projectar o quadro-geral do desenvolvimento socio-económico local para os próximos cinco anos e serve de orientação para o desenvolvimento nos próximos tempos”, disse.

O discurso não passou sem menção à recente visita do primeiro-ministro, Li Keqiang, no âmbito da V Conferência Ministerial do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. Chui Sai On optou por destacar “a cooperação absoluta” com a China Continental. “Iremos, de acordo com as necessidades do nosso país e com as vantagens específicas de Macau, articular estreitamente a construção do princípio “Um centro, uma plataforma” com a construção da “Uma faixa, uma rota”, apontou o Chefe do Executivo.

Chui Sai On não deixou de sublinhar que o bem-estar da população é a sua maior prioridade: “O desenvolvimento de iniciativas relacionadas [com a população] tem sido, desde sempre, uma das nossas prioridades governativas”.

O Chefe do Executivo sublinhou que vão continuar a ser feitos trabalhos “em benefício do bem-estar dos cidadãos, aperfeiçoando os diversos regimes, coordenando o planeamento urbano e a construção urbana, e atenuando os problemas quotidianos com que os cidadãos se deparam, designadamente o trânsito e a habitação, de forma a elevar o reconhecimento social de que Macau é um bom lar”.


PEREIRA COUTINHO FLEXIBILIZAR PARA CIRCULAR

“É um discurso de ocasião e virado para o futuro”, reagiu o deputado Pereira Coutinho ao HM após a cerimónia de celebração do 17.o aniversário da RAEM. Para Pereira Coutinho, “é evidente que a integração de Macau na China Continental é extremamente importante”. O início da circulação de carros entre Macau e a Ilha da Montanha é uma medida muito significativa para o deputado, no sentido do território “se virar mais para o exterior”. Pereira Coutinho não deixou de reiterar a importância que o Governo deve dar à função pública, às questões relacionadas com a saúde e com o trânsito, tendo em conta as obras que estão a ser feitas em Macau. As medidas anunciadas na passada segunda-feira, para atenuar dos trabalhos nas vias são, para o deputado, insuficientes: “Não acredito que deixem de criar complicações e transtornos na vida das pessoas”. Para o deputado, a solução passa por investir em soluções de transporte entre Macau e o Continente. “Há muita gente a viver no interior da China e há muita gente que vem para Macau diariamente, portanto, há que flexibilizar a deslocação das pessoas. A livre circulação entre Macau e zonas do interior da China poderia atenuar a sobrecarga de trânsito local”, concluiu.

RITA SANTOS PORTUGUÊS ACIMA DE TUDO

Para Rita Santos, foi fundamental a referência do Chefe do Executivo à presença de Li Keqiang em Macau e às medidas que o Governo Central apontou para o território. “Entre essas medidas o meu grande desejo é que a nossa língua portuguesa seja utilizada plenamente”, disse ao HM. “Quando os nossos visitantes de língua portuguesa chegarem a Macau, o primeiro contacto a terem num táxi, por exemplo, deveria ser em português e respondido pelo condutor na mesma língua”, ilustrou a presidente da assembleia-geral da Associação de Trabalhadores da Função Pública de Macau. As medidas a serem tomadas devem começar no ensino nos jardins-de-infância para que todas as crianças possam ter um contacto diário com a língua. Rita Santos justi ca a pertinência deste ensino com o alargamento de oportunidades de emprego e com o facto de, através da língua portuguesa, as pessoas poderem vir a ter mais facilidade em aprender outros idiomas. Rita Santos mostrou-se ainda preocupada com as dificuldades sentidas pela população na questão da habitação, uma vez que os preços continuam “impossíveis”.

21 Dez 2016

Língua suja

FACEBOOK, LISBOA, 13 DEZEMBRO

[dropcap]N[/dropcap]os terrenos da minha infância cresciam unas ervas esguias com tons de primavera e sabores invernosos. Depois das corridas e outras ocupações suadas, espremíamos o seu suco entre dentes. A sabedoria científica do bairro chamava-lhe azedas, mas a palavra não contém o arco-íris de sabores agridoces. Este poema-raio da Rita Taborda Duarte, que espremi, entre afazeres, soube-me a azeda. E fez chorar um gajo que nunca será mãe, e dificilmente será mulher, também pela razão simples de que tem saudades de filhos que não chegou a parir.

«QUANDO A MULHER SE TRANSFORMOU MÃE // As mães,/ azedas,/ transformam em leite/ tudo aquilo em que tocaram e/ aflitas / escavam uma cova funda no coração do útero.// Todos os meses têm mênstruos férteis/ e povoam o mundo com as saudades / dos lhos/ que não chegaram/ a parir// Só depois/ puxam como Arianes loucas/ o cordão dos lhos entrançado/ na meada da infância/ – dobam-no até à raiz do tempo –/ e guardam no ventre desabitado/ o novelo de uma imensa solidão»

EL CORTE INGLÉS, LISBOA, 13 DEZEMBRO

Mais uma sala cheia para ouvir Helder Macedo lançar preciosas pistas de navegação no alteroso oceano que é a obra de Shakespeare. Outro espectáculo subtil da inteligência, não apenas na análise das quatro obras, centrada em um conceito (culpa, em Hamlet; nada, para Rei Lear; traição, em Otelo; bond, i.e., vínculo, título de dívida, e mais…, para O Mercador de Veneza), mas nas múltiplas articulações com os nossos dias.

Interessa-me, aqui e para já, cometer a inconfidência da conversa ajantarada e avantajada. O Helder foi Secretário de Estado da Cultura de uma breve e exaltante experiência de governação, capitaneada pela carismática e saudosa Maria de Lurdes Pintasilgo, nos finais de 1970. Isso, de par com a sua posterior candidatura à Presidência da República, marcou o fim da minha infância, de complexa e azeda maneira. Tê-lo, à mesa, a testemunhar de um tempo que fez um nó no tempo, derrubou as paredes da sala e colocou-nos, também ao José Anjos e à Susana Santos, no meio de um filme, misto de Buñuel com Pasolini e pitada de Fellini. Muito do que agora se dá por adquirido na cultura de Estado, apesar das ameaças constantes, teve então gestos primordiais, que valia a pena revisitar. Como esse estranho episódio de interrupção da democracia por razões técnicas à maneira do canal único de televisão, cometido pelo governo que se lhe seguiu, liderado por Sá Carneiro, com Vasco Pulido Valente no lugar de SEC e onde surge – nas Finanças, claro! – a sombria figura de Cavaco: cada uma das medidas tomadas pelo governo Pintassilgo foram suspensas, nalguns casos até ao nível do despacho. Um deles autorizava a resolução de problema eléctrico no Museu de Arte Popular, que acabou por estar na origem do célebre incêndio que destruiu preciosa obra colectiva (Vieira da Silva, Pomar, João Vieira, entre muitos outros), na qual se celebrava o primeiro aniversário da revolução. Shakespeare, sempre tão próximo.

PASSEVITE, LISBOA, 17 DEZEMBRO

A polémica que por aqui lavra confirma o peso das palavras. O Ricardo Araújo Pereira disse que hoje seria difícil hoje fazer uma velha rábula com «anões, coxos e mariconços», que incluía também vesgos, fanhosos e atrasados mentais. A provar que tinha razão, explodiu uma troca de argumentos muito interessante. Ou quase. Eduardo Pitta, no seu blogue armou que «Ricardo Araújo Pereira lamenta não poder achincalhar os mariconços. Eu não sei o que é um mariconço.» Paulo Corte-Real, da Ilga, fez o curto-circuito aos crimes de ódio. “Conhecendo a dinâmica dos crimes de ódio como conheço, também conheço a sua ligação aos insultos.” Hoje, no Expresso, a deputada Isabel Moreira acrescenta uma aula de ciência política. «Se achas mesmo que a liberdade de expressão não deve ter limites e que não devemos ceder à autocontenção do discurso, és de direita, sabias?». A liberdade, diz ela, embora com nuances, é valor de direita. A esquerda é mais igualdade.

Defendo, como absolutamente basilar, o direito até à ofensa no contexto do humor, do jornalismo e da literatura. Tanto faz que candidata a guru de seita me exclua. Ainda tenho a fraternidade.

A pele das palavras muda e é divertido imaginar que as conseguiremos limpar até ficarem brilhantes de tão puras. Velho tornou-se depreciativo? Chamemos-lhe sénior. Demos-lhe mais anos de vida? Anão passou a magoar? Tratemo-lo por indivíduo desproporcional ou de baixíssima estatura. Com isso cresceu?

Uma amiga contou-me da dificuldade que teve, ao longo de meses, em passar a tratar por clientes os deficientes com quem trabalha. A bem do rigor, foi banido o uso de utente, paciente, etc. Hesitei na palavra deficiente, mas melhora se a substituir por pessoa portadora de deficiência? Não creio que o combate vital à descriminação se resolva assim. E perigosa me parece esta deriva, em gente tão atenta aos detalhes da língua, que lê insulto no humor. Obviamente, o humorista não está livre de crítica e pode ignorá-la, mas também desaparecer por falta de graça. Ora uma das grandes conquistas da civilização, a duras expensas, foi a liberdade de expressão e do grito, por exemplo, no espaço polémico do desenho de humor, da caricatura. Como em inumeráveis atitudes e leis censórias, o argumento de defesa dos assassinos dos desenhadores do Charlie Hebdo foi a defesa da honra perante terrível ofensa, no caso, religiosa. Defendo, como absolutamente basilar, o direito até à ofensa no contexto do humor, do jornalismo e da literatura. Tanto faz que candidata a guru de seita me exclua. Ainda tenho a fraternidade.

André Carrilho, que inaugurou ex- posição de brutais serigrafias (Uppercut, na Passevite, até 5 de Janeiro) feitas a partir dos seus cartoons (o que ilustra a crónica foi capa do DN na sequência do Charlie Hebdo), que se acautele: vai ter que emagrecer muito gordo, revestir muita careca e corrigir narinas. Ele tem histórias para contar.

HORTA SECA, LISBOA, 18 DEZEMBRO

Acabo de saber que, segundo um colega editor, as edições da abysmo são «apanascadas». Deu-me uma alegria redentora que nem vos conto.

21 Dez 2016

Ng Kuok Cheong organizou fórum para debater sufrágio universal

[dropcap]O[/dropcap]s deputados da ala pró-democrata, Au Kam San e Ng Kuok Cheong, voltam a insistir na eleição do Chefe do Executivo através de sufrágio universal. A medida, que tem vindo a ser proposta à Assembleia Legislativa (AL), foi ontem debatida numa acção promovida pela Associação Iniciativa de Desenvolvimento Comunitário de Macau.

No fórum apresentado pela entidade da qual os deputados fazem parte, Ng Kuok Cheong recordou a promessa deixada pela secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, quando garantiu a concepção dos órgãos municipais sem poder político até ao final do ano. “Faltam ainda dez dias e vamos car à espera”, referiu o deputado pró-democrata, que comparou a situação às promessas para a revisão da lei eleitoral. “Não é possível ser optimista. Tal como não vamos ter órgãos municipais até ao final do ano, também a prometida revisão eleitoral que permita a eleição por sufrágio universal do próximo Chefe do Executivo, em 2019, não está a acontecer”, disse.

O prometido (não) é devido

No dia em que se assinalou o 17.º aniversário da transferência de administração, Ng Kuok Cheong fez referência às manifestações de ontem, salientando os protestos contra a importação de mão-de-obra não residente. Porque “os motoristas reagiram agora para pressionar o Governo, a situação vai acalmar temporariamente”, acredita o deputado. No entanto, o pró-democrata alerta para o futuro. “Após a renovação das licenças de jogo, as entidades patronais vão querer impor-se para contratar mão-de-obra estrangeira”, apontou.

Ng Kuok Cheong lamenta ainda que, “devido a razões históricas, a geração mais jovem de Macau e aqueles que não se manifestam a favor de Pequim não consigam ascender politicamente”. No entanto, não deixa de se mostrar esperançoso num futuro diferente. “A sociedade vai mudar. Devem ocorrer reformas aos regimes no momento certo”, concluiu.

Em Outubro, o deputado viu chumbada mais uma proposta de revisão eleitoral que previa a realização de sufrágio universal numa sessão de pedido de emissão de voto na AL. O pró-democrata contou com o apoio de Au Kam San e de José Pereira Coutinho mas, no momento de decisão, foram 24 votos contra o avanço da “moção” e apenas quatro a favor.

21 Dez 2016

Lionel Leong garante acompanhamento do mercado laboral

[dropcap]O[/dropcap] acompanhamento das pequenas e médias empresas (PME) e as alterações do mercado laboral estão a ser acompanhados de perto pelo Executivo. A ideia foi deixada ontem pelo secretário para Economia e Finanças, Lionel Leong, em declarações à margem da cerimónia de celebração do 17.º aniversário da transferência de administração.

“Vamos reforçar o apoio às PME e também reforçar o trabalho de formação, de modo a manter a taxa de desemprego nos níveis mais baixos”, disse Lionel Leong.

O secretário frisou que não pretende car “de braços cruzados só porque as receitas do jogo e os dados económicos, dos últimos meses, registaram uma subida”. Apesar do crescimento verificado no ajustamento das receitas da principal indústria do território, Lionel Leong garantiu que os Serviços de Economia e os Serviços para os Assuntos Laborais irão estar atentos ao mercado de trabalho.

Lado a lado com as PME

Os serviços sob a alçada da tutela de Leong vão ainda ser “os primeiros a deslocarem-se aos bairros comunitários para se inteirarem do ambiente de negócios existente”. Fazem parte das preocupações do Executivo o aumento das rendas e dos capitais relativos a recursos humanos, os prejuízos que as PME têm sofrido, o que está na origem da quebra do volume de negócios e a promoção do plano de apoios actualmente em vigor.

Relativamente à importação de motoristas profissionais, situação que tem sido alvo de polémica junto de certos sectores da população, o secretário recordou que a questão não é consensual, para dizer que “o Governo segue uma visão científica” e leva a cabo uma “contínua auscultação dos sectores comercial e laboral, por forma a encontrar uma resolução” para a questão. A decisão, garantiu, só será tomada depois do “devido estudo e análise”. Lionel Leong deixou a promessa de ouvir a sociedade de modo a repensar a necessidade de importação de condutores do exterior.

O secretário falou também dos planos para o Canídromo. “Com o fim do contracto, a Companhia de Corridas e Galgos de Macau (Yat Yuen) deve encontrar novas instalações para levar a cabo as suas operações e, para isso, apresentar o respectivo pedido aos serviços competentes e respeitar o plano urbanístico, sem pôr em causa a tranquilidade da população, assim como o respeito pelos padrões internacionais nas corridas de galgos”, afirmou.

21 Dez 2016

À beira da maioridade: Trânsferência de Administração foi há 17 anos

Faz hoje 17 anos que Rocha Vieira entregou a administração de Macau a Pequim. Fê-lo abraçado a uma bandeira portuguesa, numa transição emocionada. O HM ouviu vários testemunhos que nos fizeram o balanço da vida da RAEM

[dropcap]O[/dropcap] início eram as descobertas. O espírito aventureiro dos navegadores portugueses chegou aos Mares do Sul da China, e aqui ficaram a administrar o território durante mais de quatro séculos. Até 1999, quando se deu a transferência de administração para a República Popular da China, nascendo a Região Administrativa Especial de Macau. Em dia de aniversário, ouvimos as opiniões de quem aqui vive, para um balanço destes 17 anos.

O designer Manuel Correia da Silva considera que podemos olhar para a idade da RAEM como olhamos para o crescimento de uma pessoa. Houve uma infância e, hoje em dia, estamos à beira da maioridade mas ainda a atravessar uma fase tardia da adolescência. “Espero que a maturidade chegue a todas as figuras de poder desta cidade, não só ao Governo local, mas também à sociedade civil”, comenta.

“Espero que a maturidade chegue a todas as figuras de
poder desta cidade, não só ao Governo, mas também à sociedade civil.”
MANUEL CORREIA DA SILVA, DESIGNER

A ideia de chegar à idade adulta é intimamente ligada a um sentido de autonomia, “já podemos sair sozinhos”, como comenta Correia da Silva. A ideia é uma maior capacidade de auto- gestão que permita a internacionalização, o envolvimento com a região. O designer não se refere apenas a factores comerciais. Nesse aspecto houve, realmente, maior abertura ao exterior, mas a um novo olhar político, uma nova forma de pensar o território. Nesse sentido, considera que a RAEM devia “olhar para as lusofonias como um bom canal de internacionalização”, na forma como a marca Macau se pode instituir lá fora. Para tal, será necessário projectar uma imagem mais graúda, “e isso tem que ver com responsabilidade”.

Hoje em dia, Macau é uma cidade mais cosmopolita, que oferece maior liberdade de movi- mentos aos cidadãos, mais ligada ao que se passa em seu redor. “Nós já estávamos envolvidos neste Delta, uma zona do mundo especialmente activa nestes últimos 10 anos”, algo que melhorou com “as políticas de abertura da China para o resto do mundo”. Factos políticos com impacto, e que forçaram a competitividade e inovação.

BOOM VERTIGINOSO

Portugal entregou Macau à China com os cofres em situação modesta. “Quando passou a administração tínhamos apenas um fundo de 10 biliões de patacas, o que não dava para alimentar sequer um ano de Orçamento”, lembra o economista Albano Martins. Neste momento, o Governo tem os cofres cheios. Facto que é incontornável neste balanço de aniversário, assim como os números do desemprego. Aquando da transferência, Macau tinha uma taxa de mais de sete por cento, hoje em dia está abaixo dos dois por cento, um número que representa pleno emprego.

Au Kam San, deputado à Assembleia Legislativa, aponta a óbvia “liberalização do jogo de grau limitado e a política de visto individual oferecida pelo Governo Central”, como “factores decisivos para o desenvolvimento a grande velocidade”. Estes foram os pilares que enriqueceram a administração da RAEM, e que possibilitaram o investimento numa série de infra- -estruturas que enriqueceram o nível de vida dos habitantes de Macau.

“As comunidades portuguesa e macaense continuam dinâmicas, são partes fortes do sistema, e merecem o reconhecimento devido pelos Governos Central e local.”
CARLOS MARREIROS, ARQUITECTO

Albano Martins acrescenta que “os grandes desenvolvimentos se deram durante a administração de Edmund Ho que foi, de facto, a grande dinamizadora”. O economista considera que durante esse período houve coragem para tomar decisões mas, infelizmente, o segundo mandato ficou manchado pelo escândalo Ao Man Long. “Nesta última administração pouca coisa se fez, tirando uma ligeira acção neste último mandato, embora sempre com um atraso que não era expectável dadas as capacidades financeiras que a administração de Macau hoje tem”, comenta o economista, que vive há quase 40 anos no território.

O arquitecto Carlos Marreiros reforça este ponto, acrescentando que “a administração não soube acompanhar a dinâmica do investimento, a uma escala gigantesca, à qual não estávamos acostumados”. Também no panorama regional, a inacção governativa levou à perda de competitividade. A inércia administrativa é algo palpável, a que a população reage. “A população tem um relacionamento muito crispado com a administração. O que a administração faz é sempre mau, o que não é verdade, também há coisas muito positivas”, acrescenta. Nesse aspecto, salienta a classificação pela UNESCO do centro histórico de Macau como património mundial e o investimento recente na educação. “O acesso ao ensino melhorou bastante, é gratuito e estendido a todas as idades com um apoio pecuniário para quem queira continuar a estudar.”

Apesar destas melhorias, a apatia generalizada do poder local é sentida pelo povo, levando a “um processo de pré-divórcio, como uma comunicação impossível, alicerçada no conflito que não resulta em consenso, mas numa sociedade fracturante”. “Isso não é bom numa terra pequena, é mau para a criação de soluções e para o diálogo”, acrescenta o arquitecto nascido em Macau.

Para a deputada Melinda Chan, “uma das vantagens que vieram com a transição foi a melhoria na segurança”. Chan elenca ainda nos aspectos positivos o reconhecimento da RAEM ao nível internacional, “que se sentiu com a entrada de grandes empresas e investimento, e com o aumento de turistas”.

NEM TUDO SÃO ROSAS

A prosperidade trouxe por arrasto alguns problemas, particularmente no que diz respeito à poluição, ao crescimento desordenado, ao trânsito e à habitação. Este último capítulo é destacado por Lam U Tou que considera que, anterior- mente, “a população mais pobre conseguia com algumas poupanças ter as suas próprias casas”, algo que o boom no mercado do imobiliário veio dificultar. Para o membro do Conselho Consultivo dos Serviços Comunitários da Zona Central, esta é a maior falha do Executivo e o factor de maior desagrado da população.

Já o deputado Au Kam San vê na corrupção o pior efeito secundário do boom económico, com consequências muito nefastas para a sociedade. “Durante a administração portuguesa havia problemas de corrupção, mas eram de menor dimensão. Hoje, o problema cresceu à medida que o Governo ficou mais rico, como exemplificou o caso Ao Man Long”. O pró-democrata acha que a promiscuidade entre o ciais da administração e grupos empresariais atinge maiores proporções. Uma das razões apontadas por Au Kam San prende-se com o défice de democracia, com os quadros governativos a ocupar muito tempo o poder. Este é um problema que “sacrifica o interesse dos pequenos cidadãos”, acrescenta.

“Durante a administração portuguesa havia problemas de corrupção, mas eram de menor dimensão. Hoje, o problema cresceu à medida que o Governo ficou mais rico, como exemplificou o caso Ao Man Long.”
AU KAM SAN, DEPUTADO

No rol de aspectos negativos, Albano Martins destaca a ausência de “um sistema de reformas digno desse nome, adequado aos rendimentos do Governo”, não esquecendo as problemáticas questões do trânsito, cultura e a poluição. Para o economista, é como se a administração da RAEM não soubesse lidar com o crescimento exponencial. “A solução encontrada parece ser parar esse crescimento.”

Carlos Marreiros olha para este quadro socioeconómico com alguma preocupação, num panorama em que “as pequenas e médias empresas têm dificuldade em se imporem”. Para tal, tem contribuído um desenvolvimento mal distribuído, “nem sempre para benefício do povo”. Mas o arquitecto também vê o copo meio cheio, e faz “um balanço globalmente positivo”. “As comunidades portuguesa e macaense continuam dinâmicas, são partes fortes do sistema, e merecem o reconhecimento devido pelos Governos Central e local. Nestes 17 anos não deixámos de participar, fomos fazedores do passado de Macau, um passado com mais de quatro séculos, estamos a fazer o presente e a projectar o futuro de todos nós”, comenta o arquitecto. Neste aspecto, o sabor diferente que a portugalidade oferece à região torna Macau num local diferente do resto da China, sendo que “uma das principais razões é a existência desta universalidade que é a cultura portuguesa, miscigenada localmente a vários níveis, e que cria originalidade na ponta desta enorme China”.

Foi há 17 anos que o Governador Vasco Rocha Vieira levou a bandeira ao peito e partiu para Portugal

Não obstante os 17 anos da transferência de administração de Macau para a China, a alma lusitana ainda se faz sentir na universalidade de que Carlos Marreiros fala. Um bom exemplo desse aspecto fluido culturalmente é a própria vida de Manuel Correia da Silva. Há três anos, o designer viu-se na iminência de ter de mudar de cidade, empurra- do pelo desconforto que sentia, pela deterioração da qualidade de vida e a subida vertiginosa da in ação. As circunstâncias empurraram-no para lá das Portas do Cerco e a procurar outra vida em Zhuhai. “Para mim isto também já é Macau, apesar de existir aqui uma fronteira administrativa que é preciso ultrapassar. Macau vem comigo para este lado da fronteira e o mesmo acontece no sentido inverso. É uma fronteira um bocado orgânica, ela vai e volta comigo”, explica. Uma fluidez que parece ser a metáfora perfeita para simbolizar Macau.

20 Dez 2016

A vida fechada a tijolos

[dropcap]I[/dropcap]maginai uma casa ou um edifício sem portas, sem janelas, apenas com espaço interior fecha- do em si mesmo, como se alguém tivesse posto tijolos a fechar as janelas e as portas, para que ninguém mais possa entrar! Como aqueles edifícios que encontramos nas partes antigas da cidade, que já foram espaços com alegria e hoje são vazios, como unhas ocas. Uma casa totalmente fechada no seu interior, como um humano sem portas e sem janelas para outro. E agora imaginai que isso é um livro de poesia: A Habitação de Jonas, de Inês Fonseca Santos; que o edifício é uma baleia e que no espaço, lá dentro, há um homem. Jonas habita a baleia, a solidão, o isolamento eterno a que está votado; foi condenado a ser só como todos nós. “Jonas caminhava por procurar outro. / Talvez ele existisse: / o homem dos sinos. / Talvez ele fosse um homem infinito.” (p.13) Neste início de poema, o VI da parte “Primeiro Dia Primeira Noite” dá-nos a confirmação de que habitação se fala aqui neste livro. Uma habitação fechada para a rua e onde se caminha por procurar outro. Procurar outro não é um m. Jonas não caminha “para” outro ou para procurar outro, Jonas caminha “por” procurar outro, Jonas caminha como quem vai ser só para sempre. Jonas é um infinito de só, uma casa completamente fechada, sem portas, sem janelas, uma casa para nada.

No poema II (p. 9) lê-se: “Apenas uma sílaba com som: dor. // Jonas soube: não existia / na cidade outro homem.” Esta condição de Jonas, esta imagem do humano enquanto Jonas, que está só, completamente só na cidade, caminhando por procurar outro é uma imagética profunda do que é o ser humano, uma parábola à dimensão do paradoxo da existência. Devemos repeti-la, porque a cada esquina nos é repetida. Devemos repetir, porque a cada página nos é repetida, a cada verso. E não há parábola sem a febre da imagem e um horizonte de sentido, ainda que longínquo, ou que possa parecer longínquo. Leia-se o segundo poema do livro (p. 8):

“Jonas chegou a casa:
no lugar da porta, a boca do peixe.
Empurrou um dente, entrou. Sentou-se

na enorme afta daquela língua
desconhecida que habitava.
Olhou em volta: um lugar em ruínas, não
uma casa em ruínas; uma boca
tentando ser uma cidade inabitada.

Na primeira cidade com hálito, os sinos
soavam de quarto em quarto
de hora.”

E é aqui que estamos, no livro como na vida: num lugar em ruínas, não numa casa, mas num lugar.

“Jonas levantou-se. / Queria arrumar o coração no lugar / certo, descer por ele até mais do que uma sílaba: / até uma palavra.” (p. 10) Em todas as páginas, em todos os versos ao longo deste precioso livro escutamos as nossas próprias vidas, mais próximas do que se fosse dela mesma, a nossa, que a poeta escrevesse, tão mais próximo como só a imaginação que transfigura o sentimento o pode fazer. A demanda de Jonas é a nossa demanda. E o outro é o próprio, que busca outro como a si mesmo. Uma palavra basta, uma palavra. Mas onde escutar essa palavra? Onde há essa palavra, que se houver nos basta? O que seguir, que caminho seguir para encontrá-la? Não será essa palavra uma boca, um beijo, um coração puro a palpitar nas mãos de todos os nossos sonhos, eternamente sonhos? Os dias, aquilo que deram a Ruy Belo, ao invés da vida – Eu vinha para a vida e dão-me dias (Ruy Belo in Homem de Palavra[s]) – é o que nos dão a todos, o que dão a Jonas, nesta boca, nesta cidade, neste livro. Quem ao andar na rua não sente agora as paredes altas do céu da boca da baleia, o tecto opaco da vida, o badalo do sino antes da descida vertiginosa para o estômago do animal? A cada esquina que viramos ouvimos os sinos, a anunciação de nenhuma palavra, a lembrança do silêncio que nos veste como uma farda. “Era uma voz / de abismo, de fundo de copo, / E repetiu: dor.” (p. 11) Lisboa, a baleia por onde ando, por onde a poeta escreve, a cidade onde não há outro homem. Em nenhuma cidade há outro homem, mas esta é a minha baleia. Esta é a minha baleia, grita por um livro inteiro a poeta Inês Fonseca Santos. Lisboa, a minha baleia; eu, Jonas, a caminhar por procurar outro. “As paredes, ao se afastarem os móveis, / erguem-se, despidas, coradas até à raiz dos rodapés, / como paredes sem móveis: demasiado brancas (…)” (p. 5) A loucura não é a vertigem do álcool, o voo das drogas, a euforia dos corpos, um armazém chinês com tudo o que não nos faz falta. A loucura é a casa vazia, sem janelas, sem porta, as paredes brancas de nada, os móveis velhos e gastos, afastados dos rodapés, mostrando os anos que passaram, os anos que passaram para nada, pois nada se viu, nada vimos, nada aprendemos, nada cresceu dentro de nós, como cresce no interior de uma grávida. Só engravidando não somos sós. Só engravidando não somos um vazio puro, uma ruína. E depois? E depois da gravidez? De novo um ruína de nós mesmos, uma ruína da infância. Uma ruína do que poderia ter sido, sem que na realidade alguma vez pudesse ter sido, pudesse ser.

“VIII
Jonas só compreendeu a palavra
‘ferida’ ao alcançar o topo da língua.
Assistiu, do monte, à invasão da cidade:
coágulos de sangue cobrindo a grande boca.
Jonas sufocou. Pôs sobre os olhos
as mãos. E desejou nos ouvidos o toque
dos sinos.”
(p. 15)

Desejamos. Desejar é uma pele, uma segunda farda, a farda dos dias de festa, a farda com que vamos aos dias de gala, para além da farda do silêncio do dia a dia. Esta é a nossa vida, grita Jonas, pôr as mãos sobre os olhos e desejar o toque dos sinos. Que sabemos de nós? Como caminhar por procurar outro e não sabermos quem somos? Como não desejar a música dos sinos, as palavras silenciosas da música, que nos tocam, literalmente nos tocam, que nos fazem vibrar como o tempo vibra numa ruína. “Paredes, estais hoje mais velhas do que nós”, escreve num verso, a poeta. Nós estamos mais velhos do que nós, escrevo eu. As ruínas, as paredes, o tempo a descascar a vida, a descascar a vida e a deixar marcas nos dedos sujos, desta nossa consciência a assistir a tudo. “A nossa vida, disse ela, / aqui de cima.” (p. 22) A nossa vida, diz a consciência, aqui de cima. E o que a consciência se dá mal com os dias! E o que a consciência se dá mal com as ruínas! E o que a consciência se dá mal com a sua própria ruína! Jonas, sou eu agora que te peço, eu o teu leitor, eu aquele que te traz aqui à beira de seres outro, à beira da estrada de seres outro, não me mostres mais o que é a vida, não me escrevas mais estes versos: “eram pedaços de intestino, / onde também dói / quando tudo o que resta / é uma porta fechada // sobre a memória, / sobre ela / sobre mim.” (p. 28) A vida fechada como uma casa onde puseram tijolos no lugar de portas, onde puseram tijolos no lugar de janelas, onde puseram tempo no lugar de braços, onde puseram dor no lugar de um horizonte.

Este é um livro de descida ao mais íntimo dos me- dos, à mais íntima das solidões, como só quem escreve sentimentos sobre a lâmina da imaginação o sabe. Se esta minha leitura vos parece um enorme “só”, é porque este livro é isso mesmo. Imaginai Jonas no interior da baleia! Imaginai-vos, cada um de vós, no interior da existência!

O livro, que é um objecto de arte, traz ainda um conjunto de ilustrações de Ana Ventura, cuja beleza não mitiga o terror da escrita. Termino com um poema da poeta Inês Fonseca Santos, último da segunda parte do livro “Segundo Dia Segunda Noite”:

“XI
As minhas dúvidas,
como poderei saber se são as mesmas,
se são as minhas? Perguntou-lhe
ele, erguendo-se
uma última vez.

Sentada diante dele, ela
agarrou a certeza como ele
agarrou as pedras:
na boca e nos ouvidos, o toque
dos sinos e só então a voz.

Eu sei, como tu sabes, quem é esse que habita as paredes da casa.

Eu sei, como tu sabes, que única mão é essa que folheia os livros, que apanha as pedras.

E eu sei, como tu sabes, que ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos assim tão pequenas.

Mas eu olho, como tu olhas, essa mão minúscula
cosendo um corredor de almofadas, aguardando
que sobre elas durma.

E eu sei, como tu sabes, que essa mão translúcida comanda os versos, abusando de pensamentos e palavras, actos e omissões.

Sabes?

Antes de mim,
antes de ti,
já existia este jardim.”
(p. 30)

20 Dez 2016

LAG 2017 | Jovens mas satisfeitos

[dropcap]Q[/dropcap]uase 53 por cento dos adultos com menos de 45 anos consideram satisfatório o relatório das Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2017, apresentado por Chui Sai On no mês passado, segundo um inquérito divulgado pela Comissão dos Assuntos da Juventude dos Kaifong (União Geral das Associações de Moradores de Macau).

Vong Lai I, responsável pela comissão, explicou em declarações reproduzidas pelo jornal O Cidadão que, apesar do grau de satisfação geral obtido ainda ser relativo, a confiança dos entrevistados em relação à governação mostra uma “tendência positiva e estável”, na comparação com os anos anteriores.

Ainda de acordo com as respostas ao questionário, as áreas que receberam notas mais positivas são a segurança social e as políticas de previdência, os serviços médicos e a educação cultural. Entre os graus de avaliação de cada sector, a segurança social e as políticas de previdência, e os serviços médicos subiram nove por cento e cinco por cento em relação às LAG para 2016.

Por outro lado, os aspectos que menos agradam são os transportes, a habitação e as medidas contra inflação.

O questionário foi conduzido depois da apresentação das LAG na Assembleia Legislativa no mês passado. Participaram no inquérito 1031 pessoas, com idades entre os 18 e os 45 anos.

20 Dez 2016

Aniversário da RAEM | Seis associações saem hoje para a rua

São as reivindicações do costume pelas associações de sempre. Não à mão-de-obra importada, contra os não-residentes. Também a associação que luta pela reunião das famílias vai passar em frente ao Palácio

Pelos santos da casa

[dropcap]J[/dropcap]á faz parte do programa das festas: várias associações saem hoje à rua para se manifestarem contra determinadas medidas do Governo, com destaque para a autorização de trabalhadores do exterior. De acordo com as informações divulgadas pela polícia, este ano há seis associações que pediram autorização para marcharem pelas ruas da cidade, sendo que há ainda dois residentes que também convocaram protestos.

Este ano há seis associações que pediram autorização para marcharem pelas ruas da cidade

Contactado pelo HM, o presidente da Associação da Garantia dos Interesses de Emprego dos Operários Locais, Lui Fai Long, explicou que a manifestação de hoje tem como reivindicações principais “a garantia ao emprego dos operários locais” e “a oposição à importação da mão-de-obra não residente”. A organização prevê que mais de mil pessoas se juntem aos protestos.

A Associação de Activismo para a Democracia, a Associação de Armadores de Ferro e Aço, e a Associação da Linha da Frente dos Povos de Macau vão juntar-se para protestar contra a introdução de trabalhadores não residentes no sector de transportes, tendo como ponto de partida o Jardim de Iao Hon. A questão dos motoristas – profissão que, até à data, está reservada apenas a residentes – voltou a estar recentemente na ordem do dia.

TRAZER PARA CÁ

Lei Yok Lam, líder da Associação da Reunião Familiar de Macau, também vai voltar a sair para a rua, para reivindicar a autorização da fixação de residência em Macau dos lhos maiores de idade. É uma luta antiga: são residentes do território que, à data da mudança da China para Macau, deixaram lhos menores no Continente que, entretanto, não conseguiram permissão para viverem cá.

A associação entregou uma petição em Novembro pedindo um encontro com o Governo no início deste mês. O Executivo já respondeu e prometeu que o caso vai ser seguido pela secretária para a Administração e Justiça. “Vamos car à espera”, diz Lei Yok Lam. Só depois é que a associação irá pensar em novas formas de protesto, caso haja necessidade disso. Para já, manifestam hoje o seu desagrado em relação ao modo como o Executivo tem lidado com a questão.

Em casa vai car este ano a Associação Novo Macau, que desde 2007 costuma convocar uma marcha no dia em que se assinala a transferência de Macau. Em declarações à imprensa chinesa, Jason Chao explicou que, atendendo a que muitas associações se manifestam nesta data, a Novo Macau entendeu que o protesto teria pouco significado. “Vamos convocar manifestações conforme as situações com que nos formos deparando”, prometeu.

20 Dez 2016

Lei eleitoral | Juramento de fidelidade preocupa pró-democratas

Os deputados da Assembleia Legislativa aprovaram, na passada sexta-feira, a lei eleitoral. Sem ser consensual, o diploma obteve elogios da maioria dos tribunos e as reservas foram manifestadas pela ala pró-democrata

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stão aprovadas na especialidade as alterações à lei eleitoral. O diploma, apesar de reunir o consenso da maioria dos deputados, acrescenta um novo juramento de fidelidade à pátria que foi mote do debate entre pró-democratas e restantes membros da Assembleia Legislativa.

Para Ng Kuok Cheong, as mudanças não contribuem para a democratização do sistema político porque não se prevê a possibilidade de sufrágio directo universal. Por outro lado, para o deputado, as novas disposições sobre o juramento de fidelidade acontecem como “consequência das posições independentistas vizinhas, o que não faz sentido em Macau”. Para o tribuno pró-democrata, “não há necessidade de apertar mais o cerco”. “Não devemos aplicar do mesmo modo o que se está a fazer no outro lado: se há disputas lá não devíamos transferi-las para Macau”, sublinhou.

Au Kam Sam concordou com o colega de bancada. “Não é preciso definir por escrito o cumprimento da Lei Básica e a fidelidade à RAEM.” O deputado, que considera que este é um juramento já está previsto na Lei Básica, frisa o carácter desnecessário da medida. “Estamos a estragar o princípio ‘um país, dois sistemas’. É uma situação redundante. Não é preciso colocar isto na nossa lei eleitoral”, afirmou. Au Kam San questiona ainda o Executivo se “este não será um trabalho desnecessário e porque é que se tem de interpretar, à força, a Lei Básica”.

O novo juramento de fidelidade surgiu na sequência da polémica em torno da tomada de posse de dois deputados eleitos pró-independentistas de Hong Kong e prevê que a fidelidade dos futuros deputados de Macau seja avaliada pela Comissão dos Assuntos Eleitorais.

Aprender com os vizinhos

Kwan Tsui Hang integra o grupo de tribunos que concorda com a medida. “Manifesto a minha concordância total”, disse a deputada. “Estamos a absorver os ensinamentos do que se passa em Hong Kong, devemos aprender com eles e é ainda importante mostrar que Macau não os pretende repetir”, referiu.

“Prevenir uma doença contagiosa” foram as palavras do deputado Mak Soi Kun para mostrar a sua concordância com o aditamento à lei eleitoral aprovada. “É bom saber o que se passa nas regiões vizinhas para nos podermos precaver: se houver nos vizinhos uma doença contagiosa, temos de nos prevenir aqui também”, afirmou.

Tommy Lau, por seu lado, frisou que Macau é um território inalienável da China e o mais importante é ser fiel ao país. Para o deputado, “este aditamento reflecte o princípio ‘um país, dois sistemas’”.

A seriedade com que deve ser visto o juramento de fidelidade foi também sublinhada por Chui Sai Peng. “Podemos evitar que isto se torne uma brincadeira. Claro que a democracia e a liberdade têm os seus limites, não são direitos absolutos, temos de ter uma atitude muito séria em relação a esta questão”, disse.

A secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, justificou o juramento tratando-se de uma medida para evitar que aconteça em Macau o que se passou em Hong Kong. “Trata-se de evitar que se verifique uma situação caótica da sociedade na eventualidade da ocorrência de casos semelhantes a Hong Kong”. Desta forma, “Macau tem enquadramento jurídico para lidar com a situação”, sublinhou.

Candidatos com depósito

Outra das questões levantadas por alguns deputados foi a obrigatoriedade de um depósito de 25 mil patacas para os candidatos à AL. O montante é devolvido caso consigam um mínimo de 300 assinaturas que apoiem a sua candidatura.

Para Au Kam San, a medida pode ser um obstáculo à candidatura dos interessados “com menos posses”. “Ao estipular esse requisito de depósito, claro que estamos a colocar um entrave ao acesso das pessoas interessadas em participar na eleição. Contesto veementemente esta posição”, disse.

O deputado José Pereira Coutinho também manifestou reservas quando ao depósito monetário obrigatório. “A fixação deste montante deixa-me com muitas reservas. Se todos os residentes podem ser candidatos, esta é uma restrição”, sublinhou, não deixando de dizer que “25 mil patacas é uma quantia exagerada”.

O Executivo explicou que o depósito serve de confirmação de credibilidade da própria candidatura e previne que “candidaturas menos sérias avancem”. “Isto visa evitar brincadeiras na participação nas eleições. Se as candidaturas tiverem menos de 300 assinaturas é uma eleição a sério? É um montante simbólico. O conceito é elevar a consciências das pessoas”, justificou o Governo.

Foi também aprovada, na especialidade, a proposta de orçamento de 2017, que prevê receitas de 102,944 mil milhões de patacas, menos 0,3 por cento face ao Orçamento previsto para este ano, e despesas de 95,725 mil milhões de patacas, que representam mais 12,6 por cento na comparação anual.

19 Dez 2016

Deputados pedem medidas para um maior aproveitamento da orla marítima

A definição da orla marítima de Macau pelo Governo Central e a abertura da circulação, através dos vistos individuais, para os barcos de lazer entre Zhongshan e o território estiveram na origem de algumas sugestões dos deputados à Assembleia Legislativa

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om uma área marítima de cerca de 85 quilómetros quadrados, o território deve comprometer-se a explorar esta orla da melhor forma. A ideia foi deixada na passada sexta-feira pelo deputado Chui Sai Peng. “Apesar das opiniões dos diversos sectores sobre a gestão de utilização desta área, é consensual que deve ser utilizada para o desenvolvimento de Macau como centro marítimo de turismo e lazer”, disse.

Para justificar a sugestão, o deputado referiu que o território está a duas horas de vários destinos periféricos importantes, entre eles, Hong Kong, Cuiheng, Hengqin, Kiangmen, várias zonas da província de Guandong, bem como “de outras áreas adjacentes de forte desenvolvimento económico e zonas piloto de comércio livre”.

Segundo Chui Sai Peng, é fundamental que a abertura marítima do território seja aproveitada em todo o seu potencial. “Se as águas de Macau forem aproveitadas para reforçar a ligação entre as diferentes zonas, aumentando os recursos turísticos entre elas, o desenvolvimento do turismo marítimo através de viagens entre as diferentes ilhas dessa zona geográfica contribuirá para a cooperação regional, através também da exploração das características geográficas e culturais de Macau”, frisou.

Para o efeito, não basta a autorização da circulação de iates entre Zhongshan e Macau, pelo que o tribuno sugere “um estudo de turismo individual nas áreas marítimas interligadas para que os turistas do interior da China possam gozar livre e convenientemente as deslocações a Macau”.

Chui Sai Peng considera ainda que as consequências do investimento na exploração turística marítima vão “favorecer a distribuição da carga do trânsito e das instalações de superfície, criando novas actividades comerciais e postos de trabalho, e ainda vantagens turísticas regionais que outros sítios dificilmente conseguem copiar”.

Faltam portos

Ainda no período de antes da ordem do dia do plenário da passada sexta-feira, a deputada Angela Leong, salientou que apesar dos benefícios resultantes da circulação recentemente aprovada entre Macau e Zhongshan, é necessário promover mais esforços na cooperação com a zona vizinha.

A deputada deu como exemplo a necessidade de formação nas áreas que acompanham o desenvolvimento do turismo marítimo. “O Governo deve ter planos para apoiar este sector transfronteiriço, apoiando as instituições de ensino a definirem políticas e formando, faseadamente, talentos para este sector”, disse.

Por outro lado, disse ainda, as instalações preparadas para receber a abertura do território a embarcações de lazer não são suficientes pelo que “o Governo deve arranjar um espaço para um novo terminal e aproveitar o antigo terminal do Porto Interior”.

19 Dez 2016

Au Kam San critica falta de vias para transportes públicos

[dropcap style≠’circle’]“A[/dropcap] única forma de resolver os problemas de trânsito é concretizar a primazia dos transportes públicos”, considera o deputado Au Kam San, preocupado com o aumento do número de viaturas nas estradas do território e com aquilo que considera ser a ineficácia das alternativas existentes. “Apesar do número de autocarros ter aumentado, os serviços prestados são cada vez piores”, afirmou.

Se, em tempos, os autocarros representaram um transporte mais rápido, neste momento isso não acontece. “Para uma distância que antigamente demorava 30 minutos a percorrer, agora precisamos de mais de uma hora”, disse. Paralelamente, os serviços de táxis não são satisfatórios e os residentes “já desistiram porque é um problema que não tem cura”.

Para Au Kam San, “não é possível melhorar os serviços de transportes públicos de Macau se se depender de mentalidades tradicionais”. O problema, que é agravado pelo aumento de carros privados, tem como única solução o controlo dos veículos. “No entanto, estes aumentaram significativamente nos últimos anos, não só devido ao rápido crescimento económico, mas também por causa das deficiências dos transportes públicos, da falta de resultados da construção do sistema de transportes colectivos e das dificuldades em apanhar autocarro e táxi”, explicou Au Kam San. Como consequência, os residentes são obrigados a assegurar as suas deslocações.

A prioridade, para o deputado, é assegurar a existência de vias dedicadas apenas aos transportes públicos.

O deputado não deixou de apontar críticas ao Executivo que “anda a preparar a criação de uma via exclusiva entre a Barra e as Portas do Cerco”. No entanto, a via em questão “só vai até à Rua da Ribeira de Patane e está mal dividida”. Com a agilização da circulação dos transportes públicos, o deputado não tem dúvidas que “a maioria dos condutores vai acabar por ver que chega mais rápido de autocarro do que nos seus carros”.

19 Dez 2016

Chan Meng Kam | Obras com deficiência congénita

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] deputado Chan Meng Kam acusou as Obras Públicas e o Gabinete para as Infra-estruturas de Transportes (GIT) de “sofrer de uma deficiência congénita”. A acusação, dirigida especificamente às obras do metro ligeiro e aos trabalhos do GIT, teve como ponto de partida as declarações do secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, que “referiu, no ano passado, que os trabalhadores do GIT são maioritariamente jovens que não conhecem bem os procedimentos administrativos”, apontou o deputado. “Trata-se de uma deficiência congénita.”

Chan Meng Kam lembrou ainda que Raimundo do Rosário referiu que apenas “82 pessoas têm de dar resposta a muito trabalho, e estranho seria se não houvesse problemas”.

Ao fazer referência ao metro ligeiro, o deputado frisou que “Macau não tem experiência nenhuma de gestão desta área, portanto se é o pessoal do costume a assegurar isto, já sabemos qual vai ser o resultado”.

Chan Meng Kam considera que o problema dos atrasos e derrapagens orçamentais das obras públicas não são somente por causa da falta de recursos humanos. “A questão fulcral é a seguinte: terão os governantes capacidades decisórias, de liderança e de planeamento?”, lançou.

Para o tribuno, o mais importante é que os órgãos de chefia tenham capacidade de previsão dos problemas para que estes possam ser resolvidos atempadamente e, desta forma, evitar “litígios desnecessários”.

19 Dez 2016

“Os Resistentes – Retratos de Macau” #4

“Os Resistentes – Retratos de Macau” de António Caetano Faria • Locanda Films • 2014


Realizador e Editor: António Caetano Faria
Produtores: Tracy Choy e Eliz L. Ilum
Câmara e Cor: Gonçalo Ferreira
Som: Bruno Oliveira
Assistente de Câmara: Nuno Cortez-Pinto
Editor Assistente: Hélder Alhada Ricardo
Sonorização e Mistura de Som: Ellison Keong
Música: Orquestra Chinesa de Macau – “Capricho Macau” de Li Binyang
17 Dez 2016