Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaMedalhas | Cheong U, ex-secretário, distinguido pelo Chefe do Executivo Liderou a tutela dos Assuntos Sociais e Cultura durante cinco anos e vai receber no dia 20 de Dezembro a medalha Lótus de Ouro. Personalidades do sector da saúde garantem que Cheong U fez o que pôde, muitas vezes sem apoio e com muitos dossiers por concluir [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]esde que Chui Sai On deixou de ser secretário, no final de 2009, até Dezembro de 2014, Cheong U foi o homem que liderou o destino das pastas da saúde, educação, cultura e turismo, e vai agora receber das mãos do Chefe do Executivo a medalha Lótus de Ouro, juntamente com Lei Pui Lam, vice-presidente da Associação de Educação Chinesa de Macau (ver lista nesta página). Para Fernando Gomes, presidente da Associação de Médicos dos Serviços de Saúde (SS), esta é uma medalha “forçada”. “Como cidadão, penso que poderia ser feita uma avaliação mais isenta em termos de atribuição de medalhas, porque estas atribuem-se a quem fez obra. E muitas das obras não chegaram a ser feitas ou terminadas. Isso é público e parece que o actual secretário [Alexis Tam] está a pegar em projectos que nunca avançaram. Por isso a população que tire as suas conclusões. Penso que é uma medalha um pouco forçada”, disse ao HM. Rui Furtado, que dirigiu a Associação dos Médicos de Língua Portuguesa, garante que Cheong U não fez mais porque, em muitas situações, não houve a colaboração devida. “Enquanto fui presidente da associação, a minha relação com o secretário foi sempre boa. A actividade que desenvolveu foi pautada pelo bom senso, pela discrição, e sempre tendo em vista os bons objectivos para a área da saúde em Macau”, considera. “Se alguma coisa deixou por fazer, e algumas coisas deixou certamente, fica a dever-se à falta de apoio de vários sectores, tal como do director dos Serviços de Saúde [Lei Chin Ion] e outros serviços que não lhe tenham dado o apoio necessário. Fez aquilo que pôde, foi limitado em algumas coisas na sua actuação.” Cheong U era o nome que faltava na lista de antigos governantes que ainda não tinham sido distinguidos pelo Chefe do Executivo. No ano passado, a medalha Lótus de Ouro foi atribuída a Florinda Chan, Francis Tam e Cheong Kuoc Va, três ex-secretários, responsáveis pela a Administração e Justiça, Economia e Finanças, e Segurança. O antigo membro do Governo trabalhou 36 membros na Função Pública. Cheong U foi o primeiro comissário contra a Corrupção depois da transferência de administração, tendo exercido o cargo durante dez anos. Na nota à imprensa, justifica-se a distinção agora atribuída com “o grande contributo para a luta contra a corrupção e para os assuntos sociais e cultura”. A surpresa de Senna Fernandes A directora dos Serviços de Turismo, Helena de Senna Fernandes, vai receber das mãos de Chui Sai On a medalha de mérito turístico. “Claro que é uma grande honra”, começou por dizer ao HM. “É um reconhecimento não só para mim, mas também para a equipa com a qual trabalho na área do turismo. É um trabalho de equipa e não é feito apenas por uma pessoa. Tenho um grande orgulho em receber esta distinção. Agradeço ao Chefe do Executivo e ao secretário pela confiança dada. Não estava nada à espera.” Já o artista Mio Pang Fei será o distinguido com a medalha de mérito cultural. Pedro Cardeira, autor de um documentário sobre o artista plástico nascido em Xangai, fala de uma distinção que nunca chega tarde, mas que é merecida. “É uma distinção muito importante, porque Mio Pang Fei foi uma das pessoas fundamentais para o desenvolvimento da arte em Macau e foi uma pedra no charco no panorama das artes em Macau nos anos 80. De certa forma foi ele que trouxe a contemporaneidade para Macau. É muito merecida esta distinção”, rematou o realizador de cinema. Lista de medalhas Lótus de Ouro – Cheong U Lótus de Ouro – Lei Pui Lam Lótus de Prata – Kou Hoi In Lótus de Prata – Van Kuan Lok Medalha de Mérito Profissional – Direcção dos Serviços de Identificação Medalha de Mérito Profissional – Cândida da Silva Antunes Pires Medalha de Mérito Industrial e Comercial – Ho Ioc Tong Medalha de Mérito Industrial e Comercial – F. Rodrigues (Sucessores), Limitada Medalha de Mérito Turístico – Maria Helena de Senna Fernandes Medalha de Mérito Turístico – Lou Chi Seng Moisés Francisco Xavier Medalha de Mérito Educativo – Leong Lai Medalha de Mérito Educativo – Universidade de Macau Medalha de Mérito Educativo – Escola da Associação para Filhos e Irmãos dos Agricultores Medalha de Mérito Educativo – Ip Hong Kit Medalha de Mérito Cultural – Associção dos Artistas de Belas-Artes de Macau Medalha de Mérito Cultural – Mio Pang Fei Medalha de Mérito Altruístico – Associação de Bem-Estar dos Moradores de Macau Medalha de Mérito Altruístico – Associação dos Amigos da Caridade de Macau Medalha de Mérito Altruístico – Associação dos Familiares Encarregados dos Deficientes Mentais de Macau Medalha de Mérito Desportivo – Associação Geral de Wushu de Macau Medalha de Mérito Desportivo – Mário Ferreira Sin Medalha de Mérito Desportivo – Lau Vai Hong Medalha de Valor – Grupo de Vacinação para a Prevenção de Doenças dos Serviços de Saúde Medalha de Valor – Comissariado de Trânsito de Macau do Departamento de Trânsito do Corpo de Polícia de Segurança Pública Medalha de Dedicação – Maria do Céu Dourado Amorim da Silva Hung Medalha de Dedicação – Vicente João Monteiro Medalha de Dedicação – Porfírio Zeferino de Souza Medalha de Serviços Comunitários – Ieong Iu Medalha de Serviços Comunitários – Chang Mong I Georgiana Lau do Rosário Medalha de Serviços Comunitários – Lei Pou Loi Medalha de Serviços Comunitários – Wong Man I Título Honorífico de Prestígio – Lew Hwan Kyu Título Honorífico de Valor – Equipa da Escola para Filhos e Irmãos dos Operários de Macau – “Medições das Forças de Atrito” Título Honorífico de Valor – Equipa da Escola para Filhos e Irmãos dos Operários de Macau – “Eco-Purificador de água portátil” Título Honorífico de Valor – Lei Kuan Hou Título Honorífico de Valor – Lei Wai Shing
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaLei da droga | Testes à urina podem constituir um “abuso” Augusto Nogueira, presidente da ARTM, e o advogado Pedro Leal mostram-se contra uma mudança prevista na nova lei da droga, que será votada amanhã na especialidade. A hipótese de as autoridades exigirem testes à urina a suspeitos que estejam em bares ou em locais semelhantes pode constituir “um abuso” [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]erante uma suspeita de consumo de droga num bar ou noutro local do género, a polícia poderá deslocar-se a esse lugar e obrigar o suspeito a um teste de urina, bem como outras pessoas que estejam presentes. É o que diz a proposta de lei de revisão da lei da droga, que será amanhã votada na especialidade. Para o presidente da Associação de Reabilitação dos Toxicodependentes de Macau (ARTM), a medida pode levar a abusos, defendendo mesmo que este artigo não seja aprovado pelos deputados na sessão plenária de amanhã. “Da parte da ARTM, pensamos que o artigo referente aos testes de urina tem problemas bastante graves, inclusive acho que poderá ir contra os direitos humanos e a Lei Básica. Esse artigo não faz sentido e pode ser bastante prejudicial para muitas pessoas inocentes. Basta qualquer pessoa depositar droga numa bebida, essa pessoa consome, não sabe que está a consumir droga, e a seguir entra a polícia no bar e essa pessoa vê-se envolvida numa acusação sem saber como, podendo enfrentar três meses a um ano de prisão. Espero que esse artigo não seja votado e implementado”, disse Augusto Nogueira ao HM. Também o advogado Pedro Leal alerta para as consequências desta prática. “Obrigar todas as pessoas a fazerem um teste à urina, se não houver indícios de que cometeram o crime de consumo de estupefacientes, é um abuso. Não digo que vá contra a Lei Básica, mas parece-me que abre portas a abusos por parte da polícia.” O causídico afirma, contudo, que esta medida já vem sendo prática habitual por parte das autoridades policiais nas rusgas que efectua a bares e discotecas. “A polícia, hoje em dia, quando há indícios de qualquer situação relacionada com droga, já ‘obriga’ os arguidos e os suspeitos a fazerem esse exame médico. Que eu saiba, não tem havido recusa por parte das pessoas, porque quando têm o desconhecimento da lei, as pessoas fazem [o que lhes mandam fazer]”, apontou. Seringas dão prisão Outra das medidas a apreciar no plenário de amanhã prende-se com o facto de a nova lei prever uma pena de prisão de três meses a um ano para os portadores de equipamento para consumo de droga, sejam seringas ou equipamentos para fumar e inalar droga. Augusto Nogueira chama a atenção para a possibilidade desta medida poder deitar por terra anos de trabalho no combate ao HIV. “Preocupa-me o artigo da posse de equipamento para uso de droga. Sabemos que o programa de seringas é bastante importante para a saúde pública, para evitar o contágio do HIV entre consumidores de droga injectável, e se vamos criminalizar a posse desse equipamento com três meses a um ano de prisão pode levar a que a partilha de seringas entre consumidores aumente e que o HIV também possa aumentar”, diz. Para o presidente da ARTM, “é bastante gravoso, no sentido em que são dez anos de trabalho realizados pela ARTM, Instituto de Acção Social e Comissão de Luta contra a Sida que podem ir por água abaixo”. Em 2015, aponta, “não houve nenhuma nova infecção, e este é um trabalho que tem sido bem-sucedido”, remata Augusto Nogueira. O aumento das penas de prisão para o consumo de droga tem sido bastante criticado, inclusivamente pelos deputados, mas Augusto Nogueira tem uma explicação para o facto. “A ideia inicial da comissão ou do IAS era que, através do aumento das penas de prisão para o consumo, mais jovens optem pelo tratamento numa ONG. O que se tem vindo a passar é que muitos dos jovens, quando lhes era dada essa hipótese de ficarem dois meses na prisão ou um ano num centro de tratamento, muitos deles optavam por ficar na prisão.” O presidente da ARTM garante que as associações em Macau têm capacidade para responder a um eventual aumento de consumidores em tratamento. “Temos 70 camas, temos pessoal qualificado, no caso da ARTM estamos preparados para receber estas pessoas. Penso que as restantes ONG e os serviços que existem em Macau são suficientes.”
Hoje Macau China / Ásia MancheteEUA | Presidente eleito causa polémica com declarações sobre “uma só China” As relações entre Pequim e Washington aqueceram na última semana com o telefonema entre Donald Trump e a presidente de Taiwan. O Presidente eleito usou esta manobra como pressão para renegociar acordos de comércio, e forçar a China a rever políticas cambiais e a posição em relação à Coreia do Norte [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m entrevista à Fox News, o presidente eleito Donald Trump questionou numa assentada as relações entre a China e os Estados Unidos da América ao dizer que não tem de respeitar a política “uma só China” defendida por Pequim. Acrescentou ainda que não aceita que um país dite com quem deve falar ao telefone. O rastilho diplomático acendeu-se com um telefonema da presidente Tsai Ing-wen a congratular Trump pela vitória nas eleições, algo que à partida parece inócuo, mas que representa um acto inédito em termos diplomáticos desde a administração de Jimmy Carter. As reacções não se fizeram esperar. Desde as várias sensibilidades entre políticos cimeiros do Partido Republicano à Casa Branca e, claro, a Pequim. Em primeira instância, o Governo Central relativizou o contacto telefónico, retratando-o como um pequeno truque político de Taiwan. O Ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, afirmou não acreditar estar iminente uma mudança de política de Washington em relação a Pequim, em declarações à Phoenix TV de Hong Kong. “A política ‘uma só China’ é a fundação do relacionamento saudável nas relações sino-americanas, algo que espero não se venha a deteriorar”, acrescentou Wang Yi. Curiosamente, no dia do polémico telefonema, em Pequim reuniam-se Xi Jinping e Henry Kissinger, o antigo secretário de Estado das administrações Nixon e Ford, para promover as relações China-Estados Unidos. Tudo como dantes? O analista de política internacional Arnaldo Gonçalves acha que a situação está a ser exacerbada fora do seu verdadeiro relevo. “É natural que quando um Presidente é eleito se façam contactos informais. Taiwan é aliado dos Estados Unidos desde a 2ª Grande Guerra Mundial”, relativiza. O analista realça a “posição de princípio da China, que considera Taiwan uma província renegada, com a qual não mantém relações políticas”, apesar de manterem contactos permanentes no plano comercial. É, portanto, uma situação híbrida, que não é clara, que se junta à dúbia posição norte-americana nas relação de forças em jogo na região. Para Francisco Leandro, coordenador do Instituto dos Estudos Sociais e Jurídicos da Universidade de São José, “parece haver uma mudança de paradigma na política externa norte-americana, para uma visão mais mercantilista, quase num prisma neo-realista, muito na base dos interesses nacionais”. O analista considera que as boas relações são do interesse de ambas as potências, e que “ninguém ganharia nada com um escalar bélico, militar ou económico, nem a China, nem a Formosa, nem os Estados Unidos da América”. A Casa Branca tentou, de imediato, apaziguar as tensões diplomáticas reiterando a posição oficial da administração Obama, ou seja, de manter intactas as relações externas em relação à política “uma só China”. A administração norte-americana também alertou para o perigo de, ao se exacerbar a questão de Taiwan, correr-se o risco de colocar em cheque os progressos diplomáticos conseguidos nas últimas décadas entre Washington e Pequim. Na verdade, a questão de Taiwan continua a ser uma embrulhada internacional, um paradoxo. Ao mesmo tempo que existe uma cooperação com os americanos em questões de segurança, a Casa Branca mantém intacta a posição firmada com a China, desde a administração Nixon, acerca da questão formosina. Mike Pence, o vice-presidente eleito, e bombeiro de serviço, veio a terreiro relativizar as palavras de Trump, ao afirmar que “apenas se tratou de uma chamada de cortesia”, semelhante ao telefonema com o Presidente Xi Jinping. “Não foram discussões de substância e não me parece que haverá uma mudança de política nesta matéria”, afirmou o ainda governador do Indiana ao Meet the Press. Reince Priebus, que será nomeado como chefe de pessoal da Casa Branca, também meteu água na fervura, desdramatizando toda a questão como um simples exercício de cordialidade. O próprio Trump considerou que seria uma indelicadeza não receber a chamada da líder de Taiwan. Seguir o dinheiro Não há coincidências, muito menos em política. Neste capítulo é de realçar que o único antigo candidato republicano à Casa Branca que apoiou abertamente a campanha de Trump, Bob Dole, é hoje lobista numa firma que tem como cliente a diplomacia de Taiwan. O antigo político foi um dos homem de bastidores por detrás da chamada polémica. A firma onde trabalha recebeu 140 mil dólares para estabelecer uma ponte entre o recém Presidente eleito e Tsai Ing-wen. A informação foi revelada pelo New York Times, ao abrigo da legislação sobre o registo de agentes estrangeiros. O antigo candidato republicano às eleições de 1996 não escondeu em entrevista ao Wall Street Journal a sua influência na chamada. “Quando representamos um cliente, supostamente temos de responder aos seus pedidos”, revelou Dole. O cliente em questão é o departamento de representação económica e cultural de Taiwan, uma espécie de gabinete diplomático do território. De acordo com o ex-político, o seu cliente está muito satisfeito e optimista em relação às futuras relações com Washington. Outro aspecto económico por detrás do suposto faux pas diplomático está relacionado com comércio externo. Ainda na entrevista à Fox News, Trump revela que o que está em causa não será, exactamente, uma posição de princípio. O magnata de Nova Iorque comentou que não tem de respeitar a política “uma só China”, a não ser que se redesenhem as relações no plano do comércio externo. Como é seu hábito, Trump levou estas questões para o Twitter e aproveitou para se referir à possível manipulação cambial do yuan, como uma forma de concorrência desleal que deverá ser travada durante a sua administração. O magnata afirmou várias vezes na campanha que a desvalorização da moeda chinesa em relação ao dólar é uma tragédia para a economia americana. Ironia das ironias, as próprias declarações de Trump tiveram como consequência a desvalorização do yuan. Esta parece ser outra condição ligada à manutenção da política externa com a China. No fundo, Taiwan está a ser usada como arma de arremesso para questões económicas, e para pressionar Pequim a ser mais inflexível com o regime de Kim Jong-un. Às armas Com o avançar das declarações de Donald Trump, a China resolveu mostrar o seu músculo militar. Na semana passada, um bombardeiro Xian H-6, com capacidade nuclear, sobrevoou a disputada “nine dash line”, em torno do Mar do Sul da China, passando por uma série de ilhas com soberania disputada. Um claro sinal para a futura administração Trump, apesar de não representar propriamente uma novidade. É de recordar que os Estados Unidos também enviaram uma mensagem similar a Pyongyang com dois bombardeiros U.S. B-1 a sobrevoar a Coreia do Sul no passado mês de Setembro. Foi a resposta de Washington aos testes nucleares realizados pelo regime norte-coreano. Outra das questões que Donald Trump quer rever em matéria internacional, e para a qual “a China pode fazer mais”. Para o especialista Arnaldo Gonçalves, estas “manobras são normais, e funcionam para intimidar a outra parte”. O investigador prevê que Washington faça também “exercício militares juntamente com o Japão, ou a Austrália, numa jogada do habitual xadrez geopolítico”. Outra questão de máximo interesse foi a possibilidade de levantar o protecção em termos nucleares ao Japão e à Coreia do Sul. Donald Trump repetiu várias vezes durante a campanha que “quem quer segurança tem de a pagar”. Um assunto muito sensível, com “muito maior repercussão para a própria Ásia, e de vital importância no Conselho de Segurança da OUN”, comenta Francisco Leandro. Por um lado, “esta posição poderia ser encarada pela China como um certo desanuviar da sua vizinhança, mas por outro os chineses estão também muito interessados no equilíbrio”. O académico considera que não estão em causa apenas os interesses de segurança da Coreia do Sul e do Japão, mas de toda a lógica asiática, até extensiva à Euro-Ásia. Diz-me com quem andas Para já, no panorama internacional ainda nos movemos em total imprevisibilidade, restando aos analistas políticos interpretar as nomeações que o magnata nova-iorquino fará. Nesse capítulo, Trump também dá uma no cravo e outra na ferradura. Se, por um lado, nomeou o Governador do Iowa Terry Branstad como embaixador norte-americano em Pequim, um político com ligações próximas a Pequim, por outro, John Bolton tem sido um nome muito mencionado na campanha como uma forte possibilidade para ocupar um lugar de destaque no Departamento de Estado. O antigo oficial da administração de George W. Bush tem sido um dos defensores de uma abordagem mais dura nas relações sino-americanas. Em declarações ao Wall Street Journal em Janeiro último, Bolton defendeu a tomada de uma posição musculada para travar a “agressividade militar chinesa nos mares do Este e Sul da China”. Nesse sentido, o possível nomeado considera útil uma “escalada diplomática como, por exemplo, receber uma visita de Estado da diplomacia de Taiwan na Secretaria de Estado da Casa Branca, no sentido de reconhecer a soberania da região”. Algo que seria tomado por Pequim como uma total afronta, e um romper com a linha de cooperação estabelecida nas últimas décadas. São nomeações que deixam todos os cenários em aberto, seja no plano económico, ou bélico. Por enquanto, ainda só temos o famoso telefonema. Para Francisco Leandro, “é algo que faz parte do jogo, e não tem importância por aí além, mas não nos podemos esquecer que houve coisas que se disseram na campanha que não se podem repetir”. O académico vê este episódio como a marcação de um penálti. Quem marca ameaça para um lado para ver para onde o guarda-redes cai. Vejamos se a bola entra.
Hoje Macau Manchete SociedadeCaso Ho Chio Meng | Ministério Público pagou viagens à Europa com a família O antigo procurador da RAEM confirmou em tribunal que o Ministério Público pagou uma viagem que fez à Dinamarca a título oficial, tendo Ho Chio Meng aproveitado para conhecer outros países da Europa com a família com o mesmo orçamento [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o segundo dia do julgamento de Ho Chio Meng, o ex-procurador continuou a negar que cometeu os crimes de que é acusado, mas, segundo a Rádio Macau, admitiu ter viajado em família com o dinheiro do Ministério Público (MP). A Rádio Macau, que esteve presente na sessão de julgamento, conta que o ex-procurador fez uma viagem oficial à Dinamarca, em 2005, mas aproveitou para conhecer outros países europeus com a família. A acusação referiu que tudo foi pago pelo MP, e Ho Chio Meng não negou. Este afirmou no Tribunal de Última Instância (TUI) que assinou o despacho que autorizou o pagamento de todos os gastos, mas disse que pagou o bilhete de avião do seu sobrinho e que recebeu o aval do então Chefe do Executivo, Edmund Ho, para realizar a viagem. Ho Chio Meng disse mesmo que Edmund Ho lhe desejou “Boa sorte. Boa viagem”. As despesas terão sido superiores a 500 mil patacas, montante que excedeu o limite previsto. Ainda assim, Ho Chio Meng referiu que não sabia a forma como as despesas foram liquidadas no seio do MP. A autorização de Edmund Ho para a viagem levou Sam Hou Fai, actual presidente do TUI, a questionar as razões para essas despesas terem sido pagas em prestações e estarem associadas a facturas que, segundo a Rádio Macau, estavam ligadas a viagens fantasma a países como a Tailândia e Singapura. O caso da vivenda Na sessão de ontem falou-se ainda de uma vivenda localizada em Cheoc Van, Coloane, que durante 14 anos serviu de hospedagem ao MP. A acusação defende que a casa serviu de residência a Ho Chio Meng e à sua família, algo que o antigo procurador refutou. Ao recusar a acusação, disse lamentar nunca ter informado o actual procurador do MP, Ip Son Sang, da existência da vivenda. Ho Chio Meng disse ter feito “um erro”, já que, se tivesse acompanhado o “actual líder do MP” numa visita ou “organizado um barbecue” para delegados do procurador, “talvez não tivesse sido acusado” de mais de 1500 crimes. A acusação afirma que a vivenda vinha a ser usada como habitação pessoal de Ho Chio Meng e a família nos últimos dez anos. Uma rusga, realizada em Abril, levou à descoberta de vários objectos pessoais do antigo procurador. A habitação representava, para o MP, uma despesa de meio milhão de patacas anuais. O contrato de arrendamento da habitação chegou ao fim em Dezembro de 2014, ano em que Ho Chio Meng deixou de ser procurador da RAEM, e só aí este terá, segundo o próprio, habitado efectivamente a casa. Num ano e quatro meses não pagou qualquer renda, admitiu em tribunal, pois tinha a intenção de adquirir a casa. Ho Chio Meng levou para tribunal uma lista de pessoas que, de facto, terão ficado hospedadas em Coloane, tendo referido ainda que foi em Cheoc Van que várias “personalidades” lhe falaram da eleição para o cargo de Chefe do Executivo, isto no ano de 2009. De frisar que o nome de Ho Chio Meng chegou a ser apontado como eventual candidato. O MP recebeu uma ordem de despejo da vivenda por parte do proprietário, quando Ho Chio Meng já se encontrava preso preventivamente.
Isabel Castro Manchete SociedadeJorge Neto Valente continua à frente da Associação dos Advogados de Macau A Associação dos Advogados de Macau foi a votos e mais de 90 por cento dos membros concordaram com a ideia de que Jorge Neto Valente deve continuar a liderar a entidade. A grande prioridade para o novo mandato é “contribuir para evitar o desprestígio da justiça” [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á uma linha de continuidade, mas existe também uma renovação na constituição dos órgãos sociais da Associação dos Advogados de Macau (AAM). A entidade de direito público conseguiu chamar novas pessoas. “Espera-se que venham imprimir algum dinamismo à continuidade”, afirmou Jorge Neto Valente ao HM. Em termos gerais, no que toca à direcção, há apenas três membros que vinham já do passado, entre eles Neto Valente, presidente da direcção, e o secretário-geral, Paulino Comandante. Como vogais, a direcção passa a ter, além de Álvaro Rodrigues, os advogados Oriana Pun, Bruno Nunes, Chu Lam Lam e Regina Ng. O resultado das eleições foi anunciado ontem. O acto serviu para eleger não só os órgãos sociais da AAM, mas também o Conselho Superior de Advocacia. Em nota à imprensa, explica-se que, “apesar de se apresentarem a sufrágio apenas listas singulares, a assembleia eleitoral, realizada no passado dia 6, contou com 257 advogados votantes, sendo considerados nulos 15 votos”. O mesmo comunicado indica que cerca de 94 por cento dos eleitores expressaram apoio aos candidatos. Ainda no que diz respeito à AAM, a mesa da assembleia-geral continua a ser liderada por Philip Xavier, que vai ter como secretários Leong Hon Man e Lei Wun Kong. Quanto ao conselho fiscal, mantém-se Rui Cunha na presidência e Diamantino Ferreira como vogal, sendo que Francisco Leitão se junta ao órgão na qualidade de vogal. Quanto ao Conselho Superior de Advocacia, é constituído por dois grupos: com mais de dez anos de exercício da profissão no território estão Frederico Rato, Sou Sio Kei e Artur Robarts (como substitutos Luísa Empis de Bragança, Leong Weng Pun e Kuong Iok Kao); com menos de dez anos, Diane Aguiar, Rita Martins e José Liu (Cheang Seng Cheong, Lou Sio Fong e José Abecasis são os substitutos). Protocolo para retomar Entre os principais objectivos para o novo mandato, Neto Valente destaca o impulso aos mecanismos de arbitragem, bem como o estabelecimento de um centro de arbitragem “na linha da plataforma entre a China e os países lusófonos”. A direcção pretende ainda prosseguir com a formação, para “continuar a elevar o nível dos profissionais”, e garantir a saúde financeira da associação, que não tem, até à data, dado quaisquer problemas, segundo explica o presidente. Ainda no que diz respeito ao funcionamento da AAM, está já planeada a construção de um novo site. Existe ainda a possibilidade de ser restabelecida a relação com a Ordem dos Advogados Portugueses”. O protocolo entre as duas entidades tem estado suspenso. A associação de Macau está já a trabalhar para que haja uma maior colaboração. A ideia não é só facilitar o acesso dos advogados portugueses ao mercado de trabalho do território, é permitir que o movimento aconteça em sentido inverso. “Tem havido uma tendência para advogados de Macau se querem inscrever na Ordem em Portugal e isso passa por estabelecer uma relação privilegiada com a Ordem dos Advogados Portugueses”, indica Neto Valente. O problema da lei de bases Quanto ao estado do sector, o presidente da AAM – uma das vozes mais críticas do modo como tem evoluído – diz que o grande objectivo do mandato é “contribuir para evitar o desprestígio da justiça”. Neto Valente desdobra a ideia com um exemplo, que considera prioritário: a alteração à Lei de Bases da Organização Judiciária. “Só quando surgem episódios é que se lembram dessa alteração”, lamenta. “Mas não está na nossa mão. Se estivesse, há muito que tinha sido alterada”, afiança. Em causa está, mais uma vez, o julgamento de um arguido que, à data dos factos, tinha um estatuto equiparado ao dos titulares dos principais cargos. O ex-procurador Ho Chio Meng está a ser julgado em primeira instância no Tribunal de Última Instância, sem possibilidade de recurso das decisões do colectivo de juízes. O mesmo problema já se tinha verificado aquando do julgamento do antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, detido há dez anos. Jorge Neto Valente conta que, no ano passado, fez um apelo ao responsável pelo TUI, para que os vários intervenientes no sector se juntassem e discutissem a questão, mas a sugestão caiu em saco roto. “Por isso é que digo [que a prioridade] é evitar o desprestígio contínuo da justiça que, na minha opinião, se verifica perante a sociedade e a opinião pública”, sublinha. “A justiça não tem estado a ser prestigiada, pelo contrário.”
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaEleições | Eternos perdedores falam de desigualdades no sistema Agnes Lam perdeu todas as eleições a que se candidatou, mas mantém a esperança. Paul Pun não sabe se volta a ser candidato. Casimiro Pinto nem quer pensar mais nisso. Os eternos perdedores das eleições legislativas falam de um sistema desigual, onde os pequenos não conseguem competir com os grandes [dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]azem parte dos rostos que se candidatam a lugares na Assembleia Legislativa (AL) sempre que há eleições, a cada quatro anos, mas nunca ganham. Mantêm a esperança de lutar por algo novo e ganhar assentos aos nomes de sempre. Chan Meng Kam é um deles e surge à cabeça com três deputados eleitos, incluindo ele próprio, os quais representam a comunidade de Fujian. José Pereira Coutinho elegeu, em 2013, Leong Veng Chai; Ho Ion Sang, da União Geral das Associações de Moradores de Macau (Kaifong) faz parelha política com Wong Kit Cheng. Já a Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) tem dois deputados eleitos pela via indirecta no hemiciclo (Lam Heong Sang, vice-presidente da AL, e Ella Lei), incluindo Kwan Tsui Hang, eleita pela via directa. Mak Soi Kun, que representa a comunidade oriunda de Guangdong, conseguiu eleger mais um nome, Zheng Anting. É contra estes números que eles tentam lutar a cada quatro anos, mas reconhecem que cada vez é mais difícil lidar com um sistema desigual. Agnes Lam, candidata em 2009 e 2013, assume ao HM que está a compor uma equipa para se candidatar novamente às legislativas de 2017. Contudo, não quer avançar nomes. “Estamos a tentar fazê-lo, mas queremos fazê-lo de uma forma melhor e diferente. Temos de conhecer bem a equipa, mas estamos a tentar formar uma. Temos uma decisão interna de não anunciar qualquer nome até que tenhamos algo mais concreto. Estou a motivar as pessoas para que queiram trabalhar comigo.” Convidada a apontar as razões que estiveram por detrás das suas sucessivas derrotas, a docente da Universidade de Macau e presidente da Associação Energia Cívica assume que “não foi forte o suficiente”. “Em Macau as pessoas votam de formas diferentes e a cultura política é diferente. Penso que não fui forte o suficiente a captar as atenções do eleitorado. Da última vez que concorremos às eleições, tivemos pouca cobertura dos media chineses, de facto os media portugueses fizeram uma cobertura mais intensiva.” É uma realidade que, afirma, tem vindo a mudar com a realização de diversos debates através da sua associação, com outros oradores convidados. “Através do Facebook posso atrair mais pessoas, através da realização de debates hoje em dia.” Agnes Lam é a primeira a referir que o sistema para os candidatos é desigual. “Não temos recursos suficientes para concorrer ao lado desses candidatos. Mas acredito que há algumas pessoas lá fora que querem algo diferente. Não vou concorrer contra eles, só procuro um assento no hemiciclo. Apresento as coisas em que acredito e se houver pessoas que acreditem nelas também… Só preciso de captar mais a atenção das pessoas.” Para a ex-candidata, a desigualdade é um “problema sistemático”. “As eleições contribuem cada vez mais para um sistema de desigualdade, e esse tem sido um problema sistemático. Não fui forte o suficiente, e esse foi o problema. Mas também acredito que a lei eleitoral e as políticas que existem não são favoráveis à participação de pequenas organizações.” O defensor dos mais fracos Paul Pun é talvez o candidato que mais eleições perdeu, já que se candidatou a todos os actos eleitorais desde o estabelecimento da RAEM. Ao HM dá a entender que uma nova eleição pode não ser realidade no próximo ano. “Ainda que tenha pessoas a dizerem-me ‘deveria candidatar-se’, costumo dizer que a hipótese de me candidatar é mínima. Não é minha intenção dizer que me vou candidatar. As diferentes comunidades têm diferentes expectativas. Independentemente de uma candidatura, quero continuar a servir as pessoas consoante as minhas capacidades.” O secretário-geral da Caritas refere que perdeu as eleições “devido a vários problemas”, mas ressalva que, “em termos gerais”, não é “um perdedor”. “Não consegui um assento, porque o processo eleitoral deveria ter um período mais longo. As minhas anteriores candidaturas não correram bem por esse motivo. Em segundo lugar, as pessoas escolhem e eu respeito as suas escolhas. Continuo a poder fazer outras coisas.” A existência de candidatos mais fortes também não ajuda. “Não tenho a preparação que esses grupos que mencionou têm. Tenho uma maneira muito própria de me defender, não sou um candidato com muito poder. Devemos pensar como é que o processo pode ser mais justo para que todos possam ser candidatos.” A tímida candidatura Casimiro Pinto liderou, em 2009, a “Voz Plural” para garantir uma maior representação da comunidade macaense no hemiciclo, que já tem os rostos de Pereira Coutinho e Leonel Alves, este último deputado eleito pela via indirecta. A derrota aconteceu e Casimiro Pinto nem quer ouvir falar de uma nova candidatura. “Não me volto a candidatar porque penso que a participação cívica pode ser feita de outra forma. Acho que devem existir outras pessoas, mais jovens do que eu, que representem a comunidade. Não fazemos essa participação cívica como deputados, mas continuamos a acompanhar tudo o que tem que ver com Macau.” O que falhou, então, em 2009, apesar de Casimiro Pinto ser um rosto bem conhecido da comunidade macaense? “Era uma lista que a população ainda não conhecia e, portanto, era óbvio que não poderíamos obter muitos votos. As pessoas desconheciam ainda os candidatos. Na altura, o grupo juntou-se em cima da hora e não havia muita experiência no assunto, incluindo eu próprio, para uma actividade eleitoral. Havia um desejo e o amor pela terra. Falhámos nesse sentido, porque as eleições exigem mais do que isso, exigem a experiência que nós na altura não tínhamos.”v Além da luta de titãs com os actuais deputados, Casimiro Pinto lembra que, para uma lista que não tem continuidade, é difícil garantir uma eleição. “Teria de ser um trabalho contínuo para ganhar visibilidade e a confiança da população. Se é para lutar pelos interesses da população, o trabalho tem de ser feito de forma contínua. No início houve uma vontade para dar continuidade, mas houve dificuldades.” Ainda assim, Casimiro Pinto considera que o trabalho da “Voz Plural” não foi em vão. “Foi pena não termos dado continuidade mas não foi infeliz, sabemos que na sociedade todos estão a desempenhar um papel no território. Agora ainda é mais difícil. Não aparecemos nas últimas eleições [em 2013] e agora seria mais difícil ter alguma expressão.” Larry So: “Nova lei eleitoral não deverá mudar o cenário” Para o politólogo Larry So, o cenário de desigualdade entre candidatos não deverá alterar-se com a implementação de uma nova lei eleitoral. “Penso que a nova lei eleitoral não deverá mudar muito esse cenário.” “Não se pode dizer que é um jogo justo. [Os candidatos mais fortes] têm vantagens porque a maioria dos membros eleitos têm mais recursos, se compararmos com aqueles que já concorreram várias vezes. Estes não têm esses recursos, dinheiro, materiais. Além disso, há muitas pessoas por detrás destes grupos que elegem os deputados e podem fazer maior propaganda em várias plataformas. Caso não haja os recursos humanos acaba por se gerar uma situação de desigualdade.” Larry So explica, contudo, que o facto de uma pessoa estar há alguns anos no hemiciclo faz com que os eleitores acreditem no seu trabalho. “É quase uma regra de que determinada pessoa, que esteve na posição de membro eleito, quando participa numa nova eleição, terá melhores possibilidades de vencer. Tem mais vantagens. Já estão nessa posição e já conhecem o funcionamento da Assembleia Legislativa”, afirma. “Um novo candidato não tem essa vantagem. As pessoas reconhecem os nomes, o que não acontece com os novos candidatos. Quando vão votar, fazem-no nas caras que já são mais familiares ou até nos nomes mais familiares. Um novo candidato terá de trabalhar muito mais para conseguir chegar lá”, conclui.
Hoje Macau Manchete SociedadeJustiça | Ho Chio Meng começou a ser ouvido e nega acusações Começou o julgamento de Ho Chio Meng. No dia da leitura da acusação, o antigo líder do Ministério Público tentou explicar por que razão havia uma sala, no mesmo prédio onde funcionava o seu gabinete, com equipamentos para massagens e uma mesa de bilhar [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] antigo procurador de Macau, Ho Chio Meng, negou a prática dos crimes de que é acusado no arranque do seu julgamento no Tribunal de Última Instância (TUI). “Não correspondem à verdade os factos constantes da acusação”, declarou Ho Chio Meng, 61 anos, depois de revelar que ainda não conseguiu acabar de ler o processo, devido aos constrangimentos decorrentes do facto de estar detido preventivamente, como ter de consultar os documentos sob “luz muito fraca” à noite na casa de banho. O ex-responsável pelo Ministério Público (MP) sublinhou que, como arguido, tem direito a conhecer a base em que se sustenta a acusação. O presidente do TUI, Sam Hou Fai, reconheceu que a questão do tempo foi levantada por o arguido estar detido, mas realçou que foi concedido um prazo de três meses para a preparação da defesa e que, no decurso do julgamento, poderá continuar a consultar o processo, sendo “impossível” aguardar mais devido ao prazo máximo previsto para a prisão preventiva. Ho Chio Meng, que liderou o MP entre 1999 e 2014, está detido desde Fevereiro, estando acusado de mais de 1500 crimes, incluindo burla, abuso de poder, branqueamento de capitais e promoção ou fundação de associação criminosa, em autoria ou co-autoria com outros nove arguidos. Apesar das ressalvas, Ho Chio Meng optou por responder em tribunal. Descanso para convidados O primeiro ponto abordado foi a designada “sala de descanso para docentes” – relativamente à qual lhe são imputados nove crimes de burla qualificada ou nove de abuso de poder –, localizada em fracções no edifício Hotline, arrendadas entre 2006 e 2014 pelo gabinete do procurador, que funciona no mesmo prédio, as quais seriam alegadamente destinadas ao uso pessoal de Ho Chio Meng. Segundo a acusação, nessa sala foram encontrados, em Janeiro de 2015, uma televisão de ecrã panorâmico, mesa de ténis-de-mesa e de bilhar, equipamentos de massagem, sauna, colchões, móveis de pau-rosa e de outras madeiras valiosas e também colecções do próprio arguido. Além disso, diz a acusação, os trabalhos relacionados com a referida sala foram classificados como confidenciais e não havia nada que a identificasse como sendo do MP. Terão sido dadas instruções para que os telefones nem sequer constassem da lista interna de contactos e para que o acesso àquele espaço fosse vedado a outros funcionários. Ho Chio Meng afirmou que a referida sala do 16.º andar do edifício não foi um “contrato independente”, havendo outras instalações no mesmo piso interligadas. O arguido contestou a acusação, explicando que a criação da “sala para descanso de docentes” teve que ver com “o desenvolvimento” do próprio MP, uma vez que depois da transferência de Macau de Portugal para a China, em 1999, a formação tinha especial importância. A acusação diz que o gabinete que dirigia nunca usou aquela sala para convidar docentes do exterior para efeitos de formação de pessoal do MP, algo que Ho Chio Meng negou: “Há provas de que funcionários tiveram formação no local – pelo menos dez”. Deu ainda o exemplo de uma palestra proferida pelo director da Faculdade de Direito de Pequim no local, onde também teria reuniões e receberia convidados, como membros do Governo ou magistrados, outros de fora e até do Tribunal Superior de Justiça da China, mas também associações de Macau. Além disso, afirmou que era onde recebia “informadores” que evitavam o processo de identificação necessário à entrada do gabinete do procurador, pelo que o espaço era para “uso exclusivo” do exercício de funções – como “existe noutras entidades”, apontando que no gabinete do TUI há uma sala semelhante. Sobre os contratos de arrendamento da sala, afirmou ter-se limitado a assiná-los: “Não tenho qualquer relação com os senhorios, não tenho qualquer relação com as rendas”. As buscas Essa “sala de convidados” foi “arrombada” a 23 de Janeiro de 2015 pelo actual procurador, Ip Song Sang, pouco antes de Ho Chio Meng ter ido buscar coisas que ali armazenara, como mobílias, aquando de uma mudança de casa, dado que depois de terminar o mandato como procurador, teve de abandonar a residência oficial, em “finais de Março” do ano passado. Ho Chio Meng questionou, por isso, por que razão a porta foi arrombada, passado um mês, sem o informarem, queixando-se por o procedimento das buscas não ter tido em conta que nem ele, nem nenhum representante seu estava presente. Alegou que houve pertences seus que desapareceram, falando de uma caixa de documentos dos tempos em que trabalhou no Alto Comissariado Contra a Corrupção, na década de 1990. Confrontado com a possibilidade de apresentar uma denúncia, Ho Chio Meng afirmou que nunca falou em furto, acrescentando que pode haver várias razões para explicar o desaparecimento. O Ministério Público de Macau apresentou um pedido cível de indemnização de 76,19 milhões de patacas ao antigo procurador que continua a ser ouvido hoje.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeSexualidade na deficiência | Hong Kong quer debater assunto com Macau A sexualidade vivida pelas pessoas com deficiência é ainda um assunto tabu e é preciso debater o assunto com a sociedade, até para prevenir casos de abusos sexuais. A ideia é defendida pelo Hong Kong Women Christian Council, que pretende trazer a discussão para Macau [dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] um assunto tabu em quase todo o mundo, e mesmo na Europa, em Portugal, só recentemente começou a ser abordado. Os portadores de deficiência também vivem a sua sexualidade, mas continua a persistir a ideia de que a intimidade é uma área que eles não vivenciam. Foi a pensar nisso que o Hong Kong Women Christian Council promoveu um debate sobre o assunto na região vizinha, mas a ideia é que possam ser estabelecidas ligações com entidades de Macau para discutir este tema no território. “Estamos a planear partilhar a nossa conferência com alguns grupos que tenham interesse na questão ou com organizações de apoio à deficiência em Macau. Também estamos a planear fazer alguma peça de teatro educacional para os portadores de deficiência em Macau”, disse ao HM Little Wing Yick, uma das responsáveis pela organização. A discussão em torno da sexualidade na deficiência começou em 2012, quando o Hong Kong Women Christian Council publicou 12 histórias no livro “O amor não tem deficiência”. Desde então que tem feito também investigação sobre o assunto e sobre casos noutros países. “A sexualidade na deficiência é ainda um grande tabu na sociedade de Hong Kong. Encontrámos alguns casos de deficientes que, no seu dia-a-dia, sofrem abusos sexuais e existe falta de educação sexual para eles. Os subsídios que são concedidos permitem aos portadores de deficiência manterem os seus empregos, viagens, manterem uma casa e serviços médicos, mas não existe nada para as suas necessidades sexuais ou íntimas. Há uma ideia de que o portador de deficiência não deveria ter sexo. Por isso esperamos alertar o público para esta questão dos direitos dos deficientes em relação ao sexo e prevenir os abusos contra estas pessoas”, adiantou Little Wing Yick. Para a responsável, “tudo está relacionado com o problema da indústria em Hong Kong”. “Acreditamos que, quando abordamos a prática de serviços sexuais em relação aos portadores de deficiência, deveríamos aprofundar questões que têm que ver com a lei, direitos humanos e medicação”, disse ainda. Abusos sexuais são realidade Hetzer Siu, presidente da Macau Special Olympics, uma das entidades que representa os portadores de deficiência, fala da existência de casos de abuso sexual que nunca chegam a constituir processos judiciais, por falta de provas. “No passado aconteceu e mesmo hoje em dia há vários casos de abusos sexuais em Macau, porque as pessoas com deficiência mental estão mais vulneráveis, porque mesmo que sejam alvo de abusos não conseguem falar do que se passou. Mesmo que os casos vão parar à polícia, não conseguem encontrar provas porque a vítima não consegue expressar o que aconteceu. Ainda assim não há muitos casos porque Macau é uma sociedade pequena e comunidade irá saber quem abusou de um portador de deficiência. Nesse sentido é vantajoso vivermos numa sociedade pequena”, explicou. Ainda assim, existe o lado bom da medalha: os deficientes que conseguem ter uma vida normal e constituir família. “Há um ponto interessante na sociedade de Macau, porque segundo a tradição chinesa os filhos homens têm de ter filhos e casar, então há muitos pais que tentam encontrar uma esposa para os seus filhos. Tentam arranjar um casamento tradicional para eles. Em relação às mulheres, alguns pais também procuram que as suas filhas encontrem um parceiro, porque pensam que é muito importante constituir uma família.” Hetzer Siu considera que é importante debater o assunto em parceria com Hong Kong, mas alerta para as dificuldades em abordar a realidade dos abusos sexuais. “É necessário apostar na educação sexual para os pais destas pessoas, porque a sexualidade é uma necessidade básica de qualquer ser humano. É preciso que haja mais informação sobre o controlo de doenças sexualmente transmissíveis e também sobre relações sexuais protegidas. Todas as pessoas têm essa necessidade, sobretudo de intimidade, e não me refiro apenas ao sexo. As pessoas com deficiência têm necessidade de estabelecer relações íntimas e não apenas relações sexuais”, rematou o presidente da Macau Special Olympics.
João Luz Entrevista MancheteIvo M. Ferreira, realizador de cinema | O bom filho à casa torna Ainda a sentir réplicas de “Cartas da Guerra”, filme pré-seleccionado para os Óscares, e com destaque em tudo que é festival de cinema internacional, Ivo Ferreira volta a Macau para fazer um filme. O cineasta abriu as portas do seu escritório e recebeu o HM [dropcap]O[/dropcap] que pode dizer-nos acerca deste novo projecto? Comecei a escrevê-lo, precisamente, durante a paragem do “Cartas da Guerra”. É um filme que revisita uma Macau dos últimos cinquenta anos, ou dos próximos dez. É meio intemporal e assenta na ideia da erosão, da destruição física da cidade, como um catalisador que cria unidade e entidade. A ideia é um bocado romântica, louca, drástica e divertida, espero. E a narrativa? A narrativa gravita à volta de um hotel, que não é bem um hotel, é um prédio muito degradado onde os hóspedes acabam por ficar a viver, fazendo as suas casas dentro dos quartos. O dono é um português, que vive com a filha no topo do edifício, sem se preocupar com qualquer tipo de manutenção. Nisto, há um personagem que chega à cidade e que pretende deitar o edifício abaixo para construir um hotel novo. No fundo, é uma estória de resistência. De onde lhe surgiu a ideia para o filme? Vim para Macau em 1994, estive cá quase quatro anos e depois fui voltando. Filmei cá a minha primeira longa-metragem, “O Estrangeiro”. Apeteceu-me revisitar a cidade. Crio relações especiais com os lugares, algo que não tenho em mais nenhum lado do mundo, a não ser Lisboa. Quando regressei para rodar “O Estrangeiro” tentei revisitar esses primeiros dias de Macau, o hotel de prostitutas onde vivi, por exemplo. Os sítios que queria filmar tinham desaparecido e, pronto, fui filmar o vazio. Foi a minha tentativa inicial de somatizar a primeira experiência de Macau. Havia outro filme para fazer, eu sabia, e haverá outros. Pode ser que me saia o Euromilhões… Olha, gastava tudo mal gasto. Neste momento, vivo um estado compulsivo, estou a fazer este projecto, mas já estou a preparar um trabalho sobre os FP 25. Será um grande filme, muito caro e bastante explosivo. Como está a ser voltar a trabalhar num filme em Macau? Eu gosto muito disto, tenho uma relação muito especial com a cidade. Gosto imenso de Portugal, mas dá-me uma seca imensa passado um tempo, aborrece-me. As pessoas queixam-se muito, e pior, a maioria das vezes têm razão. Este sempre foi o meu plano, filmar dos dois lados. Mesmo sabendo que em Macau é muito, muito difícil. Mesmo apesar do passo enorme que o Instituto Cultural deu, espero que tenham consciência que o próximo passo tem de ser maior ainda, mas este primeiro já é de louvar. Sinceramente, é um desafio porque é muito difícil filmar cá. Posso dar-te um exemplo: uma coisa que há em Macau em abundância são quartos de hotel, mas estou há oito meses a pedir licença para filmar uma cena num quarto de hotel. Uma coisa completamente normal, ainda para mais com uma estrela de Taiwan, Rhydian Vaughan. Qualquer hotel no mundo até lhe pagaria o quarto. Aqui não, nada. Tudo é assustador, há uma espécie de medo que não sei explicar. A Sophia Coppola no Lost In Translation transformou o bar do hotel num destino turístico, as pessoas querem ficar lá por causa do filme. Estou há um ano para ter resposta do turismo, outro exemplo. As coisas avançam a um ritmo muito lento. É, absolutamente, desesperante, falta um bocadinho de frescura e dinâmica. O “Cartas da Guerra” tem corrido os festivais internacionais e foi pré-seleccionado para os Óscares… Devia estar em Washington agora, o filme está a passar lá. Para teres hipóteses nos Óscares precisas gastar pelo menos 300 mil euros. Primeiro, tens de anunciar nas revistas, depois vêm as sessões privadas. Mas ser pré-candidato é muito bom, é super sexy e cria buzz em torno do filme. É muito bom sair de um filme e entrar noutro, mas por outro lado é horrível. Este mês perdi alguns 15 festivais fantásticos. No entanto, a exposição dá muito jeito, por exemplo, para falar aqui com um co-produtor de Hong Kong. É óptimo, agradeço imenso a toda a gente que votou em mim e, se chegar lá é muito bom, principalmente na repercussão que trará às vendas. Tirando os benefícios práticos, como tem sido lidar com o protagonismo? O que me assusta mais é a conta bancária. Continuo teso, a ver vamos se isto alguma vez endireita. Agora, a sério. Fico muito contente, mas a verdade é que este filme, de certeza absoluta, não o teria montado financeiramente com esta velocidade se não fosse tudo isso. Pronto, se calhar lá terei de ir passear na red carpet, o que, sinceramente, não tem assim tanta graça, mas a Margarida adora vestidos e ainda arranjamos uns descontos. Mas dá muito trabalho, não tenho vida para isso. Voltando ao “Cartas da Guerra”. Quais foram as maiores dificuldades? A montagem foi um paraíso, agora, até lá foi tudo horrível. Primeiro concorremos e ganhámos o financiamento do ICA [Instituto do Cinema e do Audiovisual], o que é importante para depois pedir mais dinheiro lá fora. Estava tudo a correr bastante bem, mas depois Portugal foi à falência e não chegámos a receber o dinheiro. Depois, outros eventuais parceiros que existiam também saltaram fora. Começámos aí uma travessia do deserto. Assumimos que não iríamos ganhar dinheiro com o filme, porque se ia gastar tudo na rodagem. Era algo que estava assumido, e a única forma de poder filmar em Angola. Não iria esperar mais não sei quantos anos para tentar financiamento. Já tinham passados tantos, que era agora ou nunca, e se continuasse a arrastar, às tantas também já não queria fazer o filme. De repente, em três horas, o filme estava financiado. Houve uma viragem total. Não foi nenhuma sorte, foi o filme em si que fez isso. O filme que nos deu pesadelos, também nos deu a bonança e a felicidade. Finalmente, avançámos. Foi uma rodagem problemática. As rodagens em Angola foram horríveis, apesar do apoio local do exército angolano. Foi muito duro, também por questões inerentes à natureza do projecto. Quis filmar numa zona que se parecesse com o local onde se desenrolou a acção. O próprio sítio foi um dos maiores inimigos. Houve muitas doenças, paludismo, febre tifóide, foi muito chato. Era tudo tão duro e absurdo. Tivemos acidentes muito graves na equipa. Nessa altura, realmente, pensei: “Epá, nunca mais quero fazer filmes”. Depois chegava ao quarto e pensava “faz-se mais um dia”, e assim se foi andando. Agora, como já passou algum tempo, a memória selectiva leva-me para as coisas positivas, ficamos com uma imagem mais romântica à distância. Então e a montagem? A montagem foi super simpática. Temos uma casa no campo e montámos lá um estúdio. Essa parte foi fixe, podia estar com os putos. Como foi trabalhar com a Margarida Vila-Nova? Ninguém acreditava que eu ia pôr a voz da Margarida, nem que a ia filmar. Não sabia como é que havia de filmar, tinha vários décors em mente, como a Praia das Maçãs, que é muito referida no livro. Mas o décor foi na casa do pai do António Lobo Antunes, onde a Maria José e o António viveram, num segundo andar. Havia caixotes no chão, e eu fui lá ver o apartamento só por curiosidade. Decidi filmar tudo dentro da casa, porque não queria mais ninguém no plano, assim tudo aquilo poderia ser uma memória dela. Foi no último dia, estávamos todos estoirados, mas eu queria filmar planos que retratassem o encontro, desencontro, a perda, uma espécie de intangibilidade. Um ambiente que criasse intimidade. Avisei-a uns dias antes quanto à cena de amor. “Olha, se calhar vais ter de te masturbar na cena. “Ah, não, nem penses”. Não disse mais nada. Era uma cena de intimidade, e faltava-me os dois juntos, apesar de não se tocarem. Uma história de amor do caraças sem uma cena de cama, oh Ivo, que conceptual do caraças. Já tinha filmado a cena do Miguel, evidentemente, a pensar nisso. É um filme que suscita emoções. Tenho ouvido muito falar nisso. Foi muito importante para mim o contacto que tive com aqueles homens que me acolheram e que me puseram dentro da companhia. A ante-estreia em Lisboa foi no âmbito do IndieLisboa, no 25 de Abril, o filme estava por todo um mundo, era absurdo não passar por Portugal. Sabia que estavam lá os camaradas, até tinham farnel. Não os vi, procurei-os porque queria dedicar-lhes a sessão. Eles estavam lá ao fundo, na última fila da Culturgest, para não serem vistos. Assim podiam sair caso não gostassem do que estavam a ver. Nunca lhes mostrei nada. Claro, mostrei à Zé e à Joana. Depois, chegámos ao fim do filme e lá estavam com lágrimas nos olhos. Um dos antigos combatentes dizia para outro: “Conheço-te há 50 anos, estivemos num funeral de um grande amigo e nunca te vi chorar, o que é esta merda? E o outro diz “olha lá para ti”. Mesmo as mulheres deles ficaram muito emocionadas, porque os maridos nunca lhes haviam falado da guerra. Uma das esposas disse-me: “Ao longo de todos estes anos o meu marido nunca falou disto comigo, eu sabia que depois do filme ele ia ter pesadelos, e teve. Teve pesadelos, acordou e começou-me a falar de coisas de quais nunca me tinha falado em 40 anos”. As coisas também têm uma altura para acontecerem e os portugueses têm tendência para lidarem muito mal com as suas coisas, adiar eternamente. Procurei aquilo que me pareceu ser a essência daquela vivência, sobretudo o isolamento, a vida interrompida. Não sei bem porquê, chora-se muito à volta deste filme. É muito forte, mesmo para mim, não é só o filme, a forma, o que aconteceu, os camaradas que me ajudaram em todo o processo. Acho que agora já passou, mas eu e o Ribeiro tivemos alturas em que olhávamos um para o outro e ficávamos com lágrimas nos olhos sem razão alguma. E como foi a relação com o António Lobo Antunes? Toda a gente que achava que poderia correr mal, não houve um único problema entre nós ao longo destes anos todos. No momento que propus a ideia disseram-me que era louco, aquilo nem era para sair em livro, mas foi uma vontade expressa da Maria José antes de morrer. O António disse-me uma vez que nunca o tinha lido, apesar da personagem não estar só neste livro, está também nos “Cus de Judas”, e no “Memória de Elefante”. Sabia que historicamente teria de ser certeiro. Nunca tinha visto uma pistola na vida, nem fui à tropa. De repente, tenho uma estória intimíssima que duas amigas me estão a deixar adaptar, com detalhes da intimidade da sua mãe, e de não sei quantas pessoas. Também explora o lado biográfico de um grande escritor vivo, e uma personagem bastante particular. Desde o início, nós tivemos a relação que o António quis ter. Agora, olhando para trás, recordo as grandes conversas que tive com ele e, também, os grandes silêncios enquanto ele fumava sem parar. Em retrospectiva, tudo o que aconteceu foi o que eu queria que tivesse acontecido. O António tem problemas em ver o filme, porque não está ainda preparado, segundo ele. É algo muito pessoal, porque ela foi o grande amor da sua vida, são episódios muito importantes. Sei que já fez algumas tentativas, e haverá um tempo. Gostava que ele visse o filme, se ele o quiser ver, mas se lhe fizer aflição, não faz mal.
Hoje Macau Manchete PolíticaLionel Leong faz balanço da viagem a Portugal O secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, esteve em Lisboa para dar seguimento às ideias definidas no último Fórum Macau. Regressou a Macau com uma mensagem do embaixador chinês na capital portuguesa [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] embaixador da China em Lisboa disse que Portugal tem “uma atitude mais aberta” ao investimento externo e que Pequim quer reforçar a cooperação com Lisboa e alargá-la a novas áreas, segundo um comunicado divulgado em Macau. “O embaixador Cai Run informou (…) sobre a situação atual das relações sino-portuguesas nos anos recentes, período em que o investimento das empresas chinesas em Portugal tem aumentado continuamente e, de facto, Portugal assume uma atitude mais aberta sobre o investimento externo em comparação com os países europeus, notando-se, assim, investimentos realizados nos sectores de energia, de saúde, de seguros e de serviços bancários”, lê-se num comunicado sobre a visita do secretário da Economia e Finanças de Macau, Lionel Leong, a Lisboa, esta semana. De acordo com o mesmo texto, o embaixador Cai Run “espera que seja reforçada a cooperação entre as empresas portuguesas e os investidores chineses nas áreas de cooperação da capacidade produtiva, cooperação marítima, de empreendedorismo, de medicina tradicional chinesa, de turismo e de educação”. “Com a abertura de voos diretos entre os dois países nos meados do próximo ano, a cooperação e as ligações bilaterais serão mais estreitas”, prossegue o comunicado, referindo-se às considerações do embaixador que, segundo o mesmo texto, “salientou o papel positivo de Macau nas relações sino-portuguesas”. Outros encontros Durante os dias em que esteve em Lisboa, Lionel Leong e a delegação que o acompanhou reuniu-se ainda com três secretários de Estado do Governo português: João Vasconcelos (Indústria), Paulo Ferreira (Comércio) e Jorge Costa Oliveira (Internacionalização). A visita a Lisboa visou “implementar os trabalhos definidos” no “memorando de entendimento para a promoção do empreendedorismo e da cooperação económica e empresarial” entre Portugal e Macau, assinado em Outubro, durante a quinta conferência interministerial do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. No comunicado divulgado, o Governo de Macau reitera o seu empenho “no reforço da cooperação luso-chinesa” através da “transformação de Macau numa plataforma de serviços financeiros entre a China e os países de língua portuguesa” e num “centro de liquidação de renminbi para os países lusófonos”. Nos encontros com os secretários de Estado, foram discutidos temas como o reforço do papel de Macau na entrada de produtos portugueses na China e acordada a criação de “grupos especializados para coordenar trabalhos relacionados”, indica o comunicado. Os dois lados trocaram ainda informação sobre “o desenvolvimento das empresas ‘startups'”, tendo discutido “directrizes futuras de cooperação”.
Hoje Macau Manchete PolíticaOrçamento 2017 | Plano de investimentos é “extremamente ambicioso” [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s deputados da 1.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL) consideram o plano de investimentos públicos para o próximo ano “extremamente ambicioso”, alertando para as dificuldades de execução. “Trata-se, sem dúvida, de um plano de investimentos públicos extremamente ambicioso e porventura de difícil alcance a uma taxa de execução orçamental elevada ou mesmo razoável”, referem os deputados no parecer relativo à proposta de Lei do Orçamento para 2017, que deve ser em breve votada na especialidade. No Orçamento para 2017, o Plano de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração (PIDDA) aumenta 37,8%, para 15.256 milhões de patacas, quando esta rubrica normalmente apresenta baixas taxas de execução, o que tem suscitado críticas no seio do órgão legislativo. Nesse sentido, constata-se no parecer que “a baixa taxa de execução orçamental do PIDDA no ano em curso – de 28,7% – no período de Janeiro a Outubro (…) faz antever que transitem para 2017 parte das acções de investimento não realizadas anteriormente”. A 1.ª Comissão Permanente da AL indica que, à semelhança do ano anterior, o Governo apresentou 20 programas orçamentais para 2017, cujo orçamento total representa a quase totalidade do valor proposto para o PIDDA. Contudo, e embora notem que a informação prestada constitui “um significativo progresso”, os deputados defendem que “carece eventualmente de ser melhorada e eventualmente contemplada na futura lei de enquadramento orçamental”. Isto no que respeita “a uma definição clara dos objectivos de cada programa, balanço dos custos/benefícios, entidades públicas envolvidas e responsáveis, encargos totais estimados com cada programa orçamental, incluindo os de anos anteriores e posteriores, calendarização e respectivas acções do investimento e pressupostos em que assentam as estimativas dos encargos futuros”, lê-se no parecer. Pouca clareza Os deputados afirmam ainda que “subsistem dúvidas” quanto à natureza e delimitação ou à tutela e entidades envolvidas nesses 20 programas e invocam, em particular, o de maior relevância financeira – a Ilha Artificial Fronteiriça da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau –, cuja dotação representa um quinto do valor do PIDDA, argumentando que “deveria ser objecto de uma melhor explicitação”. “Acresce, por outro lado, que é muito importante definir o que deve ser considerado como programa orçamental e não deixar de fora certo tipo de investimentos públicos de valor muito significativo e que se estendem por mais de um ano orçamental”. No parecer, os deputados também salientam que “o Governo não disponibilizou à AL o relatório intercalar sobre a execução orçamental até 30 de Junho, o que facilitaria a análise financeira da presente proposta de orçamento”.
Hoje Macau Manchete SociedadeJustiça | Julgamento do antigo procurador da RAEM arranca hoje Começa hoje o julgamento do ex-responsável máximo pelo Ministério Público de Macau. Prevê-se uma sessão dedicada à leitura da acusação, que é longa. Ho Chio Meng vai ser julgado por mais de 1500 crimes [dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] hoje. Depois de um adiamento de quatro dias, o antigo procurador da RAEM, Ho Chio Meng, vai começar a ser julgado esta manhã. A primeira audiência do julgamento de Ho Chio Meng tinha sido inicialmente marcada para segunda-feira, mas foi adiada na semana passada na sequência de um requerimento apresentado pela defesa do ex-procurador, que pedia o afastamento do presidente do Tribunal de Última Instância (TUI), onde vai ser julgado, um pedido que foi recusado pelo tribunal esta terça-feira. “Não se nos afigura existente motivo sério e grave que possa gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz visado, nem se mostram violados (ou irão ser violados) os direitos do arguido, pelo que se deve recusar, desde logo, o requerimento apresentado pelo arguido, por ser manifestamente infundado”, refere o acórdão do TUI. O pedido de recusa de Sam Hou Fai foi formalizado com base nas duas intervenções daquele juiz no processo: por ter sido presidido à audiência sobre o pedido de ‘habeas corpus’ e, já na fase de inquérito, por ter autorizado o pedido do Comissariado Contra a Corrupção para ter acesso às declarações de rendimentos e interesses patrimoniais do arguido e da mulher. Mais de mil páginas Ho Chio Meng, que liderou o Ministério Público de Macau entre 1999 e 2014, é acusado de mais de 1500 crimes, incluindo burla, abuso de poder, branqueamento de capitais e promoção ou fundação de associação criminosa, em autoria ou co-autoria com outros nove arguidos. Os restantes nove arguidos serão julgados num processo conexo, a partir de 17 de Fevereiro, no Tribunal Judicial de Base. O antigo procurador encontra-se em prisão preventiva desde Fevereiro. O caso de Ho Chio Meng arrisca-se a entrar para a história judicial de Macau como sendo o maior de sempre, em termos físicos: são mais de 30 mil páginas, contando com os 36 volumes da acusação principal e os 81 volumes de apensos. Só o despacho de pronúncia tem mais de mil páginas.
Isabel Castro Manchete PolíticaHo Chio Meng | Tribunal recusa requerimento do ex-procurador O presidente do Tribunal de Última Instância vai fazer parte do colectivo responsável por julgar Ho Chio Meng. O arguido tinha alegado que Sam Hou Fai estava impedido por ter participado noutras fases do processo. A justiça não lhe deu razão [dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] uma derrota para a defesa de Ho Chio Meng, ainda antes de o julgamento ter início. Na passada sexta-feira, o antigo procurador da RAEM apresentou um requerimento junto do Tribunal de Última Instância (TUI) em que pedia para que o presidente deste tribunal, Sam Hou Fai, não fizesse parte do colectivo que vai julgá-lo. O arguido fundamentava a pretensão com o facto de o presidente do TUI ter participado em duas fases processuais distintas. Na fase de inquérito, Sam Hou Fai autorizou o pedido do Comissariado contra a Corrupção (CCAC) sobre o acesso às declarações de rendimentos de interesses patrimoniais depositadas na secretaria do TUI pertencentes a Ho Chio Meng e à sua mulher. Depois, Sam Hou Fai presidiu à audiência de julgamento sobre o pedido de ‘habeas corpus’ apresentado pelo ex-procurador. O requerimento apresentado por Ho Chio Meng fez com que o julgamento, agendado para a passada segunda-feira, tivesse sido adiado. Ontem, o tribunal colectivo do TUI tomou uma decisão: o arguido não tem razão, pelo que Sam Hou Fai vai integrar o colectivo de juízes responsável pelo julgamento mais mediático depois do caso Ao Man Long. Pequena jurisdição Em comunicado à imprensa, o TUI recorda que a lei estabelece “mecanismos de impedimentos, escusas e recusas para os casos em que se verifica, entre o juiz e o processo concreto que cabe a este julgar, determinada relação especial passível de afectar o julgamento justo”. O tribunal explica ainda que há que determinar “não se o juiz se encontra realmente impedido de se comportar com imparcialidade, mas se existe perigo de a sua intervenção ser encarada com desconfiança e suspeita pela comunidade”. “Para considerar verificadas as situações de suspeita, é necessário existir motivos sérios e graves, adequados a suscitar a desconfiança da imparcialidade do juiz”, acrescenta-se. O TUI explica que, no requerimento, Ho Chio Meng alegou que “o juiz visado se pronunciou por duas vezes sobre a sua conduta, considerando que se indicia fortemente/suficientemente a prática pelo arguido dos crimes”. Para o TUI, esta argumentação não é motivo para impedir a participação de Sam Hou Fai: “A pronúncia sobre a existência de fortes indícios sobre a prática do crime nunca é considerada pelo legislador como motivo de impedimento do juiz”. O tribunal entende ainda que “numa jurisdição como a RAEM, com uma pequena população e um reduzido número de juízes, sempre seria de elementar bom senso não fazer uma interpretação demasiadamente extensiva das normas sobre impedimento de juízes, sob pena de, em muitas situações, não haver juízes que possam julgar os casos”. O TUI informou, entretanto, que a audiência do processo está marcada para esta sexta-feira. O antigo responsável pelo Ministério Público (MP) vai acusado de mais de 1500 crimes, de peculato a abuso de poder, passando por burla, participação económica em negócio e crime de associação criminosa. Pelo que foi divulgado aquando da detenção, a investigação em torno do ex-procurador e dos restantes arguidos foi desencadeada no ano passado, depois de o CCAC ter recebido uma denúncia. Além do ex-procurador, o caso envolve duas antigas chefias do MP, o ex-chefe do gabinete do procurador e um assessor, vários empresários locais e dois familiares de Ho Chio Meng. Em causa está a adjudicação de quase duas mil obras nas instalações do MP, sempre às mesmas empresas. Os crimes terão ocorrido entre 2004 e 2014, e as empresas envolvidas terão recebido um valor superior a 167 milhões de patacas. O CCAC acredita que, deste valor, 44 milhões terão sido encaixados pelos arguidos.
Hoje Macau China / Ásia MancheteMedicina Tradicional Chinesa | Pequim investe em nova política de saúde O Governo Central publicou um livro branco a detalhar políticas e medidas de fomento da medicina tradicional chinesa, tornando-a estratégia nacional. O Conselho de Estado quer que as práticas desenvolvidas no país sejam o alicerce da nova política de saúde nacional [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] medicina tradicional chinesa (MTC) é uma das mais bem sucedidas exportações da nação, encontrando-se espalhada por todo o mundo, apesar de ser encarada como uma prática alternativa face à chamada medicina convencional do Ocidente. Desde 2012 que o Partido Comunista Chinês (PCC), no 18º Congresso Nacional, pretende implementar uma série de políticas e medidas de promoção da MTC. Em 2015, durante a reunião do executivo, o Conselho de Estado aprovou o primeiro esboço legal de regulação da MTC e submeteu-a ao legislador para deliberação e aprovação. O objectivo foi criar um ambiente legal razoável para o desenvolvimento e regulação das práticas medicinais tradicionais. Já este ano, o Comité Central do PCC e o Conselho de Estado lançaram um plano estratégico nacional de saúde de longo prazo (2016-2030), alicerçado em torno da MTC. A estratégia passa por dar igual relevo ao desenvolvimento da MTC e à medicina ocidental. Para tal, o Governo Central encoraja a interacção entre ambas as formas de medicina. Dessa forma, serão dadas condições a médicos convencionais para aprenderem e incorporarem métodos da MTC nos tratamentos. Em contrapartida, nas escolas e universidades de medicina tradicional serão ministrados cursos de medicina moderna, em espírito de intercâmbio, de acordo com as directrizes do Governo Central. O mesmo espírito de partilha ocorrerá ao nível hospitalar, sendo encorajada a abertura de centros dedicados a doenças específicas nos estabelecimentos de MTC. Na outra direcção acontecerá o mesmo, sendo encorajada a criação de departamentos de métodos tradicionais de saúde nos hospitais de medicina moderna. Esta medida pretende aliviar a pressão sobre as urgências hospitalares, assim como assumir uma posição profilática de controlo e prevenção de doenças infecciosas. O culminar destes esforços chega agora com o livro branco, que pretende ser o plano de revitalização da MTC, que inicia uma nova era de desenvolvimento na área da saúde. O Governo Central tem como metas principais facultar a todos os cidadãos chineses o acesso a serviços básicos de saúde até 2020, e tornar universal o alcance da MTC a todas as áreas da saúde até 2030. Estes são os alicerces da grande reforma do sistema de saúde chinês. A expansão do alcance dos serviços prestados e o esforço para melhorar a gestão da área da saúde têm também uma forte componente comunitária, promete Pequim. Especialmente entre os idosos, turistas e trabalhadores, divulgando boas práticas de exercício e nutrição. Outro dos objectivos do livro branco da MTC é dar cobertura legal à protecção de recursos naturais que se têm tornado escassos, e que são essenciais à farmacologia chinesa. Os números da tradição A MTC tem raízes ancestrais bem fundas na cultura chinesa, muito popular entre a população, tratando-se de uma questão cultural e filosófica. O livro branco lançado pelo Governo Central contabiliza o número de centros hospitalares que se dedicam aos métodos tradicionais. De acordo com o documento, espalhados tanto por zonas rurais como urbanas, em 2015 existiam 3966 hospitais de MTC, 42.528 clínicas e 452 mil especialistas do ramo. Os dados estatísticos avançados estabelecem ainda um crescimento de 14,3 por cento para 15,7 por cento nos cuidados médicos tradicionais prestados na totalidade dos cuidados médicos prestados, durante o período de 2009 a 2015. No que toca a despesas durante o ano de 2015, as consultas de MTC foram 11,5 por cento mais baratas que as consultas em medicina convencional. No que diz respeito a despesas per capita, os custos dos tratamentos tradicionais foram 24 por cento menos dispendiosos em relação à medicina moderna. Até à data, foram aprovados cerca de 60 mil medicamentos de MTC, assim como 2088 empresas farmacêuticas creditadas para produzir patentes do ramo tradicional de acordo com a legislação que regula as boas práticas de produtos médicos. A MTC é uma realidade intimamente ligada ao comércio, assim como acontece, de resto, com a medicina convencional. A indústria farmacêutica de MTC representa um mercado de 786,6 mil milhões de yuan, o que corresponde a 28,55 por cento da totalidade de toda a indústria farmacêutica chinesa. Esta fatia considerável é vista pelo Governo Central como uma nova fonte de crescimento da economia chinesa. Alcance global Apesar de se reconhecerem benefícios, principalmente à acupunctura, o consenso científico aponta para uma posição de complementaridade da MTC em relação à medicina convencional, e não de substituição. No entanto, pode ser uma solução viável no tratamento da ansiedade, depressão, enxaquecas e alergias. A sua abordagem distinta da medicina ocidental continua a fascinar o Ocidente e a ganhar popularidade. De acordo com o Departamento de Informação do Conselho de Estado, as várias técnicas medicinais chinesas encontram-se em expansão um pouco por todo o mundo, sendo utilizadas em 183 países. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, o uso da acupunctura e da moxabustão está implementado, e aprovado oficialmente em 103 países, sendo que em 18 países as mesmas técnicas são cobertas por seguros de saúde. É de realçar ainda que em 29 países foram aprovados estatutos especiais para a medicina tradicional. Apesar de assentar em técnicas ancestrais, esta é mais uma indústria chinesa em expansão no plano global. História da medicina chinesa Curiosamente, o advento da medicina tradicional chinesa anda de mãos dadas com a invenção de uma substância que provoca inúmeros problemas de saúde: o álcool. A descoberta deu-se durante a Dinastia Xia (2070-1600 A.C.). O passo seguinte foi a invenção da decocção ervanária, já na Dinastia Shang (1600-1046 A.C.). A evolução prosseguiu chegando-se às primeiras especializações médicas, dietistas, médicos, doutores de decocção e veterinários. Os avanços seguintes foram ao nível dos métodos de diagnóstico como o exame da tez, da língua, auscultação, exame do pulsação e historial clínico do paciente. Estas técnicas remontam a 500 anos A.C.. O enraizamento do budismo (0-200) trouxe a implementação dos primeiros hospitais, um passo marcante na evolução das políticas de saúde chinesas. Outro passo marcante foi a criação do Instituto de Medicina Imperial durante a Dinastia Tang (618-917), que estabeleceu diferentes departamentos e especialistas para as áreas da acupunctura, moxabustão e farmacologia. Estes avanços puseram o nome de Sun Simiao na história da medicina tradicional chinesa. Durante a Dinastia Ming (1368-1644), Li Shizhen escreveu o Compêndio de Matéria Médica, considerado até hoje uma obra-prima da herbologia, o primeiro livro que categoriza cientificamente as ervas medicinais. Este trabalho pioneiro resultou em avanços consideráveis na farmacologia da medicina tradicional chinesa.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaLei de Terras | Secretário tem evitado autorizar prorrogações de obras O secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, garantiu que, nos casos dos terrenos cujo prazo de concessão está perto do fim, não tem autorizado o prolongamento da obra. Leonel Alves referiu que nunca se discutiu a imputabilidade do Governo [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] revisão da Lei de Terras voltou a ser um assunto debatido no último dia de debate sobre as Linhas de Acção Governativa (LAG) para a área dos Transportes e Obras Públicas. Vários deputados exigiram a actuação do Governo e, após uma intervenção de Leonel Alves, Raimundo do Rosário admitiu que não tem aprovado o prolongamento de obras em terrenos cuja concessão poderá estar prestes a terminar. “Já não sei o que dizer mais, mas há uma coisa que já faço agora. Quando vejo que o tempo até aos 25 anos não é suficiente para aproveitar o terreno, não tenho autorizado as prorrogações, para evitar as situações que todos conhecemos”, admitiu. Leonel Alves abordou a questão para lembrar que, durante todo este período de reivindicações, nunca foi discutida a possibilidade da culpa do não aproveitamento do terreno ser do Governo. “Nunca foi discutida a questão da imputabilidade do Governo nos casos do não aproveitamento do terreno ao fim de 25 anos. O que está a acontecer neste momento é que não haverá sequer indemnização caso haja imputabilidade do Governo. Não foi discutido porque não pode haver confisco em Macau, porque é algo proibido pela nossa lei suprema, a Lei Básica. Confrontamo-nos neste momento com a extinção de direitos; o Governo diz que basta acabar os dias no calendário para retirar o terreno sem uma indemnização.” O deputado referiu ainda que o Governo deveria ter embargado as obras em causa, tal como aconteceu com o prédio da Calçada do Gaio. “Macau precisa de proteger os direitos dos investidores e ter um ambiente bom para investir. Os bancos emprestaram o dinheiro, mas o Governo deveria ter suspendido a licença de construção. Não basta dizer às pessoas que vão ter problemas: se se antevê que o fim é trágico para todos, deveria ter sido suspensa a obra tal como foi feita com a obra na Calçada do Gaio, que está embargada há oito anos.” Mais vozes Gabriel Tong, deputado autor de um projecto de lei não aceite no hemiciclo que propunha uma nova interpretação do diploma, foi um dos primeiros a abordar a questão. “O secretário já foi director das Obras Públicas, já exerceu funções de deputado e espero que possa aproveitar a oportunidade, de acordo com a sua experiência profissional, para se chegar a um consenso social. Teremos de sacrificar os interesses fundamentais da sociedade para haver uma lei desta forma? Temos de actuar segundo a nossa consciência.” Também o deputado Zheng Anting abordou a questão. “Espero que apoie a proposta de revisão da lei de terras. É melhor publicitar as gravações da Assembleia Legislativa para que a população saiba o que se passa. Ninguém me pediu para dizer isto, são palavras minhas, e tomei a iniciativa para que Macau não possa responsabilizar-se por estes casos. No meu mandato vou continuar a insistir para que estas pessoas tenham a sua casa”, rematou o deputado. Construção urbana | Vistorias poderão ser obrigatórias Li Canfeng, director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, confirmou que a proposta de lei de revisão do Regime Geral de Construção Urbana está quase concluída, estando prevista a implementação da obrigatoriedade de vistorias a edifícios após os primeiros dez anos de construção. “Já existe um projecto preliminar. Vamos prever a obrigatoriedade de uma vistoria de um edifício após a ocupação de dez anos. Um edifício é como um carro que é usado durante muitos anos, temos de ter cautela quanto a isso. Pretendemos simplificar o processo de notificação dos ocupantes ilegais de terrenos”, disse ainda.
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteLai Sio Kit, artista plástico: “Macau precisa de pessoas que gostem de arte” Lai Sio Kit inaugura hoje “O tempo corre”, uma exposição que reúne cerca de 4500 pequenas peças. São em formato de azulejo e retratam a passagem do tempo nos painéis que, um dia, fizeram parte dos terraços de Macau. O artista falou ao HM do projecto, da opção por ficar em Macau depois da formação na Academia de Pequim e das portas que se abriram quando, em 2012, foi o vencedor do prémio de Artes Plásticas da Fundação Oriente Como é que “O tempo corre” apareceu? Comecei este tópico há alguns anos. É, acima de tudo, acerca da cidade de Macau vista de uma forma abstracta. A ideia veio dos azulejos que ainda se encontram em muitos dos terraços de Macau. Nestes espaços, temos o chão coberto por padrões, principalmente nos edifícios mais antigos. Já há cerca de cinco ou seis anos que exploro estes edifícios e os processos de envelhecimento que atravessam ao longo do tempo. Em especial, estou atento à degradação dos azulejos e às transformações que sofrem na cor e textura com a passagem do tempo e para esta exposição fiz painéis em grande escala. Em que sentido este trabalho espelha a cidade de Macau? Porque Macau é uma cidade que, além das transformações, conserva ainda espaços antigos e é aí que podemos encontrar a verdadeira cidade e os traços da sua história. Por exemplo, os azulejos, pequenos e quadrados, são parte da história de Macau. Os padrões que formam marcam épocas específicas do território. Mas a coisa mais importante que realmente quero mostrar, e que está logo no nome da exposição, é a passagem do tempo e como se reflecte no território. É com o tempo que desaparecem características e que aparecem outras. O projecto é constituído por cerca de nove mil peças… Eu fiz realmente nove mil mas, como não há espaço suficiente nestas paredes (da sala de exposições da Casa Garden) para todas, acabei por trazer para cá cerca de metade. A intenção é cobrir as paredes destas salas com os painéis de modo a transportar as pessoas para dentro de um outro espaço. Acabei por adaptar o que tinha feito às características do local e escolhi os painéis que mais se adaptariam aqui. Demorou quanto tempo a produzir este projecto? Mais de um ano. Usei placas e óleo. O óleo pareceu-me o meio mais adequado. Além de gostar especialmente de trabalhar com óleo, é uma técnica com características próprias, nos brilhos ou texturas, que vão ao encontro do que quero transmitir, nomeadamente da mudança de estados. Ganhou o prémio de artes plásticas da Fundação Oriente em 2012. Em que é que isso contribuiu para que mais portas se abrissem enquanto artista? Foi uma distinção que me permitiu sair de Macau e, mais concretamente, ir para a Europa. Fui para Lisboa onde encontrei outros artistas com quem pude trocar ideias. Aprendi muito com essa experiência. Em que sentido? Em Macau a vida é muito rápida. As pessoas andam sempre muito ocupadas e sem tempo para nada. Há uma espécie de stress no ar. Já em Portugal, tive uma experiência completamente diferente. As pessoas são mais relaxadas. Senti calma. Penso que essa forma de estar, a que senti em Portugal, é muito melhor para quem queira trabalhar a criar. Foi muito bom ter sentido isso. Estudou na Academia de Belas Artes de Pequim, onde também fez o mestrado. Porquê o regresso a Macau e sair de um grande centro? Porque os meus pais já são idosos. Estive oito anos em Pequim, e senti que tinha de vir para estar próximo deles e poder cuidar deles. Por outro lado, a arte pode ser feita em qualquer lugar. Outra vantagem de Macau é, precisamente, estar longe de um grande centro. Enquanto artista sinto que quando estamos um pouco mais afastados dos grandes centros ganhamos mais liberdade para criar. Aqui não preciso de me preocupar com a minha família porque estou perto dela e não tenho de me preocupar com tendências artísticas porque estou longe dos centros que as criam. Tenho muito mais liberdade. Este projecto, que já vem de há algum tempo, vai continuar ou tem projectos novos? Vou continuar com este. É uma ideia que pode ser sempre desenvolvida de formas diferentes. Mesmo no que toca a exposições, é muito versátil porque tratando-se de padrões e trabalhos acerca de padrões pode ser mudada consoante o espaço ou o contexto. Mas tenho outra ideia para começar a trabalhar. Ao longo dos últimos anos, e com as viagens que tenho feito, fui a muitas florestas. Por isso, depois desta ideia que aborda a cidade, quero abordar a floresta. Vou continuar a utilizar a pintura, mas quero explorar o que conseguir dentro dela. É pintura, mas não será só isso, será uma exploração do que é que a pintura pode ser. Como é ser artista em Macau? É muito difícil. Macau precisa de pessoas que gostem, se interessem e conheçam arte. As pessoas estão sempre demasiado ocupadas e não se preocupam com isso. Uma das grandes diferenças que encontro, comparando com a Europa, por exemplo, é que lá as pessoas, de alguma forma, têm sempre algum contacto com expressões artísticas e sabem sempre alguma coisa. Em Macau quando alguém pensa em ser artista ou fazer coisas criativas, a mentalidade ainda é de que é uma perda de tempo.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaLAG 2017 | Metro ligeiro poderá funcionar só depois de 2019 Concluído o segmento do metro ligeiro da Taipa, em 2019, haverá todo um trabalho de gestão da linha sobre o qual o Governo admite ter dificuldades. O funcionamento propriamente dito poderá acontecer depois dessa data [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, admitiu ontem na Assembleia Legislativa (AL) que o segmento do metro ligeiro na Taipa poderá não começar a funcionar em pleno no ano de 2019, devido a dificuldades na gestão deste meio de transporte público. “Temos a linha da Taipa, ainda com o problema do parque de materiais e oficinas, e estamos a tentar que entre em funcionamento em 2019. Será que conseguimos esse objectivo a cem por cento? Receio isso. Acho que as obras vão ficar concluídas nesse ano, mas não temos experiência de gestão. Quanto à exploração temos receios, não temos experiência nessa área”, admitiu o governante. Raimundo do Rosário voltou a referir que a península terá o seu segmento do metro ligeiro, mas que o mesmo não é, para já, prioritário. “Não tenho grandes expectativas, será que é útil a ligação entre o Pac On e o Jardim dos Oceanos? Acho que mais vale fazer uma ligação entre a Barra e Seac Pai Van. Haverá linha de metro ligeiro em Macau, mas numa próxima fase”, referiu. Raimundo do Rosário adiantou ainda que o Governo já tinha definido “o trajecto leste, entre o Pac On e Macau”. “Mas não avançámos, porque tenho reservas de que não o consigamos realizar.” De frisar que o relatório das Linhas de Acção Governativa (LAG) para o próximo ano confirmam o fim do Gabinete para as Infra-estruturas de Transportes (GIT) e a sua substituição por uma empresa pública que venha a gerir o metro ligeiro. Ligações com autocarros O deputado José Chui Sai Peng, também engenheiro civil, levou um mapa para o plenário, tendo aproveitado o debate para fazer uma sugestão a Raimundo do Rosário sobre o segmento do metro ligeiro na península. “Na Taipa, que é uma zona mais nova, a construção do segmento demorou muito tempo, e numa zona mais antiga como Macau vai demorar ainda mais. Nesta zona podemos fazer uma linha e depois fazer uma ligação aos bairros antigos com autocarros de turismo. Penso que nos bairros será melhor adoptar um sistema pedonal”, defendeu. Lau Veng Seng defendeu a construção de uma linha que ligue as Portas do Cerco ao Cotai, cuja ligação seria feita com recurso à quarta ponte entre a península e a Taipa. “Neste momento o número de visitantes traz uma grande pressão para o nosso sistema de transportes públicos e podemos contribuir para suavizar. Temos de ver se é possível fazer uma linha das Portas do Cerco ao Cotai, se podemos fazer essa ligação através da quarta travessia, para podermos aliviar a pressão. Há uma falta da linha do metro ligeiro para fazer a ligação das Portas do Cerco ao Cotai.” Raimundo do Rosário adiantou ainda que o planeamento sobre os sistemas pedonais no território só poderá ficar concluído após o fim da obra do metro ligeiro. “Daqui a cinco a dez anos teremos tudo pronto. Hoje temos em média 590 mil pessoas a andar de autocarro por dia. O que posso dizer é que podemos optimizar o transporte público. Pela primeira vez tivemos um aumento de veículos abaixo de um por cento”, rematou. CTM | Governo já concluiu análise dos activos de ambas as partes O Governo já terminou a análise dos activos que pertencem à concessionária Companhia de Telecomunicações de Macau (CTM) e ao Governo. A garantia foi dada por Raimundo do Rosário, Secretário para os Transportes e Obras Públicas, ontem no hemiciclo. O governante não confirmou se o contrato com a concessionária, que termina este mês, vai ou não ser renovado. “Tivemos quatro reuniões e comprometi-me, antes de Abril, a apresentar novas medidas. Já sabemos quais os activos que são da concessionária e quais são do Governo. A partir de 1 de Janeiro vamos separar as contas e ver quais são os activos de cada parte. A CTM pretendia resolver a questão das suas tarifas a 1 Novembro, mas ainda não tomei uma decisão. Em Julho apresento à comissão o andamento do processo. Acho que as queixas dos cidadãos têm a sua razão, mas estamos a trabalhar e a tentar resolver [os problemas].” Governo admite falha total no programa de reciclagem Raimundo do Rosário, Secretário para os Transportes e Obras Públicas, admitiu ontem na Assembleia Legislativa (AL) que as políticas em relação à reciclagem falharam quase na totalidade. “Foi um trabalho muito mal feito e isso também está relacionado com os trabalhos de sensibilização. Eu próprio fui ver in loco e os caixotes destinados à separação do lixo têm outros resíduos misturados. Os caixotes têm lixo normal e nós, Governo, fizemos pouco, há falta de educação e de consciencialização. As pessoas já estão habituadas a deitar o lixo fora desta forma”, explicou Raimundo do Rosário, no primeiro dia de debate sobre as Linhas de Acção Governativa (LAG) para a sua tutela. Coube ao deputado Sio Chi Wai levantar esta questão. “Não temos efeitos óbvios em relação às medidas de reciclagem e o Secretário já admitiu que não tivemos sucesso no processo de implementação da reciclagem, que não tem sido um processo bem feito. Porque é que não podemos implementar a limitação do uso de sacos plásticos de forma completa?”, questionou. O deputado Ma Chi Seng alertou ainda para a ausência de reciclagem de outro tipo de produtos, incluindo produtos tecnológicos. “Em Singapura apenas três por cento dos resíduos têm de ser incinerados, na China têm aumentado as campanhas de sensibilização. O que nos falta? Falta acção por parte do Governo, estamos ainda na fase inicial em termos de medidas de protecção ambiental”, apontou. Raymond Tam, responsável pela Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA), prometeu apenas mais medidas para apoiar a reciclagem. Ruínas de São Paulo | Estacionamento ainda preocupa Governo São notórias as mudanças práticas ocorridas na zona das Ruínas de São Paulo e da Rua Belchior Carneiro após o acidente com um autocarro de turismo na Rua da Entena. Para já, os turistas têm circulado a pé pelas ruas da área, após os autocarros ficarem estacionados junto à praça do Tap Seac. Ainda assim, esta parece não ser a solução ideal para o Governo. “Precisamos de lançar mais medidas de aperfeiçoamento para a zona do Tap Seac. No passado sábado, numa hora, entraram cerca de 57 autocarros, quando antes só existiam 27 lugares de estacionamento disponíveis. O espaço está saturado e temos uma aplicação que permite ver quantos lugares restam”, explicou o director dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), Lam Hin San. O assunto foi levado para o hemiciclo por Lam Heong Sang, vice-presidente da Assembleia Legislativa. “O estacionamento na zona do Tap Seac só dá para 20 autocarros. Se houver acidentes neste parque tal representa um grande perigo e nem as ambulâncias conseguem entrar na zona. Será possível colocar na Avenida Coronel Mesquita uma única faixa de rodagem? Na Rua Belchior Carneiro não há condições para estacionar, mesmo no Tap Seac.” Raimundo do Rosário, Secretário para os Transportes e Obras Públicas, referiu “ter o mesmo receio que o vice-presidente”. “Macau é um território pequeno, os carros são muitos e vamos ver o que podemos fazer.”
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteOmar Camilo, artista plástico: “Já conheço Cuba, não preciso voltar atrás” É uma das virtudes de Cabo Verde: a pureza das coisas. Omar Camilo é um cubano que prefere não falar de Havana porque, diz, escolheu a Cidade da Praia e é sobre ela que pinta. “Alma” é uma exposição em que também há fotografia e é a razão que o trouxe a Macau [dropcap]O[/dropcap] que poderemos esperar de “Alma”, a sua exposição na Casa Garden? A sua pergunta inclui a resposta: a alma (risos). Há 15 anos que moro em Cabo Verde, que tem um magnetismo que fez com que ficasse lá. Conheço outros países, outros continentes, mas em Cabo Verde há um certo magnetismo, não sei se é do vulcão, das pedras. É um país tão simples, num século e tempo tão cheio de coisas, que acaba por ter essa simplicidade, do espaço, das suas gentes, dos seus percursos. Isso atrai-me e magnetiza. Escolhi ficar em Cabo Verde e apaixonei-me pela sua essência. Então a “Alma” é a apresentação da humanidade dessa raça cabo-verdiana, muito particular, que não é completamente africana, mas também não é completamente europeia. Cabo Verde é um arquipélago completamente fascinante pela sua múltipla identidade. Diria que são nove nações numa apenas. Há coisas que não se explicam, os sentimentos e as emoções não se explicam muito bem. Ou se gosta ou não se gosta. E sentiu logo essa paixão por Cabo Verde. Estava em Cuba, fui realizador, e já tinha ido a vários países. Já tinha ido a todo o mundo, Tóquio, Brasil, Chile. Tinha estado na Europa e regressei a Cuba. Houve uma delegação cabo-verdiana que foi a Cuba com o Presidente do país e mais ministros, e na agenda pediam um assessor de comunicação. Então estive um tempo em Cabo Verde, já com outro Governo. E fui. Apaixonei-me por Cabo Verde, por uma crioula, acabei a minha missão, fui a Cuba, fechei tudo, entreguei todos os documentos e voltei por minha conta. A primeira viagem foi em 2002, a segunda já foi em 2003. Cabo Verde mostrou-me outra faceta da minha arte, que eu não conhecia. Era realizador e poeta, e em Cabo Verde comecei a fazer fotos. Claro que o cinema tem uma componente de imagem, mas não me dedicava apenas a isso. Em Cabo Verde não havia e não há ainda um movimento de cinema, então parei. Pensei que já tinha feito cinema durante anos e que estava na altura de experimentar outra coisa. Fiz então fotojornalismo e fotografia artística. Trabalhei apenas para a Agência Lusa. Comecei a pintar, mas já pintava há 37 anos. Há seis anos isolei-me de tudo, parei de fotografar e dediquei-me apenas à pintura e à escrita. Às vezes escrevo livros de poesia ou pinto, ou então faço as duas coisas em simultâneo. Não coloco fronteiras entre uma arte e outra. Toda a arte é minha, sinto as coisas e faço. Aquele desenho [aponta para a parede], faz referência a um dos meus poetas preferidos… Jorge Luis Borges. Sim. Escrevo poemas meus sobre pintura e também escrevo e desenho sobre poetas que me tocam. Nomeadamente Fernando Pessoa, com o quadro que mostrou há pouco. Borges representa a minha anterior cultura e Pessoa representa a actual cultura. São dois elementos sólidos do meu conhecimento de letras. Conheço mais Borges, desde criança, e Pessoa só conheci há cinco ou seis anos. É fascinante. Nunca tinha lido antes? Sim, li o “Livro do Desassossego”. Mas uma coisa é ler e outra é sentir. Fui muitas vezes a Lisboa, Portugal, na Rua Augusta, Bairro Alto, e uma coisa é ler, outra é andar por onde o poeta andou. Sentir um pouco a fome que ele sentiu, os pés cansados. A essência é uma coisa que não se explica, e aí começamos a apaixonar-nos e a entender. Sentir é o último estágio do conhecimento. A exposição que vamos ver é então um pouco de tudo isso, dessas experiências desde que começou a pintar a tempo inteiro. Não reduziria isso a um tempo. O que vamos ver na exposição é uma experiência dos últimos 52 anos. Vamos guardando coisas em várias gavetas e depois sai. Tudo passa por mim, a minha leitura do universo. A mostra que trago hoje é, na fotografia, a essência cabo-verdiana. O que eu acho que é o ser-se crioulo. Na pintura sou mais aberto, mais livre. Na fotografia, capto o que escolho, ângulos, luz. Na pintura sou livre. Toda a minha obra, fotográfica e de pintura, é património cabo-verdiano. A minha obra cinematográfica é de Cuba. Artisticamente falando, porque não regressou a Cuba? O mundo é muito grande e já conheço Cuba. Senti Cuba e falta-me conhecer muita coisa. Sempre tive o ponto fixo de morar em Cabo Verde, mas ainda não conheço a Índia, a China. Preciso de conhecer coisas que só conhecia de ler em criança, sempre fui muito curioso. Mas preciso de sentir, de tocar. Já conheço Cuba, não preciso de voltar atrás. Ninguém me perguntou onde queria nascer. A minha nação por naturalidade é Cuba, mas por escolha é Cabo Verde. O que o fez sair de Havana? Sentia que artisticamente já tinha feito tudo? Nunca se faz tudo. É impossível. Quem acha que já fez tudo é porque está morto, como ser humano e artista. Fui em trabalho para Cabo Verde e apaixonei-me pelo país. Sentia-se realizado em Havana? Não vou entrar por aí (risos). Vamos falar de Cabo Verde. Mas se me pergunta o que sinto em relação à morte de Fidel, respondo o seguinte: qualquer ser humano que morre no mundo é um pedaço do universo que morre. Não fico feliz pela morte de nenhum ser humano. Para mim todos os seres humanos têm o mesmo direito à vida, seja Fidel, um xeque árabe ou um menino libanês, sírio, um idoso africano. E sobre o futuro de Cuba, que é também o seu país? Vamos falar de Cabo Verde, e sabe porquê? Esse tema é tão atractivo que se entro por aí vou desviar as atenções. Fui convidado pela associação para mostrar a minha obra sobre Cabo Verde. Vamos esquecer que nasci em Cuba. Quero falar do imenso esforço que a Associação de Divulgação da Cultura Cabo-verdiana fez, porque se não fossem eles não estaria aqui. Tenho uma inexplicável gratidão por esta associação, não se explica. Sei o esforço que foi feito por todos. Um artista sozinho não é nada, se não há um transporte, um elemento que coloque a tua obra no lugar certo, não és nada. Além de Borges e Pessoa, que outros escritores portugueses o fascinam? Conheço as peças de teatro de Luís de Camões. Não conheço muitos escritores portugueses, apenas Pessoa e Camões. Já conheço Pessoa desde adolescente. Pessoa representa toda a cultura portuguesa? Para mim sim. Mas ainda não conheço muito para poder falar muito. Se me perguntasse sobre a cultura latino-americana, foram muitos anos… Só comecei a ter mais contacto nos últimos anos quando me isolei de tudo e comecei a pintar, porque antes tinha uma vida muito agitada, fazia fotografia, campanhas presidenciais, dava aulas na universidade. Mas foi uma escolha cara e radical. Disse numa entrevista que paga caro por ser livre. Continua a pagar esse preço? Continuo. O artista que decide ser apenas isso tem de ser muito individualista, marcar um território muito específico no tempo e espaço, renunciar a muitas características da vida mais convencional. Muitas vezes temos de renunciar à família, para mergulhar numa coisa é preciso fazer o foco nessa coisa. Há seis afastei-me, não definitivamente, de tudo e de todos. Claro que preciso do afecto, do amor sentimental, da família. Dei um espaço bastante egocêntrico em relação ao trabalho da arte, em prol do isolamento. Pinto e escrevo quase todos os dias, partilho da ideia de Ernest Hemingway, que dizia que “A inspiração passa quando estamos a trabalhar”. Obrigo-me a trabalhar. O tema da inspiração é uma justificação dos preguiçosos intelectuais. Para tudo é preciso disciplina, acordo cedo, bebo chá, faço exercício e depois escrevo e pinto. Tenho essa disciplina mas por prazer, não por obrigação. Disse que não há indústria do cinema em Cabo Verde. Não poderia regressar ao cinema e dar esse pontapé de arranque? Para dar alguma coisa de mim, alguém tem de desejar isso. Acho que já respondi. Há um grupo de rapazes a começar a fazer coisas, com algum entusiasmo. Na vida há processos degrau a degrau. Já fiz cinema. Este artista, eu, é um inquieto, está sempre à procura, está sempre inconformado. O cinema faz parte do passado. Já senti o prazer de ser cineasta. Mas continuo a sê-lo, porque a minha obra é um conjunto. Tenho uma obra só, com diferentes ferramentas. Gosta muito da filosofia oriental. Fascina-me. Não sou um estudioso, mas fascina-me. É como amar uma mulher, não preciso de um catálogo: quando vejo fascina-me, emociona-me, o coração bate. Não conheço datas, não leio livros. Todo o meu corpo está tatuado com elementos orientais e não latinos. Só coloquei esta rosa para me lembrar que sou latino. Não fala do futuro e do presente de Cuba, falemos então do futuro de Cabo Verde. O que deseja para Cabo Verde? Desejo aquilo que os cabo-verdianos desejarem para si mesmos. Os povos têm o direito e a responsabilidade de escolherem e desejarem o seu futuro. Há uma coisa que me preocupa: em comparação com o país que conheci há 15 anos, e o de agora – sobretudo a Cidade da Praia –, está a hipertrofiar em coisas. É importante cultivar a filosofia de ser em vez de ter. O que amo em Cabo Verde é que ainda não há o vício de ter, ter. As pessoas vendem a sua alma para ter coisas, na relação com as coisas. Em Cabo Verde as coisas eram mais simples e humanas. Vamos ter o primeiro grande casino e isso vai mudar algumas coisas. É demasiado caro para Cabo Verde. Preocupa-me que se perca o mais importante de Cabo Verde. A exposição de Omar Camilo é uma iniciativa da Associação de Divulgação da Cultura Cabo-verdiana. A inauguração está marcada para hoje, às 18h30, na Casa Garden. Os trabalhos de fotografia e as pinturas do artista cubano estão expostos até ao próximo dia 11.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaRenovação urbana | Governo confirma criação de empresa pública A Assembleia Legislativa quis saber do andamento dos trabalhos de renovação urbana. Raimundo do Rosário confirmou que os projectos ficarão a cargo de uma empresa privada com capitais públicos. Chegou a ser ponderada a criação de uma direcção de serviços [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o primeiro dia de debate sobre as Linhas de Acção Governativa (LAG) para a área dos Transportes e Obras Públicas, vários deputados questionaram o andamento dos trabalhos na área da renovação urbana. O Secretário da tutela, Raimundo do Rosário, confirmou que os trabalhos deverão ficar a cargo de uma empresa privada com capitais públicos. Recorde-se que, em Outubro deste ano, também na Assembleia Legislativa (AL), o governante falou da possibilidade de ser criada uma direcção de serviços. “Em princípio, vai ser uma empresa privada, mas talvez com todo o capital público, ou seja, do Governo. Mas mesmo antes de termos a empresa, não quer dizer que não possamos fazer qualquer coisa. Não temos nenhum serviço público especializado nesta matéria, que entre as nove e as cinco resolva problemas de renovação urbana. Foi decidido que o Governo lidera, já estamos a fazer algo, mas não temos uma equipa especializada para o efeito.” “Alguns deputados questionaram porque não há um calendário? Quando não tenho a certeza não posso avançar um calendário, também gostava de ter calendários para tudo”, acrescentou ainda o Secretário. O deputado Si Ka Lon foi o primeiro a levantar questões sobre esta matéria. “Não vejo nenhum andamento quanto aos processos legislativos. Disse que vai criar uma empresa de renovação urbana, qual são os problemas encontrados? Há falta de pessoas ou ninguém consegue assumir responsabilidades?”, questionou. Uma das necessidades apontadas pelos deputados prende-se com o aproveitamento dos prédios industriais, muitos deles já deixados ao abandono, após o fecho de muitas fábricas. Li Canfeng, director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, adiantou que a reconstrução total de muitos espaços poderá estar posta de parte. “Havia a ideia de reconstrução, mas não deu muito resultado. Temos de pensar não na reconstrução, mas num melhor aproveitamento dos edifícios, pois existem várias propriedades e pode haver uma possibilidade de responder a várias necessidades. Temos de ter em conta se vão ou não existir conflitos sobre a utilização de diferentes entidades num mesmo edifício”, apontou. Novos sapatos, velhos caminhos O Secretário voltou a referir a falta de recursos humanos nas obras públicas, sobretudo ao nível da fiscalização de grandes obras. “Temos 3400 trabalhadores na nossa equipa e até ao próximo ano vamos manter este número. Os nossos colegas estão a fazer muito mais, há processos judiciais em curso e não temos outra hipótese, temos muito trabalho e com este número de trabalhadores tentamos fazer o nosso melhor. Mantemos o mesmo número de trabalhadores e não posso garantir a qualidade de todas as obras.” O deputado Chan Meng Kam defendeu que o Governo tem uma nova equipa, mas continua com velhos problemas por resolver. “Como podemos, com novos sapatos, fazer um caminho que já foi traçado? É um caminho que tem de resolver. Como podemos assegurar a qualidade das construções e evitar os problemas já existentes?”, lançou. Governo pondera criação de museu sobre planeamento urbanístico A ideia foi de Si Ka Lon: por que não criar um museu para mostrar à população o planeamento urbanístico? “Se calhar pode ser criado um museu do planeamento urbanístico para que os residentes saibam o percurso desse planeamento”. Raimundo do Rosário, Secretário da tutela, admitiu a possibilidade de construção na zona dos lagos Nam Van. “Temos este plano, estamos a criar o centro para o Fórum Macau e naquela zona poderemos criar um pavilhão sobre o planeamento urbanístico.” Ponte do Delta | Adoptado modelo de construção da UM O Governo anunciou ontem que vai ser adoptado o modelo de construção utilizado para o campus da Universidade de Macau (UM) na construção da ilha artificial junto à ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, local que vai albergar o posto fronteiriço. “Este ano foram construídas as fundações e foi tomada uma decisão: vamos seguir a mesma solução das obras da UM, entregando o projecto a uma empresa ao abrigo do acordo assinado. Na altura, o projecto do campus foi entregue à Nam Yue. Não sei mais como ficou resolvido. As empresas de Macau não têm por hábito esclarecer ou comunicar-nos quais os subempreiteiros contratados, mas sei que foi adoptado este método”, disse Raimundo do Rosário, que adiantou não ser fácil realizar negociações mais rápidas com Pequim. “Quando tomei posse, a minha grande preocupação era a ponte. Esta questão anda com a mesma lentidão que o dossier do tratamento dos veículos abatidos. Levei um ano para assinar um memorando com a China”, assumiu. Em Setembro deste ano ficou concluída a construção do tabuleiro da ponte, com quase 23 quilómetros de extensão. Ilha Verde | Governo afasta urgência em novo ordenamento O director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), Li Canfeng, garantiu, em resposta à deputada Wong Kit Cheng, que um novo ordenamento para a zona da Ilha Verde não deverá ser feito para já. “Não é oportuno realizar um plano de ordenamento para a Ilha Verde. O Instituto Cultural apresentou algumas opiniões, o Conselho do Planeamento Urbanístico não aceitou algumas sugestões, mas aceitou a maioria. Vamos estudar em conjunto para ver como podemos proteger toda a zona.” Wong Kit Cheng alertou o Governo quanto à existência de um convento jesuíta, já bastante degradado, num terreno privado. “Alguns monumentos quase desapareceram, espero que não haja nenhum impacto na colina”, apontou a deputada. Li Canfeng falou ainda sobre os terrenos na zona norte da Taipa, não tendo avançado qualquer data. “Os terrenos não são totalmente planos, são irregulares, envolvem terrenos de propriedade privada. O Governo não consegue acelerar os trabalhos, vamos satisfazer com a maior rapidez possível os pedidos dos requerentes.”
João Luz Eventos MancheteJames Wong é o nome escolhido para representar Macau na Bienal de Veneza O multifacetado artista James Wong será o representante de Macau na próxima Bienal de Veneza, que abrirá a 13 de Maio de 2017. O anúncio oficial é feito hoje, ao meio-dia, no auditório do Museu de Arte de Macau [dropcap style≠’circle’]“C[/dropcap]laro que estou muito feliz, mas também preocupado com este interessante desafio”, confessa James Wong, o artista de Macau que marcará presença na 57.ª Bienal de Veneza. Esta será a primeira vez que expõe num local que desconhece, “tanto no tamanho do espaço, como na natureza do edifício”. Assim sendo, James abordará a especial exposição de uma forma experimentalista, porque “o palco é conceptualmente muito orientado para obras tridimensionais”. Estas circunstâncias favorecem a exposição de esculturas e pinturas, duas formas de expressão artística que James privilegiará na sua apresentação. Também haverá uma instalação, mas algo simples, estável, que não represente muito risco devido aos constrangimentos circunstanciais. O artista tem dirigido algumas das instituições artísticas de referência em Macau, como o Centro de Pesquisa de Gravuras de Macau, foi também curador no Museu Luís de Camões, entre outros. Mas considera-se, acima de tudo, um amante das artes. O padrinho Mais de um quarto de século a dar aulas de arte valeu-lhe a alcunha entre os alunos de “o padrinho do ensino artístico”, algo que diverte o professor, que continua a criar todos os dias. Dividido entre o ensino e a criação artística, James não se considera um artista muito prolífero, “tendo em conta o contexto de Macau, onde muitos artistas têm exposições quatro vezes por ano”. Portanto, “se me perguntar que tipo de artista eu sou, devo ser um preguiçoso”, graceja. Quanto à inspiração, Wong diz não saber de onde vem, preocupando-se principalmente com a rejeição de qualquer fórmula que restrinja a sua criatividade. Mas não nega que existem origens e uma base para o arranque dos seus trabalhos. “Gosto muito do conteúdo cultural japonês e chinês, sobretudo a estética da caligrafia, as cores e estruturas dos quadros antigos, e o feeling que se esconde por trás”. Estas são as fundações principais das suas esculturas, gravuras, pinturas a óleo, ilustrações e desenhos, que têm sido expostas em Portugal, Japão, Bélgica, Hong Kong, e um pouco por todo o mundo. Ganhou vários prémios, “o que não é nada de especial”, de acordo com o artista. Porém, a exposição na Bienal tem um peso forte, “é o realizar de um sonho de qualquer artista”. Apesar da felicidade que sente, partilhada pelos seus alunos, e que sabe que os seus pais também sentiriam, Wong já está preocupado com a forma como irá preparar esta tarefa, mas está certo de que será “uma saborosa jornada e que correrá bem. A horas de ser oficializado como o representante de Macau em Veneza, Wong encontra-se entre a elação e a dimensão do trabalho que o espera. Acha que os seus “amigos mais próximos ainda não tomaram consciência da dimensão do que se está a passar”. No entanto, James Wong não lhes irá adiantar nenhuma explicação porque prefere “que vejam através dos jornais”. O HM faz-lhe a vontade.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteEntrevista | Documentário “Trilho dos Naturalistas” chega a Macau e a Timor-Leste Ainda Portugal era uma monarquia quando a Corte decidiu enviar naturalistas da Universidade de Coimbra até às colónias para recolher a ilustrar exemplares de plantas. Estes percursos estão registados nos quatro documentários do projecto “Trilho dos Naturalistas”, coordenado por António Gouveia, que já pensa num novo plano que retrate a botânica do império português a Oriente [dropcap]A[/dropcap]presentam amanhã o documentário do “Trilho dos Naturalistas” sobre Angola na Casa Garden. Como surgiu a oportunidade de trazer este projecto a Macau? Foi um convite do This Is My City para que viéssemos falar deste projecto e escolhemos um dos documentários. Sou director do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra e tudo isto começou com a iniciativa da Ciência Viva, que abriu um concurso para colmatar a falta da ciência nos media. Pediram propostas às universidades com conteúdos científicos e nós apoiamos, com parcerias dos media. Tínhamos uma quantidade de material histórico interessante sobre uma série de expedições que a UC fez ao longo dos séculos. De repente tínhamos material que falava das expedições botânicas para literacia económica e para investigação científica, entre o século XVIII até ao século XX, do que foram as colónias portuguesas. Foi uma iniciativa da coroa portuguesa que mandou vários naturalistas para o Brasil, Angola, Cabo Verde e Moçambique. Em 1783 fizeram-se então as primeiras expedições realizadas de forma mais científica. Decidimos pegar nesse material e ir conhecer os países, pois o material ainda tem importância científica. Muita informação da botânica de países como Angola, São Tomé e Príncipe ou Cabo Verde, recolhida ao longo dos séculos, ainda está em Portugal, em armários. É preciso levar a informação para os países de origem? Após a independência esses países passaram por períodos bastante complicados, com a guerra colonial e a guerra civil, e não tiveram tempo para olhar para os seus recursos biológicos. É uma informação de base importante, ainda com algumas lacunas, mas que é necessária para o avanço do conhecimento desses países. Está a ser feito um trabalho de digitalização e a informatização de bases de dados, para fazer com que haja essa transferência de conhecimento. É como se, nessa área, Portugal ainda fosse a metrópole. Historicamente sim, há uma manancial de informação em Lisboa e também em Coimbra, onde se foi acumulando informação por diversas entidades. Em Angola a própria definição actual de parques naturais ainda reflecte o que eram os parques naturais do tempo colonial. Este olhar histórico permite pensar como se fazia ciência e como eram as práticas botânicas no século XIX, em que havia uma série de cientistas a trabalhar nesses territórios e a comunicarem entre si. Temos material de Angola que foi parar a Berlim, Inglaterra, e material a circular. Ao mesmo tempo, com a ida aos países para a realização dos documentários, fomos confrontados com os ecossistemas e as pessoas que vivem nas zonas. Em todo o lado há áreas que estão a ser ameaçadas. Que ecossistemas das antigas colónias estão mais em risco? É muito diferente de país para país. Os ecossistemas costeiros, como o mangal da Taipa, são dos mais frágeis. Moçambique tem uma costa gigante, com mangais, uma zona muito rica onde as pessoas extraem muita madeira, onde há a pesca…em Portugal também há problemas e há que encontrar um equilíbrio para uma utilização sustentável dos recursos entre as populações. Em Angola, com a guerra, há muitas zonas que ficaram abandonadas e com um crescimento quase natural de vegetação, até de recuperação. Os problemas são variados e é preciso exaltar o que é importante. No documentário de Angola conseguimos ir de florestas tropicais de chuva até ao deserto. Foi um processo incrível e tentamos fazer estes quatro filmes misturando a informação histórica, mas depois confrontámo-nos com a realidade actual, e isso ganhou preponderância. O naturalista Joaquim José da Silva esteve em Goa, mas nunca veio até Macau. Não. Nessa altura Macau e Timor estavam sempre um pouco afastados destes percursos. Fizemos estes quatro documentários mas decidimos focar-nos nos países do continente africano, porque tínhamos mais material sobre eles. Macau surge sempre como um interposto para o que nos interessa em Timor. Havia um grande desconhecimento na altura sobre esta zona do mundo? Sim, e ainda há, de certa maneira. Relativamente a Timor ainda há um grande desconhecimento. O grande recurso que interessava economicamente a Timor era o sândalo, e foi bastante explorado. A nossa ideia é vir, séculos depois, trabalhar nesta parte do mundo. Estamos neste momento no processo de pesquisa de mais uma série documental, que inclui Cabo Verde, Macau, Timor, Guiné Bissau e os “arquipélagos do conhecimento” que incluem Goa e o antigo Ceilão (actual Sri Lanka), em que havia essa troca de informações e por onde passaram portugueses. Uma coisa que me interessa muito pegar é no Garcia de Horta, com os colóquios que fez em Goa. De que forma é que surgirá Macau neste novo documentário? No século XIX, até 1896, Timor estava na província de Macau, e todas as ligações passavam por aqui. Em 1880, o jardim botânico da UC e o museu tiveram um director durante 40 anos, Júlio Henriques, que fez essa rede com as antigas colónias. Construiu uma sociedade de naturalistas para a troca de plantas. Em 1879 ele escreve para o Governo de Macau a pedir uma colecção de produtos feitos a partir de plantas. Nessa altura havia o conceito de botânica económica, e de certa forma ainda continua a existir. Tudo tinha um sentido ou uma utilização económica. Sim, no sentido de os produtos vegetais serem transformados e comercializados. Existia na UC a secção de botânica económica, com resinas, placas que mostram como era usada a borracha, fibras de linho. E o que foi enviado de Macau? O Governador na altura deu essa tarefa ao secretário geral do Governo, chamado José Alberto Corte-Real, que reúne essa colecção. Há uma listagem publicada no boletim da província de Macau e de Timor bastante detalhada. Eram quase 600 objectos, e logo na primeira carta ele avisou de que a maioria eram produtos feitos com bambu. Enviou cestos, peneiras, um pequeno cesto para criação de pássaros, balanças para pesar o ópio. Há também muito chá, vários tipos de arroz, tabaco. Envia plantas e alguns animais. Mais tarde, em 1882, decidem ir a Timor. Perceberam que, se não sabiam bem o que havia em Macau, então Timor era um completo desconhecimento. Então José Alberto Corte-Real incumbe outra pessoa de fazer uma recolha e essa informação foi toda para Portugal. É uma colecção muito rica em termos etnográficos, porque todos os objectos têm a ver com a cultura e mostram quais eram os interesses e conhecimentos na altura. Quando vão começar a fazer esses documentários? Neste momento só temos orçamento para a pesquisa. Têm ponderadas parcerias com entidades de Macau? Esperemos que sim, estamos a trabalhar nisso. Vamos passar o documentário na Casa Garden, e penso que para a Fundação Oriente fará sentido (apoiar o projecto). Mas ainda temos de confirmar isso. Estamos no processo de estabelecer ligações. Numa altura em que a China e Macau têm relações mais próximas com Portugal, é importante ter este conhecimento do que existe aqui em termos de botânica. Sim. Macau não nos interessa propriamente do ponto de vista biológico mas também sabemos que já teve vegetação natural. É um tipo de informação histórica que também importa olhar e repensar. O pouco que resta da botânica em Macau está em perigo? É preciso ser estudado? Conheço muito pouco, mas imagino que seja necessário, por ser uma zona com uma grande densidade populacional e com uma grande pressão imobiliária. Tudo o que aqui existe deve ser pouco e deverá ser conhecido. Ainda há um desconhecimento da realidade local e da costa litoral, até da China. antoniogouveia5_hm Há registos históricos de passagens pela China, uma vez que houve vários jesuítas a viajarem para este lado do mundo? Sim. O Manuel Galvão da Silva esteve em Goa, em 1783, até 1787. Mas antes houve um padre jesuíta, João de Loureiro, que foi o primeiro europeu a fazer uma flora, a flora da Cochinchina, actual Vietname, e fez algumas recolhas já no território chinês. Publicou informações, que ainda hoje são uma referência, sobre uma série de plantas do oriente. É a primeira flora do oriente na Europa. Quando partiu, em 1781, parou depois na ilha de Moçambique, onde fez também recolhas botânicas, as primeiras da costa oriental africana, que publica em conjunto com a flora da Cochinchina. Publicou isso na Academia das Ciências, em Lisboa. Durante as invasões francesas em Portugal o General Junot enviou um naturalista, o director do Museu de História Natural de Paris, a dar uma volta pelas colecções portuguesas e a levar o que conseguisse. Então nesse momento essa colecção está em França. A colecção do padre João de Loureiro está toda no Museu de História Natural de Paris. Digitalizaram tudo e todas as plantas recolhidas podem ser vistas online. Portugal despertou tarde para o estudo da botânica do império? Portugal começou a ter essa dinâmica mas nunca foi uma coisa feita de forma sistematizada. A seguir a esse período do século XIX começam as invasões francesas e as guerras liberais. E muito material se perdeu por aí. Sim, e as preocupações não eram científicas. A botânica e o conhecimento botânico das ex-colónias só começaram a ser pensadas a partir de 1870 porque havia de novo alguma estabilidade. Entre o pai da botânica portuguesa, o Avelar Brotero, até ao Júlio Henriques, não há nenhum botânico português que se destaque. Falamos de um interregno de quase 60 anos.
Hoje Macau Manchete SociedadeJustiça | Adiado julgamento de Ho Chio Meng O antigo procurador entende que o presidente do Tribunal de Última Instância não deve fazer parte do colectivo que o vai julgar. Ho Chio Meng alega que Sam Hou Fai participou noutras fases da investigação do processo [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] início do julgamento do ex-procurador da RAEM, marcado para hoje, foi adiado por a defesa de Ho Chio Meng ter pedido o afastamento do presidente do Tribunal de Última Instância (TUI), onde vai ser julgado. Segundo um comunicado do tribunal, a defesa pediu “a recusa da intervenção” de Sam Hou Fai por ser o mesmo juiz que presidiu, noutra fase do processo, à audiência sobre o pedido de ‘habeas corpus’ (libertação imediata) do ex-procurador quando Ho Chio Meng foi detido, ainda na fase de investigação. A defesa argumenta ainda, de acordo com o mesmo comunicado do TUI, que Sam Ho Fai foi também quem, na fase de inquérito, autorizou um pedido do Comissariado contra a Corrupção para ter acesso às declarações de rendimentos e património do arguido e da mulher. O início do julgamento fica cancelado para ser apreciado o requerimento da defesa, não havendo ainda nova data para a primeira audiência, explica o TUI. O TUI é a única instância que, em Macau, é chamada a decidir sobre processos que envolvem titulares ou ex-titulares de cargos públicos. Esta característica do sistema judicial tem sido criticada por diversos sectores por causa de ser impossibilitado o recurso a quem é julgado em primeira instância. As outras questões O caso de Ho Chio Meng, que liderou o Ministério Público de Macau entre 1999 e 2014, é o segundo a confrontar o sistema com esta questão. O primeiro foi o do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, detido há dez anos, a 6 de Dezembro de 2006. Apesar de essa impossibilidade de recurso ter sido contestada na sequência do caso Ao Man Long, e não obstante os apelos para ser alterada a Lei de Bases da Organização Judiciária, o cenário repete-se, dado que a prometida revisão da lei se encontra “em curso” há anos. Na semana passada, questionada na Assembleia Legislativa, a secretária da Administração e Justiça, Sónia Chan, voltou a não comprometer-se em relação a uma mudança na lei, limitando-se a responder que o Governo vai “fazer estudos” sobre o assunto. Ho Chio Meng está acusado de mais de 1500 crimes, incluindo burla, abuso de poder, branqueamento de capitais e promoção ou fundação de associação criminosa, em autoria ou co-autoria com outros nove arguidos, que vão ser julgados num processo conexo, marcado para 17 de Fevereiro, no Tribunal Judicial de Base. O procurador da RAEM foi detido em Fevereiro deste ano por suspeita de corrupção na adjudicação de obras e serviços no exercício das suas funções no Ministério Público. O caso de Ho Chio Meng fez também renascer o debate em Macau em torno do estatuto dos magistrados e da falta de um instrumento de fiscalização da sua actividade. Em Março, o actual procurador, Ip Son Sang, defendeu a revisão do estatuto dos magistrados, a propósito da detenção do seu antecessor. “Temos de discutir o estatuto dos magistrados e também temos de analisar a situação actual dos magistrados, se estão a desenvolver ou a desempenhar as funções judiciárias”, afirmou. Meses depois, em Outubro, Ip Song Sang considerou que a caso é também um sinal de que na região se respeita o princípio do primado da lei, mesmo que possa levar “a que a sociedade ponha em causa o bom funcionamento do Ministério Público”.
Hoje Macau Manchete SociedadeFitch diz que sector do jogo em Macau está em longa recuperação [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] agência de notação financeira Fitch considera que a indústria do jogo de Macau aparenta estar posicionada para “uma longa recuperação”, defendendo que actualmente as perspectivas a longo prazo são as “melhores”. A análise foi divulgada no mesmo dia em que a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ) anunciou que as receitas dos casinos cresceram 14 por cento em Novembro face ao período homólogo do ano passado – pelo quarto mês consecutivo. A agência de notação financeira prevê que os casinos de Macau encerrem 2016 com uma queda nas receitas de quatro por cento antes de um regresso ao crescimento a um dígito médio no cômputo do próximo ano. “O sector do jogo de Macau – agora firmemente no fim de um ciclo – tem melhores perspectivas a longo prazo”, nomeadamente “atendendo aos investimentos em nova oferta” ou às “melhorias nos indicadores do mercado de massas”, afirmou o analista Alex Bumazhny, citado no comunicado da Fitch. “O mercado de massas parece estar a responder bem à nova oferta até ao momento. As receitas de jogo deste segmento aumentaram quatro por cento no terceiro trimestre deste ano em termos anuais homólogos, à semelhança da subida registada nas taxas de ocupação hoteleira e nas estadias mais longas. Os comentários dos operadores relativamente aos segmentos VIP começaram a ser positivos este outono”, indicou a Fitch. Caminho ascendente As receitas dos casinos subiram em Novembro pelo quarto mês consecutivo naquele que foi o primeiro crescimento a dois dígitos, depois das subidas em Outubro (8,8 por cento), Setembro (7,4 por cento) e Agosto (1,1 por cento), registadas após 26 meses consecutivos de diminuições anuais homólogas. Em meados de Setembro, a agência de notação financeira considerou ser improvável uma “recuperação em V”, isto é, que à forte contracção registada sucedesse uma forte recuperação e estimou que o sector do jogo estaria a aproximadamente a uma década de atingir o pico das receitas alcançado antes da contracção. As receitas dos casinos de Macau fecharam 2015 com uma queda de 34,3 por face a 2014. Tratou-se do segundo ano consecutivo de diminuição das receitas de jogo depois de, em 2014, terem diminuído 2,6 por cento.
Andreia Sofia Silva Manchete ReportagemEfeméride | Motim 1-2-3 aconteceu há 50 anos O projecto de construção de uma escola na longínqua ilha da Taipa mais os dias quentes da Revolução Cultural levaram a que parte da comunidade chinesa se tenha revoltado contra a Administração portuguesa no ano de 1966. Jorge Fão começava a carreira como funcionário público; António Cambeta tinha acabado de chegar. Hoje recordam dias difíceis que já não voltam [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á 50 anos aconteceu no centro histórico de Macau o que hoje seria impensável: pessoas foram mortas a tiro, foram arrancadas pedras do chão para servirem de armas e estátuas de personalidades portuguesas foram derrubadas. Tudo começou no dia 3 de Dezembro de 1966, com um motim desencadeado pela comunidade chinesa que demoraria cerca de dois meses a ser sanado e que só seria totalmente resolvido com a chegada ao território do Governador Nobre de Carvalho. Viviam-se na China os tempos da Revolução Cultural, imposta por Mao Zedong, e em Macau sopravam ventos comunistas. O longo embargo à construção de escola, na Taipa, ligada ao Partido Comunista Chinês, levou a que um grupo de pessoas tenha despoletado um motim contra a Administração portuguesa. Jorge Fão, ex-deputado e actual dirigente da Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC), tinha na época pouco mais do que 18 anos. Com uma maioridade atingida à força, pois precisava de trabalhar, Jorge Fão tinha acabado de ingressar na Função Pública e trabalhava nas instalações do antigo tribunal. Recorda um motim que começou com um episódio aparentemente sem importância. “Queriam construir uma escola na Taipa e o administrador das Ilhas na altura, de apelido Andrade, mandou embargar a obra. Dizia que não tinha licenças e claro que as pessoas fizeram barulho. Mas isso alastrou porque demos oportunidade. Nós, portugueses, não tivemos sensibilidade para perceber a situação política da China”, recorda Jorge Fão ao HM. António Cambeta chegou como militar a Macau em 1963. Quando o motim explodiu nas ruas, já trabalhava numa empresa de navegação na Avenida Almeida Ribeiro e tinha uma namorada chinesa, hoje sua mulher. Recorda os momentos negros em que os acontecimentos da Revolução Cultural se fizeram sentir em Macau. “Os chineses andavam muito saturados da Administração portuguesa e da forma como eram tratados. Eram rebaixados em tudo e para tratarem de qualquer assunto junto da Administração tinham de pagar por baixo. Até então estavam calados, mas o episódio da escola e o início da Revolução Cultural fizeram com que tudo desse uma volta”, contextualiza. “Os comunistas reuniram-se perto do hospital Kiang Wu, na véspera do dia 1 de Dezembro, e nessa noite saíram para o centro da cidade. Morava nessa altura na Rua Coelho do Amaral e à hora de jantar ouvi um grande barulho. As pessoas começaram a mandar vir contra os portugueses. Fui à janela e vi que era esse grupo de comunistas a fazerem barulho. Estava a jantar em casa da minha namorada, chinesa, e fiquei ali.” Começou então a perceber que viriam tempos difíceis para os portugueses. “Apanhei o autocarro e o condutor disse-me: ‘Hoje ainda entra, mas amanhã já não pode apanhar o autocarro, porque temos ordens superiores para não vendermos nada aos portugueses’. Aí já havia a separação entre as duas comunidades. Fui para casa almoçar e já não voltei para o serviço.” Mortes na Rua Central Numa altura em que Macau não tinha governador, Mota Cerveira, comandante militar em funções, não soube travar o avanço da revolta. “Os chineses aproveitaram e fizeram uma série de manifestações em Macau e na Taipa, e exigiram a demissão do administrador das Ilhas e do comandante da PSP. Começaram a disparar, mataram-se umas pessoas, uma triste memória”, frisou Jorge Fão. Fão recorda o momento em que lhe passaram uma arma para as mãos, para se defender de eventuais perigos. “Aquilo foi um barulho infernal durante vários dias. Aquilo foi piorando, de tal maneira que gerou tumultos por todo o lado. Armaram os funcionários públicos e deram-me uma espingarda daquelas antigas, com cinco munições, para nos protegermos. Quiseram invadir a esquadra da polícia, na Rua Central, com camionetas a subir a rua. Houve disparos de metralhadora e fizeram recuar as pessoas. Depois invadiram o Leal Senado e derrubaram uma estátua do Coronel Mesquita.” As mortes que ocorreram na Rua Central (oito mortos e algumas centenas de feridos), causadas por disparos de polícias portugueses que tentaram evitar a confusão, geraram ainda mais revolta. “Com a morte dos chineses, a maioria da população comunista em Macau ficou revoltada. Nas Portas do Cerco havia muitas pessoas ligadas à Revolução Cultural que queriam invadir Macau. Isso poderia ter sido evitado se o administrador das Ilhas não tivesse prolongado por tantos anos a construção da escola chinesa”, diz António Cambeta. No Leal Senado e na Avenida da Praia Grande derrubaram-se estátuas. “Muitos deles eram chineses ultramarinos e foram para o Leal Senado, mandaram a estátua do Coronel Mesquita abaixo, mandaram livros para o chão, e foram para a conservatória, onde é hoje a Santa Casa da Misericórdia. Queimaram tudo. Depois partiram um braço à estátua do Jorge Álvares. Depois a polícia, como não tinha qualquer preparação, começou a largar gás lacrimogéneo. A partir daí todos os restaurantes e lojas não vendiam nada aos portugueses, foi um período com muita tensão. Muitos portugueses pediram para levar as suas coisas para Lisboa”, recorda o antigo militar. A solução do Governador Nomeado Governador, Nobre de Carvalho chegou ao território sem saber o que, de facto, se estava a passar. “Apanhou o motim sem saber como nem porquê e conseguiu resolver o assunto com a ajuda de Carlos Assumpção [antigo presidente da Assembleia Legislativa]. Admiro que uma pessoa com um posto militar elevado tenha conseguido salvar o território. Ele aceitou as condições impostas pelos chineses, indemnizou as famílias dos membros que foram mortos com os disparos. Assinaram uma declaração de arrependimento. Constava que o exército chinês estava aqui ao lado, pronto a entrar no território”, afirmou Jorge Fão. Também João Botas, jornalista e autor de vários livros publicados sobre a história de Macau, destaca o papel que Nobre de Carvalho teve neste período. “Só soube do que se estava a passar pelo Governador de Hong Kong e foi difícil tentar inteirar-se de tudo. Foi tudo uma bola de neve que era impossível controlar de outra forma. Poderiam ter sido evitadas algumas mortes”, nota ao HM. “Nunca teve o apoio oficial do Governo português e aí não foi fácil para Nobre de Carvalho. Fala-se da humilhação pela forma como ele resolveu o assunto, mas não vejo assim. Bem ou mal, com a ajuda de elementos da comunidade chinesa, resolveu um assunto que foi dramático e que poderia ter tido consequências”. Palestra acontece amanhã na Livraria Portuguesa Há cerca de três anos que o jovem activista Sou Ka Hou começou, por sua iniciativa, a estudar o que aconteceu há 50 anos no dia 3 de Dezembro de 1966. O antigo presidente da Associação Novo Macau decidiu pegar em meses de pesquisa e escrita, e realizar uma palestra para lembrar à população que um dia os chineses saíram à rua para lutar por algo em que acreditavam. “A história que os residentes de Macau devem conhecer: meio século sobre o turbulento motim 1-2-3” é o nome da palestra que irá decorrer na Livraria Portuguesa no domingo, entre as 15h e as 18h, e que contará com vários historiadores e académicos que se debruçam sobre o tema. Ao HM, Sou Ka Hou lamenta que as escolas não ensinem o motim 1-2-3 aos mais novos. “As pessoas de Macau conhecem pouco a história local e este motim é considerado um dos acontecimentos mais representativos da história de Macau. Quero aproveitar este momento para atrair o interesse das pessoas, sobretudo dos mais jovens, deixando-os conhecer a história a partir deste assunto, para que depois tenham interesse sobre outros assuntos importantes”, diz. “Parece-me que a sociedade não é mais pacífica e que ainda existem algumas confusões, e este acontecimento pode levar as pessoas a pensar, para que a sociedade avance. É uma pena que os manuais da história de Macau não falem disto, além de não registarem outros episódios da história”, defende ainda o actual membro da Juventude Dinâmica de Macau. Sou Ka Hou recorda que a maior parte das associações tradicionais de cariz político, como a União Geral das Associações de Moradores (Kaifong), surgiu após o 1-2-3. “O 1-2-3 demorou cerca de dois meses e aconteceu num lugar pelo qual muitas pessoas passam todos os dias. Mas poucos sabem que lá aconteceu este motim. Quando estava a investigar sobre isto percebi que este assunto estava muito próximo de nós, pois todos os dias passamos no Leal Senado. É uma grande inspiração pessoal e também para a sociedade, pois no passado reunimo-nos em conjunto para lutar por alguma coisa. Todas as associações foram fundadas após esse episódio. Há a ideia de que as pessoas de Macau muitas vezes não falam e não reagem a questões injustas, achamos que os locais são sempre indiferentes, mas segundo a história não foi sempre assim. Mas as escolas agora não nos ensinam isso. As pessoas de facto lutaram por algumas coisas”, rematou o activista. Motim 1-2-3 trouxe “maior visibilidade às associações” Para o investigador Fernando Sales Lopes, o motim 1-2-3 serviu sobretudo para dar mais poder às associações de matriz chinesa que já existiam, como a Associação Comercial de Macau e os Kaifong (associação de moradores). “O pós-1-2-3 acaba por trazer outra estabilidade, Macau foi-se preparando a pouco e pouco para a transição de poder, apesar de faltarem ainda três décadas. Sempre houve um poder chinês e um poder português, e havia sempre uma negociação diária”, afirma. “Depois do 1-2-3 houve um reforço do poder das entidades chinesas. Ho Yin, entre outros, teve um papel relevante neste período. As relações diplomáticas entre a China e Portugal só voltaram a ser restabelecidas após o 25 de Abril de 1974 e só estes capitalistas patriotas desempenhavam o papel de intermediários. Este papel de intermediários entre o poder português e a China acaba por vir a ganhar mais força, acabam por ser embaixadores e tornam-se líderes da comunidade chinesa. As associações chinesas, em vez de estarem fechadas numa comunidade, passaram a intervir no cenário público com mais poder.” Apesar da importância do motim, o investigador afirma que o 1-2-3 foi “um acontecimento ligado ao contexto da altura. “Em Macau sempre fomos um porto de abrigo e fomo-lo para os chineses. Revoluções políticas na China sempre houve.” Para o jornalista João Botas, autor de livros sobre a história do território, “é de facto um dos períodos significativos e marcantes da história de Macau”. “Foi naturalmente fruto do contexto, a história não se repete. Estamos a falar de um período, a consequência do que se passava politicamente na China, da Revolução Cultural, e que mais cedo ou mais tarde acabaria por chegar a Macau e a Hong Kong”, conclui.