Cat Cave Cafe | Bebe um chá, leva um gato

Há um espaço comercial em Macau que pretende ser mais do que um negócio. De portas abertas há dois anos, o Cat Cave Cafe recebe gatos abandonados e tenta encontrar-lhes um novo dono

 

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão é um café temático, que tenha apostado em felinos como elemento decorativo ou de atracção. Os gatos estiveram na origem do café e Ivy Lei, proprietária do espaço, reconhece que os animais até podem funcionar como um chamariz, mas a ideia é bem diferente. “O meu objectivo era fazer com que as pessoas percebessem que é fácil conviver com gatos. O café funciona como um canal para a adopção”, conta ao HM.

Foi a pensar nos animais abandonados – sobretudo nas crias que andam pelas ruas – que Ivy Lei abriu, em 2015, o Cat Cave Cafe, na zona do Lilau. A maioria dos gatos chega ao espaço com poucos dias de vida. “São trazidos por clientes e por pessoas que sabem que nós os acolhemos. Pedem-nos ajuda. E aqui ficam até serem adoptados.”

A dona do estabelecimento não entra em números, mas acredita que, por causa do seu projecto, há hoje menos felinos nas ruas de Macau. E porque proporcionou um espaço onde humanos e gatos podem ter contacto, acabou com mitos e receios.

“Há clientes que não tinham experiência com gatos em casa e, depois de terem passado pelo café, decidiram adoptar um”, conta. “Depois, tenho também clientes que perderam o medo. Foram lá com amigos e ficaram a gostar deles de gatos.”

Os animais que não são adoptados recebem dos clientes festas e uma atenção que não teriam se estivessem na rua. O espaço, composto por duas salas diferentes, convida a estar – não é um local para um café ou um chá a correr. A maioria dos clientes gosta de gatos, claro está. “Vêm aqui sobretudo famílias com crianças, idosos e casais”, descreve a proprietária.

A jovem empresária garante que o facto de haver felinos que se espreguiçam em sofás e pedem mimos aos clientes não é um problema. Ainda assim, já presenciou um ou outro episódio menos agradável. “De vez em quando, acontece haver pessoas que se assustam e gritam, o que é desconfortável para os outros clientes”, diz.

Pouca gente, pouco dinheiro

Além de bebidas, o Cat Cave Cafe serve refeições: do menu fazem parte pizzas, pastas, saladas e sobremesas. Ivy Lei assume que não há um prato especial – os clientes que lá vão com frequência, “duas ou três vezes por semana”, gostam sobretudo de brincar com os animais que dão vida ao espaço.

Agora com 31 anos, a empresária decidiu abrir o café depois de ter levado um gato para casa. Os cafés com felinos entraram na moda nas cidades e o Cat Cave Cafe veio provar que, nalguns aspectos, Macau não foge à regra.

Com dois anos de trabalho, Ivy Lei confessa que é mais difícil cuidar dos animais do que tratar do funcionamento normal de um café. A principal dificuldade vem do custo que os gatos implicam: além da alimentação e dos brinquedos, há as vacinas e a medicação. “As despesas podem chegar às 800 patacas por gato”, contabiliza.

Apesar de o Cat Cave Cafe ser um sucesso no que diz respeito aos gatos que já saíram das ruas, as finanças ditam outra realidade. Ivy Lei explica que, ao fim-de-semana, o estabelecimento tem bastante movimento mas, durante a semana, “está mais vazio”.

Os gatos são um motivo de atracção para quem gosta de felinos mas, continua a proprietária, “há muita concorrência entre cafés em Macau”. De cada vez que abre um espaço novo, o facto reflecte-se no dinheiro que entra em caixa. O Festival de Gastronomia, organizado anualmente na rotunda junto à Torre de Macau, também significa uma quebra no negócio.

Ivy Lei depara-se ainda com outra dificuldade, partilhada pela grande maioria dos pequenos e médios empresários do território: a falta de recursos humanos. “É muito difícil recrutar pessoal por causa das quotas”, desabafa. O sistema de protecção à mão-de-obra local limita a importação de trabalhadores e não é fácil encontrar, entre os residentes de Macau, quem queira um emprego num café. “Estabelecimentos como este não conseguem garantir o número suficiente de trabalhadores. Por isso, é difícil manter as portas abertas.”

Os problemas que vão surgindo não fazem com que Ivy Lei pense em desistir. “Vou lutar para continuar a ter o café, não tenho qualquer outro projecto em mente”, explica. Feitas as contas, o balanço é positivo: “Tudo isto contribui para que haja cada vez mais pessoas a adoptar animais”. Mais gatos em casa, menos gatos abandonados.

 

 

Cat Cave Cafe

Rua de Inácio Baptista

Edifício Hou King (bloco I), r/c A

Macau

10 Mai 2017

Matilde Bernardo, estudante de mandarim: “Macau deu-me luta”

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]studar mandarim surgiu-lhe no horizonte quase por acaso, de pesquisa em pesquisa, pela diferença e pela possibilidade de aventura. “Nem pensei duas vezes”, conta Matilde Bernardo, estudante do terceiro ano da licenciatura de Tradução e Interpretação de Português-Chinês.

Actualmente em Macau a fazer parte do curso, ao abrigo de um protocolo entre o Instituto Politécnico de Leiria e o Instituto Politécnico de Macau, Matilde Bernardo recorda os primeiros tempos de estudo de um idioma completamente diferente.

“O choque foi interessante, porque não sabia o que era um caractere. Senti-me ridícula nas primeiras aulas e não tinha feito qualquer tipo de preparação. O primeiro ano foi trabalhoso, com a habituação à escrita e à forma de falar, com os tons.”

Três anos depois, as dificuldades persistem, mas já são menores. “O curso continua a ser trabalhoso, mas agora é mais gratificante, porque já consigo falar um pouco de mandarim. Contudo, ainda há um longo caminho a percorrer”, assume.

Antes de viajar para Pequim, onde esteve dois anos, Matilde Bernardo pesquisou muito sobre o país que a ia acolher. Além de tentar compreender a cultura chinesa, a estudante portuguesa não ignorou o sistema político.

“Sabia da existência da cultura chinesa e dos elementos básicos que a compõem, mas não tinha tido qualquer tipo de contacto. Comecei por ouvir música, ver filmes e pesquisar sobre a China, a sua história, o regime político, para ter uma ideia antes de ir para Pequim.”

“Quando vamos para um país comunista ficamos com uma imagem vermelha”, diz Matilde, de forma irónica. A estudante começou desde cedo a compreender as diferenças de viver num país onde não há acesso ao Facebook e onde muitos websites estão bloqueados.

“Em relação à censura, achei um bocado estranho, porque vemos filmes com partes cortadas, não é fácil. Mesmo quando vemos notícias não nos sentimos seguros, não sabemos se aquilo que estamos a ver é verdade ou se estamos a ver aquilo que eles querem que nós vejamos. É complicado e isso aplica-se também no contacto com a sociedade.”

Matilde Bernardo recorda conversas sobre temas considerados sensíveis e demasiado distantes da realidade política e social de Portugal. “Sobre a situação de Taiwan, por exemplo, encontramos todo o tipo de opiniões e argumentos. Uma pessoa não quer contradizer. Ouvimos, porque é interessante, mas não é fácil metermo-nos nessa discussão, porque a história não é nossa, e eles falam conforme o passado e a situação familiar. São sempre esses pontos que vão buscar. Ficamos um pouco de fora, não podemos ter uma grande interacção”, aponta.

A estudante afirma que sempre fez o que quis na China, sem qualquer tipo de restrição, mas que, ainda assim, sempre se questionou sobre a realidade que a rodeava. “Falamos de vários temas e questionamos constantemente aquilo que ouvimos. Uma pessoa ouve e aprende, mas é muito estranho. Mesmo quando falamos, é como se tivéssemos um filtro constante. Essa parte ainda me faz um bocado de confusão.”

Macau, essa surpresa

Se para Matilde a ida para Pequim se fez sem dificuldades de adaptação, a mudança para Macau foi um pouco diferente. “Foi como se tivesse começado tudo de novo. Foi um sítio que me deu luta nos primeiros meses”, recorda.

“Tinha a mente aberta, estava preparada, mas não foi uma adaptação tão simples como foi em Pequim, mas isso foi ultrapassado.” Tanto que Matilde tem planos para ficar quando acabar a licenciatura.

“Queria vir estagiar para cá, era o que eu gostava mais de fazer, e quem sabe um dia vir cá fazer um mestrado e começar a trabalhar. Está mesmo no topo da lista dos meus objectivos”, afirma.

Portugal já é para a estudante um destino longínquo, que não está, contudo, posto de parte. “Nunca tive ideias de ficar em Portugal. Sempre quis sair e ver um pouco do mundo. No início, se puder, não está nos meus planos ficar lá a longo prazo.”

Daqui para a frente, Matilde Bernardo quer apostar na tradução, área onde se sente mais à vontade e que lhe dá mais prazer. A especialização num mestrado, a frequentar deste lado do mundo, é uma possibilidade a curto prazo. A interpretação, essa, fica em segundo lugar.

5 Mai 2017

Ivo Vital: “Macau é um bom sítio para começar carreira”

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] macaense e está de regresso à terra. Ivo Vital é aluno finalista do curso de Tradução de Chinês-Português e participa no programa de desenvolvimento de tradução automática do Instituto Politécnico de Macau enquanto estagiário.

Saiu de Macau aos nove anos, depois do ensino primário. As recordações de infância são muitas. Lembra-se de ser bilingue e de “falar quase tão bem português, como cantonês”. A razão, aponta, era o estar muitas vezes ao cuidado da avó materna que só sabia falar chinês. Os pais trabalhavam no Centro Hospitalar Conde de São Januário. Se, para a maioria, uma instituição de saúde é um lugar a evitar, para Ivo Vital equivalia ao recreio. “Era para lá que ia muitas vezes brincar com a minha irmã, fazíamos fisioterapia e íamos para a piscina de reabilitação”, recorda. “Tínhamos uma vida pacata, tínhamos muita liberdade e até ia de autocarro para a escola”, ilustra.

A saída de Macau não foi feita de ânimo leve e o agora regressado à terra não esconde a zanga que o acompanhou na juventude. “Cresci sempre com alguma raiva dentro de mim. Foi uma decisão dos meus pais e claro que foi para o meu bem e o da minha irmã. Mas, na altura, não compreendi isso”, explica o estudante.

A adaptação a Portugal não foi fácil e as diferenças que registou, e que associa ao facto de ainda ser criança, foram sentidas com intensidade. “Em Macau não me interessava, por exemplo, por marcas de roupa, em Portugal toda a gente ligava àquilo e eu não entendia. Outra coisa que me fez impressão foi o facto de se dizerem muitas asneiras, coisa a que não estava habituado.”

Os mil ofícios

No horizonte profissional tem agora a carreira de tradução, mas os projectos foram mudando ao longo do tempo. Desde pequeno que queria seguir carreira na Marinha, “queria ser oficial”.

A ideia de miúdo, recorda, começou pelo fascínio que sentia quando via imagens antigas, de militares do séc. XVIII. “Na altura gostava de ver aqueles retratos com os oficiais fardados, gostava do azul que vestiam e queria ser como eles”, diz.

Fez os testes para seguir o sonho de infância e passou com sucesso. Ingressou na Academia Militar, mas mal entrou percebeu que aquele não era o seu lugar. “Vi logo que aquilo não era para mim”, diz, sem hesitação, ao recordar o cerca de mês e meio que lá esteve. “Uma pessoa que acha que as praxes da universidade são violentas é porque não faz ideia do que acontece ali.” A desilusão foi inevitável. Aliado às tormentas do “recrutamento” estava todo um ambiente, sublinha, “marcado pelo racismo”. Acabou por desistir e entrar no curso de Protecção Civil.

Ao finalista de tradução nunca faltaram objectivos ou ocupações. Ivo Vital fez carreira no atletismo profissional. “Apareceu por acaso. Sabia que era rápido, mas nunca pensei que pudesse ter algum futuro ou que viesse a ser uma actividade especial.” Começou a treinar, foi progredindo e acabou por chegar ao Benfica e integrar a selecção nacional. Depois vieram as lesões e os condicionamentos.

Foi também no Benfica que passou por umas das experiências que, considera, mais o enriqueceram. “Havia um atleta invisual que precisava de um guia, acabei por ser eu”, conta. A situação pareceu-lhe duplamente benéfica: ajudava alguém e viajava.

Aliar estudos e trabalho com desporto parece nunca ter sido problema. Apesar de não se considerar um exemplo de organização, conseguiu conciliar as duas horas diárias de treino que tinha seis dias por semana. “Ocupava bastante tempo e, às vezes, só queremos descansar mas, de certa forma, era na prática desportiva que sentia que descansava: como tinha trabalhos focados mais no esforço intelectual, os treinos acabavam por representar uma espécie de relaxamento para a cabeça.”

Está agora em Macau para ficar. “As oportunidades parecem muitas com a necessidade de tradutores. Macau é um bom sítio para começar uma carreira, tem bons ordenados, tenho aqui família, dá para viajar nas redondezas”, remata.

1 Mai 2017

Sarah Henna Macau | Traços de felicidade

Sarah Leong despertou para as tatuagens feitas com henna há cerca de cinco anos e, desde então, é esta actividade que ocupa os seus dias. Faz tatuagens a pedido para vários eventos e clientes, e também organiza workshops. Para Sarah, desenhar com henna representa mais do que uma simples expressão cultural

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s tatuagens feitas com henna já se popularizaram um pouco por todo o mundo, sendo um dos símbolos que mais facilmente é reconhecido como fazendo parte da cultura indiana. Henna é um pó que vem das cascas de árvores e que serve não apenas para fazer tatuagens indolores, podendo ser utilizado em produtos de beleza e roupas.

Sarah Leong apaixonou-se quase de imediato por este produto, tendo desenvolvido as suas técnicas de forma espontânea. Hoje gere a actividade através da sua página de Facebook, intitulada “Sarah’s Henna Macau”, aceita os mais diversos pedidos dos clientes e também é mentora de workshops que ensinam outras pessoas a desenhar com henna, seja no corpo ou em objectos.

Ainda assim, Sarah diz que aquilo que faz não é um negócio. “Quando comecei só queria partilhar o meu trabalho através do Facebook, e nada mais, por forma a mostrar a cultura de henna às pessoas de Macau. Isto porque o mais importante do trabalho com henna é fazer com que mais pessoas conheçam este tipo de arte. Macau é o local ideal para que existam diversas culturas”, explicou ao HM.

A primeira vez que Sarah tentou fazer um desenho deste tipo recorreu a um eyeliner, utilizado para realizar a maquilhagem comum. Mas depressa começou a experimentar os instrumentos tradicionais.

“Comecei a desenhar com henna em 2012 mas, nessa altura, desenhava com uma caneta de eyeliner e ajudava a fazer maquilhagens para dançarinos. Eu própria sou dançarina de Bollywood e sempre tive um interesse pelos elementos da cultura indiana.”

Nessa altura, fazer desenhos com henna era apenas um divertimento. Até que, um ano depois, tudo mudou. “Em 2013, tive a oportunidade de fazer um curso de henna em Macau e foi a primeira vez que fiz trabalhos com um cone [um dos materiais utilizados para fazer as pinturas]. Ainda me lembro de como estava entusiasmada com isso e, depois de três horas de aula, comecei a praticar sozinha”, recordou.

“Foi bom ter conseguido um logótipo, então criei a minha página, mas apenas por divertimento. Mas depois os meus amigos incentivaram-me a desenvolver mais os trabalhos de henna e a começar, de facto, um negócio. As pessoas começaram a descobrir que desenhava com henna e aí comecei a criar produtos diferentes com padrões”, apontou.

Uma forma de meditação

Sarah é provavelmente uma das poucas pessoas em Macau que faz este tipo de trabalho. A ideia é sempre alargar horizontes e conhecimentos nesta área. “Tento conhecer diferentes artistas que trabalham com henna em Taiwan ou em Hong Kong. Através da henna posso também conhecer várias pessoas e ouvir as suas histórias. Todas essas coisas fizeram-me começar a trabalhar com henna”, contou.

Para a artista, este não é um simples trabalho artístico, mas sim algo que mexe com a mente. “A henna não tem apenas a ver com cultura e arte. Quando seguro um cone é, para mim, uma altura em que me sinto relaxada, então considero a henna como a minha forma de meditação. É por isso que eu gosto tanto de henna, e sinto que desenhar faz parte do meu corpo e da minha vida.”

O grande conceito por detrás de uma tatuagem feita com henna é a busca da felicidade. Sarah faz todo o tipo de padrões, consoante aquilo que o cliente procura.

“Cada vez que falo com um cliente discutimos no sentido de encontrar o melhor padrão. Claro que também aceito algumas ideias prévias e muitas vezes crio um padrão só para essa pessoa. Digo sempre que, se as pessoas acreditam no meu trabalho, então vêm ter comigo. Mas, com base na cultura indiana, desenho na maioria flores, folhas… Tem tudo que ver com a natureza e sempre com uma ligação ao estilo indiano”, explicou a artista.

Tratando-se de um tipo de tatuagem que não causa dor, ao contrário das tatuagens normais, Sarah garante que “as pessoas podem escolher padrões diferentes e ter sensações diferentes”.

“A henna não é apenas para os casamentos e coisas mais tradicionais, mas também pode ser utilizada em moda e por pessoas que gostam de tatuagens de forma temporária”, disse a artista.

“Há pessoas que gostam de ter uma tatuagem antes de irem de férias e essa tatuagem pode fazer das suas férias algo diferente. Nesse período de tempo, sentem como se tivessem uma tatuagem verdadeira”, concluiu.

26 Abr 2017

Jandira Silva, cantora | A voz carioca do Oriente

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uando Jandira Silva pegou num microfone pela primeira vez, o Brasil vivia o fenómeno Daniela Mercury, que acabava de lançar o primeiro álbum. Na escola, numa festa simples organizada com uns amigos, a sua voz acabou por ficar no ouvido para sempre.

Muito antes de ser adolescente, já a música invadia todos os dias a casa de Jandira Silva. Esta cantora, nascida no Rio de Janeiro e a viver em Macau há alguns anos, recorda a rádio logo pela manhã, as músicas que mostram um Brasil genuíno, com muito samba, música sertaneja. A Música Popular Brasileira (MPB) e os seus nomes apareceriam muito depois.

“Comecei a sair à noite e a ouvir vários estilos, a ter acesso a outras coisas. Hoje temos o iPod e o MP3, mas antes cada um levava as cassetes com as músicas que ouvia. Comecei a ouvir Bossa Nova e MPB quando comecei a sair à noite”, lembrou ao HM.

Os nomes que fizeram da MPB o que ela é hoje marcaram-na desde o primeiro momento. “As músicas que me tocavam mais eram aquelas que tinham a Elis Regina cantando. Tinha ali qualquer coisa que eu não sei explicar, o timbre, a forma de cantar, a maneira dela fazer. Na minha infância tocava na rádio Elis Regina, Elba Ramalho. Depois, durante a juventude, era Mariza Monte, Adriana Calcanhoto, por aí”, aponta.

Jandira Silva nunca quis ser outra coisa na vida. A paixão surgiu bem cedo. “Em criança eu falava que ia ser cantora, e ninguém me levava muito a sério, achavam que eu estava brincando. A cena da música começou desde que eu me conheço por gente. O meu pai, por sinal, cantava muito bem e tocava alguns instrumentos”, explica.

Os constrangimentos

Quando Jandira Silva saiu do seu Rio de Janeiro, foi morar seis anos em Portugal. Cantou em locais como o Casino Estoril e outros bares de renome. Em Londres, no Reino Unido, viveu nove anos. A cantora recorda a imensa competição que existe num lugar onde há vários nomes, todos eles com uma enorme qualidade.

Já aí Macau teimava em surgir-lhe no horizonte, mas Jandira nunca arriscou. “A quantidade de músicos em Portugal ou Londres é imensa. Tinha aqui um músico em Macau que me chamou para vir umas três vezes, mas nunca vim. Os contratos nunca foram fechados com clareza, e ficaria sempre a perder.”

Depois de ter gravado um álbum em 2012, intitulado “Festa de um Sonho Bom”, Jandira Silva deixou um pouco de parte a ideia de gravar um segundo trabalho de originais. Afirma que criou uma nova canção para a sua vida, chamada Isabella, a filha, que lhe roubou tempo.

Mas Jandira Silva sente-se, sobretudo, confrontada com os desafios do território. Dá concertos esporádicos e não consegue viver a cem por cento da música.

“Agora estou aqui e não há o que fazer. Em Londres foi essa a minha profissão, em Portugal também. Macau tem tantos hotéis como Lisboa, e lá tem o piano, o pianista e a cantora. Aqui não há isso. Em todo o lugar do mundo há bandas a tocar as músicas do momento.”

Assume que o público chinês gosta de outro tipo de entretenimento, mais virado para o jogo, mas a cantora fala também da existência de constrangimentos dentro do próprio sector. Lembra um caso que envolveu uma operadora de jogo local, onde lhe disseram que, naquele lugar, não podia cantar em português.

“Disseram-me que não se podia cantar em português, e não foi dada nenhuma justificação. Ninguém consegue falar ou comunicar”, recorda.

“Se dissesse que Macau é responsável por me afastar da música, estaria mentindo. Mas posso dizer que aqui poderia ser feito muito mais. Está tudo muito disperso e espalhado. Há alguns músicos, mas ninguém está muito unido para fazer um projecto. Eu gostaria [de lançar um novo álbum], mas teria de ter músicos com quem pudesse contar a cem por cento”, explica.

A competição, com preços mais baixos em termos de cachet, também não ajuda. “Os cachets que são pagos aos músicos filipinos influenciam muito o mercado. Não falo em detalhes, mas tive propostas em que decidi ficar em casa.” “Neste momento a cena de música em Macau está muito parada”, remata a cantora.

21 Abr 2017

Sentidos, empresa de decoração | “As nossas peças são cheias de cores”

Já é mais fácil ter um pedaço de Portugal dentro de casa. Os produtos da Sentidos, feitos com algodão e cortiça, levam a qualquer lugar a sardinha portuguesa ou as fachadas célebres das casas portuguesas. A dar os primeiros passos no mercado local, a Sentidos não pretende ficar por aqui

 

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão se tratam de simples peças decorativas. Contam histórias e remetem-nos para um lugar e um tempo. São assim os produtos da Sentidos, uma empresa de decoração recém-criada em Macau que quer levar um bocadinho de Portugal à casa de cada um, de uma maneira original.

Ao HM, Inês Fernandes, fundadora do projecto, conta como tudo começou: “O processo da criação da Sentidos surgiu com a verificação da falta de produtos genuínos e de qualidade portuguesa em Macau. A nossa ideia é trazer e apresentar esses mesmos produtos, mas apenas focados nos tecidos”. 

Sentidos “é a imagem de marca” da empresa, que define “o que os produtos são”. É uma palavra que remete para a saudade, o “encanto dos tecidos e produtos” ou ainda a naturalidade “com que a Sentidos cria as suas peças”.

“Pensámos em trazer cada pedaço de Portugal estampado nos tecidos, como é o caso do casario da Ribeira do Porto, as janelas de Lisboa, o bairro de Alfama, os azulejos portugueses”, explicou a mentora do projecto.

A empresa aposta numa forma diferente de fazer os produtos. “Cada peça produzida pela Sentidos é pensada ao pormenor. As peças são criadas em Portugal e em Macau. As fronhas que fazemos são todas diferentes, mesmo sendo o mesmo padrão de tecido. Isso faz com que cada pessoa que compre uma fronha tenha sempre uma peça exclusiva”, frisou Inês Fernandes.

Para já, a empresa disponibiliza apenas almofadas e candeeiros, sendo que recorre apenas a “tecidos feitos com cem por cento algodão, e mais recentemente, a cortiça”.

“Ainda estamos numa fase inicial e, neste momento, temos apenas estes produtos, que são muito procurados. As nossas peças são cheias de cores, o que dá uma vivacidade e originalidade a cada casa, loja, restaurante ou escritório. Todas elas expressam cada produto típico ou tradição de Portugal”, acrescentou Inês Fernandes.

Mais parcerias

Num território onde a cultura portuguesa é, na sua maioria, mostrada através da gastronomia e do vinho, a chegada de produtos decorativos é uma novidade. Foi a pensar nesse nicho de mercado que a Sentidos surgiu.

“De facto não é comum [a existência deste tipo de negócio]. Tudo tem corrido bem e a aceitação do público tem sido fantástica. Já chegámos mesmo a ter pessoas interessadas nos produtos da Sentidos que não residem em Macau.”

A fundadora do projecto considera ainda que, no território, “é muito difícil encontrar uma decoração original, de qualidade e a bom preço”. “Foi esta dificuldade que a Sentidos sentiu”, apontou.

Actualmente com presença na loja O Santos, na Taipa, a Sentidos pretende expandir horizontes. “A parceria com a loja ‘O Santos’, foi logo de início o nosso objectivo, pois também eles estão à procura de peças e produtos originais. Gostaríamos de fazer parcerias com instituições e orfanatos para que, por cada peça que comprem, esse valor possa ser remetido para essas parcerias”, referiu Inês Fernandes.

Novos produtos na calha

Inês Fernandes garante que a Sentidos não fica por aqui em termos de imaginação e criatividade. “Estamos numa fase de processo de quadros, carteiras para homem, malas para mulher, as mantas de cama ou sofá, toalhas de mesa. Muito mais produtos virão”, promete.

“Temos produtos padrão, mas também disponibilizamos ao nosso cliente um trabalho personalizado. Quem desejar um candeeiro de dimensão maior, uma fronha maior ou de outra forma que não a quadrada basta pedir-nos. Podemos fazer também cortinas, almofadas para parapeitos de janelas. Basta darmos asas à nossa imaginação”, remata Inês Fernandes.

19 Abr 2017

Terra Drip Bar | “Queríamos qualquer coisa nova”

Os aficionados do café já conhecem o espaço Terra, bem perto do Teatro D. Pedro V. Para quem gosta da bebida e vive na zona da areia preta, o Terra Drip Bar é a solução para momentos bem passados com imagens e música à sua volta

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o centro da península o espaço é pequenino, e, quando está cheio, quase que dá para contar os clientes pelos dedos das mãos. É assim o café Terra, localizado perto do Teatro D. Pedro V. Apesar do espaço reduzido, os proprietários sempre quiseram mostrar algo mais do que servir café e refeições, tendo, desde o início, promovido alguns concertos de jazz e exposições de artistas locais.

Com o Terra Drip Bar, aberto recentemente na zona da areia preta, o objectivo é continuar a promover todas essas actividades culturais e de lazer, mas de uma forma mais abrangente. “Esta segunda loja tem quase o dobro do tamanho em relação à loja que temos junto ao teatro D. Pedro V, para que possamos fazer coisas diferentes em termos de exposição de fotografias ou concertos”, contou Kenny, proprietário, ao HM.

Um concerto com o músico português de jazz José Eduardo, no próximo domingo, entre as 20h00 e as 22h00, é a prova de que o Terra Drip Bar veio para trazer coisas novas. “Vamos tentar que ele venha uma vez por ano”, explicou Kenny.

O Terra Drip Bar deverá, portanto, seguir a linha do que tem vindo a ser feito nos últimos meses em termos de promoção da cultura local, nas suas várias vertentes. A título de exemplo, o café Terra já foi palco de um concerto promovido pela Associação Promotora de Jazz de Macau, bem como de uma exposição da artista Sandy Leong Sin U.

“Há cada vez mais colaboração entre cafés e artistas locais, e cada vez mais cafés estão a tornar-se em plataformas para novos artistas mostrarem o seu trabalho”, disseram, à data da inauguração do evento, os responsáveis pelo café Terra.

A concepção do Terra Drip Bar foi, também ela, pensada e estruturada de forma diferente, para que o espaço pudesse chegar a uma clientela um pouco diferente daquela que frequenta o café localizado no centro de Macau.

“Esta segunda loja faz parte da segunda fase do nosso projecto. Abrimos em colaboração com uma empresa de design, chamada Plano B, porque queríamos fazer algo diferente.”

Café e cerveja

Apesar do nome, o Terra Drip Bar não irá funcionar durante a noite e apenas terá a cerveja como bebida alcoólica disponível, sem esquecer as refeições ligeiras já disponíveis como as saladas ou as pizzas. A falta de recursos humanos obrigou os proprietários a fazer escolhas.

“Numa primeira fase abrimos do meio-dia às 20h00 apenas para servir café e cervejas. Não temos recursos humanos suficientes e no início não conseguimos estar abertos à noite.”

Kenny deseja que o Terra Drip Bar seja um sítio onde o café, a bebida principal da casa, não deixe ninguém descontente. “A segunda loja está localizada numa zona residencial e queremos chegar às pessoas que vivem aqui. Esperamos que possam ter café de qualidade aqui no nosso espaço, e não café de má qualidade. Abrimos na zona da areia preta porque queríamos tentar qualquer coisa nova, num lugar novo.”

Espalhar a marca

Com a abertura de um segundo espaço, Kenny tem o sonho de transformar a marca Terra numa pequena cadeia de cafés por todo o território, sem esquecer um lugar próprio para o seu tratamento.

“Depois desta loja estamos a planear abrir um negócio de torrefacção de café, para torrarmos os nossos próprios grãos de café. Claro que esperamos poder abrir mais lojas em locais diferentes, para podermos chegar a pessoas diferentes”, frisou.

Terra Drip Bar

La Cité Bloco 4, bairro da Areia Preta

Macau

12 Abr 2017

João Picanço, jornalista: “Estou em Macau para ficar”

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]hegou há cerca de dois meses a Macau. O convite para trabalhar veio da TDM, depois de ter enviado um currículo, e aceitar a proposta que recebeu foi a “melhor decisão na vida”. João Picanço é uma das vozes da informação quando se sintoniza a 98.0 FM. Depois de muitas decisões que pensou terem sido mal tomadas, com a chegada ao território e a concretização do sonho de trabalhar numa rádio profissional, considera agora que “afinal correu tudo bem”.

A ideia de sair de Portugal e vir para terras distantes era um sonho antigo. Quando soube que vinha para Macau, tentou seguir o conselho daquela que diz ser a mulher da sua vida, a irmã, e não criar expectativas para não se desiludir. “Mas não consigo fazer isso e claro que tive muitas. Quando soube que vinha para cá mentalizei-me de que o território ia ser a minha casa. Saí do Sporting TV, um mês antes, e fui à Bélgica e à Holanda. Não tinha estado em nenhum destes dois países e senti necessidade de me preparar para a mudança com uma viagem”, conta.

As expectativas foram muitas mas a chegada conseguiu, ainda assim, surpreender. “Estava à espera de gostar mas, ao chegar, senti que tinha sido superado. Macau tem uma energia estranha. Pode parecer sufocante e é mesmo, por vezes, uma região claustrofóbica mas, aqui, sinto-me em casa”, refere.

Na rádio desde cedo

A opção pelo jornalismo vem “desde miúdo”. Se no nono ano ainda se é muito novo para saber o que se quer no futuro, João Picanço lembra-se de que já queria ser jornalista sem saber muito bem porquê. “No secundário comecei logo a fazer coisas nesse sentido. Reactivei a Rádio Escola e quando cheguei a Coimbra, onde tirei o curso, tive várias experiências. Tive cinco programas semanais na Rádio Universidade de Coimbra, trabalhei com o Jornal Universitário de Coimbra – A Cabra, e ainda hoje mantenho a ligação a Coimbra com um programa semanal que faço à distância dedicado à música britânica: o “U-Quem?”, relata.

No final do curso, foi estagiar para o Jornal Record, um volte-face nos desejos. A ideia era conseguir uma oportunidade na Blitz porque queria trabalhar na área da música. “Mas ninguém me respondeu. Houve um dia em que a minha coordenadora me disse que tinha mesmo de arranjar um estágio ou teria de fazer uma tese. Preferia o estágio por ser mais prático. Havia uma vaga no Diário das Beiras em Coimbra e outra no Jornal Record em Lisboa. Optei pelo segundo.” O jornalista conta que “nunca tinha feito desporto na vida, gostava de futebol, mas não percebia grande coisa”. “Lembro-me do Bernardo Ribeiro me dizer que apenas ficaria nos quatro meses de estágio porque não tinham lugar para mim. Acabei por ficar seis anos.”

A passagem pelo Record marcou o percurso do jornalista da melhor maneira até porque foi lá que teve oportunidade de fazer uma das suas “melhores histórias e um jornalismo a sério numa vinda à Ásia, em 2014”. “Vim à Indonésia para assinalar os dez anos do tsunami de 2004 e senti que fiz jornalismo mais a sério. Andei à procura do Martunis, o menino que depois do tsunami apareceu vestido com a camisola de Portugal numa imagem que correu mundo. Entrei em contacto com ele no Twitter. Não tinha a certeza que era ele, mas deu-me uma morada e fui lá com o Paulo Calado, um excelente fotojornalista. Saímos de lá a chorar. Foi um dos grandes momentos da minha vida profissional e foi na Ásia. Quase poderia dizer que foi um presságio”, assinala.

No entanto, o jornal não dava a João Picanço a segurança financeira que queria e, depois da reportagem com Martunis, recebeu uma proposta do canal do Sporting TV. “Martunis acabou por ir fazer um estágio no clube e foi quando senti que podia fazer alguma coisa por alguma coisa.”

Entre o jornalismo em Portugal e o de Macau, João Picanço nota já algumas diferenças. “Em Portugal é muito agressivo e aqui ainda há alguns valores, e cooperação entre os profissionais da informação. Vi muitas pessoas com idade para se comportarem de outra forma. Estive rodeado de gente boa, mas também de pessoas que, francamente, acho que não fazem muita falta no mundo.”

A distância não é fácil, principalmente das pessoas de quem se gosta. “Há dias que custam mais do que outros. Felizmente são mais os dias em que me consigo abstrair e ver que o que tenho aqui e agora é bom, que esta casa é boa e que tenho boas pessoas à minha volta.”

Agora, quer dar mais um passo na integração e aprender chinês é uma meta. “Gosto de aprender línguas e acho que é fundamental saber falar a língua do lugar. Além disso, acho que é altamente cool, além de ser útil”, referiu em tom de brincadeira. “No entanto, sinto que, de facto, há aqui alguma distância promovida pelo fosso linguístico e que poderia ser encurtada. Por parte dos portugueses, sinto que já existe alguma resignação e os chineses podiam também tentar aprender um pouco da segunda língua oficial do território”, remata.

7 Abr 2017

Anihelp | Pronto socorro animal

No ano passado foi fundada a Anihelp, um projecto de amor e devoção que acode a animais abandonados, ou em risco. A associação nasceu num jantar de amigos voluntários na Cruz Vermelha que resolveram estender o grau de acção do seu altruísmo a todos os seres vivos

[dropcap style≠’circle’]“P[/dropcap]rocuramos sempre ajudar as pessoas, o que é importante, mas pouca gente ajuda os animais e eles também têm direitos”. As palavras são de David Tai, vice-presidente da Associação de Salvamento de Animais de Macau, mais conhecida por Anihelp. A organização trabalha na linha da frente no socorro a animais em situação de abandono, ou de perigo. A associação começou com muito poucos meios, de uma forma espontânea, da vontade de dois amigos fazerem algo pelos animais de Macau, David Tai e Oscar Choi, o presidente da associação. Eram ambos voluntários na Cruz Vermelha de Macau e decidiram alargar o espectro da solidariedade que devotam à comunidade a toda a bicharada.

“No início não tínhamos nada, ninguém nos ajudava, pagávamos tudo do nosso bolso”, conta David. Tudo começou com a criação de uma página de Facebook onde, recebem denúncias e alertas de casos de abandono, ou maus tratos. Em primeiro lugar recolhem os animais e depois procuram um novo dono que lhe dêem uma vida nova.

A Anihelp deu os primeiros passos, no final de 2015, até que no ano passado Oscar Choi decidiu que o melhor seria registar a associação na Direcção dos Serviços de Identificação de Macau e abrir uma conta bancária para receber donativos.

Hoje em dia contam com 12 voluntários para fazer salvamento, a página de Facebook tem quase 6500 amigos e já resgataram mais de 200 animais.

O vice-presidente da Anihelp lembra-se vividamente do primeiro salvamento. “Enviaram-nos uma mensagem de Facebook a dizer que estava um hamster abandonado na rua na Areia Preta”, recorda. Acorreram ao local e encontraram o bicho numa gaiola, com um pouco de comida. O primeiro passo foi levá-lo a um veterinário para aferir da sua saúde e, em seguida, procurar quem estivesse interessado em dar uma segunda oportunidade ao hamster. E assim foi.

David recorda o sentimento de satisfação de ao menos ter ajudado um animal em situação de perigo, mas sempre com a noção de que havia muito trabalho pelo frente.

Linha SOS

Para já, a Anihelp não tem uma casa onde albergar os animais resgatados. É uma despesa incomportável para uma associação desta dimensão, além de que, o seu funcionamento é essencialmente online. Ainda assim, alguns voluntários levam animais para casa, enquanto não aparecem novos donos que os adoptem, ou até serem entregues a outras associações como a ANIMA e a MASDAW. Apesar de não terem um espaço têm um automóvel que funciona como ambulância, devidamente equipada para recolher animais da rua.

David, que trabalha como interprete e tradutor, não esconde que no futuro talvez fosse interessante ter uma casa, mas para já é impraticável.

A Anihelp tem ambições muito pragmáticas. Uma delas é angariar mais voluntários para que a cobertura seja mais eficaz. “Acontece nos dias úteis receber uma mensagem e não poder responder imediatamente”, perdendo-se o cariz de “primeira resposta”.

Outra das visões da associação é a criação de uma linha SOS 24 horas para socorro de animais. “Estamos em contacto com a CTM para fazer uma hotline”, revela David.

A maioria dos animais que a Anihelp ajuda são cães e gatos, mas chegam-lhes às mãos todo o tipo de bicharada, desde hamsters, pássaros, tartarugas.

Uma das situações que mais impressionou David Tai foi um incidente que começou com uma chamada da MASDAW. A responsável pela associação suspeitava que numa construção pudessem estar a cozinhar cães. Os dois amigos foram até ao local, pularam uma cerca e foram seguindo os latidos até encontrarem três cães adultos e seis cachorros pequenos.

O sítio tinha condições péssimas para ter animais. Encontraram uma pessoa da obra que negou ser o dono dos animais, enquanto tinha uma panela com água a ferver ao lume. Depois de alguma resistência do trabalhador da construção, e de mencionar que não podiam levar os animais e que estes serviam para proteger o local, os dirigentes da Anihelp perguntaram se cozinhavam cães. O trabalhador afirmou não ter nada a ver com o assunto e deixou os activistas levarem sete dos cães, que a MASDAW veio a acolher.

David ficou chocado. “Sei que na China muitas pessoas comem cães, mas afinal em Macau também, fiquei horrorizado”, conta.

5 Abr 2017

Célia Ferreira, empresária | De coração aberto

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] uma recém-chegada a um território de vindas e idas. Célia Ferreira tem 40 anos, é licenciada em Relações Internacionais, empresária de profissão. Apesar de ainda estar na contagem crescente que se faz quando se desembarca, de malas atrás, no Porto Exterior, não é novata nestas andanças da emigração. E é por isso que cita Fernando Pessoa. Ele diz, como ninguém, que “vivemos todos, neste mundo, a bordo de um navio saído de um porto que desconhecemos para um porto que ignoramos; devemos ter, uns para os outros, uma amabilidade de viagem”.

Nascida em Guimarães, o berço de Portugal, Célia Ferreira ganhou no curso que fez a possibilidade de conhecer pessoas de várias nacionalidades. Foi através deste “contacto permanente” que surgiu a área comercial, trabalho a que se foi dedicando e a razão que a trouxe a Macau.

A primeira experiência internacional aconteceu em África. “Fui convidada para desenvolver um negócio na área de hotelaria e spa, num resort em Angola. Foi um desafio que aceitei quase de imediato”, recorda. Mais tarde, percebeu que poderia abrir a sua empresa, “direccionada para produtos de luxo”.

O contexto económico de Luanda deu-lhe a volta aos planos. “A má altura económica que Angola atravessa dificulta muito o acesso a divisas, logo, também à importação. Com estas dificuldades de acesso a divisas, comecei a pensar em alternativas”, explica.

Seguiram-se conversas com amigos, ideias para explorar. “Comecei a pensar noutros mercados, que fizessem sentido para o género de produtos que pretendo representar”, diz. Brasil, Canadá ou Estados Unidos eram opções que se colocavam no horizonte. “Macau não foi a primeira opção”, confessa.

Mas vieram umas férias e a oportunidade de conhecer o território. “Já tinha algumas referências através de amigos a viverem cá, amigos de familiares que também residiram cá, e passou a ser uma hipótese.”

A diferença

Quando se sai do país sem uma oferta de trabalho na mão, quando se emigra numa lógica de se criar um negócio na nova casa, a viagem tem de ser mais bem planeada. Célia Ferreira criou uma empresa e decidiu participar na MIF. A Feira Internacional de Macau, que lhe permitiu dar visibilidade a alguns dos produtos que representa, foi o “kick-off” da mudança.

“Estabeleci alguns contactos com empresas chinesas, com interesses em produtos europeus, nomeadamente em produtos femininos e de criança. Representamos marcas de gama média/alta”, refere, num leque variado que vai de produtos de spa a têxteis para casa, bem como relógios e canetas.

A dar os primeiros passos como empresária na Ásia, depois de ter vivido em África, Célia Ferreira continua a ter uma ligação “bastante forte” a Portugal, “por todos os laços desenvolvidos, a família, os amigos”. Pela actividade profissional que tem, espera aterrar com muita frequência nos aeroportos portugueses. “Apesar da distância, pretendo ir várias vezes durante o ano, quer pela família, quer pelo contacto com empresas que querem ser representadas em Macau e na China Continental.”

E as maiores dificuldades de adaptação a Macau? “Quase nenhumas”, responde. Nem sequer a humidade a atrapalha, porque “o clima similar é ao que encontrei em África”. Ainda assim, reconhece que houve uma expectativa que, de certo modo, saiu defraudada: a comunicação. “Pensei que seria mais fácil, dada a presença portuguesa durante séculos. Achava que seria comum encontrar mais pessoas a falar português, mas verifiquei que, em alguns serviços, até em inglês se torna difícil comunicar”, aponta.

O tempo que conta de vida no território faz com que a cultura chinesa seja ainda encarada “como um desafio”, um desafio daqueles que fazem bem. “Adoro viajar e conhecer novas culturas, hábitos e tradições. Acredito que com a minha mudança para cá irei ter estas oportunidades e outras que nem equacionei.” Resumindo e concluindo: “Vim de coração aberto”.

31 Mar 2017

Loja do Caffé | Uma bica online

Não é fácil encontrar um bom café expresso em Macau. Porém, há um negócio que colmata essa lacuna com toda a comodidade e à distância de um click. A Loja do Caffé distribui, ao domicílio ou onde lhe der mais jeito, cápsulas da Delta

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] origem deste negócio nasce de uma plataforma maior, centrada nas tecnologias da informação. Artur Pereira, director executivo de uma empresa ligada à informática, reparou que havia em Macau um nicho comercial por preencher no que toca a vendas online. É assim que surge a Loja do Caffé, como alavanca para um conjunto de outras marcas que o empresário pretende implementar em lojas na Internet.

O presente materializou-se a partir de uma experiência passada. Artur já havia sido representante da Delta Cafés em Angola. Juntando a isso, a visão de que havia uma falta de oferta no sector das vendas online fê-lo unir pontes onde antes havia margens separadas.

Mesmo fora do âmbito da muito latina bica, “em Macau existem poucos lugares com café de qualidade”. Nesse aspecto, o empresário entende que o negócio não se deve limitar ao expresso, daí a sua estratégia passar pela adaptação da marca Delta a café americano, ou latte. “Vamos ter máquinas que fazem isso, para chegarmos mais longe, além do mercado da saudade do português que vive cá”, explica.

A ideia é fazer chegar ao público chinês, mais adepto do chá, o produto que faz mover o Ocidente. “Vamos lançar várias campanhas para o consumo do café e usar a loja online como âncora para mais tarde abrirmos mesmo espaços físicos”, revela Artur Pereira.

Outra novidade da abordagem da Loja do Caffé será levar o seu produto directamente aos clientes, com uma agressiva campanha de vendas de porta a porta.

“É o melhor café do mundo e se a pessoa aceitar e assinar aqui, amanhã tem uma máquina”, revela Artur Pereira, quanto à estratégia a seguir.

Um pouco à semelhança da venda de produtos de telecomunicações em Portugal, o empresário imagina uma frota de funcionários a vender máquinas de café e cápsulas de porta em porta. “É uma experiência nova, que acho que faz sentido, com um enorme potencial, até porque em Macau há condomínios muito concentrados”, explica. Artur Pereira vê, sem dificuldades, uma equipa a percorrer prédios a grande velocidade, organizando pequenos eventos de demonstração que criem “um glamour em torno da marca”.

Copy & paste

Primeiro era o café, depois vieram os outros produtos. Este podia ser o evangelho da Loja do Caffé.

Com uma empresa-mãe na área das tecnologias da informação, Artur Pereira reparou que em Macau não há uma grande tradição de compras online de uma forma organizada, principalmente de marcas “premium”.

“Não é um mercado ainda habituado ao consumo através da Internet”, esclarece. Enquanto na Europa se fazem muitas compras na ‘web’, principalmente em segmentos promocionais, onde as lojas online vendem o dobro das suas congéneres físicas, Macau é um mercado relativamente virgem neste sentido.

Para já, Artur pretende apenas ganhar a confiança do mercado de forma a preparar-se para lançar outros produtos. A ideia é que se os consumidores se habituarem a comprar café através do site da Loja do Caffé, irão comprar outras coisas.

“Vão surgir novidades, que serão lançadas quando tivermos um pouquinho mais de visibilidade”, conta. Nesse sentido, “a Loja do Caffé é apenas um balão de ensaio”, um prenúncio que aí virá. A adesão do público ainda não é muito grande, mas é um segmento comercial que requer a criação de um hábito. Uma vez criada a apetência para comprar pela Internet, Artur pretende expandir a ideia. Assim sendo, prepara-se para representar 12 marcas através de outras lojas online dedicadas, exclusivamente, a uma marca. Entre elas, uma loja de meias italianas.

Para o empresário, um dos maiores desafios será educar o mercado para a qualidade dos seus produtos, uma vez que terá “marcas conhecidas a preços promocionais”, algo que representa uma vantagem para o vendedor quando não tem de suportar os custos de manter uma loja física aberta.

“Temos de discernir muito bem entre o verdadeiro e o falso, fazer uma boa gestão de comunicação, para não corrermos o risco de sermos confundidos com cópias oriundas da China”, releva.

Para já, o mercado vai sendo desbravado por um produto de reconhecida qualidade: os cafés Delta.

29 Mar 2017

Pang Iok Chan, médica de medicina tradicional chinesa: “Quis ajudar a minha família a sobreviver”

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] amor pela medicina apareceu em pequena e quase como uma necessidade. “Os meus pais estavam sempre doentes e eu queria poder ter conhecimentos para curar os males da minha família”, conta Pang Iok Chan. A médica de medicina tradicional chinesa não esconde que a escolha da profissão ficou marcada pela morte prematura do pai, quanto tinha apenas sete anos.

Ainda a frequentar o curso de medicina no Continente, Pang Iok Chan optou por abandonar os estudos e veio para Macau. “Não tinha um objectivo específico quando deixei tudo para vir para aqui.” A maior razão foi fugir à pobreza e, “já na altura, Macau aparecia como um local em que se poderiam encontrar mais oportunidades de emprego”. “Só pensava em poder ganhar dinheiro rapidamente para ajudar a minha família a sobreviver”, confessa.

Já passarem muitos casos pelo consultório de Pang Iok Chan. No entanto, há um, também na família, que não lhe sai da memória e que fez com que retomasse os estudos: um primo que sofria de um tumor congénito e que, após sete anos de tratamentos, não apresentava melhoras, “estava quase a morrer”, recorda.

Recorrendo aos conhecimentos adquiridos ainda na China Continental, Pang Iok Chan conseguiu mudar a situação e, um ano depois, o primo melhorou, tendo acabado por recuperar totalmente a sua saúde. “Foi quando decidi voltar à universidade, ter o meu diploma e realizar um sonho.”

“Comprei um apartamento na Taipa, perto da actual Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, que na altura estava em construção.” A proximidade, diz, foi mais um alento para continuar a estudar.

Depois de licenciada, Pang Iok Chan abriu a sua clínica e desde logo se assumiu como diferente dos seus colegas de profissão. “Em vez de passar receitas com os chás que os meus doentes devem tomar, prefiro apostar no incentivo a uma boa alimentação”, explica. Para a médica, os nutrientes presentes nos alimentos do dia-a-dia têm grandes propriedades de cura e “são o melhor tratamento para doenças”.

Outra inovação foi a criação de um método de massagem que, ao invés de usar a massagem tradicional, utiliza os dez dedos. Para a médica “é um método mais rápido e eficaz”.

Comprimidos em excesso

Relativamente à saúde no território, Pang Iok Chan tem algumas reservas, não deixando de responsabilizar o Governo pela atitude dos residentes em relação à saúde. “As pessoas não dão importância à sua alimentação o que, penso, tem tudo que ver com os produtos que estão disponíveis em Macau.”

O facto de muitos alimentos serem importados faz com que os produtos frescos sejam raros e o “Governo não fiscaliza de forma eficaz a higiene dos bens que chegam ao território”.

A médica não deixa de lamentar que, para as autoridades, os medicamentos ainda sejam prioritários em relação à alimentação. “Infelizmente, o Governo ainda dá mais importância à cura tradicional feita à base de remédios. Deveria promover mais a importância de uma boa alimentação.”

Pang Iok Chan considera ainda que, por usar métodos de tratamento alternativos, acaba por afastar alguns utentes do serviço de saúde público, até porque considera que tem procedimentos ineficazes. “Devido à falta de conhecimento e de coragem, o serviço de saúde não ajuda os utentes”, afirma.

Apesar da já longa estadia em Macau, Pang Iok Chan tem agora outro sonho: o regresso à China Continental. É lá que pensa encontrar mais pessoas com quem partilhar ideias e conhecimentos. “No Continente posso estar em contacto com colegas que pensam como eu e posso ser mais útil, enquanto aqui as pessoas dão cada vez menos importância à medicina tradicional chinesa.”

Para deixar um legado, a médica está agora a trabalhar num livro. O objectivo, diz, é poder dar a conhecer e divulgar os métodos que desenvolveu ao longo da carreira, “para que possam continuar a ser aplicados e aperfeiçoados”, remata.

24 Mar 2017

Food Truck, espaço de pronto-a-comer | “Quis ir buscar receitas antigas”

Pedro Esteves orgulha-se de ter aberto a primeira roulotte de Macau que vende a típica bifana portuguesa. É certo que o veículo foi instalado dentro de uma loja comum, mas o engenho não roubou o lado tradicional dos petiscos portugueses

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omer uma bifana ou um cachorro quente enquanto se bebe uma cerveja é comum em Portugal, sobretudo em feiras, festivais ou concertos. Em Macau, não há roulottes, nem a legislação permite a existência desse tipo de negócios nas ruas. Ainda assim, Pedro Esteves, há muito ligado ao sector da restauração, não desistiu da ideia. Assim que encontrou uma loja para arrendar, descobriu-a na Rua dos Ervanários, soube que tinha o local certo para fundar a Food Truck Company.

“Há muito tempo que queria ter uma roulotte na rua, mas isso não existe aqui. Então tive a oportunidade de abrir essa roulotte dentro de uma loja, tive de arrendar a loja para poder desenvolver o conceito. Temos bifanas, couratos, entremeadas, só produtos portugueses. Gostava que a lei mudasse e que fossem permitidos vendedores ambulantes, para podermos fazer isto na rua”, contou ao HM.

Com a casa aberta apenas há algumas semanas, Pedro Esteves já nota o sucesso da sua ideia. “O negócio está a correr bem, tanto em termos de locais, como de turistas.” Apesar disso, muitos estranham que a Food Truck Company seja algo totalmente diferente de um café ou restaurante.

“As pessoas de Hong Kong conhecem, mas as pessoas de Macau não percebem bem o que é isto, se é uma carrinha a sério. É verdadeira, mas não tem motor. Esta é a primeira roulotte em Macau, está é dentro de uma loja.”

Os petiscos são muitos e variados. “Não há cá a nossa bifana, e a minha bifana é a mais parecida possível à bifana portuguesa. Uma simples costeleta de porco como as que fazem aqui não tem nada que ver. Vou fazer também hambúrgueres vegetarianos”, conta Pedro Esteves que, para já, é o único a gerir o negócio, a atender clientes e a trabalhar atrás do balcão.

“Estou com problemas de mão-de-obra e quero ter locais. Não tenho mais ninguém para me ajudar e não é fácil fazer tudo. Tenho de tratar das compras, confecção da comida, atendimento ao público. É por isso que estou a fazer uma pré-abertura”, disse.

Mas nem só de comida se faz este espaço. Isto porque o local onde funciona a Food Truck Company tem ainda expostos trabalhos do fotógrafo António Mil-Homens.

Os petiscos de sempre

Na carrinha improvisada há petiscos para todos os gostos, sem esquecer as cervejas, o café português e o chá chinês. “Quem entra aqui é como se estivesse a entrar dentro da cozinha”, assume Pedro Esteves.

“A nossa gastronomia tem muita coisa por explorar. Nunca vi ninguém a fazer couratos em Macau. Quis ir buscar receitas antigas. Queria fazer uma casa de petiscos também, e aí ia buscar petiscos como morcela com ananás, peixinhos da horta, coisas que temos na nossa gastronomia que não existem em Macau. Porque pratos como arroz de pato ou amêijoas toda a gente tem”, defende.

Esta não é a primeira vez que Pedro Esteves se aventura no mundo dos tachos e panelas. Há vários anos em Macau, o português já foi gerente de um restaurante português e chegou mesmo a viver na China, em Cantão.

“No ano passado tive um projecto em São Lázaro, para fazer uma espécie de Bairro Alto, queria fazer um festival de caracóis também, mas a ideia acabou por não ir para a frente. Acabei por abrir apenas um supermercado, mas em São Lázaro, na altura, as coisas ainda estavam mortas e decidi fechar, pois iria perder dinheiro. Fiquei desempregado quase um ano e encontrei este negócio. Estou a começar do zero”, diz.

Na Food Truck não há mesas nem cadeiras, os clientes encostam-se ao balcão enquanto o cozinheiro pega na frigideira e prepara os petiscos que se comem à mão, com a ajuda do guardanapo. Em Macau ainda restam alguns vendilhões de comida, mas as regras mandam que, quem compra, pegue no ta-pao e vá conversar para outras paragens. Na Food Truck, tal como mandam os costumes portugueses, fica-se à conversa entre uma ou outra cerveja.

> Food Truck Company, Rua dos Ervanários,  N.º31 (ou Rua Nossa Senhora do Amparo, N.º 26)
22 Mar 2017

Yu Jiang, estudante, tradutor e intérprete | O exercício da descoberta

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá a dar os primeiros passos, ainda muito tímidos, no mundo da tradução, mas a paixão pela língua inglesa começou desde muito cedo. Natural de Yunnan, na China, Yu Jiang veio para Macau estudar uma segunda língua e, ao contrário de muitos jovens do seu país, a língua portuguesa não foi a sua escolha.

“Para mim, o português é mais difícil e percebi que não iria conseguir pronunciar certos sons. Mas agora comecei a estudar espanhol como terceira língua, porque me parecia um pouco mais fácil, e desde então tenho vindo a encontrar várias semelhanças com o português. Talvez aprenda português no futuro”, contou ao HM.

Ainda em Yunnan, Yu Jiang começou a interessar-se pela língua estrangeira que agora estuda na universidade. “Comecei a aprender inglês desde muito cedo, apesar de ainda não me considerar um falante bilingue de inglês e chinês”, afirmou. “Nessa altura, achava que era um língua muito bonita e que poderia ter um papel fundamental na construção de pontes entre culturas e comunidades. A comunicação, sobretudo se for entre diferentes grupos de pessoas, é um tema que me fascina e do qual gosto muito.”

Já no ensino superior, Yu Jiang espera que o curso lhe possa dar acesso, sobretudo, a um mundo fora da China. “Decidi então tirar um major em inglês, na esperança de conseguir estabelecer ligações com pessoas de diferentes comunidades no futuro, usando a língua. A tradução e a interpretação são os métodos mais importantes para atingir esse objectivo.”

Fora do mundo das palavras e dos caracteres, e da constante tentativa de ambos fazerem sentido, Yu Jiang assume “adorar ler romances”. E faz mesmo uma incursão por autores da nova geração literária da China, que contam histórias que originam reflexão sobre aquilo que o país foi um dia.

“O romance de que mais gosto, e que faz parte das minhas leituras recentes, é ‘To Live’, de Yu Hua. Através deste romance pude conhecer uma história dura onde os personagens sofrem de várias dores causadas pelo contexto especial da China naquela altura. Inspirou-me sob diferentes perspectivas, através da história, vida e seres humanos”, contou.

Outros mundos

Em Macau, cedo Yu Jiang percebeu a complexidade cultural desta sociedade e como pessoas de vários locais interagem umas com as outras. Ainda assim, o jovem acredita que os colegas da sua idade deveriam tentar ver mais vezes o mundo lá fora, para lá dos livros e das salas de aula.

“Em vez de os mais jovens estarem focados nos seus estudos na universidade, poderiam tentar ou ter a iniciativa de se exporem a mais coisas diferentes, como eventos culturais, questões sociais, projectos experimentais, por exemplo”, disse.

“Poderiam também expor-se a pessoas diferentes e a diferentes comunidades, para saírem da sua zona de conforto. Isso permitir-lhes-ia ter novas experiências onde pudessem explorar os seus interesses e paixões, e também experiências de vida diferentes”, acrescentou o estudante.

Yu Jiang defende que essa abertura pode ajudar a abrir portas, traçar caminhos. “Poderiam, com essas experiências, ter uma perspectiva mais clara do que vão fazer com o seu futuro e a sua carreira. Até porque a vida é um processo constante de exploração, em que vamos vivendo coisas que não esperamos e sem o valor esperado. Mas se não as vivêssemos nunca saberíamos o que são.”

Por ser uma sociedade “culturalmente muito diversa”, com “chineses, que são a maioria, mas também portugueses, filipinos e indonésios”, deveria ser feito mais do ponto de vista institucional para promover todas essas diferenças.

“Para lá da cultura chinesa local, virada para o cantonês, acredito que o Governo poderia promover mais a cultura no sentido de incluir mais as culturas das minorias, de modo a mostrar a imagem de Macau como um território onde não existe só uma indústria do turismo, que é próspera, mas também onde diferentes culturas coexistem.”

17 Mar 2017

Bar Celona, Tapas and Rice | Da Catalunha a Macau

O Bar Celona, Tapas and Rice traz a Macau os sabores catalães. Dos petiscos característicos ao arroz único da região, o espaço aberto desde 2015 tem contado com casa cheia e orgulha-se da sua exclusividade

 

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]hama-se Bar Celona, Tapas and Rice e é o espaço pensado para trazer os sabores da Catalunha ao Oriente. A ideia partiu do proprietário, António Guijarro, natural de Barcelona. António esteve sempre ligado à hotelaria e a vinda para Macau teve na origem um convite enquanto consultor de restauração. “Após uma passagem pela Austrália vim ao território fazer consultadoria no âmbito da abertura de um hotel. Já na altura a ideia era a mistura de conceitos que fundissem cozinhas.”

Perante a diversidade do território, António Guijarro pensou em fazer algo mais. “Queria fazer alguma coisa que pudesse contribuir para o movimento e política da diversidade de oferta turística em Macau”, diz ao HM.

Se, por um lado, já era um território dotado de uma grande variedade de restaurantes de diferentes géneros e todos “muito bonitos”, Barcelona ainda não tinha um lugar na península. “Os espaços que encontrei iam da cozinha portuguesa à local e passavam por muitos tipos de cozinha do ocidente. No entanto, Barcelona tem características gastronómicas únicas e queria fazer a minha contribuição particular”.

Com o caminho percorrido desde a abertura do Bar Celona, em 2015, António Guijarro “esqueceu” os obstáculos que entretanto teve de ultrapassar e preserva as alegrias que, afirma, têm sido muitas, especialmente no que diz respeito à receptividade por parte da população local.

“Os locais têm sido incríveis desde a nossa abertura. O espaço é muito bonito e temos contado com casa cheia permanentemente”, afirma satisfeito. Os clientes podem ser famílias ou grupos de amigos com idades entre os 20 e os 50 anos, que querem comer bem e passar um bom bocado. “Cerca de 60 por cento dos nossos clientes são locais”, diz.

As aplicações de turismo ajudaram no sucesso do lugar e é através delas que chegam muitos visitantes dos mais diversos lugares. “Temos turistas da Coreia, Japão e Singapura que procuram um restaurante de primeira qualidade.”

Para o proprietário, a grande adesão deve-se também ao crescente número de turistas que tenta fugir aos casinos. “É um espaço que faz parte do desenvolvimento de Macau. A localização, na zona da Areia Preta, também confere uma maior proximidade à verdadeira Macau, o que agrada a muitos visitantes.”

Arroz catalão

Apesar de as tapas serem a especialidade, António Guijarro explica que o sucesso do Bar Celona se deve a muito mais do que isso. Deve-se ao todo. “Penso que as pessoas que nos visitam não o fazem apenas pelas tapas, mas principalmente por apreciarem todo um produto que nos propomos oferecer e que faz parte da cultura do próprio espaço.”

Do todo fazem parte os alimentos que, na sua maioria, são importados “e de grande qualidade”. A razão, aponta, “é não ser possível encontrar, deste lado do mundo, produtos semelhantes. Não têm a mesma intensidade e prezamos manter os sabores originais”. A ideia é manter uma cozinha típica, clássica e autêntica.

Mas o Bar Celona – Tapas and Rice não oferece só os petiscos, e a opção pelos pratos de arroz nada tem que ver com a presença oriental, muito pelo contrário. O arroz, aqui, é específico da Catalunha e, segundo o proprietário, dotado de um sabor único. “A Catalunha produz e tem uma forma de cozinhar o arroz também única. O cereal, cultivado entre o mar e as montanhas, não se encontra em mais parte nenhuma do mundo”, explica. “Temos uma grande variedade de arroz que misturamos com outros produtos. Por exemplo, temos como especialidade o arroz de lagosta, que é um prato que aqui não existe”.

Para o futuro, António Guijarro vê a expansão. A ideia é exportar a marca para as maiores cidades asiáticas. “Já estamos a pensar em Hong Kong, Singapura, Taipé e Zhuhai”, remata.

15 Mar 2017

Maria Ana Nascimento, estudante de tradução: “Macau é uma cidade sorridente”

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]aria Ana nasceu em Macau e por aqui viveu até fazer um ano. Como é natural, não tinha qualquer recordação da cidade. A imagem que foi construindo era baseada apenas nas estórias que os pais lhe contaram dos seus tempos asiáticos. Quis o destino que, 23 anos depois, a cidade regressasse à sua vida, e ela à cidade.

Apesar de ter crescido a meio mundo de distância, assim que chegou a Macau Maria Ana não sentiu a cidade como um sítio estranho, aliás, teve “uma sensação esquisita de familiaridade”. Não vai tão longe ao ponto de assumir o regresso como o retorno a casa, mas reconhece que se sentiu diferente quando, por exemplo, chegou a Pequim. Na capital chinesa, a estudante experienciou um maior choque cultural, uma avolumada diferença. “Macau é uma terra que não me é desconhecida no seu todo”, revela. Depois foi reconhecendo os locais das estórias dos seus pais, e estes sítios sentiu-os como algo familiar. De resto, o maior impacto que teve quando aqui chegou foi apreendido na pele: a humidade.

Outro aspecto que a fez sentir-se bem-vinda foi identificar “algumas réstias de Portugal” pela cidade. Assim como pedaços, obviamente, da China Continental. Neste contexto, Maria Ana considera Macau uma terra “com uma cultura e sociedade muito próprias”. Além disso, a estudante finalista de tradução de chinês acha que “é uma cidade muito amiga, sorridente, que sabe acolher”. Neste aspecto, Maria Ana alerta que é necessário saber morar aqui. Macau é um lugar que não aceita bem quem cá chega com manias de superioridade, quem desvaloriza a cultura do outro, quem não respeita. Mas com o respeito vem a amizade com que a cidade retribui, na opinião da estudante.

“Quando andas na rua ouves português, chinês, inglês, cantonês, é uma cidade muito multicultural, em todos os sentidos. Apesar de ser pequena em território, essa multiculturalidade torna Macau muito grande.”

Terra de oportunidades

Aos 24 anos, Maria Ana gosta de pensar que o seu futuro passará por Macau, até porque é uma terra onde vê oportunidades, em especial na sua área profissional. Em Portugal existem saídas para quem tira tradução de chinês, mas além de não serem satisfatórias, não são evidentes. “Vejo pelos meus colegas de curso que estão em estágios onde não fazem aquilo que gostam”, conta.

Em Macau, Maria Ana sente que “o português e o chinês estão em cooperação e a precisar muito de trabalhar juntos”.

Quando se candidatou ao estágio no Instituto Politécnico de Macau, uma das suas grandes motivações foi, precisamente, regressar à terra onde nasceu, “não foi uma decisão muito difícil”. Por cá estagia num laboratório de tradução onde se está a desenvolver um tradutor automático. No seu prato tem, essencialmente, trabalho de revisão, ou seja, avalia se as frases equivalem ao correspondente chinês e se estão bem escritas em português. “Estou a gostar bastante, não só pelo tipo de projecto que é, nem por ser uma oportunidade única, mas também porque nos está a dar uma grande bagagem de vocabulário e gramática em chinês”, conta.

No entanto, profissionalmente os horizontes da estudante não se limitam à tradução. Já com outro curso no currículo, Sociologia, Maria Ana tem o sonho de trabalhar nas Nações Unidas. Nesta organização gostaria de poder desenvolver pesquisa nas áreas do género, com relevo para o papel da mulher na sociedade, ou nas questões ligadas às desigualdades sociais. Outra área que a apaixona é a educação, em particular de crianças que precisam de cuidados especiais.

No que toca a sentir falta de casa, de Portugal do seu cantinho nas Caldas da Rainha, Maria Ana não alimenta sentimentalismos ou saudosismo. “Ultrapasso bem as saudades. Não sou uma pessoa que esteja sempre a pensar no fuso horário, nas horas que são em Portugal para conseguir falar com alguém”, diz. Também não é fria ao ponto de dizer que não tem saudades, em especial quando estas apertam durante as datas e as celebrações que normalmente passaria em família. Mas o facto é que, no dia-a-dia, todos têm o seu trabalho, e sabe que não ficaria em casa dos pais para sempre. Quando a saudade aperta, as redes sociais ajudam na ponte com Portugal e aproximam de quem mais gosta.

10 Mar 2017

House of Beijo, loja de vinhos e conservas | Douro, um amor tardio

Natural de Hong Kong, Gordon Yue já importava vinhos de vários países, mas o sabor do néctar português não o fascinava. Um convite à região do Douro mudou tudo. Há dois anos abriu a House of Beijo, loja de vinhos, conservas e produtos de cosmética, por ser uma palavra que apela ao amor e à felicidade, juntamente com um copo na mão

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão foi amor à primeira vista. Até há quatro anos, Gordon Yuen não conseguia encontrar um único vinho português de que gostasse. “Sempre achei que o sabor era uma porcaria. De verdade. Naquela altura, quando vinha a Macau e tentava provar algum vinho, todos tinham um mau sabor”, contou ao HM.

Um convite para ir à região do Douro acabou por mudar a sua percepção sobre os produtos e, hoje, a loja que Gordon Yuen possui na Calçada do Amparo, em Macau, obteve o nome graças a uma das zonas com mais história em termos de produção de vinhos. House of Beijo, ou Casa do Beijo, roubou o nome ao vinho “Quinta do Beijo”.

“Recebi um convite para ir ao Douro, então pensei ‘nunca estive em Portugal e tenho aqui uma viagem grátis, com tudo pago’. Foi a primeira vez que fui ao Douro. Havia uma prova de vinhos e achei o vinho incrível. Não conhecia nada sobre aquela região, e comecei a partir daí a adorar esse vinho e a promovê-lo”, contou ao HM.

As viagens a Portugal começaram a ser uma constante. “Vou ao Douro, a Lisboa, a várias zonas produtoras de vinho. Mas continuo a achar que o vinho do Douro é o melhor.”

O português é que vende

Durante a entrevista, Gordon Yuen foi à estante buscar uma garrafa de “Quinta do Beijo”, enquanto degustava um copo de vinho de outra nacionalidade. A razão? As fracas vendas dos vinhos franceses, americanos ou espanhóis na loja, e o sucesso do vinho português junto dos turistas.

“Se abrisse a loja de novo não escolheria esta localização e levava a maioria dos vinhos para Hong Kong, à excepção dos portugueses e do vinho do Porto. São os melhores. Todos os clientes que chegam aqui, sejam da China, de Taiwan ou da Coreia, só procuram vinhos portugueses. Não sabem que há vinhos franceses ou italianos. Compram três e quatro garrafas. Os outros fazem-me perder tempo, acabo por ser eu a bebê-los”, apontou.

O sabor das conservas

Além das estantes cheias de garrafas de vinho, a House of Beijo tem também várias conservas, um sucesso junto de quase todos os turistas que por ali passam. Gostam da qualidade do produto, do sabor do peixe com os vários temperos. Há também produtos de cosmética para a pele e cabelo, vindos de França e feitos com ingredientes naturais.

Voltando ao vinho, Gordon Yuen assegura que, na hora de vender para casinos e hotéis, é o vinho francês que acaba por ser sinónimo de qualidade e elegância dentro de um copo. “Quando os clientes vão jogar procuram mais esses vinhos”, aponta, referindo que a culpa é da falta de estratégia de marketing por parte dos portugueses. “O vinho francês é mais conhecido. O vinho português é muitas vezes considerado um vinho barato e nem todos os clientes VIP gostam. Um vinho francês é quase sempre considerado muito bom.”

Os entraves

Com as portas abertas há dois anos, e com o negócio de importação a correr sobre rodas em Hong Kong, Gordon Yuen explica que o volume de vendas na House of Beijo poderia ser maior.

“Tenho de dizer que a localização desta loja não é a ideal, porque não há muita gente a passar por aqui. Está um pouco aquém das minhas expectativas. Se abrisse de novo não escolhia esta localização”, referiu.

Gordon Yuen falou ainda dos entraves que podem existir na relação empresarial com os produtores portugueses. “Em Portugal, o estilo de vida é considerado mais importante do que o negócio. Se eu disser que quero este e aquele produto, dizem-me: ‘ok, está acordado’, mas três meses mais tarde continuo a não ter a minha encomenda. Não é fácil fazer negócio, sobretudo na área dos vinhos. Precisam de ter grandes encomendas para enviar aos importadores, para não ser tão caro, e precisamos de esperar.” Tudo isto é dito com o sorriso de quem ultrapassa as diferenças culturais na hora de negociar.

8 Mar 2017

Tam Kam Chun, construtor de barcos | O fazedor de pequenas memórias

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]as mãos de Tam Kam Chun a história não morre, não pode morrer. Onde outrora havia barcos grandes, feitos no seio de uma indústria bem-sucedida, há hoje barcos pequenos, que já não servem para transportar pessoas e mercadorias, mas sim para transportar memórias de um tempo que foi e já não volta.

Este artesão dedica-se a fazer barcos em miniatura, mas foi durante décadas construtor de juncos de madeira. Primeiro na península, junto ao Mercado Vermelho, e depois em Lai Chi Vun. Quis o destino que continuasse a trabalhar no ofício de uma vida, mas hoje as suas mãos trabalham pequenos pedaços de madeira que não são para vender, mas para contar histórias.

“Como já estou reformado e continuo a ter interesse por isto, então faço estas miniaturas, para que as pessoas possam conhecer um pouco desta indústria”, contou ao HM.

É na imensidão do vazio do estaleiro Son Weng, já sem actividade, que diariamente vai trabalhando nas suas peças. “Este estaleiro não é meu, mas de uma pessoa que conheço. Como os estaleiros ficam sem funcionamento, então um amigo emprestou-me este local.”

O trabalho com as miniaturas começou “há pouco tempo”, mas os barcos de grande dimensão começaram a sair das suas mãos quando ainda nem tinha 20 anos. Recorda de então tempos áureos, de quando havia trabalho e cada um aprendia as antigas técnicas como podia.

“Não trabalhava num lugar fixo, estava em qualquer estaleiro, onde fosse preciso. Não tive um mestre fixo e os que faziam os barcos comigo também não tinham. Aprendíamos uns com os outros. Perguntávamos sempre onde era precisa mão-de-obra e íamos aprendendo.”

O rigor acabaria por vir com o tempo. “Precisava de observar a técnica dos profissionais e com a passagem do tempo ia descobrindo a maneira correcta para fazer barcos. Só aí me tornei profissional.”

Na época, construir barcos era uma opção natural. “Antes não havia muitos trabalhos que pudéssemos escolher e tínhamos de ganhar dinheiro para a família. O meu pai também fazia barcos e tinha contacto com esta indústria. Então decidi começar.”

Igual ao original

Muitos dos que se deparam com Tam Kam Chun a trabalhar no estaleiro perguntam se ele pretende vender os pequenos barcos que faz. Mas para este antigo construtor naval o objectivo é mesmo contar um pedaço da história.

“Muitos perguntam-me se vendo as miniaturas, mas levo muito tempo, dez dias ou até meio ano. O objectivo é mostrar como era a indústria antes. A estrutura das minhas miniaturas é diferente dos barcos reais, mas tento esforçar-me e imitar a forma original. São as mesmas técnicas que usava para os barcos.”

Se as suas mãos enrugadas ainda são capazes de construir barcos, as mãos dos mais novos demorariam a aprender o ofício. Os tempos são outros e os interesses também, assegura.

“Não há muitos jovens que queiram aprender a fazer barcos, porque esta indústria já não garante o rendimento. Além disso são precisos vários anos para dominar esta técnica. Os jovens têm de estar mesmo interessados na indústria naval. Levei três anos a aprender as técnicas mais básicas, mesmo quem está interessado não tem hoje as condições suficientes para trabalhar”, aponta.

Ouvir primeiro

Anunciada a demolição dos estaleiros onde trabalhou uma vida inteira, Tam Kam Chun não aceita que o fim chegue de forma súbita. “Os estaleiros são a última amostra que existe sobre esta indústria, vou ter pena se o Governo decidir demolir tudo. O mais importante é que o Governo não fez qualquer planeamento ou consulta sobre isto, para que nós possamos saber se vale ou não manter isto.”

Mesmo que o Governo destrua e construa de raiz, “um novo estaleiro não vai ter história”, considerou. “Na sociedade há várias vozes contra a decisão do Governo e acho que não se pode manter essa decisão. Quero que Governo desenvolva a parte do turismo na zona de Lai Chi Vun.”

Para Tam Kam Chun, a população deveria ter a última palavra, mesmo que fosse contra a manutenção dos estaleiros. “A indústria naval tem uma grande história, que continuou até aos dias de hoje. Os cidadãos também precisam de avaliar se vale a pena manter. Se disserem que não vale a pena, então concordamos. Mas não queria que o Governo demolisse os estaleiros. O Governo diz sempre que quer salvaguardar a história e o património, mas agora quer destruir isto.”

5 Mar 2017

Sofi Handmade – Artesanato | Fong Mei I, proprietária

Sofi Handmade é a marca criada por Fong Mei I. A jovem de Macau vê na concepção de acessórios uma paixão e já tenciona passar o conhecimento a outros. Para já, tem as peças disponíveis nas várias feiras de artesanato do território, e em lojas em Macau e na Taipa

 

[dropcap]F[/dropcap]ong Mei I tem 26 anos e é a responsável pela pequena empresa de artesanato Sofi Handmade. O negócio é a tempo parcial para a recém licenciada em língua e literatura chinesa, mas é fruto de um gosto pessoal pelo trabalho feito com as mãos.

Foi mesmo a paixão pelo artesanato que levou Fong Mei I a deixar o emprego a tempo inteiro de modo a ter mais espaço para esta actividade alternativa. “Há uns anos tinha um emprego mas queria dedicar-me mais ao artesanato. Agora estou a trabalhar a tempo parcial e tenho mais flexibilidade de horários”, refere ao HM.

O tempo é fundamental, não só para a produção dos objectos, mas também para a sua comercialização. “Agora, tenho mais disponibilidade para participar em actividades que envolvam o artesanato e a participação em feiras relacionadas”, menciona a jovem local.

O interesse pelo artesanato e pela criação de objectos únicos data de 2012, altura em que começou a “aprender sozinha algumas técnicas através da visualização de vídeos na Internet”. O resultado foi a produção de acessórios, essencialmente brincos, colares e pulseiras recorrendo à utilização de metal, missangas e cristais.

A actividade da Sofi Handmade começou timidamente e como resposta a um convite de amigos. “No início de 2015 comecei a criar objectos mas, naquela altura ainda não tinha a minha própria marca. Foi através do convite de uns amigos que queriam participar numa feira local de artesanato promovida pelo Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM)”, recorda. A responsável pela Sofi Handmade fez algumas peças que acabaram por ser vendidas e decidiu criar a sua própria marca.

Satisfeita com o desenvolvimento da actividade e com a aceitação do público, a artesã classifica as suas peças como “bonitas”. Os clientes são essencialmente jovens do sexo feminino. “A maioria dos meus clientes são meninas que gostam de se vestir bem”, afirma. No entanto, o mercado tende a alargar. Com a crescente participação em feiras locais, a artesã tem constatado que, cada vez mais, os interessados nas suas peças vão desde crianças a adultos “com mais de 50 anos”.

Fong Mei I revela ainda que o negócio está a crescer e os seus produtos já têm espaço fora das tendas. “Já tenho peças em duas lojas onde apresento as minhas criações em regime de consignação, a Binshu Studio em Macau e a Youth Works, na Taipa”, diz.

Para o desenvolvimento do projecto, a proprietária considera fundamental os apoios que o Governo de Macau tem vindo a conceder ao sector do artesanato. “A feira promovida pelo Instituto Cultural, no Tap Seac, é muito importante”, afirma. “É ali que mais vendo e onde ganho grande parte das minhas receitas”. A razão, afirma, prende-se com o facto de ser um local em que passa muita gente de diferentes origens. “O certame integra artesões de regiões diferentes. Além de Macau existem feirantes de Hong Kong, Malásia, Cantão e da Coreia do Sul. É a maior actividade de criatividade cultural”, explica.

O negócio vai de vento em popa e Fong Mei I vê o futuro com bons olhos. Além da produção, a jovem local quer agora lançar-se no ensino das suas artes. “Vou continuar a participar nas actividades e quero realizar workshops para ensinar este ofício.”

 

 

 

 

1 Mar 2017

Carla Lourenço, Arquitecta | Macau, por acaso

[dropcap]C[/dropcap]arla Lourenço tem 28 anos e está há duas semanas em Macau, integrada no programa de estágios INOV. Arquitecta recente no território, tem nas descrições que faz desta sua mais recente experiência a surpresa de uma Ásia que ainda não sabe bem descrever, além da “diferença atroz” que sente quando comparada com outras paragens por onde já passou.

A arquitectura apareceu na vida de Carla Lourenço de uma forma “estranha”. As decisões que têm de ser tomadas “demasiado cedo” levam, por vezes, a escolhas que não seriam as de hoje. “Somos obrigados a decidir com 15 anos parte do nosso futuro e, hoje, acho que escolheria outra coisa: engenharia de ambiente, talvez”, diz ao HM. No entanto, apesar da ainda indecisão na carreira que um dia poderá escolher, recorda que a opção pela profissão que a traz a Macau agora teve na origem “o fascínio pelas artes, sobretudo pela escultura”. A engenharia do ambiente e o interesse pela área vêm da curiosidade que sentia, desde pequena, por cenários que a “intrigavam”. “Não entendia porque é que não existia mais reciclagem em Alcochete, porque é que nas idas para Lisboa cada carro apenas levava uma pessoa”, ilustra a natural da margem sul. Para Carla Lourenço, estas são “coisas absurdas” do dia-a-dia. 

A escolha da arquitectura mostrou ser uma possibilidade em juntar a arte e o ambiente. “Sentia que era uma mistura das duas coisas, podia mudar o ambiente em que vivo através do urbanismo.”

Foi com o desenho de casas e cidades que veio para Macau. Carla Lourenço integra o programa de estágios do INOV e Macau “não foi bem uma escolha, porque os candidatos não sabem onde vão parar, foi mais uma coincidência”. Dos cerca de três mil candidatos ao programa a arquitecta, foi dos pouco mais de 300 seleccionados.

A experiência em viver no estrangeiro não é nova. “Fui um ano em Erasmus para a Argentina, mas quando voltei já nada era a mesma coisa”, recorda. “Quando voltamos está tudo igual e nós é que mudámos.”

A experiencia na América Latina “foi incrível”. Com 21 anos foi para Buenos Aires, “uma cidade com mais gente que o meu próprio país e para uma faculdade com mais gente que Alcochete”. Foi viver num outro mundo. “É também uma cidade muito europeia.” 

Seguiram-se sete anos no Porto e chegada a hora de mudar. “O INOV era uma boa maneira de o fazer, porque alguém decide o destino por nós. É estranho, mas cómodo porque me alheio da responsabilidade e me limito a ir”, aponta.

Um feliz acaso

Macau foi a sorte que o INOV ditou. Quando chegou a altura de saber as colocações apareceu primeiro a bandeira da China. “Assustei-me, pensei que ia para Pequim ou uma outra grande cidade chinesa e, infelizmente, estamos cheios de preconceitos acerca do país”, refere. Depois da bandeira apareceu a cidade, “era Macau e fiquei em êxtase.” 

A chegada a Macau é, acima de tudo, cheia de estranheza e novidades. “A primeira coisa que estranhei foi entrar num autocarro e ver as coisas escritas em chinês e em português. Depois foi o sentir a humidade que, aqui, pesa. Socialmente foi sentir que as comunidades se dividem em grupos e eu fazia já parte de um, o dos portugueses. Foi muito estranho porque não pensei que existisse esta separação, pensei que fosse uma coisa mais integrada.” 

Os contrastes do território também marcaram e ainda são fonte de espanto para a recém-chegada. “Os edifícios enormes, as mega estruturas dos casinos com plantas naturais, aquilo parecia um cenário todo plástico e depois passamos nos jardins e as pessoas estão a fazer tai chi”, diz.

Há duas semanas em Macau, a arquitecta está “a adorar o desconhecido”, das comidas aos cheiros, o “ir ao mercado e ver o peixe vivo”. 

Em comparação com a América Latina, as diferenças são muitas, mas a linguagem marca o abismo. “Aqui não percebo o que se passa à nossa volta e não consigo comunicar”, afirma. 

Enquanto arquitecta, salvaguarda a “opinião de duas semanas em Macau” e, mais uma vez, são os contrastes que sobressaem. Um centro histórico muito consolidado e muito característico que, parece, estagnou no tempo, mas, de repente, surgem os grandes condomínios e casinos que constituem um grande paradoxo. “É demasiado diferente.” 

24 Fev 2017

“O Santos, loja portuguesa” | Dos enlatados ao galo de Barcelos

Um dos mais famosos restaurantes portugueses na vila da Taipa emprestou o nome, e apenas isso, ao espaço “O Santos, loja portuguesa”. O projecto de Joana Fonseca e da Vino Veritas quis concentrar num só local tudo o que Portugal tem para oferecer de bom

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]um cantinho da vila da Taipa, todas as regiões de Portugal estão concentradas numa só. O projecto “O Santos, loja portuguesa” permite-nos ir de Norte a Sul e descobrir as iguarias, os vinhos e as lembranças vindos do outro lado do mundo.

Joana Fonseca é uma das proprietárias, ao lado da empresa de importação Vino Veritas, e conta que o uso do nome do restaurante “O Santos” se deveu à longa amizade que mantém com Santos Pinto, o proprietário da tasca alentejana.

“O restaurante e a loja são negócios diferentes e independentes. A loja adoptou o nome “O Santos” porque já é um nome estabelecido na vila da Taipa, então decidimos procurar o Santos e ver se nos emprestava o nome. Temos uma relação especial com ele e, estando aqui na vila da Taipa, achámos que seria o nome mais correcto”, explicou Joana Fonseca ao HM.

A loja, aberta recentemente ao público, pretende ter uma mostra diversificada do que é genuinamente português. “Temos souvenirs, como o galo de Barcelos, as imagens da Nossa Senhora de Fátima. Temos também um andar só dedicado a vinhos, onde as pessoas podem ter um atendimento personalizado.”

A ideia inicial para o arranque do projecto foi o facto de os produtos portugueses existirem em toda a parte, mas estarem dispersos em lojas e restaurantes. “Muitas vezes, as pessoas procuram produtos portugueses na vila da Taipa e o que acaba por acontecer é que está tudo muito espalhado. As pessoas não têm noção da gama de variedade de produtos que existem. Achámos então que seria boa ideia concentrar tudo no mesmo sítio e seria uma boa maneira de promover produtos portugueses em Macau.”

Olaria e bordados

Joana Fonseca frisa que há mais ideias para dinamizar a oferta de produtos. “Ainda estamos à procura de fornecedores e de produtos diferentes que ainda não existam em Macau. No futuro, vamos ter um terceiro andar que será dedicado apenas a artesanato e produtos portugueses ao nível dos bordados, cerâmicas, olaria. Coisas que sejam artesanato português e que representem as diferentes regiões em Portugal”, adianta.

“Neste momento estamos ainda a fazer um estudo de mercado e a tentar perceber o que as pessoas procuram em Macau. Temos outras ideias nas quais estamos a trabalhar, para trazer, por exemplo, biscoitos tradicionais e mel. Há uma gama de produtos que queremos ter aqui”, explicou uma das mentoras do projecto.

O sucesso das conservas

Além dos habituais vinhos e queijos, as conservas de peixe têm feito sucesso no mercado chinês, sendo bastante procuradas por turistas. Na loja “O Santos” essa procura também se faz notar. “Uma das coisas que vendemos melhor são as conservas portuguesas”, refere Joana Fonseca.

Ainda assim, “temos vendido um pouco de tudo”, adianta a empresária. “Quem tem mais interesse nos produtos são pessoas de Hong Kong e Macau, mas também temos pessoas da China e do Japão à procura de vinhos. O turista vai directamente ao galo de Barcelos ou às conservas e é mais nisso que temos apostado e também vendido.”

Com presença apenas na vila da Taipa, o objectivo é que, no futuro, a península também possa ter a sua loja de produtos portugueses. “Neste momento vamos ver como corre a experiência na vila da Taipa, e qual a receptividade das pessoas em Macau e dos turistas. Mais tarde a extensão a Macau poderá ser uma possibilidade”, afirma Joana Fonseca, que garante que não é objectivo vender produtos da gastronomia macaense, apesar da ligação que existe a Portugal.

“O objectivo da loja é mesmo concentrar-se em Portugal e nos produtos que o país tem para oferecer, além de o promover através dos seus produtos. Não há tanto a ideia de estabelecer uma ligação com os produtos macaenses”, remata.

22 Fev 2017

Lídia Adelina Lourenço, artista de doçaria | Prémios de açúcar

[dropcap style≠’circle’]L[/dropcap]ídia Adelina Lourenço nunca tinha feito um bolo daqueles que parecem verdadeiras obras de arte e que nem apetece comer, para não estragar. Contudo, foi lendo, experimentando, até se transformar na primeira artista de pastelaria em Macau a fazer bolos a três dimensões. Foi a descoberta de um talento que estava escondido.

Tudo começou em 2009, quando um problema pessoal a levou a experimentar um novo mundo. “Sentia-me triste, não tinha confiança”, contou Lídia Adelina Lourenço, que à época trabalhava na Teledifusão de Macau.

“Senti que, quando saía do trabalho, tinha de fazer outras coisas. Então comecei a fazer bolos com base em vídeos no YouTube e aí sentia-me contente. Era difícil sentir-me contente naquela altura. Comecei a levar bolos todos os dias para o trabalho, até que a minha chefe me sugeriu que abrisse uma página no Facebook para tentar vendê-los. Achei que não conseguia fazê-lo, porque nunca tinha estudado nesta área. Mas a verdade é que comecei a vender desde a primeira publicação que fiz, já há sete anos”, contou ao HM.

Começou por vender bolos comuns, até que surgiram as primeiras encomendas para bolos diferentes de todos os outros. A artista aprendeu tudo aquilo que sabe sozinha.

“Mandei vir livros do Reino Unido e comecei a ler sozinha como podia fazer bolos a três dimensões. Naquela altura mais ninguém fazia isso em Macau. Comecei a ter mais confiança em mim”, recorda.

Anos depois, Lídia Adelina Lourenço obteve o terceiro lugar a nível mundial na modalidade de arte em pastelaria, e conta com seis prémios, incluindo quatro medalhas de ouro em competições. Este ano, vai participar numa competição em Nova Iorque, em Maio, e noutra na cidade italiana de Milão, em Outubro.

Para esta artista, alinhar em concursos representa muito mais do que trazer troféus para casa. “Gosto de participar em competições porque assim posso adquirir mais experiências e conhecer mais pessoas, não é apenas para ganhar. É algo positivo. O facto de perdermos neste tipo de campeonatos não quer dizer que seja um mau trabalho, pois todos os trabalhos são bons”, explicou.

A arte de Lídia Adelina Lourenço já chegou à televisão, tendo protagonizado um programa de culinária de alguns episódios na TDM. O programa deverá regressar este ano ao pequeno ecrã, contou a artista.

Ensinar os outros

Lídia Adelina Lourenço também faz parte do Conselho das Comunidades Portuguesas, na qualidade de suplente, mas são os bolos que são o seu ganha-pão, apesar das horas de trabalho que representam. “Muitas vezes penso que deveria mudar de profissão e poderia ganhar mais, mas gosto de fazer isto”.

A artista recorda o momento, numa competição em Birmingham, no Reino Unido, em que despendeu 15 horas por dia a fazer duas esculturas, no período de duas semanas. O esforço, porém, compensou: ficou em terceiro lugar ao nível mundial, numa competição que recebe artistas de todo o mundo.

Lídia Adelina Lourenço abriu, em Maio de 2015, a sua loja, intitulada “Linalenço Dessert”, onde também promove workshops com outros artistas de renome mundial. Nestas sessões os interessados podem, por exemplo, aprender a fazer bolos iguais às famosas malas Birkin, da Hermés.

“Antes paguei as minhas deslocações para aprender esta arte em países como a Inglaterra e os Estados Unidos, então tive a ideia de começar a convidar estes artistas para que, assim, as pessoas possam aprender alguma coisa sem saírem de Macau. Todos os dias tenho encomendas e dou aulas.”

Apesar de reconhecer que ganha pouco tendo em conta as horas que gasta com cada obra de arte, Lídia Adelina Lourenço não se vê a mudar de profissão. “Adoro fazer isto porque cada bolo, para mim, é especial. Gosto de fazer bolos em forma de escultura, embora demore muito tempo.”

“Já fiz mais de mil desenhos para bolos, gosto que cada pessoa tenha o seu próprio desenho, um bolo diferente. Não sei muito bem o que me inspira. Só sei que todos os dias faço algo diferente, depende do que o cliente gosta ou deseja”, disse ainda. Atenta às últimas tendências em termos de alimentação, Lídia Adelina Lourenço admite criar receitas para quem é alérgico a ovos ou farinha. O açúcar, corantes e cremes especiais é que não podem faltar.

17 Fev 2017

Rui Carreiro trouxe marca Fátima Lopes para Macau

Fátima Lopes chega a Macau pela mão de um seu conhecido: o multifacetado Rui Carreiro. O açoriano vende pequenas quantidades de sapatos da estilista portuguesa, principalmente a clientes mais fiéis. Um negócio de proximidade a meio mundo de distância da linha de produção

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] venda dos sapatos da marca Fátima Lopes são como um pequeno rumor, que passa de boca em boca. É assim que funciona o negócio do açoriano de gema, “com sotaque”, Rui Carreiro. Relação directa com os clientes que, normalmente, são amigos, ou conhecidos. Quando interrogado sobre como caracteriza os fregueses, garante que “quem procura os sapatos da Fátima tem muito bom gosto”. A clientela é variada, um pot-pourri social. Tanto pode ser a senhora que trabalha num escritório, uma dona de casa, uma bailarina, passando pela empregada de bar e restauração. Por vezes, o boca a boca chega a desconhecidos. “Vendi três pares de sapatos a três australianas que estavam cá de passagem. Já me ligaram a perguntar quando tenho mais”, conta.

Rui é um homem dos sete ofícios e a venda de sapatos não é algo que faça como fonte primária de rendimentos, assim como o acolhedor salão de cabeleiro onde corta cabelos, que encara como hobby. Trabalha principalmente como wigmaster em espectáculos que passam por Macau e que o levam a viajar mundo fora.

Quando se soube que vendia sapatos de Fátima Lopes, o pequeno stock que tinha voou das prateleiras. Rui não tem uma sapataria, mas compra pequenas remessas de calçado da estilista portuguesa. Da mesma forma, não tem uma loja de roupa, mas é bem capaz de “daqui a uns meses ter dez camisas de homem para vender”. A ideia é colmatar pequenas necessidades dos clientes, até porque a oferta neste sector de negócio é limitada em Macau, na óptica do açoriano.

Tesouros de nicho

“O meu foco aqui é ter produtos portugueses, se for açoriano tem prioridade, como é lógico, via verde, não pára na portagem”, explica Rui. Como seria espectável, os sapatos tiveram grande aceitação. “Vendi-os logo na primeira semana, o que não é de estranhar porque já os trouxe a pensar no cliente final.”

Neste momento, prepara-se para fazer mais uma encomenda da próxima colecção, nos mesmos moldes, uma pequena remessa. “Como digo sempre, não é para massas, mas para um reduzido nicho de mercado, porque Macau é pequeno para um volume de negócio maior.” Não é essa a prioridade de Rui Carreiro, que vê na massificação uma perda de identidade, um “copy paste”, uma repetição ao estilo do fast food, o que poderia representar a “perda do nicho de mercado”. Além disso, a venda a retalho poderia retirar ao açoriano o prazer de “viajar e trazer algo novo, excitante”.

Senhora de Fátima

“Conheço a Fátima há algum tempo porque trabalhei em moda em Portugal.” Rui trabalhou como manequim, travou conhecimento com Fátima Lopes em Lisboa e também privou com a estilista enquanto produtor da Moda Açores. A relação nasceu daí, começou como profissional, mas tornou-se um pouco mais pessoal. “Normal quando dois ilhéus estão a viver em Lisboa. Não é como ser emigrado, estás dentro do mesmo país, mas tens falta das tuas raízes, falta-te também um bocadinho de colo e a Fátima, digamos, foi também um amparo”, recorda.

Foi assim que nasceu o pequeno negócio dos sapatos, de uma forma casual e amigável. Na última vez que Rui esteve em Lisboa encontrou-se com a estilista, que tinha relançado a linha de calçado. Almoçaram, puseram a conversa em dia, e Rui regressou a Macau com dez pares de sapatos. “Achei-os muito bonitos, essa é uma característica que tenho, não vendo nada que não goste.”

Quanto ao crescimento da marca Fátima Lopes em Macau, Rui não consegue prever o futuro. “Isso depende se fico em Macau, ou não. Estou cá há sete anos, que é aquele período em que a relação pode passar a ser ralação”, explica humorado. De qualquer forma, é uma marca que se vende a ela própria. A estilista tornou-se uma referência internacional, “até mais no exterior, do que propriamente em Portugal. Ela já está na China, conseguiu entrar agora, está na Austrália, Europa e nos Estados Unidos”.

Vem aí a próxima colecção e Rui venderá, novamente, um número limitado de pares. A ideia do açoriano é ir adocicando os clientes com pequenas preciosidades, ir buscar modernidade à tradição lusa e trazer magia a um punhado de fregueses.

15 Fev 2017

Ryoma Ochiai, terapeuta e DJ | O japonês suave

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]e existem pessoas que personificam aquilo a que se chama de “boa onda”, Ryoma Ochiai é, definitivamente, uma delas. Ar descontraído, sorriso sempre pronto a desatar em gargalhada, tudo atributos que já se podem ver no seu pequeno filho, Gil. Vive em Macau há quase seis anos. “Cheguei em Março de 2011 para ver como era o panorama dos cafés na cidade, vim apalpar terreno, conhecer esta área”, conta.

Chegou com um amigo que lhe pediu ajuda para abrir um café na cidade. Tudo começou assim, por acaso, com a leveza que o caracteriza. A sua natureza de ávido viajante foi a porta de entrada na região, esta abertura de espírito valeu-lhe o convite profissional. Tinha andado um pouco por toda a Ásia, no seu estilo, mochileiro, calcorreando a Índia e a Tailândia, por exemplo. Mas Macau sempre lhe escapou no itinerário. Em criança, Ryoma tinha visitado Hong Kong com os pais, mas nunca tinha passado para este lado que, na sua opinião, “é totalmente oposto”. Quando veio foi para ficar.

“Apesar de não saber chinês, gosto muito da cultura, mas não sabia absolutamente nada de Macau, não li, não pesquisei antes de cá chegar”, confessa o massagista. A chegada ao território fascinou-o mas também o deixou chocado. Toda a azáfama, a profusão de culturas, os excessos dos casinos. Principalmente a sensação de que os sítios mais tradicionais nunca são total e exclusivamente portugueses, ou chineses. Na sua opinião, aqui vive-se “uma mistura de culturas muito interessante”.

Partilhar felicidade

Uma das primeiras coisas que espicaçou os sentidos do japonês foi a comida. Apesar de gostar de tudo o que é gastronomia chinesa, e de em Macau esta ser um pouco diferente, já a conhecia. Mas a comida portuguesa era uma novidade. “É muito boa, e como vocês têm muitos pratos com arroz, para mim, enquanto japonês, é óptimo”, diz, com uma gargalhada sonora.

Quando veio para Macau, apesar de concentrado na abertura do café, fez alguns amigos DJs, da forma simples como as pessoas com interesses em comum se conhecem e juntam. Então, um dia, surgiu a oportunidade de organizar uma festa num local que já não existe: o Clube Lotus, no Hotel Venetian. “Foi muito bom, apareceu muita gente e a festa contou com muitos convidados e DJs internacionais.”

Nesta altura, a cidade era uma novidade para Ryoma. “Quando vim para cá tudo era novo, tudo era divertido, sempre a fazer novos amigos, a conhecer lugares novos, comida nova, era como estar em viagem”, lembra. Até que a dimensão de Macau o apanhou, mas nunca de uma forma opressiva, até porque esta cidade é especial, “é como um pequeno país, até tem leis diferentes”.

Em termos profissionais, Ryoma divide-se entre os pratos a passar música e as massagens que dá no Yoga Loft Macau. Enquanto estudava sociologia, Ryoma já fazia sets de DJ no Japão, ao mesmo tempo que trabalhava como recepcionista num centro de massagens tailandesas. As duas actividades continuaram ao longo da vida, assim como a intensa ligação à natureza e o prazer em viajar. Tudo se conjugou. Antes de se fazer à estrada pensou no que poderia fazer, em termos de trabalho, para arranjar dinheiro e esticar a viagem. Então, fez-se luz. Massagens! A resposta estava ao seu alcance. Aprendeu a massajar e foi mundo fora. “As massagens são boas porque, mesmo que não entenda a língua, posso sempre olhar para o corpo e ver o que se passa, tirar alguma lógica”, explica.

Voltando à vida de Macau, Ryoma sente que, como esta é uma cidade onde se pode fazer dinheiro, acaba por atrair pessoas que olham para o cifrão como a sua primeira prioridade de vida. Este não é o seu desígnio, “esteja no Japão, na Índia, ou aqui”. Claro que tem de fazer dinheiro para se sustentar, mas o seu objectivo “é tornar a vida excitante e partilhar com os outros”. Daí o prazer que sente em organizar festas, ou a fazer massagens. Seja à mesa, ou num clube de dança, o japonês quer partilhar algo fascinante, e tornar as pessoas em seu redor um pouquinho mais felizes.

10 Fev 2017