Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteRui Lourido, presidente do Observatório da China: “Hoje trabalha-se na Europa para se ser pobre” Rui Lourido olha para a China de hoje como um país que tem muito a dar à Europa e sobretudo a Portugal, onde os investimentos chineses continuam a ter uma conotação negativa que, segundo o presidente do Observatório da China, é preciso combater. Rui Lourido diz que hoje há uma maior garantia dos direitos laborais na China, por oposição a muitos países europeus Os ministros do anterior Governo português realizaram várias visitas oficiais a Macau. É um território que recebe hoje uma maior atenção de Portugal face aos anos anteriores? Penso que estamos numa nova fase de Macau, graças ao desenvolvimento enorme trazido pelo Governo de Macau em vários níveis, e também da sua influência na China. A [RAEM] é uma cidade que tem também conseguido uma expansão da sua influência, por ter conseguido estabelecer aqui o Fórum Macau. A defesa do património tem sido coerente e tem permitido apresentar a recuperação de edifícios antigos. O governo português fez um óptimo trabalho também a esse nível, na feitura de museus e na recuperação do património religioso, mas o Governo chinês da RAEM tem sido exemplar a esse nível. Tem inclusivamente alargado a preservação da calçada portuguesa em ruas onde esta não existia anteriormente. O património e a influência de Macau foram áreas de grande sucesso e a integração de quadros que vêm da própria China permitem trazer para Macau uma outra influência. Esse diálogo entre o continente e as regiões administrativas é uma mais valia. Foi também um sinal de inteligência política ter conseguido transformar Macau numa cidade que é património mundial da humanidade e também a criação do Fórum Macau a continuar e a aumentar as relações com a lusofonia, nomeadamente com o Brasil. Considera então que o Fórum Macau tem desempenhado bem o seu papel? Não digo que tem desempenhado o que podia desempenhar. O que digo é que a existência do Fórum Macau é extremamente positiva, é uma mais valia para o território porque diz aos territórios da China que os chineses de Macau têm uma mais valia que as outras regiões chinesas não têm. Há uma ponte com a Europa, com África e a Lusofonia. Isso valeu no século XVI, é por isso que Macau existe, e sempre foi uma presença pacífica e por mútuo acordo, que foi continuada numa outra vertente pelo actual Governo da RAEM que, compreendendo esta peculiaridade de Macau, a apresenta na própria China como uma forma de ter um outro palco político e uma outra visibilidade. E aí também Macau pode desenvolver-se de forma mais intensa cultural e economicamente. É necessário esse desenvolvimento, já que Macau é a cidade do Jogo por excelência? Penso que não só e fundamental como é urgente. É urgente que Macau diversifique as áreas económicas, é uma preocupação do Governo e do próprio Governo Central e isso é importante para a sustentabilidade do desenvolvimento económico e urbano de Macau. O peso dos casinos é excessivo porque na realidade a grande parte da população trabalha [lá] e há que encontrar alternativas nas actividades das indústrias criativas. Em muitos países as actividades das indústrias criativas ocupam já uma parte importante do seu tecido económico. Áreas de edições, de turismo, que não tenham a ver com o Jogo. E a área cultural, porque Macau é uma sociedade multiétnica que é, em si própria, uma mais valia para o tecido urbano e económico da cidade. Talvez na área cultural o Fórum devesse ter um papel mais activo, na transmissão da cultura milenar chinesa e das características de Macau na lusofonia. O Fórum podia pensar não só pensar em iniciativas económicas e empresariais mas organizar também iniciativas que levassem uma ópera de Pequim, um grupo de teatro. Isso permitia combater a percepção que há na Europa de que “enfim, vêm aí os chineses que compram tudo”. Em Portugal há uma ideia de que as empresas chinesas estão a investir em tudo e isso é encarado com um certo negativismo. É preciso combater esse sentimento? Sim, é necessário combater no sentido em que é preciso ser realista. Na realidade os povos sempre circularam. Os europeus são indo-europeus, todos os povos que temos na Europa vieram de zonas euro-asiáticas e esquecemos essa origem multiétnica. A população portuguesa tem tido uma estabilidade que é agora questionada pelas novas populações e emigrantes e também homens de investimento. Vieram da Europa do Leste, da América Latina e agora temos o chinês. O Observatório da China rapidamente compreendeu que necessitava de ter um papel de divulgação cultural no sentido de ultrapassar essa visão do desconhecido da Europa e de Portugal sobre a China. É esse desconhecimento que leva à aversão, à recusa daquilo que é diferente de nós. São reacções naturais da população europeia, mas que não são aceitáveis. Rapidamente começamos a organizar vários projectos (ver texto secundário). A China hoje em dia tem um crescimento de 7%, mas mesmo que desça é um crescimento imenso que não tem outro país na Europa. A própria economia chinesa contribui para o desenvolvimento da economia do mundo. Mas essa economia tem gerado questões sociais dentro da própria China, sobretudo com a questão da poluição. Podemos ver uma maior separação entre a sociedade e o sistema político? Naturalmente que sim e todo o Ocidente andou desde a revolução de Mao Tse-Tung a exigir à China que se abrisse ao mundo e que se tornasse capitalista. E quando essa nova política se implantou e essa abertura se concretizou, claro que as diferenças entre ricos e pobres aumentaram, mas esse era um objectivo do Ocidente, para poder vender os seus produtos na China. Se todos tivessem o mesmo nível de desenvolvimento na China não era possível termos uma classe média com poder de compra. Não podemos ter dois pesos e duas medidas e sermos hipócritas e dizermos “vocês estão a ser demasiado capitalistas”. Naturalmente que as diferenças sociais têm-se ampliado, mas isso é uma coisa à qual os governos têm de ter atenção, porque para o desenvolvimento ser sustentável há que dar poder de compra às pessoas e aumentar os salários mais baixos. O que assisto na China é isso: há um salário mínimo estabelecido para o campo, outro maior para as cidades e existe um quadro jurídico que a pouco e pouco se vem desenvolvendo e que dá mais garantias aos cidadãos. Isso é uma coisa que no Ocidente vem regredindo. Na China há direitos de manifestação e salariais, em Portugal e noutros países da Europa tem-se degradado o grau de sindicalismo, de correspondência entre horários e o salário. Acha-se normal pagar às pessoas com recibos verdes ou salários abaixo do salário mínimo. Há diferenças, portanto… Hoje em dia trabalha-se na Europa para se ser pobre, passa-se fome em muitas famílias. Há que ter a noção da realidade: a China está a conseguir ampliar o nível das pessoas que acedem a um nível médio de riqueza, e a classe média está aí para mostrar isso. Cem milhões de pessoas na China saíram do limiar da pobreza. É preciso desenvolver a liberdade de expressão e com a presença dos intelectuais e de todos aqueles com espírito crítico para que haja uma renovação sustentável. Ao nível do ambiente, vem sendo degradado desde há 40 anos. O próprio Governo Central pôs o ambiente como um objectivo prioritário nos seus planos quinquenais. Numa sociedade evoluída há sempre contradições, mas o que é preciso é que a sociedade civil esteja atenta, com a sua massa crítica, e contribua para chamar a atenção. Mas não deixa de ser interessante observar que nos últimos anos os chineses procuram sair do seu próprio país. Isso revela o desejo de conhecer o mundo, aliado ao desenvolvimento económico, ou é uma forma de mostrar descontentamento? É uma tendência das classes médias de tentarem buscar para os seus filhos aquilo que concorrencialmente é o que dá mais instrumentos a uma ascendência social e a uma sociedade de elite. Os chineses regressam, como regressaram aqueles que hoje estão a ocupar cargos na área cultural e até da administração. Aqueles que trabalham nas áreas científicas, culturais e até na Administração são os chineses que estudaram na América e exterior e regressaram. Mas há na realidade uma sociedade civil mais atenta e isso é um factor positivo. À medida que vai surgindo um maior conhecimento, a cultura traz sempre a inquietação e um maior conhecimento de nós próprios. A saída de turistas chineses e de cidadãos chineses é um óptimo factor porque desenvolve o turismo europeu e as nossas economias e porque trazem ideias novas e também a sua cultura. A Europa tem de se adaptar à forma de vida na China. Na China nunca se viveu tão bem como agora, e dizemos que o mundo está em crise, mas está em crise o modelo ultra financeiro seguido no Ocidente… Se calhar continua-se a pensar muito a Ocidente e muito pouco a Oriente. Exacto. Dez anos a aproximar culturas A comemorar dez anos de existência, o Observatório da China transformou-se de uma plataforma de académicos para uma entidade que tenciona aproximar mais a China a Portugal. “Recebemos o Governo de Cantão e de Jiangsu e ambas as regiões pretendem estreitar relações com Portugal e com o mundo lusófono. O Observatório da China tem esta vocação cultural e vai levar a ópera de Cantão a Portugal em Dezembro, para além de organizar o segundo Festival Internacional de Cinema Chinês e do Olhar Lusófono em Outubro. Também vai decorrer em Outubro uma conferência para discutir em que medida a Europa pode participar no projecto que a China apresentou “Uma faixa, uma rota”, disse ao HM Rui Lourido. Outro projecto do Observatório da China, disponível online desde o ano passado, é a biblioteca digital de Macau, com obras digitalizadas e disponíveis de forma gratuita, correspondentes aos séculos XVI a XIX. “Trata-se de um manancial tão diversificado que permite estudar a história de Macau nesse período e também os sítios por onde os portugueses navegaram até chegar aqui. Este projecto pretende aproximar Macau ao mundo”, disse Rui Lourido. A Fundação Macau apoiou financeiramente esta biblioteca.
Joana Freitas Eventos MancheteGil Mac, músico, designer e performer, apresenta “Oráculo” Está em Macau para o Rota das Letras e traz consigo um projecto inovador e único, que o vai levar numa viagem irrepetível e muito pessoal. Gil Mac apresenta “Oráculo” de sexta-feira a domingo no antigo tribunal, mas não sem antes revelar o seu lado de músico, artista e investigador da vida de Camilo Pessanha – uma “obsessão” que nasceu aqui [dropcap]D[/dropcap]esigner, músico, encenador, performer… Por onde é que começamos exactamente, qual o pontapé de saída de Gil Mac no mundo das Artes? Sempre no mundo da música e como designer gráfico. Desde pequeno que comecei com bandas e, depois, fui estudar Design Gráfico. Mas mantive sempre essa relação entre música e design. Fui fazendo isso tudo até que entrei no CITAC [Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra] há uns dez anos e intensifiquei muito a performance e é nisso que tenho trabalhado, na área de teatro. Sou um artista que trabalha nessas três áreas e vou mudando e faço-o em projectos individuais ou para a minha associação, para a qual trabalho muito, a DEMO. E para outras companhias. A sua orientação, especialmente ao nível do projecto musical Lucifer’s Ensemble, é um pouco ligada ao oculto, ao misticismo. Porquê esse interesse? Sim, sim. Não sei, nasceu ao mesmo tempo que estava no CITAC e estávamos a fazer um espectáculo chamado ‘Divodignos’, que era uma sociedade secreta em Coimbra e, essa investigação, fez com que tentássemos perceber os mistérios – porque aquilo passava-se no princípio do Séc. XIX – e, a partir daí comecei a desenvolver mais conhecimento e a estar ligado com o oculto, com esta curiosidade. Isso atrai o público? Acho que há muita gente ligada [ao oculto] e que tem essa curiosidade, outros têm algum receio. Como, para mim, esse esoterismo não é algo astérico, mas sim vontade do conhecimento. De certa forma, a procura do desconhecido, de alguma coisa que não é palpável. Esse mergulho é interessante, especialmente numa fase criativa. Mas, adicionalmente é a procura do conhecimento e, de alguma forma, o estar vivo e partilhar momentos com pessoas. Mas, por outro lado, as pessoas têm algum receio dessa experiência, da relação com algo não palpável, relacionam com o burlão, com o folclore de magia negra, algo que cria um afastamento. Mas não tenho tido muito esse problema. Acho que o público vem, de alguma forma, preparado. Aqui vai apresentar o “Oráculo”, uma “performance interactiva”, com Tarot e com Camilo Pessanha. O que é o “Oráculo”? Primeiro, é uma espécie de obsessão que nasceu quando vim a Macau para um projecto chamado CODE, que ia fazer em Hong Kong e a Babel (organização) propôs que fizesse cá. Há muito pouco tempo que percebi que tinha, realmente, esta ligação ao oculto. Mas começou por uma obsessão com Camilo Pessanha, quando voltei a Macau em 2014. Comecei a investigar e vi Camilo Pessanha ligado a Macau. Na Fundação Oriente fiz um curso de Xilogravura da China e, em Lisboa, fiquei nos ‘calabouços’ a estudar Pessanha e a China. Como sou designer gráfico, e estou muito mais ligado à imagem, fiz uma compilação da minha investigação em postais para apresentar numa primeira actividade onde ia fazer num projecto chamado INSCRIÇÃO, que foi no Porto, sobre o universo de Camilo Pessanha. Nos postais mostrava a vida [do poeta]. A viagem era interessante, ainda que longa, mas ao fazê-lo percebi que poderia criar um conteúdo aleatório – duas ou três imagens poderiam relacionar-se com as várias histórias dentro desta história. Comecei a fazer investigação sobre o Tarot e converti os grandes arcanos [22 cartas maiores no Tarot], são os grandes arquétipos, como se fossem os trunfos, que contam a história do Louco. Basicamente é a história dele, que tem o seu próprio caminho. Isto é como se fosse a viagem de Pessanha, que, em representação aqui será o Louco, o primeiro. Depois temos o universo dele, ligado a cada uma dessas cartas. Nessa viagem vamos ter Fernando Pessoa, Orpheu… Vamos passar pelos Poetas Malditos, a geração de Orpheu, Baudelaire, que será o Mago… Esta sessão será para uma a duas pessoas. Porquê? Sim, porque tem a ver com a relação do Tarot e de proximidade. Essas duas pessoas terão de ser próximas, íntimas e ter, de alguma forma, alguma relação porque o Tarot é eficaz quando se responde a uma pergunta – uma vontade, uma inquietação, um desejo. Depois passaremos para a fase de o que Camilo Pessanha teria para dizer à pessoa (risos). Nos diversos projectos de que faz parte, como o DEMO, há uma interligação de diversas artes – desde a encenação à música, ao grafismo. No meio artístico é necessário existir essa interligação? A multidisciplinaridade, para nós, é um ‘statement’. No DEMO, as siglas são “Dispositivo”, “Experimental”, “Multidisciplinar” e “Orgânico”. Por causa disso mesmo, uma tentativa de direcção artística onde se criam objectos artísticos e onde o grupo é multidisciplinar, de várias áreas. No Lucifer’s Ensemble vocês têm também esse cruzamento, os vossos concertos são também uma performance. Lucifer’s Ensemble é também uma tentativa de multidisciplinaridade. Criar não uma peça de teatro musical, mas sim fazer um concerto performático. Já tínhamos trabalho partindo da influência da música com o projecto PRESENÇA. Com este, o formato é mais aproximado de um concerto, mas com grande performatividade. É mais fácil que as pessoas entendam o que se está a passar em palco com essa performance além da música? Lucifer’s Ensemble trabalha numa tentativa de transcendência, em nada há interactividade. O público é voyeurista. Há uma divisão completa entre um espaço e outro, as pessoas estão a ver uma cerimónia, estão em comunhão nessa cerimónia, mas há, de alguma forma, uma separação porque estamos a tentar trabalhar sobre essa relação de transcendência. Há esse ritual iniciático que desenvolvemos a partir de uma nova interpretação, uma nova forma de trabalhar essa performatividade a partir do ritual. E depois tens os vários momentos, as várias músicas, onde se podem ir vendo as transformações. Mas há sempre o cuidado de adaptação ao espaço onde vamos fazer o concerto e aos ambientes. Tem sido um trabalho muito interessante. Não ensaiamos como uma banda normal, criamos em blocos de residência, que vão fazer com que haja composição e se trabalhe nesse espaço [do concerto], onde temos sempre um artista convidado. Trabalhamos sempre com um artista [novo] para nova música e trabalhamos no espaço para [nos adaptarmos a ele]. E vamos iniciar agora o primeiro Clube do Oculto, que é uma tentativa de arranjar projectos convidados para essa cerimónia, para esse espectáculo, onde ocupamos sempre um espaço diferente. Não tem regularidade nenhuma, é espontâneo. Um dos pontos que defende é ter a arte como intervenção urbana. De que forma? Venho da música e essa será sempre uma alternativa e a [minha] arte também está muito ligada à ‘street art’. Logo no princípio da DEMO, num projecto que fizemos em Varsóvia e se chamava Russian Roulette, tínhamos essa intervenção – um telemóvel com uma aplicação que tinha um ‘revólver’ e uma única ‘bala’ e se jogava com uma webcam em directo na net. Durante seis semanas havia seis performances diferentes e, ao sexto dia, tínhamos uma performance ligada a temas da sociedade e ao tema de ‘um estranho num lugar estranho’ – houve um dos dias que um colega nossa [o artista] recebeu ‘a bala’ e o tema seria os média. A pergunta que tínhamos de responder era como é que um cidadão tem voz no espaço público, como consegue atingir os média. Fizemos isto cá no Fringe, em 2014, onde andávamos na rua a perguntar às pessoas o que tinham para dizer sobre [diversos temas], em espaço público. Mas também trabalhamos muito numa relação de propaganda, que tem a ver com posters de grande dimensão. É conseguir fazer algo que está na franja da ilegalidade e da ‘street art’, onde, de alguma forma, não estamos a ferir o património, mas comunicamos no espaço público. Estiveram no Fringe cá em 2014. Sentiram participação do público nesse projecto? O público chinês é tido como um público tímido, que não expressa o que sente sobre o que vê. Sentiram isso? Sim, são públicos difíceis de atingir. É difícil de explicar, acho que há essa inibição no princípio, e claro que há a questão da língua que deixa as pessoas mais nervosas, mas depois há esta tentativa de as pessoas continuarem a falar e cria-se mais proximidade e há, parece-me, vontade de que se exprimam. Não consigo responder a essa pergunta porque é quase uma relação sociológica e com as artes e a própria cidade. Não consegue avaliar o ambiente cultural de Macau? [Comparado] com onde venho, com a Europa, parece-me escasso. Mas não sei, acho que Macau é fascinante pela fusão de culturas e eu teria, pela minha natureza, tentado forçar mais os limites e a relação dessa mescla. Por acaso, no projecto que fizemos [no Fringe] foi muito fixe, porque fizemos workshops no Armazém do Boi e encontrámos uma população jovem chinesa politicamente envolvida e isso deu-me uma esperança muito grande. Ao mesmo tempo estava a acontecer o Occupy [em Hong Kong] e isso era muito próximo ao trabalho que estávamos a fazer cá, da relação com o espaço público. Mas é difícil responder a essa pergunta, é uma realidade diferente e complexa. Mas fascinante. Há mais projectos na calha aqui para Macau? Dizia que gostava de trazer cá o Lucifer’s Ensemble. Com certeza, queremos que o Lucifer’s Ensemble vá a todo o lado. Agora, neste momento estou envolvido com o projecto INSCRIÇÃO, com esta obsessão de Camilo Pessanha, que fez com que ele chegasse ao Orpheu. Trabalhamos muito já sobre o Futurismo e vamos continuar, até chegamos ao Portugal Futurista e criámos um espectáculo chamado Hidra e Orpheu, que era o que era para vir cá. Mas não tivemos apoios, não conseguimos as viagens e o Festival [Rota das Letras] também não conseguia suportar as viagens desse grupo [Hidra]. Mas estamos com muita vontade, e o Festival também, de o trazer para o ano. É muito interessante, seriam dois grupos sempre em movimento, com várias performances, aqui [no tribunal] ou na rua. Vamos conversar para planear. Em relação ao Lucifer’s, gostaria muito, mas como está ligado mais à arte sonora e à tecnologia estou a pensar propor ao This is my City. Gosto muito do Armazém do Boi também, acho incrível. Vontade de estar aqui tenho. Camilo Pessanha é, como já disse, uma obsessão. Já visitou a campa aqui? E sente essa presença de Pessanha em Macau? Já visitei e, simbolicamente, desta vez, viajei para cá no dia da morte dele (risos). Quando me perguntam o que procuro em Camilo Pessanha costumo responder, de forma intuitiva, o fantasma. Sinto-o, por vezes, nas ruas escuras da parte velha chinesa, que é o local que me agrada mais em Macau. É difícil porque quando estudamos [a vida dele] começamos a imaginar uma época e é muito difícil abstrairmo-nos do Macau onde vivemos agora. Conseguimos ter alguns enquadramentos onde imaginamos a vivência dele, mas é uma relação com a história, uma imagem a preto e branco (risos). Há algum saudosismo que não é de um Macau como este de agora.
Flora Fong Manchete SociedadeColoane | Novo Macau dá directrizes a Chui Sai On A Novo Macau entregou um documento que mostra a Chui Sai On as leis que deve ter em conta para suspender o projecto de luxo que vai nascer em Coloane. Isto porque o Chefe do Executivo disse não saber as bases legais para, eventualmente, bloquear o empreendimento [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Chefe do Executivo, Chui Sai On, recebeu ontem da Associação Novo Macau (ANM) um documento que faz referência à Lei do Planeamento Urbanístico, para mostrar quais as competências que cabem ao Chefe do Governo quanto à construção de um edifício de luxo em Coloane. A entrega do modelo de despacho surge porque o líder do Governo disse não saber que bases legais tem para, eventualmente, bloquear o empreendimento de luxo que poderá nascer na Estrada do Campo e que vai tapar uma das colinas de Coloane. Scott Chiang lembrou que, na semana passada, Chui Sai On afirmou “não saber o conteúdo do relatório de avaliação ambiental”, para além de “não dominar as competências discricionárias para exercer este acto”. Esta resposta foi dada a Lam Iek Chit, membro do Conselho do Planeamento Urbanístico (CPU), que pediu ao Chefe do Executivo para travar o projecto. Segundo o presidente da ANM, Chui Sai On tem toda a responsabilidade legal sobre os trabalhos de elaboração do plano director da zona e deve utilizar a sua competência para bloquear a emissão da licença de obra, a qual ainda não foi feita pelos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT). “A ANM está surpreendida com o domínio das questões jurídicas por parte do Governo e apela ao Chefe do Executivo para que cumpra a sua responsabilidade de proteger a natureza em Coloane”, referiu Scott Chiang. O presidente da ANM disse ontem que a Associação espera que Chui Sai On tome medidas de prevenção para bloquear a emissão de licença da obra. Caso contrário, a ANM admite realizar uma votação junto da sociedade sobre o assunto. O documento ontem entregue na sede do Governo é um modelo de despacho e regulamento administrativo relacionados com a Lei do Planeamento Urbanístico que permite ao Chefe do Executivo suspender o projecto, incluindo a emissão da licença da obra e princípios na área da protecção ambiental. Está complemente feito e, diz a ANM, só falta ser assinado pelo líder do Governo. Colinas tapadas Entretanto, foi fornecido ao HM um esquema que demonstra que a construção do empreendimento do empresário de Sio Tak Hong vai ter “um grave impacto nas colinas de Coloane”. De acordo com o esquema, as colinas de Coloane onde o empreendimento vai nascer – e que actualmente têm 128 metros – vão ficar tapadas pelo prédio de luxo, sendo que apenas 28 metros vão ficar à vista, pelo menos na torre mais alta, que poderá ter, segundo o anteprojecto e aprovação pelo Governo, cem metros de altura. “Vamos ter outra situação igual à Taipa, onde as montanhas foram completamente tapadas”, refere fonte que forneceu o esquema ao HM.
Joana Freitas Manchete SociedadeFundação Macau | Novo centro pronto em 2018. Mais de 70 mil metros quadrados A Fundação Macau dá mais detalhes sobre a construção de um centro multifuncional: vai nascer até 2018, ainda que não haja data para o início das obras, e vai ser feito através de concurso público. Terá mais de 70 mil metros quadrados, divididos em auditório, sala de reuniões e convenções e outros espaços Ainda não há orçamento para a construção do novo Centro Multifuncional e Edifício de Escritórios que vai nascer junto ao Centro de Ciência, mas a obra será adjudicada através de concurso público. É o que garante a Fundação Macau, responsável pelo projecto, numa resposta ao HM, onde explica ainda que a obra deverá estar concluída até 2018 e vai ter mais de 70 mil metros quadrados. “De acordo com o plano preliminar deste projecto, pretende-se construir no terreno onde funciona o parque de estacionamento sem cobertura do Centro de Ciência um complexo multifuncional que poderá disponibilizar instalações adequadas para convenções, exposições e actividades culturais, assim como escritórios”, começa por explicar o organismo. Neste espaço vai nascer “um auditório multifuncional com capacidade para mil pessoas, salões de convenção e exposição, escritórios e um parque de estacionamento em cave”, sendo que a área de construção é de 70.100 metros quadrados. A Fundação Macau prevê que a obra esteja concluída no final de 2018 e o projecto vai ter em consideração “a ligação visual com o design do Centro de Ciência, o planeamento urbano e a poupança de energia verde”. Mãos na obra Tal como o HM já tinha avançado a empresa responsável pelo projecto é a P & T Architects and Engineers Limited, responsável por obras de grande envergadura em Macau como o edifício do Banco da China, o antigo Hotel Westin, o edifício do Posto Fronteiriço de Macau da Ponte Hong Hong – Zhuhai – Macau e o próprio Centro de Ciência. Para este projecto recebe 60 milhões de patacas. “A elaboração do projecto iniciou-se recentemente e o mesmo, quando concluído, será submetido à aprovação dos serviços públicos competentes”, explica a Fundação, que diz, contudo, que “como a data de início e o custo da obra dependem da versão final do projecto aprovado, não pode, neste momento, responder sobre a data de início e o custo da obra”. Pode, “isso sim, garantir que a obra será adjudicada através de concurso público”. A construção do novo complexo pretende colmatar a falta de espaços e acabar com parte dos arrendamentos em edifícios comerciais privados.
Flora Fong Manchete SociedadeIC | Réus e testemunhas negam revelação de dados secretos Stephen Chan e Lei Man Fong, os dois funcionários do Instituto Cultural (IC) que vão acusados de abuso de poder pelo Ministério Público, negaram ontem ter revelado quaisquer informações para que uma empresa de uma familiar do primeiro arguido vencesse um concurso público. Testemunhas do caso também negam que tenha havido transmissão de dados [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]sessão no Tribunal Judicial de Base (TJB) continuou ontem, com o juiz Lam Peng Fai a dirigir o julgamento que tem o ex-vice-presidente do IC como principal arguido. Stephen Chan é acusado de ter dado informações que beneficiaram a empresa do irmão, a Empresa de Engenharia Vo Tin, para que esta vencesse mais de meia dúzia de concursos públicos em adjudicação de serviços. Lei Man Fong é acusado de ajudar o superior a fazê-lo, mas ontem, ao lado de testemunhas, defendeu que nunca revelou ou recebeu as informações sobre as cotações das outras empresas candidatas antes ou durante os concursos públicos do IC. No entanto, segundo a acusação, no computador da empresa foram descobertos documentos que pertencerão ao IC. Os serviços adjudicados diziam respeito à manutenção de instalações da Biblioteca Central de Macau e a instalação de electricidade e de iluminação básica e monitorização na Casa do Mandarim, em 2008. Stephen Chan era presidente da comissão de selecção dos concursos públicos, mas não terá pedido para ser retirado da função por conflito de interesses. Ontem foi questionado sobre quem do IC é que fez a lista de comparação de preços das cotações das empresas candidatas, mas o arguido disse não saber exactamente quem foi, garantindo apenas que foi o chefe do Departamento do Património Cultural – na altura Cheong Cheok Kio – quem distribuiu os trabalhos aos funcionários. Stephen Chan disse ainda que “nunca conversou” com o seu irmão sobre o seu trabalho. Lei foi questionado sobre onde guardou os documentos dos concursos públicos e este respondeu que “normalmente guarda no seu computador onde outros não podem aceder”. Contudo, referiu, “quando acabam os concursos públicos e as informações não são secretas, guarda-os no servidor comum”. Toca a copiar Chan e Lei confirmaram que também o irmão de Stephen Chan, Chan Koi Seng, e o seu patrão, Sou Tong Hang, “foram ao IC copiar as informações das cotações das outras empresas”, mas depois de já terem acabado os concursos públicos. Lei afirma, no entanto, que depois de 2005, outros departamentos do Governo permitiam que isto acontecesse, apenas para que as empresas candidatas soubessem qual a diferença dos preços a candidatura. Lei diz ter considerado isto “normal” e não ter, por isso, avisado os superiores. O primeiro concurso público para a prestação de serviços de manutenção de instalações da Biblioteca Central de Macau foi cancelado porque outra empresa candidata entregou uma cotação atrasada. O IC, dizem ainda os arguidos, também considerou que o concurso devia ser melhorado e decidiu repeti-lo. O MP suspeita que foi isto que permitiu que, no segundo concurso público, a empresa Vo Tin mostrasse uma cotação muito inferior à das outras empresas – a primeira proposta foi de quatro milhões e a posterior foi de 1,9 milhões. Stephen Chan “não se lembra se a comissão de selecção discutiu isso” e Sou Tong Hang, dono da empresa, disse também não se recordar. Momento verde Stephen Chan disse também que não levava documentos do trabalho para casa e assegura que “não estava a acompanhar muito os trabalhos de concursos públicos em 2008”, estando apenas focado em “elaborar políticas”. No entanto, o MP diz que em casa do irmão de Stephen Chan foram descobertos papéis com o logótipo do IC. Stephen Chan diz que esses papéis eram “de reciclagem” e foram entregues a outros locais para que se poupasse papel “como forma de protecção ambiental”. Sou Tong Hang, dono da empresa Vo Tin, assegurou ontem que o irmão de Stephen Chan é apenas funcionário e não sócio da empresa e trabalha como engenheiro, ainda que num cargo de gestão. Contudo, referiu, o seu pagamento salarial não é fixo. Sou Tong Hang defendeu ainda que “nunca ouviu Chan Koi Seng dizer que poderia ter benefícios” face a obras do IC, porque o seu irmão trabalhava no organismo. O preço certo Sou Tong Hang foi questionado pelo MP sobre se o irmão de Stephen Chan sugeriu baixar os preços das cotações para a candidatura. O empresário diz que os preços foram decidiram por ambos, mas não se lembra se o irmão do vice-presidente sugeriu realmente os montantes. No computador do escritório da empresa, foram descobertas listas onde estão os preços das empresas candidatas aos concursos públicos, com o logótipo do IC. Mas tanto Sou Tong Hang como Chan Koi Seng defenderam que a lista foi feita por eles, com base nas informações copiadas no IC após o término dos concursos públicos. O juiz, contudo, disse que essa lista “não parece feita por eles” e que os papéis parecem, sim, “internos do IC”. A sessão continua na próxima quarta-feira
Hoje Macau Desporto MancheteAntónio Aguiar | Presidente da Associação de Patinagem de Macau A Associação de Patinagem de Macau anda feliz pois tem um pavilhão novo onde praticar. Para trás ficam as más recordações do piso do D. Bosco que servia mais para gerar lesões do que para rodar. Até já conseguem organizar torneios Internacionais, o que vai acontecer de 23 a 27 de Março. Uma conversa com o presidente, António Aguiar, onde ficamos a saber que o hóquei tradicional vive no limite da sobrevivência mas a versão em linha está em plena explosão Têm um novo quartel general ao que sabemos… É verdade, depois de muitos anos à espera finalmente temos uma casa para a patinagem – é o antigo pavilhão da Universidade de Macau. Que vantagens estas novas instalações vão trazer ao desenvolvimento da modalidade? Em primeiro lugar o piso. O D. Bosco era o pior possível, agora temos um piso próprio. Antes tínhamos imensas lesões por causa disso. Mas era lá que fazíamos tudo, mesmo jogos internacionais. Estávamos confinados ao D. Bosco e isso prejudicava-nos a evolução, as rodas prendiam, os miúdos desanimavam… Por outro lado, temos mais tempo para treinar e organizar competições. No D. Bosco estávamos limitados a quatro dias por semana e duas horas por cada um desses dias. Oito horas por semana para todas as selecções de hóquei, tradicional e em linha. Era manifestamente pouco. Quantos atletas estão envolvidos nas diversas modalidades? Cerca de 300 contando com as escolas de patinagem. As escolas onde ensinamos os miúdos a patinar, sobretudo miúdos. Depois seguem para as outras modalidades, hóquei e corrida. Vão às escolas ensinar? Sim. Neste momento estamos no Colégio Anglicano, na Escola Portuguesa, onde vamos começar agora, no Yuet Wah e no Colégio D. Bosco. Com monitores profissionais? Temos quatro monitores profissionais contratados por nós que trabalham a tempo inteiro para a associação. Qual é o orçamento anual necessário para gerir todas essas actividades? Se excluirmos estes eventos extraordinários, como este torneio que aí vem e as deslocações a campeonatos internacionais, o orçamento regular, incluindo pagamento de pessoal, ronda as 800 mil patacas. Em termos de adesão de novos praticante para a modalidade. Qual é a situação? Isso é algo que nos satisfaz bastante. Esta associação viveu durante muitos anos exclusivamente do hóquei em patins e houve uma altura, ainda antes de 1999, em que era vista como uma associação quase exclusivamente de portugueses, sem qualquer capacidade de penetração na comunidade chinesa. Isso mudou entretanto? Mudou precisamente graças ao hóquei em linha. Por razões que eu não consigo explicar mas que penso ter a ver com o facto de ser muito mais fácil aprender a patinar em linha do que no patim tradicional. Nós estimamos que um miúdo de seis anos que comece a aprender a patinar, se lhe dermos um par de patins em linha, na segunda aula já se consegue manter de pé e andar um pouco, o que não acontece com o patim tradicional. O hóquei em linha está a destronar o tradicional. Sim, já destronou. Porque é que o hóquei tradicional se resume praticamente a Portugal, Espanha, Itália e Argentina? É a escola. Vem tudo da escola. Em Macau tivemos sempre uma equipa boa de hóquei porque sempre tivemos portugueses na base. E porque é que os outros países não desenvolvem a modalidade? Porque não é uma modalidade olímpica. E acha que alguma vez vai ser? Não. Experimentou-se uma vez nos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 92, como modalidade de exibição e correu muito mal. Qual foi o problema? As equipas participantes, especialmente as que referiu, queriam tanto ganhar para serem considerados os primeiros campeões olímpicos que as exibições foram terríveis. Ainda não existiam as regras novas de anti-jogo e houve vários jogos com as equipas a reterem a bola atrás da baliza e a acabarem sem golos. Isso não é normal no hóquei em patins. É muito difícil tirar a bola a um jogador de hóquei em patins. Não é como no futebol. A técnica é tudo. Um jogador virtuoso e tecnicista, como é o caso de muitos em Portugal, consegue ficar com a bola minutos se assim pretender. Nesta modalidade isso é uma eternidade e foi péssimo para o espectáculo. Se é mais fácil patinar em linha e temos uma escola de patinagem clássica porque é que Portugal não cresce no hóquei em linha? Em Portugal não existe. Mesmo. Nem equipa tem. A Espanha tem mas Portugal nunca quis investir nisso. As melhores são as de leste. Por causa do gelo? Sim, muitos jogadores jogam no gelo no Inverno e em linha no Verão. É mesmo muito diferente… Sim, são modalidades completamente diferentes. Aqui há uns anos fez-se uma experiência: permitir a jogadores praticarem hóquei tradicional com patins em linha. Foi um desastre. É perfeitamente incompatível. Se colocarmos dois jogadores ao lado um do outro, cada com o seu tipo de patins, a correr em direcção a uma bola no outro lado do campo, o de patins em linha chega lá muito antes mas enquanto tenta travar e controlar a bola o de patins clássicos chega e tira-lha. O hóquei em patins é um jogo de técnica pura. Quem não a tiver não consegue jogar. O hóquei em linha é um jogo de força e velocidade. Até porque nem é uma bola. É um puck. Então se quisermos comparar o número de praticantes em Macau nas duas modalidades? Quem tem mais? O hóquei em linha, claro. No hóquei em patins jogadores preparados para competir não temos mais de 15. Muito poucos porque a renovação não tem sido feita. E estamos a utilizar jogadores com 40 anos e mais… E o que vai acontecer? Os campeões asiáticos vão desaparecer? Nos próximos cinco a seis anos ainda temos garantia de termos equipa. E trazer jogadores de fora? Têm de ser residentes para jogar na selecção e isso dificulta. E se começarem já? Já tentámos trazer jogadores que depois acumulavam as funções de monitores de patinagem mas não funcionou. Tivemos vários problemas de adaptação e resolvemos não continuar nessa política. Era um esbanjar estúpido de dinheiro. Qual a solução? Investir nalguns miúdos da Escola Portuguesa que treinam connosco. Então isso quer dizer que os campeões asiáticos estão em risco de extinção… Não! Enquanto cá estiver isso não vai acontecer. Nem que tenha de os ir buscar aos patins em linha (risos). E digo mais: já se colocou essa possibilidade várias vezes e demos sempre a volta. Como darão a volta? Com os miúdos. Neste momento, de entre cada dez que temos a aprender a patinar, nove vão para o inline. Mas um em dez já chega. Mantemos é sempre o hóquei em patins no limiar da sobrevivência, ai isso sim. Mas acabar não. Recuso-me liminarmente a utilizar esse termo. Perspectivas para o próximo campeonato asiático Renovar o título. Quais são os principais concorrentes? O Japão, Taiwan e talvez a Índia. Mas nunca se sabe com a Índia, porque apesar de terem uma base de recrutamento grande, estão sempre a mudar de equipa, sempre a começar de novo. Às vezes aparecem com uma equipa forte, outras vezes não. Acontece sistematicamente. E como treinam, então? Entre nós. Tem de ser. Por isso precisamos destes torneios internacionais. Às vezes vamos a torneios fora como fomos a Montreux duas vezes. Mas é de vez em quando. De dois em dois anos, de três em três anos… é esporádico. Nesta zona do mundo não temos com quem jogar. Para melhorarmos o nível de forma consistente temos de treinar com equipas iguais ou mais fortes e todas elas estão muito longe. O centro competitivo do hóquei em patins é a Europa e a América do Sul e isso sai muito caro. E o hóquei em linha? Quais as perspectivas? Ir subindo e transformarmo-nos numa equipa com ambições sérias. Começámos há cinco anos e no último mundial, no ano passado, ficámos em 14º lugar entre 18 equipas. Ainda estamos na metade inferior da tabela, o que quer dizer que temos muita margem de progressão. Vamos ver como vai ser o mundial em Itália em Junho deste ano. E o asiático, em Outubro, na China. No último ficámos em 6º entre nove equipas e na Ásia há equipas muito fortes como a China, campeã asiática e Taiwan vice-campeã. E vêm cá todas no nosso torneio da Páscoa, escolhemos equipas que nos podem dar luta, que nos podem ajudar a progredir. A equipa de hóquei em linha é maioritariamente composta por jogadores chineses? Todos. Nem um português. E porque é que os portugueses do hóquei clássico não vão para a modalidade? Já tentaram. Não dá. Torcem os tornozelos, as técnicas de travagem, de arranque, é tudo diferente. Nas classes mais jovens há portugueses porque, como lhe disse, a maior parte dos miúdos escolhe o inline. Mas não são tão bons como os chineses… Não. É curioso e até me atreveria a dizer, sem qualquer base científica claro, que é genético. Não consigo entender porquê. O que é facto o limitadas a corridadas em estrada por falta de pista obrevivencia de terem uma base de recrtutamento grande estchega primeirééeé que os miúdos chineses têm uma facilidade tremenda em praticar hóquei em linha. São muito superiores. Um desejo para a patinagem em Macau? Uma pista. É viável? Acho que sim. Já apresentámos vários projectos ao governo para a colocar em diversos espaços porque a ideia que temos é que dinheiro não será o problema desde que arranjemos o espaço. Já apresentámos diversas soluções. Nem é preciso muito. São 200 metros com um relevé nas curvas. O nosso grande projecto é mesmo uma pista com um rinque ao meio. E digo-lhe uma coisa: ia ser um sucesso. Porque os miúdos gostam. É uma modalidade bonita. Patins há muitos A APM nasceu com o hóquei mas o mundo da patinagem é bastante vasto. Hoje em dia a Federação Internacional inclui nove modalidades diferentes. Em Macau a associação local já tem 33 anos de idade e nasceu com o hóquei em patins, durante bastante tempo a sua única modalidade. Nos últimos anos, para acompanhar a evolução surgiu o hóquei em linha e as corridas de patins em linha, que em Macau estão limitadas à estrada por falta de pista. “Temos cerca de 20 atletas que praticam na marginal da Taipa às 7 da manhã ou às 10 da noite quando há menos gente”, diz-nos António Aguiar. Em breve esperam iniciar o free style, uma combinação entre patinagem artística e a técnica de patinagem e, em relação à qual estão previstas exibições para o torneio que se avizinha. Torneio de Páscoa Para prepararem os campeonatos do mundo e asiático em hóquei em patins e em linha e aproveitando o facto de terem novas instalações, o antigo pavilhão universitário na Taipa, a APM vai organizar um torneio nas duas modalidades. Para o de hóquei em patins foram convidadas as equipas seniores do Japão, Taiwan, Austrália e o Sesimbra, da II divisão de Portugal, mais a selecção do País Basco que virá com uma equipa de sub 23. O torneio sénior de hóquei em linha contará com a presença de quatro das mais fortes equipas asiáticas (China, Taiwan, Coreia e Hong Kong) e, pela primeira vez na Ásia, um torneio de sub15 de hóquei em linha com a presença dos mesmos países, ao ponto de António Aguiar confessar que “vai ser uma surpresa pois nem eles nos conhecem a nós, nem nós a eles”. Entre atletas, dirigentes e técnicos este evento movimentará cerca de 300 pessoas e vai custar pouco mais de um milhão de patacas, um valor que será pago, conforme julga António Aguiar, a cerca de 90% pelo Governo de Macau. Em homenagem aos dois actuais vice-presidentes da APT, que António Aguiar classifica como “as duas únicas pessoas que há 33 anos colaboram e trabalham na associação”, os torneios vão ostentar os seus nomes. Vamos ter, por isso “Gentil Noras Cup” no hóquei em Patins e a “Manuel da Luz Cup” para o hóquei em linha. Como diz, o presidente da APT, “é mais do que justa esta homenagem a pessoas que dedicaram uma vida à modalidade”. O torneio realiza-se de 23 a 27 de Março no antigo pavilhão da Universidade Macau na Taipa. A entrada é livre.
Flora Fong Manchete SociedadeJogo | Investigar promotores sim, mas sem interferência de Pequim Apertar com a fiscalização aos promotores de jogo da China é preciso, mas agentes do sector não querem a intromissão de Pequim. Reforçar a legislação local para que o background destes trabalhadores seja passado a pente fino é uma ideia forte, mas Macau deverá fazê-lo sozinho. Até porque, defendem, esse é o princípio de ‘Um país, dois sistemas’ [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]presidente da Federação das Associações de Operários de Macau (FAOM), Ho Sut Heng, sugeriu esta semana que o Governo Central ajude Macau a perceber o contexto dos promotores de Jogo e os seus trabalhadores vindos do interior da China. Alguns promotores de Jogo e académicos concordam com a medida, mas descartam a ajuda de Pequim. Por outro lado, há quem considere tal medida “ridícula” e “impossível”. Ho Sut Heng apresentou a sugestão numa reunião da Assembleia Popular Nacional (APN) em Pequim, frisando que o Governo Central deveria coordenar-se com o Governo da RAEM para arranjar forma de investigar o contexto dos residentes da China continental que trabalham no sector do Jogo de Macau. O maior problema relacionado com os promotores de Jogo do continente prende-se com o facto destes poderem desaparecer de Macau, sem nunca serem apanhados ou extraditados, por não haver legislação neste sentido. Para Charlie Chou, responsável pelo site Wonderful World onde eram expostas informações dos devedores da indústria de Jogo, e presidente da Associação de Informações dos Jogos de Macau, criada oficialmente no mês de Fevereiro, a ideia de Ho Sut Heng é “ridícula”. É quase impossível, diz, pedir ajuda ao Governo Central para supervisionar este sector de Macau. “É impossível e temos como exemplo o caso Dore: o Governo de Macau não consegue fazer nada, é ridículo pedir ajuda ao Governo Central, até porque existem aqui imensos trabalhadores provenientes do interior da China. Não é razoável. O que é preciso fazer é que o Governo de Macau reforce a troca de informações com a China continental”. Ao HM, Charlie Chou defendeu mesmo que não considera que os “backgrounds” dos sócios de empresas junket sejam complicados. Estes, diz, criam apenas negócios e investimentos “de forma normal” em Macau. Chou diz mesmo à presidente da FAOM para “não pensar demais”. Metam-se na vida deles Seja como for, a verdade é que os casos de junket que fugiram com dinheiro de Macau para a China continental existem. Ainda que a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos assegure ter apertado as regras – tanto que 30 junket reprovaram na obtenção da renovação da licença -, Kuok Chi Chong, presidente da Associação de Mediadores de Jogo e Entretenimento de Macau, concorda com a ideia de Ho Sut Heng. Considera que os valores de negócios de empresas de junket são muito elevados e precisam de ser ainda mais supervisionados – sendo que, refere, não basta as informações que a DICJ diz ter em conta e que poderão não passar pelo estudo do background dos promotores. “Quando reunimos com o Governo, apresentámos também a opinião de haver uma supervisão mais apropriada através do Governo. Espero que a revisão do regulamento administrativo relativo aos junket inclua isto e seja mais rigorosa, de forma a termos proprietários de empresas junket de maior confiança”, indicou ao HM. Kuok Chi Chong explicou que ainda que, de facto, o Governo de Macau até está atento ao contexto destes homens, porque os promotores precisam de entregar o registo criminal à DICJ. E sozinhos? Billy Song, director da Associação de Jogo Responsável de Macau, concorda com a necessidade de se apertar mais a fiscalização, mas considera que a ajuda do Governo Central para esta questão é desnecessária. Tal como Kuok Chi Chong frisa, também Billy Song diz que agora o Governo “tem a sua maneira de investigação do background dos promotores de Jogo”. Contudo, também explica que pode “não ser suficiente para perceber totalmente” de onde vêm os empresários, pelo que “vale a pena uma revisão”. No entanto, mesmo que sejam provenientes da China, as pessoas trabalham e criam negócios em Macau, pelo que Billy Song defende que o assunto deve ser assumido exclusivamente pelo Governo de Macau. “É verdade que existem dificuldades para que o Governo de Macau perceba completamente os contextos deles, mas o organismo competente deve pensar como conseguir fazer isso melhor. E não me parece que esteja a acontecer um problema assim tão grande por causa do background dos promotores de Jogo”. Apesar disso, Billy Song concorda com a ideia da presidente da FAOM em reforçar a cooperação com as autoridades do interior da China com o Governo de Macau, para trocar informações que permitam confirmar, e apenas isso, os dados de que a RAEM já dispõe. Para Samuel Huang, professor da área de Jogo do Instituto Politécnico de Macau (IPM), compreender melhor o background dos promotores de Jogo e traz vantagens para um desenvolvimento saudável do Jogo. Mas também este académico considera que a investigação não pode contar com ajuda do Governo Central. “Desde o final do ano passado que o Governo reforçou a supervisão aos promotores de Jogo. Se a ideia é só analisar o background deles, considero que o Governo de Macau pode fazer isso sozinho. Esta questão está relacionado com o princípio ‘Um país, Dois sistemas’ e o Governo Central pode não intervir na investigação a trabalhadores em Macau”, disse. Devedores em estudo Segundo uma resposta da DICJ ao HM, o organismo reuniu com representantes dos promotores de Jogo, ouvindo opiniões sobre a criação de uma base de dados do sector. Kuok Chi Chong, presidente da Associação de Mediadores de Jogo afirmou que o Governo e os promotores de Jogo concordam com a ideia, mas a criação de tal base ainda precisa de ser negociada. A DICJ frisa que deve cumprir os regulamentos e as leis, sobretudo a Lei de Protecção de Dados Pessoais. Kuok prevê que o Governo pode fazê-lo através da revisão da lei, a exemplo do foi feito nos Estados Unidos. O organismo avançou que como a criação da base envolve questões de privacidade, é preciso ter em conta muitos aspectos. Junkets: o fruto perigoso de Macau, dizem EUA – Relatório do Departamento de Estado aponta vulnerabilidade à lavagem de dinheiro O departamento de Estado norte-americano volta a apontar este ano a vulnerabilidade de Macau à lavagem de dinheiro oriundo da China, de onde saem mais capitais que o permitido com a ajuda dos promotores de jogo dos casinos. “A indústria do jogo depende de promotores de jogo e colaboradores pouco regulados, conhecidos como operadores junket”, para a angariação de apostadores na China, sendo também “populares entre os casinos”, que recorrem a eles para cobrar dívidas, algo que as empresas não podem legalmente fazer na no interior da China, onde o jogo é ilegal, lembra o departamento de Estado norte-americano no seu relatório de 2016 sobre a Estratégia Internacional de Controlo aos Narcóticos. “O inerente conflito de interesses, juntamente com o anonimato conseguido através do uso de operadores junket na transferência e mistura de fundos, bem como a ausência de controlos monetários e cambiais, apresenta vulnerabilidades à lavagem de dinheiro, encoraja a fuga de capitais chineses e fomenta sistemas financeiros clandestinos como ‘fei-chien’ ou ‘dinheiro voador’”, é indicado sobre Macau, que consta do segundo volume do relatório, dedicado à lavagem de dinheiro e crimes financeiros. O Departamento de Estado norte-americano sugere que Macau melhore a legislação no sentido de controlar o dinheiro que atravessa as fronteiras e aponta que ainda não foi implementado um “sistema transfronteiriço de declaração de dinheiro eficaz”. Reduções drásticas A China apenas permite que saia do país, anualmente, o equivalente a cerca de 45 mil euros por pessoa. Para contornar estas restrições, “recorre-se por vezes a operadores junket em Macau”, aponta o relatório, exemplificando que “os jogadores chineses podem depositar dinheiro com os junkets na China continental e usar esse dinheiro em Macau ou podem pedir emprestado a um junket”. “Se depositarem dinheiro, os jogadores podem usar esses fundos em Macau. Quando acabam de jogar, podem levar os ganhos em dólares norte-americanos ou de Hong Kong e investir em propriedades ou paraísos fiscais. Muito do dinheiro canalizado através de junkets tem origem em corrupção, desvio de dinheiro e outras actividades ilícitas”, afirma o documento. No relatório deste ano é mencionada também a presença em Macau de “crime organizado, incluindo tríades”, que são “activas nos serviços de jogo e estão envolvidas com agiotagem, serviços de prostituição”, entre outros. O relatório volta a sugerir uma redução drástica do montante de transacções a partir do qual os casinos têm de alertar as autoridades. Actualmente, a indústria do jogo é obrigada a comunicar qualquer transacção de montante igual ou superior a 500 mil patacas, mas o Departamento de Estado sugere que esse valor seja fixado em três mil dólares norte-americanos, 20 vezes menos que o aplicado.
Filipa Araújo Eventos MancheteLuiz Ruffato, escritor e colunista no El País : “Os intelectuais brasileiros são muito covardes” Numa pausa entre livros, Luiz Ruffato fala-nos do mundo, da política brasileira, da literatura elitista e da falta de partilha de letras entre Portugal e o Brasil. Para o autor, os intelectuais devem assumir posições sociais e no seu caso não se importa de não ser reconhecido como escritor quando o chamam para discutir ideias Portugal e Brasil estão mais ligados no mundo da literatura por partilharem a mesma língua? Tenho uma visão muito pessimista da relação entre o Brasil e Portugal, porque é uma relação muito difícil, por ser o único caso em que o colonizado assumiu uma proporção política e económica maior que o colonizador. Isto acabou por provocar um sentimento negativo entre estes dois países. Não existe no Brasil esta relação que Macau tem para com Portugal. A maioria dos brasileiros não tem qualquer relação com Portugal. Existe um certo desprezo. Mas por outro lado existe também um Portugal que tem uma ideia muito má do Brasil. Num determinado momento chegaram muitos brasileiros a Portugal que acabaram por deixar uma imagem de prostituição e de pessoas irresponsáveis. Isso é verdade? Não, antes pelo contrário. O Brasil é um país super trabalhador, há muitas coisas no Brasil que seriam muito interessantes para os portugueses conhecerem. Em relação à literatura, nós conhecemos a portuguesa… mas só as pessoas que lêem. O contrário não é verdade, os portugueses não conhecem nem querem conhecer a literatura brasileira, não dão a menor importância, alegando uma certa dificuldade em perceber esta literatura. Isto é uma contradição, ou seja [se os portugueses] têm dificuldade em perceber então não estamos a falar a mesma língua. Mas se dizemos que não é a mesma língua, os portugueses ficam chateados. É a única coisa que resta a Portugal? Daí o não apoio ao Acordo Ortográfico? (risos) Todas as vezes que vou a Portugal perguntam-me o que acho do AO e digo: nada. Para nós isso tem zero importância. Mas eu sei, é a única coisa que vocês têm. É um problema. Gostaria que nos sentássemos e resolvêssemos os nossos problemas. Colocávamos dinheiro no Instituto Camões e ele deixava de ser português para ser lusófono. Ensinava língua brasileira, africana… cultura, literatura. Mas isto vai acontecer? Nunca. O que vai acontecer é que vamos cada vez mais distanciar-nos, o português de Portugal vai acabar por ser um mero dialecto da língua brasileira. Há um exemplo muito concreto: eu num carro com um motorista brasileiro e dois portugueses atrás. Eles a conversarem e o motorista intervém dizendo: “desculpem, vocês estão falando uma língua que eu entendo bastante, que língua é essa?”. Bem, aquilo deixou os portugueses surpreendidos e eles disseram que falavam Português. E o motorista perguntou de que país eram porque ele não sabia que em Portugal também se falava Português. Desde crianças que nós achamos que falamos Português, nós brasileiros. Por isso é que acho que daqui a uns anos isto poderá acontecer. Acha que os seus livros são mais lidos no Brasil ou no estrangeiro? Mais lidos não sei, devido ao elevado número de pessoas. Mas com certeza tenho mais visibilidade fora do Brasil, isso é indiscutível. No seu livro “A História Verdadeira do Sapo Luiz”, que ganhou a 57ª edição do Prémio Jabuti de livros infantis, conta a história de um sapo que nunca se tornou príncipe, porque não precisamos de ser príncipes para termos um lugar no mundo. Faz muitas vezes referência à sua origem, mostrando-se como alguém que não é filho de intelectuais mas conseguiu entrar neste mundo da literatura. Há uma ligação? O Luiz é o sapo da fábula? Sim, eu sou o sapo que não [se transformou] num príncipe e não é por isso que não sou feliz. (risos) Na sociedade brasileira 99,99% dos escritores são filhos de classe média alta, em geral são pessoas que tiveram em casa uma biblioteca, eram filhos de intelectuais. E isso é reproduzido na literatura, mesmo quando escrevem de pobres e bandidos. Como não sou filho de classe média, a minha biografia é diferente e isso deu-me um lugar dentro do mercado literário, do seu sistema, bastante diferenciado. Cada vez menos, é certo. Mas subjectivamente continuo a ser alguém que entrou pela porta dos fundos. Sente-se muito essa diferença? Sim, muito. Basta olhar para o tipo de personagens que uso na minha literatura, não são comuns na literatura brasileira. O tipo de actuação que tento fazer nas colunas do El País, que é discutir política. Os intelectuais brasileiros são muito covardes, eles preferem não discutir. Não se posicionam no mundo político… É muito difícil encontrar alguém que se posicione de forma clara. Mesmo quando são discutidas questões mais ligadas à literatura é muito comum encontrar um escritor que diga: “o que tinha a dizer está escrito nos livros”. Isto é uma estupidez imensa. Portanto, neste sentido, sim, optei por ser sapo num sistema literário. Os seus livros são o retrato de uma classe que não a média alta, que não os intelectuais. Nasceu por ninguém escrever sobre este grupo? Comecei a escrever exactamente por isso, ninguém escrevia sobre as pessoas que eu conhecia. Isto incomodava-me muito, achava super estranho. Como não existia uma literatura que falasse da classe que trabalha eu decidi escrever. Não foi uma necessidade que nasceu de dentro para fora, foi ao contrário. Eu escolhi escrever sobre isto, foi sempre muito claro, muito intencional. Mas marcou uma posição muito clara de actividade social depois do polémico discurso na Alemanha, em 2013, onde apresentou várias críticas ao Brasil… Depois desse discurso muito professores de escolas secundárias e de lugares distantes imprimiram esse discurso e levaram para a sala de aula. Acho que bastantes pessoas que hoje me conhecem não me conhecem como escritor mas sim devido àquele discurso. Não há problema algum, não lamento que não leiam os livros. Mas sim, depois desse discurso recebi várias intervenções da sociedade e pedidos para conversar e saber das minhas ideias. Queria ser mais conhecido como escritor, claro, mas num país como o meu, que é horrível, que tem um nível de educação baixo, com problemas políticos graves, querer abrir mão deste papel, lugar e espaço é quase criminoso. Portanto fico frustrado por ser pouco lido? Claro que sim. Mas é importante que me procurem como pessoa que dá opinião? É. Abdicava dos livros por este lado político? Sinceramente, se pudesse actuar de uma maneira mais efectiva, não digo político institucional, abria mão dos meu livros. Está a fazê-lo na sua coluna no jornal El País… Sim, de alguma maneira. É algo que consome muito tempo, muito esforço e um problema sério, é que todas as vezes que escrevo alguma coisa perco leitores. (risos) É o meu papel, enfim, acho que é. Escrevo semanalmente, é uma loucura, são colunas muito polémicas. Hoje no Brasil quando criticamos o Governo somos da oposição, mas se criticamos a oposição somos do Governo. Isto é errado. O bom é termos independência, quer dizer, até podemos estar errados quanto às nossas opiniões, mas é melhor estar errado pela nossa cabeça do que estar certo de coisas que não são nossas. Prefiro estar equivocado e ter menos leitores. Deixou o jornalismo para se dedicar exclusivamente à escrita. Isso mesmo. E isso era muito incomum, era raro. Ainda é raro encontrar alguém no Brasil que se dedique exclusivamente à literatura. Fiz essa opção. Em alguns entrevistas cheguei a dizer que tinha orgulho que a literatura me fizesse ganhar dinheiro, que vivia disso. Isso para os intelectuais era uma vergonha, porque eles não precisam disso. Isto para mim é profissão. Tenho muito orgulho nisso, gosto muito. Em que é que mais de 15 anos na área o ajudaram como escritor? Não tenho dúvidas de que o jornalismo é a mais importante arma da democracia, não tenho nenhuma dúvida. Mas o meu papel no jornalismo era ridículo. Sempre fui um péssimo repórter, digo repórter, não jornalista. Sou muito tímido, morria de vergonha de fazer perguntas, e o jornalista tem de ser cara de pau e “encher o saco”, como dizemos (risos). Isso chateava-me imenso. Muito cedo, dentro do jornalismo, percebi que gostava de inventar reportagens (risos) e como isso não pode acontecer comecei por ficar dentro da redacção. E aí sim, como redactor e editor era bom, isso era. Mas ainda assim era frustrante, ao mesmo tempo via que tudo o que me interessa era exactamente aquilo que não interessava. Até que um dia decidi deixar e tentar literatura. Como escritor, o jornalismo não me deixou nada. Como está o jornalismo no Brasil? Há muitos anos que a entrada da internet no mundo fez com que fosse necessário discutir o formato [do jornalismo]. O grande problema, focado na imprensa, é que o número de pessoas que lê é pouco e as pessoas que lêem começaram a ficaram cada vez mais desinteressadas, porque os jornais não conseguiram resolver o problema da internet. Há um problema também na diversidade ideológica, no Brasil, nos jornais. Todos defendem interesses iguais. Por exemplo em Portugal, vamos comprar um jornal e conseguimos ver diferentes interesses. No Brasil isto é impossível. Todos os jornais são iguais. Há também uma perda na credibilidade, o leitor perdeu a confiança. Muitas teses de mestrado e doutoramento tiveram como base os seus livros. Como vê a educação brasileira actualmente? Tenho várias teses, em várias universidades. É interessante observar como é que de alguma maneira os meus livros foram incorporados no sistema de educação. [Mas o ensino é] horrível, é horrível. Temos um dos piores índices da avaliação internacional que é feita. O sistema educacional é um fracasso completo. A grande crítica que faço ao Governo é essa, nunca imaginei que com o PT [Partido dos Trabalhadores], eu que ajudei a formar o partido, tivéssemos estas mudanças absurdas estando no poder. Imaginei uma mudança fundamental na educação, mas não foi feita. Porquê? Como é que se perdem os valores? Poder. O Frei Betto, que é um frade católico meu amigo, escritor, foi do primeiro Governo de Lula durante dois ou três anos e saiu logo. Continua próximo do PT, mas não do Governo. Depois de sair escreveu um artigo que tinha esta frase que, acho eu, ser a síntese do problema do Brasil: “O PT trocou um programa de governo para um programa de poder”. É este o problema. O seu último livro foi em 2014, teremos um novo livro este ano? Nos último quatro anos tenho ficado mais tempo fora do Brasil do que dentro. É bom para conhecer outras coisas e partilhar trabalho, mas o lado mau é que fico sem tempo para me dedicar à escrita, agravado pela coluna semanal. Dificilmente vou conseguir terminar alguma coisa, um novo livro talvez só em 2018.
Joana Freitas Manchete SociedadeColoane | Novo Macau denuncia alterações à medida e chama pelo CCAC [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Associação Novo Macau pediu a intervenção do Comissariado contra a Corrupção (CCAC) numa investigação ao projecto de luxo que poderá nascer no Alto de Coloane, na Estrada do Campo. O grupo diz ter documentos que poderão apresentar irregularidades e alterações feitas à medida para que o projecto fosse aprovado. A Novo Macau diz, por exemplo, que as restrições à construção em altura na zona onde poderá nascer o empreendimento foram “eliminadas” em 2012. Em 2007, afirma, o máximo permitido para a altura da construção no lote era de 11,6 metros, mas em 2012 a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) terá aprovado uma planta para o projecto que permitia a construção até cem metros, sendo que esta tinha a duração de um ano. É aqui que as suspeitas da Novo Macau surgem. “Há alguma ilegalidade administrativa neste processo? Queremos que o CCAC analise esta questão. Poderá haver alguma situação de favorecimento?”, questionam, ao mesmo tempo que pedem que o processo de aprovação para a construção seja suspenso. Além destes dados, a Novo Maca relembra ainda que, apesar de ter estado limitada a um ano, a planta ainda se mantém válida e diz que o anteprojecto da construção foi aprovado em 2013, para que, “talvez, o construtor pudesse começar a obra antes da entrada em vigor da Lei de Salvaguarda do Património Cultural e da Lei do Planeamento Urbanístico”. Pressões múltiplas Recorde-se que o Governo assegurou ao HM que ainda não há condições para que a licença de obra seja emitida, uma vez que o construtor – a empresa de Sio Tak Hong – ainda não apresentou um projecto. Na edição de ontem deste jornal, foi anunciado que o lote não se encontra dentro da área de protecção de Coloane e também que, como é um terreno que serve para aproveitamento de propriedade perfeita, não tem de ser publicada em Boletim Oficial a sua adjudicação. A DSSOPT ainda não deu aval total para o projecto avançar, mas a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental já assegurou que o relatório de avaliação ao impacto no ambiente – feito pela empresa – mostra que não há problemas. Ontem, no dia em que a Novo Macau entregou o pedido de investigação ao CCAC, o grupo “Love Macau” entregou uma carta ao Chefe do Executivo que apela à protecção do “pulmão de Macau” e pede também a suspensão do projecto. Também o presidente da Novo Macau, Scott Chiang, disse ser urgente que tanto a população, como associações locais se unam na defesa de Coloane antes que “seja destruída por promotores imobiliários” e pelo Governo. Scott Chiang pede ainda ao Chefe do Executivo que não permita construções em Coloane até que haja um plano de manutenção da zona.
Flora Fong Eventos MancheteLolita Hu Ching-fang, autora de ‘The Third Person’: “Espero que Macau pense na sua cultura” Participou na primeira edição do Rota das Letras e cinco anos depois volta a ser convidada para partilhar os seus pensamentos. Lolita Hu Ching-fang, escritora de Taiwan, considera que o ambiente de Macau é apropriado para criar, sendo que até a autora conseguiu escrever uma obra inspirada no território. Numa conversa sobre o processo da escrita, Lolita fala ainda sobre a identidade dos chineses fora do continente Lolita Hu Ching-fang, escritora de Taiwan [dropcap]J[/dropcap]á é a segunda vez que está presente no Rota das Letras. Está a gostar de conhecer mais de Macau? Sim, estou gradualmente a conhecer a cidade. Como vivi em Hong Kong há 11 anos, para mim Macau é a casa dos meus amigos, que visito sempre. Como escritora como avalia o ambiente de Macau? Hoje vejo Macau como um lugar cheio de casinos, hotéis e entretenimento, mas lembro-me do charme que Macau tinha antigamente. Era um sítio onde não era preciso muito dinheiro para se viver e bastante profícuo para o desenvolvimento criativo. Acho que é preciso encontrar um equilíbrio entre as duas realidades. Os artistas precisam sempre de parar antes de dar os próximos passos e pensar qual o significado da sociedade, qual o sentido da vida… isto depois torna-se o material para a criação. Nos bairros antigos [de Macau], existe a verdadeira natureza da cidade, que é, de facto, inspiradora para se escrever. Costuma passear nos bairros antigos? Sim, porque os casinos e hotéis são para um certo grupo de turistas, mas não são para as pessoas comuns, como eu. Gosto de passear nas ruas e travessas pequenas, sobretudo em Coloane, onde posso conhecer como era Macau originalmente. Aí encontrei intimidade, familiaridade e humanização. Macau inspira-a para criar? De facto, quando participei na primeira edição do Rota das Letras, escrevi um conto sobre Macau, que está no meu livro “Floating”, publicado em 2014. Chama-se “Spring Dream” e fala sobre uma mulher que tem um marido rico, e costuma passear em Macau antes de voltar para a China continental, mas um dia tem um encontro especial com um jovem português. A mulher já viveu muitas mudanças na China e agora é rica, mas o amor que tinha durante a juventude desapareceu, mesmo que agora ela tenha tudo. O conto pretende demonstrar que a China está sempre a querer comprar, investir, ganhar e a mulher é o símbolo da China, porque quer comprar o amor do jovem português, mas o amor não é verdadeiro. O conto fala também da bandeira nacional da China em Macau, qual é a relação entre os dois lados e como o país recupera da perda de tempos antigos. A identidade dos portugueses em Macau também é um episódio. Antigamente, o Ocidente comprava o Oriente, agora é ao contrário. Tentei usar uma história simples para expressar significados complicados. Um dos seus livros – “A minha geração” -, publicado em 2010, fala sobre como os chineses que viajam para Hong Kong, Taiwan e interior da China mantêm ou reconfiguram as suas identidades. Esta questão voltou a ser polémica recentemente, depois de acontecer o caso da cantora taiwanesa Tzuyu, que levantou a bandeira de Taiwan num programa de televisão coreano, mas foi criticada por outro cantor taiwanês por ser apoiante da independência da ilha Formosa. Vários anos depois da publicação da sua obra, como agora olha para esta questão? Esta questão tem existido porque o intercâmbio dos dois lados do estreito se alargou. Quando escrevi o livro, achei interessante porque todos falavam a língua chinesa mas sentiam-se estranhos uns aos outros. Penso que os sítios por onde uma pessoa passa tornam-se parte dela. Por exemplo, eu vivi em tantos sítios diferentes, que considero que sou de Hong Kong, de Taiwan, de Tóquio. Sou de Paris e sou de Xangai. Espero que todos estes locais façam parte de mim, porque conheço e respeito todas as partes, ainda que considere que não preciso de uma divisão tão clara. Para Macau, Taiwan é sempre uma referência, em aspectos como o trânsito, infra-estruturas e protecção ambiental. Como vê as diferenças entre cidades como Hong Kong, Macau e Taiwan? Considero que Taiwan tem uma coisa que Hong Kong e Macau não têm: sufrágio. É muito importante porque as opiniões da população são expressas. O povo preocupa-se com a sua terra, o seu ambiente, então pensa em melhorá-los e espera, através de eleições, escolher pessoas que ajudam a elaborar políticas [nesse sentido]. Se o Governo não representa a população, mas apenas comunica com os grupos mais ricos, então não pensa em melhorar políticas, pensa apenas em números. Em Taiwan as opiniões da população são mais fáceis de ser ouvidas, é a vantagem quando comparado com Hong Kong e Macau. É um ambiente “de pessoas”, não “de números”. Consegue-se distinguir as vantagens de Hong Kong e Macau? O Estado de Direito. Em Taiwan, o interesse humano é maior mas as leis são menos dedicadas. Admiro que Hong Kong não exclua os estrangeiros porque é gerido pelas leis e também pela igualdade. Em Taiwan isso é pior. O que pretende passar para a audiência de Macau nesta edição do Rotas das Letras? Espero que Macau pense na sua cidade, na sua cultura. Agora o sector do turismo é um dos aspectos fundamentais, a cidade recebe sempre estranhos, que entram e saem todos os dias. Qual é o significado disso? Quando se é generoso ao receber os estranhos, o que se pode preservar? Se têm uma sala em casa para receber visitantes, o que é essa sala? É preciso pensar que essa sala é a divisão principal da “casa”. Espero que a minha presença faça reflectir como as pessoas locais são importantes e, ao mesmo tempo, espero ouvir as pessoas a falar e a pensar sobre qual é a sua cultura. Como foi partilhar sessões com o historiador José Pacheco Pereira e o escritor Chan Koonchung? Fiquei surpreendida ao saber que José Pacheco Pereira tem a maior biblioteca privada de Portugal. Quando conversei com ele, disse-lhe que somos da cidade e que os prédios são uma coisa muito aborrecida, não conseguimos viver numa casa grande, o espaço é muito precioso. Como escritora de outra geração, tenho experiências diferentes, porque a minha geração é obrigada a ser “digital”, os livros são electrónicos, é outro modelo de leitura. Sobre Chan Koonchung, que já conheço há 20 anos, ele foi convidado por mim e temos contextos semelhantes porque nascemos em grandes cidades, preocupamo-nos com as cidades e, portanto, escrevemos muito sobre isso. A curto-prazo que planos tem para a sua carreira literária? A escrita agora é a minha vida. Estou a escrever uma novela, está a meio. Além disso, vou publicar este ano uma colecção de prosa. As colunas que escrevo para os jornais chineses também vão manter-se. No final deste ano, vou mudar de Nova Iorque para Hong Kong, novamente. Portanto, ainda posso participar na próxima edição do Rota das Letras (risos). PERFIL Hu Ching-fang (C.F. Hu ou Lolita Hu) é ensaísta e romancista. Nascida em Taipé, viveu em Hong Kong, Xangai e Pequim, publicando livros e escrevendo artigos em Hong Kong, na China, em Taiwan e em Singapura. Os seus trabalhos exploram a temática da vida urbana nas grandes cidades, as identidades culturais num mundo globalizado, o inevitável destino de solidão do ser humano moderno. Com o livro “The Third Person” recebeu o Prémio Golden Tripod, de Taiwan, para a melhor publicação literária de 2013. A colectânea de contos “Floating” (2014) é o seu mais recente título. Reside presentemente em Nova Iorque, depois de ter vivido em Tóquio.
Joana Freitas Manchete SociedadeFundação Macau | Projecto para escritórios custa 60 milhões A falta de espaços próprios do Governo e de associações vai fazer com que Fundação Macau aposte na construção de um centro de escritórios, que vai nascer ao lado do Centro de Ciência. Só o projecto da obra vai custar 60 milhões [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Fundação Macau vai gastar quase 60 milhões de patacas para a elaboração do projecto de um novo complexo de escritórios. De acordo com um despacho publicado na segunda-feira em Boletim Oficial (BO), e assinado pelo Chefe do Executivo, a ideia é ter espaços próprios para ajudar departamentos governamentais e associações. Ao que o HM apurou, é a Fundação Macau quem pretende construir um Centro Multifuncional e Edifício de Escritórios junto à Avenida Dr. SunYat-Sen, ao lado do Centro de Ciência. Isto porque, assegura a Fundação, “o espaço público do Centro de Ciência não é suficiente, especialmente a sala de reuniões”. Tanto departamentos governamentais, como associações, refere ainda a Fundação, “têm precisado de espaços” e o actual não é suficiente para todas as reuniões e eventos culturais. “A Fundação tem de arrendar espaços a proprietários privados para tratar de coisas da administração, por isso é que tem planeada esta construção, para ter um escritório próprio, a fim de responder aos pedidos do Governo e das associações”, referiram responsáveis da Fundação Macau. Segundo o despacho analisado pelo HM, este montante – de 59,9 milhões de patacas – é apenas para a “elaboração de projecto e apoio técnico”, faltando ainda o valor da construção propriamente dita. A adjudicação deste serviço – que será pago até 2019 – foi feita à P & T Architects and Engineers Limited, Sucursal de Macau. Esta empresa é uma das responsáveis pela concepção do edifício da fronteira da ponte Hong Kong – Macau – Zhuhai, pelo qual recebeu 71 milhões de patacas. Chui Sai On, Chefe do Executivo, é o presidente do Conselho de Curadores da Fundação Macau, que tem como presidente do Conselho de Administração Wu Zhiliang. O Centro de Ciência foi construído com o apoio da Fundação Macau, que injectou 370 milhões de patacas, sendo mesmo a responsável do projecto.
Andreia Sofia Silva Eventos MancheteYao Feng traduz “Clepsydra” Há sete anos que Yao Feng, pseudónimo de Yao Jingming, tinha a tradução para Chinês do livro “Clepsydra”, do poeta Camilo Pessanha, escondida numa gaveta. Muitos anos e muitas alterações depois, a poesia “triste” de Pessanha em caracteres chineses será apresentada no dia 12 de Março, no âmbito do Festival Rota das Letras [dropcap style=’circle’]M[/dropcap]ais de quatro anos depois de ter traduzido Eugénio de Andrade (“Branco no Branco”, com edição da Livros do Meio), o poeta Yao Feng, pseudónimo de Yao Jingming (académico da Universidade de Macau), embrenhou-se na tradução de “Clepsydra”, de Camilo Pessanha. Há muito que o projecto estava na gaveta, fruto de uma parceria com o Instituto Internacional de Macau (IIM) e a Câmara Municipal de Coimbra, cidade de onde o poeta português é natural e onde se formou em Direito, antes de vir para Oriente. Contudo, só sete anos depois é que Yao Feng decidiu publicar o trabalho, por ocasião da 5ª edição do Festival Literário Rota das Letras. “Fiz uma revisão bastante grande e cuidadosa dessa tradução”, contou Yao Feng em entrevista ao HM. “Mudei muitas coisas, era o poeta tradutor daquele tempo e agora que revi a minha tradução, já não gostei. Mesmo assim não estou completamente satisfeito com a minha tradução”, disse Yao Feng, que não deixou de estabelecer uma comparação entre os poemas leves e contemporâneos de Eugénio de Andrade com a poesia nocturna de Pessanha. “A sensação é muito estranha, porque quando traduzo Eugénio de Andrade ou outro poeta contemporâneo tenho muito mais confiança do que a traduzir Camilo Pessanha, uma vez que ele é o poeta que escreve muito com efeitos musicais. Os poemas têm muita rima, ele usa muitas simetrias, com muita mitologia. [Pessanha] também joga muito com uma pontuação muito própria dele onde, numa frase sem sujeito ou verbo, corta e põe uma vírgula ou ponto final. Confesso que algumas coisas não compreendi. Hoje em dia há muita pesquisa sobre a sua poesia e ainda existem sombras misteriosas. Mas dei o meu melhor para o traduzir”, contou. “Não há dúvida de que foi muito mais difícil traduzir Camilo Pessanha”, salientou Yao Feng, remetendo para diferentes épocas e estilos literários. “Não senti tantas dificuldades em traduzir Eugénio de Andrade porque se calhar é mais fácil encontrar imagens orientais nos seus poemas. Eugénio de Andrade é um poeta do qual gosto e o qual não paro de ler. É um poeta que conheço muito bem e que até conheci pessoalmente. Quando o traduzi era como se estivesse a traduzir algo de um amigo. Com Pessanha houve mais distância, apesar de estar tão perto de nós, a cinco minutos de táxi (risos)”, brincou Yao Feng, referindo-se ao Cemitério São Miguel Arcanjo, onde repousa o corpo de Camilo Pessanha. Repetição e perda Yao Feng não tem dúvidas: no processo de tradução de “Clepsydra” para Chinês, houve muita coisa que se perdeu. “A minha língua materna [o Chinês] tem o seu sistema próprio de rima que não é compatível com a rima portuguesa e, por isso, esta tradução estava condenada desde o início à perda de qualquer coisa. Não se pode dizer que se perdeu muito, mas perdeu-se alguma coisa, sobretudo ao nível dos efeitos sonoros. Quando a tradução não consegue jogar com a musicalidade, perdem-se coisas”, disse. “A tradução de Camilo Pessanha está condenada à perda e a tradução tornou a poesia dele um bocado triste e com um conteúdo um bocado repetitivo. É a tristeza, a saudade, o amor que nunca deu frutos. Isso pode cansar um bocado, é uma poesia muito triste. Foi como ele escreveu: um ferro que sempre pesa no coração”, acrescentou. Lançar este livro sete anos depois é “importante”, por se tratar de um poeta de Língua Portuguesa com fortes ligações ao território. “É talvez, dos poetas portugueses, aquele que é mais conhecido em Macau, que viveu aqui e marcou a literatura de Macau.” Confinado ao mercado editorial do território, a “Clepsydra” em Chinês até poderia ser lida nas escolas, concordou Yao Feng, se fosse feita uma selecção rigorosa de alguns poemas. “Podíamos fazer uma selecção de dois ou três poemas, há um sobre a chuva, por exemplo… poemas mais fáceis e acessíveis para os estudantes. Não é necessário levar alunos das escolas secundárias a ler coisas tão pesadas. Podiam por exemplo ler mais Eugénio de Andrade, mais sol, mais água, em vez da sombra, e da noite (risos).” Poesia e paixão Esta não é a primeira vez que a poesia de Camilo Pessanha pode ser lida em Chinês, sendo que há alguns anos foi lançada uma tradução de alguns poemas, inserida numa colecção de autores portugueses, que teve o apoio do Instituto Camões e de editoras da China continental e que teve a coordenação de Yao Jingming e Ana Paula Laborinho (presidente desse instituto). Contudo, Yao Feng não deixou de comentar o facto dessa tradução ter sido feita por alguém que “infelizmente” não é poeta. “Há uma teoria que defende que a poesia tem que ser traduzida por um poeta, mas às vezes o poeta também estraga a tradução. Depende de quem é e como é o poeta que traduz. Para mim o poeta tem que traduzir o tipo de poesia que conhece melhor, se não tiver paixão por esse tipo de poesia, então não consegue traduzir com paixão e prazer e isso pode condicionar o processo de tradução. O poeta que é tradutor não pode traduzir qualquer tipo de poesia”, apontou Yao Feng. Ao contrário desta edição chinesa de “Clepsydra”, essa tradução conseguiu chegar às livrarias do continente. “O nosso objectivo consistia em levar livros de autores portugueses mais longe, para que pudessem ser distribuídos na China continental, porque os livros produzidos em Macau não podiam nem podem circular na China continental. Com esta colaboração e co-edição conseguimos”. Rufino Ramos, secretário-geral do Instituto Internacional de Macau (IIM), referiu ao HM que a oportunidade de publicar esta tradução surgiu de repente, existindo projectos para distribuir a versão chinesa de “Clepsydra” em instituições académicas de Hong Kong, sem esquecer Taiwan. “Alguém tinha de fazer este projecto”, disse Rufino Ramos, que confirmou que a publicação é feita com o apoio da Fundação Macau. “A oportunidade de publicar este livro chegou há pouco tempo e quase nos apanhou desprevenidos. Era importante fazer chegar este livro a todos os lugares onde se fala Chinês”, apontou o secretário-geral do IIM.
Flora Fong Manchete SociedadeIC | Antigo vice-presidente começou a ser julgado [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]antigo vice-presidente do Instituto Cultural (IC) Stephen Chan começou ontem a ser julgado pelo Tribunal Judicial de Base (TJB), acusado de abuso de poder e de ter revelado informações para que a empresa do irmão vencesse em concursos públicos para adjudicação de serviços. Chan negou no Tribunal os crimes de que vai acusado, mas o Ministério Público (MP) diz que há contradição nas declarações do chefia. Segundo o Jornal Ou Mun, o antigo vice-presidente é actualmente assessor técnico superior, e foi acusado destes crimes a adjudicação da concessão de prestação de serviços de manutenção de equipamentos da Biblioteca Central de Macau. Em 2008, a empresa do irmão deste antigo responsável do IC terá sido candidata a esta concessão e Chan não assumiu estar impedido de participar na selecção do concurso público, a qual, pelo contrário, até presidiu. Chan terá revelado informações sobre os outros candidatos ao seu irmão, o que permitiu que a sua empresa tenha conseguido a prestação deste serviço seis vezes. No mesmo processo está ainda envolvido outro réu, um assessor técnico superior do IC, que também foi acusado de fornecer informações de cotações de uma obra de instalação de electricidade e de iluminação básica e monitorização na Casa do Mandarim ao irmão do antigo vice-presidente. Chan nega, mas o TJB diz que esta declaração é diferente das que foram feitas no MP, onde o antigo vice-presidente assumiu ter revelado estas informações. O juiz leu o conteúdo das declarações feitas no MP em 2011, mas Chan explicou que “estava confuso por causa das perguntas orientadas feitas pelo MP”. Sobre a questão de impedimento, Chan respondeu que o irmão não é responsável da empresa envolvida mas apenas trabalhador e, portanto, não considerou que existissem conflitos de interesse. A sessão continua hoje.
Filipa Araújo Manchete SociedadeMulher | Macau cresceu nos direitos, mas há espaço para melhorar No dia em que se assinala a luta pelos direitos das mulheres, figuras femininas de Macau frisam as diferenças e os progressos que se têm atingido. As coisas estão melhores e a imagem de uma mulher submissa deixa de fazer sentido. Ainda assim, “há espaço para melhorar” [dropcap style=’circle’]D[/dropcap]ia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher. Um dia que marca uma luta feminina, no mundo, que ao longo das décadas tem trazido mudanças estruturais à história mundial. Em Macau, vivem-se tempos felizes, apontam as agentes com quem o HM falou. Mas ainda há trabalho a fazer. “Há sempre espaço para melhorar. Acho que em Macau, tenho esta ideia, fomos tendo pequenos progressos, pelo menos aqueles que estou a testemunhar, mas ainda assim, acho que temos espaço para melhorar toda a área da situação da mulher”, explicou, ao HM, Anabela Richie, ex-presidente da Assembleia Legislativa (AL) e actual membro da Comissão dos Assuntos das Mulheres e Crianças. Sendo da Comissão em causa, Anabela Ritchie tem um papel activo na luta da classe feminina. “Temos tentado, ao longo destes últimos anos, estar mais atentas aos problemas das mulheres. Em Macau há muitas associações que também se dedicam aos problemas das mulheres e crianças. A pouco e pouco nota-se alguma melhoria, mas como digo, temos espaço para fazer mais qualquer coisa”, apontou. O que é importante é que “se criem condições para as mulheres serem melhores profissionais, melhores mães, melhores esposas”. A ajuda que estas mulheres precisam, diz, “é na criação de condições para que possam exercer o seu papel da melhor forma possível”. Para a deputada Melinda Chan, os tempos da queimada de soutien são outros. A igualdade de géneros, defende, está mais elevada que nunca, incluindo na escolha de profissões e de estudos. “Não há diferença ou discriminação do homem para mulher, nem existe nos trabalhos ou nas famílias”, apontou. A idade dos porquês Apesar da igualdade visível, diz a deputada, as mulheres de Macau preocupam-se menos com as questões sociais. Cenário que deveria ser alterado. “Actualmente as qualificações tantos dos homens como das mulheres são iguais, mas ainda assim as mulheres preocupam-se menos com as questões sociais. A taxa de participação activa nos assuntos sociais é baixa. Portanto, é natural que para os assuntos públicos, selecção de membros de comissões ou conselhos do Governo, e também para a eleição de deputados da AL, a presença da mulher seja menor. É preciso que as mulheres lutem mais pelos seus lugares na sociedade, mas para isso é preciso interessarem-se mais, participarem, mostrarem vontade de querer fazer e ser”, apontou a deputada. Questionada sobre a ocupação dos cargos principais, Melinda Chan concorda que ainda há um número muito baixo de participação feminina, mas espera que no futuro esse cenário seja alterado, até porque, diz, há abertura para isso. Abrir os olhos “Comparado com há dez anos as mulheres de Macau aumentaram a consciência de lutar pelos seus direitos, pelo menos sabem procurar maneiras de expressar acções incorrectas para com a classe feminina”, defende Debbie Lai, subdirectora do Centro Bom Pastor. Apesar dos esforços, e das claras diferenças dos tempos, as desigualdades são para si algo muito presente na sociedade da actualidade. “Por exemplo, os casos de violência doméstica que nos chegam às mãos. As mulheres têm ainda um papel muito inferior no seu grupo familiar. Os agressores ainda têm pensamentos muito tradicionais, aquele pensamento de que o homem é o maior e que a mulher deve ser obediente”, retratou. No ambiente de trabalho, contudo, Debbie Lai defende que algumas profissões são ocupadas tanto por homens como mulheres e que ambos os sexos têm as mesmas regalias. No entanto, aponta, existem profissões em que isto não acontece, exemplificando com os cargos dos dirigentes do Governo e Chefe do Executivo, que são ocupados maioritariamente por homens. Osso duro de roer Uma vida mais difícil, é como a deputada Melinda Chan classifica o trabalho diário das mulheres em Macau, porque para além de trabalharem também lhes cabe os cuidados da família. “De facto, nas famílias gerais, as mulheres contribuem mais do que os homens e a sociedade deveria aceitar e compreender melhor isto. Com isto, os homens devem dar mais apoio e cuidado às mulheres”, apontou. Melinda Chan considera também que a contratação fácil de empregadas domésticas em Macau e as creches ajudam as mulheres a aliviar os seus trabalhos e participar mais na sociedade. Apesar de tudo, lamenta o facto de que a maioria de mulheres precisa de trabalhar a tempo inteiro e ter menos tempo para cuidar dos filhos. Para Debbie Lai há coisas ainda por resolver, tais como as leis relacionadas com os direitos das mulheres que, aponta, ainda precisam de ser aperfeiçoadas, incluindo a Lei da Violência Doméstica. A subdirectora do Bom Pastor nota no entanto que os pensamentos tradicionais não são alterados pelas leis, mas sim pela educação. “A mudança não é imediata, mas através da educação conseguimos ensinar aos alunos o que é a igualdade de géneros e este é que deve ser o primeiro passo”, apontou. Educação para mudar Da mesma opinião partilha Amélia António, presidente da Casa de Portugal, que considera que “as mulheres que decidem, ou que tomam uma decisão de fazer isto ou aquilo, colocam-se eventualmente e de uma maneira geral no mesmo plano que os homens”. Mas o chegar aí, defende, “só pelo caminho da educação”. Para Amélia António, a realidade é que há muitas mulheres que não têm conhecimento daquilo que podem fazer. “O que eventualmente se passa é que muitas mulheres não sabem que podem fazer determinadas coisas ou tomar determinadas iniciativas. Não lhes passa pela cabeça por uma questão de educação”, aponta. “Nos velhos tempos de Macau as mulheres não tinham publicamente a projecção que têm hoje, não participavam nisto e naquilo, ao nível familiar a opinião delas pesava muitíssimo mais do que eventualmente pesa hoje. Lembro-me de, quando cheguei a Macau, quando o assunto era importante, a mãe da família era sempre ouvida”, relembra Amélia António, frisando: “isto é o que eu vejo, para comprovar teriam de ser feitos inquéritos e tentar perceber”. Para a presidente os tempos são outros e a realidade “diferente”. “O papel e a força que tinham a nível familiar dá-me ideia de que diminuiu. Portanto são duas faces diferentes de uma mesma questão. Não posso dizer que piorou, não piorou. Modificou-se. É mais importante esse peso que as mulheres tinham só nas decisões internas e dentro da família ou é mais importante a autonomia que têm hoje e a capacidade que têm para escolher trabalho, trabalhar fora de casa, entrar num negócio? Eu não posso dizer que é pior ou melhor, é diferente. São coisas diferentes”, argumentou. A falta de poder familiar, explica ainda Amélia António, pode ter sido o preço a pagar pela autonomia agora conquistada pelas mulheres. “Não dá para tirar conclusões em cima do joelho, tudo isto são questões que merecem todo um estudo intenso”, apontou. Não, não e não A discordar está Rita Santos, membro da Associação dos Trabalhadores da Função Pública (ATFPM), que indica que as mulheres são um alvo fácil e estão sujeitas a muitas críticas. “A mulher em Macau está sujeita a críticas, seja no trabalho, ou na educação dos filhos. Quando há problemas em casa a mulher tem sempre responsabilidades”, defendeu. No mundo do trabalho, as mulheres, diz, não têm acesso ao mesmo lugares que os homens, mesmo que se interessem pelas questões sociais. “Seja no sector público como no privado”, apontou. “Recebo muito pedidos de ajuda de mulheres, que não conseguem arranjar trabalho, ou porque são mais velhas ou porque são recém-casadas e as empresas não as querem porque vão ser mães e vão pedir licença [de maternidade]. Não é fácil, não”, frisou. Para Rita Santos, a mulher é capaz de fazer tudo o que o homem faz mas os direitos das mulheres continuam a não ser respeitados. Os tempos não tendem, prevê, a mudar, visto que os “jovens estão cada vez mais materialistas” e pouco ou nada interessados nas questões sociais. “No meu tempo não era assim, porque nós víamos as coisas, preocupávamo-nos, não tínhamos os que os jovens têm agora”, rematou.
Andreia Sofia Silva Eventos MancheteChan Koonchung, autor de ‘The Fat Years’: “A censura está mais severa” De Macau guarda memórias de juventude, das férias passadas com os pais e dos cenários para filmes que pertenciam a um outro tempo. Chan Koonchung foi considerado o Escritor do Ano na Feira do Livro de 2013 em Hong Kong, onde já esteve radicado, até chegar à conclusão que era sobre a China que queria escrever. Um dos mais importantes escritores chineses, convidado do Rota das Letras deste ano, afirma que o Ocidente deixou de prestar atenção ao Tibete e que a situação da censura na China piorou [dropcap style=’circle’]C[/dropcap]omecemos pela sua participação neste festival. Como é estar em Macau a participar num evento desta natureza? Venho a Macau desde muito novo. Vivia em Hong Kong com os meus pais e vínhamos cá passar uns dias de férias. Tenho muitas memórias de Macau porque vinha cá provavelmente uma vez por ano. Nessa altura, Macau era um lugar muito mais pacífico do que é agora. Na década de 80 trabalhei na indústria do cinema de Hong Kong e fiz um filme que foi rodado cá, porque não podemos encontrar sítios como estes em Hong Kong – isto porque os locais deveriam remeter-nos para a década de 40. Nessa altura estive em Macau a filmar durante cerca de um mês. O Hotel Lisboa já lá estava e o jogo e o entretenimento sempre estiveram relacionados com a economia, para além de ser um lugar com a sua beleza especial. Foi um lugar especial em diferentes alturas da minha vida e, de repente, Macau transformou-se neste lugar megalómano com casinos e marcas internacionais. Ainda me estou a habituar a isso porque tenho memórias antigas da velha Macau, em que se podia jogar nos barcos. É importante estar num festival onde há esta mistura de idiomas e culturas? Penso que o Festival Literário é um bom instrumento para a introdução dos escritores, porque estes tendem a estar sozinhos. Vir a um festival obriga um escritor a conhecer outras pessoas. O lado português de Macau sempre constituiu um interesse para mim, um interesse quase académico, porque interessam-me a histórias das antigas colónias, tanto inglesa como portuguesa. Actualmente vive em Pequim, mas chegou a estar radicado em Hong Kong. Porquê essa mudança? Já vivo em Pequim desde 1992 e desde então não voltei a trabalhar em Hong Kong. Tenho vindo a trabalhar na China e em Taiwan também. Como escritor sempre quis escrever sobre a China, porque há um óbvio interesse na China, sobretudo ao nível dos direitos [das pessoas] e achei que era difícil escrever sobre a China em Hong Kong. Por isso tinha de estar dentro [do continente]. Tinha de me sentir próximo da China. Talvez outros escritores não sintam isso, mas eu tive de o fazer. Fui para a cidade com a qual estava mais familiarizado, que é Pequim. Em 1992 trabalhei lá durante três anos. Nessa altura Xangai ainda não era uma cidade muito desenvolvida e Pequim era o lugar ideal para realizar todo o tipo de actividades culturais. Escreveu sobre as relações entre o Tibete e a China, bem como outros aspectos ligados ao país. Nos dias de hoje é cada vez mais importante escrever sobre estes assuntos, sobretudo sobre o Tibete e a questão dos direitos humanos? Não estou certo sobre se a comunidade internacional continua a prestar a mesma atenção à situação no Tibete. Parece-me que está a focar a sua atenção noutras questões e lugares. O Tibete ainda está lá e ainda é uma questão sensível, mas não sei se as pessoas continuarão interessadas na questão como estavam há dez anos. Não sabia quase nada sobre o Tibete até que tive a oportunidade de fazer um filme lá, em meados dos anos 80. Um estúdio em São Francisco, de Francis Ford Coppola, queria fazer um filme sobre o 13º Dalai Lama e eu era um dos produtores. E foi quando comecei a fazer o meu trabalho de casa que comecei a aprender mais sobre o Tibete e a sua história. Desde então que tenho visitado Lhasa e conhecido muitos tibetanos, tanto em Lhasa como em Pequim. Os tibetanos são um dos grupos étnicos chineses que conheço melhor, para além dos chineses Han… E sempre quis escrever sobre o Tibete. Mas acredita que o mundo deveria continuar a prestar atenção à situação no Tibete? A questão dos direitos humanos está a esvanecer-se em relação à atenção que é dada pelo Ocidente, sobretudo pelas grandes forças, como o Reino Unido, a Alemanha ou os Estados Unidos. Já não estão focados em depositar a sua atenção nos direitos humanos e a questão do Tibete também tem vindo a desvanecer-se. Além disso, outras zonas da China começaram a ser mais alvo de atenção, ao nível dos grupos étnicos, e que se tornaram em questões internacionais. O Tibete é hoje uma questão local. A China é também um país muito forte e influente e a sua atitude mudou. Criou a Green Power. Acredita que o problema da poluição na China pode colocar a população contra o seu próprio Governo? Coloca sempre as pessoas contra os governos a nível local. As pessoas têm uma maior noção dos seus direitos, mas vão sempre assumir uma causa contra os governos locais. É muito difícil ganharem consciência quanto à criação de grupos para fazer pressão para que o Governo Central mude de política. Não vejo isso a acontecer muitas vezes. As pessoas falam enquanto indivíduos, há algumas ONG focadas nessa questão e associações a nível nacional, mas as pessoas vão continuar viradas para os problemas a nível local. Como é escrever na China nos dias de hoje? É hoje um país mais aberto ao mundo? Como tem sido a sua experiência? A China é de facto um país mais aberto ao mundo comparando com há 30 anos, mas é menos aberta se compararmos com há dez anos. Porquê? A melhor altura foi antes dos Jogos Olímpicos, em 2008, quando houve uma abertura. Mas claro que se compararmos com a fase da reforma implementada por Deng Xiaoping, a China abriu-se bastante ao mundo. Poderia ter feito melhor, abrir ainda mais. A situação actual não é muito confortável para muita gente, que preza a liberdade de expressão e que quer publicar. A situação está a ficar difícil para os editores, porque a censura está mais severa em vários aspectos, tanto ao nível da edição de livros como da imprensa, ou até na internet. Como olha para o caso do desaparecimento dos livreiros de Hong Kong? Esse caso chocou toda a gente. As pessoas achavam que isso nunca iria acontecer em Hong Kong. Os detalhes ainda não são totalmente conhecidos, mas há algo de terrivelmente errado nesse caso. Há editores que não querem ser os próximos a estar envolvidos num caso semelhante. A auto censura é sempre uma das coisas mais perigosas. Não é uma censura explícita, são as pessoas que se auto-censuram. Isso é o mais grave. O seu próximo livro poderá ser sobre Macau? Claro que gostaria de escrever algo sobre Macau, mas talvez não esteja muito qualificado para o fazer. Talvez faça um romance sobre a China. Poderia dar-lhe este, está em português não está? (Mostra a edição portuguesa de The Fat Years: China 2013). Escrevi este livro em 2009, para falar do novo normal, a nova mentalidade a seguir aos Jogos Olímpicos, sobre o facto da China estar a ter um bom desempenho económico. Porque houve uma crise financeira no Ocidente em 2008. As pessoas na China começaram a sentir-se mais confiantes em relação a elas mesmas e também mais ricas. Mas nessa altura, em 2009, os meus amigos não viam a China dessa forma, então escrevi como se estivéssemos em 2013, como se fosse no futuro, com eventos ficcionados para expressar a minha visão. Esse novo normal é bom para a China e para a sua sociedade? Os chineses, tal como disse, tornaram-se mais confiantes, mas às vezes confiantes de mais. Tornaram-se mais descomplexados e menos desadequados [em relação ao mundo], mas às vezes compensam isso sendo demasiado agressivos. O ano de 2008 foi um ano crítico que alterou por completo todas as mentalidades. Perfil Chan Koonchung nasceu em Xangai, China, em 1952, tendo estudado na Universidade de Hong Kong e também nos Estados Unidos. Jornalista, activista na área do ambiente, Chan Koonchung foi considerado o Escritor do Ano na Feira do Livro de Hong Kong em 2013. Escreveu sobre as relações entre a China e o Tibete em “The Unbearable Dreamworld of Champa the Driver”, lançado em 2014, sendo que o romance “The second year of Jiang: An alternativa history of new China” foi considerado um dos dez melhores romances chineses em 2015, pela revista Asia Weekly de Hong Kong. Chan Koonchung está também ligado ao cinema, tendo criado a Hong Kong Film Directors Association. Com “The Fat Years”, escrito em 2009, Chan Koonchung aventura-se no universo da ficção, já que narra um futuro 2013. Este livro nunca foi publicado na China continental.
Joana Freitas Manchete SociedadeColoane | Adjudicação “não tem de estar” em BO. Terreno fora da zona de protecção O lote adjudicado a Sio Tak Hong “não tem” de estar publicado em BO, mas o Governo garante que se encontra fora da área de protecção em Coloane [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]adjudicação do terreno em Coloane onde poderá ser construído o empreendimento de luxo de Sio Tak Hong não está – nem tem de ser – publicada em Boletim Oficial. Isso mesmo garante a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) ao HM, numa resposta onde é ainda assegurado que o lote se encontra fora da área protegida de Coloane. “Não é necessário, nos termos legais, a publicação no Boletim Oficial da RAEM do aproveitamento dos terrenos em regime de propriedade perfeita”, diz a DSSOPT, que reitera que o projecto não vai ser entregue ao Conselho de Planeamento Urbanístico (CPU) porque não tem ainda planta. “O processo não será enviado ao CPU para debate, uma vez que o titular do terreno ainda não solicitou a emissão de Planta de Condições Urbanísticas.” A questão em torno do empreendimento que pode vir a nascer na Estrada do Campo tem levantado polémica não só pelo facto da empresa responsável pertencer a um ex-membro político, Sio Tak Hong, mas também por ter sido permitida a construção de torres de habitação com cem metros de altura na montanha de Coloane. O facto da adjudicação ter sido feita directamente e “de forma rápida” – em menos de dois meses – como denunciaram deputados e do relatório de avaliação ao impacto ambiental ter sido feito pela construtora e aprovado pelo Executivo também não ajuda. Além das questões acima, o HM quis ainda saber junto da DSSOPT se o empreendimento está fora da zona de 198 mil metros quadrados de área protegida em Coloane. O organismo diz que sim. “[A lei] define claramente que a zona classificada da Ilha de Coloane abrange a área acima da cota de 80m (nível médio do mar) da Colina de Coloane. Porém, o aludido empreendimento não se encontra dentro do âmbito da zona classificada definida pelo diploma legal acima referido”, pode ler-se. Kwan pede bloqueio A deputada Kwan Tsui Hang juntou-se recentemente às vozes que têm vindo a pedir para que o projecto seja bloqueado, ideia também apresentada por Lam Iek Chit, membro do CPU. Ao Jornal do Cidadão, Kwan Tsui Hang disse que o Governo tem um “padrão duplo” face a diferentes projectos. “O projecto vai envolver a escavação da montanha e provoca polémica na sociedade. Porque é que o Governo tem que avançar com o projecto?”, questionou, pedindo que o assunto seja mais transparente e que o projecto seja entregue à discussão do CPU. “Coloane é o único pulmão da cidade e deve manter-se a natureza pelas futuras gerações”, diz Kwan Tsui Hang, juntando-se à União Macau Green Student, que pediu ao Governo a publicação do último relatório de avaliação ambiental do projecto que foi aprovado pela Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA). O Governo, recorde-se, disse que a publicação do documento dependeria da empresa construtora. A semana passada, contudo, Chui Sai On assumiu que se “podia compreender a possibilidade de se poder aumentar a transparência das informações divulgadas e permitir uma maior participação de todos”.
Filipa Araújo Manchete SociedadeEnsino | Apoio para estudantes que queiram melhorar idiomas O Governo vai criar uma bolsa de apoio a recém-licenciados que queiram viajar até um país estrangeiro para aprender, ou melhorar, o idioma local. É uma bolsa temporária, com duração de 12 meses, e que pretende preparar e adaptar os recursos de Macau ao mundo internacional [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, anunciou ontem que o Governo irá lançar, ainda este ano, um programa de empréstimos a recém-licenciados para que estes possam aprender ou melhorar uma língua estrangeira no exterior. A ideia é fazer com que os recursos de Macau melhor se adaptem à globalização. “Estamos a pensar lançar um programa que tem por objectivo dar bolsas aos alunos para que estes se possam deslocar ao exterior. Lugares que dominem a língua inglesa, por exemplo, como a Inglaterra ou Estados Unidos. Isto para que dominem melhor a língua”, exemplificou o Secretário. Apesar dos poucos detalhes, Alexis Tam explicou que, em princípio, este programa terá uma duração de 12 meses e o dinheiro emprestado terá de ser devolvido. “Vamos discutir no futuro, nos próximos meses daremos uma resposta. Os jovens terão de devolver o dinheiro. Os critérios serão muito rigorosos para a escolha dos bolseiros”, afirmou ainda, indicando que isto ajudará a garantir que o montante possa, de facto, ser devolvido. Questionado sobre o valor, o Secretário indicou ainda não existir um valor fixo. A vontade do Governo é implementar o programa ainda este ano. “Pretendemos ter resposta ainda este ano. Coloquei esta ideia a muitos reitores, associações e colegas e estão de acordo”, apontou. A medida, que permitirá melhora as competências profissionais e linguísticas dos recursos humanos de Macau, vai ainda contemplar os residentes de Macau que foram estudar para fora e que agora retornam ao território, assegurou ainda Tam. Esses alunos, que talvez estejam um pouco mais afastados do mandarim, poderão também usufruir de uma bolsa para “fortalecerem e aprofundarem” a língua do continente. “Macau como um centro de plataforma entre os países de Língua Portuguesa [será beneficiado] com este programa, que vem contribuir e ajudar os estudantes”, disse, incluindo nesta lista os estudantes de Língua Portuguesa que poderão voltar, durante este período, a Portugal. Confiança na USJ Relativamente à decisão da China continental em não permitir que a Universidade de São José (USJ) possa receber alunos do continente, Alexis Tam diz que a instituição deverá preparar-se melhor para que possa convencer a China e os encarregados de educação que é a melhor opção para os futuros alunos. Depois da construção das novas instalações, a decisão, acredita o Secretário, poderá mudar. “Desde o início estava a apoiar a USJ. Penso que é uma universidade boa. Tem cooperação com a Universidade Católica portuguesa e outras do mundo. Esta vai ser uma boa universidade de Macau, mas está ainda em construção (…) Ainda não temos um campus concreto. Talvez daqui para a frente, quando tiver as instalações, se funcionar bem, penso que de certeza vai atrair os alunos da China para estudarem lá. Vou apoiar. Tenho muita confiança. Vamos ver, temos que mostrar que é uma boa universidade”, indicou o Secretário aos jornalistas. E a nossa história? Questionado sobre a ideia defendida pela Associação de Educação de Macau em reformular os manuais escolares colocando mais matéria do território no ensino em vez de Hong Kong e China continental, Alexis Tam afirmou que a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) já está a levar a cabo esse trabalho. “Estamos muito interessados, cabe à DSEJ analisar, aliás já está a fazer esse trabalho. (…) Os alunos de Macau devem conhecer a história de Macau, para nós é muito importante. E devem conhecer a história da China e também do mundo”, apontou. Relativamente às declarações de Guo Xiaoming, inspector da DSEJ, de que os bons e os maus momentos da história da China devem ser ensinados nas escolas, Alexis Tam disse não poder “estar mais de acordo”.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeMacau | Presença portuguesa é “anacrónica”, diz Pacheco Pereira Para o político e historiador português, a presença portuguesa em Macau é “anacrónica”, por depender de um tempo histórico, mas deve ser aproveitada pelo Governo local, porque “não dá dinheiro, mas dá mundo”. José Pacheco Pereira critica ainda a entrada de capitais chineses na REN [dropcap style=’circle’]F[/dropcap]oi o rosto que abriu a 5ª edição do festival literário Rota das Letras e confessa que a Macau que viu nada tem a ver com aquela que conheceu quando veio, com Jorge Sampaio, inaugurar o Centro Cultural de Macau. José Pacheco Pereira, político e historiador, revela, em entrevista, que a presença portuguesa em Macau depende da história, mas deve ser valorizada. “Quando vimos de fora, é evidente que quando olhamos para a presença portuguesa, vimos que ela é anacrónica. Não há mal nenhum nisso. Ela é anacrónica no sentido em que está presa a um momento histórico e sobrevive pelo seu valor cultural e histórico. Mas isso não é só em Macau, noutras circunstâncias também, como em Goa, por exemplo”, disse ontem à margem de uma palestra na Universidade de Macau. Para Pacheco Pereira, cabe ao Governo local aproveitar as vantagens dessa presença portuguesa. “Um Governo consciente gosta da diferença. É evidente que ser a capital do jogo dá dinheiro. Esta diferença não dá dinheiro nenhum, mas dá mundo. E isso é uma coisa com valor”, apontou. O político e historiador, que também enveredou pela escrita com a biografia de Álvaro Cunhal, falou ainda do facto de Portugal ter deixado de apostar na diplomacia cultural e linguística. “Aceitámos a perda de importância do português em muitos países onde tinha cátedras e em que era ensinado como primeira língua. Desinvestimos no Instituto Camões, nos leitorados e nas universidades, e substituiu-se isso com a ideia de que a diplomacia económica iria resolver a influência cultural. Não resolve. É importante, mas depende muito de conjunturas externas. A influência cultural é um factor muito importante”, apontou. Os problemas na China Referindo que a China é “uma experiência única sem nenhum paralelo”, José Pacheco Pereira considerou que a permanência de uma economia capitalista “necessariamente irá gerar tensões sobre o sistema político”. “Quando olho para a China, penso que mais cedo ou mais tarde esta situação não é sustentável. O crescimento económico, a vinda de pessoas para as cidades, a reivindicação de direitos do trabalho, gera de facto alguma tensão política que não se resolve apenas com o crescimento económico. Mais cedo ou mais tarde haverá um problema político na China, porque o crescimento económico não pode continuar sem que mude o modelo da sociedade. Ao mudar o modelo da sociedade muda o modelo político”, apontou. Pacheco Pereira falou ainda dos investimentos chineses que têm sido feitos em Portugal, criticando a entrada de capitais na Rede Energéticas Nacional (REN), pelo facto da rede eléctrica ser “um activo estratégico”. “Ninguém admitia que há dez anos a Energias de Portugal (EDP) ou companhias de seguras fossem chinesas, e isso é uma diferença drástica. Quando falamos sobre globalização normalmente falamos da China, mas ainda assim há muita ignorância sobre a situação concreta da politica chinesa, a não ser da circunstância de que uma parte importante de Portugal foi comprada por empresas, algumas estatais, da China”, lembrou. Pacheco Pereira considerou ainda que a crise económica tornou Portugal um país mais virado para si mesmo. “Vivemos muito dominados pelos problemas da dívida pública e pelos problemas de anos de ajustamentos. Isso funciona como uma barreira na nossa relação com o mundo, e nestes últimos anos tornamo-nos mais paroquiais. A crise económica atirou para fora de Portugal um conjunto de gente qualificada, muito jovem, e ao mesmo tempo tornou-nos mais paroquiais e menos cosmopolitas”, rematou. Instrumentos para Direito Confrontado com o caso do regresso dos magistrados portugueses a Portugal, Pacheco Pereira defendeu que o país deve apoiar os mecanismos que permitem a manutenção do Direito de Macau. “Gabamo-nos de ter deixado o Direito, mas depois temos de deixar instrumentos para que esse Direito se mantenha. Mas não conheço o caso”, frisou. Vistos Gold sem influência José Pacheco Pereira acredita que o caso dos Vistos Gold não vai influenciar as relações entre Portugal e a China, muito menos levar ao fim da política. “Não porá em causa o mecanismo, poderão ser feitas alterações na forma como se desenvolve. Como o grosso dos investimentos foi feito no imobiliário de luxo, foi bom para as agências que trabalham nessa área, mas não há praticamente investimento noutras áreas. O processo irá normalizar-se e não virá um problema de eventuais conflitos com a China”, disse.
Joana Freitas Manchete SociedadeConselho de Magistrados tem sido “negação de fiscalização” [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]facto de o Chefe do Executivo ter o poder de nomear magistrados e membros para o Conselho de Magistrados é incompatível com a ética e não permite a fiscalização. É a ideia de Jorge Neto Valente, presidente da Associação de Advogados de Macau (AAM), que falava aos jornalistas depois de ter sido questionado sobre a possibilidade de existir incompatibilidades com a renomeação de Chui Sai Cheong, irmão do Chefe do Executivo, como membro do Conselho de Magistrados. O advogado diz que a incompatibilidade não é só neste caso: “há incompatibilidades sempre que o Chefe do Executivo nomeia magistrados para qualquer situação” – algo que só começou a acontecer desde o regresso de Macau à pátria. “O Chefe do Executivo também não devia designar deputados sem autorização da AL, isso só mostra que os deputados não são tão independentes como isso. No nosso sistema, a separação de poderes é condicionada pela liderança do poder executivo, que nomeia deputados e membros para comissões.” O presidente da AAM ressalva que o líder do Governo nomeia magistrados de acordo com uma comissão “chamada independente”, que não depende directamente do Executivo, ainda que tenha pessoas de lá, mas diz também “acontecem situações em que há colocação de magistrados e movimentos que são feitos”, de forma que não parece ser independente. “Na política não interessa só a incompatibilidade jurídica ou legal, interessa a ética, quando se toma alguma decisão deve passar para a sociedade que essa é ética. Se parece mal à sociedade, então está mal, mesmo que seja consentido por uma lei qualquer”, defende. Quem controla? Também o caso de Ho Chio Meng, nomeado por Chui Sai On, demonstra essa falta de supervisão. “O caso [de Ho Chio Meng] veio pôr a nu as fragilidades do sistema e isso é preocupante. Quem fiscaliza o fiscal? O que se vê é que o sistema não é transparente, porque deveria haver um equilíbrio onde, seja quem for o titular do cargo, pode estar sujeito a fiscalização.” Neto Valente diz que o trabalho de Ho Chio Meng como procurador é motivo para estar mais preocupado do que a adjudicação ilegal de obras, devido à existência de “tráfico de influências”, que acontece porque “ninguém fiscalizava” o trabalho de Ho Chio Meng enquanto procurador da RAEM. “O procurador é presidente do Conselho de Magistrados do MP com mais quatro pessoas e isso é o que faz a corporativização dos órgãos. No Conselho dos Magistrados Judiciais o presidente é o presidente do Tribunal de Última Instância e mais quatro pessoas e isso indica que não se passa nada. Esses conselhos têm sido a negação de qualquer fiscalização e o sistema tem de ser alterado para que possa funcionar sem ser em regime de corporação fechada, em que se tapam uns aos outros.” Fong Chi Keong | “Não estou envolvido no caso Ho Chio Meng” O deputado nomeado Fong Chi Keong assegura que não está envolvido no caso de alegada corrupção do ex-procurador do Ministério Público, Ho Chio Meng. Segundo o canal chinês da Rádio Macau, o também representante de Macau no Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês foi questionado sobre a existência de rumores que indicavam o seu envolvimento no caso, uma vez que é construtor, mas Fong Chi Keong diz que estes não são verdadeiros. “Ganhar dinheiro é com a cabeça, não através de corrupção”, frisou. Presidente da AAM nega estar a ceder a pressões Jorge Neto Valente descarta a acusação de estar a sofrer “pressões” no cargo de presidente da Associação de Advogados de Macau (AAM) e diz que não pode ceder a todos os pedidos. Instado a comentar o que a advogada Manuela António disse ao HM, na semana passada – que o presidente estaria a ceder a pressões e, por isso, a não desempenhar tão bem o seu papel -, Neto Valente defende que o que está em jogo por parte da advogada “não tem a ver com ceder a pressões, porque não houve alterações de coisa nenhuma”. “Tenho dito que estamos preocupados com a qualidade do ensino, que tem vindo a degradar-se, e devemos exigir mais da qualidade dos cursos de Direito – e alguns até deviam fechar. Sobre isso não há alterações. O que houve – e que está a preocupar a Dra. Manuela António – foi o fechar do protocolo e o impedir que venham advogados de Portugal aos cinco e seis por mês”, começou por defender. “A AAM não trabalha só para advogados portugueses. Representamos 400 advogados e temos em conta o interesse de todos, não podemos preocupar-nos com um caso em particular – se a Dra. tem situações de pessoas que gostavam de vir, eu também tenho. (…) Talvez a maioria ache que não deve vir ninguém e a opinião da maioria é que conta”, frisou, salientando que vai haver em breve uma assembleia-geral da Associação onde se vão discutir esses pontos.
Joana Freitas Manchete SociedadeDecisão do TUI sobre recusa de habeas corpus criticada [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]recusa do pedido de Habeas Corpus ao ex-procurador Ho Chio Meng é fruto de “um resultado absurdo” e sinónimo de falhas na justiça. É o que defende o presidente da Associação de Advogados de Macau (AAM), Jorge Neto Valente, quando questionado pelos jornalistas sobre a questão. O responsável critica o facto de Ho Chio Meng – que continua listado como magistrado e é ainda procurador-adjunto – não ter sido considerado pelo Tribunal de Última Instância (TUI) como magistrado por estar a exercer funções de presidente da Comissão de Estudos do Sistema Jurídico. “Acho preocupante um senhor que é magistrado, ter dias em que não é. Já não sei em que lei estamos. Se calhar a lei de Macau não deveria era deixar alguém ser magistrado sem ser magistrado de carreira”, começou por dizer Neto Valente, referindo-se ao facto de o ex-procurador não ter tirado Direito de Macau. “Em Macau arranjou-se um esquema onde é possível nomear comissários políticos [para o lugar de magistrado] (…), ele não estudou Direito de Macau, nem em Macau. Tem de se evitar [ter] um magistrado não independente e sem sólidos conhecimentos do Direito de Macau”, disse, ressalvando, contudo, que ele foi, de facto, nomeado para o cargo. “Se alguém é magistrado, nunca o deixa de o ser. Esta interpretação conduz a resultados absurdos: numa semana é-se magistrado, na a seguir já não se é. Isto é difícil de compreender. [Afecta a imagem da justiça] o facto dele agora não ser considerado magistrado”, diz o presidente da AAM, salientando que não faz sentido “um senhor que tenha saído de procurador e que passou a ser procurador-adjunto, de repente, deixar de ser magistrado porque estava em comissão de serviço”. O advogado reitera que o principal “problema está em que o sistema tem sido analisado à luz de casos pontuais” e a lei, diz, deveria ser reformulada. “Há aqui situações que roçam o sinistro.”
Flora Fong Manchete PolíticaJovens | Susana Chou fala de “pressões” perante críticas Susana Chou, ex-presidente da Assembleia Legislativa, escreveu no seu blogue que os jovens que criticam abertamente o Governo acabam por ser alvo de pressões [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]antiga presidente da Assembleia Legislativa (AL) considera que é fácil os jovens serem alvo de pressões por parte do Governo ou dos dirigentes das associações quando fazem críticas ao desempenho do Executivo, tudo para que seja mantida a “harmonia na sociedade”. No mais recente texto publicado no seu blogue, Susana Chou considera que estas críticas devem ser compreendidas e aceites. “Quando os jovens consideram que o Governo teve um mau desempenho ou fez pouco trabalho sentem-se insatisfeitos e acabam por expressar as suas opiniões. Mas quer se tratem de críticas positivas ou negativas, sofrem sempre pressões vindas do Governo ou de dirigentes de associações”, escreveu a ex-presidente da AL. Para Susana Chou, estas pressões acontecem porque tanto os membros do Executivo como das associações ficam “nervosos”, dado o facto da sociedade local ser mais pacífica, o que faz com que adoptem medidas para combater as vozes críticas. Cena de “ódio” Susana Chou falou ainda das suas próprias experiências, referindo ter sido “isolada” ou reprimida nos seus actos e palavras porque não participou em nenhuma associação quando era deputada e presidente da AL. Susana Chou disse ainda que discutia muito com os deputados que tinham opiniões contrárias à sua, o que levou a que muitos dirigentes das grandes associações a sentirem “ódio”, pelo facto da antiga presidente “não pertencer ao mesmo clã”. A ex-presidente da AL lembrou que alguns dirigentes de associações “tentaram excluir-me da AL em 1992”, não tendo conseguido esse objectivo porque Susana Chou foi eleita deputada. Um oficial do Governo Central que estava em Macau criticou ainda Susana Chou por não “ouvir” as opiniões de Pequim. Como Susana Chou criticava sempre o mau desempenho do Governo de Macau, foi considerada na altura a “maior opositora” face a Macau, escreveu a ex-presidente. Susana Chou pede, assim, que os jovens não cedam a pressões e que apresentem sempre as suas opiniões. “Os jovens conversaram comigo e disseram-me que, para além de sentirem pressão, consideram que a sociedade de Macau está a passar por fase negra e sem esperança, já que as críticas deles são sempre encaradas como sendo do contra apenas porque sim. Fico triste com isso, porque os jovens são bem educados e razoáveis e querem contribuir para a sociedade”, revelou na publicação. Para a ex-presidente da AL, a perseguição que é feita às opiniões dos mais novos é uma medida “estúpida e inapropriada”, já que, embora sejam fortes, as críticas são feitas com “boa-fé” e são justificadas, devendo por isso ser aceites. Caso contrário, Susana Chou acredita que podem surgir conflitos sociais mais extremos.
Flora Fong Manchete SociedadePatrimónio | Associações exigem autonomia na gestão dos templos O incêndio no templo de A-Má levantou a questão: quem deve gerir os templos espalhados pela cidade? A deputada Kwan Tsui Hang entende que deve ser uma entidade governamental, mas as associações não concordam e defendem a autonomia na sua gestão [dropcap style=’circle’]M[/dropcap]acau possui 47 templos chineses e todos eles podem ser considerados históricos, por terem sido construídos antes ou depois de 1800, século XIX. Ao longo de décadas, os templos têm sido geridos de forma voluntária pela população, incluindo grupos de moradores ou até famílias, sendo que essa gestão tem sido transmitida de geração em geração. Actualmente cabe a associações de beneficência. O incêndio ocorrido no templo de A-Má no mês passado trouxe a público a questão da gestão dos templos e a quem cabe a responsabilidade de garantir a sua segurança. Numa interpelação recente, a deputada Kwan Tsui Hang defendia que o Governo deveria elaborar uma lei sobre esta situação, para além de criar uma entidade própria para gerir estes espaços. Contudo, essa ideia parece não ser aceite pelos responsáveis dos templos com quem o HM falou. Lok Nam Tak, secretário-geral da Associação de Beneficência do templo Tou Tei, localizado na zona do Patane, defende que o Governo deve respeitar a autonomia de cada templo, já que cada um representa parte da história de Macau e é uma forma de unir os moradores. Lok Nam Tak acredita que a intervenção do Governo na gestão dos templos não só vai diminuir o seu valor como vai aumentar a pressão relativamente aos dinheiros públicos a aplicar, problemas que considera serem “desnecessários”. Lok Nam Tak mostra-se contente com o facto do templo Tou Tei nunca ter tido um incêndio com a mesma dimensão daquele que ocorreu em A-Má, frisando que a associação sempre esteve atenta aos actos de queimar incensos e papéis, bem como a situação do fornecimento de electricidade. Dúvidas profissionais Lou Shi Kiang, que gere o templo Hong Kung por adjudicação desde 1999, considera “impossível” a criação de uma única entidade governamental para gerir os templos, já que “cada um é diferente”. O responsável diz ter dúvidas quanto à existência de “verdadeiros profissionais” que compreendam o funcionamento destes espaços ou os seus costumes e religiões. Ip Tat, presidente da associação que gere o templo Na Tcha há mais de 20 anos, diz que este é um espaço que “gasta mais do que ganha”, situação semelhante a todos os templos de Macau. “Os templos não são uma questão de superstição, mas de tradição que nós queremos transmitir às novas gerações. Nenhum membro da associação é pago. Mas se todos os templos forem geridos por um único departamento do Governo, vai haver mais confusão e conflitos. Em nenhum lado do mundo existe uma gestão unificada. O Governo deve apoiar as crenças, mas de forma independente.” Oi, que trabalha para a Associação do Templo Na Tcha e que é responsável pela gestão diária do templo situado atrás das Ruínas de São Paulo, foi a única pessoa com quem o HM falou que concorda com a ideia da deputada Kwan Tsui Hang. Para ela, a criação de uma entidade pelo Governo poderia significar melhores condições de trabalho, numa altura em que não tem um único dia de descanso. Aqui não é A-Má – Gestão autónoma feita com poucos fundos Gerir os templos de forma autónoma nos dias de hoje significar manter crenças e tradições com base em poucos fundos financeiros com recurso ao voluntariado e à boa vontade dos residentes. O lado comercial que se verifica diariamente no templo de A-Má não se verifica na maioria dos templos de Macau, defendem intervenientes. O templo Tou Tei, na zona do Patane, tem uma história de centenas de anos e é composto por quatro grandes salas, onde se presta o culto aos deuses Tou Tei ou Kun Iam, entre outros. Um assistente, de apelido Kwan, trabalha lá há quatro anos e o seu trabalho consiste em limpar o espaço e mantê-lo. Há três anos começou-se a proibir a queima de incenso e de papéis dentro das salas do templo. Sem muitos visitantes ou doações, o templo Tou Tei apenas foi alvo de duas renovações desde a transferência de soberania, em 2001 e 2015. Tem sido sempre gerido pelos moradores. Para Lok Nam Tak, este templo não tem uma “natureza comercial”. Sem subsídios do Governo, o responsável garante que as doações não são suficientes, sendo que muitas vezes nem chegam para pagar a Kwan. As rendas recebidas dos imóveis detidos pela associação é que garantem o sustento do templo. “Todos os meses temos mais despesas do que rendimentos, mas não nos importamos, porque achamos que temos a responsabilidade de preservar aquilo que os nossos antepassados nos deixaram”, referiu Lok Nam Tak. O Templo Hong Kung é gerido, desde 1999, por Lou Shi Kiang e a esposa. A sua propriedade pertence à Associação de Piedade e Beneficência “Hong Kong Mio, sendo que Lou entrega todos os meses um montante à associação. Sem gozar os feriados, todos os dias, Lou Shi Kiang entra no templo às oito da manhã, hora em que começa a arrumar o espaço e os utensílios ligado ao culto. Os rendimentos do templo Hong Kung dependem também de doações, das vendas de incenso ou papéis. Também este espaço se afasta da imagem de um templo comercial. “Não sugerimos aos visitantes que comprem produtos, tudo depende da sua vontade.” Sem comércio Atrás das famosas Ruínas de São Paulo situa-se o templo de Na Tcha. Apesar dos muitos visitantes que encontrámos a um domingo, a maioria não entra. Oi, da Associação do Templo Na Tcha, explica como tudo funciona. “Aqui não somos como o templo de A-Má, que é muito conhecido internacionalmente e para onde os guias levam todos os turistas. Somos um templo pequeno e não temos o lado comercial”, explicou ao HM. O templo de Na Tcha também sobrevive à custa de doações e de vendas de produtos ligados ao culto, sempre com lucros muito baixos. Ip Tat, presidente da associação, contou que gere o templo Na Tcha há mais de 20 anos, sendo este um espaço que “gasta mais do que ganha”, situação semelhante a todos os templos de Macau. Outro templo ligado ao culto Na Tcha, localizado na Calçada das Verdades, é gerido por Hou, uma trabalhadora não residente contratada pela Associação de Beneficência do Templo Na Tcha. Hou disse ao HM que no dia-a-dia são poucos os turistas que por ali passam, sendo que moradores acabam por constituir a maior parte dos visitantes. Cheang Kun Kuong, director da associação, garante que muitas vezes os membros da associação têm de investir dinheiro do seu próprio bolso. “Os templos de Macau têm sido mantidos pela população ao longo do tempo. Não nos importamos de servir o templo porque quando temos saúde, o dinheiro não é nada”, referiu. IC autorizou obras em 29 espaços em dois anos Numa resposta enviada ao HM, o Instituto Cultural (IC) defende que os proprietários e gestores dos templos têm a responsabilidade de proteger os espaços classificados pela UNESCO mas que, devido a exigências técnicas, e “de acordo com as necessidades reais”, o IC “ajuda os templos tanto quanto possível nas obras de restauro”. Em dois anos o IC já deu apoio a obras de restauro em 29 templos, nomeadamente no tratamento e prevenção da formiga branca, garantindo sempre o traço original do templo e das estátuas. O IC diz ainda que colabora anualmente com o Corpo de Bombeiros na promoção de sensibilização para a prevenção contra incêndios nos templos, sendo que todos os anos faz inspecções regulares, registando o estado da manutenção e relembrando aos proprietários e gestores o reforço dos trabalhos de gestão. Contudo, Lou Shi Kiang fala de problemas nas reparações, apontando que o IC financia as reparações, mas que devido à Lei de Salvaguarda do Património Cultural “é fácil entrar num dilema”, sobretudo quando é necessário reparar as estátuas dos deuses. “Se repararmos uma parte do templo mas o IC considerar que está mal feita, podemos ser acusados de destruir o património. Temos pressões quando fazemos as limpezas diárias, porque não há regras que determinem se a destruição aconteceu por acção humana ou de forma natural”, disse o responsável do templo Hong Kung. Lou Shi Kiang diz que não há comunicação entre o Governo e os gestores dos templos. No caso do templo Na Tcha junto às Ruínas de São Paulo, Oi explicou que o IC já deu instruções para a mudança das mesas e cadeiras, mas a funcionária não concorda, referindo que são “históricos e úteis”. Oi também lança criticas às reparações suportadas pelo Governo. “Precisamos de reparar a ventoinha há um ano e temos crentes com vontade de nos ajudar, mas o IC não permite. Só que estamos à espera do IC há muito tempo e a ajuda ainda não chegou. Já nos aconteceu um crente querer-nos ajudar a reparar uma porta sem pagarmos, mas o IC acabou por pagar a reparação de dez mil patacas”, rematou. Crença Tou Tei candidata a protecção da UNESCO Lok Nam Tak, secretário-geral da Associação de Beneficência do templo Tou Tei, garantiu ao HM que vai apresentar a candidatura da crença de Tou Tei a Património Mundial Imaterial da UNESCO, sendo que os documentos oficiais para o processo deverão ser entregues ao Instituto Cultural “em breve”. Para Lok Nam Tak, a crença Tou Tei está bem preservada em Macau, por comparação a Hong Kong, Taiwan e até interior da China. Isto porque só em Macau se realiza um festival anual.
Joana Freitas Manchete SociedadeCaso Lisboa | Defesa diz não haver provas para condenar arguidos e critica MP A sentença para o chamado Caso Lisboa acontece a 17 de Março, mas a decisão não vai ser fácil para o TJB: se a acusação fala em diversos crimes, a acusação destrona os argumentos, criticando não só a actuação do MP – que apelida até de “ficcional” – como assegurando que não há quaisquer provas que levem Alan Ho e cinco funcionários do hotel à cadeia [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão há provas que sirvam de base à condenação dos arguidos do caso que tem Alan Ho como principal arguido. É o que defende a defesa dos seis réus, no que às acusações de associação criminosa e controlo de prostituição diz respeito. Numa audiência marcada por muitas críticas ao Ministério Público (MP) – acusado de seleccionar informação e de tecer acusação com base em suposições -, os advogados de Alan Ho, Kelly Wang, Bruce Mak, Peter Lun, entre outros, pediram a absolvição dos arguidos. O principal ponto prendeu-se com a questão da “gestão das prostitutas” dentro do hotel. O MP diz que os arguidos decidiam quais as mulheres que poderiam ficar alojadas no hotel, quantas delas e “a forma como se vestiam”. Acusação refutada pela defesa, na voz de Jorge Neto Valente (Alan Ho) e de Francisco Leitão (Kelly Wang), que relembram que o controlo das “meninas do Lisboa” era algo necessário, sendo que “até o Governo” pediu para que se implementassem medidas. E as autoridades, frisam os advogados, também estavam cientes do que se passava no Lisboa, mesmo antes da entrada de Alan Ho para dirigente do hotel. “No Nevada, por exemplo, há regras para conter e disciplinar a prostituição. Em Macau proíbe-se a exploração, mas permite-se que exista a prostituição e não há regras públicas, portanto é evidente que tem de existir margem de tolerância. Não pode ser considerado auxílio, aliciamento ou controlo quando se tentam implementar essas regras, até porque o hotel reserva-se ao direito de admissão dos hóspedes e estes são diferentes do habitual”, defendeu Francisco Leitão, advogado de Kelly Wang, gerente. “Ainda por cima, ao limitar o local, o número de pessoas e a dizer-lhes para não vestir roupa ousada, o hotel está apenas a dificultar a actividade. Está a trazer dificuldades acrescidas à prostituição, ao apertar as medidas em relação ao pedido do Governo, que reclamava que se implementasse algum controlo.” O MP acusa os suspeitos de controlarem as prostitutas a troco de benefícios, especialmente por reservarem o quinto e sexto andares do empreendimento para as mulheres, mas os advogados evocam testemunhos e o próprio relatório da Polícia Judiciária para dizer não só que “a maioria das mulheres” admitiu que se prostitua a troco de benefícios próprios, como para dizer que os pisos definidos era para as mulheres não se misturarem com os restantes clientes. “A prostituição acontece em vários hotéis em Macau e não é ilegal. Nunca existiram instruções para que não se pudessem celebrar contratos de hospedagem com mulheres que a praticam. Antes [de Alan Ho] ser chefia já se sabia da prostituição no Lisboa. A polícia era chamada frequentemente para resolver problemas, havia rusgas no hotel e elas voltavam lá sem que este fosse informado para não lhes dar quarto”, frisou Neto Valente, defensor de Alan Ho. “A polícia nunca advertiu para que se deixassem de alugar quartos, as autoridades estavam cientes da prostituição e as condutas agora imputadas aos arguidos e a estrutura do funcionamento eram publicamente conhecidas pelas autoridades”, adiantou Francisco Leitão. Ordem na casa Os advogados ressalvam que a reserva de dois pisos para as “meninas” era apenas para que se limitasse essa actividade a determinados locais do hotel, de forma a que os clientes não “fossem incomodados”, e às rusgas da polícia. Rusgas que, assegura a defesa, sempre tiveram a colaboração dos funcionários do hotel. “Sempre houve prostitutas, apenas depois do ano 2000, como disseram testemunhas, decidiu pôr-se ordem na casa para o hotel não se transformar num bordel. Alan Ho deu ordens para não haver proxenetas nas imediações e, se houvesse, recusavam-se quartos. Muitas vezes era o hotel que chamava a polícia e a PJ admitiu que o hotel os deixava ir aos quartos sem mandato”, defendeu Neto Valente. “Davam até acesso a salas de vigilância e salas onde as mulheres eram interrogadas. Os seguranças não deixavam as mulheres sair quando vinha a polícia e os funcionários do hotel prestavam colaboração quando não eram eles que chamavam as autoridades. Se a intenção era ajudar as mulheres a fugir da polícia, então o plano era contraditório, para não dizer que era estúpido”, acrescentou Francisco Leitão. O MP fala de um código entre os seguranças – que a defesa diz ser algo normal ao nível de um hotel e ressalva não ser o único – e de um sistema de registo das prostitutas, supostamente conhecidas sob códigos como “YSL – Young Single Ladies”, e de um balcão de registo. Código que a defesa diz que existia antes destes funcionários lá estarem e balcão que, defende, servia apenas para não incomodar os outros clientes. “Elas pagavam os quartos como os outros hóspedes. O MP está a tentar convencer-nos que a prostituição em Macau começou em 2013 com um quadro superior da STDM e uma rapariga de 28 anos vinda da China. O próprio MP parecia não estar muito certo da razão porque está a perseguir os arguidos. Temos na acusação elementos que querem dar sofisticação à rede. O sistema YSL é muito anterior a 2013, o software de que fala a acusação é o mesmo que servia para gerir todos os outros hóspedes do hotel, não era secreto. O balcão de registo não servia exclusivamente para este fim, não é como a acusação quer fazer parecer. Eram os próprios clientes não queriam misturas e o balcão foi adoptado devido a queixas”, reiterou Leitão. Ficção e histórias mal contadas De acordo com o MP, os arguidos vão acusados de associação criminosa pela forma como geriam as mulheres e por delas receberem comissões a troco de as deixar ficar no hotel. Contudo, segundo a defesa, não houve quaisquer provas de pagamentos e as mulheres nunca conseguiram identificar nenhum dos arguidos como tendo recebido pagamentos. Mais ainda, assegura a defesa, foram identificados, sim, três proxenetas exteriores ao hotel que nem sequer figuram na acusação. “A moral não está em causa. [A actividade] não lesa a liberdade de ninguém. As mulheres vieram para cá e disseram que exerciam a actividade de livre vontade. Disseram que nunca lhes foi dito que tinham de pagar. No relatório final, a PJ dizia que a maioria exercia actividade sem pagamento de contrapartidas. Elas admitiram que se prostituíam porque queriam”, defendeu Neto Valente. “Se pagam a proxenetas é com elas.” O advogado afirmou que o MP eliminou da lista todas as mulheres que disseram não ter feito pagamentos, além do quarto de hotel, nem ter tido condicionalismos e fez também menção a um processo “muito idêntico”, que resultou na absolvição dos arguidos acusados de associação criminosa e exploração de prostituição. Realçou que a principal diferença se prende com a “mediatização” dada a este caso, por razões como “para mostrar que ricos e poderosos também se abatem”. Francisco Leitão disse ainda que não havia quaisquer provas de pagamentos feitos a algum dos arguidos e em especial a Kelly Wang, identificada por testemunhas como alguém que tinha recebido pagamentos no valor de 150 mil patacas. A defesa diz que o valor é o semelhante ao pagamento dos quartos e que serviria para tal e ainda que, a ter existido transacção, aconteceu por mensagem – onde não é possível identificar a voz da gerente – e para uma conta da qual a jovem não é titular. “Não chega para vencer a dúvida razoável.” As críticas à actuação do MP não foram poucas. “Estava a ouvir as alegações do MP e, em certos pontos, pareceu-me que estavam noutro julgamento. Não foi produzida qualquer prova que permita a condenação [de Alan Ho]”, atirou Neto Valente, que fez questão de frisar ser amigo pessoal do dirigente da STDM. “A acusação é má e repleta de falhas e imprecisões, para não dizer mentiras”, juntou-se Vítor Gomes, defesa de Peter Lun, que considerou a acusação de associação criminosa como uma “ficção”, sendo que o seu cliente “nem gostava de Kelly Wang” e que até pediu para que esta fosse despedida. Algo que, a ver da defesa, não se coaduna sequer com o sentimento de pertença a uma associação criminosa. “O que Peter Lun ganhou com esta associação criminosa foram 14 meses de prisão em Coloane”, apontou ainda, defendendo que não há quaisquer indícios ou provas de vantagens financeiras obtidas por Peter Lun. A leitura da sentença está marcada para dia 17 de Março, ainda que possa vir a ser adiada. “Denúncia pouco inocente” – Advogados voltam a acusar funcionário que deu origem ao caso Uma das maiores questões colocadas pela defesa dos seis arguidos no caso que tem Alan Ho como principal arguido foi precisamente o que desencadeou o processo. Que a prostituição era algo recorrente no hotel não é novidade, sendo a dúvida por que é que a polícia actuou apenas no ano passado. Esta diz que deteve os funcionários do Lisboa porque Kelly Wang, uma das arguidas, se preparava “para fugir” de Macau. Mas o caso, soube-se em julgamento, acabaria por ter sido denunciado por Louis Ieong, um funcionário do Hotel Lisboa que estaria, afinal, envolvido no “esquema” anteriormente. Segundo o testemunho de Qiao Yan Yan, quinta arguida, ex-prostituta e adjunta de Wang, assegurou que “Louis Ieong lhe cobrou dinheiro para assegurar que podia trabalhar na unidade hoteleira”. Depois disso, no decorrer do julgamento, outros funcionários do hotel que prestaram depoimento confirmaram a existência de queixas e denúncias contra o mesmo funcionário. Por que razão é que o MP – desafiado pela defesa a extrair certidão para instaurar um processo contra Ieong – não investigou o funcionário não se sabe. “Não podemos esconder a perplexidade de não ter sido extraída certidão [para investigá-lo], quando o foi para situações em que foi feito muito menos que ele”, começou por dizer Vítor Gomes, advogado do terceiro arguido. “A acusação é má, cheia de falhas e imprecisões e, diria mesmo, mentiras. Começa logo inquinada: não parte de uma denúncia inocente, parte de um próprio confessor de crimes graves, que quis acautelar-se e ficar fora da acusação, eventualmente para voltar a liderar o hotel e a receber das mulheres.” Ieong teria tido o posto de gerência anteriormente, antes de ser substituído por Kelly Wang, e a defesa assegura que este admitiu em tribunal ter sido ele próprio a criar os códigos para as mulheres que se prostituíam – códigos que a acusação agora diz serem prova de associação criminosa e controlo de prostituição. “Se foi ele que criou os códigos, como admitiu, então a acusação está coxa, para não dizer que não tem pernas para andar”, atirou Vítor Gomes. “O Louis Ieong não gostou de ser substituído, há uma testemunha que diz que ele recebeu dinheiro das prostituas e à polícia e ao MP não lhe interessou investigar? Porquê?”, acrescentou Neto Valente, advogado de Alan Ho. Os advogados falam ainda da existência de identificação de três proxenetas da China continental, com “fotografias e tudo”, que não foram também acusados. Contraditório O Ministério Público, antes mesmo de ter ouvir os advogados, começou por defender-se: “quem denunciou o caso pode não ter praticado um acto correcto, mas este é um processo autónomo. Nem sempre conseguimos acusar as pessoas que cometeram os factos, há muitos proxenetas que não conseguimos acusar. O objectivo é detê-los, mas não são objecto do processo.” Outra das questões levantadas pela defesa diz respeito à acusação de 90 crimes de controlo de prostituição, quando apenas 46 mulheres foram ouvidas e as outras foram todas “descartadas por não serem úteis à acusação”. Ainda assim, o MP volta a trazer o número inicial de detidas à acusação. “Numa semana onde a justiça de Macau foi tão maltratada, ainda quero acreditar [nela]”, atirou Vítor Gomes, referindo-se ao caso do ex-procurador Ho Chio Meng, detido por suspeita de corrupção e a quem foi negado o pedido de habeas corpus “por não ser magistrado”, ainda que continue nomeado como procurador-adjunto.
Filipa Araújo Manchete SociedadeManuela António, advogada: “Há indícios sérios de falta de independência da justiça” Sem papas na língua, a advogada Manuela António fala novamente sobre o que considera errado na justiça de Macau – desde o tráfico de influências, às pressões e às leis mal feitas. A jurista diz que o maior problema é nada se fazer [dropcap]C[/dropcap]omo comenta a prisão do ex-procurador Ho Chio Meng? A minha apreciação é de que é lamentável o que está a acontecer, mas não é surpreendente. Já há muito se sabia – e se comentava em geral e em particular no sector jurídico e judicial – que havia problemas ao nível do MP. Havia processos, eu própria tive vários, onde tinha sido declarado já pelo Tribunal existirem documentos falsos. Apresentávamos queixa-crime quanto aos autores desses documentos e os processos ficavam parados dez anos. Houve um caso concreto [que esteve parado] até que o potencial arguido tivesse morrido e o processo foi arquivado por isso. Havia claramente a noção de processos [no MP] que não andavam propositadamente, porque existiam instruções superiores para não andarem. E outros processos andavam excessivamente rápido. Estamos a falar de tráfico de influências? No mínimo. Isso era grave porque se percebia que não era da autonomia dos agentes do MP. Eram instruções, era algo que estava institucionalizado. Portanto é surpreendente que seja por umas obras e por uma corrupção “pequena” ou simples que o ex-procurador tenha sido preso. É surpreendente. Mas ainda é mais surpreendente que a Secretária para a Justiça [Sónia Chan] tenha vindo dizer que isto é um sinal excelente e que é sinal de que a justiça funciona. É o contrário? Claro. Acho é que é um sinal de que a justiça não funciona, ou que funcionou durante dez anos com um dos principais responsáveis que vem a ser preso. Se pensamos que se a pessoa não era íntegra quando estava diariamente a encomendar obras, dificilmente era íntegra no exercício das suas funções. Acho lamentável, é um erro de casting. A pessoa oferecia, ou parecia oferecer, condições de ser uma pessoa séria, honesta. Mas foram dez anos que esta pessoa exerceu o cargo e toda a gente falava e sabia que existiam problemas no MP. Eu própria fiz reclamações para o procurador a dizer que os processos não andavam. Teve resposta? Nunca. Nunca se fez rigorosamente nada. Não é motivo para estarmos contentes o facto deste senhor ter sido preso. É motivo para estarmos extremamente preocupados e inquietos pelo facto de a justiça ter funcionado durante dez anos com o principal responsável da procuradoria a revelar não ser uma pessoa íntegra. É preocupante. Não podemos dizer que a justiça funciona.É preciso ver o que temos de alterar no sistema para garantir que as pessoas que estão a exercer funções o fazem com independência. É claro que o sistema actual não é o sistema adequado. Porquê? Porque não funcionam as inspecções, ainda não vi até hoje nenhum magistrado ter sanções. Admito e sei, reconheço, que uma grande parte dos magistrados é capaz, competente, e as coisas funcionam, mas há, como em todas as profissões, magistrados que não são competentes. Não deixa de ser estranho que desde 1999 até hoje não tenha havido nenhum magistrado que não tenha sido censurado pela maneira como exerceu as suas funções. São todos excelentes? Isto é muito estranho. Acho que o sistema que está em vigor não é um sistema que assegure a confiança e bom funcionamento do sistema judicial. Pelo contrário. Independência posta em causa? Há indícios sérios de falta de independência da justiça, sobretudo quando em causa estão magistrados ainda com pouca experiência e do outro lado está a Administração, o Governo ou os Secretários-adjuntos. Estou a fazer uma estatística, nos últimos seis meses, e praticamente não há nenhum recurso contra um Secretário-adjunto, contra o Chefe do Executivo, ou contra um serviço público que tenha sido procedente. Não há. Como é que se justifica? Isto é espantoso. Quer dizer, ou é uma Administração perfeita, que nunca comete erros e nunca se engana, ou temos de concluir que se calhar há aqui alguma coisa que tem de ser escrutinada e tem de se ver o que está a passar. O tráfico de influências continua, então, a acontecer? Acho que há tráfico de influências, há instruções e acho que há um risco muito grande da justiça estar a ser cada vez menos independente. Sim, há. Principalmente quando está em causa a Administração VS. administrados. Tenho, pessoalmente, casos contra a Administração em que tudo se provou, o próprio MP disse que lamentavelmente não conseguiu fazer a prova de que – neste caso – as Obras Públicas não tinham razão e a juíza quando foi responder aos requisitos estava tudo comprovado contra nós. Portanto… é assim. Somos uma sociedade que não pode confiar na justiça? É uma sociedade em perigo. Continuamos a querer tapar o sol com a peneira. A mim impressionou-me muito quando a Secretária para a Justiça vem dizer que está satisfeita. Isto não é aceitável. Isto é de facto muito lamentável e assustador. A história do ex-procurador não bate certo? Isso também é assustador. A decisão e os termos da decisão para o manterem preso. Por exemplo, dizem que ele está preso porque não era magistrado, estava a exercer as funções de não magistrado, mas ao mesmo tempo está a ser avaliado pela [Última] Instância e não pelo Tribunal de Base, porque é magistrado. Não terá sido uma opção para não o libertarem? Não. Não porque um cidadão comum quando é preso, quem decide é o Tribunal de Primeira Instância. Portanto aqui eles estão a entender que ele vai ser julgado, ao que parece, pela Segunda e Última Instâncias, por ser magistrado, mas ao mesmo tempo alegam que não é magistrado. Mas a pessoa deixa de ser magistrado porque está a exercer funções numa comissão ou porque é Secretário ou Chefe do Executivo? Não, ele não deixa de ser magistrado. Não percebo. Mais um vez, acho isto preocupante. Mas não é de hoje, nem de ontem, é de há muito tempo. Continuamos a não querer ver o que é evidente, o que é óbvio. Como é que se pode limpar a casa? Temos de mudar o sistema, que tem que se tornar claramente independente do Governo. Os magistrados não podem continuar a ser eleitos definitivamente pelo Chefe do Executivo. Os magistrados estão na dependência do Governo e quando isto acontece estes agentes ou são pessoas com uma capacidade ética quase divina ou então é muito difícil não se resistir às pressões. Aliás é muito interessante, porque durante a Administração portuguesa era semelhante. Tivemos aqui uma coisa: o Tribunal Administrativo – que era o tribunal que aprovava a realização de despesas e os actos da Administração – onde as pessoas que faziam parte dele eram nomeadas pelo Governador. Acabaram por deixar de ser porque se constava exactamente que havia ali dificuldades em ser independente. É natural. Não quer dizer que não haja magistrados que não o consigam ser, nem possam ser, mas é difícil. É difícil conseguir resistir e ser isento, objectivo, e decidir contra quem no fundo vai nomear ou não nomear. É complicado. É um sistema que não funciona. Não é um sistema para um território desta dimensão. Macau é pequeno demais. Insistimos em escolher pessoas dentro de Macau. Não é possível. Se olharmos para Hong Kong e Singapura verificamos que as coisas funcionam de outro modo. Há uma abertura para a contratação de estrangeiros, há uma abertura para se encomendar estudos lá fora. Macau sofre de entorses e estrangulamentos graves com este alegado princípio de que está a ser governado pelas suas gentes. Na verdade não está. Estamos cada vez mais afastados do “um país, dois sistema”? É visível na direcção que os próprios cursos de Direito estão a tomar? Isso é outra coisa gravíssima. Com o rumo que a Faculdade de Direito está a seguir, nomeadamente com outras faculdades que não estão a formar pessoas em Direito, e muito menos no Direito de Macau, – e não obstante o esforço sério da UM de querer manter um curso a formar gente capaz – acho que era preferível fechar a faculdade e enviar as pessoas para a China. E assumidamente aprenderem o Direito da China e dizerem de uma vez por todas que não há “dois sistemas”, pelo menos juridicamente. A autonomia de Macau e a individualidade de Macau resulta exactamente de se ter um sistema que tem raízes históricas na Europa. E a China anterior, antes de Mao, seguia este sistema continental. Acho que neste momento querer aplicar-se o Direito de Macau e querer ensinar-se o Direito da China não é possível. O Direito de Macau precisa de ser interpretado à luz dos ensinamentos de Portugal e a Europa. Isto fica um sistema completamente desnaturado e desvirtuado, porque é um sistema aparentemente de inspiração portuguesa mas interpretado sem as nossas regras. A forma e as soluções a que temos chegado são desastrosas. Como a reversão dos terrenos? O que se está a fazer com os terrenos é um esbulho. O que o Governo está a fazer é um esbulho, é expropriação sem pagamento. O que o Governo fez foi fazer uma proposta da lei que vai premiar a inércia e a incapacidade do Governo em decidir as coisas a tempo e horas. Dou-lhe um exemplo: o Governo tem diversos projectos parados. Em 2006 o Governo disse aos concessionários que tinham de suspender as obras porque iam estudar um plano. Nove anos depois não existia o plano. As pessoas pararam por culpa exclusiva do Governo, não aproveitam por culpa [dele] e agora o Governo é premiado fazendo reverter os terrenos com uma lei que o próprio fez. O Governo faz o que quer, faz uma lei que sanciona a concessionária. Isto não é concebível. O que se está a passar com os terrenos e com esta obstinação em querer manter aquela norma que diz que as concessões não podem ser renovadas acontece por desconhecimento. Não acredito que o Governo da China saiba que os concessionários não aproveitaram os terrenos porque a Administração os impediu e que agora a própria faça reverter os terrenos. Não consigo perceber. Há variados casos. O da Polytec é exemplo? É um caso escandaloso. Se o Governo tencionava por em prática a [Lei de Terras], devia ter a tempo e horas, sem dar a licença, avisado os concessionários e ainda mais: proibia-os de vender. Eles foram autorizados a vender, fizeram os contratos, prometeram vender e agora o Governo vem e diz para parar as obras porque vai reverter o terreno. Tinha no mínimo a obrigação de avisar as pessoas, a tempo e horas, para não comprar. Ou definir na lei? Sim, uma norma provisória para situações que existiam. Porque a lei sai, é um regime novo, para situações que já existem. Isto é uma aplicação retroactiva da lei. Isto é uma violação absoluta do sistema português. Isto não é “um país, dois sistemas”, é sim “um país, um sistema”. É ao que estamos a assistir. Que tem consequências… Gravíssimas. A menos que o Governo não queira internacionalizar e só queira investidores da China. A falta de confiança no sistema legal e no sistema judicial é extremamente nefasta. Esta aplicação da lei é retroactiva. Quando as pessoas prometem comprar, estão numa concessão que é provisória, mas que a lei permite que seja renovada. Na pendência disto, muda a lei e é aplicada a estas situações. Como é que isto se faz? Como é que o Governo não diz que isto acontece assim desde que seja culpa do concessionário? Se a concessão está provisória e não foi feito o aproveitamento por culpa da concessionária é revertido. Se não é por culpa, a lei não pode ser interpretada. Acho isto tudo muito perigoso, muito lamentável. É uma pena, porque tínhamos todas as condições de ser um território exemplar. Depois de 32 anos de Macau, está desiludida com a justiça? Bastante. Muito. Acho que se podia fazer muito melhor. A Administração portuguesa não era boa, principalmente a última. Mas as novas Administrações não têm sido melhores, muito pelo contrário. São francamente piores. A capacidade técnica dos dirigentes dos serviços, dos membros do Governo, é claramente inferior, em geral, à capacidade dos portugueses que aqui estavam. Claramente. Porquê? Porque temos de recrutar em e de Macau, que é extremamente pequeno. Ou convence-se as pessoas que estão na actividade privada, que é o que faz Singapura, e elas são pagas como se estivessem no privado. Porque há aqui muita gente capaz e boa. Mas é muito difícil. Acho que estamos a perder muito. Concorda com a ideia de que a sociedade não conhece os seus direitos? Isso é um falso problema, porque em todos os países os cidadãos não conhecem as suas normas. As pessoas não lêem as leis, por isso é que existem juristas e advogados. Não é normal que a população leia as leis. Só quando precisam. Elas têm é de ter um sentido de direito e do seu Direito. Acho que a população de Macau tem essa consciência e sabe. Casamentos, regimes de bens, divórcio, filhos, trabalhadores. Não acho que a população conheça menos a lei cá do que noutros sítios. Antes pelo contrário. Aqui, em regra, havia a preocupação de perceberem a lei por estar redigida noutra língua. Até acho que é precisamente o contrário. Tive essa experiência durante anos, quando a lei só era aplicada em Português – as pessoas tinham a preocupação de vir ter connosco para perceber o que dizia. Coisa que em Portugal não acontece. É difícil para os advogados não serem falantes da língua chinesa? Acho que as dificuldades não são pela língua. Refiro-me principalmente no mundo dos negócios e na área da consultadoria, sinto que uma grande parte das matérias não é em Chinês. A língua chinesa não é uma língua fácil para ser trabalhada juridicamente, porque não é exacta. Os caracteres não permitem uma interpretação literal, daí que seja muito difícil ser rigoroso quando os documentos são em Chinês.A maior dificuldade que temos é vir num Chinês imperceptível. As pessoas não são tecnicamente muito boas. Não há, em rigor, bilingues verdadeiros. Em regra, não há. Ainda ontem estávamos com uma peça que veio em Chinês e foi feita a tradução para Português. Não consegui perceber. Grande parte estava mal feita. E as leis estão a ser bem feitas? Não. Pior que ter a lei noutra língua, é ter a lei mal feita, mesmo na própria língua. Porque a pessoa olha para a lei pensa que sabe o que diz e não sabe. As leis actualmente feitas em Macau, grande parte delas, estão mal feitas. São leis difíceis de interpretar, mesmo em Chinês. Tenho aqui advogados chineses que não conseguem entender o que está escrito. Isto está a acontecer. Porque a lei é feita, grande parte das vezes, por quem tem competência técnica, mas depois chega à AL e é alterada por quem não sabe – a maior parte dos deputados não sabe de Direito. E basta fazer uma alteração que pode alterar o espírito do sistema e tornar impossível a interpretação. Mas os juristas portugueses não fazem nada? Cansam-se de dizer. Cansam-se. Mas há uma necessidade de fazer crer uma realidade que não é. Que não existe. Há uma necessidade permanente de mascarar as coisas, de chamar atenção para o acessório e não para o essencial. Isto é o que se passa com o sistema legal e com a maior parte das normas. Durante anos, o presidente da Associação de Advogados fazia uma análise do funcionamento da justiça que era radicalmente oposta à do procurador. Como é que isto é possível, se são os mesmo operadores de Direito? Talvez fosse melhor parar e pensar. As pessoas insistem obstinadamente em seguir o seu caminho sem se melhorarem, sem a preocupação de transformar Macau naquilo que podia ser – um oásis. Temos todas as condições, recursos, uma população laboriosa, com vontade de fazer. Só precisamos de reconhecer que não podemos fazer tudo com tão pouca gente e trazer assessores e consultores que saibam. Mas está-se a afastar os portugueses. Portugueses e estrangeiros. Esta semana foi noticiado que o Instituto de Promoção do Comércio de Macau (IPIM) aprovou este ano 84 pedidos de residência de especializados. Isto é lamentável. Então só precisamos de sete especialistas por mês a entrar em RAEM? Quantos entram em Singapura? Quantos entram em Hong Kong? Esta notícia que foi dada como uma coisa boa, não o é. É má. Com o crescimento que se quer e se pretende, com a sofisticação e a evolução que se pretende, só precisamos de sete estrangeiros especializados? Acho isto extraordinário. Concorda com a proposta da Associação de Advogados para a vinda de advogados de Portugal? Discordo, discordo com tudo. Acho que há uma coisa que se tem que assumir à partida. Em regra, os advogados de língua materna portuguesa são melhores que os de língua materna chinesa e com os estagiários passa-se a mesma coisa. Mas porque não dominam o Português. O que está a acontecer é que os estagiários chineses fazem exames em Chinês e depois fazem o estágio. Os advogados portugueses, já o são em Portugal, têm de fazer um exame que não é apenas de adaptação, é como se fossem começar. Não se quer assumir que eles são incomparavelmente melhores, em regra. Mas depois também não concordo com o que a AAM está a fazer – tem um exame adiado para advogados portugueses desde Junho ou Julho. Isto é extraordinário. As coisas estão complicadas. É preciso assumir que se se quiser um sistema como o que está em vigor é preciso existirem advogados que saibam e dominem o Português. Não é possível manter um sistema que tem de ser interpretado à luz da regras de Portugal sem conhecer o que a doutrina fez e faz. Não é possível. Sente restrições na contratação de advogados? Sinto, claro. Tenho dois advogados à espera que a AAM marque o exame. A única maneira de termos bons advogados em Chinês é termos em Português. Se não tiver advogados que dominem o Português e portugueses tenho de fechar o escritório, porque é impossível manter a qualidade. Não é possível termos bons profissionais sem advogados portugueses, com as limitações actuais. Quando queria um bom advogado ia a Portugal buscá-lo, ele vinha, adaptava-se, e ao fim de três meses estava excelente. Mas, estou com a Administração de Macau e tenho de me sujeitar às pessoas de cá. Não há. Toda a vida fiz isto: ia buscar a Portugal e depois eram integrados com os advogados chineses, para aprenderem. Ao final de oito, nove anos tinha advogados excelentes. Deixei de poder fazer isso, porque eles estão à espera para fazer o exame – fizeram o curso, exames, passaram e o exame final é adiado? Assim não funciona. Como é que a AAM justifica isto? Não se pode justificar o injustificável. O presidente, Neto Valente, já lho disse pessoalmente, está a tentar justificar o que não possível. Aspira ocupar o cargo de presidente da AAM? Nunca. Nunca quis, nem gostava. Nem quero ser. Acho que é um trabalho muito difícil que esteve a ser bem exercido pelo Neto Valente até ao ano passado, depois disso, neste último ano, não o tem feito convenientemente. Pressões? Acho que está a ceder às pressões em prejuízo da qualidade dos advogados. Acho que fez um papel excelente até ao ano passado. Sempre disponível, representou muito bem. Tem uma indiscutível capacidade técnica e política. Representava-nos extraordinariamente, mas acho que a partir do ano passado cedeu excessivamente às pressões em prejuízo da qualidade dos advogados. Acho que este adiamento do curso dos advogados que fizeram os módulos não tem qualquer justificação. Sente que o impacto da queda do Jogo afecta o exercício do Direito Comercial? Acho que não. Quando há uma recessão, há sempre um impacto em todos os sectores da economia, mas as vezes até nem é negativo. Isto pode significar, e significa, que há mais processos. O que acontece é uma mudança: em vez de ajudar os clientes a fazer novos contratos, a criarem riqueza e a terem mais negócios, passamos a ajudar os clientes a recuperar dívidas que não são cobradas. Isto afecta sempre, mas não tem de ser negativamente. A afectar mais está a incerteza criada pelo comportamento do Governo com, por exemplo, a Lei de Terras. Ou o facto do sistema não funcionar. Uma das primeiras perguntas que nos fazem quando querem vir aqui, ou quando os bancos estão interessados em financiar, é como funciona o sistema legal. Quanto tempo demora uma decisão, qual a qualidade das decisões, qual a independência dos tribunais, há ou não há corrupção. Estas são as questões. Quando aplicamos uma lei que vem contra toda a prática da RAEM, inclusivamente do tempo de Mao, não se fizeram expropriações ou confiscos, isto é que afecta. E afecta os próprios escritórios, porque às tantas já não sabemos o que aconselhar, ou como o devemos fazer. As leis têm má qualidade, são difíceis de interpretar em Português e Chinês, entre outras coisas. A incerteza jurídica afecta muito mais o comércio, os escritórios dos advogados e a imagem do território do que a queda as receitas. Até porque isto é cíclico. Já assisti no mínimo a seis crises. Macau é corrupta? Não sei se é corrupção, no dia-a-dia não me deparo com corrupção. O que posso achar é que há, ou pode haver em certas situações, tráfico de influências. Acho que continua a existir. Nos processos não noto que haja [corrupção], nos serviços públicos não há de todo, não se nota, não sentimos, não me parece que haja. O que há é efectivamente tráfico de influências. O Direito de Macau liga a China aos países lusófonos, mas a China já tem relações sólidas com outros PLP. Deixámos de ser precisos? Acho que a China nunca precisou de nós. Não precisa obviamente de Macau nem de Portugal, mas sempre reconheceu Portugal, e continua, como um país amigo e que a compreende melhor do que todos os outros países europeus, em particular os ingleses. A nossa relação sempre foi uma relação menos conflituosa do que foi a relação entre Inglaterra – Hong Kong – China. Acho que os chineses sempre entenderam que os portugueses os compreendem melhor do que os outros países. Grande parte dos grandes investimentos que estão a ser feitos na Europa foram feitos em Portugal. Não é por acaso. Somos um país pequeno, humilde e sabemos a dimensão da China. É uma relação mais amistosa, claramente. A China sempre compreendeu Macau e gostou que existisse como região de administração portuguesa. Acho esta presença ocidental aqui foi sempre exótica. A China soube aproveitar, respeitar e tirou as vantagens que podia. Não houve guerra, não houve invasão, tivemos refugiados da China. Macau foi aproveitado como porto para negócios com o exterior. Macau foi-lhe útil e continua a ser para a reunificação com Taiwan. É capaz de mostrar que a China sabe respeitar os dois sistemas. A China não precisa de Macau, mas sabe que não é inútil. Este espinho que está aqui faz parte de uma rosa. É bom para Macau, é bom para China.