João Luz Manchete SociedadeCrime | Burlas telefónicas ultrapassam 1850 casos em 12 dias Macau tem sido inundada de chamadas telefónicas de cariz criminoso. Os burlões fazem-se passar por funcionários dos Serviços de Migração e pedem o pagamento de uma caução por transferência bancária. Desde o dia 20 de Julho até 2 de Agosto, as autoridades registaram 20 casos do prejuízo efectivo, no valor total de mais de 2,6 milhões de patacas [dropcap style≠’circle’][/dropcap]e acordo com dados da Polícia Judiciária, entre o dia 20 de Julho e 2 de Agosto o número total de casos de burla registados pelos Serviços de Alfândega, Polícia Judiciária (PJ) e Polícia de Segurança Pública (PSP) foi 1851. Destas ocorrências, 20 resultaram em prejuízo para as pessoas burladas, sendo que o montante total no referido período de tempo ascendeu às 2,63 milhões de patacas. Os burlões fazem-se passar por funcionários dos Serviços de Migração e pedem o pagamento de uma caução devido a um suposto caso criminal. Às vítimas são pedidas transferências bancárias que podem ser em patacas, dólares de Hong Kong ou yuans. Só no dia 2 de Agosto, passada quarta-feira, foram reportados às autoridades policiais 226 casos. A PJ registou 102 casos, sendo que um resultou num prejuízo de 16.500 yuan, ou 19.756 patacas. A PSP recebeu 119 casos, tendo um deles sido transferido para a PJ, enquanto os Serviços de Alfândega registaram cinco casos. Adianta referir que, na passada segunda-feira, as autoridades detiveram o primeiro suspeito de envolvimento na vaga de burlas telefónicas. Trata-se de um residente de Macau, com 28 anos, que confessou pertencer a uma rede. Há quem se queixe de receber várias chamadas diárias do número 00. Apesar de ser difícil calcular quantas pessoas que receberam a chamada, a vaga de burlas parece bastante abrangente. O caso chegou, inclusive, a entupir as linhas da central telefónica do Centro Hospitalar Conde de São Januário na passada quarta-feira, entre as 10h e as 12h. O modus operandi foi similar, com a personificação de um alegado funcionário dos Serviços de Migração, e deu origem a uma participação à PJ. Número privado No dia 1 de Agosto, Miguel Duque recebeu uma chamada estranha no telemóvel do número 00. Do outro lado, uma gravação disse-lhe em cantonês: “De momento tem problemas com os Serviços de Migração de Macau, para receber assistência marque 0 ou 1”. Assim fez. Do outro lado da linha atenderam em mandarim. Miguel perguntou de imediato, em cantonês, o que se estava a passar, qual era o problema com os Serviços de Migração. Quando o homem teve oportunidade para responder às perguntas, fê-lo em mau cantonês e aconselhou uma chamada para os referidos serviços onde Miguel seria atendido por um colega com melhor domínio do cantonês. Importa nesta altura revelar que Miguel Duque é residente permanente de Macau, o que agrava ainda mais a sua estupefacção com a chamada. No entanto, como tinha marcada uma viagem para breve, quis tirar a limpo o que se passava. Seguindo as instruções dadas, ligou duas vezes para o número que lhe forneceram, sempre com o mesmo resultado: uma mensagem gravada da CTM a dizer que o número não estava disponível. Com um sentimento de estranheza, Miguel foi ao site dos Serviços de Migração e verificou que o número que marcara estava incorrecto. Quando ligou para o número correcto, do outro lado da linha veio a confirmação de que a chamada que recebera era uma tentativa de burla. Felizmente, não havia dado qualquer informação pessoal ao criminoso. Miguel Duque está muito longe de ser caso único e conta que conhece muitas pessoas que receberam a mesma chamada, apesar de não conhecer ninguém que tenha caído na armadilha dos burlões. O número de casos desde 20 de Julho é já superior a 2000. Nesse sentido, a PJ reuniu-se com representantes da Direcção dos Serviços de Correios e Telecomunicações (CTT) e das operadoras de telecomunicações de Macau para reforçar a prevenção deste tipo de crime.
José Simões Morais h | Artes, Letras e Ideias MancheteOs primeiros passos [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]amilo Pessanha veio para Macau “na sequência do seu desencontro amoroso com Ana de Castro Osório”, como refere num dos iniciais estudos Daniel Pires. Contudo, já na Fotobiografia do poeta, usando como fonte Francisco de Carvalho e Rego, afirma ser Madalena Canavarro a única paixão que se lhe conhece e como o seu amor não foi correspondido. Com a alma combalida, “uma grave doença nervosa impede-o de se matricular na Faculdade de Direito, neste ano lectivo” de 1888-89. Por uma carta ao primo José Benedito percebe-se como pode esse episódio ter marcado o salto do seu génio de escritor: “nas férias grandes passadas me luziu a ideia de duas séries, uma de prosa outra de verso, que deixavam a perder de vista todos os meus feitos de até então.” Ao mesmo primo escreve, já em 1893, dizendo encontrar-se extremamente deprimido “com esta tristeza que me vem das pequeninas misérias, das restrições deprimentes da vida, e da minha própria fraqueza, que me condena a um isolamento, em que por mim próprio me vou afundando sem remédio”. Assim, se o estado de alma de Camilo Pessanha, já de si uma figura amargurada, ao chegar de Portugal com uma mágoa de amores não correspondidos, o espírito daquele início de Verão, sem chuva e de um calor sufocante, ainda mais o atormenta, ampliando-lhe a depressão. Como se não bastasse, apenas com doze dias de Macau, recebe uma carta do pai a dizer que a mãe está a falecer. Camilo entra em desespero e desabafa as suas amarguras em carta ao amigo Alberto Osório de Castro, que deposita na Repartição do Correio, a funcionar desde 12 de Janeiro de 1885 na Praia Grande, no edifício contíguo ao Hotel Hing Kee. Aí conhece o director Ricardo de Sousa que, desde 1869, acolhera na sua casa, situada na Rua do Campo, nº. 1, o serviço dos Correios. Contudo, após a mudança em 1885, passou a contar também com uma estação postal na Ilha da Taipa. No tempo de Camilo Pessanha, há outras duas caixas postais distribuídas pela cidade: uma no edifício da Junta de Fazenda e a outra na Capitania dos Portos, cem como caixas postais móveis, colocadas a bordo dos vários vapores da carreira Macau-Hong Kong, fazendo-se já o serviço de permuta das malas postais com Hong Kong e directamente com Cantão. As depressões de Pessanha poderão ter inspirado Ricardo de Sousa, que exercera pequena clínica em Hong Kong, a ser um dos sócios fundadores da Pharmacia Popular, inaugurada a 8 de Dezembro de 1895, na Rua da Praia Grande. Nessa altura, está Camilo Pessanha a deixar o Hotel Hing Kee. Em Macau não existe luz eléctrica e a noite é iluminada pelas lanternas alimentadas a azeite (azeite de luzes, de várias qualidades e por vezes também usado na comida), ou a petróleo, que começa a ser mais utilizado devido ao preço barato. Está o assunto sobre o monopólio do petróleo na ordem do dia, apesar de este ter sido entregue no dia 1 de Abril de 1894. Ainda não passara quinze dias e já os compradores se queixam dos abusos do arrematante e pedem às autoridades para o obrigar a entrar no caminho da legalidade, pois serve-se de estratagemas muito ousados para aumentar os seus lucros, sem olhar a meios. Um dos expedientes conhecidos é o de trazerem para Macau latas de petróleo sangradas em Hong Kong, que continham menos quantidade de produto do que as anteriormente vendidas ao público. Tomada de posse Quatro dias depois da chegada a Macau de Camilo Pessanha, por Portaria do Governo provincial de 14 de Abril de 1894, é nomeado Reitor do Liceu o sr. dr. José Gomes da Silva, Chefe do Serviço de Saúde desta província e professor da 6.ª cadeira (Física, Química e História Natural) do mesmo liceu que, além de médico, é um homem cultíssimo. Fica também determinado que lhe seja entregue o edifício do extinto Convento de Santo Agostinho para aí ser instalado esse estabelecimento de ensino secundário e é marcada para 16 de Abril a tomada de posse dos professores e funcionários do Liceu. No dia seguinte, Domingo, realiza-se no Seminário Diocesano um sarau literário e musical em homenagem ao Reverendo D. António Joaquim de Madeiros (desde 1884 Bispo Diocesano de Macau, que engloba Timor, fora Reitor do Seminário de S. José e virá a falecer em Timor em 7-1-1897) tendo estado presente nessa festa o Governador Horta e Costa, com sua esposa, o subalterno Governador de Timor, José Celestino da Silva, com esposa e filhas, os vereadores da Câmara, os Juízes de Direito, o Procurador dos Negócios Sínicos e Delegado da Comarca, Coronel António J. Garcia, bem como os professores do Liceu Nacional, os do Seminário e da Escola Central, Administrador Pacheco, Major Costa Campos e outras pessoas. Seis dias após chegar a Macau, a 16 de Abril, vê-se Camilo Pessanha a sair do hotel: figura franzina e esguia, aprumada e trajando a rigor para a cerimónia de tomada de posse, (com tamanho calor levaria colete e casaca?), rosto resguardado pelo chapéu e na mão (traria já a bengala?). Caminha pela Rua da Praia Grande até ao Palácio do Governo, projecto do arquitecto macaense José Agostinho Tomás de Aquino, construído em 1849 pelo Barão do Cercal e, desde o Governador Tomás de Sousa Rosa (1883-1886), sede do Governo de Macau. Conhecido por Palácio da Praia Grande, com o Governador Januário Correia de Almeida (1872-74) foi acrescentado um corpo central saliente à residência oficial dos governadores, que mais tarde veio a ser o Palácio das Repartições – Economia, Fazenda, Tribunal e Administração Civil e hoje representado pelo edifício do antigo Tribunal, em frente à estátua de Jorge Álvares – que aí apareceram, já toda esta história há muito acabara. Nesse dia o Governador Horta e Costa dá posse aos professores e funcionários do Liceu, excepto a João Pereira Vasco, um dos quatro professores do Liceu que vieram de Portugal e o único que não chegara ainda a Macau. O Dr. Gomes da Silva substitui, no Conselho Inspector de Instrução Pública, o Director da Escola Central, o Sr. Patrício José da Luz, cargo que passa a pertencer ao Reitor do Liceu. Ali se encontram, talvez pela primeira vez, o poeta Camilo Pessanha e o prosador Wenceslau de Moraes. Dois dias depois, o Echo Macaense, junto das notícias oficiais do acto, refere: “Mandou-se entregar ao Leal Senado da Câmara de Macau os edifícios, mobílias e mais pertences das escolas da instrução primária do sexo feminino e dos chineses”. O período lectivo vai já muito adiantado e, por isso, as aulas só irão começar em Setembro: “todavia os professores não estão em ociosidade, porque foram incumbidos de elaborar o regulamento, indispensável para se determinarem os diversos detalhes quanto ao ensino e as atribuições dos empregados”, como refere O Independente de 21 de Abril de 1894. Camilo Pessanha ficou de elaborar o regulamento do Liceu, que virá a ser aprovado a 14 de Agosto. Em carta de 28 de Maio, confidencia ao pai que nos primeiros três anos não deverá ter nenhuns alunos. A sua adaptação consolida-se: “Quase já estou animado a escrever sobre coisas do Oriente. A vida, por aqui, é cheia de impressões novas cada dia, ou eu me finjo que é, em um delírio artificial de grandezas, que me serviu de coragem para partir, e ainda me vai servindo para não esmorecer de todo”, segundo a transcrição de Daniel Pires que observa: “Especial ênfase deve ser dado à sua empatia pela civilização chinesa, em sincronia com outros escritores europeus do século XIX, que mistificaram o Oriente” e, ainda não decorrera um mês de estadia, já Camilo Pessanha tem um professor chinês para lhe ensinar a falar e escrever a língua usada pela maioria da população de Macau, que andará pelas 76 mil pessoas, sendo 3500 portugueses. Durante as trovoadas de Maio, os advogados da cidade mostram não ver com bons olhos Camilo Pessanha exercer aqui advocacia. A Colina de Sto. Agostinho No início, quando hospedado no Hotel Hing Kee, o percurso para o Liceu é curto, mas íngreme, até ao cimo da Colina de S. Agostinho, o pólo cultural de Macau. Camilo sai do hotel e, pela Rua da Praia Grande, segue até à Calçada de Sto. Agostinho que, numa árdua subida em linha recta, o leva após cruzar a Rua Central a chegar à Rampa de Sto. Agostinho. De um lado vislumbra o Teatro D. Pedro V, em frente encontra-se o Liceu. Outro possível trajecto seria caminhar até à esquina do edifício do Hing Kee, entrar logo na Calçada do Governador (actual P. Luís Fróis, S.J.) e subindo o morro, chegar a um cruzamento de quatro ruas. Em frente, descer pela Rua do Gonçalo leva ao Largo do Senado. Para Norte, pelo morro alonga-se a Rua da Sé, ao nível da natural muralha qual osso do dragão, a dar para o Largo da Sé, onde a Catedral e o Paço Episcopal têm por trás o jardim a prolongar-se, descaindo para a Rua Formosa e Pátio das Flores. A Rua da Sé acaba onde começa a Rua Central, no cruzamento com a Calçada do Governador e Rua do Gonçalo (hoje Beco, pois a rua ficará mutilada com a abertura de Almeida Ribeiro) e daí, início da subida, a Rua Central termina na Igreja de S. Lourenço, construída entre 1558 e 1560 e conhecida pelos chineses por Fong Son Ton. Então a principal artéria de comércio da cidade, a Rua Central, que os chineses designam por Lông Sông Cheng Cái (Rua Central do Cume do Dragão), serve de divisória: para Leste a zona rica europeia, a Baía da Praia Grande onde também já alguns chineses moram e, virada para Oeste, uma vasta área no Porto Interior aterrada, onde se concentra o Bazar chinês. As Zonas Baixas, como no livro A Diocese de Macau, compilação de D. Domingos Lam refere, “a Baía da Praia do Manduco (Há Van), ou Baía Baixa onde se encontravam as pontes-cais para os pescadores, a Praça de Ponte e Horta (Si Ta Hau, i.e., a Entrada da Alfândega) e a parte central da Rua do Visconde Paço de Arcos, onde ficavam as pontes-cais para os vapores que ligavam Macau a Hong-Kong, Guangzhou (Cantão) e outros portos no Rio das Pérolas”. Nesse percurso, ainda sem horário para chegar ao Liceu, a atenção de Pessanha distraí-se no exotismo e diversidade, encontrada igualmente por Adolfo Loureiro em 1883 quando escrevia: “Entrei em muitas boticas, como ali se chamam as lojas e casas de comércio, para fazer aquisição de diversos objectos, papel, fatos brancos de linho ou de seda…”. O interesse de Pessanha pela arte chinesa poderá ter surgido nessas lojas de parses, muçulmanos, cristãos e chineses, com um comércio de produtos a captar-lhe a atenção, pois até então, muitos deles nunca os vira. Assim, com ligeiras mudanças às impressões de Adolfo Loureiro sobre o burgo macaense, onze anos depois, Camilo Pessanha encontra ainda os chineses a trabalhar ao domingo e “nus da cintura para cima, se entregavam com ardor aos trabalhos da sua profissão, tomando de vez em quando a sua taça de chá. Pelas ruas encontrava-se muita gente, mas quase tudo chineses, que se parecem todos e vestem quase da mesma forma. Os europeus eram em pequeno número e trajando quase todos uniformes militares. O nosso militarismo manifestava-se ali pela farda, pelas fortalezas, pelas sentinelas, e pelos toques de corneta. Parecia uma verdadeira praça de guerra!”, como refere Adolfo Loureiro. Em frente à Calçada de Santo Agostinho, numa volta de 180º começa a Rampa de Santo Agostinho com degraus, que virá a ser a Calçada do Teatro e logo de frente, o antigo convento dos frades agostinianos a preparar-se, numa solução provisória, para albergar o Liceu. Chega Pessanha ao topo da colina, onde se encontra o Largo de Santo Agostinho, dividido entre as paróquias de S. Lourenço e da Sé. Ao lado do edifício do antigo Convento, a Igreja de Nossa Senhora da Graça, ambos ali edificados em 1591, tendo sido a igreja reconstruída em 1875, de onde vem a estrutura actual. No largo, Pessanha pode apreciar o Teatro D. Pedro V, cujo risco do projecto e a direcção da obra iniciada a 1859 é de Pedro Germano Marques, sendo a fachada, projectada pelo Barão do Cercal e edificada entre os anos 1873 e 1879. O Conde de Arnoso, nas Jornadas pelo Mundo, referiu-se ao Teatro D. Pedro V, indicando que em 1887 era uma pequena mas elegante sala de espectáculos, onde os europeus tinham instalado o Clube União. Havia ainda um prédio, pertença desde 1872 de Francisco Manuel da Cunha e cujo registo o dava no Campo de Santo Agostinho, conhecido por Horta Superior, situado a Leste do Teatro, que Luís Gonzaga Gomes questionará se não seria a actual entrada do Clube. O Clube União, fundado para organizar festas no teatro, teve os estatutos elaborados pelo seu presidente, Pedro Nolasco da Silva, aprovados por portaria de 13 de Abril de 1887. Mais tarde, sem dinheiro para festas, a direcção do Clube União pretendeu hipotecar o edifício do Teatro, mas os sócios fundadores tal não permitiram, o que os levou a criar uma nova Associação, a dos Proprietários do Teatro D. Pedro V, enquanto os outros membros formaram a Associação do Clube União. Pessanha terá comentado ainda no salão do Hing Kee a subdivisão do Club União em duas Associações distintas, pois esta só é aprovada em 1896. Já em 1902, durante uma festa dançante, um tenente porta-se indignamente e, ao ofender a Sra. Canavarro, levanta um tal problema que se fecha o União e surge o Clube Macau. Na vertente do Mato Mofino, encontra-se o Seminário de S. José, fundado em 1728 pelos Jesuítas, com a função de preparar missionários para a China e então a albergar também o secundário da Escola Comercial; a casa de Sir Robert Ho Tung a ser (em 1894) construída (actual Biblioteca) e a antiga casa da missão espanhola, nessa altura Procuradoria da Missão Dominicana Espanhola e hoje a Casa Ricci, onde se encontra a Caritas. Após as aulas, Camilo Pessanha tem três vias para se aventurar pela cidade. Voltar à Rampa de Santo Agostinho e pela Rua Central seguindo para Sul passar à Colina do Bom Jesus e ir até à Penha ou, descendo pela Calçada de Sto. Agostinho, desmbocar na Praia Grande, junto ao Palácio do Governo. Se, à saída do Liceu virar para a direita, encontra a Rua dos Cules, por onde entra no Bazar chinês. Já pela Rua do Tronco Velho, (nome ligado à prisão existente até 1754 numa casa ao lado do Convento de St. Agostinho), logo à entrada apresenta-se um edifício que, mais tarde reconstruído, albergará a Escola Comercial, actual sede do Banco Delta Ásia. Descendo-a, entronca com a Rua da Alfândega, entra na Rua da Cadeia, (que em 1937 receberá o nome de Rua Dr. Soares), para chegar ao centro municipal da cidade, o Largo do Senado.
Hoje Macau China / Ásia MancheteChina | Quase 4500 funcionários acusados de negligência na protecção ambiental Pequim tem andado a enviar inspectores para as províncias para ver se as normas de protecção ambiental são efectivamente respeitadas. Há milhares de casos em que os funcionários públicos fecham os olhos a actos proibidos num país em guerra contra a poluição. Há prevaricadores detidos. Se a vida não lhes correr mal, perdem apenas a hipótese de subir na carreira [dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]ais de 4660 funcionários da Administração chinesa vão ser responsabilizados por não garantirem o cumprimento das normas de protecção ambiental. É este o resultado da mais recente ronda de inspecções, dado a conhecer pelo Ministério da Protecção Ambiental. Em quatro dias, sete equipas de fiscalização passaram pelas províncias de Anhui, Fujian, Guizhou, Hunan, Liaoning, Shanxi e Tianjin, naquela que foi a terceira iniciativa do género desde que o Governo Central emitiu novas directrizes sobre o papel a cumprir pelos vários níveis da Administração. A Agência Xinhua explica que o número de pessoas em causa deverá aumentar à medida que as autoridades forem analisando os casos agora detectados. Foram descobertas mais de 31 mil situações em que os funcionários não terão cumprido os seus deveres. Do total de suspeitos, 405 foram detidos. O Ministério da Protecção Ambiental entende que têm sido feitos progressos, mas há problemas que persistem e que requerem mais atenção. Continuam a ser feitos projectos ilegais em reservas naturais, com consequências nefastas para os ecossistemas, e os trabalhos de protecção ambiental nalgumas cidades precisam de ser melhorados. Os governos locais das cidades em causa são obrigados a apresentar planos ao Conselho de Estado para resolver as questões que foram identificadas. Têm 30 dias úteis para cumprirem a missão. Está prevista para breve uma quarta leva de inspecções nas oito províncias que ainda não foram passadas a pente fino. A China tem estado a tentar combater a poluição e a degradação do ambiente depois de décadas de crescimento desregrado, que deixaram o país com uma forte poluição atmosférica e com solos contaminados. No ano passado, as equipas de fiscalização detectaram 33 mil casos e aplicaram multas no valor de 440 milhões de yuan. Além disso, 720 pessoas foram detidas, sendo que quase 6500 foram, de alguma forma, responsabilizadas. Árdua tarefa O Governo Central tem feito um esforço para promover entre os funcionários públicos uma maior consciência da importância da preservação do ambiente, uma campanha que passa também pela punição. Recentemente, foi anunciado que mais trabalhadores da Administração vão ser sujeitos a auditorias sobre o impacto ambiental do trabalho que fazem. As novas normas determinam que, se for descoberto impacto ambiental negativo, tal terá consequências ao nível da progressão na carreira. As auditorias incluem uma fiscalização aos danos ecológicos e ambientais, bem como ao consumo local de recursos naturais. Apesar de este reforço das regras ter sido anunciado há pouco mais de um mês, as autoridades de Pequim têm estado a testar o novo sistema de responsabilização em cidades-piloto há já mais de dois anos. É o caso de Xinyu, na província de Jiangxi. O trabalho de fiscalização não é, no entanto, fácil. O vice-presidente do gabinete de auditoria de Xinyu, Zeng Changsheng, explicou à Xinhua que, desde que a reforma foi iniciada, quatro funcionários viram o seu trabalho ser inspeccionado em termos ambientais. Os resultados foram enviados para o comité do Partido Comunista Chinês na cidade, responsável pelas nomeações oficiais. “Tivemos de criar um novo departamento para explorar o método de fiscalização, que exige um trabalho complicado”, contou Zeng Changsheng, que dá como exemplo as soluções por satélite necessárias para a obtenção de provas. Numa das auditorias, respeitante a apenas um alto quadro, foram necessários cinco meses. “É difícil obter provas que liguem directamente as falhas às obrigações dos funcionários”, acrescentou. “Os departamentos que lidam com esta matéria não têm dados suficientes que traduzam a qualidade e a quantidade dos recursos naturais.” No caso de Xinyu, entre os funcionários alvo de auditorias estiveram o dirigente máximo de um dos distritos da cidade e o antigo chefe de departamento ambiental do município. Os auditores recolhem amostras de água, do solo e de plantas, e analisam vários dados estatísticos para avaliarem como é que as políticas adoptadas afectam o meio ambiente. Zeng Changsheng contou que, numa das auditorias, se chegou à conclusão de que o dirigente distrital terá sido o responsável pela diminuição da área florestal, sendo ainda acusado de não garantir uma protecção correcta dos campos aráveis. Terá tido ainda uma postura duvidosa aquando da aprovação de projectos que envolviam a utilização de recursos hídricos. As equipas de inspecção também procuram informação junto da população, uma boa fonte de pistas que depois são investigadas, refere a agência oficial de notícias. Zhang Liping, presidente da comissão que administra a zona do Lago Xiannu, faz parte do grupo de quatro oficiais investigados. Só encontra vantagens no facto de o seu trabalho ter sido fiscalizado: garante que os funcionários em níveis inferiores da hierarquia passaram a ter mais atenção às regras ambientais, uma maior consciência da necessidade de proteger a natureza e uma vontade mais consistente de cooperar com o “desenvolvimento verde” definido pelo Governo Central. Caminho a fazer Não obstante os esforços levados a cabo por Pequim, há várias cidades determinantes no combate à poluição que continuam a não cumprir as regras do jogo. No mês passado, ainda antes de serem conhecidos os resultados desta ronda de inspecções, Tianjin levou um puxão de orelhas por não estar a corresponder às expectativas do poder central. Além da poluição atmosférica – o problema mais visível e aquele de que mais se fala –, a China debate-se com grandes dificuldades no que toca à qualidade dos solos e dos recursos hídricos. Em Abril, o Ministério da Protecção Ambiental reconheceu que há zonas do país em que a situação não só não melhorou, como apresenta cada vez dados mais preocupantes. De acordo com um relatório oficial sobre 2016, a qualidade do ar, da água e dos solos melhorou em termos gerais. No entanto, foi um progresso “desigual”, com algumas zonas a estarem mais degradadas em termos de recursos hídricos. Também a qualidade do solo destinado à agricultura “não permite ter optimismo”, com o Governo Central a lamentar ainda não ter sido capaz de combater muitas das fontes de poluição: no ano passado, as análises feitas pelo ministério permitiram perceber que 36,3 por cento dos poluentes industriais não estavam a ser tratados de acordo com a lei. Na sequência deste relatório, as autoridades centrais decidiram reforçar a legislação. A China acredita que vai ser capaz de ganhar a “guerra contra a poluição”, investindo na monitorização e no combate às centenas de fábricas responsáveis pela emissão de poluentes dos mais diversos géneros. Obrigar os funcionários públicos no cumprimento das normas é só mais uma batalha.
João Luz Manchete PolíticaPlenário | Plano de habitação na Avenida Wai Long para breve Vão arrancar este mês os estudos sobre a dimensão e design dos prédios para habitação pública na Avenida Wai Long, na Taipa, um projecto com cerca de oito mil fracções. Chui Sai On revelou ainda estar a par da insatisfação da sociedade quanto à partilha dos frutos económicos [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] escassez de habitação pública e económica é um dos assuntos recorrentes em interpelações e reivindicações em Macau. Chui Sai On foi à Assembleia Legislativa confirmar que avançam este mês os trabalhos de análise à dimensão e design dos fogos de habitação pública projectados para a Avenida Wai Long, na Taipa. Findas as obras, serão disponibilizados oito mil fracções. Em resposta à deputada Kwan Tsui Hang, o Chefe do Executivo explicou que o caso da habitação pública mencionada terá em breve “o respectivo plano e projecto”. Foi também revelado que tiveram início os estudos de impacto ambiental, assim como a avaliação da qualidade do ar, o planeamento urbanístico, as instalações complementares e comerciais. No que diz respeito ao caso do Pearl Horizon, Chui Sai On recordou que existe um processo judicial em curso. O assunto trazido à baila pelo deputado Zheng Anting serviu de pretexto para se falar do projecto de alteração à lei de terras, elaborado em parceria com Leonel Alves. O Chefe do Executivo explicou que o assunto está em análise, tendo sido remetido para a secretaria dirigida por Sónia Chan a fim de ser devidamente estudado. Um dos momentos caricatos da sessão plenária foi quando Ng Kuok Cheong interrogou o dirigente máximo da RAEM, não prescindindo do uso de um cartaz. O deputado pró-democrata perguntou se nas zonas dos novos aterros seria implementada uma política de “terras de Macau para gentes de Macau”. A possibilidade foi afastada por Chui Sai On, uma vez que acha que este conceito pode levar a que se pense que somente as pessoas de Macau têm direito à habitação. Novos Aterros O Chefe do Executivo mencionou ainda que é necessário apoiar o segmento da população que não consegue comprar casa mas que, ainda assim, tem rendimentos que os afastam da possibilidade de aceder à habitação pública. A chamada “camada sanduíche”. O deputado Au Kam San ironizou com a habitação pública comentando que “é pouca canja para muitos monges”. O pró-democrata pediu ao Governo uma calendarização concreta de abertura de concursos para acesso a este tipo de casas. Chui Sai On explicou que “concretizar o sonho da população de ter habitação própria é um objectivo que merece o esforço do Governo”. O líder do Executivo lembrou que estão planeadas 28 mil habitações na zona A dos novos aterros, sendo que deste universo quatro mil serão privadas. Será ainda necessário proceder ao planeamento da rede viária e submeter o projecto ao Conselho do Planeamento Urbanístico antes de se avançar para o concurso público. Numa perspectiva socioeconómica, Chui Sai On confessou estar a par da insatisfação da sociedade quanto à partilha dos frutos económicos, uma matéria que será estudada, de acordo com o revelado. Quanto à partilha de receitas brutas com a população, o líder do Governo entende que esta solução pode trazer problemas, sobretudo quando a economia apresentar uma má performance. Transportes | Obras no terminal de autocarros das Portas do Cerco [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] deputado Ho Ion Sang interrogou o líder do Governo sobre as medidas a tomar para melhorar as “péssimas condições” do terminal subterrâneo de autocarro das Portas do Cerco. Chui Sai On reconheceu essa realidade revelando que chegou mesmo a fazer uma visita ao local. Assim sendo, vão começar, em breve, obras no local. O Chefe do Executivo especificou que vão ser abertas valas para melhorar a circulação de ar no terminal e que serão retirados vasos para alargar o espaço. O próprio sistema de ventilação será aumentado para o dobro da actual capacidade e será montado um sistema de climatização. De forma a não afectar muito o funcionamento do terminal, o líder do Governo pretende que a obra seja feita da forma mais célere possível. De acordo com Chui Sai On os trabalhos têm uma previsão de duração de dois meses. Legislação | Gabinete de protecção de dados pode ser regulado [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Gabinete de Protecção de Dados Pessoais poderá ser transformado numa entidade regulada. Chui Sai On disse aos deputados que a situação está a ser estudada. O assunto foi trazido à Assembleia Legislativa por Leonel Alves. O deputado salientou que “a falta de creditação gera desconfiança nos operadores económicos”, sendo também uma falta de prestígio para a instituição. Nesse sentido, está a ser ponderada a possibilidade de “rever a natureza do gabinete criado há dez anos, ao qual o Governo dá grande importância”. O Chefe do Executivo revelou ainda que está em estudo a revisão da legislação que regulamenta a actividade do gabinete de protecção de dados pessoais e que se prepara para avançar com os trabalhos legislativos. Ambiente | Resíduos de construção diminuíram em 24 por cento [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] construção civil tem produzido menos resíduos, tendo sido registado um decréscimo de 24 por cento. Em resposta à perguntas dos deputados, Chui Sai On justificou este número com as medidas de incentivo e de apoios económicos que procuraram reduzir na fonte os detritos resultantes da construção, assim como fomentar a reciclagem. O Chefe do Executivo revelou que até Junho, o centro de incineração tratou 60 milhões de toneladas de resíduos. Além disso, o líder do Governo revelou que será implementado em 2018 o regulamento que irá restringir a utilização de sacos de plástico. Chui Sai On adiantou ainda que as instalações ambientais, como por exemplo a central incineradora, serão aumentadas.
João Luz Manchete PolíticaPlenário | Chui Sai On considera Grande Baía oportunidade a não desperdiçar O Chefe do Executivo projecta o próximo ano como um momento de oportunidade económica que Macau não pode desperdiçar. No entanto, Chui Sai On acrescenta que os desafios trazidos pelo projecto da Grande Baía Guangdong – Hong Kong – Macau vão exigir esforço ao Governo [dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]rabalho e recompensa num horizonte temporal próximo. Foi com uma toada positiva que Chui Sai On encarou as questões dos deputados sobre o projecto da Grande Baía na sessão de perguntas no plenário da Assembleia Legislativa (AL). De acordo com o Chefe do Executivo, este projecto exigirá muito à RAEM, sendo que a “próxima fase será definir os trabalhos a serem levados a cabo”. Apesar de ainda haver muita indefinição, uma certeza transpareceu das palavras do dirigente: a tarefa será intensa. “O volume de trabalho vai ser enorme, internamente não estamos com dores de cabeça, mas a pressão é grande”, confessou. Perante a tarefa hercúlea, Chui Sai On diz contar com a participação de toda a população. No entanto, em resposta ao deputado Cheang Chi Keong, o Chefe do Executivo mostrou-se optimista quanto ao futuro. “Nos últimos dois anos conseguimos manter finanças equilibradas e temos boas expectativas para 2018”, projectou o dirigente. Uma das garantias prende-se com o apoio do Governo Central no desígnio de tornar a Grande Baía num centro de negócios de dimensão global, mas a principal boa nova económica é a recuperação do sector do jogo. Centro e plataforma Chui Sai On considera que o projecto que abarca as duas regiões administrativas especiais e Guangdong é uma oportunidade que Macau não pode desperdiçar. Nomeadamente tendo em conta a ambição de tornar a região num centro mundial de turismo e lazer, e na plataforma de cooperação comercial entre a China e os países de língua portuguesa. Em resposta a José Chui Sai Peng, o Chefe do Executivo explicou que o projecto da Grande Baía representa uma oportunidade para as pequenas e médias empresas (PME) de Macau, assim como para os jovens. “O palco será maior e precisamos de nos apoiar na cooperação bilateral com as regiões vizinhas”, comentou. Nesse sentido, Chui Sai On lembrou que Guangdong é uma província em franco desenvolvimento e que Macau precisa aproveitar a política “Um País, Dois Sistemas” para ser competitivo. Este dinamismo será essencial para promover as PMEs no exterior. Outra das oportunidades que podem surgir para Macau prende-se com o aproveitamento das suas valências, nomeadamente quanto à possibilidade de tornar a região numa base para formação de profissionais do turismo. Nesse sector, Chui Sai On entende que a legislação que regula o turismo deve ser revista, principalmente para tornar mais ágeis os licenciamentos de negócios como restaurantes. Numa acepção geral, o Chefe do Executivo entende que será necessário encarar o projecto da Grande Baía com uma visão de conjuntura que tenha como objectivo “a optimização do ambiente comercial”, nomeadamente através da aposta no comércio electrónico.
Hoje Macau Manchete PolíticaEleições | CAEAL nega estar a silenciar candidatos antes da campanha Toca a eliminar os arquivos na Internet que contenham mensagens de apelo ao voto. Mandatários e candidatos receberam ordens para o período de proibição de propaganda eleitoral, que ontem começou e se arrasta até 2 de Setembro. A CAEAL garante que só está a cumprir a lei [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) negou hoje, no dia em que entra em vigor a proibição de propaganda eleitoral, estar a proibir os candidatos às eleições de se expressarem antes da campanha. “Não estamos a proibi-los de falar, mas se o conteúdo envolver o programa político é diferente”, afirmou o presidente da Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL), o juiz Tong Hio Fong, em conferência de imprensa. Na noite da passada terça-feira, a CAEAL publicou uma instrução vinculativa a determinar a remoção ou eliminação, pelos mandatários e candidatos, até à meia-noite de 2 de Agosto, de “todas as informações ou mensagens divulgadas” anteriormente, incluindo na Internet, “cujo conteúdo seja susceptível de dirigir a atenção do público para um ou mais candidatos e de sugerir, de forma expressa ou implícita, que os eleitores votem ou deixem de votar nesse candidato ou candidatos”. O candidato “tem que prestar atenção à lei eleitoral”, a qual prevê um período de proibição de propaganda eleitoral, alertou. “Temos de ver a situação concreta”, sublinhou Tong Hio Fong, insistindo ser necessário ver “caso a caso”, embora reconhecendo dificuldades: “É difícil fiscalizar totalmente, mas temos pessoal para prestar atenção” aos assuntos discutidos pelos candidatos durante este período que corre até ao início da campanha eleitoral, marcado para 2 de Setembro. O presidente da CAEAL insistiu que o mesmo se aplica aos que se recandidatam que, por serem actualmente deputados, são mais visíveis: “Eles podem discutir sobre assuntos cívicos da sociedade, como um cidadão normal, mas se a sua discussão contiver conteúdos do programa político temos de ver”. “Não podem discutir nem divulgar conteúdos dos seus programas políticos”, frisou o juiz Tong Hio Fong. Os candidatos que não respeitarem a instrução vinculativa incorrem no crime de desobediência qualificada. Votou bem, votou mal O presidente da CAEAL indicou que a reunião de ontem se centrou na definição de voto válido, anunciando que, na próxima semana, vai ter lugar um encontro com a assembleia de apuramento geral “para ver quais são os critérios para se considerar um voto nulo ou válido” e estabelecer “um consenso”. Nas eleições para a Assembleia Legislativa de 2013, milhares de votos válidos foram alvo de uma contraprova de contagem, o que sucedeu pela primeira vez desde a transferência de administração. Esse processo terminou com o Tribunal de Última Instância a validar 51 votos considerados nulos pela Assembleia de Apuramento Geral, numa decisão que não alterou o quadro dos eleitos pela via directa. No final da reunião da CAEAL, Tong Hio Fong actualizou para 38 o número de queixas e denúncias de corrupção eleitoral recebidas até ao momento. As eleições decorrem a 17 de Setembro.
António Cabrita Diários de Próspero MancheteO planeta dos macacos 26/07/2017 [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s meus amigos de esquerda são – como eu antes de ter mudado para o sul e como diriam as minhas filhas – “muito fofinhos”, mas têm as bússolas avariadas. O combate contra os Trump deste mundo e os nefastos desiquilíbrios que o rasto do neo-liberalismo nutriu só ganharão em serem subsidiários de uma causa mais estrutural e de uma legitimidade acrescida. Não basta ter boas-intenções, urge um esforço para distribuirmos um pouco mais, globalmente, em vez de nos confinarmos na defesa dos nossos privilégios. Para que se entenda ao que aludo lembro o modo como um dirigente do período mais aceso do samorismo definia a “disciplina” nos sermões que dava aos seus subordinados. Contava o dirigente, deliciado: quando os japoneses invadiram a China, o Exército Vermelho e o de Chang Kai-chek, fizeram um pacto tendo em vista combaterem o inimigo comum. O Exército Vermelho enviava contingentes para se juntarem ao exército nacionalista e Chang Kai- chek nunca desdenhava a oportunidade para os chacinar. Embora sabendo disso o exército revolucionário nunca deixou de enviar novos soldados para a matança porque considerava a luta contra os japoneses um imperativo nacional. E os seus soldados, sabendo igualmente a sorte que os destinava, entregavam-se à traição dos seus compatriotas, por disciplina. Era este o espírito elogiado pelo dirigente moçambicano, disposto a trocar a bagatela de muitas vidas pela grande causa. Claro que se esquecia de acrescentar que como grande dirigente ele estaria sempre fora da lista dos disciplinados. Pormenores. Merda para a disciplina. Muito disciplinadamente a esquerda repete slogans, princípios e reivindicações como se a natureza dos desafios fosse imemorial e unicamente diagnosticada como abalos ou avanços económicos. É a que nos convém à nossa esfera de consumidores e por isso a nossa disciplina vê – se condicionada pela leitura dos “nossos” problemas. E então esquecemos feridas inaparentes e invisibilidades essenciais, porque ocultas pela distância e a nossa tolerância face ao sofrimento alheio. O essencial, por exemplo, prende-se antes com o que se denomina neotenia humana. Um conceito que não se desconhece mas de que ninguém tira as devidas consequências. Explica-o Gilbert Durand: “(…) o cérebro humano vem ao mundo imaturo e incompleto. Enquanto um jovem chimpanzé termina o seu crescimento cerebral nos doze meses que se seguem ao nascimento, são precisos seis anos no mínimo, e depois ainda dez a doze anos, para que o cérebro humano se desenvolva. Dito de outro modo, não há desenvolvimento do cérebro sem ‘educação ‘ cultural. “ Por educação cultural entenda-se aqui sensibilidade para o problema e condições de possibilidade para a sua elucidação, do mesmo modo que os problemas de género só são resolúveis a partir de uma educação de base que discirna costumes e natureza, até que a anomalia se torne percepcionada. Considero um escândalo que ninguém brame contra as desigualdades que a desatenção à neotenia gera. Que se omita haver dezenas de nações – de todas as latitudes, raças e regimes políticos – que não oferecem as menores condições para que o grosso das suas crianças possa desenvolver plenamente o seu crescimento cerebral. Que no miolo de países ricos, como os States, haja bolsas de pobreza com efeitos afins. Em Moçambique chama-se à criança subnutrida e de olhar mais vago que a varejeira em linha recta: marasmada. Está marasmada. A criança marasmada não aprende mais do que um cogumelo no frigorífico, tem o seu futuro hipotecado. Acrescente-se à subnutrição os traumas de guerra. Aí o marasmamento constela pelo negativo, vira cratera lunar. Devia acrescentar-se à carta dos direitos humanos o direito das crianças ao pleno desenvolvimento cerebral. País que não oferecesse condições para tal perderia momentaneamente o seu direito à soberania e a ONU – sob uma legislação precisa que coarctasse na base qualquer tentação dirigista – nomearia um governo de técnicos nacionais que, num período de transição, devolvesse a essa comunidade o desenvolvimento técnico, social e humano que lhes garantisse a autonomia futura. País rico que tivesse ainda crianças nessas condições ficava interdito de produzir armas. Era evidentemente uma investida que colocaria de fora ideologias e fronteiras étnicas e culturais. O único aferidor válido para determinar se um povo tem direito à perpetuação da sua soberania seria o de verificar se nele se poderia cumprir a neotenia. Creio mesmo que se tal fosse consignado na Carta dos Direitos Humanos as nações em falta reagiriam para colmatar essa pecha e por uma vez se afastariam da exaurivel cobiça com que intestinamente se esquecem do bem comum para se digladiarem pelos pequenos poderes – sob a ameaça de se verem arredados dos seus privilégios. Eis uma daquelas causas ao lado da qual noventa por cento das demais são modas e bordados. Urge redefinir totalmente a cartografia política. Anulem-se os conceitos de raça e as falácias da identidade, substituindo-os por esta nova pedra angular: todas as crianças de todos os lugares do planeta têm de ter as mesmas oportunidades para o seu desenvolvimento psico-genético… e nem culturas, ideologias ou religiões seriam chamadas ao caso. Evidencia-se aqui uma forma simples e irrenunciável de “organizar o pessimismo “(Pierre Naville ) a que se tem remetido o pensamento crítico. Até aí nunca sairemos do Planeta dos Macacos, creio que nenhuma outra fábula é tão justa. O verdadeiro e mais insidioso colonialismo é este, interno às nações que irresponsavelmente andam à deriva, e é transversal. Claro que dos meus amigos da direita não espero nada.
Isabel Castro Manchete PolíticaAnálise | Chefe do Executivo vai hoje à Assembleia Legislativa É a última deslocação antes das férias de Verão e, este ano, coincide com a recta final da legislatura. Chui Sai On está hoje na Assembleia Legislativa, mas espera-se pouco da sua intervenção. Dois deputados e dois observadores comentam a utilidade e o modelo destes encontros no hemiciclo. Há quem proponha que se adopte um sistema semelhante para os secretários [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ara uns chega três vezes por ano, para outros não – mas só porque se fala muito e pouco se diz. O hábito foi iniciado por Edmund Ho, bastante mais ágil no improviso e na comunicação do que o homem que o sucedeu. Mas Chui Sai On deu continuidade à prática, que já passou a tradição. Hoje à tarde, o líder do Governo vai à Assembleia Legislativa (AL) responder a perguntas dos deputados sobre a acção governativa, com destaque para as questões de âmbito social. Não sai do Palácio sem uma resma de folhas, as respostas para as questões que lhe foram enviadas. Para Leonel Alves, deputado há 33 anos prestes a afastar-se das lides legislativas, o número de deslocações do Chefe do Executivo à AL é suficiente. Mas deixa uma sugestão: “O ideal seria que os secretários fossem periodicamente à Assembleia para responderem às perguntas dos deputados, isto para além das tradicionais interpelações orais”. Alves entende que deveria ser introduzida uma “nova metodologia de diálogo”, com uma periodicidade mais ou menos estabelecida. “Tirando os meses de férias, temos praticamente dez meses úteis. Havendo cinco secretários, não seria má ideia cada um deles ir à AL duas vezes ao ano responder às perguntas colocadas pelos deputados”, propõe. “Seria uma nova maneira de interagir entre a Assembleia e o Governo.” Também Albano Martins, economista, considera ser boa ideia ter os secretários presentes na AL com uma regularidade diferente da actual. “Quem devia ir mais é quem sabe do assunto – e quem sabe do assunto são os secretários”, atira. “Embora sejam apenas representantes do Chefe do Executivo, os secretários é que deviam ir mais vezes, porque são eles que estão, de facto, a par das questões.” Para Albano Martins, tardes como a de hoje servem para “o Chefe do Executivo dizer coisas muito bonitas, às vezes sem muita lógica, que não adiantam muito”. Concedendo que compete a Chui Sai On abordar “questões de política geral”, vinca que o território precisa de uma abordagem pragmática. “A política e, sobretudo, a política económica são necessariamente terra a terra, não podem ser demasiado vagas, e o Chefe do Executivo vai limitar-se a dizer coisas vagas.” Já o advogado Sérgio de Almeida Correia tem uma perspectiva diferente sobre o assunto: as três deslocações anuais não bastam. A razão para esta insuficiência é apenas uma: “As dúvidas são muitas e, muitas vezes, o Governo não dá os esclarecimentos que devia dar”. “Fica-se sempre com a sensação, quando [os governantes] querem dar esclarecimentos, de que pretendem esconder alguma coisa, como aconteceu há pouco tempo com a substituição dos tubos da Estação de Tratamento de Águas Residuais de Macau”, continua o advogado. “Depois, há muitas perguntas que ficam por responder. Há dúvidas legítimas por parte dos cidadãos que não deviam ter cabimento e que acontecem porque continua a haver o culto do secretismo”, critica. Para Kwan Tsui Hang, deputada que dá este mês por encerrada uma carreira política de mais de duas décadas, “é aceitável” o número de deslocações anuais de Chui Sai On ao edifício do Lago Nam Van. Venha o próximo A sessão obedece sempre aos mesmos moldes: os deputados lêem as perguntas que enviaram antecipadamente a Chui Sai On; o Chefe do Executivo lê a resposta que leva escrita. Não há lugar a novas perguntas. Quem ficou esclarecido, ficou; quem continua com dúvidas, terá de esperar por melhor oportunidade. “A transparência deve ser cultivada entre governantes e governados. Só assim pode haver confiança em quem governa”, começa por comentar Sérgio de Almeida Correia, que não resiste a olhar para o caso português, em que o primeiro-ministro vai à Assembleia da República quinzenalmente, e os temas de debate são escolhidos alternadamente entre o Governo e a oposição. O modelo de Macau, prossegue, “não é o adequado para todas as questões”. O advogado admite que, para assuntos de natureza técnica, seja necessário preparar dados e números. Sucede que há também os temas de natureza política e, nessas situações, o caso muda de figura. “Devia ser seguido o modelo da pergunta-resposta imediata, sem prejuízo de se fazerem chegar as perguntas ao presidente da AL, por escrito, mas imediatamente antes de serem colocadas”, propõe. “E, evidentemente, permitindo réplica, uma ou mais vezes, porque se não a interpelação acaba por se tornar num monólogo. As respostas vêm preparadas de casa, são precisos mais esclarecimentos e já não são feitos.” Leonel Alves concorda com a ideia de que há espaço para rever o actual formato da sessão. “Traria maior dinamismo havendo um diálogo, não digo de improviso, mas havendo um diálogo mais dinâmico, com perguntas e respostas, e perguntas adicionais”, afirma. “Seria mais benéfico para a transmissão ao público das ideias da governação.” A forma tem impacto na transmissão da mensagem, nota o deputado. “Esta prática de perguntas escritas e de respostas maioritariamente já feitas, por escrito, poderá não transmitir com tanta vivacidade e com tanta objectividade aquilo que se pretende num diálogo mais aberto entre órgão legislativo e Governo.” Kwan Tsui Hang compreende que, sem perguntas remetidas com antecedência, seria difícil assegurar respostas. O que mais a preocupa é o tempo que o Chefe do Executivo dedica a cada questão, “devido ao número elevado de perguntas a que vai responder”. Ainda assim, para a deputada, o que hoje existe “é suficiente”. Albano Martins tem uma forma muito diferente de olhar para o modo de se fazer política. “Em qualquer parlamento onde vai um membro do Executivo, as pessoas são confrontadas com perguntas ‘in loco’. Em Macau, parece que se quer saber tudo de antemão para alguém preparar as respostas.” O economista considera que “este tipo de política não é autêntica e é uma maneira de fomentar o aparecimento de lideranças que não sabem muito do assunto”. Habla con elle Da próxima vez que Chui Sai On for à AL, em Novembro deste ano, terá como interlocutores novos deputados, uma vez que a legislatura termina daqui a menos de 15 dias. Nestes quatro anos que estão prestes a terminar, a comunicação entre a AL e o Governo e o Chefe do Executivo melhorou, piorou ou ficou na mesma? Kwan Tsui Hang não dá uma resposta taxativa, preferindo passar a bola para a capacidade de iniciativa dos membros da Assembleia. A deputada recorda que, em matérias urgentes, pode ser solicitado um encontro que conte com a presença de Chui Sai On. “É um meio a que muitos deputados já recorreram e eu também”, diz. A ainda presidente da 1.a Comissão Permanente da AL também não vê necessidade de haver uma alteração nos canais de comunicação com o líder do Governo, preferindo uma abordagem aos secretários – são, na sua leitura, aqueles que devem resolver as questões. “Não é viável que o Chefe do Executivo ande o dia inteiro à volta de dezenas de deputados. Só quando houver assuntos que têm de ser decididos por ele é que devemos a ele recorrer”, defende. “Praticamente não houve nem avanços, nem recuos”, sentencia Leonel Alves. “Seguiu-se a metodologia tradicional, não houve impulso por parte da Mesa [da AL] para que houvesse uma alteração significativa”, constata o deputado. “Parece-me que foi uma legislatura de continuidade e de arrastamento. Espera-se que futuramente algo de novo possa ser trazido nesse diálogo.” Na percepção de Albano Martins, o modo como os órgãos legislativo e executivo dialogam demonstra que “a política em Macau é muito pouco transparente, muito opaca”. “Provavelmente, muito do que o Chefe do Executivo vai lá dizer alguns deputados já sabem por portas travessas”, afirma o economista. Sérgio de Almeida Correia tem a sensação de que a comunicação entre o Governo e a Assembleia “terá melhorado um pouco, do ponto de vista formal”. Mas há um problema: “Na maior parte das vezes, essa comunicação é de sentido único, porque continua a existir limitações a um verdadeiro diálogo e isso inquina a comunicação”. Em termos práticos, “o Governo acaba por responder ao que quer e quando quer, na linha daquilo é em Macau a cultura predominante: a cultura de súbdito”. O advogado descodifica o conceito, referindo que “existe uma conexão entre governante e governados que é orientada para o elemento administrativo, uma relação passiva, em que são dadas poucas respostas”. Trata-se de uma herança do passado, agravada pela cultura predominante em Macau. “É o resultado de um sistema colonial mas, nas últimas décadas, com influência socialista e também com reminiscências mandarinais. Em matéria de comunicação, ainda há muito a fazer”, remata Sérgio de Almeida Correia. Tarde de frases feitas [dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] um clássico: o anúncio das grandes políticas – ou das políticas possíveis – esgota-se em Novembro, por altura das Linhas de Acção Governativa (AL). Destas deslocações de Chui Sai On à Assembleia Legislativa (AL), pouco se espera. O facto de se estar em contagem decrescente para o fim da legislatura faz com que se espere ainda menos. Leonel Alves não perspectiva grandes novidades. “A legislatura está a terminar, trata-se de cumprir o calendário. Tradicionalmente, o Chefe do Executivo vai à AL antes do fecho da sessão legislativa; desta vez, é o termo da legislatura. A haver novidade, também não seria esta a altura politicamente propícia para a anunciar”, defende o deputado. “Talvez mais para o final do ano, quando for a altura das LAG.” Sérgio de Almeida Correia separa, antes de mais, dois factos: “Estamos na recta final da legislatura, mas não estamos na recta final do mandato do Chefe do Executivo”. O advogado “gostava de poder esperar alguma coisa”, mas não espera “nada de diferente daquilo que se tem visto, porque aquilo que se tem visto não inspira muita confiança”. Fica, deste modo, a lista de desejos, que têm que ver com uma acção a níveis diferentes. “Por um lado, medidas concretas para melhorar a qualidade de vida dos residentes, em matéria de trânsito, transportes, habitação, qualidade do ar, qualidade das águas do rio, saúde, higiene urbana e controlo de preços, que são coisas que hoje em dia afligem a maior parte dos residentes”, elenca Sérgio de Almeida Correia. O advogado destaca ainda a necessidade de reforçar “a confiança dos cidadãos nas instituições, em especial no sistema de justiça, na economia e nos dirigentes”. “São áreas críticas em que o Governo não tem feito muito, no sentido de as melhorar e de reforçar a confiança dos cidadãos.” A descrença da população não tem que ver apenas com o Executivo, estende-se também à própria AL, diz. “Era importante fazer alguma coisa. As pessoas têm também pouca confiança no que os serviços andam a fazer. As críticas que se ouvem em relação à acção dos tribunais são mais que muitas – basta andar na rua, ir aos tribunais e falar com as pessoas que lá têm processos”, nota o advogado. “Era importante fazer algo a esse nível, que acho que é onde se tem notado uma quebra maior. Além de uma certa inacção do Chefe do Executivo, há a quebra de confiança nas instituições. E isso é muito mau.” Albano Martins alerta para o risco de o rol de assuntos desta tarde ser um exercício de repetição do que já foi dito. “É muito mais importante ir lá uma vez e dizer coisas com cabeça, tronco e membros, do que estar constantemente a lá ir e não acrescentar muito. Faz-se muito mal política em Macau, nos sentidos estrito e lato do termo. Os nossos governantes deixam muito a desejar”, conclui. Kwan Tsui Hang escreveu ao Chefe do Executivo a propósito da habitação pública, tema que, acredita, deverá ser levado ao plenário por vários colegas seus. Quer saber por que razão ainda não foi anunciada a abertura das candidaturas para a habitação económica. Não diz se está à espera de obter resposta.
Hoje Macau Manchete SociedadeCasinos | Receitas sobem 29,2 por cento em Julho É um aumento de mais de 29 por cento em relação a Julho de 2016. O mês que acabou foi bom para os casinos, com o maior crescimento anual em termos percentuais desde o início da recuperação do sector [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s casinos de Macau fecharam o mês de Julho com receitas de 22,964 mil milhões de patacas, um aumento de 29,2 por cento relativamente ao período homólogo do ano passado. Segundo dados publicados pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), os casinos registaram no acumulado de Janeiro a Julho receitas de 149,340 mil milhões de patacas, mais 18,9 por cento em relação aos primeiros sete meses do ano passado. Julho marcou o 12.º mês consecutivo de subida das receitas da principal indústria do território. Este mês registou o maior aumento anual em termos percentuais desde o início da recuperação das receitas dos casinos, ou seja, desde que Agosto do ano passado pôs termo a um ciclo de 26 meses de consecutivos de quedas anuais homólogas. Em 2017, as receitas mensais do jogo cresceram sempre a dois dígitos em termos homólogos, à excepção do primeiro mês do ano (+3,1 por cento), mas acima dos 20 por cento só em Maio (+23,7 por cento), Junho (+25,9 por cento) e agora Julho (+29,2 por cento). O mês passado teve ainda o segundo melhor desempenho em termos de receita bruta, apenas ultrapassado por Fevereiro (22,991 mil milhões de patacas), mês habitualmente forte devido ao período do Ano Novo Chinês. Apesar da recuperação da indústria, iniciada no passado Verão, as receitas dos casinos de Macau caíram pelo terceiro ano consecutivo em 2016, registando uma queda de 3,3 por cento que se seguiu a uma descida de 34,3 por cento em 2015 e de 2,6 por cento em 2014. Lucros da SMJ operadora desceram no primeiro semestre [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Sociedade de Jogos de Macau (SJM) anunciou ontem lucros de 955 milhões de dólares de Hong Kong no primeiro semestre do ano, menos 12,9 por cento face ao período homólogo do ano passado. As receitas totais do grupo ascenderam a 20.641 milhões de dólares de Hong Kong nos primeiros seis meses do ano, com as do jogo a corresponderem a 20.375 milhões de dólares de Hong Kong, ou seja, menos dois por cento em termos anuais homólogos, o que resultou numa diminuição da quota de mercado da SJM para 16,7 por cento. Em comunicado, a SJM especificou que as receitas de jogo do segmento VIP totalizaram 9.817,9 milhões de dólares de Hong Kong, um declínio de 3,4 por cento, enquanto as do mercado de massas desceram 0,5 por cento para 10.135,2 milhões de dólares de Hong Kong, em termos anuais homólogos. Numa altura em que as operadoras de jogo obtêm resultados positivos, o director executivo da SJM, Ambrose So, sublinhou contratempos na construção do seu projecto no Cotai. “A construção do Grand Lisboa Palace, o futuro resort integrado da SJM no Cotai, que começou em Fevereiro de 2014, fez um bom progresso na primeira metade de 2017. No entanto, um acidente industrial no local levou à suspensão dos trabalhos de construção desde 18 de Junho até à data deste relatório. A SJM está a trabalhar com as autoridades locais para conseguir recomeçar os trabalhos, e continua a antecipar a abertura do Grand Lisboa Palace para a segunda metade de 2018”, pode ler-se. Quando inaugurado, o Grand Lisboa Palace terá uma área total de 521 mil metros quadrados. Mais de 90 por cento da área total será dedicada a instalações não-jogo, incluindo hotéis, como o “Palazzo Versace” e “Karl Lagerfeld”, num total de dois mil quartos. O primeiro projecto da SJM no Cotai tem um orçamento estimado em 36 mil milhões de dólares de Hong Kong. A SJM opera 21 dos 39 casinos de Macau.
Hoje Macau China / Ásia MancheteXi Jinping diz que país está pronto a enfrentar invasão [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Presidente da China advertiu ontem que o país está pronto a “lutar contra qualquer invasão estrangeira”, no 90.º aniversário do Exército de Libertação Popular (ELP), e apelou para a obediência das Forças Armadas ao Partido Comunista. Num discurso de quase uma hora, proferido no Grande Palácio do Povo, Xi Jinping, também comandante do exército, assegurou que Pequim “nunca invadirá outros países, mas pode lutar contra qualquer agressão”. A China “não permitirá a ninguém, de nenhuma forma, que separe nem um pedaço de terra do país”, disse Xi, que presidiu a uma reunião com três mil pessoas, a maioria militares, por ocasião dos 90 anos da fundação do ELP. O ELP é uma instituição “do povo, para o povo e pelo povo”, afirmou Xi, que lembrou o início do exército chinês como uma milícia formada para combater o Governo do Partido Nacionalista Kuomintang (KTM), a 1 de agosto de 1927, em Nanchang, a capital da província de Jiangxi, no sudeste do país. Fundado seis anos antes, o Partido Comunista Chinês (PCC) “estava em perigo de ser perseguido e assassinado, a revolução estava num momento crucial e entendeu que sem forças armadas (…) não podia vencer a revolução”, afirmou Xi. Percurso vitorioso O líder comunista sublinhou que em 90 anos de história, o ELP “venceu ferozes inimigos” e recordou o seu papel em episódios históricos, como a luta contra a invasão japonesa, a guerra civil contra o KMT ou a “vitória na resistência contra a invasão da Coreia pelos Estados Unidos” (1950-53). Xi recordou muitos dos líderes que participaram nesta história, desde Zhou Enlai ou Zhude, a Liu Shaoqi, Deng Xiaoping ou o fundador da República Popular da China, Mao Zedong. O Presidente chinês destacou que o exército modernizou-se e “passou das espingardas a um poder informatizado”, insistindo que deve obedecer às ordens do PCC. “Mao [Zedong] disse que o Partido manda no exército, não o contrário”, sublinhou. Após a ascensão de Xi Jinping ao poder, várias altas patentes do exército foram afastadas na sequência da campanha anticorrupção lançada pelo Presidente, que lembrou que as forças armadas devem ser “limpas e livres de corrupção”. Pequim mantém disputas territoriais com a Índia, Japão e vários países no Mar do Sul da China, tendo prometido reunificar Taiwan pela força, se necessário.
João Paulo Cotrim ManchetePode o corpo ser destino? Abysmo galeria, Lisboa, 19 Julho [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] brimos portas a uma boa ideia. «All About» faz nascer de definição de dicionário um conjunto, entre o solto e o selvagem, de ilustrações. Neste primeiro, seis autores cavalgam «Horses»: Mantraste (que perdeu o Lord), Gonçalo Duarte e Ricardo Passaporte são os mentores e convidaram Tomba Lobos, Luís Alegre e Tiago Evangelista. A edição tem apenas 100 exemplares, assinados e numerados, sendo que pelo meio dos copos ao fim da tarde ainda se venderam originais. Começar por um sinal maior de liberdade, elegância e velocidade pareceu-me ajustado, soltando a ilustração de qualquer amarra, sendo o texto apenas mote. E os cavalos que cavalgam as pradarias do absurdo são bastante antropomorfizados e citadinos. Tomba Lobos deitou-me abaixo da montada umas duas vezes. Horta Seca, Lisboa, 24 Julho Comprei finalmente a Granta que nos propõe «Comer e Beber» e é servida com as ilustrações do André [Carrilho], que volta agora mesmo a ser pai: saravá! A capa vem no estilo a que nos habituou, sugerindo hiper-realismo para deixar que se espalhem as sombras da fantasia. Vais engolir essas palavras, parece dizer a cena de um homem que se prepara para devorar um balão da fala. No menu há muita memória e da familiar: a má de Richard [Zimler] («A pior refeição da minha vida»), que envolve com cortante frieza um salmão e a morte de um irmão; a boa da Alexandra [Prado Coelho] («Bolos entre ruínas»), que descobre sensíveis infâncias nos lanches, domingos e verões; ou a para além do bom e mau sabor de Ricardo J. Rodrigues («Então a carne»), que me apresenta comovidamente um pedaço da minha cidade e, sobretudo, dos seus anónimos construtores. Depois há o mano Luís [Afonso] a escrever com requinte e em vórtice uma curta-metragem negra. E hilariante. A ilustração do André (algures nesta página) não perde na comparação. Conta tudo sem revelar grande coisa: com um dinamismo de rasgar representa os chefs da actualidade no lugar de grandes mestres da pintura. Mais metafórica ou literal, mais tétrica ou irónica, em grande plano ou em contra-picado, nenhuma cai mal, claro. Registo o gozo com que experimentou maneiras que lhe são novas, usando trama para a todas dar um carácter intenso, dramático… saboroso. E mais real, ainda que afastado do verismo. Horta Seca, Lisboa, 25 Julho As lágrimas ao telefone despertaram novas tempestades, trouxeram ventos e os incêndios são agora em ti, o atentado do dia, cada afogado na travessia, cada má notícia acontece de súbito em ti. A desgraça de cada dia faz-nos ainda mais sós. Perdes o pé e só te apetece o disparate. A única cama onde talvez repouses chama-se gargalhada. Ao telefone, as lágrimas são vidro moído na tua colher de sopa. E tatuas em cada gesto: vai correr tudo bem. Fechas a porta, todas as portas. E corres a atirar-te ao chão. O riso é um colchão duro. O chão não te sustenta. Mymosa, Lisboa, 28 Julho Tenho à minha frente o Joaquim Soares da Costa, duplo vizinho (como se a casa não nos fosse escritório…) e enorme editor, com quem, muito estranhamente, retiro gozo a falar dos piores aspectos da oficina de editar. (O nosso leitão não sofreu com isso.) Diz-me que quando aprendeu a andar de mota passou a distinguir o que era sombra. E nunca mais caiu. Brilha nele amiúde o diamante de uma memória assombrosa, que tanto evoca detalhe sobre os bastidores das «Líricas Portuguesas», com Jorge de Sena como personagem, ou da correspondência trocada com Roland Barthes, e mais, tanto mais, que logo esqueci. Assalta-me velha dúvida: como viver sem memória? Mapa, Algures, 30 Julho O eterno fez 50 anos no dia 11 de Julho. Corto Maltese, nativo de gato, esse perdido signo do zodíaco, tem o perfil do século XX e custa-me que se lhe aplique agora o castigo de ser desenhado por outro que não o seu criador, Hugo Pratt. Não se trata do que poderia ser homenagem ou artística revisitação, mas do velhíssimo mecanismo do capital. E a menorização de uma linguagem artística, que por ter sido popular se vê na contingência de abdicar da autoria. Talvez Corto apreciasse desfazer-se algures nessa bruma, grafito na parede, rabisco nos mapas vincados pela viagem. Mas eu não. Os mapas, em Corto, são feitos do concreto dos lugares, do desenho dos sonhos, e, acima de tudo, das personagens, centenas, oriundas da fantasia como do real. E surgiram a traço e aguarela nascendo em HP e com ele se confundindo. Ainda nem conferi com que rosto o interpretaram agora? Não me apetece. Revisito os que conservo em papel e ideia. Corto tem barba quando surge/nasce, personagem secundária, em pleno Pacífico atado a uma cruz, pirata condenado. Mas o registo que o marca no mármore será um perfil, dança de espessuras de negro, com chapéu e patilhas longas, brinco e, por vezes, uma arma. Perfil do lado esquerdo do rosto, olhar fixo no horizonte, quero crer, da aventura. Um ícone. Que se repete um pouco por todo o lado: enfrentando o leão do Arsenal, em Veneza, na Amazónia, nos múltiplos Orientes. Quando enfrenta o seu duplo, em plena revolução russa, mais um prenúncio de morte, está tenso ou indiferente? Acabaremos por o ver, mais tarde, aguarelado, difuso. O século começou por ser a preto e branco, mas HP pensa agora mais líquido. Vemo-lo de piroga, na selva, de remo e cigarro navegando em todas as direcções. Encontramo-lo sentado, de casaco, mas com o chapéu nas ervas, junto a um cruzamento helvético tintado de verdes sombrios. A morte não anda longe, enfim, nunca o deixou. Surge-nos magnífico em cruzamento de Buenos Aires, onde nos olha nos olhos cortante simplicidade, duas luas dançando. Dá-se bem nos cruzamentos, não desdenha as danças. Gosto particularmente de quando HP o despiu de contorno, só cores contra um enfiamento de paredes mediterrâneas desembocando no rectângulo azul do mar, que sustenta o resto de azul do céu. O marinheiro que nunca perdeu as graças do mar desfaz-se aqui em fragmentos de cor, de branco e sombras. Diviso o que podem ser duas mulheres, mas não tenho a certeza. Corto abriu mares, desfez cores e certezas, no meio de senhores da guerra, aves literatas, miseráveis e milionários, loucos da mais diversa espécie, mulheres fatais, dançarinos e poetas. Gente atravessada pelo riso e pelo drama. Gente que desenha à navalha o humano. No seu corpo-destino.
Hoje Macau Internacional MancheteCoreia do Norte | Tensão entre Pequim e Washington. Japão e Estados Unidos reiteram aliança Pequim não gostou da twittada de Donald Trump e respondeu: não há que confundir assuntos quando se fala em controlar o regime de Kim Jong-un. Já Tóquio não quer perder a protecção norte-americana. Washington garante que a aliança está mais forte do que nunca [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China exortou ontem os Estados Unidos a separar a questão nuclear norte-coreana das discussões sobre o comércio entre os dois países, depois de o Presidente norte-americano, Donald Trump, ter acusado Pequim de inacção face a Pyongyang. “Acreditamos que a questão nuclear da Coreia do Norte e o comércio entre China e Estados Unidos são dois assuntos separados, que pertencem a áreas completamente diferentes”, afirmou o vice-ministro chinês do Comércio Qian Keming, em conferência de imprensa. Estas questões “não estão a ser abordadas juntas”, disse. Qian Keming considerou ainda que as “relações comerciais entre China e Estados Unidos são, no geral, mutuamente benéficas” para os dois países, e que os “Estados Unidos beneficiam muito do comércio bilateral e cooperação no âmbito do investimento”. O responsável chinês reagia assim ao comentário feito por Trump, através da rede social Twitter, no sábado passado. O líder norte-americano sugeriu uma retaliação contra Pequim, acusando os líderes chineses de fazerem muito pouco para enfrentar a Coreia do Norte, depois de Pyongyang ter voltado a testar um míssil balístico intercontinental. “Estou muito decepcionado com a China. Os nossos antigos líderes, ingénuos, permitiram-lhes ganhar centenas de milhares de milhões de dólares por ano em comércio e, no entanto, não fazem nada por nós em relação à Coreia do Norte”, escreveu na rede social Twitter. “Não permitiremos que isto continue. A China poderia facilmente resolver este problema!”, acrescentou Trump. Um problema de muitos Sobretudo desde que Donald Trump tomou posse, Washington tem vindo a pedir a Pequim para que controle as aspirações bélicas do seu vizinho, mas o Governo Central, que já suspendeu as importações de carvão norte-coreano, afirma que a solução passa por dialogar. A China é o principal aliado do regime de Kim Jong-un, mas condenou o novo teste conduzido pelo país, apelando a que respeite as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, e pediu a “todas as partes” para que exerçam moderação. O secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, afirmou também que a Rússia e a China são “os principais facilitadores económicos do programa de desenvolvimento de armas nucleares e mísseis balísticos da Coreia do Norte”, e têm uma “responsabilidade única e especial pelo crescimento da ameaça à estabilidade regional e global”. Já depois da acusação deixada por Trump, a embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas, Nikki Haley, defendeu que a China “sabe que deve actuar” na procura de uma solução para a crise com a Coreia do Norte, um “problema” que “não é apenas norte-americano”. “Já chega de falar sobre a Coreia do Norte. A China sabe que deve actuar. O Japão e a Coreia do Sul devem aumentar a pressão. Não é apenas um problema norte-americano. Exigirá uma solução internacional”, considerou a diplomata, uma posição manifestada na sua conta no Twitter. Num comunicado divulgado pouco depois, Haley insistiu que a China “deve decidir se finalmente quer dar este passo vital”, porque “o tempo de falar acabou”. “O perigo que o regime norte-coreano representa para a paz internacional é claro para todos agora”, sustentou. Haley informou também que os Estados Unidos não pretendem convocar uma sessão de emergência do Conselho de Segurança da ONU, como tem acontecido nas Nações Unidas após os mais recentes testes com armas de Pyongyang. O Conselho de Segurança é composto pelos Estados Unidos, China, França, Rússia e Reino Unido. Inúteis sanções “Não faz sentido realizar uma sessão de emergência se não houver nenhuma consequência”, considerou Nikki Haley, comentando que a Coreia do Norte “já está sujeita a inúmeras resoluções do Conselho de Segurança, que viola com impunidade, e que não são respeitadas por todos os Estados-membros da ONU”. Assim, uma resolução “adicional” que não incremente “significativamente” a pressão internacional sobre Pyongyang “não tem qualquer valor”. “De facto, é pior que nada, porque envia uma mensagem ao ditador norte-coreano de que a comunidade internacional não quer desafiá-lo seriamente”, adiantou. Na quinta-feira passada, o Congresso dos Estados Unidos deu luz verde a um conjunto de sanções contra a Coreia do Norte, Irão e Rússia, que estão a aguardar a assinatura de Trump. Dois dias antes, Haley tinha assinalado que se estavam a fazer progressos nas negociações entre Estados Unidos e a China para endurecer as sanções da ONU contra a Coreia do Norte, apesar de não ter concretizado quais eram esses avanços. Em resposta aos mais recente teste levado a cabo por Pyongyang, os Estados Unidos e a Coreia do Sul realizaram um exercício militar conjunto. Seul anunciou que vai acelerar a implementação no seu território do sistema antimísseis norte-americano THAAD. Pequim reagiu de imediato à posição de Seul, afirmando que o THAAD “só vai complicar a situação”. Washington acusa frequentemente Pequim de proteccionismo. Em 2016, o comércio bilateral registou um défice de 310 mil milhões de dólares para a Administração norte-americana. Japão e Estados Unidos reforçam cooperação [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] primeiro-ministro japonês anunciou ontem que Tóquio e Washington concordaram em reforçar as acções contra a Coreia do Norte, na sequência do lançamento, pelo regime de Kim Jong-un, do mais recente míssil balístico intercontinental. A ideia foi deixada depois de Shinzo Abe e Donald Trump terem conversado ao telefone, ontem de manhã. O líder do Governo nipónico referiu que Trump está disposto a “tomar todas as medidas necessárias para proteger” o Japão que, por seu turno, vai dar todos os passos necessários para reforçar o seu sistema de defesa. Os especialistas que estiveram a analisar o lançamento do míssil balístico intercontinental chegaram à conclusão de que o armamento norte-coreano tem agora capacidade para chegar à quase totalidade do território norte-americano. Shinzo Abe fez ainda referência ao fracasso dos esforços diplomáticos, a via que tem sido defendida por Pequim. “A sociedade internacional, incluindo a Rússia e a China, precisam de olhar para isto com seriedade e aumentar a pressão”, declarou. Apesar de frisar que o Japão e os Estados Unidos vão dar passos concretos neste sentido, não divulgou qualquer detalhe sobre o que pretendem fazer. Já o porta-voz do Executivo japonês, Koichi Hagiuda, garantiu que Abe e Trump não estiveram a discutir qualquer acção militar contra a Coreia do Norte, nem tampouco que atitudes por parte de Pyongyang serão consideradas como “pisar o risco vermelho”. Os protectores Em comunicado acerca do telefonema de ontem de manhã, a Casa Branca disse que os dois líderes estão de acordo em relação “à grave e crescente ameaça que a Coreia do Norte representa directamente para os Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e outros países, perto e longe”. Acrescenta-se na nota que Donald Trump reafirmou “o inabalável compromisso” de defesa do Japão e da Coreia do Norte de qualquer ataque, “usando todas as capacidades dos Estados Unidos”. A conversa ao telefone durou cerca de 50 minutos. O papel que a China deverá desempenhar, “extremamente importante”, foi destacado em conferência de imprensa em Tóquio, com o Governo de Shinzo Abe a anunciar que pretende contactar todos os países envolvidos – a Coreia do Sul, mas também a China e a Rússia –, bem como as Nações Unidas, para que haja uma pressão adicional ao regime de Kim Jong-un. Não foram relevadas informações sobre as acções que se vão pedir ao grupo de nações em causa.
João Luz Manchete PolíticaTelecomunicações | Deputados sugerem grupo de acompanhamento ao Governo Raimundo do Rosário explica que a convergência no sector das telecomunicações é matéria que requer muito trabalho, incluindo revisões legais. Por outro lado, a comissão de acompanhamento da Assembleia Legislativa sugere a criação de grupo de peritos que auxilie ao andamento dos trabalhos [dropcap style≠’circle’]”É[/dropcap] um trabalho colossal no que diz respeito ao tempo, porque é um sector muito técnico, portanto, eu peço alguma paciência.” As palavras são de Raimundo do Rosário, acerca da convergência de serviços de telecomunicações em Macau. O secretário para os Transportes e Obras Públicas especificou a dimensão do trabalho, sendo que um dos aspectos que mais esforço implica será a revisão legal. “Alterar uma lei leva o seu tempo, aqui não se trata de alterar uma ou duas, mas todo o sector em simultâneo”, explica o secretário à saída de uma reunião com a Comissão de Acompanhamento para os Assuntos da Administração Pública. Neste aspecto, importa referir que Macau tem uma lei de base que regula o sector na generalidade, à qual se juntam diplomas específicos para a Internet, telefone fixo, telemóvel, etc.. Um pequeno ordenamento jurídico de telecomunicações que carece de revisão. A referida reunião serviu para o Governo dar a conhecer aos deputados a sua visão, o plano que tem para o futuro. Raimundo do Rosário entende que “mais vale tarde que nunca”; porém, o assunto tem sido discutido ao longo dos anos. Quando interrogado se a almejada convergência vai demorar dez anos a ser atingida, o secretário responde “talvez”. Há mais de quatro anos, o então director dos Serviços de Regulação das Telecomunicações (DSRT), Tou Veng Keong, anunciava o estudo sobre o serviço em convergência de forma a incluir pacotes de Internet. Já nessa altura se falava em revisão abrangente do corpo de leis que regem o sector. Aliás, no Verão de 2008, Macau recebeu o 5.º Encontro do “Wireless Forum” da Ásia Pacífico. À data, o então secretário para os Transportes e Obras Públicas, Lau Si Io, falou na importância de convergir este tipo de serviços. Grupo perito Hoje em dia, o sistema de telecomunicações de Macau está organizado de forma vertical, com cada concessionária, ou empresa, a fornecer um serviço. Raimundo do Rosário pretende alterar este panorama e aproximar o que se passa localmente da realidade noutros países. “No futuro, as empresas vão poder fornecer todo o tipo de serviço, que é aquilo que já existe em Portugal, ou seja, o consumidor pode comprar um pacote com televisão por cabo, Internet, telemóvel e telefone fixo”, projecta Raimundo do Rosário. O secretário adiantou que será necessário auscultar as sensibilidades do sector, uma tarefa que poderá suscitar opiniões diversas. “Teremos muitos obstáculos pela frente na empreitada que iniciamos agora”, prevê Raimundo do Rosário. O responsável pelos Transportes e Obras Públicas confessa que esta matéria “será um grande desafio” para ele próprio. O presidente da comissão de acompanhamento que participa nesta discussão, Chan Meng Kam, entende que esta é uma “reforma que implica tempo, porque são trabalhos volumosos, mas é um grande progresso”. O deputado não nega a realidade de que “o nível destes serviços é um bocado atrasado” em Macau e que uma revisão das regulações do sector permite “resolver a situação em que uma operadora assume predominância”. Uma das soluções apontadas por deputados da comissão foi a realização de uma visita a Hong Kong para estudar o que é feito noutras regiões e daí retirar algum conhecimento para aplicar localmente. Chan Meng Kam entende que a horizontalização do mercado vai trazer benefícios para os consumidores e fomentar um ambiente económico no sector de concorrência justa. Tendo em conta o volume de trabalho que esta revisão acarreta, a comissão de acompanhamento sugeriu ao Governo a criação de um grupo exclusivo para o desenvolvimento dos serviços de telecomunicações. Chan Meng Kam especificou que o grupo seria constituído por peritos do sector, académicos e partes interessadas na matéria que possam dar um contributo técnico para a revisão dos diplomas. O presidente da comissão de acompanhamento está consciente de que “as tecnologias evoluem rapidamente, num abrir e fechar de olhos”. Nesta matéria, esperar tanto tempo é uma garantia de obsoletismo. Há dez anos o mundo conheceu o primeiro iPhone. Netflix, Twitter e o sistema Android davam os primeiros passos e o Facebook tinha apenas 20 milhões de usuários. Ou seja, em termos tecnológicos, uma década é uma eternidade.
Sofia Margarida Mota Manchete PolíticaRendas | Projecto de lei pronto para ir a plenário Estava em análise em sede de comissão desde 2015. Ontem, acabou por ser assinado o parecer sobre a alteração do regime jurídico de arrendamento previsto no Código Civil. Cinco deputados fizeram questão de ter os seus nomes no documento, enquanto opositores ao projecto de lei [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] polémica foi muita, mas o parecer sobre a alteração do regime jurídico de arrendamento previsto no Código Civil foi mesmo assinado. No entanto, apesar da “concordância geral”, foi ontem adicionada uma adenda ao documento. Em causa está a discordância de Tommy Lau, Victor Cheung Lup Kwan, Angela Leong, Vong Hin Fai e Chui Sai Peng. O presidente da 3.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), Cheang Chi Keong, alertou ainda para o momento de votação na especialidade. “A discussão na reunião plenária vai ser muito acesa e solicitamos a presença do Governo para esclarecer as questões que possam vir a ser colocadas, e para equilibrar os interesses públicos e privados”, disse. O projecto de lei apresentado por nove deputados em Junho de 2015 sugere mudanças no sentido de amenizar os problemas que surgiram com o desenvolvimento local. Cheang Chi Keong acredita que a alteração à lei “irá resolver os problemas de arrendamento no território”. O poder do Chefe Uma das áreas de mudança que o projecto propõe é a intervenção do Chefe do Executivo. Com a alteração aprovada, o líder do Governo passa a poder definir um coeficiente máximo da renda a cobrar ao inquilino, decretado por despacho. A definição deste coeficiente não tem um carácter permanente e acontece em situações de crise. Quando se registar um aumento de rendas que cause desconforto à população, o Chefe do Executivo é chamado a intervir. Um outro aspecto salientado no parecer tem que ver com o facto de esta intervenção poder ser direccionada a sectores particulares da economia local. “Por exemplo, se os parques de estacionamento começarem a exagerar nos aumentos das rendas, a definição do coeficiente máximo pode ser apenas para o sector do estacionamento e não abranger a habitação”, explicou Cheang Chi Keong. Por outro lado, o aumento pode não obedecer ao tecto definido pelo Chefe do Executivo. Apesar de “poderem existir acordos entre as partes, o limite máximo de aumento tem de ser respeitado e nunca pode ultrapassar o definido por despacho”. Quando o Governo quiser implementar este mecanismo tem de ter em conta os vários índices existentes. Três anos sem chatices Outra das modificações previstas no projecto de lei é o aumento da duração dos contratos de arrendamento de dois para três anos. O objectivo, lê-se, “é garantir ao arrendatário um mínimo de três anos de arrendamento”. A medida começou por ser destinada à defesa do sector do comércio, na medida em que dois anos era considerado um período de tempo muito curto para colocar um negócio a funcionar, mas agora é também dirigida aos contratos habitacionais. Está ainda prevista a criação de um mecanismo de arbitragem “com vista a uma solução eficaz dos conflitos decorrentes do arrendamento”, e os contratos passam agora a ter obrigatoriamente o reconhecimento notarial.
Hoje Macau Manchete SociedadeSegurança | Menos de 30 por cento dos elevadores certificados As normas existem, mas não são obrigatórias. E porque não têm força de lei, muitos proprietários optam por não contribuir para o pagamento das inspecções aos ascensores. Há elevadores que são um perigo, avisa quem trabalha no sector [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]té Maio deste ano, apenas cerca de 30 por cento dos elevadores do território estavam certificados pelas autoridades oficiais. Existem instruções para a aprovação da entrada em funcionamento deste tipo de equipamentos, bem como para a vistoria e operação dos ascensores, mas não são obrigatórias, o que faz com que muitos proprietários de fracções em edifícios habitacionais optem por não pagar os trabalhos de fiscalização, alertava ontem o jornal Ou Mun. O director da Associação Profissional de Engenharia Elevadores e Escadas de Macau, Fong Siu Long, explicou ao diário que, além das despesas relativas à inspecção anual, há proprietários que se recusam a contribuir para as obras de manutenção, não atribuindo qualquer importância à segurança dos equipamentos. O responsável vincou que os elevadores são estruturas com uma elevada utilização, razão pela qual é essencial uma boa manutenção. Fong Siu Long contou que os técnicos propõem vistorias, mas os proprietários recusam, alegando que os elevadores se encontram a funcionar, sinónimo de que não terão problemas. Assim sendo, mesmo que esta classe profissional tenha uma atitude pró-activa e saiba dos riscos potenciais que se colocam, nada consegue fazer. Fong Siu Long é do entendimento de que o Governo deve tornar obrigatória a inspecção aos elevadores, defendendo que devem ser definidas responsabilidades jurídicas para os proprietários dos edifícios com ascensores, de modo a que os equipamentos sejam rigorosamente vistoriados. Além disso, o director da associação alerta para a necessidade de se verificar se as empresas que fazem este tipo de trabalho reúnem os requisitos legais, uma vez que há companhias a oferecer inspecções a preços muito mais baixos do que os que são praticados no mercado: uma vistoria feita por profissionais, refere, custa cerca de 1500 patacas. Inspecção deve ser anual Também o presidente da Associação de Administração de Propriedades de Macau, Paulo Tse, defende que o Governo deve acelerar os trabalhos nesta matéria, para que passe a ser obrigatória uma inspecção anual a todos os elevadores em funcionamento no território. Tse deixa ainda um apelo aos condomínios: não ignorem a necessidade de manutenção e deixem de lado a poupança de dinheiro. Caso a Administração avance com a revisão da legislação, sustenta também o responsável, a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais deverá abrir um novo curso de formação na área da reparação de elevadores, em resposta à necessidade de técnicos que surgirá devido à inspecção anual obrigatória. Ao Ou Mun falou ainda o coordenador do centro de recursos da gestão dos edifícios, subordinado aos Kaifong. Chon Chong propõe que o Governo obrigue as empresas que fazem a gestão dos condomínios a adoptarem regras rigorosas no que toca à segurança dos equipamentos dos edifícios. Tribunais | Juízes portugueses com contratos renovados [dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi ontem publicada em Boletim Oficial a renovação dos contratos de dois juízes portugueses: Rui Ribeiro e Jerónimo Santos. Em ambos os casos, os vínculos contratuais são renovados por dois anos. Rui Ribeiro é juiz presidente do tribunal colectivo dos Tribunais de Primeira Instância. A renovação produz efeito a partir de 15 de Outubro deste ano. No caso de Jerónimo Santos, juiz dos Tribunais de Primeira Instância, tem contrato assegurado até 1 de Setembro de 2019. Os dois magistrados judiciais continuarão a fazer parte de um grupo que, nos próximos meses, vai conhecer uma redução considerável. Ana Meireles e Mário Meireles, juízes do Tribunal Judicial de Base, vão deixar Macau já no início do próximo mês. Em Novembro, chega a vez de João Gil de Oliveira sair, por atingir o limite de idade. Os tribunais de Macau passarão então a ter cinco juízes contratados em Portugal. Burlas | PJ alerta para novos métodos usados [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Polícia Judiciária (PJ) emitiu ontem um aviso acerca das burlas feitas pelo telefone, em que os autores do crime se identificam como sendo funcionários dos Serviços de Alfândega, dos Serviços de Migração ou de departamentos oficiais da China Continental. De acordo com a PJ, o ‘modus operandi’ dos burlões alterou-se recentemente. Até há pouco tempo, telefonavam apenas para telemóveis, mas agora tentam também enganar vítimas através de números pertencentes à rede fixa. As autoridades recordam que este tipo de chamadas telefónicas são burlas, uma vez que os departamentos oficiais de nenhum país pedem transferências bancárias ou depósitos através do telefone. A PJ pede que, caso as pessoas recebam este tipo de telefonema, entrem imediatamente em contacto com a polícia.
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteTimor Leste | Língua portuguesa com muito para fazer no país Timor Leste está a dar passos largos no que respeita ao ensino e divulgação da língua portuguesa, mas ainda há muito para fazer. A ideia foi deixada pela representante do país no Congresso de Lusitanistas que decorreu na semana passada no território, a professora de linguística da Universidade Nacional de Timor Lorosa’e, Benvinda da Rosa Lemos Oliveira [dropcap style≠’circle’]”O[/dropcap] português está no bom caminho em Timor Leste.” A afirmação é de Benvinda da Rosa Lemos Oliveira, professora de linguística da Universidade Nacional de Timor Lorosa’e, já no final do 12º Congresso de Lusitanistas que teve lugar na semana passada. “Antes de 1975, apenas cinco por cento da população falava português”, diz ao HM. Hoje, sublinha com satisfação que a percentagem já ultrapassa os 40, o que representa quase metade da população falante da segunda língua oficial do país. “Ainda está a dar passos pequenos”, afirma, mas a evolução é inegável. “Em 75, aquando da invasão indonésia, deixámos de falar completamente o português”, recorda. Mas Benvinda Oliveira tinha livros em casa que fizeram com que, de alguma forma, fosse continuando a ter contacto com a língua, apesar da proibição oficial por parte das autoridades indonésias. “Havia uma igreja que era autorizada a dar a missa ao domingo e era em português e, depois da independência, tem sido uma lenta reconquista”, explica. A responsabilidade e o mérito, considera, estão no próprio ensino, mas os resultados práticos estão ainda muito aquém do desejável. “Temos falta de livros, não há quase nada”, conta. Aliada à fraca oferta de manuais e de literatura, não há livrarias. “Só temos bibliotecas e mesmo assim as obras são muito poucas, havendo mesmo áreas em que são praticamente inexistentes”, diz. Macau é um exemplo Para a académica, que passou a última semana no território, Macau é um exemplo quando se fala de língua portuguesa. “O Governo devia e podia dar mais atenção ao português”, afirma, enquanto exemplifica com o apoio dado à imprensa portuguesa da RAEM. Se existissem iniciativas do género em Timor Leste, a língua também estaria mais próxima da população, sublinha. “Por exemplo, os jornais são escritos em tétum em cerca de 90 por cento da imprensa. Os restantes dez estão ocupados pelo Bahasa Indonésia, sendo que o português ou é totalmente ignorado, ou esporadicamente aparece num ou noutro conteúdo”, ilustra a professora. Benvinda Oliveira considera ainda que a televisão deveria ter um papel mais activo na divulgação da língua portuguesa. De acordo com a académica, os media são o meio que mais facilmente chega aos jovens e, como tal, deveriam ser um investimento no que respeita ao português. “A maioria das antenas parabólicas ainda estão viradas para o país vizinho”, lamenta. A sugestão da professora vai no sentido de, além de melhorar os aspectos associados aos meios, aumentar os cursos de português dirigidos aos jovens. A razão, aponta, é a necessidade de um espaço que abranja todas as áreas de ensino e onde os mais jovens possam praticar a língua. “Acabam por falar só entre as quatro paredes de uma sala de aula e num horário reduzido, mas o que há a fazer compete à política”, afirma. Português para internacionalizar “O português tem um papel predominante na actualidade e, como tal, deve servir de ferramenta para a própria internacionalização de Timor.” A ideia, defendida por Benvinda Oliveira, tem por base a insuficiência do tétum para levar Timor Leste mais longe. A professora deixa ainda a sugestão: “Timor Leste e Macau devem dar as mãos no sentido de afirmar ainda mais o português na Ásia”, refere. “Fiquei cheia de inveja quando cheguei a Macau ao ver as placas na rua com as duas línguas”, conta ao HM. No entanto, Timor Leste tem outro tipo de vantagem: apesar de não estar escrita, a língua acaba por ser mais falada. A razão poderá ter que ver com algumas semelhanças entre o tétum e o português. “Um falante de português consegue perceber muito de tétum”, língua que, refere, tem mais de 50 por cento de empréstimo do português e que faz com que o entendimento oral seja facilitado. A união de forças entre as duas regiões é, de acordo com a professora, um passo em frente no desenvolvimento e afirmação no que respeita ao português. Para Timor Leste, o futuro vai passar pelo marcar de posição da língua no território. “O país só tem a ganhar se o fizer, quer em termos económicos, quer políticos. Podemos ter acesso aos eventos internacionais. O tétum precisa do português para se alimentar. Precisamos do português para nos internacionalizarmos”, remata.
Paulo José Miranda MancheteO erro ontológico de Machado de Assis na análise de “O Primo Basílio” (3) [dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]á vimos que Eça deixa bem claro em O Primo Basílio que a multiplicação do desejo, ao incrementar o nada, enche-nos de aborrecimento. Um aborrecimento do tamanho do mundo. Um aborrecimento do tamanho do mundo, bem que deve ter uma outra palavra, palavra mais forte do que aborrecimento. De imediato, passaremos a analisar este aborrecimento do tamanho do mundo, o que esconde ele, e qual a sua relação com o nada e com a multiplicação do desejo. Será necessário então tentarmos entender um pouco melhor o que é o nada. Que se quer dizer quando se diz nada? Antes de mais, devemos fazer uma distinção fundamental, para a qual Heidegger já nos alertara, no seu célebre curso de 1929, Was ist Metaphysik? [Que é a Metafísca?], entre nada e nulo, se quisermos ser bem sucedidos na compreensão do nada. Segundo Husserl, o nulo é uma “indeterminação determinada”. Que se pretende dizer com isto? Imagine-se que estamos em casa e alguém toca à campainha, sem que esperemos. Do outro lado da porta está alguém indeterminado, um nada que não se pode saber, até que se pergunte “quem é?”, a campainha toca e abre um mundo de possibilidades: “será o carteiro?”, “será um vendedor?”, “será um amigo inesperado?” “será publicidade?”; por fim, nas sua mais indeterminada formulação, “quem será?” Ora, este “quem será?”, esta pergunta é nada para nós, isto é, apresenta-nos um nada de saber acerca de quem está do outro lado da porta. É o indeterminado. Mas este indeterminado tem ainda assim um determinado, isto é, não sabemos quem é, mas sabemos que é alguém, sabemos que não é um cão ou um gato, sabemos que muito provavelmente não é o Presidente da República Portuguesa – se bem que o actual presidente possa muito bem contrariar isso – ou o filósofo Edmund Husserl. Cães e gatos não tocam à campainha, os mortos também não (Husserl) e a probabilidade do Presidente da República Portuguesa nos tocar à porta é ínfima. Por outro lado, as hipóteses adiantadas anteriormente, do carteiro ao amigo inesperado ou ao vendedor são também determinações. Estas determinações indeterminadas são o nulo e não o nada. Ou seja, são qualquer coisa, mas que nós não sabemos o quê ou quem. O nulo é um nada do ponto de vista epistemológico, um nada de conhecimento. O nada também não é uma negação. Quer seja uma negação do ponto de vista lógico-predicativo, por exemplo, “p não é q” ou “o homem não é imortal”, quer seja do ponto de vista de um juízo existencial, por exemplo, “não há cerveja”, pondo como possibilidade pedir mais ou ir comprar. A negação, o não, tem como horizonte de sentido um sim, o haver que não há. Neste sentido, o não, a negativa é também um nulo, uma nulidade. Não é aqui que podemos perguntar pelo nada. De qualquer modo, perguntar, seja pelo que for, implica necessariamente uma informação acerca do que se pergunta. Imagine-se alguém que na Avenida da Liberdade nos faz esta pergunta: “desculpe, pode dizer-me onde fica o Teatro Dona Maria?” De uma coisa podemos estar certos, ele não sabe onde fica o teatro pelo qual pergunta. Mas podemos também ficar igualmente certos de que ele sabe o que é um teatro, e que existe em Lisboa, e que é perto da Avenida da Liberdade. Ele sabe algo acerca do que não sabe. Por isso pergunta. Perguntar é ter já um conhecimento prévio e indefinido do que não se sabe e pelo que perguntamos. Ou seja, o não saber tem um horizonte de saber, ainda que cheio de imprecisão, cheio de indeterminação. Uma indeterminação determinada, diria de novo o nosso amigo Husserl. Mas qual é então a situação hermenêutica que nos deporá no nada? Se ele não é o nulo, nem o não, nem a negação? Todos estes são sombras de sim, sombras de afirmação, sombras de existências, sombras de saber ou, se preferirmos, são negativos de afirmações, negativos de predicados atribuídos, negações de coisas. E o que pretendemos saber é o que é o nada, que nos invade através da multiplicação do prazer. O nada não pode ser encurralado como o fazemos em relação às estruturas de negatividade. O nada não pode ser interrogado como fazemos em relação à ausência de uma coisa, de um conhecimento, de um predicado. O nada só pode ser interrogado em relação ao seu todo. Por conseguinte, como saber o que é o todo do nada, o que é o nada e não o nada disto ou daquilo ou daqueloutro que, como vimos anteriormente, não é nada, mas nulo, estruturas de negatividade. Perguntar pelo nada é perguntar pela possibilidade do ser; esta é que é a grande visão de Heidegger. Não se pode perguntar pelo nada isolado do ser. Do mesmo modo que não se pode perguntar pela negativa isolada da afirmativa, ou do não isolado do sim, ou do não há isolado do há. O nada só pode ser encurralado em nós. Só identificando em nós o nada, podemos responder ao nada. Só nós podemos responder ao nada, porque só nós somos nada. O problema do nada é que ele é. O nada é expansionista, tem tendência para alargar, para crescer, para tornar em nada tudo o que toca. Heidegger diz: “das nichten des Nichts; nichten não existe em alemão, pertence ao heideggerês, que traduzindo para português, seria qualquer coisa como nadadar (nada-dar), no sentido em que o nada se torna verbo e actua sobre o mundo. O nada traz um todo de ausência ao todo da presença. Para quem tiver mais dificuldades com esta incursão fenomenológica cerrada, imagine a namorada, o namorado, a esposa ou o marido abandoná-lo ou abandoná-la, quando ainda fervilham de amor. O mundo, literalmente, transforma-se num todo de ausência, isto é, o mundo, onde quer que se vá, fica preenchido com a falta de quem nos abandonou. Os carros, o café, a cerveja, a música, os livros, a comida, a cama (essa então…), os outros com quem nos cruzamos na rua ou ocasionalmente falamos, tudo isso traz até nós quem não está. Quem não está, e só esse ou essa deveria estar, é o nada. O nada que somos. O nada é a ausência materializada em tudo o que vemos, sentimos, pensamos, tocamos. E, agora, para usarmos a metáfora que Heidegger usa: através do nada – a ausência em presença – o mundo fica com um ambiente de cortar à faca. O nada só não existiria se conseguíssemos controlar o destino da nossas vida. Usemos antes a palavra que Heidegger usa, Stimmung, disposição, em inglês seria mood. A palavra vem de stimme, voz, e Heidegger usa metáforas musicais, de ritmo e meteorológicas, de diferentes climas, de o tempo a mudar. De facto, não dificilmente a nossa disposição muda. Ou seja, estamos expostos à intempérie, quem anda à chuva molha-se, humano que anda na vida leva com o nada em cima do lombo. E esta experiência de nos faltar o mundo, da nossa própria vida se estreitar, aquando do abandono a que fomos votados, sem que pudéssemos sequer ter uma migalha de decisão nessa história, é a angústia. A angústia é a vida a ficar cada vez mais estreita, cada vez mais estreita… tão estreita que até parece que nos custa a passar por ela com o que somos ou com o que já não somos. O nada, em suma, não é passível de interrogação à laia do que quer que seja, senão através da nossa experiência no mundo connosco. Não se pergunta pelo nada como se perguntássemos pela terceira lei da termodinâmica ou como se perguntássemos onde é o teatro Dona Maria ou porque caiem os corpos. Pergunta-se pelo nada do mesmo modo que se pergunta a quem se ama, se nos ama. Pergunta-se pelo nada, não à espera de saber, mas à espera de vida, à espera de se conseguir viver. Por conseguinte, multiplicar o desejo é estar mexendo com o fogo, estar mexendo com o fogo do nada. Porquê? Porque muito simplesmente um corpo a seguir ao outro traz em si mesmo a ausência de uma presença, um vazio total de permanência. Ninguém passa da loira para a morena, da morena para a ruiva, da ruiva para quem quer que se siga, sem que traga no seu pobre coração um aborrecimento do tamanho do mundo. Com o nada a nadadar em alta rotatividade, nada nos chega. Esperemos que a nossa digressão pelo nada e seus derivados tenha sido profícuo para a compreensão da conexão entre a multiplicação do desejo e o crescimento do nada. Porque, podemo-lo dizer agora, este nada é a angústia. Talvez se possa dizer, junto com a Leopoldina, que a angústia é um aborrecimento do tamanho do mundo. Mas então porque continuamos a multiplicação do desejo, sabendo que isso nos faz mal, que isso nos enche de nada? É o próprio Eça nos dá a resposta, através de uma conversa, muitas páginas antes, entre Luísa e Leopoldina: “– Pois olha que com as tuas paixões, umas atrás das outras… Leopoldina estacou: – O quê? – Não te podem fazer feliz! – Está claro que não! – exclamou a outra. – Mas… – procurou a palavra; não a quis empregar decerto; disse apenas com um tom seco: – Divertem-me!” Eis então aqui diante de nós a resposta à pergunta que fizemos antes: divertimento. Leopoldina sabe bem que a multiplicação do desejo a conduz a nada, a uma aumento de nada, mas continua a fazê-lo pela simples razão de que a diverte. Cá estamos de volta a este nosso tempo, e como Eça de Queirós tão bem o descreveu: o nosso tempo é o tempo da multiplicação do desejo e do divertimento.
Hoje Macau China / Ásia MancheteCoreias | Novo teste de míssil intercontinental coloca EUA ao alcance de Pyongyang Desta vez, o teste foi um sucesso e a Coreia do Norte mostrou poder atacar a costa oeste dos EUA. As respostas não se fizeram esperar [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] líder norte-coreano, Kim Jong-un, afirmou que o segundo teste com um míssil balístico intercontinental (ICBM), realizado na sexta-feira, coloca o território dos Estados Unidos ao alcance de um ataque de Pyongyang, segundo a agência norte-coreana KCNA. Kim Jong-un afirmou que o teste demonstrou a capacidade da Coreia do Norte para disparar “em qualquer lugar, a qualquer hora”, de acordo com a agência estatal. “O líder declarou orgulhosamente que o teste confirma que o território continental dos Estados Unidos está dentro do nosso alcance de tiro”, acrescentou. A KCNA disse que Kim expressou “grande satisfação” após o míssil Hwasong-14 ICBM, que tinha sido lançado pela primeira vez a 4 de julho, atingir uma altura máxima de 3.725 quilómetros e viajar 998 quilómetros, do ponto de lançamento até cair em águas próximas do Japão. Kim disse que o lançamento de sexta-feira enviou um “sério alerta” aos Estados Unidos, que têm vindo a fazer ameaças de guerras e novas sanções, cita a KCNA. O míssil O míssil foi lançado de Mup’yong-ni e caiu no Mar do Japão. Analistas ocidentais calcularam que o alcance do míssil é de quase 10.000 quilómetros, o que ameaça efectivamente o território americano. “Com base na informação que dispomos, o míssil testado pela Coreia do Norte poderia facilmente alcançar a costa oeste dos Estados Unidos e várias grandes cidades norte-americanas”, disse o especialista em armamento David Wright, da ONG Union of Concerned Scientists. Los Angeles, Denver ou Chicago poderiam estar dentro do raio de impacto do míssil, que poderia inclusive chegar a Boston ou Nova Iorque, completou Wright. Repúdio americano “Os Estados Unidos condenam o teste e rejeitam o argumento do regime de que estes testes e estas armas garantirão a segurança da Coreia do Norte. Na realidade, têm o efeito oposto”, advertiu Trump em um comunicado. Rapidamente, logo na sexta-feira, os Estados Unidos e a Coreia do Sul analisaram “opções de resposta militar”. O general Joe Dunford, chefe do Estado-Maior Conjunto americano, e o almirante Harry Harris, responsável do comando americano no Pacífico, falaram com o general Lee Sun Jin, chefe do Estado-Maior Conjunto sul-coreano. “Durante a ligação, Dunford e Harris expressaram o seu compromisso com a aliança Estados Unidos-Coreia do Sul”, informou o gabinete de Dunford em comunicado. “Os três chefes também analisaram diversas opções de resposta militar”, acrescentou. Militares americanos e a Coreia do Sul tinham alertado nos últimos dias que a Coreia do Norte parecia preparar-se para outro teste de mísseis, provavelmente de um míssil balístico intercontinental (ICBM) ou de um foguete de alcance intermediário. Enquanto isso, militares americanos preparam-se para realizar outro teste de um sistema de interceptação de mísseis no Alasca, que poderia ocorrer no sábado. O teste do sistema de Defesa de Área de Alta Altitude Terminal (THAAD) estava programado antes de se saber do lançamento norte-coreano desta sexta. Os Estados Unidos contam com várias capacidades de defesa antimísseis, com componentes desenhados para derrubar diferentes tipos de mísseis em diferentes fases de voo. O primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, já convocou uma reunião do Conselho Nacional de Segurança. Trump afirma que Pequim podia “facilmente resolver o problema” [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acusou no sábado a China de inacção face à Coreia do Norte, após o lançamento de um novo míssil balístico intercontinental, considerando que Pequim poderia “facilmente resolver o problema”. “Estou muito decepcionado com a China. Os nossos antigos líderes, ingénuos, permitiram-lhes fazer centenas de milhares de milhões de dólares por ano em comércio e, no entanto, não fazem nada por nós em relação à Coreia do Norte”, escreveu na rede social Twitter. “Não permitiremos que isto continue. A China poderia facilmente resolver este problema!”, acrescentou. Trump condenou na sexta-feira o lançamento de um novo míssil balístico pela Coreia do Norte, e garantiu que vai tomar “todas as medidas necessárias” para proteger o seu país e os aliados na região. O míssil balístico intercontinental lançado pela Coreia do Norte, o segundo deste tipo em menos de um mês, é “a última ação imprudente e perigosa” do regime de Pyongyang, criticou Trump, num comunicado divulgado pela Casa Branca. “Ao ameaçar o mundo, estas armas e testes isolam ainda mais a Coreia do Norte, enfraquecem a sua economia e sacrificam o seu povo”, destacou Trump. Em resposta, a Coreia do Sul e os Estados Unidos realizaram na sexta-feira um teste com mísseis balísticos. Na quinta-feira, o Congresso dos Estados Unidos deu luz verde a um pacote de sanções contra a Coreia do Norte, Irão e Rússia, que está pendente da assinatura de Trump, que prevê assiná-lo, segundo indicou a Casa Branca na sexta-feira. Após o teste realizado por Pyongyang a 4 de Julho, Trump garantiu que estava a preparar “coisas bastante severas” como resposta à Coreia do Norte, apesar de o seu secretário para a Defesa, James Mattis, ter dito que actualmente não via motivos para ir “para a guerra” com o país. Resposta aérea Os Estados Unidos enviaram no domingo bombardeiros estratégicos B-1B para a península coreana, em resposta ao míssil intercontinental lançado pela Coreia do Norte na sexta-feira, segundo informou o ministro da Defesa do Japão, que participou nestas manobras aéreas. Os exercícios foram realizados por dois bombardeiros norte-americanos e caças japoneses, disse em conferência de imprensa o ministro da Defesa japonês, Fumio Kishida. Não é a primeira vez que o Pentágono decide destacar estes aviões, estacionados na sua base aérea de Andersen, na ilha de Guam, numa demonstração de força militar, em resposta ao que considera provocações norte-coreanas. As aeronaves já tinham sido enviadas para as imediações da península coreana após o primeiro míssil intercontinental, lançado a 4 de Julho, e em finais de Maio, depois de Pyongyang disparar um projéctil de curto alcance. Washington também destacou os bombardeiros a 20 de Junho, após o anúncio da morte do estudante norte-americano Otto Warmbier, que morreu depois de ser devolvido aos Estados Unidos em coma, após 17 meses detido na Coreia do Norte. Pequim pede respeito pelas resoluções da ONU [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China pediu no sábado à Coreia do Norte que respeite “as resoluções pertinentes” do Conselho de Segurança da ONU e suspenda qualquer medida que possa aumentar a tensão na zona, segundo a agência oficial de notícia Xinhua. O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Geng Shuang, fez estas declarações após a confirmação de que a Coreia do Norte lançou, na noite de sexta-feira, um novo míssil balístico intercontinental, o Hwasong-14. A resposta dada pela China foi bem mais contundente que as opiniões emitidas pelo Governo de Pequim no dia do lançamento, quando outro porta-voz do Ministério, Lu Kang, disse que as “pressões de terceiros” tinham forçado a Coreia do Norte a multiplicar este ano os testes balísticos. “Após tantos anos, o problema na península da Coreia podia resolver-se através de diálogo e consultas, mas devido a pressões e suspeitas de países terceiros, a Coreia do Norte viu-se obrigada a conduzir testes balísticos.” Este ano, em que aumentaram as ameaças mútuas entre os governos da Coreia do Norte e dos Estados Unidos, Pyongyang realizou 12 testes com mísseis, em que testou pelo menos 17 peças de armamento, o que ajudou a melhorar o seu arsenal, segundo analistas militares. Apesar destas justificações, a China reiterou em várias ocasiões a sua oposição a qualquer novo teste de míssil pela Coreia do Norte, em virtude das resoluções das Nações Unidas, bem como, nas palavras de Lu, “qualquer palavra ou acção que possa elevar a tensão”. Seul condena “duramente” [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo sul-coreano condenou duramente o novo lançamento de um míssil intercontinental (ICBM) realizado pela Coreia do Norte e alertou que o regime vai enfrentar “isolamento diplomático e pressão económica” se continuar a realizar testes de armamento. “O Governo condena duramente esta última provocação, que constitui uma clara violação das resoluções do Conselho de Segurança da ONU e representa uma grave ameaça para a paz e segurança, não apenas na região, mas em todo o planeta”, explicou o Ministério dos Negócios Estrangeiros sul-coreano em comunicado. “A Coreia do Norte devia ter em mente que o que vai obter com as suas contínuas provocações será apenas isolamento diplomático e pressão económica”, acrescenta o comunicado. “O Governo (sul-coreano) vai continuar a reforçar a sua cooperação com a comunidade internacional, incluindo o Conselho de Segurança, de modo a que esta última provocação possa obter uma resposta severa”, indica o comunicado de Seul, que ainda assim mantém a oferta de diálogo apresentada na semana passada a Pyongyang. “Como parte responsável e directamente implicada, continuaremos a trabalhar de forma incansável no sentido da desnuclearização” da península coreana.
Sofia Margarida Mota Manchete SociedadeEntrevista | Ana Paula Laborinho, presidente do Instituto Camões Regressou ao território na semana passada para integrar o 12º Congresso de Lusitanistas. A presidente do Instituto Camões vê a língua portuguesa como parte de um futuro internacional. No que respeita ao oriente, Macau tem um papel fundamental tanto na formação de professores como na divulgação literária [dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]á esteve em Macau. Que mudanças vê no território, nomeadamente, do ponto de vista do desenvolvimento da língua portuguesa? Já cá estive tanto com a administração portuguesa como com a chinesa. Dei conta que faz agora 29 anos que cheguei a Macau. Cheguei no final dos anos 80, num momento muito efervescente. Estava-se em pleno período de transição, e é preciso ter em conta que o que existia aqui era uma administração portuguesa. Macau nunca foi considerado um território português, mas muita coisa estava a acontecer e mesmo do ponto de vista da língua. Até esses anos o que existia relativamente ao ensino do português era alguma coisa paralelo ao que existia em Portugal e tínhamos até uma situação que, diria, era surpreendente e ao mesmo tempo embaraçante: a língua chinesa não ser oficial. No final dessa década foi quando percebemos que, se queríamos manter aqui o português teria de ser ensinado como língua estrangeira, que tinha de existir uma metodologia específica de ensino para falantes de chinês e que era fundamental a oficialização da língua chinesa, não só pelo número de falantes mas porque isso dava um paralelismo de situação às línguas que só poderia ser vantajoso para o português no futuro. Recordo ainda uma conferência por volta de 1990, do professor Manuel Ferreira, um académico que veio a Macau numa altura em que muito pouca gente cá vinha. Trabalhava em literaturas africanas. Veio fazer uma conferência à Universidade de Macau (UM). Chamava-se “Que futuro para a língua portuguesa?”. Surpreendentemente, numa altura em que a UM não tinha estudos portugueses a conferência estava cheia. Foi um debate interessantíssimo em que também foi possível traçar como quadro de futuro uma instituição que já estava a ser constituída, o Instituto Português do Oriente (IPOR). Regressei em 1995 para esta instituição para desenhar o que seria a instituição no futuro. De 1996 a 2002 foi um período especialmente interessante por ser, efectivamente, o período de transição. Tivemos de experimentar a solução. Uma coisa era trabalhar com a administração portuguesa e outra era construir uma instituição que pudesse ter autonomia e existir no quadro da administração chinesa. Foi esse o grande desafio que penso que resultou. O IPOR mantém-se e continua a ter um trabalho importante. Foi um processo em que também foi preciso convencer as autoridades portuguesas. Houve relutância por parte de Portugal? Não quer dizer que tenha havido relutância. Debatíamo-nos com duas visões que, podemos dizer, antagónicas. Uma tendia a ser dominante e que era uma visão muito pessimista que dizia que, no dia em que Portugal se fosse embora, acabaria a língua portuguesa. Acho que houve uma negociação muito competente por parte de ambos os lados no sentido da salvaguarda do português e que estava já designada na Declaração Conjunta. Era necessário saber se assim aconteceria efectivamente. A verdade é que os primeiros anos não foram fáceis. Foram anos de ainda alguma turbulência, o que é normal. Estávamos a passar de um regime colonial mesmo que com características próprias, para um novo tempo e uma nova administração com uma população que tinha aumentado muito com pessoas vindas do Continente e que não tinham raízes em Macau. Tudo isto eram vicissitudes em que era necessário perceber qual seria resultado. Um outro factor importante: Macau também tinha mudado muito o seu perfil. As pessoas quando aqui chegavam vindas de Portugal diziam que aqui ninguém falava português e, como tal, a língua iria a acabar. Foi necessário convencer Portugal de que isso não iria acontecer e que tínhamos noção de que a parte chinesa também tinha interesse nisso. Qual era a receptividade por parte da administração chinesa? Havia consciência de que Macau não era uma cidade como as cidades chinesas e bastava atravessar as Portas do Cerco para notar isso. É essa diferença quase imaterial, que faz a especificidade de Macau. Por algum motivo é uma região administrativa especial. Esta diferença também se marca por este cruzamento com uma outra cultura que está muito presente mesmo de uma forma que, se pode dizer, etérea. Edmund Ho tinha a perfeita percepção desta particularidade. Claro que havia algumas forças contrárias, mas, muito rapidamente, o Governo Central percebeu que a língua portuguesa era uma ferramenta para o mundo. Não era apenas uma relação com Portugal, mas sim com África, com o Brasil e uma relação com Timor também. Temos este esforço extraordinário que a administração chinesa em Macau faz, o investimento na língua, na comunicação social, de querer verdadeiramente que exista cá uma formação de quadros bilingues percebendo que são muito relevantes para o território e para a China. Não posso deixar de recordar que, por volta de 2011, estive na China e que um vice-ministro me dizia que o objectivo da China era formar 5000 professores de português. E estão nesse caminho. O que é que significa o Congresso de Lusitanistas nesse sentido? É um reflexo desse investimento? Significa também essa aposta. O Congresso de Lusitanistas é esse ponto áureo de tudo aquilo que tem sido feito e da maneira como as autoridades de Macau se têm emprenhado verdadeiramente no projecto da língua portuguesa. Trazer aqui um congresso de Lusitanistas, trinta anos depois de uma chegada a Macau de um especialista em língua portuguesa é um acontecimento incomensurável, é muito importante. Numa entrevista que deu há uns anos, falava, por exemplo, da necessidade de mais traduções para uma maior divulgação do português. Como está este aspecto? Nos três anos em que não estive em Macau, mas que não deixei de estar ligada ao território, foi lançada uma colecção que se chamava “Biblioteca Básica de Autores Portugueses”. Eram traduções para chinês, feitas na China, em que editámos quase 40 obras. Foi muito importante trabalhar com os tradutores chineses e, em muitos casos, o que fiz foi tirar das gavetas traduções que eles tinham feito e que estavam enterradas porque não tinham tido condições de serem editadas. Havia coisas extraordinárias. Houve também algumas traduções feitas propositadamente para esta colecção. Um exemplo é “O Memorial do Convento” do José Saramago. Tive a possibilidade de levar o Saramago, antes do Nobel, a Pequim para fazer a apresentação desta obra e foi um sucesso extraordinário. A tradução que foi feita de “O Memorial do Convento” ganhou o principal prémio de tradução da China. Na altura traduziu-se desde o Camilo Pessanha ao Eugénio de Andrade. Depois foram também traduzidos o Eça de Queirós, o Júlio Dinis, etc. Já existiam antes algumas traduções mas eram dispersas e com esta ligação arranjou-se uma unidade. Foi preciso muita determinação para o conseguir e muito apoio, nomeadamente, dos tradutores. Hoje em dia, o Instituto Cultural de Macau tem estado a fazer uma ou outra tradução e isso é muito importante. Lançámos, em Lisboa, a tradução de Camões e de poetas chineses. Julgo que também é necessário traduzir autores chineses para português, até porque há um acolhimento muito grande. Infelizmente, a maior parte das traduções de autores chineses é feita via inglês ou francês mas há um grande interesse pela literatura clássica chinesa e já temos exemplos de traduções feitas pelo professor António Graça de Abreu. Também é necessário maior investimento na tradução de autores portugueses. Claro que a tradução para chinês é um projecto duplamente caro. Com a necessidade que existe de tradutores, o que se passa é que estes profissionais se fizerem traduções técnicas são muito mais bem pagos do que os tradutores literários e o trabalho de tradução literária é muito complexo. Acabamos por ter muito pouca gente a faze-lo. Espero que o Instituto Cultural possa também aí ter uma intervenção. Há pelo menos duas entidades em Macau com um trabalho relevante na edição e livros traduzidos e de obras que juntam as duas culturas, nomeadamente a Livros do Meio e a Associação Amigos do Livro e que contribuem para o papel de plataforma local. Só Macau é que pode ser essa plataforma até porque pode intermediar com a China. Julgo que o papel de Macau é essencial. Aquilo que é sempre uma dificuldade tem que ver com a distribuição dos livros de Macau em Portugal. E são livros muito apetecidos. Há muita gente interessada por aquilo que é feito em Macau, quer as traduções, quer a literatura, quer os ensaios. Felizmente já há gente que lê em chinês, mas falta, de facto, um meio para a distribuição dos livros de Macau em Portugal. As obras chegam com grande dificuldade a Portugal. Não há um ponto onde as pessoas saibam que se podem dirigir e comprá-las. Deveria existir uma forma de serem adquiridas digitalmente. Há muito trabalho a fazer nesse sentido e Macau tem de o fazer. A língua como expressão de uma identidade. Se falarmos de língua portuguesa, estamos a falar de múltiplas identidades. Essa é a parte mais interessante. Como dizia o professor Adriano Moreira, actualmente o português é também a língua dos portugueses e é cada vez mais uma língua de outros povos, e que tem os saberes e sabores desses outros povos. É uma língua de múltiplas identidades e é assim que deve continuar a ser construída. O português é uma língua de várias identidades e penso que isso está muito presente nas artes. É muito importante não esquecer este lado como um lado fundamental para que estas identidades permaneçam, tenham desenvolvimentos, transformações e continuidades. Outra dimensão, que é aquela com que trabalho mais, é a internacionalização da língua portuguesa. Aí, vemos que cada vez há um interesse maior do mundo pelo português. Tem que ver com a enorme mudança a que assistimos. A velha separação entre norte e o sul e em que norte pontificava sobre o sul está diluída. Prova disso é a própria agenda 20/30 das Nações Unidas que vem dizer claramente que deixa de haver os países ricos e pobres, os doadores e os beneficiários, e que, afinal, os indicadores de desenvolvimento dão para todos. Os países desenvolvidos também têm muitas bolsas de subdesenvolvimento e de pobreza e vemos que os países pobres também têm bolsas de riqueza. O mundo que se está a impor é o mundo do hemisfério sul onde temos um Brasil e temos uma África pujante, onde temos toda uma América Latina que está também a fazer um caminho muito forte e muito interessante na forma como entendem a educação e como se projectam na economia. Hoje em dia, parece-me que é óbvio, não há economias fortes sem educação e sem aposta na cultura, o que promove uma coisa que é um bem essencial: a criatividade. O mundo do sul está a impor-se e a verdade é que nesse mundo do sul a língua mais falada é o português e todos os indicadores nos dizem que no final do século, onde se vai falar mais português é mesmo em África. O continente africano vai ser pujante e vai ser também onde o português será umas das três línguas mais faladas, juntamente com o árabe e com o inglês. Tudo isto nos permite compreender porque é que a China aposta tanto no português. É uma visão muito estratégica. Em meu entender há duas línguas que vão crescer exponencialmente: o espanhol e o português. Temos a vantagem de que estas línguas também se entendem entre si e isso forma uma comunidade, para já de 700 milhões, que se entende e que até tem relações culturais de proximidade. Não é por acaso que temos como secretário-geral das Nações Unidas, um português. Portugal é também visto como um bom mediador e como um país que cumpre os seus tratados internacionais. Foi isso mesmo que a China disse ao país quando foi defender António Guterres: “confiamos em Portugal porque cumpriu tudo aquilo a que se comprometeu em, relação a Macau”. Tem defendido, apesar das contestações, que o acordo ortográfico integra esse processo de internacionalização. A CPLP tem um instituto que se ocupa da língua portuguesa com o qual colaboro e onde tenho de ouvir, infelizmente, que a questão do acordo ortográfico é uma questão de Portugal e que todos os outros países já a resolveram. Angola não resolveu, é verdade, a Guiné Equatorial também não resolveu mas é porque ainda nem iniciou um processo de integração do português no seu sistema, mas tirando isso todos os outros países já resolveram essa questão pelo que já é uma não-questão. Só continua a ser debatida por Portugal nos termos que ainda é mas que, penso, são cada vez menos justificáveis. Será ainda durante mais uma geração, mas, desde 2011, no sistema de ensino só existe o acordo ortográfico. Vem aí uma geração que não se vai lembrar da língua portuguesa antes do acordo? Sim. Está há quase oito anos à frente do Instituto Camões. Que balanço é que faz do trabalho desenvolvido ao longo deste tempo? Estive em várias configurações institucionais dentro do Instituto Camões e em todas elas encontrei “tsunamis”. A primeira, ainda como Instituto Camões, quando foi nos foi passada a rede de ensino básico e secundário no estrangeiro que representava cerca de três vezes a dimensão do instituto. Fizemos, pela primeira vez, a avaliação dos professores, a introdução da certificação da aprendizagem, programas de ensino e o programa de incentivo à leitura. Conseguimos ainda chegar aos países em que têm professores que não fazem parte da nossa rede. No conjunto apoiamos quase 660 professores. Não temos rede oficial, mas apoiamos também os Estado Unidos, o Canadá, a Venezuela e a Austrália. Por outro lado, temos tido um crescimento muito grande daquilo que é o português na vertente de língua estrangeira. Nós hoje estamos, em termos de língua, em 78 países e temos cerca de 90 mil alunos. Temos relações institucionais com 358 universidades e também aí fomos reforçando a qualidade do ensino, sobretudo na construção de uma rede coerente em que há uma grande aposta na formação de professores. Outra coisa que tem sido muito gratificante é o reconhecimento do português como acesso ao ensino superior. A nossa vitória mais recente, porque era quase impossível, foi nos Estado Unidos em que, finalmente, os exames de acesso às universidades já contemplam a língua portuguesa. Foi um salto qualitativo muito grande. Além do ensino superior temos também apostado muito na integração do português nos sistemas curriculares. Está-se a passar em África e o primeiro caso, e de grande sucesso, é a Namíbia, mas também estamos no Zimbabué e na Suazilândia. Na Europa estamos em países como a Roménia, a República Checa e a Bulgária que também estão a introduzir o português. Pela primeira vez, os últimos relatórios do British Council reconhecem o português como uma das grandes línguas internacionais. Em 2012 tive o segundo tsunami que foi a fusão com a Cooperação para o Desenvolvimento. Sendo uma área muito distinta, também foi possível trabalhar de forma interessante. A cooperação portuguesa tem na educação uma das suas áreas fundamentais de intervenção nos países parceiros. Aí, a minha coroa de glória, do ponto de vista da língua e pela primeira vez, está associada a um projecto na área da justiça em Timor Leste em que já existe uma componente de língua portuguesa. Não se trata de ensinar português mas de uma formação especifica. A nossa última aposta tem sido na modernização e no digital. O futuro passa pelo desenvolvimento de parcerias. Não é possível fazer crescer a língua portuguesa sem parcerias e esse é o repto que temos. Trabalhar com as universidades de outros países de língua portuguesa. Foram ainda aprovados planos de acção para a internacionalização da língua portuguesa.
Isabel Castro Eventos MancheteVisita guiada | Margarida Saraiva, curadora do Museu de Arte de Macau Naqueles rostos e corpos está a história da arte e das pessoas de Macau. O MAM apresenta “Representações da Mulher”, uma exposição feita a partir da colecção do museu. Viagem com Margarida Saraiva, a curadora da mostra, a um passado mais ou menos distante, a partir do universo feminino [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omo é que surgiu esta exposição? Havia a ideia, do director do Museu de Arte de Macau (MAM), de renovar completamente a forma como a nossa colecção tem sido apresentada. Fui incumbida dessa missão. Quando se faz uma exposição, a nossa primeira preocupação é efectivamente saber qual é o seu propósito. A segunda são os objectos: o que temos e que história é que podem contar. Depois, num terceiro nível, como é que esses objectos se relacionam com o mundo contemporâneo. Neste caso, são antigos, são obras do século XIX e do século XX. Comecei a ver a colecção toda e tive o desejo de fazer uma abordagem que fosse interdisciplinar, o que era uma inovação em relação às exposições que o MAM tem feito sobre a sua colecção, porque costumamos apresentar pintura a óleo, gravuras, serigrafias ou cerâmica de Shiwan. Aqui, o que tentei foi pegar num tema e, através dele, atravessei todas as formas de expressão que estão incluídas na nossa colecção. Por isso, temos pintura a óleo, temos desenhos, livros, temos gravuras, cerâmicas, aguarelas e posters, tudo na mesma exposição. E tudo sobre mulheres. Tudo sobre mulheres. Nunca tinha sido feito no nosso museu um trabalho sobre as mulheres. Têm sido feitos noutros museus, no mundo inteiro: o MoMA fez uma exposição sobre a mulher e a forma como é representada na sua colecção, o Louvre e o Prado também. Há uma tendência internacional para se olhar para as colecções e tentar perceber qual é o lugar da mulher no mundo da arte, não só a forma como a mulher é representada, mas também as artistas. Esta exposição é a primeira parte de uma investigação que terá uma segunda parte. Nesta parte, estudamos apenas a forma como a mulher é representada na história de arte e pela história de arte. O que encontramos aqui são representações da mulher e ainda não as mulheres artistas, que é a segunda parte da exposição, que há-de ser no próximo ano. Atendendo ao espólio que existe no MAM, como é que a mulher é representada? Temos aqui duas representações: aquelas que são feitas pelo olhar ocidental, mas também temos obras de artistas orientais. Liga-se à história da própria colecção do MAM. Este museu herda a sua colecção do Museu Luís de Camões, que originalmente não era um museu de arte – era um museu comercial, etnográfico, histórico. Só em 1933, com a aquisição do espólio de Manuel da Silva Mendes, é que o museu ganha uma componente propriamente artística que, até então, não tinha ou era pequena. Havia algumas obras de arte, mas eram poucas. A colecção de Silva Mendes começava com obras de arte de artistas ocidentais. Tínhamos Chinnery, Boswell Watson, Borget, e essas são as primeiras obras que apresentamos aqui e as primeiras representações de mulheres que nos surgem. E também Lam Qua, cujas obras já faziam parte da colecção também de Manuel da Silva Mendes. Efectivamente, a maior parte dos retratos que apresentamos da mulher, aqui nesta primeira galeria, que é sobre o século XIX, são pintados por Lam Qua. Um neto dele desenha também mulheres numa outra galeria mais à frente. Por isso, esta exposição acaba por ter vários níveis de leitura: não só conseguimos ver a forma como a mulher é retratada ao longo da história da arte, como também conseguimos acompanhar a história da colecção do museu, como ainda conseguimos acompanhar um bocadinho da história da arte de Macau, e até a relação que existe entre uns artistas e outros, às vezes relações que são também de natureza familiar. Falando do século XIX. A forma como se representa a mulher no Oriente e no Ocidente é substancialmente distinta? Através da nossa colecção, temos Chinnery que marca o início da forma como a mulher é representada, uma tradição puramente europeia, e seguimos com Lam Qua, que é um discípulo informal da obra de Chinnery, no sentido em que Chinnery nunca admitiu ter ensinado pintura a Lam Qua. Mas, de alguma forma, as obras mostram que há uma aproximação na forma da pintura. As primeiras representações que temos de mulheres chinesas são feitas por via de uma tradição que é fundamentalmente ocidental: Chinnery e os seus discípulos. São mulheres de uma classe social mais abastada, as senhoras dos mandarins que aparecem representadas, mulheres europeias, mulheres chinesas, macaenses. Esta obra é uma das mais antigas do espólio artístico deste museu que não fazia parte da colecção de Silva Mendes: é uma Senna Fernandes. Em princípio, o quadro deve ser de Lam Qua. Como é que este quadro chegou ao MAM? Existem os inventários antigos do espólio do Museu Luís de Camões e, a partir de 1926, existem registos de todas as obras que entraram no museu. Um dos directores teve a intenção de fazer uma exposição de quadros históricos e pediu a várias famílias importantes da cidade de Macau que cedessem obras para essa exposição. Muitos dos registos não são suficientemente detalhados para sabermos a que obra se referem, mas há outros que permitem. Neste caso particular, existe o recibo de entrada de uma obra de uma pintura a óleo de uma senhora da família Senna Fernandes. Esta é a única senhora da família Senna Fernandes que está no nosso espólio. Aquele recibo deve muito certamente corresponder a esta obra. Conseguimos, nestes casos, saber exactamente o dia, o mês e o ano em que a obra dá entrada no espólio do museu que, depois, herdámos. É possível perceber por estes retratos que histórias tiveram estas mulheres, o que é que significaram no século XIX em Macau? Fizemos um primeiro esforço de identificação das personagens que estão representadas. Não é possível identificar todas. Quando conseguimos identificar estas mulheres, muitas vezes temos pouquíssima informação sobre o papel que elas efectivamente tiveram na sociedade de Macau por falta de registos. Mas penso que este foi apenas o primeiro passo nesse sentido. Eventualmente, com a ajuda de outros investigadores que se dedicam ao estudo da mulher na cidade de Macau nos séculos XX e XX, vamos continuar a tentar saber mais histórias sobre estas mulheres. Nesta galeria do século XIX, além deste quadro de Ricardina Senna Fernandes, que outras obras destaca? Destaco a primeira obra de um macaense: Marciano Baptista, um artista nascido em Macau, que estudou cá, também é um dos discípulos de Chinnery. É a primeira representação a óleo de uma mulher do povo. O que acho engraçado neste quadro é o sapato. Normalmente, as senhoras do povo não tinham os pés enfaixados. Não é normal que uma mulher, que pode ser uma criada que vai ao mercado comprar coisas, leva o filho ou o irmão às costas, tenha os pés enfaixados. Este pormenor é o ponto exacto em que o artista expressa a sua visão sobre aquilo que é a condição feminina. Este sapato está fora de contexto. O sapato é a coisa mais pequenina neste quadro, quase não se vê, e é a mais importante. Além da pintura a óleo, há também desenhos. Sim. Estas são as famosas tancareiras, que foram muito representadas porque eram as primeiras mulheres que os homens viam quando chegavam a Macau de barco. Se nas pinturas a óleo temos sobretudo mulheres de uma classe social mais abastada, que resultam, penso eu, de encomendas, na maior parte dos casos, os artistas desenhavam as mulheres do povo, usando o desenho. É o esboço rápido daquilo que viam na rua. Aqui, conseguimos ter uma visão do papel da mulher de um outro estrato social. Mais uma vez, neste caso, George Chinnery tem uma relevância grande. Tem uma relevância grande porque não havia esta tradição na China de se desenhar cenas da vida quotidiana. Era uma tradição já bastante desenvolvida na Europa. O desenho à vista, rápido, das cenas da vida quotidiana, é quase antropológico. Chinnery às vezes punha notas nas suas obras. Como raramente assina os seus trabalhos, esta é uma forma que hoje se usa para saber que a obra é autêntica. Funciona como uma assinatura da obra. São pequenos apontamentos porque às vezes estes desenhos são estudos de composições de obras maiores. Apesar de sabermos pouco sobre estas mulheres, ainda assim é possível perceber que papel representavam. A mulher é representada como deusa, como mãe, como criada ou concubina. Todas essas funções estão aqui representadas. Passámos à frente de um dos quadros a óleo em que se vê uma mãe a amamentar o filho. Aqui temos uma concubina. É uma peça de cerâmica. É uma peça de cerâmica de Pan Yu Shu, um artista chinês, do final da dinastia Qing. Esta obra não é uma encomenda de Silva Mendes, ao contrário daquela ali, uma velhinha encomendada para decorar a sua vivenda, que faz parte de um conjunto só em cerâmica. As obras de Shiwan são em cerâmica, era uma tradição muito antiga que depois foi abandonada em favor desta técnica que vemos aqui, que usa o vidrado para as roupas e todo o corpo é deixado em barro. Hoje, a maior parte da cerâmica de Shiwan tem esta característica. Silva Mendes reiniciou a tradição antiga de Shiwan e houve alguns artistas em Shiwan que continuaram esta tradição. Quanto a esta concubina, é uma história linda, um clássico. Conta a história de um imperador que tem uma concubina, que se chama Yan Guifei, a favorita. Nessa condição, aqui é representada depois de prestar os seus favores ao imperador, a ver-se ao espelho, e o imperador manda o eunuco presenteá-la com pérolas. Ela começou a exercer cada vez mais influência sobre o imperador e a colocar na corte imperial todos os seus familiares. Outras pessoas da família do imperador começaram a achar que ele estava a ser manipulado por ela e fogem da corte. No percurso, todas estas pessoas que estão a fugir conseguem convencer o imperador de que a responsável por tudo é a concubina. O imperador mandou matá-la, mas nunca mais foi feliz. Passamos agora para esta sala, que ainda nos mostra obras do século XIX. São gravuras do final do século XIX, de Thomas Allom, um arquitecto inglês que se julga nunca ter estado na China, mas que a representou em função de coisas que leu, que estudou. Não é muito significativo que tenha estado na China ou não, se é uma ficção ou não, porque na realidade a publicação destas gravuras é responsável por uma certa visão que a Europa teve da China no final do século XIX. O livro onde estas imagens foram publicadas chama-se “China: In a Series of Views, Displaying the Scenery, Architecture and Social Habits of That Ancient Empire”. O que temos são cenas de casamentos, o dote que as famílias recebiam, as mulheres de uma família de mandarins a jogar às cartas. Expomos aqui o livro em que as obras foram publicadas, neste ‘touch screen’, para as pessoas poderem ter outra visão. Agora, estamos no século XX. Esta galeria tem obras incríveis porque são aguarelas, pinturas originais, de um artista de Macau, que são a base dos cartazes publicitários do início do século XX. Aqui temos as aguarelas; daquele lado temos os cartazes. Eram estas pinturas que, depois, davam origem àqueles cartazes. O que é mais raro é expor-se a aguarela, porque normalmente nas exposições usa-se o cartaz impresso. As mulheres que encontramos aqui já são completamente diferentes. Isto é importante do ponto de vista histórico. Estamos em 1912, aboliu-se o enfaixamento dos pés das senhoras. Nesta primeira república, surgem todas as ideias de que a mulher deve ocupar socialmente um lugar paralelo ou igual ao homem, todas a reivindicações de sufrágio universal, de direitos das mulheres. São criadas as primeiras escolas femininas, as mulheres começam a poder ir à escola, a escolas de arte, e há o primeiro jornal feminino na China. É também o momento em que, pela primeira vez, as mulheres entram numa exposição oficial chinesa, com um alto número de representação, juntamente com homens. Entramos na história da China. Em Macau é difícil fazer essa história, mas estas obras, de alguma forma, contam um bocadinho toda uma alteração da visão da mulher. É uma mulher que usa salto alto, que tem manga cava, as saias vão ficando cada vez mais curtas e os sapatos cada vez mais altos. Nestas duas peças, temos uma mulher que está de calças e outra a beber vinho, de calças também. Encontramos agora a propaganda de meados do século XX. É a primeira vez que este trabalho é exposto no MAM. É uma encomenda do Sindicato dos Trabalhadores de Macau à Associação de Artistas de Macau, foram doados ao museu em 2010. Servia para exibir no Sindicato dos Trabalhadores de Macau, para ensinar às mulheres e aos trabalhadores em geral como é que elas se deviam comportar e qual o papel que devem desempenhar. Neste quadro temos uma crítica: “A trabalhadora Ling era supersticiosa, com uma mentalidade antiquada, que adorava vestir-se”. Esta pintura refere-se a tudo o que aconteceu na galeria anterior. Toda aquela ideia da mulher feminina, que pode usar o decote e que, apesar de ser mãe, também pode exercer a sua feminilidade, vai acabar. Aqui neste quadro temos a nova mulher: todas as suas formas físicas desaparecem debaixo do uniforme maoísta, o cabelo não tem nenhum acessório. Esta mulher aprendeu o pensamento do Presidente Mao. Isto faz parte de toda época em que os cartazes de propaganda maoísta estavam em toda a China. Há um aspecto extraordinário: nesta altura, usava-se sobretudo xilogravuras, que eram enviadas para todas as províncias da China. Nessas províncias eram pintadas e, depois, distribuídas e usadas. Aqui, é pintura. É um trabalho extraordinário: alguns são a tinta-da-china; outros, a tinta-da-china com aguarela e guache. E aqui termina a exposição. Contámos um bocadinho da história da colecção, que tenho andado a estudar há já alguns anos. Apesar de ser uma abordagem sintética, quis fazer aqui homenagem a Manuel da Silva Mendes e ao seu contributo para que o MAM seja aquilo que é. Se não fosse esta colecção, o Museu Luís de Camões não se tinha transformado num museu de arte, e como herdámos este espólio, herdámos toda esta história que acaba por ter início na obra deste homem, que era um português.
Valério Romão MancheteO mundo das mulheres [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] meu pai morreu quando eu tinha dezasseis anos. Tenho duas irmãs mais velhas. Na minha família, já de si diminuta, há poucos homens. As excepções são um tio, um cunhado e dois sobrinhos. O resto são mulheres. E são elas, invariavelmente, os esteios de força pelos quais a coesão familiar se mantém a despeito das mortes e outras tragédias semeadas ao acaso nas vidas das pessoas. Tenho alguns amigos homens, mas a maior parte dos meus amigos são mulheres. E apesar de na minha vida ter sempre estado rodeado de mulheres, nem sempre as compreendo ou compreendi. Quando se produziu, há cerca de ano e meio, a famosa lei do piropo, fui uma das pessoas que achei a medida excessiva, como acho todas as ingerências legislativas que tenham por finalidade regular o comportamento social. Nutro a perspectiva, porventura ingénua, de que o governo não precisa de nem deve de legislar sobre assuntos da ordem privada dos cidadãos, como a quantidade de sal no pão ou sobre as palavras que podem ou não ser proferidas numa conversa. Tenho alguma fé no bom senso. Achava manifestamente exagerado dar um enquadramento legal tão específico como aquele que foi concebido quando já havia um suporte legislativo no qual o assédio já era objecto de penalização. É claro que não sendo mulher, não estou habituado à objectificação do corpo à que estas estão sujeitas desde muito novas. Não sei o que é sentir medo de ser violada, por exemplo. Não sei o que é ter oitocentos pares de olhos a garimparem-me o decote. Não sei nada disso porque, embora tenha vivido e viva no mundo das pessoas que o sabem, estive sempre do outro lado. Na senda das conversas que foram surgindo um pouco por todo lado no Facebook, aquando da discussão dos prós e dos contra da chamada lei do piropo, fui percebendo que muitas das minhas amigas tinham de munir de uma força e resolução suplementares quando vestiam determinada roupa ou quando tinha de passar por determinados locais. Só por serem mulheres e, por isso, estarem expostas a níveis de cobiça e desejo mais ou menos declarados por parte dos homens. Eu não conhecia esta forma de força como a passei a conhecer. O paralelo mais adequado que encontro, na minha vida, é quando vou ao supermercado com o meu filho e toda a gente fica a olhar para nós porque ele grita sem razão aparente ou porque dá pulos no mesmo lugar enquanto esperamos para pagar. Mas ainda assim, e apesar de constrangedor e de exigir de mim uma resistência acrescida no contacto com os outros, não sinto qualquer tipo de ameaça. A grande ilusão do conhecimento advém da sua capacidade de se manter absolutamente anónimo e ocluso, mesmo na proximidade do sujeito, até o sujeito decidir orientar a sua atenção para ele. Como num número de magia, estamos ocupados com as mãos do prestigiador quando o truque, de facto, acontece apenas dois metros ao lado deste. Eu escrevo maioritariamente sobre mulheres. As minhas personagens são quase todas mulheres. As mais fortes são mulheres. No livro “O da Joana”, passe o reclame, o protagonista é uma mulher e as seis horas que esta passa numa sala de partos. Eu pensava que conhecia bem o mundo feminino. Mas não tinha estado atento à força discreta que as mulheres têm de convocar só para fazerem o caminho de casa para o trabalho. Não esperava de todo que fosse um registo continuado. Tinha a ideia – ingénua – de que apenas em situações excepcionais as mulheres eram forçadas a erigir a carapaça. Na verdade, como vim a perceber com mais clareza, a carapaça existe sempre, em maior ou menor espessura. Estava a olhar para as mãos do ilusionista e o truque, esse acontecia apenas dois metros ao lado.
Paulo José Miranda Em modo de perguntar ManchetePelin Esmer | A cineasta de Istambul Pelin Esmer (1972, Istambul) estudou Antropologia e é uma conceituada realizadora turca, galardoada com vários prémios. [dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]azes filmes documentários e filmes ficcionais, e és cineasta premiada em ambos. O que diferencia uns dos outros? Para mim, os teus filmes documentários não se diferenciam dos filmes ficcionais. Há vários tipos de filmes documentários, de facto. Hoje o filme documentário já não se restringe a sua função informativa, embora ainda seja assim que a maioria das pessoas entendem o documentário. O que faz com que os meus filmes documentários não sejam filmes ficcionais, mas filmes documentários, é que os personagens são reais. Se eu não filmasse aquelas pessoas, ainda assim elas continuavam vivas e a terem a mesma vida que eu retrato. Este é, para mim, o argumento maior para dizer que os meus filmes documentários são filmes documentários e não filmes ficcionais. Evidentemente, os meus filmes documentários não são filmes informativos, não tem essa missão, como por exemplo os filmes documentários que se pode assistir em vários canais da TV cabo. Mas o que hoje em dia determina a diferença entre o ficcional e o documentário é precisamente a não criação de uma realidade. Eu não crio uma realidade nos meus filmes. A realidade já existe, mesmo que eu a não filme; mesmo que eu não existisse. Nos teus filmes ficcionais não crias uma realidade, mas crias um modo de ver. Se preferires, mostras o que estava escondido. Isso, sim. Pelo menos, é o que pretendo fazer com os meus filmes documentários. Pretendo mostrar sentimentos e condições das estruturas do humano que muitas vezes nos estão vedadas no nosso quotidiano. Por outro lado, mais do que dar respostas, os meus filmes são modos de fazer perguntas. E essa é precisamente a razão pela qual eu julgo os teus filmes, a que chamas de documentários, como não documentários. Entendo, mas não posso esquecer que a existência dos meus personagens não dependem da minha criação ou da criação de um escritor, eles existem. Há ainda uma outra diferença, que faz com que esses meus filmes sejam determinantemente filmes documentários: nos filmes de ficção, primeiro escreve-se o roteiro (script) e só depois se filma; no modo como trabalho o documentário há apenas um roteiro imaginado por mim, que é mais uma espécie de índice do que um roteiro, e quando vou filmar não forço a realidade que vou filmar para que actue de acordo com o meu roteiro imaginário. Só escrevo o roteiro no final, depois de ter tudo filmado, na montagem e usando o material filmado, isto é, usando o real e não o imaginário. Depois de Oyun (A Peça de Teatro), que saiu em 2005, nunca mais filmaste documentários. E Koleksiyoncu (O Coleccionador), o teu primeiro filme, saira em 2002. Quer isso dizer que abandonaste os filmes documentários e que eles foram apenas um modo de chegar ao filmes de ficção, 11’e 10 kala (Das 10 às 11), em 2009, Gözetleme Kulesi (A Torre de Vigia), em 2012 e mais recentemente Ise yarar bir sey (Uma Coisa Útil), em 2017? Não, de maneira nenhuma. Não deixarei de filmar documentários, aliás estou neste preciso momento a filmar um novo documentário, fora de Istambul, e nem vejo este tipo de filmes como algo para chegar aos filmes de ficção. Não penso que o filme documentário seja inferior ou superior ao filme de ficção. Fiz filmes de ficção, porque há já um tempo que tinha a ideia de os fazer. Agora, que encontrei novamente um bom assunto para fazer um documentário, regresso a esse tipo de filme. O que me interessa não é o filme documentário ou o filme de ficção, o que me interessa é o filme. Se existir algum personagem ou alguma história reais que me interessem bastante, filmo como documentário; se encontrar histórias ou personagens, quer seja eu que invente ou quer sejam outros que inventem, e que me interessem, filmo como ficção. Para além das questões técnicas, que não podem ser esquecidas, não faço distinções entre filmes documentários e filmes de ficção. Interessa-me fazer filmes. E o que é isso “fazer filmes”? Para mim, fazer filmes é fazer perguntas. Só faz sentido fazer um filme se tiver uma pergunta para fazer. Mas essa pergunta não vem apenas em palavras, já que se trata de usar uma câmara que capta imagens e sons. Posso até fazer essa pergunta ou perguntas sem qualquer palavra, ou com muito poucas palavras, mas sem imagens não será nunca um filme. Depois de tantos prémios internacionais e nacionais, e em especial o de Tribeca, em Nova Iorque, que foi entregue pelo próprio director do festival, Robert de Niro, que mudou na tua vida profissional? Deu mais visibilidade ao meu trabalho, mais oportunidades de encontrar outros directores e actores. Por outro lado, tornou-se um pouco mais fácil arranjar dinheiro para os outros filmes. E, também por causa disso, desse primeiro prémio em Tribeca, Oyun foi o primeiro filme documentário turco a ser exibido nos cinemas comerciais na Turquia. Podes adiantar algo acerca deste novo filme documentário que estás a filmar? Há 14 anos filmei “A Peça de Teatro”, que era um filme acerca de um grupo de mulheres numa aldeia no leste da Turquia, que resolveram fazer uma peça de teatro e com isso falar dos seus maridos, como elas os viam. A sociedade nestes lugares é demasiado fechada e esta peça constituí uma verdadeira revolução na aldeia e, por causa do filme, na sociedade turca. Agora regressei à aldeia e estou a filmar uma digressão que eles foram convidadas a fazer, por toda a região de Mersin. Por exemplo, amanhã elas irão actuar nas montanhas, para os nómadas. Estás familiarizada com o cinema português ou brasileiro? Do cinema português, do que conheço, o que mais me interessa são os filmes de João Rodrigues e o Tabu, de Miguel Gomes. Mas não conheço assim tanto dos novos realizadores. Quanto ao Brasil, embora não possa dizer que estou familiarizada, conheço alguns filmes. Gostei muito de Cidade de Deus, os filmes documentários de Eduardo Coutinho, o documentário Ônibus 174, o Estamira, de Marcos Prado, o Che Guevara e a Central do Brasil, de Walter Salles. Haverá mais que me estarei a esquecer… De resto, é muito difícil os bons filmes, que não tenham uma grande produtora, chegarem às salas de cinema, seja onde for. Esse é o problema do cinema, hoje, em qualquer parte do mundo. Excerto de Gözetleme Kulesi (A Torre de Vigia) https://www.youtube.com/watch?v=8HEzaXn5FiA
Isabel Castro Entrevista Manchete PolíticaEntrevista | José Tavares, presidente do conselho de administração do IACM A criação de órgãos municipais sem poder político será uma oportunidade para reestruturar o IACM e torná-lo mais compatível com a realidade de Macau, mas não deverão ser introduzidas alterações significativas ao que hoje é feito. José Tavares, presidente do instituto, acredita que, apesar de a casa ser grande, é possível dar conta do recado sem a multiplicação de organismos. Em entrevista, confessa que não estava à espera de dirigir o sucessor do Leal Senado, casa onde começou a trabalhar há mais de 30 anos [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá há mais de um ano na presidência do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM). Como é que está a ser a experiência? É uma experiência nova de gestão. Estamos a falar de um serviço público que é o terceiro maior em termos de pessoal, são mais de 2600 funcionários, com 11 departamentos e 33 divisões. Engloba muitas áreas e cada uma com a sua especificidade. É um desafio e, ao mesmo tempo, uma experiência aliciante, apesar de já conhecer a casa – o meu primeiro emprego na Função Pública foi no Leal Senado, num cargo entretanto extinto, o de secretário-dactilógrafo. Regressou então a casa, mas com uma responsabilidade completamente diferente, o que é um desafio. Sempre gostei de desafios. Venho do desporto. Estou habituado a desafios. “Reduzir o número de obras não é uma solução – leva a apenas a uma acumulação de pedidos. A cidade obriga a estas transformações.” Quais são as áreas que considera prioritárias no IACM? Para mim, são todas prioritárias, mas posso destacar algumas, como a segurança alimentar. É uma área que temos tratado com maior intensidade nos últimos tempos. Temos acertado alguns parâmetros e índices alimentares para que Macau possa estar de acordo com as práticas internacionais. Em 2016, foram publicados quatro novos índices e normas, incluindo os relativos ao leite em pó, e nove novas orientações. Agora, estão em fase de elaboração várias normas, sobre os limites máximos de metais pesados e de resíduos de pesticidas nos géneros alimentícios, e para a utilização de conservantes e antioxidantes. Isto quer dizer que estamos cada vez mais a elevar os nossos padrões e exigências para os alimentos importados. Macau é uma cidade de turismo e de lazer – temos toda a preocupação de fazer a protecção logo na primeira linha. Tudo isto é uma prevenção para reforçar a nossa segurança alimentar. Depois, há o investimento feito nos nossos laboratórios. Há uma atenção acrescida no que diz respeito a esta área. No início deste ano, foi feita aqui uma conferência internacional sobre aditivos alimentares, com mais de 300 participantes de mais de 50 países. Isso significa alguma coisa. São organizações internacionais que conseguimos trazer, através do apoio da China. É um sinal de que Macau quer elevar os seus padrões ao nível internacional. A par da segurança alimentar, que outras áreas é que o preocupam? Muitas áreas. As vias públicas são uma realidade que temos de enfrentar. O crescimento acelerado da cidade obriga a ter valas sempre abertas. É uma consequência da realidade do crescimento da cidade. Reduzir o número de obras não é uma solução – leva a apenas a uma acumulação de pedidos. A cidade obriga a estas transformações. O que pode ser feito é reforçar a coordenação, que tem que ver com os diversos serviços e também com os concessionários. A coordenação poderá ser melhorada. Juntamente com a secretária para a Administração e Justiça e com o secretário para os Transportes e Obras Públicas, conseguimos melhorar esta coordenação. Antes de tudo, é preciso haver um aviso prévio da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) para podermos emitir uma licença. Sem o parecer deles, não há emissão de licença, isto para presumir, logo à partida, que a montagem e o percurso da obra sejam delineados conforme a indicação da DSAT. “[As duas câmaras] tinham posturas diferentes e isso torna bastante difícil a execução de algumas políticas. Esta fusão faz todo o sentido.” Para garantir mais fluidez no trânsito? Sim, e para reduzir ao máximo os distúrbios que possam afectar a cidade durante as obras. Foi uma melhoria conseguida. O assunto foi abordado pelo Comissariado da Auditoria (CA), uma chamada de atenção feita acerca do período 2014-2015. Vimos o relatório. Achamos que há partes em que existe margem para melhorar e estamos a trabalhar nesse sentido. Outra preocupação tem que ver com os mercados e os vendilhões. Queremos alterar as leis sobre esta matéria porque já são muito antigas, vêm ainda da Administração Portuguesa. É um assunto urgente para resolvermos. As duas câmaras – o Leal Senado e a Câmara das Ilhas – tinham posturas diferentes. Nas ilhas fazia-se de uma maneira, aqui fazia-se de outra. Até hoje continua a ser assim porque a lei não foi mudada. Para nós, é muito difícil essa gestão. Depois, há ainda as zonas de lazer, que também foram alvo de um relatório do CA, que apontou algumas deficiências nos jardins e também nos espaços destinados às crianças. Tivemos essa preocupação e tudo foi composto em oito meses, conforme aquele relatório. Só que, durante este tratamento, verificámos outros problemas que não constavam da auditoria. Estamos agora a resolvê-los e espero que, até ao final do ano, o trabalho esteja concluído. Mas é um trabalho constante, porque a casa é grande. Estamos a falar de Macau inteiro. Em 2001, quando acabaram as Câmaras Municipais Provisórias, o Cotai não existia, era apenas um istmo. Faria algum sentido voltar a ter duas câmaras, atendendo a que hoje a Taipa e o Cotai têm uma dimensão muito maior do que quando foi pensado o IACM? Ou é preferível ter só uma estrutura? Acho que faz sentido ter só uma estrutura. Outrora, quando existiam duas câmaras, isso trouxe alguns problemas para a Administração, como referi. Tinham posturas diferentes e isso torna bastante difícil a execução de algumas políticas. Esta fusão faz todo o sentido. O IACM tem uma postura para todo o território. A nossa população e a nossa dimensão não justificam ter duas câmaras. Aliás, o IACM já não é uma câmara – a figura da câmara era um poder local que, agora, já não existe. O IACM precisa de ter maior autonomia, atendendo às funções de proximidade com a população? O IACM consegue satisfazer todas as necessidades da população com a sua estrutura actual. Temos uma grande proximidade com a população. Temos reuniões regulares com o Conselho Consultivo do IACM, colóquios nas freguesias, com os Conselhos Consultivos de Serviços Comunitários por Zonas, sessões abertas com a Administração, temos Centros de Prestação de Serviços ao Público, Postos de Atendimento e Informação, linhas telefónicas de atendimento ao público, com sistema de gravação de mensagens fora do horário de expediente, contas no Wechat, etc.. Não há outro serviço que tenha uma abertura junto da população como o IACM. Achamos que a actual estrutura do IACM é suficiente para dar resposta à realização de uma relação de proximidade com a população. Nos últimos tempos, o IACM perdeu competências em duas áreas – no desporto e na cultura. O desporto é uma área que lhe é muito próxima, trabalhou muitos anos neste campo. Que balanço faz destas alterações em termos orgânicos? Atendendo à complexidade de Macau, uma cidade muito densa, fez sentido libertar o IACM destas duas pastas? Fez e não fez. Fez, em certo sentido, por temos funções amplas e contacto próximo com a população. Mas também por isso os eventos culturais e desportivos podiam servir de elo de ligação com a população. Davam uma margem de manobra para o IACM poder ter um papel mais interventivo nas actividades recreativas, numa ligação mais imediata com a população. O que é que deverá ser o IACM no futuro? Acho que o IACM não deverá ser muito diferente do que é agora. O trabalho vai ser sempre feito por alguém. A criação de órgãos municipais sem poder político está prevista pela Lei Básica. São órgãos incumbidos pelo Governo de servir a população, designadamente nos domínios da cultura, recreio e salubridade pública, bem como dar pareceres de carácter consultivo ao Governo da RAEM em relação a essas matérias. Ou seja, o IACM, no futuro, não deverá ser muito diferente daquilo que conhecemos hoje. Julgo que essa mudança não traz grandes alterações em termos de prestação de serviços. Pode mudar o nome, pode mudar internamente alguns aspectos mas, por fora, o trabalho será o mesmo. Haverá um nome diferente, com uma estrutura eventualmente diferente, poderão ser feitos alguns pequenos ajustes, até porque já passaram 15 anos, aproveitando também para se adaptar à nova realidade de Macau. Com a introdução dessa figura poderemos então esperar que haja um aproveitamento do que é hoje o IACM? É uma reestruturação do IACM, porque já passaram 15 anos desde a sua criação. É preciso ter-se também em conta a nova realidade de Macau. “[A criação de um órgão municipal] pode mudar o nome, pode mudar internamente alguns aspectos mas, por fora, o trabalho será o mesmo.” Voltando ao trabalho que tem estado a desenvolver. Há planos para mais colaborações com entidades de fora de Macau, à semelhança da que estabeleceu com a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) de Portugal? Temos colaborações com várias entidades, quer aqui em Zhuhai, Cantão, Pequim, China e também em Portugal. É uma colaboração estreita, sobretudo na área da segurança alimentar. Isto é muito importante porque esta integração permite a troca de informações, há uma colaboração muito próxima em termos de tecnologias que estão a ser implementadas para a detecção de problemas. Além da segurança alimentar e do CEPA, temos uma colaboração constante com outras organizações internacionais, como na área da importação de animais e plantas em vias de extinção – que é muito importante, porque há muita prática de contrabando nesta área –, e Macau é obrigada a cumprir estas normas porque faz parte dos tratados neste âmbito, e nas áreas de inspecção fitossanitária e sanitária, e de prevenção e controlo de epidemias animais. Isto também está dentro do nosso pelouro. A colaboração com a ASAE está a ser muito frutífera, porque mal a secretária para a Administração e Justiça assinou o protocolo com o ministro, foi logo desencadeada uma série de iniciativas. O inspector-geral da ASAE esteve aqui comigo, traçámos metas, logo a seguir fizeram-se três seminários, para o ano vamos lá para acertar outras coisas, pelo que acho que está a resultar. Mas há mais ideias deste género para o futuro? A colaboração não pára aí. Estamos agora a implementar uma plataforma de transacções electrónicas online do Centro de Distribuição de Produtos Alimentares dos Países de Língua Portuguesa. É muito importante, quer para nós, quer para eles. Vem na linha da política “Uma Faixa, Uma Rota”. Iremos criar um mecanismo permanente, sincronizado e mútuo, de inspecção para produtos lusófonos que passam por Macau. Vai permitir que os produtos sejam colocados à venda no mercado com maior brevidade. É macaense, presidente do conselho de administração do IACM, um órgão com uma importância grande na cidade. Há uns anos, esperava que isto fosse possível? Sempre foi possível. O secretário Raimundo do Rosário é macaense. É nomeado pelo Governo Central. Tudo é possível. Só que eu não esperava. Foi uma surpresa para mim – agradeço o convite feito pelo Chefe do Executivo, agradeço à secretária para a Administração e Justiça, pela confiança que me foi depositada, porque nunca pensei que um secretário-dactilógrafo do Leal Senado fosse, um dia, presidente do IACM. Comecei a minha carreira aqui, tenho 33 anos de serviço, tive esta grande oportunidade. Para retribuir, vou dar o meu máximo. Sente saudades do Instituto do Desporto? Sou um homem do desporto. Continuo a ser um homem do desporto.
João Luz Manchete PolíticaAL | Regime do Ensino Superior aprovado na especialidade Macau passou a ter um regime legal que regulamenta o ensino superior, depois da aprovação da proposta de lei na especialidade em plenário da Assembleia Legislativa. A prescrição de matrícula, a avaliação de instituições e cursos, e o fundo do ensino superior foram as matérias que suscitaram mais dúvidas entre os deputados [dropcap style≠’circle’]”A[/dropcap] aprovação desta lei é um marco.” Assim começou a declaração de intenção de voto de Gabriel Tong. O secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, congratulou os deputados pela aprovação da lei depois de uma esgrima argumentativa na especialidade que se arrastou ao longo de 38 reuniões. Um dos primeiros assuntos que levantou questões foi a figura jurídica da prescrição de matrículas de alunos que não concluam os seus estudos dentro de um prazo definido. Mak Soi Kun entende que esta limitação não vai de encontro à política de formação de talentos, como tal pediu a votação do artigo respectivo em separado. Alexis Tam começou por argumentar que esta medida não se verifica apenas em Macau, sendo comum em todo o mundo como forma de garantir que os recursos são investidos de forma eficiente. O secretário recordou que esta já havia sido uma questão amplamente discutida na comissão permanente aquando da discussão na especialidade da proposta de lei. O deputado Gabriel Tong tomou a palavra para opinar que não vê no regime de prescrição qualquer objectivo de limitar a acção dos alunos. Outro dos capítulos que levantaram dúvidas dos deputados foi a forma como as instituições de ensino e cursos vão ser avaliados. Sou Chio Fai, coordenador do Gabinete de Apoio ao Ensino Superior (GAES) explica que as medidas têm como objectivo garantir a qualidade do ensino. O coordenador explicou que esta plataforma de avaliação permite uma maior competitividade e promove as boas práticas educativas. Igualmente, os cursos novos precisam de acreditação, reconhecimento de mérito académico que garanta ensino de qualidade. No aspecto da avaliação, Au Kam San manifestou a opinião de que as normas de avaliação são demasiado abstractas. Fundos e mundos Ainda no âmbito da avaliação, Pereira Coutinho argumenta que as normas que regem este mecanismo não são explícitas. “Quem faz a avaliação, uma entidade pública, ou privada?”, interrogou. Já Mak Soi Kun recordou ao hemiciclo os casos de corrupção nas fiscalizações que aconteceram na ponte em Y e no escândalo dos falsos exames às emissões de gases poluentes nos automóveis do grupo Volkswagen. O tribuno demonstrou preocupação pela possibilidade de ser contratada uma empresa de fiscalização que falsifique resultados. Alexis Tam tranquilizou os deputados reforçando a ideia de que a avaliação das instituições de ensino é um garante de qualidade. O secretário adiantou que não será o GAES a tratar desse assunto, que não haverá auto-avaliação e que serão convidadas instituições estrangeiras, europeias, norte-americanas para proceder à apreciação. No que diz respeito ao financiamento, Pereira Coutinho levantou algumas dúvidas, nomeadamente no que toca ao ensino superior privado. Nesse sentido, o deputado considera que o Fundo do Ensino Superior deve respeitar princípios de equidade e transparência. Uma das questões mais sensíveis levantadas pelo português foi como evitar duplo financiamento de instituições privadas. Alexis Tam explicou que vai caber ao GAES a gestão deste mecanismo público de financiamento e que os polos de ensino superior privado vão receber menos através do Fundo do Ensino Superior, uma vez que já recebem através da Fundação Macau e do Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e Tecnologia. O secretário para os Assuntos Sociais e Culturais garante que o GAES terá “uma boa comunicação com a Fundação Macau” para evitar duplos financiamentos. Outra questão é a necessidade de reformulação do GAES que este diploma levanta. Alexis Tam anunciou que já “existe uma lei orgânica preparada para munir o futuro gabinete de competências para assumir mais funções”. As novas missões do GAES vão além da monitorização das universidades e outros estabelecimentos de ensino superior, vão também acompanhar os trabalhos de avaliação e acreditação, além da gestão do Fundo do Ensino Superior.