Dinheiro | Receitas públicas subiram 14,2 por cento

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s receitas públicas aumentaram 14,2 por cento até Junho, em termos anuais homólogos, em linha com o aumento da verba arrecadada com os impostos directos cobrados sobre a indústria do jogo.

De acordo com dados provisórios publicados no site da Direção dos Serviços de Finanças, a Administração fechou os primeiros seis meses do ano com receitas totais de 54,829 mil milhões de patacas, valor que traduz uma execução de 60,3 por cento.

Os impostos directos sobre o jogo – 35 por cento sobre as receitas brutas dos casinos – foram de 45,231 mil milhões de patacas, reflectindo um aumento de 14,2 por cento face ao mesmo período do ano passado e uma execução de 62,9 por cento em relação ao Orçamento autorizado para 2017.

A importância do jogo traduz-se no peso que detém no orçamento: 82,5 por cento nas receitas totais, 82,7 por cento nas correntes e 95,7 por cento nas derivadas dos impostos directos.

Já as despesas cifraram-se em 34,750 mil milhões de patacas nos primeiros seis meses do ano – mais 13,6 por cento em termos anuais homólogos –, estando cumpridas em 40,7 por cento.

Nesta rubrica destacam-se os gastos ao abrigo do Plano de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração (PIDDA) que alcançaram 6,111 mil milhões de patacas, traduzindo um aumento de 256 por cento e uma execução de 40,1 por cento.

Entre receitas e despesas, a Administração acumulava até Junho um saldo positivo de 20,079 mil milhões de patacas, valor que reflecte um aumento de 15,3 por cento face ao apurado nos primeiros seis meses do ano passado.

A almofada financeira excede em muito o previsto para todo o ano (5,567 mil milhões de patacas), com a taxa de execução a corresponder já a 360,6 por cento do orçamentado.

Consultadoria | Contas da RAEM custam mais de quatro milhões

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo adjudicou à PricewaterhouseCoopers (PwC) a prestação dos serviços de “consultadoria às Contas da RAEM”. Em despacho do Chefe do Executivo, explica-se apenas que o trabalho vai custar 4,680 milhões de patacas, dinheiro a ser gasto até 2019. A PwC é uma rede de serviços com sede em Londres, no Reino Unido. Integra o grupo dos quatro grandes auditores internacionais, onde estão também a Deloitte, a EY e a KPMG.

1 Ago 2017

Rendas | Projecto de lei pronto para ir a plenário

Estava em análise em sede de comissão desde 2015. Ontem, acabou por ser assinado o parecer sobre a alteração do regime jurídico de arrendamento previsto no Código Civil. Cinco deputados fizeram questão de ter os seus nomes no documento, enquanto opositores ao projecto de lei

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] polémica foi muita, mas o parecer sobre a alteração do regime jurídico de arrendamento previsto no Código Civil foi mesmo assinado. No entanto, apesar da “concordância geral”, foi ontem adicionada uma adenda ao documento. Em causa está a discordância de Tommy Lau, Victor Cheung Lup Kwan, Angela Leong, Vong Hin Fai e Chui Sai Peng.

O presidente da 3.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), Cheang Chi Keong, alertou ainda para o momento de votação na especialidade. “A discussão na reunião plenária vai ser muito acesa e solicitamos a presença do Governo para esclarecer as questões que possam vir a ser colocadas, e para equilibrar os interesses públicos e privados”, disse.

O projecto de lei apresentado por nove deputados em Junho de 2015 sugere mudanças no sentido de amenizar os problemas que surgiram com o desenvolvimento local. Cheang Chi Keong acredita que a alteração à lei “irá resolver os problemas de arrendamento no território”.

O poder do Chefe

Uma das áreas de mudança que o projecto propõe é a intervenção do Chefe do Executivo. Com a alteração aprovada, o líder do Governo passa a poder definir um coeficiente máximo da renda a cobrar ao inquilino, decretado por despacho. A definição deste coeficiente não tem um carácter permanente e acontece em situações de crise. Quando se registar um aumento de rendas que cause desconforto à população, o Chefe do Executivo é chamado a intervir.

Um outro aspecto salientado no parecer tem que ver com o facto de esta intervenção poder ser direccionada a sectores particulares da economia local. “Por exemplo, se os parques de estacionamento começarem a exagerar nos aumentos das rendas, a definição do coeficiente máximo pode ser apenas para o sector do estacionamento e não abranger a habitação”, explicou Cheang Chi Keong.

Por outro lado, o aumento pode não obedecer ao tecto definido pelo Chefe do Executivo. Apesar de “poderem existir acordos entre as partes, o limite máximo de aumento tem de ser respeitado e nunca pode ultrapassar o definido por despacho”.

Quando o Governo quiser implementar este mecanismo tem de ter em conta os vários índices existentes.

Três anos sem chatices

Outra das modificações previstas no projecto de lei é o aumento da duração dos contratos de arrendamento de dois para três anos. O objectivo, lê-se, “é garantir ao arrendatário um mínimo de três anos de arrendamento”.

A medida começou por ser destinada à defesa do sector do comércio, na medida em que dois anos era considerado um período de tempo muito curto para colocar um negócio a funcionar, mas agora é também dirigida aos contratos habitacionais.

Está ainda prevista a criação de um mecanismo de arbitragem “com vista a uma solução eficaz dos conflitos decorrentes do arrendamento”, e os contratos passam agora a ter obrigatoriamente o reconhecimento notarial.

1 Ago 2017

Concluída consulta pública da lei da gestão das áreas marítimas

A fase de consulta pública revelou opiniões que vão, no geral, de encontro às sugestões do Governo. As críticas focaram-se na falta de consequências jurídicas para poluidores. Outro dos reparos que o projecto mereceu foi a falta de medidas concretas de execução da lei.

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] processo de elaboração da legislação que vai reger a gestão, uso, protecção e desenvolvimento das áreas marítimas de Macau deu um passo em direcção à concretização. A Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça publicou o relatório da consulta pública feito em colaboração com membros da Direcção dos Serviços de Economia, Direcção dos Serviços de Turismo, Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e de Água e da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental.

O documento indica que as sugestões apontadas pelo Governo para a elaboração desta lei-quadro foram, na generalidade, aceites por quem foi consultado. Neste aspecto importa acrescentar que o período de consulta se realizou entre os dias 15 de Novembro e 14 de Dezembro do ano passado, sendo dirigido à população geral e a associações.

A lei de bases pretende lançar os princípios gerais de orientação da gestão e uso das áreas marítimas, isto num contexto de interacção com as macro políticas tais como “Uma Faixa, Uma Rota”. Assim sendo, esta lei terá em conta também o objectivo governamental de afirmação de Macau como um centro mundial de turismo e lazer, assim como uma plataforma de serviços para a cooperação económica e comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa.

A lei pretende regimentar o zoneamento marítimo funcional da sua orla costeira. Este trabalho não foi realizado antes porque Macau não tinha oficialmente uma área marítima sob a sua jurisdição, algo que existe desde que o Governo Central estabeleceu, no final de 2015, os 85 quilómetros quadrados de áreas marítimas sob administração do Executivo da RAEM.

Direito à opinião

A legislação propõe-se garantir a exploração e aproveitamento das áreas marítimas com interesse nacional, proteger o meio marítimo ecológico, controlar a quantidade global de emissão de poluentes e melhorar a qualidade das águas, assim como promover a diversificação adequada e o desenvolvimento sustentável da economia.

Uma das preocupações expressas com maior frequência pelos inquiridos prendeu-se com a garantia da qualidade da água das áreas marítimas e do controlo das fontes poluidoras. A crítica mais frequente nesta matéria é a falta de coercibilidade da lei em apreço que não prevê a aplicação de medidas sancionatórias para punir poluidores.

No relatório do grupo de trabalho que realizou a consulta pública pode-se ler que a lei de bases de gestão das áreas marítimas, por ser de natureza orientadora que traça princípios gerais, não é a sede própria para definir normas de natureza executiva, tais como medidas sancionatórias.

Além disso, o documento recorda que já existe uma lei que proíbe o lançamento e despejo de substâncias nocivas nas áreas marítimas. Ainda assim, o Governo abre a hipótese de rever esta lei de forma a garantir a qualidade das águas.

Outra das possíveis complicações é a interacção entre esta lei de bases e o estudo que o Governo iniciou recentemente intitulado “Planeamento a Médio e a Longo Prazo relativo ao Aproveitamento e Desenvolvimento das Áreas Marítimas por parte da RAEM (2016-2036). Ao longo da consulta houve quem questionasse a eficácia de uma lei que define objectivos e medidas de desenvolvimento da economia marítima antes da implementação do planeamento acima referido.

Outra das críticas ao projecto de lei prende-se com o seu carácter demasiado abstracto, com poucas medidas concretas que possam ser executadas.

31 Jul 2017

AL | Alteração ao regimento aprovada com críticas a “restrições à liberdade”

Foram necessárias mais de três horas para aprovar as alterações às regras internas da Assembleia Legislativa. As mudanças ao Regimento só valem a partir da próxima legislatura. Quem esteve contra fala em liberdade limitada…

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s deputados à Assembleia Legislativa (AL) aprovaram na passada sexta-feira, na especialidade, a alteração ao Regimento, após uma discussão de mais de três horas e muitas críticas às “restrições à liberdade de expressão” e acusações de “falta de transparência”.

O artigo 52.º, relativo à emissão de votos – que agora passam a estar limitados a votos de congratulação, pesar, protesto, saudação, louvor ou censura –, foi o mais controverso, com o deputado pró-democracia Ng Kuok Cheong a afirmar que a intenção “é restringir esta liberdade” de proposta de votos na AL.

Ng Kuok recordou, a título de exemplo, que em 2014 propôs a emissão de um voto contra a proposta de lei de garantias dadas aos titulares dos principais cargos políticos, a qual viria a ser retirada pelo próprio Chefe do Executivo após as maiores manifestações da população em Macau desde o tempo da administração portuguesa. O deputado Pereira Coutinho manteve a crítica: “É nítido que se pretende restringir a forma como os deputados podem emitir o tipo de votos”.

Antes, a norma ditava que um deputado que não subscrevesse o voto e que não tivesse usado da palavra durante a discussão podia fazer uma declaração de voto, mas com a alteração deixa de haver lugar a declarações após a votação.

Para Pereira Coutinho, isto “é mais uma tentativa para apertar as mãos e os pés dos deputados”. Ng Kuok Cheong resumiu: “A alteração da norma, que limita os tipos de voto, e que não deixa lugar a declaração de voto após a votação, é uma repressão”.

É a eficácia

O presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, Vong Hi Fai, justificou a proposta com a necessidade de elevar a eficácia do funcionamento da AL.

Antes também não havia prazos para a proposta de voto, mas estes passam a ter de ser apresentados ao presidente do órgão legislativo com a antecedência mínima de 48 horas em relação ao plenário em que se pretenda que sejam votados.

A norma que foi a votação propunha 24 horas, mas o prazo passou a 48 horas após um aditamento feito durante um intervalo na sessão plenária.

Ao voltar a usar a palavra, Ng Kuok Cheong disse que “a primeira parte [do artigo 52.º] continua a ser uma limitação à liberdade de expressão (…) porque quando não se enquadra nas seis modalidades [voto de congratulação, pesar, protesto, saudação, louvor ou censura] já não se pode propor”. “E quanto à antecedência mínima com que o texto deve ser entregue é outra questão. Houve de facto uma repressão grave”, acrescentou.

Pereira Coutinho acusou ainda a Comissão de Regimento e Mandatos de “falta de transparência” por deixar de estar prevista a apresentação de relatório ao plenário após as deslocações dos deputados ao exterior.

Em resposta, Leonel Alves rejeitou a acusação e justificou a eliminação da expressão “apresentada ao plenário” porque, tanto antes como depois de 1999, “nunca houve leitura desses relatórios em plenário”.

Por outro lado, considerou pertinentes que os relatórios “devam ser devidamente divulgados para conhecimento, não só dos deputados, como também do público, passando a ser publicados na Diário da AL e também na página electrónica da AL”, uma sugestão acatada.

Já na quinta-feira, o debate sobre o mesmo diploma tinha ficado marcado por uma discussão de mais de uma hora do controverso artigo 47.º, retirado antes da votação na generalidade, o qual proibia aos deputados a exibição de placas, faixas, letreiros, ou cartazes com mensagens políticas ou de qualquer outra natureza.

A alteração ao Regimento da AL entra em vigor a 16 de Outubro, dia em que começa a próxima legislatura.

Tempo mantido

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o plenário de sexta-feira, foi também aprovada a alteração proposta pela Comissão de Regimento e Mandatos ao processo de interpelação sobre a acção governativa, mas foi chumbada a medida que propunha a redução do tempo que os deputados dispõem para questionar o Governo após a primeira resposta.

De acordo com a norma vigente, um deputado lê uma interpelação que subscreveu, durante o tempo não superior a cinco minutos, seguindo-se a resposta de um membro do Governo durante o máximo de dez minutos. Após esse procedimento, qualquer outro deputado pode pedir esclarecimentos adicionais, num período máximo de três minutos.

Segundo o projecto de resolução que foi a votação, o tempo do uso da palavra para esclarecimentos adicionais por parte dos deputados não subscritores das interpelações deveria passar de três minutos para um minuto, mas este artigo acabou por ser chumbado na votação na especialidade, mantendo-se o mesmo procedimento.

Antes da votação, deputados como Ella Lei, Mak Soi Kun e Zheng Anting criticaram a “poupança de tempo”. “Porque é que se está a economizar tempo? E porque é que os deputados repetem as perguntas? Para se poupar tempo se calhar temos de fazer alguma coisa para o Governo conseguir responder de forma precisa às nossas perguntas”, disse Zheng Anting. O artigo acabou por ser chumbado, com 16 votos contra e 13 a favor.

No plenário foi ainda aprovada uma proposta de debate de interesse público apresentada pelo deputado Au Kam San, que defende uma revisão à lei da habitação económica “para repor o regime de ordenação por pontuação, evitando que esta atribuição se transforme numa lotaria”.

31 Jul 2017

Comunicações | Governo analisa licenças para serviços de convergência

Em resposta às interpelações de Ella Lei e Kwan Tsui Hang, o Executivo anunciou que ainda se encontra em fase de estudos a interligação entre a CTM e a MTel. Outro dos aspectos a rever é a renovação dos contratos de serviços de telecomunicações

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] desenvolvimento do sector das telecomunicações locais e a interligação entre os operadores Companhia de Telecomunicações de Macau (CTM) e a MTel valeram duas interpelações das deputadas Ella Lei e Kwan Tsui Hang. A resposta por parte do Executivo veio de Derby Lau, directora da Direcção dos Serviços de Correios e Telecomunicações (DSCT).

Na réplica o Governo esclareceu que a emissão de licenças para os serviços de telecomunicações está em fase de estudo e que vai rever detalhadamente os contratos e licenças de serviços de telecomunicações de forma a antecipar os trabalhos de renovação dos mesmos. Uma das questões apontadas por Ella Lei era a necessidade de rever a legislação aplicada ao sector, de forma atempada, antes da renovação dos contratos de telecomunicações e televisão.

Derby Lau garante nas respostas às deputadas que ao longo do processo o Governo vai reforçar o diálogo com o sector, além de recolher as opiniões dos consumidores.

Ella Lei interpelou o Governo a apresentar a calendarização concreta para proceder à actualização da lei das telecomunicações. A directora da DSCT, apesar de não apresentar uma data concreta, garante que as leis vão ser melhoradas tendo em vista as oportunidades trazidas pela convergência dos serviços.

Internet a 100 Mbps

Em resposta à interpelação feita por Kwan Tsui Hang, Derby Lau adianta que os serviços que dirige têm prestado atenção à negociação entre CTM e MTel. Nesse sentido, a directora adianta que as duas operadoras chegaram a um acordo que prevê Internet de banda larga com 100 Mbps, uma fracção da velocidade dos serviços de fibra óptica. A questão da lentidão cibernética foi uma batata quente passada entre as duas operadoras, que a deputada Kwan Tsui Hang considera ser prejudicial para os consumidores.

Na resposta à interpelação de Kwan Tsui Hang, a directora da DSCT acrescentou que a ligação directa da Internet entre a CTM e a MTel não sofre de nenhuma regulamentação do actual regime de interligação de redes públicas e telecomunicações.

Património | Mak Soi Kun exige manutenção do Mercado Vermelho

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Mercado Vermelho, construído há mais de 80 anos, é um dos edifícios incluídos na lista de património cultural de Macau que Mak Soi Kun pretende ver protegido. É um ponto estratégico de aposta da Direcção dos Serviços de Turismo que pretende tornar a zona num pólo de atracção turístico, como tal, Mak Soi Kun lamenta a falta de vistoria à manutenção da infra-estrutura. O deputado enviou uma equipa ao local e apurou que existem problemas de higiéne, paredes e pilares danificados e infiltração de águas residuais. “Os referidos problemas encontrados no Mercado Vermelho não foram tratados, nem melhorados, pelas autoridades”, queixa-se o deputado. Mak Soi Kun mostra-se preocupado com os possíveis impactos causados aos comerciantes, residentes e visitantes e, nesse sentido, interpelou o Governo a agir para proteger o Mercado Vermelho.

31 Jul 2017

Prostituta

 

[dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]enham a mim, meus filhos, alimentem-se da generosa teta venusiana, saciem a sede de entendimento e redenção no meu sempre disponível regaço. Todos vós, homens de Macau, são meus filhos adoptivos e amantes eternos, assim tem sido desde que o delta escavou caminho até ao mar.

Eu sou o pilar da Felicidade, a dona de todas as volúpias, a guardiã do cárcere da lubricidade onde prendo os vossos penitentes desejos. Vós, Rómulos e Remos, palpitantes de rubra intumescência como mil corações que pulsam no baixo ventre e uma boca que antecipa amamentação. É assim que vos quero, prontos para se perderem no meu fruto proibido, inebriados pelo meu canto de sereia, tresloucados a uivar em lupina excitação à Lua Nova. Venham a mim jovens aprendizes do amor, eduquem-se na minha academia de luxúria, aguardam-vos mundos secretos e pequenas mortes de êxtase em contorções suadas.

Eu sou a fundação de Macau, muito para além dos Mandarins, do poder da pólvora, da autoridade do dinheiro, das promessas dos evangelhos, dos sortilégios do jogo. Sou em simultâneo a perdição e o perdão, o pecado e a absolvição, entre as minhas pernas guardo paraíso, inferno e a chave da cidade.

Como na Grécia de Sólon, onde fui adubo da semente da democracia, amei o burguês e o vagabundo de igual e incondicional forma. Amei a democracia e fui pilar das finanças públicas, os impostos apurados nos bordéis públicos de Atenas pagaram o Templo da Afrodite Pandemia. Sou justiça e equidade, sou a dignidade do pobre que descobre que apenas no prazer e na morte os homens são iguais.

Sou a história do mundo, sou a terra fértil que alimenta homem e besta, sou a terra árida que invoca a chuva, sou Vénus e Maria Madalena, a crucificação e a gloriosa ressurreição. Sou a conveniência compreensiva, o agasalho dos solitários, o indizível segredo dos adúlteros, o deslize para o conforto uterino, sou matriz e mulher da vida.

Sou lótus florida a aguardar polinização em cama de hotel, trago a paz aos guerreiros tombados nas batalhas da sorte, o cheiro de casa aos desterrados, o conforto das almas irrequietas que precisam da sobremesa libertina depois de banquetes de erudição. Sou a tábula rasa, o zero absoluto, a singularidade matemática, o momento Eureka comprado por 500 patacas à hora.

Estou em todo o lado. Em anúncios, casas de reputação duvidosa, nas esquinas das ruas das felicidades e nas memórias dos que me frequentaram, no vapor medicinal de inusitadas saunas. Estou em todo o lado, mas ninguém me vê, fogo-fátuo à beira da existência, eminência parda e rainha dos prazeres nocturnos. Durante o dia ninguém me vê, mas eu ando entre vós, camuflada pelo porte honrado com que deslizo pelas ruas.

Sou a grande Babilónia, mãe dos prazeres. Sou a inebriação que eleva os pobres mas também me deito com todos os reis. Monto uma besta com sete cabeças blasfemando o nome de Deus aos sete ventos, enquanto emborco taças de sangue de mártires. Sou a idólatra, a besta, o anjo caído entre lençóis de seda.

Venho das Filipinas, da Mongólia, da Ucrânia, Vietname, Camboja, China Interior, do Inferno, venho de onde o desespero é o pão diário, refaço-me longe de casa debaixo de estranhos hálitos.

Faço-me forte todos os dias, erijo-me como uma montanha e apago os despojos da noite anterior em bolas de algodão. Limpo todos os homens desta cidade do meu corpo, os virtuosos e os monstruosos, e refaço-me em tardias alvoradas de anunciação.

Canso-me neste carrossel lúbrico onde envelheço a alta velocidade, vendo a minha juventude e amor a quem pagar o preço certo. Esta pantomima fez-me empedernida, gasta. Só quero paz, silêncio, escuridão, folga das autoridades, clientes respeitadores e um duche perpétuo. Quero romper este ciclo e fugir para onde não me conheçam, onde o meu passado não existir. Mas mesmo que parta, vou sempre estar em Macau, nunca vou partir totalmente. Esta é a minha cidade, pois eu sou A-Má, protectora dos pescadores e das gentes dos mar, sou a mãe e a mulher da vida.

31 Jul 2017

Entrevista | José Tavares, presidente do conselho de administração do IACM

A criação de órgãos municipais sem poder político será uma oportunidade para reestruturar o IACM e torná-lo mais compatível com a realidade de Macau, mas não deverão ser introduzidas alterações significativas ao que hoje é feito. José Tavares, presidente do instituto, acredita que, apesar de a casa ser grande, é possível dar conta do recado sem a multiplicação de organismos. Em entrevista, confessa que não estava à espera de dirigir o sucessor do Leal Senado, casa onde começou a trabalhar há mais de 30 anos

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá há mais de um ano na presidência do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM). Como é que está a ser a experiência?
É uma experiência nova de gestão. Estamos a falar de um serviço público que é o terceiro maior em termos de pessoal, são mais de 2600 funcionários, com 11 departamentos e 33 divisões. Engloba muitas áreas e cada uma com a sua especificidade. É um desafio e, ao mesmo tempo, uma experiência aliciante, apesar de já conhecer a casa – o meu primeiro emprego na Função Pública foi no Leal Senado, num cargo entretanto extinto, o de secretário-dactilógrafo.

Regressou então a casa, mas com uma responsabilidade completamente diferente, o que é um desafio.
Sempre gostei de desafios. Venho do desporto. Estou habituado a desafios.

“Reduzir o número de obras não é uma solução – leva a apenas a uma acumulação de pedidos. A cidade obriga a estas transformações.”

Quais são as áreas que considera prioritárias no IACM?

Para mim, são todas prioritárias, mas posso destacar algumas, como a segurança alimentar. É uma área que temos tratado com maior intensidade nos últimos tempos. Temos acertado alguns parâmetros e índices alimentares para que Macau possa estar de acordo com as práticas internacionais. Em 2016, foram publicados quatro novos índices e normas, incluindo os relativos ao leite em pó, e nove novas orientações. Agora, estão em fase de elaboração várias normas, sobre os limites máximos de metais pesados e de resíduos de pesticidas nos géneros alimentícios, e para a utilização de conservantes e antioxidantes. Isto quer dizer que estamos cada vez mais a elevar os nossos padrões e exigências para os alimentos importados. Macau é uma cidade de turismo e de lazer – temos toda a preocupação de fazer a protecção logo na primeira linha. Tudo isto é uma prevenção para reforçar a nossa segurança alimentar. Depois, há o investimento feito nos nossos laboratórios. Há uma atenção acrescida no que diz respeito a esta área. No início deste ano, foi feita aqui uma conferência internacional sobre aditivos alimentares, com mais de 300 participantes de mais de 50 países. Isso significa alguma coisa. São organizações internacionais que conseguimos trazer, através do apoio da China. É um sinal de que Macau quer elevar os seus padrões ao nível internacional.

A par da segurança alimentar, que outras áreas é que o preocupam?
Muitas áreas. As vias públicas são uma realidade que temos de enfrentar. O crescimento acelerado da cidade obriga a ter valas sempre abertas. É uma consequência da realidade do crescimento da cidade. Reduzir o número de obras não é uma solução – leva a apenas a uma acumulação de pedidos. A cidade obriga a estas transformações. O que pode ser feito é reforçar a coordenação, que tem que ver com os diversos serviços e também com os concessionários. A coordenação poderá ser melhorada. Juntamente com a secretária para a Administração e Justiça e com o secretário para os Transportes e Obras Públicas, conseguimos melhorar esta coordenação. Antes de tudo, é preciso haver um aviso prévio da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) para podermos emitir uma licença. Sem o parecer deles, não há emissão de licença, isto para presumir, logo à partida, que a montagem e o percurso da obra sejam delineados conforme a indicação da DSAT.

“[As duas câmaras] tinham posturas diferentes e isso torna bastante difícil a execução de algumas políticas. Esta fusão faz todo o sentido.”

Para garantir mais fluidez no trânsito?
Sim, e para reduzir ao máximo os distúrbios que possam afectar a cidade durante as obras. Foi uma melhoria conseguida. O assunto foi abordado pelo Comissariado da Auditoria (CA), uma chamada de atenção feita acerca do período 2014-2015. Vimos o relatório. Achamos que há partes em que existe margem para melhorar e estamos a trabalhar nesse sentido. Outra preocupação tem que ver com os mercados e os vendilhões. Queremos alterar as leis sobre esta matéria porque já são muito antigas, vêm ainda da Administração Portuguesa. É um assunto urgente para resolvermos. As duas câmaras – o Leal Senado e a Câmara das Ilhas – tinham posturas diferentes. Nas ilhas fazia-se de uma maneira, aqui fazia-se de outra. Até hoje continua a ser assim porque a lei não foi mudada. Para nós, é muito difícil essa gestão. Depois, há ainda as zonas de lazer, que também foram alvo de um relatório do CA, que apontou algumas deficiências nos jardins e também nos espaços destinados às crianças. Tivemos essa preocupação e tudo foi composto em oito meses, conforme aquele relatório. Só que, durante este tratamento, verificámos outros problemas que não constavam da auditoria. Estamos agora a resolvê-los e espero que, até ao final do ano, o trabalho esteja concluído. Mas é um trabalho constante, porque a casa é grande. Estamos a falar de Macau inteiro.

Em 2001, quando acabaram as Câmaras Municipais Provisórias, o Cotai não existia, era apenas um istmo. Faria algum sentido voltar a ter duas câmaras, atendendo a que hoje a Taipa e o Cotai têm uma dimensão muito maior do que quando foi pensado o IACM? Ou é preferível ter só uma estrutura?
Acho que faz sentido ter só uma estrutura. Outrora, quando existiam duas câmaras, isso trouxe alguns problemas para a Administração, como referi. Tinham posturas diferentes e isso torna bastante difícil a execução de algumas políticas. Esta fusão faz todo o sentido. O IACM tem uma postura para todo o território. A nossa população e a nossa dimensão não justificam ter duas câmaras. Aliás, o IACM já não é uma câmara – a figura da câmara era um poder local que, agora, já não existe.

O IACM precisa de ter maior autonomia, atendendo às funções de proximidade com a população?
O IACM consegue satisfazer todas as necessidades da população com a sua estrutura actual. Temos uma grande proximidade com a população. Temos reuniões regulares com o Conselho Consultivo do IACM, colóquios nas freguesias, com os Conselhos Consultivos de Serviços Comunitários por Zonas, sessões abertas com a Administração, temos Centros de Prestação de Serviços ao Público, Postos de Atendimento e Informação, linhas telefónicas de atendimento ao público, com sistema de gravação de mensagens fora do horário de expediente, contas no Wechat, etc.. Não há outro serviço que tenha uma abertura junto da população como o IACM. Achamos que a actual estrutura do IACM é suficiente para dar resposta à realização de uma relação de proximidade com a população.

Nos últimos tempos, o IACM perdeu competências em duas áreas – no desporto e na cultura. O desporto é uma área que lhe é muito próxima, trabalhou muitos anos neste campo. Que balanço faz destas alterações em termos orgânicos? Atendendo à complexidade de Macau, uma cidade muito densa, fez sentido libertar o IACM destas duas pastas?
Fez e não fez. Fez, em certo sentido, por temos funções amplas e contacto próximo com a população. Mas também por isso os eventos culturais e desportivos podiam servir de elo de ligação com a população. Davam uma margem de manobra para o IACM poder ter um papel mais interventivo nas actividades recreativas, numa ligação mais imediata com a população.

O que é que deverá ser o IACM no futuro?
Acho que o IACM não deverá ser muito diferente do que é agora. O trabalho vai ser sempre feito por alguém. A criação de órgãos municipais sem poder político está prevista pela Lei Básica. São órgãos incumbidos pelo Governo de servir a população, designadamente nos domínios da cultura, recreio e salubridade pública, bem como dar pareceres de carácter consultivo ao Governo da RAEM em relação a essas matérias. Ou seja, o IACM, no futuro, não deverá ser muito diferente daquilo que conhecemos hoje. Julgo que essa mudança não traz grandes alterações em termos de prestação de serviços. Pode mudar o nome, pode mudar internamente alguns aspectos mas, por fora, o trabalho será o mesmo. Haverá um nome diferente, com uma estrutura eventualmente diferente, poderão ser feitos alguns pequenos ajustes, até porque já passaram 15 anos, aproveitando também para se adaptar à nova realidade de Macau.

Com a introdução dessa figura poderemos então esperar que haja um aproveitamento do que é hoje o IACM?
É uma reestruturação do IACM, porque já passaram 15 anos desde a sua criação. É preciso ter-se também em conta a nova realidade de Macau.

“[A criação de um órgão municipal] pode mudar o nome, pode mudar internamente alguns aspectos mas, por fora, o trabalho será o mesmo.”

Voltando ao trabalho que tem estado a desenvolver. Há planos para mais colaborações com entidades de fora de Macau, à semelhança da que estabeleceu com a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) de Portugal?
Temos colaborações com várias entidades, quer aqui em Zhuhai, Cantão, Pequim, China e também em Portugal. É uma colaboração estreita, sobretudo na área da segurança alimentar. Isto é muito importante porque esta integração permite a troca de informações, há uma colaboração muito próxima em termos de tecnologias que estão a ser implementadas para a detecção de problemas. Além da segurança alimentar e do CEPA, temos uma colaboração constante com outras organizações internacionais, como na área da importação de animais e plantas em vias de extinção – que é muito importante, porque há muita prática de contrabando nesta área –, e Macau é obrigada a cumprir estas normas porque faz parte dos tratados neste âmbito, e nas áreas de inspecção fitossanitária e sanitária, e de prevenção e controlo de epidemias animais. Isto também está dentro do nosso pelouro. A colaboração com a ASAE está a ser muito frutífera, porque mal a secretária para a Administração e Justiça assinou o protocolo com o ministro, foi logo desencadeada uma série de iniciativas. O inspector-geral da ASAE esteve aqui comigo, traçámos metas, logo a seguir fizeram-se três seminários, para o ano vamos lá para acertar outras coisas, pelo que acho que está a resultar.

Mas há mais ideias deste género para o futuro?
A colaboração não pára aí. Estamos agora a implementar uma plataforma de transacções electrónicas online do Centro de Distribuição de Produtos Alimentares dos Países de Língua Portuguesa. É muito importante, quer para nós, quer para eles. Vem na linha da política “Uma Faixa, Uma Rota”. Iremos criar um mecanismo permanente, sincronizado e mútuo, de inspecção para produtos lusófonos que passam por Macau. Vai permitir que os produtos sejam colocados à venda no mercado com maior brevidade.

É macaense, presidente do conselho de administração do IACM, um órgão com uma importância grande na cidade. Há uns anos, esperava que isto fosse possível?
Sempre foi possível. O secretário Raimundo do Rosário é macaense. É nomeado pelo Governo Central. Tudo é possível. Só que eu não esperava. Foi uma surpresa para mim – agradeço o convite feito pelo Chefe do Executivo, agradeço à secretária para a Administração e Justiça, pela confiança que me foi depositada, porque nunca pensei que um secretário-dactilógrafo do Leal Senado fosse, um dia, presidente do IACM. Comecei a minha carreira aqui, tenho 33 anos de serviço, tive esta grande oportunidade. Para retribuir, vou dar o meu máximo.

Sente saudades do Instituto do Desporto?
Sou um homem do desporto. Continuo a ser um homem do desporto.

28 Jul 2017

AL | Regime do Ensino Superior aprovado na especialidade 

Macau passou a ter um regime legal que regulamenta o ensino superior, depois da aprovação da proposta de lei na especialidade em plenário da Assembleia Legislativa. A prescrição de matrícula, a avaliação de instituições e cursos, e o fundo do ensino superior foram as matérias que suscitaram mais dúvidas entre os deputados

[dropcap style≠’circle’]”A[/dropcap] aprovação desta lei é um marco.” Assim começou a declaração de intenção de voto de Gabriel Tong. O secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, congratulou os deputados pela aprovação da lei depois de uma esgrima argumentativa na especialidade que se arrastou ao longo de 38 reuniões.

Um dos primeiros assuntos que levantou questões foi a figura jurídica da prescrição de matrículas de alunos que não concluam os seus estudos dentro de um prazo definido. Mak Soi Kun entende que esta limitação não vai de encontro à política de formação de talentos, como tal pediu a votação do artigo respectivo em separado.

Alexis Tam começou por argumentar que esta medida não se verifica apenas em Macau, sendo comum em todo o mundo como forma de garantir que os recursos são investidos de forma eficiente. O secretário recordou que esta já havia sido uma questão amplamente discutida na comissão permanente aquando da discussão na especialidade da proposta de lei.

O deputado Gabriel Tong tomou a palavra para opinar que não vê no regime de prescrição qualquer objectivo de limitar a acção dos alunos.

Outro dos capítulos que levantaram dúvidas dos deputados foi a forma como as instituições de ensino e cursos vão ser avaliados. Sou Chio Fai, coordenador do Gabinete de Apoio ao Ensino Superior (GAES) explica que as medidas têm como objectivo garantir a qualidade do ensino. O coordenador explicou que esta plataforma de avaliação permite uma maior competitividade e promove as boas práticas educativas.

Igualmente, os cursos novos precisam de acreditação, reconhecimento de mérito académico que garanta ensino de qualidade.

No aspecto da avaliação, Au Kam San manifestou a opinião de que as normas de avaliação são demasiado abstractas.

Fundos e mundos

Ainda no âmbito da avaliação, Pereira Coutinho argumenta que as normas que regem este mecanismo não são explícitas. “Quem faz a avaliação, uma entidade pública, ou privada?”, interrogou.

Já Mak Soi Kun recordou ao hemiciclo os casos de corrupção nas fiscalizações que aconteceram na ponte em Y e no escândalo dos falsos exames às emissões de gases poluentes nos automóveis do grupo Volkswagen. O tribuno demonstrou preocupação pela possibilidade de ser contratada uma empresa de fiscalização que falsifique resultados.

Alexis Tam tranquilizou os deputados reforçando a ideia de que a avaliação das instituições de ensino é um garante de qualidade. O secretário adiantou que não será o GAES a tratar desse assunto, que não haverá auto-avaliação e que serão convidadas instituições estrangeiras, europeias, norte-americanas para proceder à apreciação.

No que diz respeito ao financiamento, Pereira Coutinho levantou algumas dúvidas, nomeadamente no que toca ao ensino superior privado. Nesse sentido, o deputado considera que o Fundo do Ensino Superior deve respeitar princípios de equidade e transparência. Uma das questões mais sensíveis levantadas pelo português foi como evitar duplo financiamento de instituições privadas.

Alexis Tam explicou que vai caber ao GAES a gestão deste mecanismo público de financiamento e que os polos de ensino superior privado vão receber menos através do Fundo do Ensino Superior, uma vez que já recebem através da Fundação Macau e do Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e Tecnologia. O secretário para os Assuntos Sociais e Culturais garante que o GAES terá “uma boa comunicação com a Fundação Macau” para evitar duplos financiamentos.

Outra questão é a necessidade de reformulação do GAES que este diploma levanta. Alexis Tam anunciou que já “existe uma lei orgânica preparada para munir o futuro gabinete de competências para assumir mais funções”. As novas missões do GAES vão além da monitorização das universidades e outros estabelecimentos de ensino superior, vão também acompanhar os trabalhos de avaliação e acreditação, além da gestão do Fundo do Ensino Superior.

28 Jul 2017

Plenários | Comissão de Regimento e Mandatos retira artigo que proíbe adereços

Ontem de manhã, antes da sessão plenária que votou a alteração às regras internas da Assembleia Legislativa, a Comissão de Regimento e Mandatos voltou atrás na proibição de exibição de cartazes durante os plenários. O artigo foi retirado e a lei aprovada na generalidade

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] questão dos cartazes exibidos por deputados durante sessões da Assembleia Legislativa (AL) tem causado polémica desde que a Comissão de Regimento e Mandatos propôs a medida. Muitas foram as vozes que se levantaram contra a alteração que teria como objectivo garantir a solenidade e dignidade que o órgão legislativo merece.

Este ponto da ordem do dia começou com o anúncio de retirada do polémico artigo da proposta de lei, uma “notícia” que foi recebida com agrado geral.

Ng Kuok Cheong, uma das vozes críticas, é da opinião de que “algumas normas do projecto visam, claramente, reprimir a liberdade de expressão dos deputados”. Ng Kuok Cheong foi um dos quatro deputados que votaram contra a proposta de lei, acompanhando Au Kam San, Pereira Coutinho e Leong Veng Chai.

Este último deputado mostrou-se contente com a eliminação do artigo que proíbe a exibição de cartazes. Ainda assim, Leong Veng Chai deixou, em jeito de brincadeira, o aviso de que “se este projecto for aprovado, no próximo mandato ainda se vai controlar os decibéis dos deputados”.

Pereira Coutinho, outra das vozes críticas em relação ao mal-afamado Artigo 47.º, apresentou uma placa aquando da sua intervenção no debate antes da votação, comentando que achava que aquela seria a última vez que poderia fazê-lo. O deputado considera que estes actos representam “liberdade de expressão e são uma maneira de mostrar um argumento aos colegas”.

Pereira Coutinho condenou o facto de a Comissão de Regimento e Mandatos reunir à porta fechada, sem a presença da comunicação social. Nesse sentido, questionou quantos deputados concordaram, quantos discordaram e emitiram opiniões sobre a questão dos cartazes em sede de comissão.

Pão e circo

Com a legislatura à beira do fim, Melinda Chan prognosticou que esta matéria será deixada para depois das eleições e que espera que seja aprovada. Também Mak Soi Kun considera natural que o Regimento seja revisto, uma vez que entrou em vigor há muitos anos.

Song Pek Kei acha que as alterações introduzidas foram feitas de uma forma apressada. A deputada recorda que em Março estavam a ser recolhidas opiniões e que depois desse momento houve muito poucas informações prestadas.

Do outro lado da barricada, Leonel Alves começou por dizer que cada um pode exibir o que bem entender durante a sua intervenção. Porém, a questão muda de figura quando depois do uso da palavra um deputado decide colocar o cartaz em cima da bancada. No entender do histórico tribuno, esta é uma imagem pouco dignificante para um órgão político com as responsabilidades da AL.

Apesar de discordar da proibição total, Leonel Alves é da opinião de que os cartazes não podem servir de tempo de antena das 15h às 20h, chegando a imaginar o que seria ter 32 deputados a exibir sinais.

Se hoje em dia estas demonstrações são feitas de forma ordeira, quem garante que assim será no futuro? Esta é uma das interrogações levantadas por Leonel Alves, que disse que a AL não se pode parecer com um mercado municipal.

O deputado, que está na recta final da carreira como legislador, chegou mesmo a gracejar com o facto de um artigo que foi retirado da proposta ter gerado uma acesa discussão de mais de uma hora. “É como discutir bacalhau durante um jantar chinês”, brincou.

No entender de Leonel Alves toda esta questão é uma oportunidade de ouro para o populismo. “É um argumento fácil de que fazer e que dá visibilidade”, comenta.

Tsui Wai Kwan concorda com Leonel Alves. O deputado nomeado pelo Chefe do Executivo considera que os adereços são materiais de teatro. Foi mais longe ao levantar a dúvida se devia chamar deputado ou actor a Ng Kuok Cheong.

Apesar da retirada do artigo relativo aos cartazes, Tsui Wai Kwan considera que existe margem de manobra para voltar a discutir a matéria na próxima legislatura. Ainda assim, o deputado argumentou que os cartazes que ficam pendurados durante a sessão inteira são eles próprios uma restrição à liberdade de expressão dos restantes tribunos.

O presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, Vong Hin Fai, explicou que a “intenção das alterações foi no sentido de aperfeiçoar os respectivos artigos e garantir o bom funcionamento da AL”. Foi mais longe ao repudiar a ideia de que não houve ideia de restringir a liberdade de expressão.

Quando à proposta sobre o tempo de debate, Vong Hin Fai, mostrou-se contra o regime actual que estabelece 30 minutos de intervenção por deputado, lembrando que essa restrição foi eliminada na proposta de alteração ao Regimento da AL.

Outra questão que deve ser alterada pelo novo Regulamento é o fim das declarações de intenção de voto, solução que Vong Hin Fai não considera passível de interferir com os direitos dos deputados, uma vez que estes podem fazer a mesma declaração durante o debate.

Como a sessão demorou demasiado tempo, principalmente dominada pela questão dos cartazes, a votação na especialidade foi adiada para hoje.

28 Jul 2017

Eleições | CAEAL rejeita pedido feito pela lista de Carl Ching

 Afinal, só na próxima semana é que vão ser afixadas as listas definitivas das listas para as legislativas de 17 de Setembro, A “Nova Ideais de Macau” quis substituir o candidato número dois pelo número três, mas a comissão eleitoral não deixou

 [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] presidente da Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) anunciou ontem que a reclamação apresentada por uma candidatura foi rejeitada, devendo as listas definitivas às eleições de Setembro ser divulgadas na próxima semana.

Na reclamação apresentada esta semana, a “Nova Ideais de Macau” reivindicava a troca da ordem de dois candidatos, de forma a que José Pedro Sales, actual número três, passasse a segundo da lista, e Hong Hok Sam a terceiro, o que a CAEAL rejeitou, disse em conferência de imprensa o juiz Tong Hio Fong.

“Recebemos uma reclamação da ‘Nova Ideais de Macau’. Eles querem que a CAEAL possa ponderar sobre a alteração da ordem dos seus candidatos, (…) a CAEAL acha que essa reclamação não tem qualquer fundamento legal”, afirmou.

“De acordo com a lei eleitoral (…) já não se podem apresentar novas informações. [Só] quando haja deficiências que precisem de suprimento e a CAEAL solicitar é que se podem apresentar essas informações”, acrescentou o presidente da comissão, explicando que já passou o prazo para fazer alterações.

Liderada pelo candidato Carl Ching, a “Nova Ideais de Macau” tem agora um dia para recorrer da decisão junto do Tribunal de Última Instância (TUI), que por sua vez terá um dia para se pronunciar.

Esta lista está a ser investigada por suspeitas de fraude, num caso de alegado fornecimento de informações falsas na angariação de assinaturas para a constituição de comissões de candidatura, que foi encaminhado pela CAEAL para a polícia.

 Candidato arrependido

Além da reclamação, a CAEAL recebeu um pedido da lista “Linha da Frente dos Trabalhadores dos Casinos”, encabeçada por Chloee Chao, para retirar da lista a número três, Leong Lai Há, que desistiu da candidatura.

Segundo as listas provisórias ontem afixadas, há 192 candidatos pelo sufrágio universal, num total de 25 listas, e 15 candidatos distribuídos por seis listas do sufrágio indirecto, através de associações.

A reclamação apresentada na segunda-feira pela lista “Nova Ideais de Macau” à CAEAL fez adiar a afixação da lista completa das candidaturas admitidas às eleições de Setembro, inicialmente prevista para terça-feira.

As listas definitivas deverão ser publicadas na próxima semana, disse Tong Hio Fong. “Se houver qualquer recurso contencioso temos de aguardar pelos resultados. Se não, penso que na próxima semana já temos uma lista definitiva”, afirmou.

O juiz acrescentou que a CAEAL recebeu cerca de 30 queixas ou denúncias de alegada corrupção e que o Comissariado contra a Corrupção (CCAC) recebeu 35.

28 Jul 2017

Love is Blindness

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma canção egípcia entoa o encontro entre dois olhares. “Ah! No primeiro instante a promessa!” Um amor à primeira vista.

Não importa se é amor, aquele amor que os amantes casados dizem que se transformou em amizade. Não importa se o amor é o olhar de si para o outro e o olhar do outro para o próprio. Não. Não tem que ver com atracção sexual.

É outra coisa.

“Ah! No primeiro instante a promessa!” O que importa é a promessa. Nem sequer é o futuro que aqui está em causa. É outra coisa. É ver-nos pela primeira vez como nunca nos víramos antes. É esse o sentido do futuro. Não é ser arrancado à solidão, porque podemos nunca ter-nos sentido sós.

É outra coisa. Pode acontecer, quando nos sentimos tão bem que achamos que não há mais ninguém de quem precisemos. O futuro é um arremesso único. É como se até então nunca estivéssemos estado vivos, como se toda a auto suficiência, toda a nossa estabilidade recebesse um outro apelo. Um apelo vindo não se sabe de onde mas que é compreendido como uma forma de exclusividade.

“Ah! No primeiro momento a promessa!” Esse olhar é um olhar-se o outro e sermos arrancados à exclusividade de si próprio. E anos mais tarde percebemos que é esse o olhar da eternidade, como dizem os teólogos. É a vida, mas a vida projectada pela eternidade. Porque esse instante dura um piscar de olhos. Vemos a beleza e a beleza a olhar para nós. Pode ser ao virar de uma esquina, nos lugares mais anódinos, mas é sempre onde nos encontramos. Encontramo-nos num canto do mundo e é nesse canto do mundo que alguém abre o azul para nós e nós esquecemo-nos de nós.

No primeiro olhar, o relâmpago. A beleza encarnada como se houvesse um anjo sem asas a aterrar.

Sem sabermos parece que a salvação, a esperança, nós próprios inamovíveis, somos transportados para outros sítios, para outros lugares. Pela primeira vez, há uma outra vida que sem apelo nem agravo, num outro corpo, num outro olhar, nos resgata. Sem sabermos que era para sermos resgatados.

O olhar é azul, recíproco e simétrico. Toda a linguagem cala o que há para dizer ou então tem de ser inventada. Primeiro, há o silêncio. Não, não é o silêncio. É a mudez. Uma mudez que vem do corpo. Não, não vem do corpo. Vem do olhar. Como se toda a eternidade da noite do passado em que tínhamos permanecido antes de termos nascido fizesse sentido.

Um olhar o outro e um olhar do outro para nós incendeia não se sabe bem o quê. Podemos nunca mais ter aquele encontro. Tivemos encontros, mas não como aquele. Um relâmpago é um deus que se intromete no acaso do tempo que faz o acaso do espaço para aquele encontro.

Naquele primeiro olhar, a promessa. Naquele olhar, a promessa simples de tudo.

E o tempo passa. Não pode passar muito tempo. A repetição da revisitação não nos trás aquele momento. Quando é correspondido, sabemos sem saber que o outro esteve lá em si onde nós estivemos em nós.

E há a primeira palavra trocada. Uma palavra banal. Como te chamas? De onde vens? O que fazes? E a tarde passa sem tempo a falar abstracta mas concretamente de nós, um com o outro.

O mundo metamorfoseia-se, porque a promessa vem do futuro tal como o sentido. É do futuro que vem o sentido. Não é um futuro limitado como uma semana ou um mês ou um ano. É o tempo todo que encarna naquele olhar azul.

Pensamos fugir. O olhar azul pensa fugir. Mas ambos cedem ao encontro. Para o encontro é preciso a película daquela dimensão que transtorna um e outro e leva um para o outro.

Naquele ano, ido, e ao mesmo tempo futuro, mas já sem preenchimento, existimos ou só um existiu, não se sabe bem. De todo o tempo, houve dias que repetiram aquela promessa. Poucos, porque somos humanos e os humanos lidam mal com a vida de todos os dias. De dois que éramos queríamos reaver-nos, mas como é possível? O ser dos dois é um único. Ficamos devolutos, mas ninguém se recupera. Talvez só um.

Dizem-me que continuas deslumbrante, que constituíste família. Que és mãe. E vives longe.

“Ah! No primeiro olhar, a promessa. Ah! No primeiro olhar, a despedida”.

Diz a canção.

28 Jul 2017

Entrevista | Isabel Pires de Lima, académica e ex-ministra da Cultura de Portugal

Os livros apareceram porque não havia outra hipótese e as escolhas académicas foram consequência de um percurso natural. A política chega porque sempre gostou de dar resposta ao que lhe pedem. Isabel Pires de Lima é uma mulher do Norte, uma investigadora sem papas na língua que explica por que razão é difícil mexer na cultura em Portugal

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omo é que apareceu o interesse pela literatura?
Com o quadro familiar. Foi-me induzido o gosto pela leitura em casa. A minha mãe era professora primária e evidentemente que lia. O meu pai tinha estudado em Coimbra, convivido com a geração dos neo-realistas e ainda com o resto dos presencistas, e tinha muito as referências literárias daquela geração. Desde cedo, comecei a ler porque tinha livros em casa. A prática de contar histórias também encheu a minha infância e, na adolescência, tive a sorte de não me ter alheado da leitura. Conquistamos facilmente as crianças para a leitura – o problema vem depois. Perdemos os leitores na adolescência. Se a passam, está ultrapassada a prova. Naquela altura também não havia a cultura impositiva da imagem, nem a oferta cultural que há hoje. Nasci em Braga, fiz lá o meu ensino secundário e fazia férias numa aldeia no norte da ilha da Madeira, de onde a minha mãe é originária. Havia muito que fazer, mas era entre primos. Na verdade, era um período em que lia muitos clássicos porque era o que havia. Fartei-me de ler Camilo. À medida que fui avançando nos estudos, fui-me interessando mais pela literatura, apesar de ser melhor aluna na área das ciências. Tinha um certo gosto pelo francês, apesar de não apreciar muito línguas. Tive hesitações, no secundário estive inscrita em Economia e gostava de Geografia. Acabei por me formar em Literaturas Modernas que, na altura, se chamava Filologia, na área de Português e Francês. Estive muito ligada à cultura francesa e até comecei a minha carreira universitária a ensinar literatura francesa. Só quando enveredei para a preparação do doutoramento é que me fixei na literatura portuguesa e hoje trabalho mais em literaturas de língua portuguesa e nas relações da literatura com outras artes, nomeadamente com as artes visuais.

 Como é feita essa relação?
Voltamos à questão do gosto pessoal. Hoje, quando penso nas minhas opções, percebo que o que andava à procura era de Sociologia que, na época, nem existia na universidade portuguesa. Mas aquilo de que gostava verdadeiramente na vida era ter sido artista visual, artista plástica. Não sou nada dotada, não desenho bem, mas é uma área que me interessa muito. Para este gosto foi fundamental o meu contexto familiar. Os meus pais viajavam bastante, eu também comecei a viajar sozinha muito cedo e ia a museus e galarias de arte. Fui-me formando bastante nesse campo. Por outro lado, como já disse, comecei por ensinar literatura francesa e um dos pratos fortes do meu programa foi o surrealismo francês. Estudar o surrealismo na literatura implica o trabalho no campo das artes visuais. Não faz sentido falar em literatura surrealista sem falar em artes plásticas. O surrealismo é de facto um campo em que o cruzamento interartístico semiótico é muito importante. Já tinha gosto e aprofundei-o muito. Nos últimos 15 a 20 anos tenho estado ligada a um instituto de investigação, o Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa. Também integro o Conselho de Administração da Fundação de Serralves. Estou mergulhada nas artes.

 O seu doutoramento foi em literatura portuguesa do século XIX.
Sim, trabalhei sobre Eça de Queirós numa perspectiva sociológica. Hoje tenho noção de que andava à procura de uma área nas ciências sociais. Quando comecei a preparar o doutoramento, acabei por me fixar felizmente na literatura portuguesa. Acabei por lá ir parar também por necessidades da própria universidade. Escolhi um escritor realista e adoptei uma metodologia teórica associada à sociologia da produção literária. Não fui para a sociologia da recepção. Fixei-me no Eça, que não era evidente para mim até porque, um pouco ingenuamente, pensava que o essencial sobre o Eça estava feito. Mas na Universidade não havia muito trabalho com perspectivas contemporâneas sobre o Eça e “Os Maias” em concreto, pelo que foi uma espécie de pânico quando me foi dada esta obra.

Assustou-a porquê?
Porque achava que era uma obra-prima intocável e pensei que já estivesse muitíssimo explorada. Hoje estas questões não se colocam aos jovens investigadores. Há centenas de jovens a fazer doutoramentos. Na época era uma coisa raríssima e havia a ideia de que existiam campos em que era preciso explorar áreas que nunca tivessem sido exploradas. O que não é verdade. Fui empurrada para “Os Maias” e ainda bem, mas aconteceu-me aquilo que acontece a quem trabalha com clássicos: nunca mais se vê livre deles.

“Os Maias” é uma obra que faz parte do currículo do ensino secundário. Os jovens desta idade estão preparados para entender este tipo de clássicos?
Os Maias são a obra-prima do Eça. Talvez não seja o romance mais fácil para uma iniciação ao contacto com o autor. Talvez fosse mais fácil “O Primo Basílio”. Muitos estudantes são iniciados no Eça através de contos ainda antes de “Os Maias”. Talvez não seja o romance mais fácil, por ser um romance muito longo e nós hoje temos poucos leitores de longo fôlego – e não apenas na adolescência, temos mesmo poucos leitores.

O que é que se está a passar com o hábito de ler?
A literatura perdeu poder simbólico e perdeu muita capacidade de atractividade para preencher os espaços de lazer. As solicitações hoje são imensas e de variadíssimo tipo. Há uns anos tínhamos muito mais tempo. Não havia televisão ou internet. Não existiam as solicitações visuais e de imagem que há hoje. É difícil escapar ao império da imagem. A leitura é muito exigente: exige um espaço de solidão, de prática individual, um espaço de um certo silêncio, tudo aquilo que nós não temos, nem em casa. Se calhar, hoje em dia, os jovens até têm mais estas situações na escola do que propriamente em casa. Por isso temos perdido muitos leitores. Por outro lado, por que lêem mais as mulheres? As mulheres ainda estão tendencialmente mais reduzidas ao espaço doméstico. Estão muito mais em casa, têm mais espaços de solidão, há mais mulheres sozinhas do que homens sozinhos e tudo isto converge para levar este género a ler. Outro aspecto actual é que há mais mulheres com formação superior do que homens. Depois, por razões culturais, são mais induzidas a uma espécie de formação individual, de atenção ao mundo íntimo que pode ser feita através da literatura. Os homens ainda são mais educados no sentido do êxito fora de casa.

 Da literatura à política.
A política foi um acaso, como muitas outras coisas na minha vida. Tenho tido na vida a seguinte atitude: sou muito empenhada no meu trabalho onde quer que esteja, mas não sou muito ambiciosa. Não sendo ambiciosa, tenho uma atitude perante a vida de uma certa curiosidade intelectual, e raramente me furto às propostas e desafios que me fazem. Não tenho medo da mudança e é até uma coisa estimulante. A política veio ter comigo. Não estou inscrita em nenhum partido político mas, desde muito cedo, respondi sempre às solicitações da comunidade da cidade onde vivo, o Porto. Ia a diversas acções e palestras quando me era pedido. Atenção que fiz isto numa altura em que a própria universidade não via isso com muito bons olhos, já nos anos 1970 e mesmo 1980, porque era considerado uma dispersão àquela coisa que era o trabalho académico puro e duro. Mas sempre estive muito articulada com a vida cultural da cidade. Quando me propuseram integrar uma lista de candidatos a deputados pelo Partido Socialista, devo dizer que foi uma grande surpresa. Não estava nada à espera. Acabei por ir para o Parlamento um bocadinho por curiosidade.

 Acabou por ser ministra da Cultura.
Foi também surpreendente o convite que me foi feito. Desta vez menos, porque já estava na Assembleia da República (AR) e sempre ligada, de alguma forma, à cultura e às questões da língua. Fui sondada pelo então primeiro-ministro José Sócrates, com quem não tinha uma relação de grande proximidade. Curiosamente, de vez em quando falávamos de poesia, porque era uma área de que ambos gostávamos. Quando saí do Governo, continuei na AR mais um ano e meio.

Enquanto ministra da Cultura, quais foram os maiores desafios que encontrou?
Diria que o mais difícil foi o pôr um pouco de ordem numa casa bastante desorganizada. A cultura tinha ganho um estatuto de Ministério há relativamente poucos anos. Foi criada uma estrutura bastante ampla dentro do Ministério com uma multiplicação de direcções gerais, por exemplo. Logo a seguir, antes de mim, há o primeiro quadro comunitário de apoio à cultura. De repente há dinheiro para injectar, o que fez com que houvesse uma espécie de pujança do próprio ministério com o ministro Carrilho. Quando cheguei já não estávamos no tempo das vacas gordas, as vacas já estavam a emagrecer bastante, o que fez com que tivesse de existir contenção de meios. É preciso ainda lembrar outra coisa: no primeiro Governo de José Sócrates, encontrámos um défice de 7,5 por cento e, em cerca de ano e meio, reduzimos para três por cento. Isto obrigou a muita contenção orçamental. Foi preciso fundir organismos e isso gera sempre grandes tensões internas dentro do Ministério. São acções que levam sempre a perdas de pequenos e grandes poderes. Esta foi uma das dificuldades. Outra dificuldade foi a aposta que, claramente, fiz em políticas de descentralização. A cultura em Portugal era, de facto, muito em Lisboa. Apostar em políticas que prestassem atenção ao resto do território também gera algum incómodo. Ainda por cima, eu era uma ministra vinda do Porto e mulher, e não membro do Partido Socialista. Estas três coisas juntas dificultaram um bocadinho a minha vida. Fiz esta opção de descentralização também porque, entretanto, com os tais dinheiros comunitários que tinham chegado, tinha havido a construção de equipamentos descentrados. Alguns deles estavam fisicamente de pé, mas não acontecia nada lá dentro. Outra das dificuldades foi lidar com – e vou usar palavras que nunca usei enquanto estava no Ministério – uma certa mentalidade subsídio-dependente. Mas, atenção, acho que há razões para que exista esta subsidiodependência. Hoje já há um público mais alargado, mas naquela época não havia públicos. Muitas vezes dizia uma coisa que chocava um bocadinho quem me ouvia, nomeadamente no âmbito de acções do Partido Socialista: não é só a cultura que depende de subsídios em Portugal. A maior parte dos empresários também o é. Ninguém se escandaliza quando se atribui um subsídio a uma fábrica de salsichas, mas se for para a cultura é um problema. A razão é que na fábrica as pessoas vêem um retorno para a economia e, na cultura, o retorno é muito lento. Hoje já é bastante visível, mas é muito difícil fazer perceber isto.

O que é que se pode fazer?
É preciso fazer perceber às pessoas que o investimento na cultura é barato. Num Orçamento de Estado, são tostões. Todavia, a filosofia orçamental continua a ser do corte na cultura. Por mais que se tente explicar isso num Conselho de Ministros, designadamente a um primeiro-ministro, é sempre muito difícil passar a mensagem. Por exemplo, tentar acentuar que o pouco que se investe em cultura potencia enormemente o muito que se investe em educação. Esta relação é dificílima de se fazer entender e é uma coisa óbvia. Importa também dizer que não é só difícil em Portugal. Há excepções. O Reino Unido é uma delas, mas também tem uma organização muito diferente. Por outro lado, não é fácil lidar com os agentes culturais. Estou a incluir os criativos e os agentes no terreno. São pessoas muito individualistas e é muito difícil definir quem é o interlocutor. Enquanto o ministro da Educação sabe que o seu interlocutor é o sindicato, o ministro da Cultura recebe o grupo A que não se dá bem com o grupo B e o B fica chateado porque recebemos o A. Depois são também grupos inorgânicos. Isto tudo acrescido do facto de que estes agentes têm uma fácil cobertura da comunicação social. Costumo dizer a brincar, mas é a sério, que o artista e o agente cultural têm sempre um amigo na comunicação social, o que faz com que, de repente, uma coisa pequena ganhe uma dimensão extraordinária.

Há solução para esse problema no que respeita aos criativos e agentes?
Não é fácil. Tentámos alterar as regras dos concursos para apoios a projectos em várias áreas. Para que isso acontecesse fomos falar com todos os grupos do país, o que levou uns meses, de modo a poder fazer o levantamento. Era extraordinária a diferença de realidades e de reivindicações, e inclusivamente de comportamentos. Muitas vezes, os grupos reagem muito mal a qualquer tentativa que o Estado faça de controlo do seu investimento. Mas essa é uma obrigação de quem gere dinheiro público. Quando falávamos de controlo de bilheteira, era logo um nervoso geral. Depois, há sempre aquele fosso entre os grupos que são dependentes de subsídios e aqueles que praticam uma arte que é mais comercial e que não dependem desses dinheiros. No entanto, também têm outras reivindicações e tudo isto gera muita tensão. Por outro lado, é preciso entender que há áreas em que o Estado tem forçosamente de intervir e que vão ser sempre dependentes, a não ser que tivéssemos uma mentalidade e uma dinâmica empresarial que não temos. Por exemplo, dentro do património, não há empresas em Portugal a sustentarem os arquivos, como mecenato, por exemplo. Mas os arquivos têm de existir e têm uma manutenção elevadíssima. São áreas onde não é possível não pensar em investimento do Estado e ainda há muito por fazer. Há muita coisa feita, o tecido cultural português mudou muitíssimo desde o 25 de Abril para cá. Uma das áreas em que acho que tivemos muito sucesso foi no campo da educação e da saúde, e mesmo da segurança social e, claro, da cultura, onde tivemos muitos sucessos, pese embora a percepção colectiva não seja essa. A cultura tem a seu favor e contra si o facto de ser muito transversal. Hoje há a percepção de que estas transversalidades atingem todos os campos e todas as áreas. Não imagina quanto me sentia pregador no deserto ao falar em turismo cultural. Isto não foi assim há tanto tempo. Hoje penso que é realmente chato ter razão antes do tempo. Mas era muito claro, para quem se move neste universo da cultura, que Portugal tinha potencialidades a desenvolver ao nível do turismo cultural, muito mais do que ao nível do sol e da praia. Já na altura defendia que o Ministério da Cultura deveria ser da Cultura e Turismo, como já o é em alguns países. Claro que também tenho a percepção de que este boom do turismo cultural teve circunstâncias facilitadoras, como a perda do turismo no Magreb. Mas também é verdade que hoje o turismo de longo curso é mais facilitado. Mas, na Europa, era claro que Portugal tinha muito potencial.

27 Jul 2017

Proibição | Pró-democratas contra novo Regimento da Assembleia Legislativa

Os deputados Au Kam San e Ng Kuok Cheong realizaram uma conferência de imprensa para mostrarem o seu desagrado face à alteração ao Regimento da Assembleia Legislativa. Uma das razões prende-se com a proibição do uso de cartazes pelos deputados

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] decisão da Comissão de Regimento e Mandatos da Assembleia Legislativa (AL) de não permitir que os tribunos usem cartazes no plenário continua a fazer correr tinta, ao ponto de motivar uma conferência de imprensa dos deputados pró-democratas Ng Kuok Cheong e Au Kam San. O último explicou que, por vezes, durante as sessões plenárias os deputados não conseguem expressar completamente as suas ideias devido às restrições colocadas pelas regras internas da AL. É aí que os cartazes têm a sua utilidade, permitindo uma intervenção suave que não perturbe a ordem de trabalhos do órgão legislativo.   

Ainda dentro deste assunto, a dupla de pró-democratas não está satisfeita com o facto de esta medida apenas incidir sobre a conduta dos deputados, uma medida que consideram reduzir as próprias funções e capacidades da AL.

Na passada semana, o presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, Vong Hin Fai, afastou a hipótese desta interdição restringir os direitos dos membros da AL.

De acordo com Au Kam San, a proibição de cartazes com mensagens políticas nos plenários foi uma ideia que surgiu de Chan Iek Lap, deputado eleito por via indirecta. A intenção será proteger a solenidade e dignidade da AL. Au Kam San, que também faz parte da Comissão de Regimento e Mandatos, não assinou a proposta de resolução que estatui a restrição.

O deputado pró-democrata argumentou ainda que em todos os congressos, assembleias e parlamentos em países democráticos não existe esta proibição.

Tempo escasso

A Comissão de Regimento e Mandatos mereceu a crítica dos deputados pró-democratas por causa de alterações que não constam da proposta de resolução. Os deputados são do entendimento de que os plenários não deveriam terminar às 20h, horário em que os trabalhos são suspensos. De igual modo, gostariam que as reuniões das comissões permanentes e de acompanhamento fossem abertas ao público, ideia que, de resto, tem sido subscrita recentemente por vários deputados.

Atendendo a todas estas reticências, Ng Kuok Cheong e Au Kam San vincaram que vão votar contra a proposta de resolução que visa alteração ao Regimento da AL, um dos pontos da ordem do dia do plenário desta tarde.

Apesar de não ter realizado um inquérito a outros tribunos, Au Kam San acredita que a maioria dos deputados eleitos por via directa irá votar contra as alterações ao funcionamento do plenário.

Durante a conferência de imprensa de ontem, Au Kam San disse ter recebido uma mensagem a pedir-lhe que participe numa reunião da Comissão de Regimento e Mandatos hoje de manhã, antes do plenário marcado para a tarde. O deputado confessou que não tem conhecimento do objectivo deste compromisso, uma vez que os detalhes das alterações foram discutidos nas reuniões passadas da comissão.

Grande Baía | Macau e Zhuhai antecipam ideia com Hengqin

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] parceria estratégica entre Macau e Zhuhai na Área Piloto do Comércio Livre de Hengqin será aprofundada, de forma a potenciar o fluxo de pessoas e mercadorias entre as duas regiões. Esta foi uma das decisões tomadas na reunião entre as autoridades da RAEM e os representantes de Zhuhai, nomeadamente o governador do município, Li Zezhong. Lionel Leong explicou que a experiência da Ilha da Montanha permite aprofundar a cooperação bilateral nas áreas industriais, emprego, protecção ambiental, educação, cultura e tecnologia. Ambos os representantes concordaram que esta cooperação potencia os benefícios que resultam da política “Uma Faixa, Uma Rota” e da Grande Baía Guangdong – Hong Kong – Macau. O secretário para a Economia e Finanças acrescentou que Macau continuará a potencializar as suas funções enquanto plataforma de serviços para a cooperação comercial entre a China e os países de língua portuguesa.

27 Jul 2017

A fronteira e a utopia

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]enho passado os últimos fins-de-semana ali do outro lado das Portas do Cerco, uma vez em Guangzhou, e depois em Zhongshan, uma cidade a cerca de 80 km de Macau. Ambas estão à distância de uma hora e de 25 minutos, respectivamente, através dos novos comboios rápidos da CRH.  Quanto à capital da província de Cantão, nada me surpreendeu por aí além, mas fiquei encantado com Zhongshan. Nunca tinha lá estado antes, confesso, mas aquilo que encontrei deixou-me positivamente surpreendido.

Uma pequena cidade – ainda assim maior que Macau – com “apenas” três milhões de habitantes, que é um verdadeiro hino ao progresso. Vias bem projectadas, prédios novos e bonitos, zonas pedonais ajardinadas, com respeito pelo urbanismo, uma oferta de espaços de restauração e de entretenimento fabulosa, e tudo providenciado por gente educada, respeitadora e simpática. Miséria? Vê-se, mas aqui deste lado também, e deixem-me que vos diga que estes dois últimos fins-de-semana têm sido retemperadores, mesmo nesse particular.

E nada disto é coreografado, como no reino do faz-de-conta da Coreia do Norte. Esta geração de chineses, da nova China, é da paz. São os netos daqueles que viveram os horrores da revolução cultural, filhos dos que ainda assistiram aos eventos da Praça Tiananmen em 1989, e que deixaram o mundo com um pé atrás em relação ao país do meio. São jovens que também querem eles ser cidadãos do mundo, mas tudo a seu tempo. A China é, como se sabe, a segunda maior economia do mundo, mas ainda a 70ª no que toca ao rendimento per capita, atrás de países como o México e a Eslováquia. Mas tudo a seu tempo, e não esqueçamos que estamos aqui a falar de um país com 1200 milhões de pessoas, mas com uma qualidade de vida com que outros “gigantes”, como é o caso da vizinha Índia, uma “democracia”, pode apenas sonhar.

Entretanto regresso no mesmo comboio rápido a Macau, que há anos que espera pelo tal metro de superfície, do património delapidado, das habitações degradadas que se encontram lado a lado com os espaços comerciais abandonados, com os fios eléctricos pendurados e o correio acumulado na caixa, tudo em pleno centro histórico. A Macau que separada por um braço de rio que constitui a fronteira para o continente, ainda olha com desconfiança e até algum  desdém para os seus irmãos do continente – e porquê, fico-me a interrogar. “Ora essa, aqui não temos o espaço que eles tem lá da outra banda”, dirá o leitor mais céptico. Pois não, mas também já tivemos menos. Os aterros que fizeram a cidade crescer em tamanho foram usados para fazer casinos, que nada deram aos residentes em matéria de qualidade de vida, e que em alguns casos são um autêntico atentado ao urbanismo. Os tais aterros serviram ainda para construir habitação que não está ao alcance do cidadão médio de Macau. É caso para nos interrogarmos: o que temos beneficiado com o tal segundo sistema, além das tão apregoadas “liberdades”, que na verdade não passam do papel?

Pronto, tudo bem, longe de mim questionar a sacrossantidade do estatuto especial de Macau que nos permite aceder ao Facebook, e consigo até imaginar alguns leitores a levar as mãos à cabeça, “ai o que está este rapaz para aqui a dizer”, mas desafio-vos a irem lá e verem pelos vossos próprios olhos, e sentirem a diferença. Não custa mais do que falar sem saber. O ideal mesmo seria ter o melhor dos dois mundos, mas isso não passa apenas de uma utopia. E sonhar ainda é grátis.

27 Jul 2017

Entrevista | Chan Chak Mo, deputado e empresário

É deputado eleito pela via indirecta pelos sectores culturais e do desporto. Chan Chak Mo acredita na revisão da Lei de Terras e é contra o controlo do arrendamento no território. Entende que os negócios não interferem com a política e garante que luta sempre pelo bem comum

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá no final de mais uma legislatura. Qual foi a matéria que esteve em análise na 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), à qual preside, em que foi mais complicado trabalhar?
Foi a lei referente às partes comuns dos condomínios. Foi um assunto em que as opiniões divergiram muito. Os proprietários, por exemplo, queriam que os seus locais tivessem condições de trabalho, ao mesmo tempo que não queriam gastar muito dinheiro com as manutenções dos espaços. Por outro lado, as empresas de gestão de condomínios queriam uma lei em que todas as pessoas tivessem de pagar a sua parte para manter os edifícios e os serviços necessários. As empresas de gestão também consideram que, se não têm o seu investimento de volta, desistem dos serviços e os edifícios acabam por não ser bem mantidos. Se existirem 100 proprietários em que 50 não pagam, não é justo para a metade que paga. O dinheiro que é pago não é suficiente para assegurar as despesas de condomínio. Alguns proprietários compram casas, não para viver, mas para investir e arrendar, e por isso acabavam por nunca pagar as despesas de manutenção. Com a nova lei, mesmo com a venda da fracção, os proprietários têm sempre de pagar as despesas de condomínio nem que seja aquando da venda, em que é descontado o montante em falta. No momento da transacção, as dívidas também são claras. Até agora não havia qualquer obrigação de pagamento neste sentido.

Pensa que está garantida uma forma de assegurar os custos das despesas de manutenção dos edifícios?
Sim. Assegura, pelo menos, que as empresas encarregadas da administração dos condomínios possam ter dinheiro suficiente para algumas das necessidades, como a manutenção regular, e que, daqui a uns dez anos, possam ter como pintar os edifícios. Penso que é uma boa lei. Mesmo na votação na especialidade na Assembleia Legislativa, esta lei poderá vir a dar discussão, mas a posição do Governo é clara e é boa.

Acha que vai ser aprovada?
Não sei. Vai depender da posição do Governo.

A lei do tabaco, que também esteve em análise, foi de mais simples tratamento?
Não foi tão difícil. A alteração maior que teve foi a permissão de salas de fumo nos casinos. Ng Kuok Cheong opôs-se muito a isso, mas ele sabe a necessidade desta alteração. Penso que foi mais para ter um ponto de vista político porque era algo que era preciso fazer. Nesta lei fizemos alterações importantes também. Por exemplo, as salas VIP, em que até agora era permitido fumar – o que era prejudicial para os croupiers que ali trabalhavam –, vão passar a ser isentas de fumo. Não interessa o montante que seja apostado, o apostador tem de se dirigir à sala de fumo. Penso que é um passo em frente. Por outro lado,  a economia de Macau depende maioritariamente do negócio dos casinos. Não se encontra nenhuma cidade no mundo que se possa comparar a Macau neste sentido.

Não acha que é muito limitativo depender apenas da indústria do jogo?
É, mas é a única coisa que temos. Somos muito pequenos. Não temos indústria, nem força financeira. Não temos bolsa, por exemplo. Não temos inovação tecnológica. Não temos sequer pequenas indústrias como a produção de jóias ou de relógios, nada. Desde o início do século que temos o jogo. Sem os casinos, o Governo não tem muito onde ir buscar dinheiro. Os sistemas de educação, de saúde, a segurança social, têm todos dinheiro vindo dos casinos. O caso de Macau é mesmo muito particular. Cerca de 70 por cento do dinheiro vem do jogo.

Como deputado, tem a seu cargo a representação dos sectores cultural e desportivo. Um dos aspectos em que o Governo insiste é no turismo cultural enquanto fonte de diversificação económica do território. O que pensa acerca disso, enquanto representante do sector?
Macau está a fazer um excelente trabalho no que respeita ao património. O problema é que este trabalho no património não sustenta o desenvolvimento de negócios. Temos de prestar atenção a uma cultura combinada em que é integrado o factor negócio. Por exemplo, se formos a Milão, temos ao lado da catedral uma série de negócios ligados às lembranças, temos cafés e coisas desse género. E é isso que também temos de fazer. Macau olha para o património como sendo sagrado e não podemos fazer nada ali. Mas se virmos os edifícios históricos na Europa, estão todos cercados de negócios e são locais onde há publicidade que também é uma fonte de rendimento. Quando se fala de património, não interessa apenas manter os edifícios, é preciso pensar que há uma série de coisas que podem ser feitas com esses espaços. Aqui não, aqui as acções são no sentido de não tocar neste património. É necessário fazer com que os edifícios históricos coincidam com as ideias de se fazer negócio, dinheiro e atrair turistas. Um turista que venha a Macau, passeia no centro histórico durante duas horas e depois faz o quê? Outra coisa é a reserva de espaços para as grandes companhias poderem fazer publicidade. É uma forma de rentabilizar os espaços. Se eu for o dono de um edifício, como é que posso fazer dinheiro com ele se não me autorizarem a fazer um restaurante? Pedem-me dinheiro para a manutenção, mas se me permitirem tirar algum rendimento com um negócio ou com a autorização de ter publicidade no exterior do meu edifício, posso conservar este edifício também melhor. Mas aqui, se tenho um edifício histórico, não posso fazer nada. Como é que um museu pode fazer dinheiro se não se paga nada?

Mas também há muitos lugares como museus com entradas gratuitas, mesmo na Europa.
Sim, mas podem ser feitas coisas à volta desses edifícios que o justificam.

O sector pelo qual foi eleito é da cultura e do desporto. Como está o desporto em Macau? O que tem sido feito?
É muito difícil falar de desporto em Macau de uma forma nacional. Mais uma vez, o território é muito pequeno e não somos, nem podemos ser parte do Comité Olímpico Internacional (COI). Hong Kong, por exemplo, antes da transferência de soberania, já fazia parte do COI, separadamente de Inglaterra, e é por isso que continuam separados da China também. Macau não. Na altura da administração portuguesa, ninguém se preocupou com isso e depois, como somos pequenos, fazemos parte da China, mesmo neste aspecto. A melhor coisa que fizemos foi fazer parte do Conselho Olímpico da Ásia. Integramos os Jogos Asiáticos, mas Macau é tão pequeno que não conseguimos ter um sistema bem desenvolvido para o treino de atletas profissionais. Mesmo com atletas, eles não conseguem sobreviver e precisam de um emprego. Já há atletas agora que vão para Hong Kong para as escolas de desporto.

Seria possível fazer o mesmo – escolas especializadas – em Macau?
Estamos a tentar abrir o Instituto do Desporto a isso, mas vai levar tempo. O Governo, nos últimos anos, também devido à recessão no jogo, cortou algum financiamento ao sector. É cada vez mais difícil conseguir financiamento para ir a qualquer competição internacional.

Há analistas que consideram que Chan Chak Mo e Vitor Cheung Lup Kwan não têm um contacto próximo com a cultura e com o desporto que justifique a vossa representação do sector. Como olha para estas críticas?
Não tenho de lutar por benefícios na AL. Sou membro do Conselho de Desporto e posso dar a minha opinião aí. Na AL, penso que a minha atitude mais valiosa é enquanto homem de negócios porque também o sou. Por outro lado, temos o Ma Chi Seng que está sempre preocupado com o desporto e, como tal, deixo-o fazer os comentários acerca do sector. É só isso. Não é que não tenha nada a dizer, só não quero fazer ninguém perder tempo porque tenho um canal directo para mostrar a minha opinião quando se trata de desporto.

No que respeita à Lei de Terras.  Disse há umas semanas que acredita que o Governo irá dialogar acerca de uma possível revisão.
Sim, penso que vai haver alguma mudança no que respeita à interpretação da Lei de Terras. O princípio básico tem que ver com o facto de que se um concessionário não fez nada de errado, não há razão para que lhe seja retirada a concessão. Esta é a questão que tem de se ver, a forma como é interpretada a lei. Se não é da responsabilidade do concessionário o não aproveitamento dentro dos prazos, se é da responsabilidade do Governo, deve-se considerar dar mais tempo aos concessionários. Esta é a direcção certa.

É candidato de novo pelo sufrágio indirecto. O que pretende fazer?
Sou uma pessoa discreta. O que quer que diga pode ser mal-entendido ou pode levar a pensar que estou a falar pelo Governo por ser membro do Conselho Executivo. Por isso, prefiro não expressar a minha opinião. Faço o meu trabalho. Há um ditado chinês que diz que se for uma pessoa boa para todos, então poderei dormir bem. É isso que faço. Não é para proveito pessoal. Tenho muito que fazer, tenho muitos negócios, tenho muito com que me preocupar. Durmo bem.

Isso leva-nos a outra questão. É um homem de sucesso nos negócios. Não acha que esse aspecto pode colidir com o trabalho político?
Não. Eu só interfiro, não em nome pessoal, mas em nome dos negócios. Por exemplo, eu dirijo restaurantes, quando está em discussão o sector, eu falo do geral, nunca dos restaurantes em particular, mas sim de todo o sector da restauração. Só quero que sejam melhoradas as condições do sector e os procedimentos que são necessários fazer, de modo a que toda a indústria seja mais “user friendly”. Se quero mudar alguma coisa, é para o benefício do sector por inteiro. As burocracias são uma loucura em Macau. Ter uma licença pode demorar dois anos.

São necessárias mudanças nesse aspecto?
Sim. Fazer coisas em Macau é um processo muito lento. Uma licença de construção pode levar dez anos.

Tem-se manifestado contra a lei sindical. Porquê?
Não tenho nada contra ela, mas acho que não temos um sistema que necessite dessa legislação, como acontece na Europa ou nos Estados Unidos.

Porquê?
Porque estamos a falar do direito à greve. Sem falar nos meus negócios, vamos dar como exemplo os casinos. Se as greves forem autorizadas, os funcionários vão pedir aumentos anualmente e, se não foram dados, há a ameaça de greve, e todo o território morreria. Penso que se trata de um jogo de poder. Os sindicatos querem com este tipo de leis controlar também os trabalhadores. Em Macau, há as leis laborais que penso que funcionam muito bem. Há um departamento responsável pela defesa dos trabalhadores, porquê criar sindicatos? A economia em Macau é boa, não são necessários.

Tem património imobiliário em Macau. O que acha das alterações ao arrendamento?
Sou contra. Não é por ser proprietário. Depois da recessão dos rendimentos dos casinos, já voltou tudo ao normal, porque é que se há-de controlar as rendas? Tem de ser uma economia livre. As propriedades têm de estar num mercado livre.

Mas não acha que as rendas são muito altas e que estamos perante um cenário de especulação imobiliária?
Nos negócios, é sempre necessário que haja alguém que combata e alguém para ser combatido. São precisos dois para dançar o tango.  Mesmo que controlem o aumento da renda, os proprietários podem arranjar forma de contornar a situação: passam a cobrar por outras coisas, como por exemplo pela mobília. Na compra e venda, se o banco só dá, por exemplo, 15 por cento para a compra de uma casa, o proprietário pode negociar com o interessado e avançar com 30 por cento e fazer negócio com isso. Por muito necessária que seja a lei, vai sempre existir forma de a contornar, porque se trata de um acordo mútuo. Por outro lado, não pode existir nas maiores cidades do mundo um desenvolvimento saudável do mercado imobiliário se existir controlo de terras e de rendas. Podemos olhar para Nova Iorque ou Detroit, em que quando os proprietários são impedidos de aumentar a renda, deixam de fazer obras nos edifícios velhos. Os prédios acabam por ficar extremamente deteriorados.

As pessoas não sentiriam uma maior estabilidade, sabendo que não teriam grandes oscilações nas rendas?
As pessoas podem assinar os contratos que quiserem. O controlo das rendas não é uma coisa boa.

26 Jul 2017

Deputados contestam críticas a lei das rendas

O projecto ainda não foi aprovado na Assembleia Legislativa, mas está a ser recebido com reticências pelo sector imobiliário. Song Pek Kei garante que o texto foi bem trabalhado e Ng Kuok Cheong recorda que há tempo para compreender as alterações até à entrada em vigor das novas normas

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] assunto foi amplamente debatido em sede de comissão e foi objecto de uma ampla consulta pública, com recolha de opiniões junto de vários sectores da sociedade. São estes os argumentos da deputada Song Pek Kei para rebater a contestação ao projecto de lei que visa introduzir alterações ao regime jurídico do arrendamento no Código Civil.

A deputada não concorda com a acusação que tem sido feita pelo sector imobiliário, que fala em “preparação insuficiente” para as modificações à legislação. Em declarações ao Jornal do Cidadão, recorda que a actual legislatura está quase a chegar ao fim e diz não querer sequer imaginar “o impacto para a população” caso o projecto de lei seja abandonado.

Song Pek Kei acredita que a sociedade sairá beneficiada da alteração à chamada lei das rendas, acrescentando que talvez parte da população não esteja suficientemente elucidada sobre o que se pretende fazer. Neste contexto, vinca que a proibição de denúncia unilateral dos contratos, no prazo de três anos, não significa a impossibilidade de fazer contratos mais curtos: aumentam-se, isso sim, as garantias dadas aos inquilinos que pretenderem ficar três anos na mesma casa.

Quanto ao mecanismo de ajustamento das rendas, uma hipótese que será concedida ao Chefe do Executivo, a deputada defende a opção explicando que é um direito e um dever do Governo poder garantir o desenvolvimento saudável do mercado. A liberdade de negociação entre inquilinos e arrendatários não está a ser colocada em causa, vinca, pretendendo-se apenas evitar aumentos sem fundamento.

Ao mesmo jornal, Ng Kuok Cheong afasta também a possibilidade de deixar para a próxima legislatura a apreciação do projecto de lei, por entender que não existe tal necessidade. Para o pró-democrata, só quando um articulado é “muito mau” é que deve ser abandonado, o que não se aplica ao caso em questão.

O deputado salienta que a lei só entrará em vigor meio ano após a aprovação, o que faz com que o Governo tenha tempo para a sua divulgação, tentando assim afastar receios de que não seja compreendida pela população.

Mais casas disponíveis

Em defesa da nova lei de rendas saiu também o vice-presidente da Associação Aliança de Povo de Instituição de Macau, movimento ligado aos deputados Chan Meng Kam, Si Ka Lon e Song Pek Kei. Chan Tak Seng não só considera que a alteração legislativa trará vantagens em termos gerais, como ajudará a combater o fenómeno das pensões ilegais.

Num texto que fez publicar no Jornal do Cidadão, Chan refere que grande parte dos contratos de arrendamento não foi comunicada ao Governo, o que faz com que as autoridades não tenham percepção da situação real do mercado. O vice-presidente explica que, com o valor das rendas a aumentar, há vários proprietários quer preferem deixar as casas vazias, com receio de que as fracções sejam utilizadas para alojamento ilegal.

Chan Tak Seng recorda ainda que é a própria Direcção dos Serviços de Turismo que reconhece a dificuldade no combate a este tipo de ilegalidade. Como as alterações propostas prevêem o reconhecimento das assinaturas dos contratos, o dirigente associativo acredita que isso irá contribuir para que os senhorios arrendem mais facilmente as casas.

26 Jul 2017

AL | Governo ainda não respondeu a 72 interpelações escritas

 

A três semanas do fim da legislatura, há vários deputados que se arriscam a ficar sem resposta às questões que colocaram ao Governo. São mais de sete dezenas de réplicas que ainda não chegaram à Assembleia Legislativa. Ainda assim, a situação já foi pior

 

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m Fevereiro deste ano, José Pereira Coutinho escreveu ao Executivo a propósito dos trabalhos de fiscalização dos autocarros de turismo e dos “shuttle bus”. Passado um mês, Si Ka Lon quis saber das melhorias que o Governo pretende introduzir para o desenvolvimento do sector logístico. Os dois deputados continuam à espera de resposta.

Não são os únicos. Ontem, à hora a que este texto foi escrito, havia 72 interpelações escritas a aguardar réplica do Executivo. As missivas são o método mais usado pelos deputados no exercício da fiscalização da acção governativa, mas o destinatário parece continuar a ter dificuldades em lidar com as solicitações.

“Tem havido um enorme esforço do Governo”, concede ao HM Pereira Coutinho, na Assembleia Legislativa (AL) desde 2005. Houve alturas em que a situação era pior; a grande mudança dos últimos anos prende-se com o número de interpelações enviadas. “É evidente que o aumento de intervenções e interpelações por parte dos deputados exige uma capacidade de resposta diferente daquela que, neste momento, o Governo está a dar.”

Só este mês, da AL saíram 25 missivas. Nenhuma delas mereceu, por enquanto, resposta. Focam assuntos tão diferentes como a prevenção da doença do Legionário, tema que o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura terá de encaminhar para os Serviços de Saúde, o horário de funcionamento do trilho entre o Jardim do Lago e as Casas da Taipa, assunto que preocupa Chan Meng Kam, ou o reforço ao combate ao alojamento ilegal.

Junho foi um mês de grande produção de interpelações escritas, com os deputados a assinarem 64 documentos do género. Há 34 que continuam sem resposta. Pereira Coutinho aguarda esclarecimentos sobre quatro temas diferentes e o seu colega de bancada, Leong Veng Chai, tem outras tantas questões pendentes. Chan Meng Kam ainda não recebeu explicações sobre o plano de apoio para os equipamentos destinados à protecção ambiental, sendo que a bancada de Fujian tem mais três interpelações do mês passado sem resposta.

Melinda Chan encontra-se na mesma situação em relação a um pedido de explicações remetido, Au Kam San abordou três assuntos que ainda estarão a ser estudados, Ng Kuok Cheong enviou duas interpelações cuja réplica ainda não recebeu, o mesmo número de questões que Ho Ion Sang e Zheng Anting querem ver esclarecidas. Mak Soi Kun, Wong Kit Cheng Kwan Tsui Hang, Ella Lei e Chan Hong completam a lista dos deputados a aguardar.

Das 59 interpelações escritas enviadas em Maio, falta responder a cinco. Das 55 de Abril, há ainda seis réplicas a serem elaboradas pelo Governo. O Executivo terá também de enviar representantes à AL para falarem sobre 14 interpelações orais. As reuniões estão ainda por agendar.

 

O drama das traduções

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] número de interpelações escritas à espera de resposta não surpreende Pereira Coutinho. “Tem vindo sempre a ser assim”, constata, encontrando duas razões para a demora: a tradução e a dificuldade que o Governo tem em responder “a temas mais sensíveis”. No que toca às traduções, o deputado lamenta que a Administração continue a ter dificuldades nesta matéria. “Ainda hoje [ontem] recebi uma resposta a um requerimento em línguas distintas. Ou seja, tinha feito aquilo em português e eles responderam-me em chinês. Isto demonstra que, de facto, a Administração luta com enormes dificuldades para ter as traduções a tempo.” O problema da utilização do português e do chinês não é de hoje, observa Coutinho, que lamenta que o Governo não tenha prestado mais atenção ao assunto no passado. “Agora é que vem dizer que faltam pelo menos 200 intérpretes-tradutores.”

 

Regimento | Novo Macau escreve aos deputados

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Associação Novo Macau (ANM), que deixou de ter voz oficial na Assembleia Legislativa (AL) desde que Ng Kuok Cheong e Au Kam San bateram com a porta, escreveu ao hemiciclo a pedir aos seus membros que votem contra a alteração ao Regimento que visa a proibição de cartazes nas bancadas dos deputados.

Na semana passada, a ANM fez uma conferência de imprensa em que se mostrou contra a proposta de resolução da Comissão de Regimento e Mandatos que prevê esta interdição. Agora, a associação de Scott Chiang reitera a argumentação, considerando que a utilização de tais objectos não coloca em causa a solenidade do órgão legislativo.

Para os pró-democratas, “a solenidade e a dignidade da AL estão ligadas à sua capacidade de fiscalização ao Governo, à actualização das leis para que sejam capazes de dar resposta à passagem do tempo, ao aproveitamento adequado do erário da RAEM e à responsabilização real dos funcionários públicos”. Para a associação, o recurso a objectos nas sessões plenárias deve ser respeitado e permitido. Caso os acessórios perturbem a ordem de trabalhos, alega a ANM, o presidente da AL pode suspender o uso da palavra dos deputados em causa ou pedir-lhes que abandonem o plenário.

O assunto vai ser debatido amanhã. O projecto de resolução vai ser votado na generalidade e na especialidade no mesmo plenário.

26 Jul 2017

Abriu a caça ao urso na China

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] sede de censura da China a tudo o que está online, fez a sua última vítima: Winnie the Pooh.

Para os media chineses, Winnie the Pooh passou nos últimos quatro anos de ursinho inocente a meme com conotações políticas. Como o ursinho aparece em todo o lado no Weibo, os censores estão outra vez muito ocupados a seguir-lhe o rasto, para apagarem a sua irreverente imagem. Esta ‘caça ao urso’, praticada online, fez do Little Pooh um símbolo da resistência à censura.

No passado dia 15, Wang Xiaochuan, Director Executivo do motor de busca chinês Sogou, postou uma imagem de Winnie the Pooh na sua conta do Weibo só com esta legenda, “Little Pooh, bora lá”. Dos 2,7 milhões dos seus seguidores, 500 fizeram gosto e 200 partilharam o post. Não parece nada de muito especial – mas durante os últimos anos, na China, o pequeno Pooh passou a ser um meme político mais do que simplesmente um urso fofinho da Disney.

As parecenças do urso com o Presidente chinês Xi Jinping, são assustadoras. É preciso tê-los no sítio para postar o Pooh, porque caso contrário arranja-se problemas para si próprio, para a família e para o negócio. Winnie the Pooh tornou-se de tal forma ameaçador que muitos posts com o nome do urso, ou com a sua imagem, foram retirados do Weibo e do Wechat. Também fez com que muita gente passasse a escrever posts que, de alguma forma, incluíam o Winnie só para testar se eram apagados.  Apesar do Financial Times ter anunciado com detalhes o processo de “supressão” do Winnie the Pooh na China, muitos destes posts ainda circulam, desencadeando discussões nas plataformas sociais sobre o que está e o que não está ‘harmonizado’ (censurado).

O bloqueio do Winnie the Pooh pode parecer uma jogada bizarra por parte das autoridades chinesas, mas na verdade faz parte da cruzada para impedir que os bloggers mais espertos contornem a censura institucional.

26 Jul 2017

Cadeiras que não se sentam

 

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]acebook, nenhures, 15 Julho

Morreu Martin Landau, mas não morrerá nunca o comandante John Koening, da base lunar Alpha, que continuará eternamente a navegar nas galáxias da infância a enfrentar o diferente, o estranho, o obscuro, o enigmático, o colorido, o fantasioso. A morte dele faz as vezes do acidente que libertou a Lua da monotonia da órbita terrestre, na série «Space: 1999». Desataram a surgir das mais insuspeitas idades as memórias selvagens: os primeiros telemóveis, a arma de ergonómico desenho, os impolutos uniformes, a mais simbólica das naves, as figuras do beato erotismo, a omnipresente tecnologia. A série nem durou assim tanto, mas espantou-me a quantidade de gente que de imediato saltou para o recreio sentado das redes sociais.

Interessa-me muito que Landau seja um fracassado, apesar do êxito. Que papel representou com artística relevância? Um ou outro na série Missão Impossível? O de Judah, para o Woody Allen de «Crimes e escapadelas»? O fracasso conserva uma potência, uma energia por acontecer: capaz de desviar órbitras ou de nos obrigar a rever as ideias feitas sobre os trilhos do sucesso.

(Noutra vida, tratarei de investigar as relações, nos efeitos especiais e cenografia, entre o «2001: Odisseia no Espaço», de Kubrik, e a série. Além do dois-pontos, o sinal que anuncia sempre mais, uma janela, uma porta.)

Nisto das memórias, interessa menos a qualidade da obra que as desperta que a sua capacidade de nos atirar para as pradarias da brincadeira, de activar a insaciável capacidade de imaginar, de prolongar em nós as histórias, de as experimentar logo ali, antes do lanche. Por falar nisso, a sempre atenta Biblioteca Nacional de Portugal inaugura, em breve, exposição sobre «Os Cinco», de Enid Blyton. Voltaremos ao assunto, enquanto comemos scones.

Horta Seca, Lisboa, 17 Julho

A incansável Isabel Castanheira tirou do forno mais um colorido azulejo com que anda a forrar (colorir e proteger) a vida farfalhuda do criador do Zé Povinho. Desta vez, «Rafael Bordalo Pinheiro à Sombra dos Plátanos» (ed. Gazeta das Caldas) recolhe as referências ao ceramista nas páginas da Gazeta das Caldas, dos anos de 1925 a 1927 (mais uns anexos que, além do tema primeiro, definem o lugar exacto em Lisboa onde Rafael nasceu, para não deixar propagar dúvidas). Daqui se retira, se preciso fosse, que não é de hoje a atenção da terra ao artista, nas suas mais variadas facetas, a do empreendedor fabril, a do desenhador de humor ou a da personalidade pública, desde cedo objecto de culto. Curioso, o modo como aqui e ali a reflexão sobre o mestre contamina outros artistas locais, como Herculano Elias. O período justifica-se pela inauguração do busto (15 de Maio de 1927) com que Teixeira Lopes o imortalizou. Não deixa de ser divertido imaginar com que traços pintaria o humor bordaliano este nosso fascínio por monumentos e solenidades e homenagens.

Mymosa, Lisboa, 18 Julho

Recebo das mãos do autor e à mesa, como convém, «O Inspector da Pide Que Morreu Duas Vezes», que sublinha com subtítulo para soltar com clareza o perfume: «E Outras Gaffes, Triunfos e Episódios Memoráveis do Século XX na Imprensa Portuguesa» (ed. Planeta). O Gonçalo [Pereira Rosa] anda a escrever, em blogue (https://ecosferaportuguesa.blogspot.pt/) e agora em dois volumes, uma saborosa história do jornalismo nacional. Sabemos que a dita História já não se faz assim, exige o olhar de deus, em panorama, sobre o movimento dos grandes e invisíveis modos, que ora se faz vertiginosamente vagaroso ora pesadamente galopante. Sem perder o demónio dos detalhes, das vozes, das figuras, dos conceitos, das palavras, que também se recolhem ao esquecimento ou se afiguram novas. A frescura deste olhar está na escolha, sem a preocupação de, neste momento, lhe dar outro sentido que não o da: curiosidade jornalística (vede acima a justificação para o uso de dois pontos aqui em baixo). Através da leitura de fontes ainda vivas, da recolha de documentos antes mortos, da fora de moda conversa com protagonistas, o rigor fica assegurado. Depois vem o cumprimento escrupuloso das vetustas regras que ajudavam a leitura, sem perder o mistério, e servem a limpidez de uma escrita ainda assim aventurosa. Entramos nas redacções, nas cabeças, na mão de enormes repórteres, de grandes directores e também de alguns canalhas, que desta massa se molda o humano. E nada sei de mais humano que o jornalismo. Enervo-me com a cegueira da figura sinistra, que espreita: a censura. Apesar do sobejamente divertidos que são casos como «Não se mistura Salazar com o ié-ié». O ditador moribundo não pode conviver na proximidade gráfica de uma manchete sobre a música da juventude, do mesmo modo que está proibido de se mostrar velho ou de bengala. Divirto-me com as mortes e romances e esqueletos inventados pelo Repórter X, afinal mais escritor, Reinaldo Ferreira. Comovo-me com a viagem a Chiapas, e primeiríssima entrevista ao Comandante Marcos, do grande (e mal esquecido) Luís Alberto Ferreira. Todos criticamos o jornalismo que se vai fazendo, mas Gonçalo não diz, antes trata de fazer.

Salgadeiras, Lisboa, 20 Julho

Vejo na cadeira uma das grandes criações humanas. Um corpo que se sabe sentar desenha-se degrau exacto para ligar terra e céu. Um corpo que se sabe sentar mexe-se melhor, vai mais longe, ainda que não saia nunca dali, de si. Bem me diziam o Cláudio [Garrudo] e a Ana [Matos], vizinhos dos próximos, que a sua Galeria das Salgadeiras estava irreconhecível com esta viagem fotográfica (e de instalação) do Antoine Pimentel em torno do «ciclo de vida de uma ideia» a que chamou «Internato». (Exemplo na página e mais em www.salgadeiras.com). Que há de mais livre que uma ideia? Prendê-la no circuito fechado de um internato, quaisquer que sejam as razões, de reeducação política e aprendizagem moral, por exemplo, será sempre crime inútil. Somos avisados disso mesmo com um quadro que enquadra apenas uma maneira baça de ver, sem conseguir evitar a transparência. Um lençol nuvem em vermelho que nos ameaça com a queda e outro negro que avisa da inutilidade das paredes enquadram o tremendíssimo drama que por ali acontece. Uma cadeira descobre que o chão que pisa em queda se desfaz em cor. Uma cadeira inclina-se na sombra. Enquanto se passa tudo isto no nosso olhar, outra cadeira está suspensa e presa por paralelos e meridianos às quatro paredes. E se os objectos fossem ideias? A exposição fica a atormentar até Setembro. Ainda dá tempo.

26 Jul 2017

Almeida Ribeiro | Leong Veng Chai escreve ao secretário

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] deputado Leong Veng Chai enviou uma carta ao secretário para os Transportes e Obras Públicas a propósito da sinalização da Avenida Almeida Ribeiro. Na recta final da legislatura, numa altura em que começa a escassear o tempo para o Governo responder a interpelações escritas, o gabinete de José Pereira Coutinho e de Leong Veng Chai parece ter preferido esta forma de se manifestar junto do Executivo.

No ofício agora enviado, o deputado dá conta de queixas sobre as placas informativas de trânsito no corredor exclusivo para transportes públicos na principal artéria da baixa da cidade. Há mais de sete anos, recorda Leong Veng Chai, a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego colocou placas de LED na via em causa que, aos domingos e feriados, não pode ser percorrida por veículos particulares. “Contudo, sem auscultar os cidadãos, o Governo resolveu retirar as placas de LED que tinham sido instaladas”, contextualiza.

De acordo com as “centenas de queixas de cidadãos” que chegaram ao gabinete do deputado, a remoção das placas resultou na “falta de clareza” e na ausência de sinalização visível. “Actualmente, há apenas um sinal de proibição (excluindo autocarros, táxis, triciclos e veículos de concessão) para substituir as placas de LED, induzindo os cidadãos a violar as regras de trânsito.”

Recordando que as placas originais tinham como objectivo transmitir “com clareza e exactidão” quais as limitações impostas ao trânsito aos domingos e feriados, Leong Veng Chai pede a Raimundo do Rosário para que seja de novo colocada sinalização deste género, com a maior brevidade possível. “As placas com instruções claras são extremamente eficazes e têm uma importância significativa para a boa execução das medidas de trânsito rodoviário em Macau”, remata o deputado.

25 Jul 2017

CAEAL | Adiada afixação das listas de candidaturas admitidas

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]evido a uma reclamação apresentada pelo mandatário de um candidato às eleições, foi adiada a afixação em edital da relação completa de todas as listas admitidas a votos. A publicação será feita depois de decidido o mérito da reclamação e esgotados os meios de recurso.

A Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) desmarcou a reunião que tinha agendada para ontem com as várias listas candidatas às eleições. Foi igualmente cancelado o encontro com os directores dos órgãos de comunicação social locais, que estava marcada para o final da tarde de ontem.

A justificação dada foi a mesma reclamação que motivou o adiamento da publicação das candidaturas.

Segundo a CAEAL, os trâmites legais definidos na Lei Eleitoral obrigam ao cancelamento das referidas reuniões. Ficou estabelecido que o encontro será reagendado em data a designar.

O encontro com os candidatos tinha como objectivo preparar todos os intervenientes para um processo eleitoral ordenado, assim como focar os assuntos a observar após a publicação das candidaturas definitivas.

Os procedimentos ditam que a lista seja afixada nas instalações da CAEAL com a identificação dos candidatos e respectivos mandatários. Este acto visa dar algum tempo para que os mandatários possam impugnar irregularidades do processo, assim como impugnar a elegibilidade de candidatos.

Caso se verifiquem problemas de natureza processual, ou candidaturas inelegíveis, a CAEAL notifica o mandatário em causa para que sejam supridas as falhas processuais, ou sejam substituídos os candidatos. Estas decisões da comissão são passíveis de interposição de recurso no Tribunal de Última Instância.

É de salientar que durante o período entre a publicação das listas e o início da campanha eleitoral, quem fizer propaganda arrisca-se a ser condenado a pagar uma multa entre as duas mil e as dez mil patacas.

25 Jul 2017

Legislativas | Listas apelam a distribuição postal de informações eleitorais

Quatro candidaturas assinaram ontem uma carta em que defendem que deve ser retomada a versão impressa dos programas eleitorais. De outro modo, alegam os candidatos às legislativas de Setembro, será difícil os eleitores saberem quem pensa o quê

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] missiva é dirigida à Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) e é assinada por Ng Kuok Cheong, Au Kam San, Cloee Chao e Lee Kin Yun, em representação das listas candidatas que lideram. A Associação de Próspero Macau Democrático, a Associação de Novo Movimento Democrático, a Linha da Frente dos Trabalhadores de Casinos e a Início Democrática querem que se regresse à impressão dos materiais informativos sobre os programas políticos das candidaturas.

A distribuição deste tipo de material foi suspensa em 2013, com o argumento da protecção ambiental a ser usado para justificar a decisão. Há quem, durante estes anos, tenha mostrado oposição e alertado para a necessidade de os eleitores terem acesso a toda a informação possível, valor que se deve sobrepor a questões ambientais.

Na carta agora remetida à CAEAL, os quatro candidatos afirmam que as eleições legislativas são um assunto muito importante para os residentes locais, recordando que se trata do momento em que as pessoas com capacidade eleitoral podem exercer o direito de serem eleitos e de elegerem. Para os signatários, a CAEAL deve garantir informação suficiente aos eleitores para que possam tomar decisões rigorosas e conscientes na altura de decidirem em quem votam.

Ng Kuok Cheong, Au Kam San, Cloee Chao e Lee Kin Yun recordam que, no passado, a CAEAL enviava pelo correio o material dos programas políticos das várias listas, com informação geral de todas as comissões de candidatura. Para os autores do apelo, tal exercício da comissão eleitoral “era importante para assegurar que os cidadãos tinham acesso a todas as informações necessárias”. Por isso, os quatro candidatos lamentam a suspensão dessa iniciativa, apesar de haver alguns serviços públicos onde estas informações podem ser consultadas.

Ng Kuok Cheong, Au Kam San, Cloee Chao e Lee Kin Yun acreditam que será difícil aos eleitores conseguirem recolher dados sobre todas as comissões de candidatura num período de pouco mais de dez dias. Por isso, lançam o repto à CAEAL, para que emende a mão e garanta que todos os eleitores poderão ter informações básicas sobre os candidatos.

25 Jul 2017

Deputada da FAOM quer mercados renovados

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]lla Lei pretende saber que planos concretos tem o Governo para a modernização dos mercados de Macau, com destaque para o Mercado Vermelho e para a infra-estrutura que está a ser construída no Patane. Numa interpelação escrita, a deputada ligada aos Operários mostra-se também preocupada com a situação dos vendilhões do território.

No texto enviado ao Executivo, a também candidata às legislativas de Setembro começa por recordar que muitos dos mercados locais foram construídos há já bastante tempo, pelo que não reúnem condições para irem ao encontro do desenvolvimento de Macau. A deputada dá um exemplo: há mercados que nem sequer estão equipados com ar condicionado.

Por admitir carências nesta matéria, prossegue, o Governo decidiu construir uma nova casa para o Mercado Municipal do Patane. No entanto, e apesar de as obras gerais já terem sido finalizadas, desconhece-se o calendário para a conclusão dos trabalhos e para a relocalização dos vendilhões, uma situação que não agrada a Ella Lei.

Neste contexto, a deputada pede ao Governo que divulgue detalhes sobre o ponto de situação do novo mercado do Patane, e que explique quais são os trabalhos de coordenação e comunicação que têm estado a ser feitos com os vendilhões.

A candidata aproveita ainda a interpelação para elencar as insuficiências do Mercado Vermelho, assunto que levou os vendilhões a dirigirem-se ao Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM). Diz Lei que o organismo ainda não enviou qualquer proposta concreta para a melhoria das condições da estrutura.

A deputada vinca que, além de facilitar a vida aos residentes que recorrem aos mercados, as melhorias nestas instalações são, de um modo geral, bem acolhidas pelos vendilhões. Assim sendo, pede ao IACM que assuma bem as suas funções para que as obras estejam concluídas a tempo, de modo a evitar prejuízos aos vendilhões e reduzir o impacto junto dos consumidores. Ella Lei conclui a interpelação exigindo ao Governo um plano, acompanhado por um calendário, sobre os trabalhos de renovação do Mercado Vermelho.

Wong Sio Chak | Novo Estatuto dos Militarizados está quase

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] trabalho de revisão do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau está a decorrer com normalidade, assegurou ontem o secretário para a Segurança aos jornalistas. Em declarações reproduzidas pelo Gabinete de Comunicação Social, Wong Sio Chak, disse prometeu que serão feitos todos os esforços para que o projecto de revisão do estatuto seja entregue ao Conselho do Executivo no próximo mês de Setembro.

O governante referiu que a parte dos trabalhos sobre a consulta da revisão do estatuto está concluída, adiantando que a carreira do pessoal dos Serviços de Alfândega está integrada nesta revisão. Explicou que um grupo de trabalho criado especificamente para analisar esta matéria procedeu à recolha de opiniões e sugestões, cuja conclusão serviu para aperfeiçoar alguns artigos do projecto. Wong Sio Chak acredita que, após a entrega ao Conselho Executivo na rentrée política, a revisão poderá entrar em processo legislativo no próximo ano.

Entretanto, instado a comentar o caso da bandeira nacional içada de forma irregular, o secretário para a Segurança reiterou que “esta situação tem a sua atenção máxima”, considerando ser “inadmissível e inaceitável os erros sucessivos, nesta matéria, por parte dos Serviços de Alfândega (SA), bem como nas falhas de comunicação”.

Wong Sio Chak frisou que já instruiu os SA para que tratem do caso e dos agentes envolvidos com seriedade, exigindo que os resultados do inquérito sejam tornados públicos o mais breve possível. O responsável frisou que as bandeiras da República Popular da China e da Região Administrativa Especial de Macau são símbolos nacionais e da RAEM, e que “todos os agentes e de mais pessoal dos serviços de segurança devem usá-las de forma correcta, respeitá-las e protegê-las”.

25 Jul 2017

TUI declara impedimento de juiz

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Tribunal de Última Instância (TUI) decidiu que um juiz do Tribunal de Segunda Instância (TSI) está impedido de intervir num recurso por ter participado no julgamento do mesmo processo na primeira instância.

De acordo com um comunicado do TUI, numa acção para efectivação de responsabilidade extracontratual intentada por três autores contra os Serviços de Saúde e um outro réu, o Tribunal Administrativo (TA) não deu razão à pretensão. Os autores recorreram da decisão e, entretanto, suscitaram o impedimento de um juiz, com o fundamento de que o mesmo magistrado judicial tinha tido uma intervenção no processo no TA: foi o juiz titular que proferiu a sentença e foi juiz-adjunto do tribunal colectivo.

O juiz em questão proferiu um despacho em que alegou ter proferido a primeira sentença do caso referido no TA, que viria a ser anulada, pelo que tinha deixado de existir na ordem jurídica. O magistrado alegou ainda que também não interveio no segundo julgamento da matéria de facto, concluindo não aceitar o impedimento.

Os autores reclamaram para a conferência do TSI que, por acórdão do passado dia 9 de Março, indeferiu a reclamação. Inconformados, os autores interpuseram recurso para o TUI, que conheceu do caso.

Ultimas notas

A Última Instância nota que “a lei veda a participação do juiz que, no processo em causa, tomou posição sobre questões suscitadas no recurso”. Assim, “independentemente de o primeiro julgamento ter sido anulado, por anulação de processado, isso não anula o comprometimento intelectual do juiz referido com esse julgamento, em que decidiu que quatro factos que os autores queriam ver provados não se provaram e um outro apenas se provou parcialmente”.

O TUI lança ainda uma questão, para lhe dar resposta: “Como pode estar este juiz em condições de apreciar o recurso da matéria de facto, que já julgou, no mesmo processo, enquanto membro do tribunal colectivo de primeira instância? É evidente que não reúne condições mínimas de imparcialidade para o fazer, visto ter tomado posição sobre questões suscitadas no recurso”.

O TUI sublinha ainda que o magistrado judicial proferiu a primeira sentença em que “discorreu largamente sobre questões suscitadas no recurso, tendo concluído, na sentença, que não se provou um nexo de causalidade entre a morte da paciente e a sua não transferência para a unidade de cuidados intensivos, ao contrário do que defendem os autores no recurso”. Ou seja, “este juiz está também comprometido intelectualmente quanto às questões jurídicas suscitadas no recurso, pelo que não tem as condições de imparcialidade necessárias para participar no julgamento do recurso”.

25 Jul 2017