Hoje Macau Grande Plano MancheteGaza | Mortandade sobe com ataques israelitas, enquanto Nações Unidas discutem solução Depois de uma semana de hostilidades, à hora do fecho desta edição o número de mortos do lado palestiniano ronda as duas centenas, com mais de 50 crianças mortas, enquanto do lado israelita as baixas contam-se pelos dedos de duas mãos. O Conselho de Segurança da ONU reuniu ontem para tentar encontrar uma via que conduza ao cessar-fogo, com a China a culpar Washington pela inacção das Nações Unidas A reunião, inicialmente marcada para sexta-feira com carácter de urgência, foi solicitada por 10 dos 15 membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas (China, Tunísia, Noruega, Irlanda, Estónia, França, Reino Unido, São Vicente e Granadinas, Níger e Vietname). Os últimos dados do Ministério da Saúde palestiniano apontam para a existência de 181 vítimas mortais na Faixa de Gaza na sequência dos bombardeamentos do exército israelita. Do lado de Israel, o último balanço dá conta de 10 mortos. Os Estados Unidos, que tinham rejeitado a data de sexta-feira para a reunião, mostraram-se favoráveis a que o encontro se realizasse no início da próxima semana, “para dar um pouco mais de tempo à diplomacia para conseguir resultados”, nas palavras do chefe da diplomacia norte-americana, Antony Blinken. Porém, Washington acabou por concordar em realizar a reunião de emergência ontem, numa solução de compromisso entre as duas datas, segundo fontes diplomáticas. A realização deste tipo de reuniões de urgência por videoconferência requer o consenso dos 15 Estados membros do Conselho de Segurança, mas tem sido prática comum nos últimos meses, devido à pandemia de covid-19. O Ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, foi uma das vozes que apelou à intervenção do Conselho de Segurança para procurar o alívio da escalada de violência e culpou os Estados Unidos pela inacção da ONU. “Infelizmente, o conselho tem falhado sem chegar a consensos, com os Estados Unidos a apostarem numa posição que contraria a justiça internacional”, referiu no sábado Wang, citado pela Xinhua, numa conversa telefónica com o seu homólogo palestiniano Shah Mahmood Qureshi. O governante chinês voltou a expressar o apoio à chamada solução de dois estados independentes, via que deve ser a prioridade das Nações Unidas, com vista a colocar de novo Israel e Palestina na mesa de negociações. Cruz que se carrega O Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV) pediu ontem aos membros do Conselho de Segurança da ONU que “exerçam influência máxima para acabar com as hostilidades entre Israel e Gaza”, um conflito de “intensidade nunca antes vista”. “As populações de Gaza e de Israel enfrentam o mais intenso ciclo de hostilidades registado em anos”, refere o CICV num comunicado publicado a poucas horas de ter lugar uma reunião virtual do Conselho de Segurança da ONU dedicada ao conflito no Médio Oriente. No mesmo comunicado, citado pela Agência France-Presse (AFP), o CICV apela a todas as partes que “ponham fim à escalada (da violência) e garantam o melhor acesso às pessoas afectadas na Faixa de Gaza”. “A intensidade deste conflito é algo que nunca tínhamos visto antes, com ataques aéreos incessantes contra Gaza, uma zona densamente povoada, e com foguetes a atingirem grandes cidades de Israel, provocando a morte de crianças de ambos os lados”, refere o director-geral do Comité Internacional da Cruz Vermelha, Robert Mardini. Leve reprimenda A Casa Branca advertiu Israel de que garantir a segurança dos jornalistas é “primordial”, após uma investida israelita ter destruído um edifício em Gaza onde funcionava a agência de notícias Associated Press, que ficou “chocada e horrorizada” com o ataque. “Dissemos directamente aos israelitas que garantir a segurança dos jornalistas e dos meios de comunicação independentes é uma responsabilidade de importância crítica”, disse a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki. As forças armadas israelitas destruíram no sábado um edifício que albergava os escritórios da agência de notícias Associated Press (AP) e outras organizações jornalísticas em Gaza, num ataque à capacidade de os meios de comunicação reportarem o que se passa no território. O ataque, cujas razões continuam por explicar, aconteceu uma hora depois de os militares terem avisado o proprietário que iam atacar o edifício, ordenando a sua evacuação. Através de uma declaração, a AP manifestou-se “chocada e horrorizada” com o ataque israelita, que destruiu a torre que albergava os seus escritórios e os da Al Jazeera, em Gaza, que classificou de um “desenvolvimento incrivelmente inquietante”. “Estamos chocados e horrorizados com o facto de os militares israelitas terem atacado e destruído o edifício que alberga o escritório da AP e outros meios de comunicação em Gaza”, disse o presidente da agência norte-americana de notícias, Gary Pruitt. E acrescentou: “Há muito que conhecem a localização do nosso escritório e sabiam que os jornalistas estavam lá. Fomos avisados de que o edifício seria atingido”. “Este é um desenvolvimento incrivelmente perturbador. Evitámos por pouco a terrível perda de vidas. Cerca de 10 jornalistas e ‘freelancers’ da AP estavam no edifício e, felizmente, conseguimos retirá-los a tempo”, disse. Pruitt referiu que a AP solicitou informações ao governo israelita e que está em contacto com o Departamento de Estado norte-americano para tentar saber mais. “O mundo estará menos informado sobre o que está a acontecer em Gaza por causa do que aconteceu hoje”, concluiu. Ex-vizinhos de escritório Por seu lado, o chefe do gabinete da Al Jazeera na Palestina e em Israel classificou o ataque como um “crime” e uma tentativa de o exército israelita “silenciar os media”. Falando em directo no canal de notícias em língua árabe, o chefe do gabinete da Al Jazeera para a Palestina e Israel, Walid al-Omari, disse que este “crime” era mais um de uma “série de crimes perpetrados pelo exército israelita”, em Gaza. Israel não quer “apenas espalhar a destruição e a morte em Gaza, mas também silenciar os meios de comunicação social que vêem, documentam e dizem a verdade sobre o que está a acontecer”, adiantou, advertindo que tal “é obviamente impossível”. O proprietário da Torre Jala, Jawad Mehdi, disse que um oficial dos serviços secretos israelitas o avisou, antes do ataque, que tinha uma hora para evacuar o edifício. Mehdi pediu mais 10 minutos para os jornalistas levarem o seu equipamento, o que foi recusado. A Al Jazeera confirmou na rede social Twitter que os seus escritórios estavam no edifício e transmitiu imagens ao vivo do desmoronamento da torre, envolta numa nuvem de poeira. O exército israelita alegou que equipamento militar do Hamas se encontrava no edifício, onde os profissionais dos meios de comunicação estavam a ser utilizados como “escudos humanos”. Disse ainda que avisou previamente “os civis” no seu interior. Rotas de fuga A passagem de Rafah, aberta excepcionalmente pelo Egipto para a entrada das ambulâncias na Faixa de Gaza, não é controlada por Israel, que impôs um bloqueio ao enclave palestiniano há cerca de 15 anos. Por norma, esta passagem fronteiriça está encerrada aos feriados, incluindo a Eid al-Fitr, a celebração muçulmana que marca o fim do jejum do Ramadão e que começou na quarta-feira. Uma criança foi o único sobrevivente depois de um bombardeamento das forças israelitas ter pulverizado no sábado de manhã uma casa no campo de refugiados de al-Shati. Entre os escombros foram encontrados 10 corpos, oito deles de crianças, de acordo com a agência de notícias palestiniana WAFA. Ontem de manhã, um ataque aéreo das forças israelitas atacou vários prédios em zonas residenciais e estradas numa parte da cidade de Gaza. Fotos de residentes e jornalistas mostraram os danos provocados pelas bombas, incluindo uma cratera que bloqueou um dos principais acessos a Shifa, o maior hospital da faixa de Gaza. Num comunicado, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse estar “desolado” com o número de baixas civis. “O secretário-geral recorda todas as partes que atacar indiscriminadamente alvos civis e meios de comunicação social são violações das leis internacionais e devem ser evitados a todo o custo”, afirmou em comunicado. O chefe da diplomacia europeia convocou para amanhã uma reunião de emergência dos ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia (UE) por videoconferência para discutir a escalada da violência entre Israel e palestinianos. “Tendo em conta a escalada em curso entre Israel e a Palestina e o número inaceitável de vítimas civis, convoco uma videoconferência extraordinária dos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE para terça-feira”, escreveu Josep Borrell na sua conta na rede social Twitter. Segundo o alto representante da UE para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, os ministros irão “coordenar e discutir a maneira como a UE pode contribuir para pôr fim à violência actual”.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteJornalista José Pedro Castanheira recorda ligação com Roque Choi: “Uma fonte absolutamente excepcional” A forte ligação profissional que uniu o tradutor-intérprete Roque Choi ao jornalista de investigação José Pedro Castanheira foi recordada esta quarta-feira numa masterclass online promovida pelo Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa. Castanheira diz “dever-lhe muito” e recordou o “silêncio total” que ainda permanecia sobre o 1,2,3 na década de 80 O jornalista de investigação português José Pedro Castanheira, autor de dois livros sobre Macau, recordou esta quarta-feira a ligação profissional intensa que desenvolveu com Roque Choi, que foi intérprete-tradutor de todos os governadores de Macau a partir dos anos 40, e até 1999, e uma importante figura nas comunidades portuguesa, chinesa e macaense. O diálogo aconteceu numa masterclass promovida pelo Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, intitulada “Encontros de um repórter com Salazar”. “Ajudou-me muito a escrever a reportagem sobre o 1,2,3”, começou por dizer. “Quando estive em Macau, no final da Administração portuguesa, voltei a cruzar-me com Roque Choi que me confirmou a sua confiança e simpatia por mim.” Mas já antes, em 1987, José Pedro Castanheira se havia cruzado com ele, aquando de uma visita realizada ao território na qualidade de presidente do Sindicato de Jornalistas. “Quando ele apareceu foi, precisamente, como intérprete. Falei com os directores dos jornais chineses de Macau e foi ele que traduziu. Eu poderia ser filho dele, pois nasceu nos anos 20, respeitávamo-nos e tivemos uma colaboração magnífica. Foi uma fonte absolutamente excepcional. Todo o meu trabalho sobre Macau tem a impressão digital do senhor Roque Choi.” Para escrever o livro sobre o 1,2,3, intitulado “Os 58 dias que abalaram Macau”, José Pedro Castanheira conseguiu também outro acesso valioso a fontes documentais. “O Arquivo Histórico-Diplomático [em Lisboa] desclassificou a meu pedido toda a correspondência entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros em Lisboa e o Governador de Macau dessa época. É uma documentação riquíssima.” Roque Choi, que esteve “no centro do furacão”, uma vez que “todos os segredos passaram por ele”, voltaria a cruzar-se com Castanheira nos anos 90, quando deu uma longa e talvez a última entrevista, publicada na íntegra anos mais tarde no livro “Roque Choi – Um homem, dois sistemas”, de Cecília Jorge e Rogério Beltrão Coelho. “Acabou por me dar uma longuíssima entrevista de dezenas de horas no seu gabinete do banco, de que era administrador, e através da conversa e da sua vida fui capaz de reconstituir a vida de Macau e da Administração portuguesa, e das relações com o poder político em Pequim. Foi um privilégio inacreditável ter tido acesso a essa fonte, que é única. É a melhor fonte sobre a história de Macau dos últimos 50 anos, não tenho qualquer dúvida.” “Silêncio” sobre o 1,2,3 José Pedro Castanheira recordou ainda que, aquando da sua primeira visita ao território, ouviu falar do 1,2,3, mas havia ainda muito por dizer e explorar, em 1987. “Falaram-me logo de uma coisa chamada 1,2,3 que achei estranhíssima, um nome de código. E depois explicaram-me que era o nome conhecido dos reflexos da Revolução Cultural em Macau.” “Havia um silêncio total sobre o 1,2,3. As pessoas tinham vergonha, medo de falar nisso. Achei isso tão estranho que prometi a mim mesmo que a próxima vez que fosse a Macau haveria de tentar encontrar pistas e fontes que me iriam levar a perceber o que se tinha passado nesse mês de Dezembro de 1966 que se prolongou até Março e Abril de 1967, mas em Hong Kong”, recordou ainda. Confiança de Rosa Casaco Na mesma masterclass, o jornalista, que começou a exercer em 1974 e é jornalista do semanário Expresso desde 1989, lembrou ainda a sua entrevista a António Rosa Casaco, o agente da PIDE [polícia política do tempo do Estado Novo] responsável pelo assassinato do general Humberto Delgado, candidato à Presidência da República em 1958 e que disse, caso fosse eleito, que demitiria Salazar, então presidente do Conselho. Essa conversa, publicada na revista do Expresso em 1998, é fundamental pela “importância que tem na nossa memória colectiva do assassinato do general Humberto Delgado”, tido como “o maior crime pessoal e político cometido pela ditadura em território continental português”. Nas ex-colónias portuguesas, “o maior crime cometido foi o do assassinato de Amílcar Cabral”, apontou Castanheira. “Tive sorte”, respondeu quando questionado como conseguiu a entrevista com Rosa Casaco, que à data tinha sido condenado, à revelia, a oito anos de prisão. “Tenho tido acesso a muitas boas fontes e no caso particular do Rosa Casaco tive acesso a uma que resultou. Tentei usar várias, lancei o anzol, e tive a sorte de uma delas morder o isco. E revelou-se de uma tremenda eficácia, pois levou-me directamente ao Rosa Casaco. Era uma pessoa muito próxima dele que merecia a confiança.” O jornalista recorda que teve de esperar dois anos até estar frente a frente com Rosa Casaco. “A fase final foi de intensas negociações, porque o Rosa Casaco impôs uma série de condições, por escrito, mandou-me um documento que ainda guardo e tenciono usá-lo quando escrever as minhas memórias como repórter, porque tem mais de 20 páginas. Inclusivamente é engraçado porque é um documento onde assina todas as páginas autenticando, e a última página tem a sua assinatura e impressão digital.” Com a confiança a aumentar, Rosa Casaco acabaria por se deixar fotografar, condição que inicialmente recusou. “A entrevista foi publicada com uma série de fotografias do próprio Rosa Casaco junto à Torre de Belém, feitas pelo meu colega Luís Carvalho.” José Pedro Castanheira não tem dúvidas de que esta entrevista foi dada com o intuito de passar uma clara mensagem. “Na nossa gíria, como costumamos dizer, não há entrevistas grátis. Durante muitos anos achava que sim, hoje não tenho ilusões. Mas só percebi a intenção dele depois da entrevista. Rosa Casaco, quando me deu a entrevista, calculou muito bem o timing. Percebi que ele fez as contas e considerou que em 1998, quando me deu a entrevista, em Fevereiro, prescrevia a pena pela qual tinha sido condenado. Ele apostou forte nisso e nesse momento pensou que já podia falar e ajustar contas com a democracia. A entrevista foi uma tentativa de ajuste de contas com a democracia.” “Tentei convencer o Luís Carvalho a fazer as fotografias junto à sede da PIDE, mas o Rosa Casaco preferiu que essas fotografias fossem feitas na Torre de Belém e tiveram muito mais impacto. A ideia era vingar-se da democracia e humilhar a Polícia Judiciária e a Interpol, pois havia um mandato de captura. Ele acabaria por ter razão, porque houve depois uma pugna judicial que foi até ao Supremo Tribunal de Justiça. Posteriormente o Tribunal Constitucional foi chamado a intervir, e o último acordão do TC considerou que a pena de Rosa Casaco havia caducado. Ele podia estar em Portugal”, rematou Castanheira. Ainda sobre as diferenças do aparelho censório entre os períodos em que Salazar e Marcelo Caetano estiveram no poder, José Pedro Castanheira não tem dúvidas de que houve uma mudança. “É inquestionável que houve uma grande descompressão por parte da censura, sobretudo a partir do momento em que Marcelo Caetano toma posse. Até à posse de Caetano era tudo controlado à minúcia, ao segundo, à palavra. É o próprio secretário de Estado [Paulo Rodrigues] que tutela a censura que dá a notícia da morte de Salazar e é ele que leva o comunicado oficial à Emissora Nacional para ser lido pelo locutor de serviço. E antes de passar o comunicado para as mãos dele, o Paulo Rodrigues decide fazer ainda mais uma alteração no comunicado”, exemplificou.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteGastronomia | Patuá, a casa da comida macaense em Lisboa É na rua Ilha de São Tomé, em Lisboa, que mora o restaurante Patuá, de Francisco Rodrigues e Daniela Silvestre. Ele é um macaense que nunca pôs um pé em Macau, mas cresceu a ouvir histórias do território e a aprender as receitas da família. Ela estudou antropologia e sempre foi fascinada pela cultura oriental. O Patuá é, neste momento, o único restaurante que serve comida macaense em Lisboa “Isto aqui são caixas de cigarros que o tio Rogério trouxe.” A decoração do restaurante Patuá, em Lisboa, é feita de memórias familiares, coisas que se foram buscar às vivências antigas em Macau e que se trouxeram para Portugal depois de muitas viagens. O menu também tem pedaços dessas memórias, com receitas que foram passando de boca em boca, feitas com ingredientes partilhados. Aberto em Outubro de 2019, o Patuá, de Francisco Rodrigues e de Daniela Silvestre, tem vindo a resistir à crise gerada pela pandemia e é hoje o único restaurante em Lisboa de comida macaense. Além do tradicional minchi – e há também uma versão vegan, com soja – servem-se pratos como o bacalhau macaísta ou o caril de quiabos. Francisco Rodrigues nunca viveu em Macau, mas os laços que o unem ao território são muitos. A família regressou a Portugal após o 25 de Abril de 1974 com receio de um novo 1,2,3 e fixou-se em Torres Vedras. Francisco foi crescendo a ouvir histórias de uma Macau que já não existe e a aprender umas palavras de cantonês. O interesse pela gastronomia macaense foi crescendo e materializou-se na abertura do seu próprio negócio ao lado da companheira, Daniela Silvestre que, além de ser formada em antropologia e cozinha, sempre foi uma apaixonada pela comida chinesa e pela cultura oriental. “Eu é que trago a bagagem da comunidade macaense do lado da minha mãe”, contou Francisco ao HM. “A minha avó era chinesa, o meu avô de Castelo Branco. A influência macaense sempre foi ecoando nos anos em que trabalhei na cozinha, de forma inconsciente. Assumir o lado macaense foi também para não deixar isto morrer”, adiantou. Depois de uns meses fechado ou a funcionar apenas em regime de take-away, o Patuá quer agora regressar em força e manter a clientela que conseguiu conquistar. “Uma das grandes inspirações para o nosso menu são aquelas fotografias antigas de que o Francisco fala, de Macau, que são fascinantes porque vemos uma série de pessoas de todo o mundo a partilharem comida. Queríamos que o Patuá fosse reflexo disso, uma casa onde o regime alimentar não fosse um constrangimento à comensalidade. queremos que o Patuá seja um sítio de partilha de comidas e de conversas. Temos também a premissa de que cozinhamos o que gostamos de comer”, contou Daniela. Há quem vá ao Patuá para ter “uma experiência macaense”, e aí são escolhidos pratos como o minchi, o porco balichão, o bacalhau à macaísta ou o peixe à Cantão. Mas há depois grupos de macaenses “discretos”, que se revelam pelos pedidos que fazem. Daniela e Francisco recordam um macaense vegan que, depois de anos sem comer minchi, provou a versão com soja. “Disse-nos: voltei a casa, achei que nunca mais ia comer minchi na minha vida.” Viagem de sonho Francisco e Daniela mostram os livros que têm folheado nos últimos anos e nos quais se inspiram para as suas criações. Na prateleira está “Sabe comer com pauzinhos?”, de Cecília Jorge, mas também receitas africanas e da Índia. Os ingredientes da comida macaense misturam-se com sabores de outros lugares e não há como fugir a esse paradigma. “Costumo dizer que o minchi é tão bom como a tua empregada era chinesa”, exemplifica Francisco. “[A origem do minchi] depende sempre das gerações de macaenses que vou conhecendo. Há quem diga que vem da comida malaia ou indiana. Na base do molho do balichão temos o óleo de Palma. Se formos a ver bem, havia guineenses em Macau, e são exímios em usar marisco seco desidratado. O balichão é isso, camarão seco pisado com banha, alhos. Não devia haver controvérsia [sobre a origem da comida macaense], deveria haver aceitação”, frisou Francisco. Além de querer introduzir no menu o minchi de peixe, os chefes gostariam de ver sessões de cozinha ao vivo com comida macaense com idosas que guardam as suas receitas. Mas ir a Macau e fazer trabalho de campo é um dos grandes sonhos do casal. “Queríamos passar uma temporada em Macau para investigar a comida. Queremos ver livros e falar com pessoas, recolher informação. Infelizmente a D. Aida de Jesus já não está entre nós, seria um sonho conhecer essa pessoa”, disse Daniela Silvestre. Apesar do trabalho de preservação que é feito a nível institucional, nomeadamente com a Casa de Macau em Lisboa, Francisco Rodrigues defende que, para que a gastronomia macaense resista no tempo, “é preciso haver vontade do povo”, além da “vontade política”. “É necessário primeiro a preservação cultural parte do colectivo, em manter vivas as receitas e transmiti-las. Há montes de famílias com essa documentação que se vai perder”, rematou. Restaurantes fecham portas, mas prometem regressar Além do Patuá, Lisboa tinha ainda mais dois locais onde se podiam provar pratos verdadeiramente macaenses, mas que fecharam portas devido à pandemia. Um deles era a Taberna Macau, projecto do chefe André Magalhães, que funcionava na zona do Martim Moniz. “Sempre achei que Macau estava muito mal representado em Lisboa e que era preciso fazer alguma coisa. Estávamos muito empenhados no projecto e acabamos por fechar, com muita pena. Não era viável, tínhamos muitos empregados e deixamos de ter clientes”, contou ao HM. André Magalhães confirma que, neste momento, o restaurante Patuá é o único espaço que resta “com essa identidade” da comida macaense. Mas mesmo com a crise, o chefe de cozinha promete voltar ao conceito da Taberna Macau, um projecto que considera “interrompido”. “Teve algum sucesso e percebemos que aquele sítio não era o mais indicado, pois as pessoas mereciam um serviço mais cuidado. Temos o nome e a marca e gostávamos um dia de voltar a este projecto. Conseguimos fidelizar clientes e tivemos pessoas que pela primeira vez descobriram a comida macaense. Foi muito gratificante enquanto durou.” Outro restaurante em Lisboa com pratos macaenses que fechou portas devido à crise foi a Cozinha Urbana, de Sara Veríssimo. No entanto, a chefe de cozinha, que viveu em Macau entre os 3 e os 13 anos, vai abrir um novo espaço em Évora, chamado Kantu, com pratos asiáticos e minchi. “Será um espaço com comida de rua asiática. Vamos reunir os melhores pratos de alguns países asiáticos e fazer um restaurante com esta fusão.” Sara Veríssimo fez o curso de cozinha em Portugal aos 25 anos. “Esta parte da Ásia que me tem acompanhado nas cozinhas por onde passei vem da minha lembrança pessoal de sabores e cheiros. Não aprendi isto em Macau, porque era muito nova, mas depois de ter estudado cozinha fui fazendo alguns pratos e fui investigando. O que me guia aqui é a memória, as coisas que provei e cheirei em Macau.” Pouca aposta Também Sara Veríssimo denota que, além do Patuá, não restam em Lisboa mais espaços onde a gastronomia macaense seja protagonista. “Ninguém apostou nisso a sério até agora, à excepção do Francisco [Rodrigues]. São poucos os que enveredaram pela área da cozinha. E depois Macau não é um sítio assim tão conhecido como são as outras ex-colónias. Macau ficou assim um pouco esquecido.” André Magalhães, que além de chefe de cozinha também faz trabalho académico na área da gastronomia, explica que a pouca representatividade da comida macaense em Lisboa “é uma questão de conjuntura e de contexto. “Há uma diáspora macaense em Lisboa que está bastante envelhecida. São pessoas que têm os mesmos hábitos e que frequentam sempre o mesmo restaurante. Infelizmente os jovens macaenses não têm apostado no conceito de comida macaense. A maior parte do público também a confunde muito com a comida chinesa, nomeadamente a cantonense. E depois é difícil ter cozinheiros que saibam executar este tipo de comida”, rematou André Magalhães.
João Santos Filipe Grande Plano MancheteRenovação Urbana | Problemas sobre direito de propriedade afectam Bairro do Iao Hon Estudo sobre a renovação urbana no Bairro do Iao Hon aponta que em pelo menos 5 por cento das casas existem disputas legais sobre o direito de propriedade. Apesar de só haver respostas de cerca de metade dos proprietários da zona, maioria está contra pagamentos para a renovação Os problemas relacionados com a propriedade das casas no Bairro do Iao Hon e a vontade dos proprietários assumirem os custos são alguns dos principais desafios à renovação urbana da área. A conclusão faz parte do estudo sobre o Iao Hon, encomendado pela empresa Macau Renovação Urbana, apresentado na sexta-feira e que teve por base a realização de questionários em 2.556 fracções residenciais e não-residenciais em sete edifícios do bairro. A taxa de sucesso das respostas foi de 1.886 imóveis. Até sexta-feira passada, a Root Planning Cooperative, responsável pelo estudo, apenas tinha conseguido entrar em contacto com 55 por cento dos proprietários das fracções habitacionais e não-habitacionais da zona. Por isso, a apresentação serviu para deixar um apelo: “Só quando houver contactos e consensos com 100 por cento dos moradores dos blocos dos edifícios é que podemos avançar. Por isso, esperamos que as pessoas do Iao Hon entrem em contacto connosco para discutirmos a questão”, apelou So Man Yun, ex-docente do IPIM e uma das responsáveis pelo trabalho. Contudo, o estudo indica que existem disputas legais que impedem a identificação dos proprietários legais. Por exemplo, em pelos menos 5 por cento das fracções, a Macau Renovação Urbana identificou casos em que a propriedade dos imóveis está a ser questionada. As dificuldades advêm de questões como heranças e distribuição de bens ou divórcios litigiosos. Por outro lado, os autores reconhecem que as pessoas se sentem “relutantes” em falar da posse dos imóveis por motivos de “privacidade”. A taxa de imóveis cuja posse é alvo de disputa identificada pela Macau Renovação Urbana é superior aos casos revelados nas respostas aos questionários. Os autores do estudo acreditam que há proprietários que não sabem que vivem este tipo de problemas com as casas que dizem possuir. Esta tese é justificada com o facto de nas casas que eram ocupadas pelos proprietários apenas 3,4 por cento revelou que havia questões legais sobre a posse dos imóveis. O número sobe para a percentagem de 3,6 por cento quando se tratam de fracções não habitacionais ocupadas pelos proprietários. As taxas contrastam com os 5 por cento identificados pela Macau Renovação Urbana. Sobre as disputas, a Macau Renovação Urbana diz estar disponível para “oferecer serviços de consultadoria” e “organizar seminários sobre as questões legais”, para ajudar a clarificar as questões sobre o direito de posse dos imóveis. Apoio à renovação No que diz respeito aos proprietários das 647 fracções habitacionais que habitam nas mesmas, 455 mostraram um “forte apoio” ao projecto de renovação urbana, o que representa uma percentagem de 70,32 por cento das pessoas ouvidas. Ao mesmo tempo, 134 proprietários que habitam essas casas afirmaram “apoiar” a renovação, uma taxa de 20,71 por cento. Entre esta classe, mais de 90 por cento é a favor das obras. No polo oposto, apenas 4 fracções mostraram “forte oposição” à renovação urbana, enquanto 13 proprietários a viver nas casas disseram ser “contra” a reparação. A percentagem de proprietários contactados com sucesso que se mostrou contra o projecto é inferior a 3 por cento. Se, por um lado, a renovação urbana gera um apoio superior a 90 por cento dos proprietários que vivem nas casas, o mesmo não acontece, apesar de também haver uma maioria, quando se fala da forma preferida de compensação aos proprietários dos imóveis. Entre os 647 proprietários inquiridos, 65,8 por cento, o equivalente a 426, afirmou preferir a troca de apartamento por apartamento. Porém, estas pessoas recusam receber uma habitação pública e dizem que têm de ver a futura casa antes de aceitarem abdicar da residência actual. Entre os ouvidos, a segunda opção preferida foi a troca por troca, desde que a casa recebida não seja habitação pública. Esta preferência reúne o apoio de 37,7 por cento dos inquiridos. O top três das preferências fica concluído com a opção de regressar à casa original depois das obras, que foi mencionada em 32,2 por cento dos casos, ou pelos donos de 209 fracções. Entre as 11 opções de compensação estudadas, a possibilidade de o Governo comprar as fracções aos proprietários foi uma das menos preferidas, ficando no décimo lugar. Apenas 17 proprietários se mostraram dispostos a aceitar esta solução. Abaixo da compra das fracções, só a troca por uma das habitações para idosos, um projecto do Governo de Ho Iat Seng, que vai funcionar numa lógica de residência-lar. Paga tu… A renovação urbana reúne o apoio dos donos das casas, mas o mesmo não acontece se as pessoas tiverem de pagar o projecto. Entre os proprietários das 647 fracções, apenas 81 se mostraram disponíveis para assumir os custos da renovação. Por sua vez, um total de 158 proprietários mostrou-se a favor de pagar “parcialmente” pelas obras, o que representa uma percentagem de 24,4 por cento. Os números mostram que pouco mais de um terço dos proprietários, 36,9 por cento, está disposto a assumir os custos. Todavia, a maioria, uma percentagem de 55,2 por cento, que representa 357 proprietários, opõe-se a fazer qualquer pagamento. No entanto, os autores acreditam que dependendo da forma de compensação e eventuais ganhos para os proprietários, os apoios para a renovação podem aumentar. Na sexta-feira os representantes da Root Planning Cooperative foram igualmente questionados sobre eventuais tensões sociais que podem surgir junto das classes sem casas e que podem ter de assistir aos proprietários receberem espaços renovados, sem terem de efectuar qualquer pagamento. Na resposta, Lam Iek Chit, planeador urbanístico envolvido no estudo, sublinhou que é importante transmitir à sociedade que a renovação vai beneficiar todos os cidadãos e não apenas os moradores: “O apoio aos pagamentos vai depender da forma como se vai encarar a renovação urbana. Se o projecto só beneficiar os moradores, temos um cenário, se for explicado que vai beneficiar toda a sociedade teremos outro”, admitiu. “Vai depender de como a renovação urbana avançar”, acrescentou. Neste momento, Macau ainda não viu aprovada a Lei da Renovação Urbana. Apesar de já ter sido feita uma consulta pública, o diploma ainda não está a ser discutido na Assembleia Legislativa nem deverá chegar ao hemiciclo até Outubro. Só nessa altura os deputados eleitos nas eleições de Setembro assumem os lugares no hemiciclo. O facto de não haver ainda um modelo para a renovação, não impediu que o estudo recolhesse dados para formular uma política, mas Lam Iek Chit admite que limitou algumas das conclusões, porque não permite respostas definitivas. Por isso, uma das recomendações das conclusões do estudo é que seja definido um modelo de renovação urbana, para se poder avançar. Por outro lado, foi ainda defendido que é necessário continuar a acompanhar a situação dos donos das casas, identificar aqueles que ficaram por contactar, definir a forma de compensação e explicar a situação das eventuais casas que sejam utilizadas para troca ou acolhimento temporário. O Raio X de um Bairro População envelhecida e densidade populacional elevada com cinco pessoas por casa Além de permitir apurar a informação sobre os donos dos prédios, os resultados disponibilizados com o estudo, que na versão em português ocuparam 44 páginas, permitem fazer uma leitura sobre o tecido social do Bairro do Iao Hon. Entre as 2.556 fracções residenciais e não-residenciais de sete blocos no Iao Hon, apurou-se que em média as casas são habitadas por 5,3 pessoa, o que contrasta com a realidade média da RAEM, em que cada fracção habitacional conta com três moradores. Segundo as estimativas do estudo, 50,9 por cento das casas tem mais de 5 moradores. Em 23,5 por cento dos casos há mesmo habitações onde moram sete ou mais pessoas. O Bairro do Iao Hon é também um local de arrendamento. Segundo o trabalho, apenas 30 por cento dos donos de casas e lojas habita ou ocupa as mesmas, enquanto 45 por cento dos espaços são arrendados. Quanto aos restantes 25 por cento ainda não foi possível reunir informação. No que diz respeito aos proprietários que vivem e ocupam os espaços, o Iao Hon revela-se um bairro envelhecido, com mais de 52,86 por cento dos inquiridos a dizer que têm 61 anos ou mais. Se forem consideradas as pessoas com 51 anos ou mais, a percentagem dos proprietários das casas sobe para 73,11 por cento. Por outro lado, as fracções de habitação onde vivem os donos tendem a estar ocupadas há vários anos. Em 49,6 por cento das situações em que os donos vivem nas casas, a ocupação decorre há mais de 30 anos. Se o período de habitação for há mais de 20 anos, a percentagem sobe para 70,4 por cento das habitações. Em relação à população não residente, entre as 1.886 respostas obtidas, identificaram 803 fracções onde viviam trabalhadores não-residentes. Entre estas, a maioria das habitações era ocupadas por pessoas do Interior, que representam 81,94 das fracções. A área aparenta ser igualmente popular entre os TNR do Vietname, que ocuparam 9,71 por cento das casas na zona.
Hoje Macau Grande Plano MancheteDia Mundial da Língua Portuguesa | Marcelo diz que são precisas “mais condições” para se ler e falar o idioma O Presidente da República portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, defendeu ontem a necessidade de existirem “mais condições para se falar e ler mais português”, considerando que se tal não for feito “o português tenderá não a crescer, mas a morrer”. “É preciso haver mais condições para se falar mais e se ler mais o português”, afirmou o Presidente da República, à margem de uma visita à Escola Secundária Carolina Michaëlis, no Porto, a propósito do Dia Mundial da Língua Portuguesa. Marcelo Rebelo de Sousa destacou a importância de se dar “uma vida nova” ao Plano Nacional de Leitura, em Portugal, às escolas, às famílias e comunidade em geral. “Foi muito importante esse plano e a presença do português nos grandes órgãos de comunicação social, nos novos órgãos de comunicação social, no convívio do dia-a-dia dos portugueses, na relação de Portugal e dos países irmãos que falam português”, disse. Destacando que a língua portuguesa é “a mais importante no hemisfério sul e uma das quatro ou cinco línguas mais faladas no mundo”, o Presidente da República disse ser necessário “um esforço diário” para celebrar o português. Questionado pelos jornalistas sobre a actual situação das editoras portuguesas, o chefe de Estado afirmou ser necessário “olhar para o livro e para a política do livro”, mas também para a comunicação social. “Quanto menos se editarem jornais e revistas, quanto mais crítica for a situação das rádios e televisões que falam português, quanto mais difícil for o acesso e leitores à leitura em Portugal, naturalmente, mais o português tenderá não a crescer, mas a morrer”, salientou. Na visita à escola secundária, Marcelo Rebelo de Sousa assistiu a vários momentos que assinalaram o Dia Mundial da Língua Portuguesa, que se celebrou ontem, e em conversa com os alunos, alertou para a importância da leitura, mas também da escrita. PM destaca acordo de mobilidade da CPLP O primeiro-ministro português, António Costa, destacou a importância da assinatura, este ano, do tratado de mobilidade entre os cidadãos dos países de língua portuguesa, que constituem o modo de assinalar os 25 anos da CPLP. Este ano a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) assinala os 25 anos da sua fundação e ontem, nas celebrações oficiais do Dia Mundial da Língua Portuguesa, em Lisboa, António Costa disse esperar em breve a “aprovação do tão ambicionado tratado da mobilidade entre os cidadãos” da organização. A CPLP é hoje “uma comunidade que se une pela língua”, não é uma “comunidade que pode estar separada pelas fronteiras que existem”, afirmou. Em Julho, a CPLP organiza uma cimeira de chefes de Estado e de Governo em Luanda, ocasião em que deverá ser assinado o acordo. A língua portuguesa “é de todos e de cada um de nós”, transformando-se em cada uma das geografias onde existe um país que fala o português, considerou Costa. O governante português salientou a “relevância global do português, que oferece um contributo essencial para a afirmação dos países de língua portuguesa no contexto regional em que se inserem”. Essa é, considerou, “uma das maiores vantagens competitivas do português: tirar partido das diferentes dinâmicas demográficas, sociais e geopolíticas onde está presente”. “Hoje já somos 260 milhões de falantes que representam quase 5 por cento do PIB global”, recordou o primeiro-ministro português. Homenageando o escritor angolano Pepetela, a quem foi entregue o prémio dstangola/Camões pelo romance “Sua Excelência, de Corpo Presente”, António Costa estendeu o elogio a “todos os escritores” que “dão um contributo decisivo para o enriquecimento e renovação da língua portuguesa”. “Só não se renovam as línguas mortas” e “o português é uma língua viva que se diversifica”, afirmou, reafirmando o empenho em elevar o idioma a “língua oficial da ONU”, um “desígnio comum dos Estados que compõem a CPLP”. O português é uma língua que “garante a continuidade do conhecimento da cultura e da literatura entre gerações”, afirmou António Costa, acrescentando: “A língua une e nunca separa”. MNE: um “arco-íris onde todas as cores cabem” O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, destacou o português como uma “língua arco-íris onde todas as cores cabem”, defendendo o reforço preservação do idioma com projectos concretos. Presente na cerimónia oficial de celebração do Dia Mundial da Língua, o ministro salientou a importância do português como língua que une vários países, num património cultural e económico partilhado, e que deve ser protegida e valorizada na área da literatura, estudo linguístico, ensino e promoção das artes. “O Dia Mundial da Língua portuguesa é um dia de celebração da nossa língua”, mas também um momento de “consciencialização sobre o valor” do idioma, “pertença de um património comum”, afirmou Santos Silva. O português é hoje uma “língua pluricêntrica” que é “de todos e que pertence a todos sem nenhuma hierarquia nem nenhuma hierarquia nem nenhuma precedência” e que é “hoje bem da humanidade”, frisou. No seu discurso, o governante destacou vários projectos ligados à preservação da língua, entre os quais o programa de financiamento à tradução de obras de língua portuguesa para língua estrangeira que, no ano passado – primeira edição -, “apoiou 152 projectos editoriais de 110 editoras em 44 países”. Na sessão de ontem foi também apresentado o primeiro dicionário do português de Moçambique, dirigido por Inês Machungo, da universidade Eduardo Mondlane, um projecto “a todos os títulos emblemático”, porque é a primeira obra do género fora de Portugal e do Brasil. Trata-se do “primeiro dicionário atento às variedades africanas da língua portuguesa”, afirmou. Um dia especial O Dia Mundial da Língua Portuguesa, instituído pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em 2019, assinala-se a 5 de Maio e as celebrações decorrem em 44 países, com mais de 150 actividades, em formato misto, presencial e virtual, devido à pandemia de covid-19. O português é falado por mais de 260 milhões de pessoas nos cinco continentes, estimando-se que, em 2050, esse número cresça para quase 400 milhões e, em 2100, para mais de 500 milhões, segundo estimativas das Nações Unidas. Globalmente, 3,7% da população mundial fala português, que é língua oficial dos nove países membros da Comunidade dos Países (CPLP) e em Macau. Em conjunto, as economias lusófonas valem cerca de 1,54 biliões de euros, o que faria deste grupo a décima maior economia do mundo, se se tratasse de um país, de acordo com dados de maio de 2021 do Fundo Monetário Internacional (FMI). Os países de língua portuguesa representam 3,6% da riqueza mundial. O português é também língua oficial ou de trabalho de cerca de 20 organizações internacionais.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteLíngua Portuguesa | Do “investimento notável” aos avisos sobre o futuro Celebra-se hoje o Dia Mundial da Língua Portuguesa e, em Macau, vários especialistas afirmam que o idioma está de pedra e cal no território, tanto ao nível do ensino como dos apoios institucionais. No entanto, deixam avisos e apontam falhas: há uma necessidade de mudança e de reinvenção, pois a China pode tornar-se auto-suficiente no ensino e investigação da língua dentro de poucos anos. Rui Rocha diz que não há uma política linguística efectiva O Dia Mundial da Língua Portuguesa, celebrado hoje, constitui o mote para se traçar um retrato do estado do idioma em Macau, onde o português é língua oficial até 2049. Em declarações à agência Lusa, o director do Instituto Português do Oriente (IPOR) defendeu que as autoridades de Macau estão a fazer um “investimento notável” no seu ensino. “Por parte da Direção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude [DSEDJ] está a ser feito um investimento notável. E se olharmos especificamente para o trabalho do Centro de Difusão de Línguas [CDL] da DSEDJ, acho que esse trabalho está a ser desenvolvido não só em quantidade, mas também em qualidade”, sustentou Joaquim Coelho Ramos. “Não só o ensino da língua portuguesa em escolas oficiais e particulares do ensino não superior tem vindo a crescer, mas também em qualidade, e tem sido colocada à disposição das escolas actividades complementares que ajudam este processo de ensino de aprendizagem”, sublinhou. A justificação pode estar no papel que Pequim atribuiu ao antigo território administrado por Portugal até 1999, para se assumir como plataforma para a cooperação comercial entre a China e os países lusófonos e como base de formação de quadros qualificados bilingues em chinês e português. O director do IPOR salientou que “isso pode estar ligado ao desenvolvimento da visão da língua portuguesa como língua global e do interesse que existe, prático, do trabalho, através da língua portuguesa, de colaboração, cooperação com os países que a têm como língua oficial”. O interesse tem-se traduzido no acréscimo de solicitações junto do IPOR, acrescentou Joaquim Coelho Ramos: “Também notamos algumas instituições que vêm pedindo ao IPOR cursos de formação em língua portuguesa para os seus funcionários, com a intenção de melhor servir a população que fala português, mas também com a intenção de fazerem investimentos exteriores”. Ou seja, concluiu, “quer numa dimensão lúdica, quer numa dimensão pedagógica, quer numa dimensão pragmática ligada à economia, (…) há um desenvolvimento muito sério e muito bem feito, estrategicamente bem orientado para a língua portuguesa aqui [em Macau]”. No último ano lectivo, o curso de português realizado pelas escolas públicas subordinadas à DSEDJ contabilizava um total de 136 turmas, com 2.409 estudantes, e 27 turmas de actividades extracurriculares, com 429 alunos participantes, segundo dados oficiais. Também em 2019/2020, um total de 43 escolas particulares leccionaram o curso de português, que envolveu 5.591 alunos. Desde 2007 que a mesma entidade encarregou a Escola Portuguesa de Macau (EPM) de promover o curso intensivo de língua portuguesa, em horário após as aulas, para estudantes, com a DSEDJ a proporcionar ainda, gratuitamente, às escolas primárias e secundárias, uma plataforma de leitura ‘online’ de português. Isto além da atribuição de bolsas extraordinárias dedicada a formar quadros qualificados em cursos nas áreas de língua portuguesa ou tradução chinês-português, bem como para apoiar licenciaturas em Portugal frequentadas por residentes de Macau. Ainda no último ano, segundo a DSEDJ, 4.598 residentes foram subsidiados para participarem em cursos de português. Instituições como o Instituto Politécnico de Macau têm desenvolvido parcerias com universidades de países lusófonos na formação de docentes, intercâmbio de alunos e cooperação nos cursos de pós-graduação. Em declarações à Lusa, no final de 2020, o novo coordenador do Centro Internacional Português de Formação do IPM, Joaquim Ramos de Carvalho, assumiu a existência de um caderno de encargos para responder a crescentes exigências que vão da integração na China à criação de redes sino-lusófonas e de cooperação internacional. Os avisos No final de 2019, números enviados à Lusa pelo Governo de Macau indicavam que o ensino do português tinha crescido em Macau, nas escolas, em alunos e professores, nos últimos 20 anos sob administração chinesa. Os mesmos números apontavam para um aumento dos estudantes locais em cursos leccionados em português no ensino superior e para um crescimento dos alunos em mobilidade em Portugal. Em declarações ao HM, Carlos André, anterior director do Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa do IPM, fala de uma língua que continua “muito pujante” em Macau. “É um veículo de afirmação de um passado de que Macau se orgulha muito, num exemplo universal de diálogo entre culturas, e temos de olhar sempre com esperança para o futuro da língua portuguesa no território.” Sendo um idioma que nunca foi falado na rua, uma vez que a população de Macau sempre foi, na sua maioria, falante de cantonês, Carlos André recorda que essa característica faz com que encare a evolução da língua “com o maior optimismo”. “Há um legado histórico e é uma língua que continua a ter esta força, o que é surpreendente e não muito natural.” No entanto, deixa um aviso: as instituições académicas e institucionais têm de reinventar o papel que Macau desempenha nesta área, sob pena de o território ficar para trás. “Não pode distrair-se porque é muito importante para esse desenvolvimento [do idioma na China], mas se não der importância a isso vai ser descartado, porque com tantos doutorados na China vão podendo dispensar o apoio de Macau. Há o risco de Macau perder a importância que tem para o interior da China quanto ao ensino do português. As universidades chinesas tornam-se auto-suficientes com o seu corpo docente”, frisou. Hoje em dia, na China, há mais de cinco mil estudantes, mais de 200 professores e cerca de 50 universidades a ensinar o idioma. “A China é um case study”, aponta Carlos André. Também Rui Lourido, presidente do Observatório da China e coordenador cultural da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA), diz que “há sempre imensas coisas a valorizar”, esperando que os apoios oficiais ao idioma continuem. “Num território onde a percentagem dos falantes de português é diminuta, o grande desafio é que, com o apoio das autoridades, os jornais continuem a ser impressos em português e que se faça a difusão do português.” Para o responsável, “é muito claro o apreço que o Governo de Macau e o Governo Central [em Pequim] fazem da presença da língua portuguesa e do interesse em desenvolver essa presença, apoiando e pagando uma série de jornais em português, e apoiando o idioma como língua oficial e no apoio, através do Instituto Cultural, de actividades em língua portuguesa. Temos o desenvolvimento da EPM, que tem um papel importantíssimo.” Ausência de política Para Rui Rocha, ex-director do IPOR e do departamento de língua portuguesa da Universidade Cidade de Macau, há ainda muito a fazer na área da tradução. “Macau tinha a obrigação de ter melhores intérpretes-tradutores português-chinês e chinês-português, e deixo ao critério das pessoas para avaliar a qualidade da tradução.” “Os bons intérpretes-tradutores vêm da China. A qualidade daquilo que nós vemos, por exemplo, nas placas das ruas e anúncios privados, a forma como o português está escrito… Isto significa que não há uma política linguística a partir da Lei Básica e das leis que determinam qual é o estatuto da língua portuguesa e chinesa.” Para o responsável, a tradução e interpretação é um dos nichos mais importantes do português, a par do Direito e da Administração pública. “Há um discurso oficial sobre o número de pessoas que estão interessadas na aprendizagem da língua portuguesa. Mas uma coisa são os números, que não são tão relevantes assim. Confunde-se um bocadinho o valor do investimento em língua portuguesa com aquilo que é o seu resultado efectivo. Portanto há muita ficção à volta daquilo que é a língua portuguesa. Esta não pode ser, em Macau, uma língua de divulgação massiva.” Rui Rocha diz que nestes três nichos “não se investe muito”, pelo que “não faz grande sentido dizermos que o português está em franca expansão”. E dá exemplos. “Na China, por exemplo, deve haver cerca de cinco ou seis mil alunos a aprender português. Ora o investimento não é grande, tendo em conta que há cerca de 45 mil a aprender espanhol, 50 mil a aprender francês, ou 800 mil a aprender inglês. Na China isto não acontece porque não se quer, pois as escolas de línguas ensinam uma multiplicidade de idiomas, incluindo não só o português, mas também o francês, o inglês, o russo, o coreano, japonês, tailandês. Há quotas para cada língua.” No caso de Macau “é uma língua que não é tratada como oficial”. “Para ser tratada como tal, o sistema educativo tinha que reflectir a função e o estatuto das línguas oficiais num sistema educativo. Como não reflecte, há um défice de aprendizagem da língua portuguesa.” O responsável fala da lei quadro publicada em 1991, sobre o sistema educativo não superior, que referia que as línguas obrigatórias de ensino eram o português e o chinês. “O português nunca foi de facto e em 2006 retira-se completamente a obrigatoriedade do ensino português como segunda língua oficial”, destaca. Para o ex-director do IPOR, “não há efectivamente uma política linguística, porque se houvesse as línguas oficiais estariam vertidas no sistema educativo e as pessoas eram obrigadas a estudar as duas línguas oficiais”. Erros na avaliação Rui Rocha não deixa de apontar o dedo ao sistema de avaliação, desde “os resultados efectivos dos alunos à própria avaliação dos professores”. “Esta é uma questão que me preocupa bastante. Não há uma avaliação daquilo que é produzido em termos de ensino, ou seja, os resultados em termos de aprendizagem.” A DSEDJ “dá muito dinheiro para as escolas”, que não implementam “um ensino estruturado mas sim um bocado aleatório e errático”. “No ensino superior era importante haver uma avaliação dos resultados finais daquilo que é ensinado, quer numa licenciatura, quer numa disciplina que seja curricular. Isso não é feito, porque nós não sabemos qual é a qualidade real daquilo que sai”, rematou. Entrega de Livros O IPOR promove hoje, no Consulado de Portugal, pelas 18h30, a doação de uma colecção de livros em língua portuguesa com vista a enriquecer os acervos das bibliotecas das escolas locais, de todos os níveis de educativos, que ensinam o Português. A cerimónia contará com a presença dos representantes consulares dos países de língua portuguesa em Macau, bem como com os directores das escolas da RAEM que ensinam Português, informa o IPOR em comunicado.
Salomé Fernandes Grande Plano ManchetePlano Director | Consulta pública registou oposição a habitação no Alto de Coloane Depois da consulta pública sobre o Plano Director registar quase duas centenas de opiniões contra a criação de uma zona habitacional no Alto de Coloane, o Chefe do Executivo disse que se vai manter o espaço verde. A construção de instalações governamentais nas zonas C e D junto ao Lago Nam Van foi também rejeitada, mas o Governo defendeu a necessidade de aproveitar os terrenos para instalações colectivas O Governo recolheu um total de 1.265 opiniões na consulta pública sobre o projecto do Plano Director, subdivididas em 4.939 opiniões sobre os diversos tópicos. Mais de metade das opiniões foram sobre as finalidades dos solos, entre as quais 533 sobre as zonas habitacionais. A classificação do Alto de Coloane como zona habitacional esteve entre os tópicos mais discutidos, registando 193 opiniões discordantes. “Não concordam com a classificação do Alto de Coloane como zona habitacional, uma vez que o mesmo é considerado como pulmão e jardim de Macau, o Governo da RAEM deve proteger as colinas de Coloane”, refere o relatório. Além disso, registam-se opiniões como a construção de habitação não ajuda os cidadãos, tratando-se antes de “um tipo de transferência de benefícios aos grupos financeiros”, além de preocupações com a destruição das colinas. Em resposta às opiniões apresentadas, o Governo defende que o projecto do Plano Director prevê a construção de um edifício de baixa densidade que “não irá afectar as colinas existentes e terá uma distância e zona de protecção adequada” entre a área e a zona de protecção ecológica. O Executivo explicou ainda que o objectivo inicial era desenvolver uma zona habitacional no Alto de Coloane para que as pessoas que trabalham no Cotai pudessem ter casa na zona. No entanto, face às preocupações apresentadas o Governo compromete-se a reavaliar a proposta. “A Comissão Interdepartamental analisará o ambiente circundante do respectivo terreno, em conjugação com a relação global entre o vizinho Parque de Seac Pai Van Lai Chi Vun e reexaminará as vantagens e desvantagens do Projecto do Plano Director, de modo a procurar mais espaço que poderá ser aperfeiçoado para satisfazer as necessidades da sociedade de reservar mais espaços verdes”, pode ler-se no relatório. De acordo com o Gabinete de Comunicação Social, Ho Iat Seng já reagiu ao relatório da consulta pública e indicou que vai seguir a vontade das pessoas. “Quanto ao planeamento no Alto de Coloane, o Chefe do Executivo afirmou que o Governo aceitou as opiniões públicas emitidas sobre esta matéria, ou seja, irá manter a zona na qualidade de espaços verdes e não para fim habitacional”, diz a nota. Sem cedência A sociedade reagiu também com oposição à construção de instalações governamentais nas zonas C e D junto ao Lago Nam Van. “De um modo geral, a sociedade não concorda com a construção de instalações governamentais nesta zona e considera que esta deve ser considerada zona verde ou destinada a espaços públicos abertos e instalações culturais e recreativas”, indica o documento. As opiniões discordantes apresentadas focavam-se principalmente no “desperdício” que a construção representa numa zona em que a localização e paisagem “são excelentes”. O Governo defendeu que “é necessário aproveitar ao máximo os terrenos e construir as instalações indispensáveis para o desenvolvimento urbano”, alegando escassez de solos e insuficientes instalações colectivas. No entanto, explicou que a proporção dos terrenos destinados a construções e a zonas verdes será clarificada nos planos de pormenor. Foram ainda apresentadas 160 opiniões contra a altura máxima de 62,7 metros para os edifícios a construir nas zonas C e D, por entenderem que “é necessário proteger a sua paisagem”. No entanto, o Governo entende que o projecto do Plano Director propõe directrizes que têm em conta a preservação das paisagens do Centro Histórico de Macau. Também o Chefe do Executivo manteve que se vão construir instalações de utilização colectiva nas zonas C e D, que terão “baixa densidade e altura, de acordo com os critérios da Lei do planeamento urbanístico”. Ponto de equilíbrio Outra questão a gerar atenção foi a Zona Industrial de Ká-Hó, com opiniões a defenderem a troca de finalidade de terrenos industriais para fins habitacionais. Por outro lado, há quem seja a favor do desenvolvimento industrial e da criação de uma indústria complementar ao turismo. Com instalações como o terminal de combustíveis localizadas nessa zona, o Governo propõe que as zonas industriais se mantenham, elevando-se antes a actividade económica e a modernização industrial. No entanto, as sugestões e o parecer do Conselho do Planeamento Urbanístico serão analisados para “optimizar a instalação de zonas industriais e equilibrar as necessidades do desenvolvimento económico e da conservação”. Já o controlo de poluição foi um ponto que reuniu dezenas de opiniões favoráveis, muitas delas semelhantes e a considerarem necessário que a poluição da zona industrial de Ká-Hó seja supervisionada e a zona tampão fiscalizada, dado que “afecta as zonas habitacionais no seu redor”. Duas dezenas de opiniões focaram-se ainda nas necessidades de habitação dos jovens, propondo, por exemplo, que sejam criadas medidas de concessão para a aquisição ou arrendamento de casa. As ideias apresentadas abrangeram ainda explorar a viabilidade de “comunidades partilhadas” que ofereçam aos jovens “um novo modo de vida e de habitação. Reconhecendo que os residentes sempre mostraram preocupação com a procura de habitação, o Governo declara que vai atribuir zonas habitacionais “adequadas para grupos etários, incluindo jovens e idosos, de acordo com a situação demográfica e as suas mudanças dinâmicas”. Com o envelhecimento populacional em mente, houve quem pedisse a instalação de mais equipamentos colectivos, como lares e espaços verdes. O documento indica que as sugestões vão ser analisadas em conjunto com as opiniões do Conselho de Planeamento Urbanístico, para serem tidas em conta na elaboração do Plano de Pormenor de cada zona. Areia a mais Relativamente a novos aterros, 41 pessoas concordaram em pedir ao Governo Central a construção de um aterro para aumentar os espaços verdes na zona norte e na zona A. Em sentido oposto, houve mais vozes contra do que a favor da realização de aterros na Zona D, por preocupações com a protecção do meio ambiente e marinho. Note-se que o Chefe do Executivo já disse que o Governo aceita as opiniões sobre o aterro da Zona D e que o plano do aterro no lado oeste da Zona A implica a autorização do Governo Central. Ho Iat Seng referiu que as obras do aterro da Zona C “encontram-se muito atrasadas” devido à falta do fornecimento de areia, enquanto “o andamento das obras do aterro da Zona D também depende da evolução da situação”. Quanto às zonas de conservação ecológica, 88 por cento das 444 opiniões recolhidas mostraram-se favoráveis à sua existência. Já no âmbito dos espaços verdes e de lazer, 189 pessoas concordaram que é necessário aumentá-los, proporcionando mais espaços para actividades do público. “Nos últimos anos, os residentes têm dado mais importância à qualidade de vida em família e a espaços de actividades ao ar livre para as crianças, especialmente durante este ano, devido à epidemia”, pode ler-se. Numa vertente distinta, o desenvolvimento de uma nova zona comercial marginal no lote que estava destinado ao Parque Oceanis gerou 53 opiniões discordantes. Estas vozes consideram mais adequada a transformação do terreno em zonas verdes ou espaços abertos, como forma de preservar a paisagem visual e responder à procura de espaços públicos. Neste ponto, o Governo disse que a área será desenvolvida em conjunto com o espaço de lazer marginal, um corredor verde à beira-mar e uma ciclovia. Além disso, observou que a zona comercial deverá “encorajar concepções arquitectónicas que possam elevar a classe da cidade”.
Andreia Sofia Silva Grande Plano ManchetePatuá | Miguel de Senna Fernandes quer passar peças dos Dóci Papiaçam di Macau para livro Miguel de Senna Fernandes quer editar em livro as quase 30 peças levadas à cena pelos Dóci Papiaçam di Macau. Por ocasião da palestra online “Os Crioulos de Origem Portuguesa na Ásia”, o advogado afirmou que o idioma continua vivo e a evoluir, por exemplo, na forma de falar português dos macaenses. Os académicos Mário Pinharanda Nunes e Raúl Gaião apresentaram estudos sobre o crioulo e discorreram sobre a sua evolução Miguel de Senna Fernandes, advogado e director do grupo teatral Dóci Papiaçam di Macau revelou ter planos para publicar em livro, pelo menos em patuá, português e chinês, os textos que estiveram na base das peças levadas à cena pelo grupo. O projecto, contou ao HM, está a ser delineado com a investigadora académica macaense, Elisabela Larrea. “Ainda vou publicar as peças de teatro [em livro]. Já lá vão 28 ou 29 peças. Seriam vários volumes. Tenho um projecto pensado para isto com a Elisabela Larrea. É fundamental. O trabalho dos Dóci Papiaçám tem de ser convertido em obra escrita. Suspendemos este trabalho, mas temos mais ou menos uma ideia de como fazer a coisa. Não nos interessa ter um livro só em patuá, isso ninguém vai ler, mas, naturalmente, uma edição também em português e em chinês”, partilhou. O director dos Dóci Papiaçam vinca ainda que, por isso mesmo, “é muito importante definir bem uma estratégia”, considerando ser uma obra “sobre o património intangível de Macau”, que poderá ser apoiada pelo Instituto Cultural (IC) As várias vidas do patuá O Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM) realizou ontem a sessão “Os Crioulos de Origem Portuguesa na Ásia”. Contando com presença de vários linguistas e académicos especializados na área, a sessão abordou temáticas como as “ecologias endógenas e diaspóricas do patuá”, o português de Malaca e iniciativas de revitalização destes crioulos luso-asiáticos. Miguel de Senna Fernandes, que também participou na sessão “Resgate do Patuá”, considera que, apesar de o idioma já não ter expressão prática, é necessário “olhar para o fenómeno linguístico do patuá de uma perspectiva actual e compreender o seu estado, onde é que se utiliza e porque é que se utiliza”. Isto porque continua a ser usado, de forma mais ou menos inconsciente, por muitos macaenses quando se exprimem em português. “O patuá não morreu, há é várias formas de o falar. Muitos dos macaenses, quando se exprimem em português, falam a partir do patuá e, essa forma de falar e mesmo como constroem as frases, misturada com o português e o cantonês, por exemplo, tem muito de patuá. São registos e padrões de linguagem que denunciam uma sub-língua”, partilhou Miguel de Senna Fernandes, ainda antes do início da sessão de ontem. Quando questionado sobre se é efectivamente possível resgatar o patuá, sublinha que um “resgate” não pode ser entendido com a finalidade de “pôr as pessoas a falar patuá outra vez”, pois é uma língua que já não tem razão prática para existir. “As condições do aparecimento da língua já não existem. O patuá formou-se há mais de 200 anos, num contexto social muito próprio da altura. Hoje em dia, este contexto não existe e, se existisse, teria que ter características muito especial e uma função para que as pessoas voltassem a utilizar com frequência o patuá como veículo de comunicação”, acrescentou. No entanto, aponta que o patuá enquanto língua “veiculadora de cultura” tem também o condão de transmitir aquilo que é a maneira de ser da comunidade macaense e que, por isso, deve ser preservada. “Através desta língua é possível descobrir aspectos inerentes à comunidade macaense como, por exemplo, o seu próprio humor, a forma como se olha para as coisas da vida e o olhar crítico sobre as questões do seu dia a dia”, aponta. Sublinhando que “o palco tem sido o local onde o patuá sobreviveu”, Miguel de Senna Fernandes lembra que é a língua do povo macaense, da “comicidade”, que representa “crítica e sátira” e que e que tem evoluído “em muitos sentidos” “Quando falamos do patuá, muitas pessoas esquecem-se que o próprio patuá evoluiu em muitos sentidos, por exemplo em termos lexicais. Não se pode pensar que o patuá que se utiliza agora, que usamos no palco, é a mesma língua que se falava há 200 anos. Há outros elementos lexicais que foram importados no início do século XX, que vêm directamente do cantonês, mas traduzindo para português, que é a base linguística do patuá”, acrescentou. Um crioulo em evolução A ideia de evolução do patuá esteve patente em toda a palestra. Ana Cristina Alves, académica do CCCM, falou de “um crioulo moderno trilingue, que já não é tradicional, mas que se baseia no português, chinês e inglês”. “O crioulo do patuá começou quando os portugueses foram para Macau e depois foi-se desenvolvendo a partir do século XX. O que estes macaenses podem fazer? As elites têm-no feito com muita consistência e podem reavivar este crioulo para funcionar como um marcador sociocultural”, acrescentou. Mário Pinharanda Nunes, professor da Universidade de Macau (UM), focou a sua intervenção nas “Ecologias endógenas e diaspóricas do patuá”, lembrando que o crioulo “existe hoje na diáspora, que não é sequer do século XX”, tendo começado “no século XIX com as concessões europeias nos portos da China e sobretudo com a criação de Hong Kong”. Autor da primeira tese de doutoramento sobre a parte gramatical do patuá, nomeadamente o tempo, o modo e o aspecto, Mário Pinharanda Nunes disse que “quando analisamos textos escritos em patuá, e os mais antigos são do século XIX, vemos que não há uma grande regularidade nas formas”. “Quando falamos na ausência de marcação de género ou do plural, não podemos afirmar que o patuá não tem marcação de género, porque mesmo em textos do século XIX ocasionalmente essa marcação ocorre”, explicou. O académico disse que o facto de ser o primeiro a fazer um doutoramento nesta área não é mais do que um “reflexo da ostracização e do esquecimento a que estiveram devotadas as línguas crioulas de base lexical portuguesa”. “Portugal, de todos os países colonizadores, foi dos últimos a reconhecer o valor dessas línguas.” A importância do contexto Mário Pinharanda Nunes referiu que, para analisar o patuá, temos de olhar para a sociedade de Macau na época e as suas gentes. “Na comunidade inicial não havia em Macau apenas portugueses e chineses. Havia indianos e escravos africanos, pois em 1555 não seriam os portugueses da chamada metrópole, mas sim euroasiáticos. Isto porque quando os portugueses chegaram a Macau já Vasco da Gama tinha chegado a Goa há 150 anos, e havia comunidades euroasiáticas.” O docente da UM lembrou que é necessário “olhar para as diferentes línguas de substracto do patuá e daí ser complexo nesse sentido, porque surge num território onde os falantes de português não são em maioria, mas sim os que falam os crioulos portugueses asiáticos. Daí a influência de palavras indianas, do Sri Lanka, do Japão”. “No fundo, o patuá, como outras línguas crioulas, viveu e vive esse contínuo crioulo. É uma língua, como outra qualquer, em contínua evolução”, frisou Mário Pinharanda Nunes, que destacou o facto de hoje “existir uma realidade animadora de jovens que aprendem o patuá por interesse, e essa é uma outra realidade que seria interessante estudar”. Raúl Gaião, também docente da UM, fez uma intervenção sobre os Dóci Papiaçam di Macau com base nos textos do macaense Adé dos Santos Ferreira e no Dicionário do Crioulo de Macau, publicado pelo académico em 2019. Este abordou as influências indianas, malaias e japonesas na formação do Patuá. Este crioulo “teve provavelmente a sua formação em finais do século XVI, sendo falado pela comunidade macaense até às primeiras décadas do século XX, tornando-se num elemento característico da comunidade” e uma das formas de identificação dos macaenses.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteDiplomacia | Portugal busca “equilíbrio” nas relações com Pequim e Washington O último relatório do European Think Tank Newtwork on China conclui que Portugal tem procurado o equilíbrio “diplomático” nas relações com a China e os Estados Unidos, tendo em conta os novos desafios trazidos pela turbulência internacional. Por outro lado, o relatório refere que a diplomacia chinesa em Portugal é baseada em laços históricos e culturais A relação histórica entre Portugal e a China enfrenta desafios causados pelos novos tempos vividos no plano internacional, e o caminho que Portugal quer seguir parece ser o constante equilíbrio tendo em conta a sua também histórica relação com os Estados Unidos da América (EUA) e organizações como a NATO e a própria União Europeia (UE). Por outro lado, a diplomacia chinesa em Portugal tem sido feita muito com base nos laços históricos e culturais já existentes, ao invés de investir em uma estratégia específica. As conclusões são do académico Carlos Rodrigues, da Universidade de Aveiro (UA), cuja análise integra o último relatório do think tank europeu “European Think Tank Network on China” (ETNC). O documento intitula-se “China’s Soft Power in Europe – Falling on Hard Times” [A diplomacia chinesa na Europa – Queda em tempos difíceis” e foi elaborado com base na análise de várias entidades oriundas de 17 países e instituições da UE. Segundo Carlos Rodrigues, “a crescente turbulência vivida recentemente nas relações internacionais traz novos desafios” à relação entre Portugal e China. “Ainda assim, Portugal parece estar ansioso por manter o equilíbrio relacional, tal como é evidenciado em comunicados públicos emitidos por uma diversidade de políticos e órgãos governamentais, desde o primeiro-ministro de Portugal ao Presidente da nação.” Carlos Rodrigues apresenta como exemplo a entrevista concedida ao semanário Expresso em Setembro do ano passado pelo então embaixador norte-americano em Lisboa, George Glass, que comentou o posicionamento das autoridades portuguesas em relação à rede 5G e a eventual influência chinesa. O autor do artigo descreve que Portugal assumiu uma posição de “resistência e repúdio em relação à tentativa dos Estados Unidos de interferir com o processo de tomada de decisão de Portugal em relação à China, nomeadamente o investimento chinês em sectores importantes e no eventual papel da Huawei nos desenvolvimentos da rede 5G em Portugal”. À data, o ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva disse que “o Governo português regista as declarações. Mas o ponto fundamental é este: em Portugal, quem toma as decisões são as autoridades portuguesas, que tomam as decisões que interessam a Portugal, no quadro da Constituição e da lei portuguesa e das competências que a lei atribui às diferentes às diferentes autoridades relevantes”. “Sem admiração” Apesar de Portugal querer manter o equilíbrio, “o estado das coisas não traz qualquer tipo de admiração [por parte das autoridades portuguesas] para com o modelo político e de governação chinês”, escreve Carlos Rodrigues. Isto porque Portugal nunca mostrou intenção de afastamento de instituições como a NATO ou a própria UE para se aproximar da China. “O discurso favorável, mesmo entusiasta, sobre o investimento directo estrangeiro chinês, tal como a participação de Portugal na política ‘Uma Faixa, Uma Rota’ evidencia, de forma geral, uma avaliação positiva. Curiosamente, tal originou a ideia de que Portugal se tornou no ‘amigo especial’ da China na UE. O Governo português, apesar de reconhecer as especificidades [da relação] trazidas pela história, rejeitou vigorosamente a ideia, na essência, que colocaria Portugal em discordância com a UE e a NATO.” O académico da UA citou as palavras de Augusto Santos Silva, que declarou ter sido criado “um mito” que “não fazia qualquer tipo de sentido”. “Uma questão gerada por analistas é se a posição de Portugal em relação à China é proeminentemente conduzida por necessidade. Sem negar a existência de interesses económicos e financeiros como um foco importante, e tendo em conta que esta é uma questão que não está relacionada com um país em específico, a necessidade, por si só, não ajuda quando olhamos para quaisquer particularidades na relação bilateral entre Portugal e a China”, frisou Carlos Rodrigues. Mais história do que outra coisa No que diz respeito à diplomacia chinesa em Portugal, o relatório aponta que a China se baseia mais em ligações históricas e culturais já existentes do que noutro tipo de estratégia. “O papel que a diplomacia chinesa tem desempenhado nas relações Portugal-China está relacionado com as paixões (históricas e culturais) e interesses (económicos no presente e futuro), mais do que com qualquer outra estratégia específica orquestrada pelo Governo chinês.” Carlos Rodrigues apresenta como exemplo o combate à covid-19 e a solidariedade demonstrada pela China em relação a Portugal. “É difícil identificar qualquer tentativa explícita ou criada pelas autoridades chinesas ou políticos locais para instrumentalizar o apoio chinês, em contraste com o que aconteceu em muitas outras zonas da Europa.” “Foi mantido, pelo contrário, o habitual perfil discreto do Embaixador chinês em Lisboa, Cai Run [entretanto substituído por Zhao Bentang], apesar da publicação de uma série de artigos de opinião nos principais jornais portugueses” sobre a ajuda atribuída no combate ao novo coronavírus. Verificou-se, por oposição, “um habitual debate político apagado sobre a China e prevaleceu uma apática opinião pública” sobre o assunto. “O interesse disperso dos media portugueses nas idas e vindas do papel desempenhado pela China na crise da covid-19 não dissipou a percepção de uma sensação geral de desprendimento. O conflito EUA-China sobre a covid-19, no entanto, parece ter causado uma intensa vontade de discutir a relação bilateral entre Portugal e a China no contexto do equilíbrio desafiante do triângulo China-Portugal-EUA. Não obstante o debate está longe de estar disseminado, sobretudo entre as organizações políticas”, lê-se no relatório. Carlos Rodrigues acrescenta que “se há algo relacionado com uma política de diplomacia em relação a Portugal, os laços históricos parecem ser o foco”. A importância da língua Para o académico português, “a promoção cultural e a cooperação emergem como o principal veículo para moldar as preferências e comportamento [das autoridades chinesas] em Portugal, compensando a quase não utilização das redes sociais pelos chineses”. O relatório destaca o facto de o 20º aniversário da transferência de soberania de Macau para a China ter sido amplamente celebrado em Portugal, com actividades culturais e académicas desenvolvidas por entidades como a Fundação Oriente ou o Centro Cultural e Científico de Macau. “A preparação de eventos culturais que decorreram em Portugal e na China durante o ano de 2019 – em comemoração dos 40 anos do estabelecimento de relações diplomáticas e os 20 anos da transição de Macau – constituíram uma peça chave da agenda de Xi Jinping quando visitou a capital portuguesa”, descreve o relatório. Além das manifestações culturais, o documento destaca a importância do ensino da língua chinesa. “O poder atractivo da língua chinesa pode ser medido pelas mais de 130 instituições portuguesas, incluindo universidades, institutos politécnicos, escolas básicas e secundárias onde esta se ensina. Além disso, o crescente interesse da população chinesa pela língua portuguesa também funciona como um elemento de ligação.” Na prática, “uma mistura de laços históricos, culturais e económicos traçam o quadro relacional da relação entre Portugal e a China”. Tal “tem impacto na relação específica, e não ‘especial’, no estatuto relacional, desenhando uma distinção entre Portugal e outros países da UE. Obviamente que o impacto se estende ao domínio político”. “Juntamente com uma forte defesa do multilateralismo como princípio, o poder da história não trouxe quaisquer problemas aos Governos portugueses na manutenção de uma boa parceria com a China enquanto que se mantém um alinhamento com as alianças ‘naturais’ estabelecidas com a NATO e a UE.” Resposta aos EUA O think tank traça um cenário pessimista no que à diplomacia chinesa na Europa diz respeito. “Com base na análise dos 17 países e instituições da UE, o relatório conclui que a “diplomacia chinesa na Europa – definida pela habilidade de influenciar preferências através da atracção ou da persuasão – tem vindo a cair nos tempos difíceis”. “Identificámos três abordagens proeminentes da diplomacia chinesa na Europa: promover a língua chinesa e a sua cultura, remodelar a imagem da China através dos media e usar efeitos secundários da diplomacia na destreza económica. Recentemente, e em particular no último ano, a China tornou-se mais assertiva na tentativa de remodelar a sua imagem ao expandir capacidades, em particular na transmissão da sua mensagem política. Tal inclui o sistemático uso dos media”, acrescenta o relatório. Nesse sentido, “na maioria dos países a diplomacia chinesa começou a actuar nas redes sociais”. O think tank conclui que “as oportunidades de acesso ao mercado, comércio e investimento são talvez o único grande factor que determina a atracção da China pela Europa, mas também a maior fonte do seu poder coercivo”. Analisando “diferentes padrões” das projecções da diplomacia chinesa no continente europeu, o relatório entende que Portugal está no grupo de países como a Áustria, Hungria, Polónia e Eslováquia com os quais a China “parece estar obrigada a projectar de forma activa a sua diplomacia, em grande parte devido à falta de interesse público nestes países”. Por sua vez, a UE “parece seguir a tendência de vigilância crescente, uma vez que os riscos colocados pelas ambições geopolíticas da China têm sido enfatizados”. “A China tem vindo a demonstrar uma postura mais pró-activa e um tom mais assertivo, muitas vezes reagindo veemente a um aumento da politização do debate público sobre a China em muitos países europeus, usando as redes sociais para chegar a uma maior audiência. Este recente desenvolvimento parece resultar mais da competição com os EUA do que com uma estratégia específica talhada para os públicos europeus”, remata o documento.
Hoje Macau Grande Plano Manchete“Um País, Dois Sistemas” | Sales Marques considera que as Leis Básicas existem para prosseguir interesses nacionais Numa conferência sobre o princípio “um país, dois sistemas”, foram divergentes as posições de Sales Marques e Carlos Monjardino, que ainda não aceitou o fim do colonialismo ocidental José Luís Sales Marques, presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau (IEEM), sublinhou que as Leis Básicas de Macau e Hong Kong existem para prosseguir interesses nacionais, como a sua integração nas dinâmicas políticas do país, na sua intervenção na videoconferência “China/Macau: Um país, dois sistemas”, organizada pelo Instituto do Oriente. “As Leis Básicas de Macau ou de Hong Kong são leis da RPC e existem para prosseguir interesses nacionais”, não só os da unificação e da soberania, mas também os da integração das regiões administrativas especiais “nas dinâmicas políticas, sociais e económicas da nação chinesa”, afirmou Sales Marques, que preside também ao Conselho da comunidade macaense. “E esse é um processo que não vai acontecer só quando chegarmos ao final de 50 anos [do período de transição]. Acontece desde o primeiro dia que as regiões administrativas especiais existem e que se vai acentuar ao longo do tempo”, sublinhou na sua intervenção. Na conferência, o responsável recordou que este princípio foi criado com o objectivo de permitir a reunificação da China, há 40 anos, com “particular destaque para a situação de Taiwan”. “Mas por razões históricas as situações de Hong Kong e Macau surgiram primeiro, com percursos negociais profundamente distintos”. Para o presidente do IEEM, as leis básicas das duas regiões têm algumas diferenças, mas no essencial são similares. Assim, “por muito que se tenha dito acerca de ‘um país, dois sistemas’, nomeadamente no que diz respeito à autonomia das regiões administrativas especiais, essa autonomia nunca foi nem pode ser dissociada dos princípios “inabaláveis, dois verdadeiros pilares do sistema de governança” construído sobre este princípio, que são a soberania chinesa e a unificação da nação chinesa. “Estes são os limites para o elevado grau de autonomia das regiões administrativas especiais”, frisou. China “tem respeitado” Lei Básica “A China tem respeitado a Lei Básica e tem procurado manter a estabilidade e prosperidade de Macau, e isso é conseguido através de medidas de estímulo económico que o Governo central criou”, disse o professor. Mas “há as outras componentes, que têm a ver com a integração da população de Macau no próprio processo chinês, a começar pelo político, económico e social e pelo reforço de conceitos de nacionalismos chinês ou do amor à pátria e reforço de uma narrativa nacional, também para Macau, sobretudo dirigida aos chineses de Macau”, sublinhou. Por outro lado, considerou que “há questões” que não devem ser esquecidas e que, pelo contrário, devem ser analisadas com objectividade. “Em primeiro lugar, existem factores externos que hoje estão muito mais acentuados. A China é colocada como um adversário maior no contexto internacional. E o reflexo dessa situação faz-se sentir no dia-a-dia aqui”, afirmou. Em segundo lugar, “há questões que ocorrem em Hong Kong e aquilo que acontece de mau em Hong Kong reflecte-se em Macau”, admitiu. Apesar disso, assegurou, que a situação em Macau “mantém-se estável” e referiu que representava uma parte da comunidade de Macau, que “esteve e está sempre e estará de futuro ligada” ao território. Monjardino desligado da realidade Noutro tom, o presidente da Fundação Oriente (FO), Carlos Monjardino, disse na quinta-feira que existe um novo ciclo de ‘sinofobia’ a nível europeu e internacional e defendeu que no actual contexto “é indispensável” avaliar a evolução de Hong Kong e de Macau “no momento presente”. Para o presidente da FO, o último ano, dominado pela pandemia de covid-19, “assinala uma viragem radical da imagem da China no conjunto dos Estados europeus, incluindo Portugal”. “A origem da epidemia, a relação da China como uma grande potência, a demonstração de poder e repressão em Hong Kong conjugaram-se para mudar a opinião pública europeia. E uma maioria significativa passou a ter uma percepção negativa da China, vista agora como um factor de instabilidade internacional”, sublinhou, alinhando pela actual propaganda norte-americana. Por último, as sondagens de opinião demonstram isso mesmo e “marcam o fim de um ciclo longo de ‘sinofilia” e com toda a probabilidade o início de um ciclo longo de ‘sinofobia’ na política europeia”, sublinhou. Essa alternância, porém, de ciclos face à China é “clássica na história europeia”, considerou, adiantando a que a sua própria geração conheceu “um período intenso de sinofobia”, que precedeu um ciclo de ‘sinofilia’ exuberante desde o fim do século passado. Porém, para o gestor da FO, esses ciclos “não têm de mudar a natureza dos interesses nacionais”, mas “determinam as condições políticas em que podem evoluir as relações internacionais, nomeadamente com a China, que todos reconhecem ser um factor estratégico decisivo à escala global”. Assuntos “inseparáveis” Quanto às questões de Macau e Hong Kong, Monjardino defendeu que “são inseparáveis da alternância dos ciclos” acima descritos, lembrando que a declaração conjunta sobre Hong Kong, em 1984, tal como a declaração conjunta sobre Macau, em 1987, só foram possíveis “num quadro de abertura externa e de reforma interna da República Popular da China (RPC)”. Assim, sublinhando a importância de Portugal manter as suas relações diplomáticas com a China e o empenho em relação a Macau, Carlos Monjardino considerou ser “indispensável avaliar a evolução de Hong Kong e de Macau no momento presente”. “Durante vinte anos o princípio ‘Um País, Dois Sistemas’ pôde gerar, no essencial, um quadro de autonomia política e institucional das duas Regiões Administrativas Especiais”, mas as “circunstâncias externas mudaram significativamente (…) nesse período, desde logo mudou a balança entre Hong Kong e Macau”. Por outro lado, “mudou a importância única de Hong Kong para a integração internacional da economia chinesa, designadamente com o desenvolvimento de Xangai como um centro financeiro alternativo”. Por último, “mudou o estatuto internacional da China e essa mudança condiciona a política de unificação pacífica com Taiwan”, enumerou o responsável. Assim, “em termos formais a RPC continua a defender o princípio ‘um país, dois sistemas’, que devem por a Pequim o respeito pela autonomia de Hong Kong e de Macau e deixar a porta aberta à unificação com Taiwan”. Mas, sublinhou: “a interpretação oficial chinesa” sobre esse mesmo princípio “é hoje certamente diferente da interpretação que é feita pela oposição democrática de Hong Kong e do princípio defendido pelas duas partes. Tanto mais que este é invocado para limitar os direitos políticos da antiga colónia britânica”, sublinhou. Além disso, as autoridades de Taiwan anunciaram a sua solidariedade política com a oposição democrática em Hong Kong e, nesse sentido, recusam qualquer passo significativo com vista à unificação com a RPC, recordou. “Esse impasse é intolerável para uma grande potência e a China não exclui a possibilidade de recorrer à força para forçar a unificação com a Taiwan”, frisou Monjardino. Para Carlos Monjardino, não há grandes dúvidas que a questão de Taiwan está no centro da escalada de tensões entre a RPC e os EUA, continuando este último país “duplamente vinculado” à defesa daquele território. Portanto, está também no centro “do pior dos cenários de conflito internacional que opõe Washington e Pequim, as duas maiores potências marítimas que são também ambas potências nucleares”. Assim, defendeu que este contexto estratégico “não pode ser ignorado na análise e evolução do princípio ‘um país, dois sistemas’, que foi sempre apresentado como uma forma de transição”. Além disso, sublinhou que tanto a declaração sino-portuguesa como a sino-britânica “indicam um prazo de 50 anos para a transição, findo o qual as regiões administrativas especiais deixam de existir e se completa a integração de Hong Kong e de Macau na RPC”. “No novo ciclo de ‘sinofobia’, a China volta a ser representada como um império cuja expansão pode ameaçar a estabilidade internacional”, afirmou. Além disso, “o seu comportamento em Hong Kong, a tendência nacionalista e as demonstrações de poder confirmam essa percepção”, considerou. Porém, alertou, que o futuro da mais antiga das civilizações deve “ser tratado com a maior prudência” e concluiu que as relações de Portugal com a China “não começaram ontem nem terminam amanhã, e hoje tal como no passado têm de ser salvaguardadas da alternância dos ciclos”. A videoconferência contou ainda com as intervenções do embaixador Duarte de Jesus, que é também investigador da Universidade de Lisboa e do presidente do Conselho Científico do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, Heitor Romana. Raquel Vaz-Pinto, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, foi outro dos oradores.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteAmbiente | Académico da USJ defende criação de zonas de baixa emissão de poluentes Thomas Lei, doutorado pela Universidade de São José, defende, numa tese, a transformação da avenida de Almeida Ribeiro numa zona de baixa emissão de poluentes, não permitindo a circulação de veículos mais antigos, à semelhança do que já acontece em algumas cidades europeias como Lisboa. Com este trabalho, Thomas Lei conclui ainda que é possível aplicar em Macau modelos estatísticos para fazer uma previsão fidedigna da emissão de poluentes atmosféricos A transformação da avenida de Almeida Ribeiro, junto à zona do Senado, numa zona de baixa emissão de poluentes (low emission zone, LEZ, na sigla inglesa) é a ideia defendida por Thomas Lei, académico da Universidade de São José (USJ) na sua tese de doutoramento, intitulada “Air quality management in Macao – Assessment, development of an operational Forecast and future perspectives” (Gestão da qualidade do ar em Macau – Avaliação, desenvolvimento de um modelo de previsão operacional e perspectivas futuras). No trabalho, recentemente defendido, Thomas Lei defende o estabelecimento de LEZ em Macau à semelhança do que já acontece em várias cidades europeias, como é o caso de Lisboa, onde veículos mais antigos estão proibidos de circular em zonas como a Avenida da Liberdade, dada a elevada emissão de gases para a atmosfera por comparação a veículos eléctricos, movidos a gás natural ou híbridos. “A fim de melhorar a qualidade do ar em Macau, um conjunto de medidas implementadas por grandes cidades europeias e asiáticas podem ser exploradas. As LEZ têm sido plenamente implementadas em capitais europeias como Lisboa, Londres e Berlim nos últimos anos, enquanto que a restrição de chapas de matrícula e medidas de sorteio de matrículas têm vindo a ser implementadas em capitais asiáticas como Pequim e Nova Deli nos últimos anos”, lê-se na tese de doutoramento. Em declarações ao HM, Thomas Lei disse que a avenida de Almeida Ribeiro seria um bom local para o arranque da implementação das LEZ em Macau dado o “elevado número de transeuntes e turistas”, num exemplo semelhante “ao que foi implementado na Avenida da Liberdade em Lisboa”. “Nesta fase, diria para implementar primeiro as LEZ na península de Macau devido à elevada densidade populacional e ao elevado número de pessoas a circular e turistas. Este problema não é tão significativo na Taipa ou Coloane devido ao facto de as ilhas terem zonas mais abertas e menos fluxo de trânsito. Mas sem dúvida que poderemos implementar as LEZ nestas zonas num futuro próximo”, adiantou. O objectivo da eliminação de veículos mais antigos em determinadas zonas urbanas é a redução de partículas inaláveis PM10 e PM2.5, bem como o NO, “um dos maiores poluentes oriundos das emissões de veículos”. Para se ter uma ideia, o nível de concentração de PM10 em algumas LEZ em Lisboa baixaram 29 e 23 por cento entre 2009 e 2016, numa média anual, enquanto que a concentração de NO2 [dióxido de azoto] baixou para 12 e 22 por cento, no mesmo período, em duas zonas analisadas. Relativamente às restrições de circulação através de sorteio ou redução da emissão de matrículas, “têm sido bem-sucedidas para reduzir as emissões de poluentes por parte dos veículos e para promover o uso de transportes amigos do ambiente e transportes públicos no centro da cidade”. No caso da China, as restrições nas matrículas baseiam-se na circulação “Uma vez por Semana [ODPW – One Day Per Week] e “Par e Ímpar” [Odd and Even]. Isto porque Pequim “continua a ter um sério problema de poluição do ar, em particular relacionado com elevadas concentrações de partículas PM10, PM2.5, SO2, NO2, CO e O3”. Além de Pequim também foram implementadas restrições através da circulação de matrículas em cidades como Hangzhou, Lanzhou, Langfang e Tianjin. Governo em acção Na tese, Thomas Lei defende também a aposta em incentivos para a aquisição de veículos eléctricos, apesar de terem sido adoptadas algumas medidas pelo Governo. “A Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA) tem promovido a aquisição de veículos eléctricos em alternativa aos tradicionais veículos movidos a energias não renováveis, com esforços no aumento do número de estações de carregamento de baterias e parques.” O território possui actualmente um total de 172 carros e motociclos eléctricos. “Espera-se que o número de estações de carregamento possa atingir as 200 no final de 2020”, lê-se na tese. Além disso, no âmbito do Plano de Desenvolvimento Quinquenal (2016-2020) e do Planeamento da Protecção Ambiental de Macau (2010-2020), foram implementados “padrões restritos na importação de novos veículos ou veículos movidos a energias fósseis”, além da “promoção de veículos amigos do ambiente através de incentivos fiscais”. Thomas Lei destaca também a criação de um corredor exclusivo para autocarros por parte da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), em funcionamento desde Junho de 2016. “A isenção fiscal para veículos eléctricos, o aumento de estações de carregamento para estes veículos e a criação de corredores exclusivos para transportes públicos são as medidas mais importantes adoptadas pelo Governo de Macau numa tentativa de reduzir as emissões dos veículos e de promover o uso de veículos verdes, bem como dos transportes públicos, no centro da cidade”, frisou. Modelos estatísticos Mais do que sugestões, Thomas Lei propôs-se analisar, no seu doutoramento, a possibilidade de recorrer a modelos estatísticos para prever a qualidade do ar em Macau. As conclusões apontam para a possibilidade de usar os métodos MLR [Regressão Múltipla Linear] e CART [Classification and Regression Trees – Árvores de Classificação e Regressão]. “Estas análises foram desenvolvidas de forma bem-sucedida para Macau para prever as concentrações dos níveis de poluentes de NO2 [dióxido de nitrogénio], PM10 e PM2.5 [partículas inaláveis] e O3 [ozono trosposférico]. Foram seleccionadas, de uma extensa lista, variáveis meteorológicas, incluindo altitude, humidade relativa, estabilidade atmosférica e temperatura do ar em diferentes níveis verticais.” Thomas Lei realizou este trabalho em duas fases, sendo que na primeira foram usadas as variáveis meteorológicas e da qualidade do ar com base em dados relativos a um período de cinco anos, de 2013 a 2017. “Os dados de 2013 a 2016 foram usados para desenvolver modelos estatísticos [de previsão da qualidade do ar] e os dados de 2017 foram usados para a validação. Todos os modelos desenvolvidos revelaram-se válidos em termos estatísticos com um nível de fiabilidade de 95 por cento, com elevados coeficientes de determinação (de 0.78 a 0.93) para todos os poluentes.” Numa segunda fase “estes modelos foram usados para os dados de validação de 2019, enquanto que um novo conjunto de modelos estatísticos baseados numa série mais extensiva de dados históricos, de 2013 a 2018, foram também validados com os dados de 2019.” Thomas Lei analisou também a aplicação destes modelos estatísticos em dois episódios de elevada poluição, como o Ano Novo Chinês em 2019, e um episódio de baixa poluição em 2020, durante o confinamento devido à pandemia da covid-19. “Em termos gerais, os resultados demonstram que o modelo estatístico de previsão é robusto e permite reproduzir de forma correcta episódios de poluição atmosférica extrema tanto em níveis de concentração baixos ou elevados. Podem ser adoptados equipamentos que possam providenciar uma combinação do modelo MLR e CART para melhorias na fiabilidade do modelo estatístico de previsão.” “Problema sério” em Ka-Hó O académico da USJ concluiu ainda que “há uma tendência de quebra na concentração dos níveis de poluentes de N02, PM10 e PM2.5, o que se pode dever à implementação de padrões mais restritos de emissão de poluentes para veículos em circulação e importados, bem como à promoção do uso de veículos eléctricos em Macau”. Além disso, “as medidas de prevenção da poluição atmosférica na província de Guangdong podem também ter contribuído para esta tendência”. “Em contraste, há um aumento da tendência dos níveis de concentração de O3 [ozono trosposférico], o que se pode dever à natureza complexa dos precursores e químicos por detrás da sua formação e consumo”, pode ler-se. O autor deixou ainda um alerta sobre o problema de poluição do ar na zona de Ka-Hó. “A estação de monitorização da qualidade do ar em Ka-Hó só se tornou operacional em anos recentes e não há dados suficientes para prever a performance da qualidade do ar nesta estação, o que exige, pelo menos, dados dos últimos cinco anos. No entanto, a área envolvente desta estação de monitorização é conhecida por ter um problema sério de poluição do ar.” Neste sentido, Thomas Lei defende que “a previsão da qualidade do ar é essencial e necessária para a saúde e bem-estar dos residentes da zona”.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteClima | Xi Jinping participa hoje em cimeira organizada por Biden O Presidente chinês faz hoje um “discurso importante” numa cimeira global sobre o clima promovida pelo seu homólogo norte-americano, numa altura em que as relações entre os dois países são afectadas por um ambiente de tensão contínua. Dois académicos portugueses defendem que Joe Biden está a tentar recuperar a tradição norte-americana do liberalismo tradicionalista que Trump abandonou, bem como a estabelecer a “abertura de uma frente unida” com países aliados, em resposta ao crescente poder da China Xi Jinping participa hoje na cimeira virtual do clima organizada pelo seu homólogo norte-americano, Joe Biden, informou ontem o ministério dos Negócios Estrangeiros da China. O chefe de Estado chinês vai fazer um “discurso importante” via videoconferência, a partir de Pequim, revelou o ministério, poucos dias depois de os dois países se comprometerem a “cooperar” na questão das alterações climáticas. Joe Biden convidou cerca de 40 líderes mundiais para a cimeira que se estende até sexta-feira. A China e os Estados Unidos são os dois maiores emissores de gases de efeito estufa, a fonte do aquecimento global. O acordo entre os dois países é, portanto, considerado crucial para o sucesso dos esforços internacionais na redução das emissões. Os dois países comprometeram-se no sábado a “cooperar” na questão do clima, após uma visita a Xangai do enviado dos EUA para o clima, John Kerry, que se encontrou com o seu homólogo chinês, Xie Zhenhua. O ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, retirou o país do Acordo de Paris para o clima. Após assumir o poder, em Janeiro, Joe Biden retrocedeu nessa decisão. Grande consumidor de carvão, a China é, em termos absolutos, o maior emissor mundial de gases de efeito estufa, mas também o país que mais investe em energias renováveis. “Não podemos resolver esta crise climática sem a China na mesa de negociações”, disse Kerry, na semana passada, durante a sua viagem a Xangai. Pequim prometeu começar a reduzir as suas emissões de CO2 “antes de 2030” e alcançar a “neutralidade nas emissões de carbono” até 2060, ou seja, absorver tanto quanto emite. O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Wenbin, disse numa conferência de imprensa esperar que esta cimeira “sirva como uma plataforma de comunicação em prol da cooperação global para enfrentar o desafio das alterações climáticas, promovendo uma implementação plena e efectiva do Acordo de Paris”. Segundo uma nota publicada pela agência Xinhua, as autoridades chinesas esperam que se possa promover, através desta cimeira, “uma promoção conjunta da governança global em prol do clima e do ambiente”. Contra o isolacionismo Este encontro, ainda que virtual, acontece poucos meses depois da tomada de posse de Joe Biden como Presidente dos EUA. O cenário de isolacionismo e proteccionismo decretado por Donald Trump parece ter-se alterado de forma significativa e Biden quer agora associar-se a aliados com uma filosofia diplomática comum, conforme defendeu ao HM Jorge Tavares da Silva, professor da Universidade de Aveiro (UA) e especialista nas questões da China-Taiwan. “Joe Biden mantém uma postura intransigente em relação à China, sobretudo nos assuntos comerciais, tecnológicos e de investimento, mudando a sua estratégia internacional. O novo Presidente americano, ao contrário do isolacionismo da era de Donald Trump, tem vindo a reforçar as ligações com os aliados.” Jorge Tavares da Silva é um dos oradores da palestra online “China, Ásia e Mundo”, que acontece hoje e que conta ainda com a participação da académica Diana Soller, da Universidade Nova de Lisboa (UNL), e Nuno Magalhães, do Instituto de Defesa Nacional. Para Tavares da Silva, “Joe Biden é, ao contrário do seu antecessor, politicamente muito experiente, tem um longo currículo de relações com a China, conhece pessoalmente Xi Jinping, conversaram os dois de forma informal tanto na China como nos Estados Unidos”. Joe Biden e Xi Jinping devem ter “posturas assertivas”, sendo que “não é de excluir que, de um momento para o outro, se encontrem soluções de cooperação”, adiantou o professor da UA. Isto porque “as hostilidades não trazem benefício para ninguém”. “Ambos os países estão interessados em cooperar, embora no futuro as relações económicas internacionais se tenham de basear em regras maior reciprocidade”, previu. Regresso ao passado Para Diana Soller, Joe Biden está, na relação com a China, a tentar recuperar o passado. “A grande inovação que a Administração Trump trouxe para os EUA foi romper com uma longa tradição de liberalismo internacionalista que vinha desde Woodrow Wilson e do início do século XX. Esta interrupção causou uma grande estranheza. Biden tenta retomar essa tradição de liberalismo internacionalista.” A académica defende que esta aposta da Administração Biden visa “a recuperação da ordem liberal internacional, mas mais globalizada, com a inclusão de mais países, e que não se centre no eixo atlântico como antigamente”. Há também a “renovação das alianças com as democracias, não apenas com os Estados europeus mas com as democracias asiáticas que fazem parte do quadro quadrilateral, como o Japão, Índia ou a Austrália”. Diana Soller recorda que o primeiro-ministro japonês, Yoshihide Suga, foi o primeiro a visitar a Casa Branca na última sexta-feira, antes do arranque do Fórum Boao para a Ásia, que terminou ontem. Biden está também, segundo a académica, a tentar apostar na “divisão do mundo entre democracias e autocracias, sendo que as autocracias pela sua natureza são os rivais naturais das democracias. Biden quer juntar o mundo livre para se opor a que as autocracias, especialmente a China e a Rússia (em segundo lugar) tenham um papel importante no sistema internacional futuro”. Quanto à guerra comercial, Diana Soller acredita que vai manter-se, até porque “não há novos contornos”. “Há um desacoplamento da economia americana face à economia chinesa que já vinha de Trump e transita para Biden. A segunda estratégia tem a ver com a reorganização e reforma das organizações internacionais que regulam a vida económica internacional, que os EUA estão a tentar transformar com o apoio dos aliados europeus e asiáticos, mas que está muito dependente dos aliados económicos que os EUA podem ter”, frisou. Guerra “pouco provável” O mundo vive hoje vários focos de tensão entre diversas potências, mas a académica da UNL não prevê que venhamos a assistir a uma guerra global. “Isso é altamente improvável. Podem acontecer conflitos que envolvam grandes potências, mas que sejam localizados e contidos, como por exemplo no Mar do Sul da China ou no Mar do Leste da China, onde a tensão tem aumentado bastante nos últimos meses.” Outra possibilidade de conflito, é na fronteira dos Himalaias, “onde a tensão entre China e Índia já foi bastante elevada”. No fundo, “pode haver aquilo que acontecia na Guerra Fria, uma espécie de guerras de procuração”, adiantou Diana Soller. De frisar que esta terça-feira, por ocasião do Fórum Boao para a Ásia, Xi Jinping deixou claro que a China não quer enveredar pelo caminho diplomático traçado por uma nova Guerra Fria. “A pandemia da covid-19 tornou mais claro para as pessoas em todo o mundo que devemos opor-nos a uma nova ‘Guerra Fria’ e a um confronto ideológico sob quaisquer formas.” E a Europa? No meio deste cenário, Diana Soller acredita que os aliados europeus “estão um bocadinho reticentes em apoiar os EUA na reforma das instituições económicas”, uma vez que “têm interesses económicos já relacionados com a China, especialmente a Alemanha”. “A Europa não vai poder dar-se bem com deus e o diabo, independentemente de quem for deus e o diabo nesta equação. Mais tarde ou mais cedo vai ter de escolher o aliado que quer ter, e espero que essa escolha sejam os EUA, por razões não de preferência pessoal, mas porque a Europa tem uma ligação muito importante com o país, relacionada com a manutenção da sua própria segurança através da NATO.” Relativamente à área da Defesa, Diana Soller acredita que a Europa, por si só, “não consegue defender-se num mundo competitivo como aquele em que estamos a entrar”. O continente não pode “dar-se ao luxo, por razões económicas ou outras, de perder o seu guarda-chuva de segurança”, até porque “não parece existir vontade política nem tempo por parte da Europa para criar forças armadas competitivas”. “A prioridade europeia deve ser garantir que não se coloca numa posição de fragilidade”, tendo em conta os polos de conflito que vão surgindo, concluiu Diana Soller. Perigos do Estreito Na palestra de hoje Jorge Tavares da Silva vai falar da relação entre a China e Taiwan. O docente da Universidade de Aveiro acredita que “não podemos hoje assegurar que um conflito armado não possa acontecer”. “Há um novo clima no Estreito de Taiwan, de uma China ferida pela história, desiludida pelo rumo político de Taiwan e fortalecida pelos resultados do seu crescimento, traduzido em poder. Depois do período de governação de Ma Ying-jeou, Taiwan volta a ter no governo o Partido Democrático Progressista, de tendências independentistas, o que desagrada fortemente a Pequim”, disse ao HM. Para o académico, “a reunificação de Taiwan pela via pacífica tornou-se muito difícil”. “As instituições democráticas taiwanesas estão fortalecidas. As manifestações em Hong Kong foi o pior que aconteceu a Xi Jinping na sua tentativa de recuperar Taiwan”, concluiu.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteFórum Boao | Xi Jinping alerta para perigos do unilateralismo e rejeita nova Guerra Fria Xi Jinping falou ontem por ocasião do Fórum Boao para a Ásia, que termina hoje em Hainão. Sem mencionar directamente os Estados Unidos, o Presidente chinês afirmou que o unilateralismo “levado a cabo por alguns países não deve determinar o ritmo de todo o mundo”. Sobre a vacinação contra a covid-19, Xi Jinping realça a importância de se evitar “uma nova ‘Guerra Fria’ e um confronto ideológico sob quaisquer formas” O multilateralismo foi a palavra de ordem no discurso de Xi Jinping proferido ontem no Fórum Boao para a Ásia, que este ano tem como tema “Um mundo em mudança: dar as mãos para fortalecer a governança global e avançar na cooperação da ‘Uma Faixa, Uma Rota’”. Sem nunca referir directamente os Estados Unidos, Xi Jinping deixou claro que a China se opõe a qualquer forma de unilateralismo e que a harmonia mundial deve ser o caminho a seguir. “Não devemos deixar que as regras implementadas por um ou alguns países sejam impostas aos outros, ou permitir que o unilateralismo seguido por certos países determine o ritmo de todo o mundo”, disse no seu discurso, divulgado pela agência Xinhua. “O que necessitamos hoje no mundo é de justiça, não hegemonia. Os grandes países devem comportar-se de maneira apropriada e com grande sentido de responsabilidade”, acrescentou. Xi Jinping destacou a importância de assegurar “o sistema internacional centrado nas Nações Unidas” e preservar “a ordem internacional sustentada pelo Direito internacional”, sempre mantendo sistema de comércio mundial com a Organização Mundial de Comércio como núcleo”. Apostando nas ideias de “partilha de benefícios mútuos” e igualdade, Xi Jinping destacou que a governança global deve ser feita “mantendo um verdadeiro multilateralismo” para que seja “mais justa e igualitária”. O Fórum Boao para a Ásia 2021 é a primeira conferência global a realizar-se de forma presencial, contando com cerca de dois mil participantes, apesar de estarem agendados eventos online. Apesar disso, o discurso de Xi Jinping foi transmitido por videoconferência. O Presidente chinês deixou também claro que uma nova Guerra Fria não é o caminho certo para a diplomacia mundial. “A pandemia da covid-19 tornou mais claro para as pessoas em todo o mundo que devemos opor-nos a uma nova ‘Guerra Fria’ e a um confronto ideológico sob quaisquer formas”, apontou. “Nas relações entre Estados os princípios de igualdade, respeito e confiança mútuos devem ser destacados. Devemos advogar pela paz, desenvolvimento, igualdade, justiça, democracia e liberdade, que são valores comuns da humanidade”, frisou Xi Jinping. O Presidente chinês deixou claro que a China “nunca vai procurar atingir a hegemonia, expansão ou uma esfera de influência”, nem mesmo “uma corrida ao armamento”. “A China vai assumir parte activa numa cooperação multilateral na área do comércio e do investimento, através da plena implementação da Lei do Investimento Estrangeiro”, disse, lembrando a aposta no porto franco de Hainão. A cooperação com a OMS No ano em que o Partido Comunista Chinês (PCC) celebra 100 anos, Xi Jinping recordou “a incansável busca pela felicidade do povo chinês” bem como “o rejuvenescimento da nação chinesa” graças ao partido. Na área da saúde, “a China vai continuar a manter a cooperação contra a covid-19 em parceria com a Organização Mundial de Saúde (OMS) e outros países, para que as vacinas sejam um bem público a nível global”, frisou. Xi destacou o facto de algumas empresas chinesas terem iniciado a produção de vacinas contra a covid-19 em parceria com países participantes da política “Uma Faixa, Uma Rota” como a Indonésia, Brasil, Malásia, Emirados Árabes Unidos e Paquistão. “Vamos expandir a cooperação com as várias partes no controlo das doenças infecciosas, saúde pública, medicina tradicional e outras áreas, para proteger a vida e a saúde das populações de todos os países.” Sobre a política “Uma Faixa, Uma Rota”, Xi Jinping lembrou que “está aberta a todos”, não sendo “um caminho privado seguido por uma única parte”. “Todos os países interessados são bem-vindos a assumir parte na cooperação e a partilhar os seus benefícios. Vamos continuar a trabalhar com todas as partes para uma cooperação de alta qualidade ao nível de ‘Uma Faixa, Uma Rota’”, concluiu. Segundo a CGTN, que cita dados do Ministério do Comércio da China, um total de 126 países e 29 organizações internacionais assinaram acordos de cooperação com o país na área de “Uma Faixa, Uma Rota”, sendo que o comércio neste contexto cresceu de 1 por cento no ano passado, atingido 9.37 biliões de yuan. Recorde-se que antes do arranque oficial do Fórum Boao para a Ásia, no domingo, o Presidente norte-americano, Joe Biden, teve um encontro com o primeiro-ministro japonês, Yoshihide Suga, onde foram debatidas algumas “preocupações” sobre a política externa chinesa. A China reagiu a esse encontro bilateral, rejeitando as ideias expressas pelos dois governantes. Ho Iat Seng reuniu com membro do PCC de Hainão O Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, reuniu na segunda-feira com o secretário do comité provincial de Hainão do Partido Comunista da China, Shen Xiaoming. Segundo um comunicado oficial, o encontro serviu para partilhar opiniões sobre as áreas do comércio, economia, turismo, alta tecnologia, sector financeiro, medicina tradicional chinesa e ainda “o significado da formação de quadros qualificados para o desenvolvimento”. Ho Iat Seng destacou a forma bem-sucedida como Macau lidou com a pandemia da covid-19, o que torna o território “uma cidade saudável para turismo”, sem casos há mais de um ano. O governante destacou o facto de o território registar “actualmente mais de 300 mil entradas e saídas diárias”, apesar de possuir “infra-estruturas e equipamentos turísticos com capacidade para receber 40 milhões de visitantes por ano”. Ho Iat Seng destacou o facto de “haver espaço para maior cooperação entre Hainão e Macau nas áreas do turismo e educação”, recordando que as duas regiões estão ligadas “por um voo curto”, e que pode ser feito “um maior reforço da colaboração no sector turístico”. No mesmo encontro, o Chefe do Executivo destacou o facto de no segundo semestre deste ano o Governo planear “o impulsionamento da diversificação adequada da economia em quatro áreas, designadamente na indústria da medicina tradicional chinesa, sector financeiro moderno, seguros e alta tecnologia”. Reforço da cooperação Shen Xiaoming realçou, por sua vez, “o desenvolvimento económico da província nos últimos anos e o andamento dos trabalhos relativos ao estabelecimento do porto franco” em Hainão. O responsável destacou as semelhanças entre os dois territórios na área do turismo e indicou que, “apesar do impacto da pandemia na ilha, trouxe também oportunidades para o mercado do consumo, ensino, cuidados de saúde, alta tecnologia, desenvolvimento de quadros qualificados”, além de tornar possível “alavancar projectos ecológicos e ambientais”. O secretário do comité provincial de Hainão indicou também que “o processo de desenvolvimento da província tem espaço para melhorar e, por isso, espera reforçar a cooperação com os países de língua portuguesa através da ponte que é Macau”. Nesse sentido, os governos e as associações devem reforçar a colaboração com base no modelo turístico “multi-destinos”. Há também “um espaço muito grande para a cooperação em alta e nova tecnologia”, frisou.
Pedro Arede Grande Plano ManchetePatrimónio | IC recua e volta a analisar existência de alfândega no Pátio do Amparo O Instituto Cultural (IC) suspendeu a emissão da planta de condições urbanísticas do terreno do Pátio do Amparo, onde terá existido uma Alfândega Imperial chinesa da altura da dinastia Qing. André Lui mostra-se surpreendido com o desconhecimento do IC sobre o mapa e os estudos efectuados no local e diz que, nestes casos, a norma deve passar por fazer “estudos profundos” das zonas históricas antes de tomar decisões É um passo atrás rumo à preservação do património histórico, não só de Macau, mas também da China. Na passada sexta-feira, o Instituto cultural (IC) revelou ter suspendido a emissão da planta de condições urbanísticas de um terreno no Pátio do Amparo, que terá albergado parte do complexo de uma Alfândega Imperial chinesa instalada naquela zona, durante a dinastia Qing. Segundo o canal português da TDM – Canal Macau, a reversão da decisão favorável ao projecto de construção, dado pelo Conselho do Planeamento Urbanístico (CPU) a 31 de Março, foi anunciada na passada sexta-feira pela presidente do Instituto Cultural (IC), Mok Ian Ian. Em causa, está um mapa apresentado pelo arquitecto André Lui, datado de 1838, que comprova a existência da alfândega no local. “O Conselho de Planeamento Urbanístico tem novas evidências. Um académico descobriu um mapa antigo. Após termos falado, estudámos o assunto e achamos que, uma vez que o académico encontrou esse mapa antigo, devemos olhar para ele e reavaliar. Portanto, já informámos as Obras Públicas para suspenderem a emissão da planta de condições urbanísticas do referido terreno”, referiu Mok Ian Ian. De acordo com o IC, será agora iniciada uma investigação para comprovar a existência da Alfândega Imperial chinesa, sendo que, no decurso da análise, o proprietário não poderá fazer obras no terreno. Recorde-se que, após a luz verde do CPU ao projecto de construção previsto para o terreno, o arquitecto André Lui, foi o único membro do CPU a defender a preservação do espaço, apontando que a alfândega destruída pelo Governador Ferreira do Amaral por volta de 1844 é um símbolo da soberania de chinesa sobre Macau durante a dinastia Qing e que, no subsolo, há ainda vestígios de parte da estrutura da alfândega. “Sabemos que esta alfândega era muito importante porque era um órgão administrativo autónomo que foi destruído pelo Governador Ferreira do Amaral (…) É um símbolo que mostra que a China sempre teve soberania sobre Macau. Por isso, é também um local de educação patriótica e gostava que o IC fizesse um estudo mais profundo sobre o local. Tenho informações que posso fornecer”, apontou o arquitecto durante a reunião do CPU de 31 de Março. Na altura, a representante do IC, Deland Wong Wai Man, afirmou que o Governo já tinha efectuado um estudo arqueológico do local e que os resultados não indicaram que a alfândega fosse ali. Prova provada A planta, traçada em 1831 e actualizada em 1838, que está na base do recuo do IC é da autoria do cartógrafo da Marinha Portuguesa, Cândido António Osório e pode ser encontrada em Lisboa nos arquivos do Exército. Segundo André Lui, o mapa não deveria ter constituído uma novidade para o IC pois “já existe há muito tempo”, tendo o próprio arquitecto chegado a sugerir a compra de uma cópia enquanto trabalhou no Departamento do Património Cultural do ICM (antiga designação do IC). Adicionalmente, após a Biblioteca da Macau University of Science and Technology (MUST) adicionar o mapa ao seu repertório, André Lui desenvolveu dois estudos, respectivamente em Abril e Maio de 2008, sobre a possível existência “de vestígios da alfândega chinesa antes de ser demolida”. Para o arquitecto, dado que o mapa apresenta muitos detalhes e provém de uma fonte oficial da altura, deve ser considerado uma “prova credível”. “O autor desta planta era um navegador e foi também vice-presidente do Senado em Macau. Portanto, é uma pessoa com conhecimento técnico e credibilidade, já que o mapa está desenhado de forma muito pormenorizada. Por isso, podemos considerar este mapa como uma prova credível”, explicou ontem ao HM no local onde terá sido edificada parte da alfândega. André Lui revelou ainda ter sido apanhado de surpresa pelo facto de ninguém estar a par da situação durante a reunião do CPU. “É possível que o IC não tenha visto ou lido os dois artigos que fiz mas, de qualquer forma, foram ambos publicados no maior jornal em língua chinesa [de Macau], o Macau Daily [Ou Mun]. Nunca imaginei que, durante a reunião, quando levantei a questão, ninguém soubesse da situação”, acrescentou o arquitecto. Escavar mais fundo Depois da investigação que levou a cabo, André Lui sugeriu que o Governo fizesse um estudo mais aprofundado. Até 2012, foram feitas escavações e produzidos relatórios, devidamente ilustrados com registos fotográficos, onde é possível observar vestígios de estruturas e paredes de edifícios pertencentes ao complexo da Alfândega Imperial, existente nos séculos XVII e XVIII, ou seja, mais antigo que as próprias Ruínas de São Paulo. “Foram feitas descobertas subterrâneas na zona do pátio, pois à superfície não foi descoberto nada. Havia paredes em tijolo azul que deviam fazer parte de uma estrutura de construção anterior às paredes da casa [do século XIX] que podem ser vistas aqui. Fizeram ainda escavações mais profundas e descobriram outras paredes em taipa. Havia também um buraco que, segundo o relatório, era um sítio para apoiar uma coluna ou um pilar”, detalhou André Lui. Segundo o arquitecto, de acordo com a análise feita sobre a planta traçada por Cândido António Osório, a extensão da alfândega vai além do terreno em questão, devendo toda a área ser alvo investigação e discussão mais profunda. “Na minha opinião, o edifício principal da alfândega deve ter sido construído um pouco mais para a frente [relativamente ao Pátio do Amparo]. Esta parte devia albergar alguns edifícios auxiliares da alfândega, mas fazem parte de todo o complexo e, por isso, também são importantes. Segundo o relatório, é provavelmente que os vestígios mais antigos sejam do início da dinastia Qing, por isso é muito antigo. Não vemos nenhum edifício ou construção em Macau desta época. É mais velho do que as próprias Ruínas de São Paulo”, apontou. Dando o exemplo da Casa dos Bicos em Lisboa, onde um edifício da Idade Média convive com escavações do período romano, para André Lui o terreno do Pátio do Amparo poderia ser aproveitado para criar “um museu arqueológico relacionado com a história da alfândega chinesa do século XVII e XVIII”, procurando alcançar uma coexistência de estilos e épocas. “A Alfândega está muito ligada à história da China porque, durante um longo período, mesmo na dinastia Qing, o povo estava proibido de contactar com estrangeiros, mas, como Macau é especial, (…) foi construída a alfândega, uma instalação governamental que representa o poder do imperador em Macau. É um indicador de quem controla o comércio da cidade e uma representação oficial da China daquela época, por isso é importante”, acrescentou. Questionado sobre o modo de actuar do IC, André Lui defendeu que o organismo devia promover “um estudo profundo da zona histórica de Macau” e adquirir mais conhecimento de causa antes de tomar decisões, como a que levou à aprovação do projecto de construção do Pátio do Amparo. “Além de ser património mundial, Macau tem uma história de 400 anos e, por isso, há muitas ruas e zonas onde, muito provavelmente, há vestígios arqueológicos subterrâneos. Muitas vezes, o IC decide sem ter conhecimento profundo sobre os locais e deveria ter esse conhecimento antes de emitir as decisões. Na altura, fiquei surpreendido com a decisão”, vincou.
Hoje Macau Grande PlanoFrancisco Ribeiro Telles: Comissão para promover português é exemplo “inspirador” para actuação da CPLP O secretário-executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) disse ontem que a comissão temática de Promoção e Difusão da Língua Portuguesa, com a participação da sociedade civil, é um exemplo “inspirador” para novas formas de actuação da organização. “Com a criação da comissão temática de Promoção da Língua Portuguesa, em 2013, a CPLP viu concretizar-se o desidrato de novos atores institucionais colaborantes na prossecução de um dos seus objetivos fundacionais e comunitariamente primordiais, a promoção e difusão da língua portuguesa”, começou por referir o embaixador Francisco Ribeiro Telles, na sua intervenção na abertura de um ciclo de debates sob o tema “Promoção e difusão da língua portuguesa: Estratégias globais e políticas nacionais”, que ontem decorreu na sede daquela organização, em Lisboa. E, no seu entender, o papel que esta comissão tem vindo a desempenhar é “merecedor de um justo reconhecimento pelo serviço prestado à causa da promoção da língua portuguesa”. Por isso, considerou-a “um actor ímpar e inspirador de possíveis formas de actuação comunitária”. Ribeiro Telles recordou que, em 2014, na 10ª cimeira de chefes de Estado e de Governo, que teve lugar em Díli, atribuiu-se o estatuto de observador consultivo da CPLP à UCCLA – União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa, que em janeiro deste ano assumiu a coordenação daquela comissão temática, sucedendo à Fundação Calouste Gulbenkian. Estas são duas das 14 instituições que integram a comissão temática para a promoção da língua portuguesa, entidades da sociedade civil, todas observadores consultivos da CPLP. “Desde então a nossa colaboração [com a UCCLA] tem sido profícua e temos a certeza que será cada vez mais intensa”, afirmou o secretário-executivo da CPLP. Entre as iniciativas levadas a cabo desde 2013 pela comissão temática, Ribeiro Telles destacou a realização, naquele ano, da primeira conferência em língua portuguesa, em Faro, a conferência Juventude, Diásporas e Mobilidade Académica, realizada, em 2019, em Santiago de Compostela, o Mercado da Língua Portuguesa, que decorreu em Cascais, e a mostra de cinema em língua portuguesa, que teve lugar em Díli e também em Macau. “Estes eventos permitiram uma maior promoção e projeção da língua portuguesa nos Estados-membros da CPLP, em países terceiros, em organizações regionais e organismos internacionais e junto das diásporas dos nossos países (…), sendo justo reconhecer este legado e o seu contributo, ao longo do tempo, para a aproximação da CPLP os seus cidadãos”, sublinhou o diplomata. Por outro lado, para o secretário-executivo, “a ampla participação do Estados-membros nas iniciativas da comissão” também demonstra “a importância e a pertinência da aproximação da CPLP à sociedade civil e, assim, aos povos dos países de língua portuguesa”. Além disso, as instituições que compõem a comissão temática “têm assumido a promoção da língua portuguesa como sua missão, o que enaltece e fortalece a própria CPLP”, frisou, lembrando que a língua foi o fator motriz daquela comunidade e é hoje falada por mais 200 milhões de pessoas em todo o mundo. De acordo com as estimativas das Nações Unidas, há um potencial de crescimento do número de falantes de português até ao final deste século, altura em que poderá chegar ou mesmo ultrapassar 500 milhões, referiu. Esta importância e potencial no mundo são, segundo o diplomata, “um dos principais motivos do interesse acrescido de numerosos países e organizações internacionais em se associarem de forma mais institucional à CPLP, nomeadamente através da obtenção do estatuto de observador associado”. Assim, se até 2014 a CPLP tinha apenas três observadores associados, hoje tem 19 e a partir da próxima cimeira de chefes de Estado e de Governo da CPLP, prevista para julho em Luanda, deverá passar contar com 30, salientou. “É nesta interceção entre os contextos nacionais dos Estados-membros, dos observadores associados, de países terceiros e ambiente multilateral, que a CPLP existe e interage e que a comissão temática de Promoção e Difusão da Língua Portuguesa e os observadores consultivos se têm afirmado como um ator ímpar e inspirador de possíveis formas de atuação comunitária e merecedor de um justo reconhecimento pelo serviço prestado à causa da promoção da língua portuguesa”, concluiu. O ciclo de debates que teve ontem início integra as comemorações do 5 de maio – Dia Mundial da Língua Portuguesa e Dia da Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP. A iniciativa, da CPLP, conta com quatro sessões em formatos presencial e online, com a apresentação de painéis e discussão em mesas-redondas, nos quais participam representantes dos Estados-membros, dos observadores associados e consultivos da organização e outras instituições da sociedade civil. O 5 de maio foi instituído como Dia da Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP pela XIV Reunião Ordinária do Conselho de Ministros daquela organização, de 20 de julho de 2009. A CPLP conta com nove estados-membros: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste.
Hoje Macau Grande PlanoCovid-19 | Xanana Gusmão dorme à frente de centro de isolamento, depois de horas de protesto Reportagem de António Sampaio, da agência Lusa O líder histórico timorense, Xanana Gusmão, permanecia ao final da noite desta segunda-feira em Díli à frente de um centro de isolamento onde está desde o início do dia em protesto pelo caso de um homem que morreu infectado com covid-19. Depois de horas de protesto, Xanana Gusmão deitou-se numa esteira para “descansar”, segundo explicou um dos membros da sua equipa, indiciando que o impasse em torno ao caso se mantém, apesar de sinais de uma possível solução de compromisso. As redes sociais encheram-se ao final da noite de fotos do líder timorense, deitado no chão, ao lado da carrinha cinzenta onde está o caixão preparado pela família da vítima, que rejeita o diagnóstico de covid-19 e o protocolo para funerais nestas situações e exige reaver o corpo e realizar os ritos tradicionais. Horas antes, havia sinais de um acordo de compromisso que permitira à família enterrar o homem, de 46 anos, no cemitério onde pretendiam, Manleuana, em Díli, desde que cumprindo os protocolos sanitários, em vez de o funeral ocorrer num cemitério preparado para casos positivos da covid-19 em Metinaro, a leste de Díli. Fontes envolvidas no processo explicaram à Lusa que a solução de compromisso, negociada pelo Centro Integrado de Gestão de Crise (CIGC), poderá não ter tido o acordo do Ministério da Saúde e do Governo, que não quer abrir aqui um precedente. A Lusa tentou confirmar esta informação junto de fonte oficial, mas até agora sem sucesso. A polémica do caso – relacionado com a segunda morte em Timor-Leste de uma pessoa infectada com covid-19 – começou de manhã, quando a família de Armindo Borges contestou a decisão das autoridades realizarem o funeral Xanana Gusmão chegou ao local pouco depois das 08:00, criticando a acção das autoridades de saúde, contestando o diagnóstico de covid-19 e atacando a gestão do Governo do caso e da pandemia em geral. Durante o dia, vários responsáveis timorenses tentaram dissuadir e convencer Xanana Gusmão, incluindo a ministra da Saúde, Odete Belo, o número dois da Sala de Situação do CIGC, Aluk Miranda, e outro dos coordenadores, o comodoro Pedro Klamar Fuik. Todos tentaram argumentar sobre a necessidade de respeitar o protocolo definido para mortes de pessoas infetadas, mas Xanana Gusmão rejeitou os argumentos, insistindo que a postura das autoridades não fazia sentido e que o homem tinha morrido de outras doenças. A dado momento da discussão, Xanana Gusmão chegou mesmo a dizer que ia “dizer ao povo que se estiverem doentes não devem ir ao hospital porque se forem vão ser tratados como covid-19 imediatamente”. “Vou ficar aqui até a família poder levar o corpo”, insistiu. Depois da visita de Pedro Klamar Fuik ao local, uma equipa de funcionários da saúde entrou no centro de isolamento com plásticos laranja nas mãos, com indicações de que iriam preparar o corpo, incluindo desinfeção, colocando em plástico e, posteriormente, num saco mortuário. A movimentação sugeriu que o fim do impasse estaria próximo, mas horas depois continua sem haver uma solução final. Vídeos amadores de vários dos momentos do dia suscitaram críticas, depois de se ver Xanana Gusmão a esbofetear pelo menos duas pessoas, uma delas familiar do falecido e de fazer várias críticas a responsáveis de saúde timorenses. Xanana Gusmão esteve no local rodeado de vários apoiantes mais próximos, incluindo deputados e dirigentes do seu partido, o Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), e elementos da segurança da força política. Nos dois acessos à rua onde está o centro de Vera Cruz e nas imediações do centro em si, centenas de efetivos policiais mantiveram um apertado cordão de segurança, travando grupos de centenas de manifestantes que, ao início da manhã, se juntaram em apoio a Xanana Gusmão. Entre os apoiantes, muitos deles jovens, ouviram-se várias críticas não apenas à questão da covid-19 mas, particularmente, à situação socioeconómica difícil com que vive a população de Timor-Leste, em virtude das medidas implementadas para responder à covid-19. Responsáveis do CIGC admitiram durante a tarde que poderiam recorrer à força, caso sejam fossem impedidos de retirar o cadáver do homem, natural de Ermera, do centro Vera Cruz. “Claro que vai haver resistência, mas vamos tentar esclarecer a situação e, em último caso, podemos ser obrigados a tomar medidas de força em relação a esta questão”, disse o brigadeiro-general João Miranda ‘Aluk’. O coordenador da ‘task-force’ para a Prevenção e Mitigação da covid-19, Rui Araújo, explicou que o homem de 46 anos entrou no Hospital Nacional Guido Valadares (HNGV) com um quadro grave, com tensão elevada, respiração dificultada e hemorragia, tendo-lhe sido feito o teste PCR à covid-19. “O resultado foi positivo com um nível ativo elevado de 25.1. O paciente foi transportado para Vera Cruz e foram recolhidas análises a três pessoas da família, das quais duas tiveram resultados positivos: ou seja, três dos quatro habitantes da casa deram resultado positivo”, afirmou. Rui Araújo mostrou-se sensibilizado com a importância dos rituais, usos e costumes, mas recordou que o vírus “está a propagar-se desenfreadamente, não só em Díli, mas noutras partes do território” e que todos devem cumprir as regras de saúde pública. Na sequência da polémica, o primeiro-ministro de Timor-Leste encorajou hoje os médicos “a continuarem a trabalhar, a não ficarem tristes e nem perderem a esperança porque o Governo e o Estado” estão ao lado dos profissionais de saúde. Em comunicado, Taur Matan Ruak referiu que “esta situação está a criar sentimentos negativos de algumas pessoas contra os profissionais de saúde, sendo que algumas pessoas apedrejaram ambulâncias e não têm confiança nos médicos”, acrescentando que “esta atitude não ajuda a combater a doença” no país.
Salomé Fernandes Grande Plano MancheteApoio económico | Governo vai dar 8.000 patacas a cada residente e volta a excluir “bluecards” Entre um subsídio inicial e um montante para descontos imediatos, o Governo vai atribuir oito mil patacas a cada residente para apoio ao consumo, que podem ser gastas através dos cartões de consumo electrónico. Este recuo do Executivo significa, porém, que os não residentes são novamente excluídos das medidas de apoio económico Depois das fortes críticas da população ao plano económico anunciado há cerca de um mês, o Governo apresentou ontem em conferência de imprensa o projecto de melhorias ao “Plano de benefícios do consumo por meios electrónicos”, que tem como referência o modelo do cartão de consumo adoptado no ano passado. O plano envolve cerca de 5,9 mil milhões de patacas. Cada residente permanente e não permanente vai ter direito a um total de oito mil patacas: cinco mil de montante inicial e três mil para descontos imediatos. Em comunicado, o Governo descreve que o projecto pretende “promover o consumo” bem como “aliviar as dificuldades da população”. Os cidadãos passam a ter a hipótese de escolher se querem usar estes benefícios através de pagamento móvel ou cartão de consumo electrónico. Prevê-se que os subsídios possam ser utilizados entre Junho e Dezembro, com a inscrição para a escolha do método do uso a arrancar no próximo mês. “Após a primeira publicação e divulgação do plano anterior ouvimos muitas opiniões dos diversos sectores, dos cidadãos, se há formas para simplificar o processo e também outras opiniões manifestaram intenção de ter um montante inicial. Por isso é uma conclusão científica”, disse o secretário para a Economia e Finanças. Lei Wai Nong acrescentou ainda foi seguida a “vontade da sociedade”. O novo programa assenta no princípio de “subsídios do Governo, desconto imediato no consumo e benefícios para todos”. No entanto, à semelhança dos apoios lançados no ano passado, os trabalhadores não residentes (TNR) estão novamente excluídos. O secretário apontou que a maioria das pessoas concorda com o plano actual. “Quanto à parte dos trabalhadores não residentes esperamos ouvir mais opiniões. Temos de ter um debate suficiente. Quando chegarmos a uma conclusão avançamos para o próximo passo”, disse o secretário. Apesar de não descartar o lançamento de outras medidas, ficou claro que não serão nos mesmos termos. “Seja como for, os trabalhadores não residentes não vão ter o montante inicial, mas estamos a preparar todos os trabalhos para ouvir mais amplamente os cidadãos”, afirmou. O subsídio não pode ser usado para pagamentos em estabelecimentos de jogo, tarifas de água e energia eléctrica, serviços de turismo no exterior, serviços médicos, bancos, instituições financeiras ou casas de penhores. Ajudas cumulativas Na prática, o montante inicial de 5.000 patacas pode ser usado nos pagamentos da mesma forma que no plano de subsídio de consumo do ano passado, mantendo-se o limite máximo de 300 patacas por dia. Além disso, são atribuídas 3.000 patacas para descontos imediatos de 25 por cento. Os dois mecanismos podem ser usados cumulativamente. Tai Kin Ip, director dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico, exemplificou que um produto que custe 400 patacas pode ser adquirido de forma gratuita se forem usadas 100 patacas do desconto imediato e o limite máximo diário de 300 patacas do montante inicial. Quando o montante inicial acabar de ser usado, mas os residentes ainda têm saldo do valor para descontos, podem fazer carregamento de dinheiro para continuar a beneficiar desses descontos, deixando de haver limite máximo diário. Para usarem os benefícios, os residentes devem inscrever-se através do sistema online da Autoridade Monetária de Macau, entre Maio e Dezembro. Se for escolhido o meio de pagamento móvel, as verbas são injectadas automaticamente na conta no início do período de utilização. Caso seja escolhido o cartão de consumo electrónico, é necessário fazer o carregamento durante o prazo fixado. No caso dos menores, os benefícios são levantados pelos pais e pode ser feita transferência dos subsídios para as carteiras digitais dos pais, mediante confirmação junto do banco. O Governo explicou que “uma minoria” da população carregou os cartões de consumo electrónico distribuídos no ano passado para os utilizar como um MacauPass. Quem os usou desta forma vai ter de gastar todo o montante no cartão e regressar à estaca zero, antes de poder usufruir do novo programa de apoio através do cartão de consumo. Os residentes que tiverem perdido o cartão devem comunicar o seu extravio às autoridades e pedir uma segunda via. De braços abertos A iniciativa, que envolve dados pessoais de mais de 730 mil pessoas, ainda precisa de receber luz verde da Assembleia Legislativa. Au Kam San, que chegou a convocar uma manifestação contra o plano anterior, disse ao HM que aceita as melhorias apresentadas. “O Governo ouviu a opinião pública. A atribuição do montante inicial de 5.000 patacas já corresponde à esperança do povo, e o montante de 3.000 patacas para descontos imediatos significa que o Governo ainda quer elevar o consumo via subsídio, equilibrando a vontade da população com a sua”, comentou. “Acho que é um plano muito melhor. Devo dizer que vai além das minhas expectativas”, afirmou Agnes Lam. A deputada considera que a nova iniciativa responde às vozes de quem pediu para se ajudar as pessoas a cobrirem algumas das suas despesas, destacando a possibilidade de se poder optar pelo cartão de consumo electrónico. “O Governo ainda pode impulsionar a economia ao pedir às pessoas para gastarem mais”, disse. As mudanças também tiveram o apoio de Chan Chak Mo. “Depois de ouvir o público, é uma melhoria muito boa. Claro que todos os detalhes têm de ser anunciados e têm de dizer às pessoas o que fazer. Mas o esquema geral acho que é muito bom porque na verdade, o Governo está a pagar a cada pessoa oito mil patacas (…)”, respondeu ao HM. O deputado afirmou ser um “bom programa” e que o apoia “completamente”. Numa publicação na rede social Facebook, Sulu Sou destaca que o novo plano acrescenta a opção de se continuarem a usar os cartões de consumo electrónico, pelo que é “temporariamente abandonada” a tentativa de acelerar o pagamento através de telemóveis. “O novo plano já não se foca na “promoção do consumo” (o chamado resgate do mercado) mas também tem o elemento de “assistência económica” (salvar as pessoas), mas ainda não há assistência adicional a quem está desempregado, em licença sem vencimento ou grupos de baixos rendimentos”, reflectiu o deputado. Já Leong Sun Iok considera que “o Governo basicamente já respondeu às exigências das associações e dos grupos”. Em declarações ao HM, o deputado observou que o Governo recolheu diferentes opiniões, incluindo a Federação das Associações dos Operários de Macau, para definir as melhorias a adoptar. “Também propus no Conselho para o Desenvolvimento Económico que o montante não devia ser inferior ao da primeira e segunda fase do plano de subsídio de consumo. Agora o montante total não é inferior a 8.000 patacas, por isso estou satisfeito”, apontou. Apesar disso, persistem apreensões sobre a aplicação das medidas. “A maior preocupação é que algumas lojas subam os preços, ou até que os preços não correspondam às etiquetas, como em situações ocorridas no ano passado”, disse Leong Sun Iok. Assim, o legislador espera que o Governo reforce os trabalhos de regulamentação, por exemplo, aumentando as inspecções sobre os preços e aplicando sanções às lojas que subam os valores “de forma indiscriminada”.
Pedro Arede Grande Plano MancheteCães acolhidos em edifício industrial levantam questões de saúde pública Fundadora de associação dedicada à protecção dos animais alugou duas fracções num edifício industrial perto da Estrada do Pac On para acolher cerca de 100 cães abandonados. O caso veio a lume após um relato anónimo que considera a situação perigosa para a saúde pública, dado o cheiro “nauseabundo” e a infestação de ratos que surgiu no edifício onde trabalham várias pessoas. O IAM diz estar a acompanhar a situação “de perto” e que não foram detectadas “irregularidades” O cenário é rocambolesco e as queixas sucedem-se há meses. O facto de a recém-criada associação de protecção dos animais “心肝寶貝浪浪義工團” (ainda sem nome em português) ter alugado um espaço num edifício industrial para acolher cães abandonados, tem suscitado apreensão ao nível de eventuais perigos para a saúde pública, mas também quanto às condições em que vivem os próprios animais. O edifício localiza-se nas redondezas da Estrada do Pac On e a fracção em causa alberga cerca de 100 cães, revelou ao HM a fundadora da associação que gere o alojamento, Anita Cheang. De acordo com o relato apresentado ao HM, por uma fonte que pediu para não ser identificada, a situação terá começado “há cerca de seis ou sete meses atrás”, após as duas fracções em causa terem sido arrendadas para albergar cães. Pouco tempo depois, o Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) terá sido chamado ao local para averiguar a situação, tendo afirmado que tudo estaria dentro da legalidade, dado que os animais têm acesso a água e comida. No entanto, segundo a mesma fonte, com o passar do tempo “o cheiro “nauseabundo foi aumentando” e a qualidade de vida no andar “deteriorou-se bastante”, manifestando-se inclusivamente numa “insuportável” infestação de ratos. “Trabalha ali muita gente e eu vejo nesta situação um caso de perigo para a saúde pública. Além de que, os próprios cães estão em sofrimento. Ouve-se constantemente os cães a ladrar e a agredir-se uns aos outros (…) até porque não vejo cães a sair de lá para ser passeados. Os cães estão lá fechados dia e noite”, partilhou a mesma fonte. Sublinhando ser da opinião de que se trata de um caso de saúde pública e de protecção dos direitos dos animais, o queixoso contou ainda que, após uma segunda visita, o IAM terá dito que não pode intervir porque os animais não se encontram em espaços comuns, mas sim em propriedade privada. “Na minha óptica isto é o mesmo do que alguém ter a música alta em casa e a polícia for chamada a intervir. Por isso, não sei até que ponto haver um cheiro nauseabundo num prédio também não será motivo para se fazer alguma coisa”, partilhou. Escada acima Não é preciso chegar ao segundo andar, onde estão alojados os cães, para se sentir o cheiro. O HM esteve no local, tendo sido possível comprovar que em várias áreas comuns do edifício, incluindo corredores, patamares e escadas, a atmosfera foi efectivamente afectada pela presença dos animais. No mesmo corredor onde estão albergados os animais e onde a luz quase não entra pelo meio de maquinaria e mercadoria amontoada, estão várias empresas, entre as quais uma padaria. No andar de baixo há uma outra empresa dedicada a serviços de transporte e a serviços fúnebres de animais de estimação chamada “Pet Paradise”, que garante nada ter a ver os animais acolhidos por Anita Cheang. Contactada pelo HM, a fundadora da associação revela que o espaço que arrendou já alberga cerca de 100 cães e que esta foi a solução encontrada para continuar a proporcionar uma vida melhor aos animais vadios com os quais se depara na rua ou que precisam de apoio, sobretudo por temer que acabem abatidos, caso permaneçam ao abandono. Afirmando que desde 2015 tem levado uma vida dedicada a ajudar os animais, Anita Cheang, partilha ainda que, antes de alojar os cães na actual morada na zona do Pac On, estes estavam num outro edifício situado em Coloane, do qual teve de sair devido à decisão do proprietário de vender o imóvel. Questionada sobre se considera que albergar os animais nas actuais condições e num edifício industrial pode constituir um perigo para a saúde pública, Cheang admite que o cenário não é o ideal e que está actualmente a procurar um novo espaço para os cães, mas descarta responsabilidades relativamente à infestação de ratos. “De facto, os ratos são muitos e podem afectar a saúde pública, mas não posso usar veneno ou acabo a matar os meus cães. O máximo que posso fazer, e faço sempre que tenho tempo, é limpar todo o piso, incluindo as áreas comuns. Não é razoável pensar que são os cães que atraem os ratos, mas sim que a comida é que é a principal fonte de propagação. Não sei de onde vêm os ratos, mas toda a gente tem o dever de assumir as suas responsabilidades, até porque no mesmo andar existe, por exemplo, uma fábrica de alimentos”, partilhou. Sobre as queixas relativas ao mau cheiro, Anita Cheang aponta que tem vindo a ser recorrentemente multada pelo IAM no seguimento das várias queixas apresentadas. Cheang conta ainda que a pandemia tem dificultado em muito o apoio prestado aos animais, até porque, para além de ter perdido o emprego, as despesas mensais com a alimentação e cuidados médicos dos cães que acolhe “são caras” e dependem maioritariamente do seu investimento pessoal e de doações. “Se tivesse mais recursos claro que já tinha encontrado um espaço melhor para os animais. De qualquer forma, estou ciente que esta é uma morada temporária e que, no futuro, vou mudar-me, até porque devido às queixas, estou certa que não vou conseguir renovar o contrato de arrendamento”, acrescentou. Tudo controlado Em resposta enviada ao HM, o IAM diz ter conhecimento do caso e que, desde o final do ano passado, tem enviado funcionários para garantir que, tanto o bem-estar dos animais, como a saúde pública estão assegurados. “O IAM está a acompanhar de perto a situação do alojamento em questão, que é mantido por um grupo de protecção animal de Macau. Desde o quarto trimestre do ano passado que o IAM tem enviado funcionários mensalmente para inspeccionar se as condições do local estão em linha com o estipulado na Lei de Protecção dos Animais, assim como o bem-estar dos animais. Não foram detectadas irregularidades”, pode ler-se na nota. Por outro lado, o organismo sublinha que a entidade que gere o espaço “deve cumprir as medidas necessárias para evitar impactos na saúde pública”, tendo sido já prestado o devido aconselhamento. “Relativamente ao mau cheiro, o IAM prestou aconselhamento aos responsáveis e indicou medidas para realizarem melhorias das condições sanitárias e continuará a supervisionar este local em questão e outros similares por forma a garantir a saúde pública, o bem-estar dos animais e o cumprimento da lei.” Problema maior Contactada pelo HM, Fátima Galvão fundadora da Masdaw – Associação de Cães de Rua e Protecção dos Animais de Macau, considera que infelizmente este tipo de situações, em que a população acaba por tomar as rédeas no que toca a resgatar e prestar apoio aos animais, são recorrentes no território, acabando por criar situações indesejáveis, sobretudo quando Macau “tem tudo para ser um exemplo” nesta matéria. “Se o Governo tivesse vontade esta situação era resolvida muito rapidamente, inclusivamente envolvendo clínicas particulares para esterilizar os animais. Macau podia dar um exemplo ao mundo. Há tantos terrenos que o Governo está a reaver, que era perfeitamente possível criar um ‘santuário’, vedar um espaço onde os animais pudessem viver e depois colocá-lo à responsabilidade das associações, por exemplo. De facto, não se justifica que as associações tenham de ter os animais em edifícios industriais, não é saudável. Os animais devem viver ao ar livre e de se exercitar. Tudo isto é um contra-senso. É uma pena que, numa terra onde há tanto dinheiro não tenhamos um Governo que tenha vontade de dar um exemplo ao mundo”, referiu. Sobre o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelo IAM, Fátima Galvão aponta haver melhorias, mais concretamente um “esforço” para não abater cães e comunicar com as associações que, na maior parte dos casos, tal como acontece na Masdaw, “estão a abarrotar de cães”. Sobre Anita Cheang, que afirma conhecer, a fundadora da Masdaw aponta que “é uma pessoa com um grande coração que vive completamente dedicada aos animais e desenvolve um esforço absolutamente incansável”. “No dia 1 de Janeiro de 2021 às 4 da manhã, a Anita andava a alimentar cães ao frio”, partilhou. Quanto ao futuro, Fátima Galvão espera que o Governo “comece a pensar em fazer alguma coisa por quem tanto faz pelos animais”, arranjando espaços para as associações e envolvendo as mesmas na procura de soluções. AL | Agnes Lam pede esterilização de animais e colaboração com associações Agnes Lam considera que o Executivo deve encontrar soluções para pôr termo ao “círculo interminável em que o Governo captura os animais e, depois, a população é que os salva”. Afirmando ter recebido pedidos de apoio de vários voluntários que não têm capacidade de adoptar cães e gatos vadios e cujos encargos financeiros atingiram um nível “insuportável”, a deputada quer que Governo e população “estejam do mesmo lado”, defendendo planos de esterilização e a criação de zonas de protecção. “Como os residentes não querem que os animais sejam abatidos e o Governo precisa de garantir a sanidade e a prevenção de epidemias na cidade, algumas associações de protecção dos animais apresentaram, há anos, o Programa de esterilização dos gatos e cães vadios (TNR), propondo ao Governo a atribuição de terrenos para criarem zonas de protecção para asilo dos gatos e cães vadios. O Governo poderia continuar a capturar animais vadios e, depois da esterilização, estes seriam colocados nessas zonas de protecção, e as associações responsáveis pela sua gestão e os cidadãos poderiam tomar conta deles e apelar à sua adopção”, defendeu Agnes Lam na passada quinta-feira, na Assembleia Legislativa (AL), durante o período dedicado às intervenções antes da ordem do dia. Para a deputada, caso a actual situação persista “os recursos das associações de protecção dos animais vão acabar por esgotar-se um dia, pois estas têm, constantemente, de salvar os animais do abate”.
Hoje Macau Grande Plano MancheteDemolir paredes demolindo a História Chinesa de Macau – De Ferreira do Amaral ao Instituto Cultural de Macau Análise de António V. de Saldanha 薩安東, professor da Universidade de Macau Há poucos dias, com mais repercussões nos media de língua chinesa do que nos portugueses, uma notícia agitou o meio dos que cuidam e se preocupam com o património histórico-cultural de Macau. O caso conta-se em poucas palavras: após alguma discussão, o Conselho de Planeamento Urbano de Macau, baseado em parecer do Instituto Cultural de Macau, considerou a irrelevância arqueológica do lote de 563 metros quadrados localizados no Pátio do Amparo nos.5-7, e autorizou a edificação no local, sujeita às habituais restrições de altura, etc. A decisão suscitou a oposição imediata de um dos membros desse Conselho, o Arq. André Lui (呂澤強 Lǚ Zeqiang) — destacado especialista em questões de património cultural e membro da Chinese Association for the Protection of Historic Sites — invocando o facto de o Conselho de Planeamento Urbano de Macau ter decidido apressadamente sobre um parecer erróneo do ICM. Ou seja, um parecer emitido pelo Instituto Cultural onde se avaliou deficientemente o facto facilmente provado de o terreno em causa estar sobre o local do antigo Guanbu Xingtai關部行臺, desde 1688 a antiga sede da delegação alfandegária imperial de Macau (a “Alfândega Grande da Praia Pequena”), encerrada pelo Governador Ferreira do Amaral em 1849. Para Lǚ Zeqiang, o local do Guanbu Xingtai não deveria ser já considerado como “uma relíquia cultural de Macau mas um autêntico tesouro nacional”. Mais: a decisão do Conselho redundaria num atentado ao património histórico de Macau inviabilizando uma rara oportunidade de pedagogia histórico-cultural e de carácter “patriótico”. A posição de Lǚ Zeqiang não pode deixar de merecer o maior apoio e solidariedade de todos aqueles que têm interesse pelo património histórico de Macau pois há um risco sério de uma página da história chinesa de Macau ser rasgada sem remissão. Contudo, o problema é bem mais sério do que o denunciado pelo Arq. Lǚ e merece ser abordado aqui em toda a sua extensão. Os 500 e tal metros quadrados vazios e os restos do que poderá ter sido a fachada nobre da antiga Alfândega imperial de Macau valem pouco por si mas (e é isto que se esquece) valem muitíssimo se devidamente incluídos no conjunto dos cinco locais mais simbolicamente representativos da autoridade imperial Chinesa que durante trezentos anos prevaleceu em Macau. A saber: 1) a porta fortificada do istmo com competências de fiscalização aduaneira, chamada depois de Porta do Cerco, no local onde está hoje a bem conhecida Kwan Chap, Guanzha關閘. 2) a residência (documentada desde os anos 70’s do sec.XVI) do chamado “mandarim de Macau”, o famoso Zuotang 佐堂ou Xiancheng县丞, responsável pela gestão dos assuntos dos chineses e dos estrangeiros de Macau. Esse edifício, pela sua utilidade não apenas residencial, mas também pela finalidade cerimonial, de secretariado e de tribunal judicial, podia ser classificado verdadeiramente como o yamen do Zuotang de Macau. 3) o edifício central da administração alfandegária de Macau, o Niangmajiao shuiguan娘妈角税馆, a primeira delegação da Alfândega imperial Cantão em Macau, o “Hopu da Barra”, fundado em 1684/1685 e chefiada por outro mandarim ou magistrado, o Guanaoweiyuan關澳委員, o chamado “Hopu da Praia Pequena”. 4) a residência deste magistrado e de outros mandarins de visita a Macau, construída nos anos 70 do século XVIII, não longe do corpo da grande alfândega. 5) o átrio do Senado de Macau onde estavam erectas as duas grandes lápides de pedra com os decretos dos Imperadores Wanli (1614) e Qianlong (1749) que enunciavam o complexo normativo pelo qual até ao séc. XIX se pautou a existência da comunidade Portuguesa de Macau no interior do sistema imperial de governança da cidade. É de notar que muitas das tão famosas ”chapas sínicas”, documentos oficiais chineses de contacto com as autoridades portuguesas de Macau, custodiadas pelo Arquivo Nacional de Portugal e recentemente classificadas como património mundial pela UNESCO, foram produzidas e emitidas em Macau pelo gabinete dos Mandarins Zuotang de Macau e Guanaoweiyuan da Alfândega Grande sediados nos precisos locais que acabamos de referir! É por demais conhecido como esta lógica e esta logística do poder imperial chinês foi totalmente pulverizada entre os anos de 1846 e 1849 por acção do Governador Ferreira do Amaral. O Procurador do Senado, o Yimu 夷目, o “olho dos bárbaros”, detentor de um ínfimo grau mandarínico, perdeu então o seu papel de liaison officer junto dos magistrados chineses e as lápides com os decretos imperiais existentes no Senado foram destruídas ou remetidas para Lisboa. A Porta do Istmo foi alterada e redenominada como “Porta do Limite” para significar a extensão territorial da cidade para lá das velhas e depois derribadas muralhas e portas da cidade até à garganta do istmo. Os mandarins Zuotang e Hopu foram expulsos de Macau, as residências confiscadas e vendidas, a Alfândega Grande da Praia Pequena encerrada e esventrada, e o mastro fronteiro com as flâmulas imperiais derrubado à machadada na manhã do dia 13 de Março de 1849 perante uma atónita população chinesa. É hoje possível compreender que o objectivo da estratégia do Governador Ferreira do Amaral foi não só político mas também psicológico. Expulsando os mandarins e, simultaneamente, arrasando, esvaziando e “dessacralizando” a logística do poder imperial chinês em Macau, Amaral arrancou-o do coração da cidade chinesa à beira do Porto Interior e tirou-o da vista da sua comunidade original, apagando a sua memória. De imediato, criou um espaço alternativo para um novo centro de poder, político, judicial e administrativo, agora Português, na outra ponta da cidade, à beira da Praia Grande, onde, por sinal, ainda hoje se conserva como sede do Governo da RAEM. Pergunta-se, o que resta de tudo? Resta mais do que se pensa nesta cidade patrimonialmente martirizada, o suficiente para servir de sustento e amparo à divulgação da história de Macau pré-colonial, à história chinesa de Macau que ainda tem tanto para explorar e trazer ao grande caudal da história moderna da China. Neste como noutros campos, são as fontes históricas portuguesas que continuam a suprir as deficiências informativas ou mesmo a inexistência das fontes chinesas pertinentes. Foi aliás o próprio arquitecto Lǚ Zeqiang que no seu apelo e para efeitos de prova sublinhou a importância da utilização de um largo mapa de Macau traçado em 1831 e actualizado em 1838 pelo cartógrafo da Marinha Portuguesa Cândido António Osório existente em Lisboa nos arquivos do Exército, agora digitalizado e incluído na muito útil e bem organizada colecção especial de cartografia de Macau, desenvolvida pela Biblioteca da Macau University of Science and Technology. A consulta do mapa de Osório pode ser ainda mais alargada e o traçado sobreposto a um simples mapa Google. Os resultados são surpreendentes e de uma exactidão que facilita a compreensão do que resta deste antigo centro histórico : numa área de algumas centenas de metros que correm para baixo da fachada lateral poente da Igreja de S. Paulo até à Rua de N. Sra. do Amparo (a bem conhecida rua dos quase desaparecidos tin-tins) concentram-se os sítios e as ruínas do que foram as sedes das autoridades Chinesas de duas dinastias que, indisputadas, governaram Macau e as duas comunidades, Chinesa e Portuguesa, até meados do século XIX. Junto a S. Paulo e à travessa de S. Francisco Xavier, o palacete mourisco que abriga a Associação Hó-Song-I-Tong 何族崇義堂聯誼會 assenta no que foi o yamen do Zuotang, o mandarim de Macau. Mais uns metros abaixo, na grande área compreendida entre o Pátio do Amparo 顯榮圍e o Pátio da Mina李家圍, limitada a poente pelo R. de N. Senhora do Amparo關前後街 (referida na documentação portuguesa dos finais do século XIX como sendo a “Tai-kuan-háu-cae” 大關後街 Da Guan Hou Jie, isto é, a “Rua de trás da Grande Alfândega”), está o local da Alfândega Grande da Praia Pequena que o Instituto Cultural veio agora negar a prova que ali se localizasse. Ainda na R. de N. Sra. do Amparo, umas centenas de metros para norte está o pórtico do Pátio das Calhandras山蔴雀 圍; logo à entrada, à esquerda, um edifício pesado que contém os restos ou assenta sobre a antiga residência dos mandarins da alfândega e magistrados visitantes (hoje ao que parece propriedade da associação Tung Sin Tong); à esquerda do pórtico está o bloco compacto de uma antiga casa de penhores que no mapa de 1831 já era referida como tal, fronteira a casa dos Mandarins. É neste contexto de riquíssimo e profundo significado histórico para Macau e, consequentemente, para a história da Grande Baía e moderna da China que nos surge a iniciativa do arquitecto Lǚ Zeqiang e o seu apelo para que as autoridades de Macau entendessem o que estava em jogo e que se respeitasse uma memória da história da cidade; isto é, uma memória agonizante que, por um esforço pedagógico e patriótico, deveria ser elevada a memória colectiva da comunidade de Macau. É verdadeiramente chocante que esse apelo tenha sido rejeitado, aparentemente baseado num parecer produzido pelo Instituto Cultural de Macau que avança o argumento pueril da inexistência de vestígios arqueológicos probatórios da existência do Guanbu Xingtai, a Grande Alfândega da Praia Pequena, no local. Ignora-se que restos arqueológicos se esperaria encontrar no local provando a existência de uma repartição burocrática como a alfândega cujos armazéns e guarda marítima se situavam noutro local, mais abaixo sobre a Praia Pequena, como o prova o mapa de Osório (“Opu da Praia Pequena”) Aliás, um outro documento oficial português de 1877, revela-nos que nesta data já só existiam neste mesmo espaço do Pátio do Amparo as fortes paredes da Alfândega e um amontado de casario miserável. O Instituto Cultural de Macau já nos vem habituando de há muito a uma impressão de incapacidade no que respeita a uma política racional e informada de salvaguarda do património histórico de Macau, limitado pelo que parece ser uma noção impressionística e de vistas curtas mais voltada para o “turismo de massas” do que para os interesses e formação cultural da comunidade que aqui vive há várias gerações. Desta feita, a questão não parece ser o turismo de massas mas o interesse vulgar de viabilizar mais uma construção de raiz nos 563 metros quadrados cravados num centro histórico da cidade. Claro que não se questiona o indisputado mérito dos arquitectos e dos arqueólogos do ICM; questionam-se sim as noções e conhecimentos que o ICM tem (se é que tem) da secular história política, social, económica e cultural de Macau e das responsabilidades inerentes da sua preservação e do seu desenvolvimento para os quais uma bem orientada contribuição dos arquitectos e dos arqueólogos é fundamental. Porque não é certamente aos responsáveis pelas Obras Públicas de Macau que essas mesmas responsabilidades cabem: é ao Instituto Cultural, como a outros institutos culturais do mundo civilizado. Nesse campo — o da sabedoria, o da inovação e o do critério de valorização e potencialização do património – devem pôr-se os olhos na China, mesmo aqui ao lado, que tem dado e continua a dar exemplos absolutamente notáveis. Entendamo-nos: o que parece esconder-se por detrás da manifesta incapacidade do ICM para lutar pela preservação do sítio da antiga alfândega imperial, não é a indiferença mas a pura e simples ignorância da História de Macau e a menoridade cultural de quem crê que o “património” urbano se reduz à unidade que se vê, ao que se palpa e ao que eventualmente serve de pano de fundo a mais uma selfie. Numa cultura riquíssima como a Chinesa onde o símbolo, e sobretudo o símbolo transcendente do poder, teve e continua a ter um lugar privilegiado, é verdadeiramente inacreditável que isso não aconteça em Macau RAE. É, de facto, espantoso que a superior instituição local em matéria de Cultura não tenha compreendido que ao proteger e acarinhar um elemento do núcleo simbólico de trezentos anos de pleno exercício de uma Autoridade Imperial — que também foi Governo Central da China — esteja a cometer um erro cultural e, sobretudo um erro pedagógico. Num momento em que as mais altas instancias da R.P. da China apelam ao reavivar, ou mesmo à reconstrução, de uma história nacional para a qual devem fluir as histórias locais numa lógica de legitimidade, de unidade e de continuidade, é, de facto, inacreditável que em Macau se ignore e desperdice a oportunidade de, para lá da cultura livresca e erudita, ensinar à sua comunidade através de um itinerário marcado na malha urbana e pela exibição dos restos simbólicos ainda existentes no seu espaço, que houve um Macau pré-colonial gerido com competências específicas por autoridades delegadas de um Poder Central, com assento em Macau e com uma logística própria e adequada ao seu estatuto. Foi isso que o Governador Ferreira do Amaral atacou com precisão, selecionando os alvos de maior carga simbólica para fazer esquecer um passado que lhe era impossível deixar coexistir com a nova legitimidade colonial. Ironicamente, parece que assim e por este caminho o Instituto Cultural de Macau arrisca ganhar o título dúbio de facilitador do remate final da obra de Ferreira do Amaral. Por isso, razão e muita tem o arquitecto Lǚ Zeqiang ao sugerir que a questão já não deveria estar a correr ao nível local da preservação do património mas sim que deveria ser transportado para uma instância superior onde os tesouros nacionais da cultura chinesa são devidamente considerados e protegidos. Nota: Este artigo de opinião é fundado em resultados de um projecto de pesquisa que o autor lidera com o título “Logics and Logistics of Power, Commerce and Religion in Pre-Colonial Macau”.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteEstudo | Questão racial foi determinante para o estatuto privilegiado de Macau Macau sempre teve um “estatuto privilegiado” nas representações feitas por Portugal face às colónias africanas e Timor-Leste. Não houve apropriação de costumes e modos de vida dos macaenses, nem estes foram abrangidos pelo estatuto do indígena. Ainda hoje se olha para Macau de forma diferente e, em parte, por uma razão: as diferenças na cor da pele. Esta é uma das ideias deixadas num estudo recentemente publicado pela investigadora da Universidade de Lisboa Patrícia Ferraz de Matos “Colonial representations of Macao and the Macanese: Circulation, knowledge, identities and challenges for the future” [Representações coloniais de Macau e dos macaenses: Circulação, conhecimento, identidades e desafios para o futuro] é o título de um artigo académico da autoria de Patrícia Ferraz de Matos, da Universidade de Lisboa (UL), publicado recentemente na revista científica Portuguese Journal of Social Sciences. A investigadora defende que Macau sempre gozou de um estatuto privilegiado em termos de representação por parte da metrópole por oposição às colónias africanas ou a Timor-Leste, algo que acabou por perdurar até aos dias de hoje. “Ao viverem relativamente isolados da metrópole portuguesa entre os séculos XVI e XIX, os macaenses desenvolveram uma cultura e crioulo locais através da incorporação de várias influências que receberam das zonas marítimas da Ásia Oriental. Ao fazer isso, puderam manter o seu estilo de vida, tradições, idioma, gastronomia e profissões associadas ao Governo local”, pode ler-se. Ao HM, a investigadora adianta que “Macau não foi um território de exploração como foi Angola ou Moçambique, com plantações, em que as pessoas eram obrigadas a trabalhar porque tinham de pagar um imposto, e por isso é que tinham o estatuto de indígena.” Acresce o facto de, perante a ONU, Macau nunca ter sido considerado uma colónia. Em algumas colónias portuguesas houve destruição de aldeias, onde foram construídas escolas e hospitais ao estilo europeu. “Em Macau isso não aconteceu”, lembrou a autora. Em termos gerais, no período colonial, Macau “era visto e representado como um território remoto em que muito pouco era conhecido”. “Ao analisar as representações dos territórios sobre administração colonial portuguesa, é evidente que Macau desfrutava de um estatuto privilegiado, particularmente em comparação com as descrições feitas dos territórios africanos e de Timor”, lê-se ainda. Nestas representações do tempo do Estado Novo, as práticas sócio-culturais de Macau eram vistas como “originais e uma mistura de várias culturas”. “Por outro lado, as adições (do jogo) são mencionadas, tal como o facto de a lei ser mais flexível. O fascínio em torno de Macau estava muitas vezes relacionado com o seu alegado exotismo e com o facto de podermos encontrar elementos identificáveis com a cultura portuguesa num território tão distante e diferente”, aponta o artigo. Uma questão de pele A cor da pele também acabou por influenciar o processo de representação de Macau. “[Os habitantes das colónias africanas] eram pessoas de raça negra, era este o termo usado nos documentos, e os seus descendentes, que não soubessem ler e escrever ou que tivessem costumes considerados primitivos [estavam inseridos no estatuto do indígena]. Isso não aconteceu com os macaenses”, adiantou Patrícia Ferraz de Matos. A investigadora analisou exposições, livros escolares e outras iniciativas do Estado Novo onde o império colonial era descrito e mostrado aos portugueses, incluindo o espaço dedicado a Macau e às restantes colónias no Portugal dos Pequenitos, em Coimbra. “Há determinados aspectos que não encontramos nos pavilhões de África, isto no Portugal dos Pequeninos. Encontramos sementes e armas, no de Macau não. Encontramos uma escola ou uma série de lojas, algo mais próximo de existir numa sociedade ocidental. Macau era um pouco visto como mestiço, e parte desse privilégio que [o território teve] pela forma como foi visto e representado [por Portugal] terá a ver com isso.” Esse estatuto de privilégio “comparativamente aos países africanos, penso que se mantém”, defende a académica, e é algo que tem a ver “com a cor da pele e com o racismo”. “Portugal é um país estruturalmente racista e a questão da cor da pele muitas vezes esteve por detrás da definição de coisas como o Acto Colonial, o estatuto indígena, código do trabalho do indígena, que foi aplicado nas populações africanas e nunca em Macau”, frisou. Patrícia Ferraz de Matos destaca o facto de, hoje em dia, existir em Portugal um intenso debate não apenas sobre o racismo, mas sobre as representações coloniais, incluindo o derrube ou a manutenção de estátuas e outros símbolos. “Isso tem muito mais a ver com a relação de Portugal com os países africanos. Macau passa ao lado disto, completamente.” Uma nova identidade Olhando para o futuro, Patrícia Ferraz de Matos destaca o facto de hoje em dia existir “uma nova geração de macaenses que se identificam menos com a cultura portuguesa e começaram a cultivar um novo discurso de identidade”. Actualmente, “a comunidade macaense ilustra um processo de aglutinação para a criação de uma identidade étnica”, lê-se. Este movimento não está imune ao processo de internacionalização da própria China e também de Macau, acrescenta a autora. Este movimento de ligação à cultura portuguesa aconteceu também muito por culpa “da presença da comunidade portuguesa, que muitas vezes é vista como aberta ao mundo e com uma incrível capacidade para se adaptar aos territórios estrangeiros”. “Tal como no passado, e apesar de todas as transformações, Macau é ainda um lugar interessante para reflectir sobre as estratégias de poder e de internacionalização, o estabelecimento de relações, a circulação de pessoas e a formação de identidades”, frisou. Patrícia Ferraz de Matos não deixa de destacar a realização de actividades como o Festival da Lusofonia ou a Semana Cultura da China e dos Países de Língua Portuguesa como exemplos de uma ligação a Portugal que ficou ao longo dos anos. “O Festival da Lusofonia é algo que foi definido por Macau e não pelos portugueses. É muito interessante, tem este nome, mas poderia ter outro. É interessante também ver o que é incluído neste festival”, concluiu.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteTNR | Desemprego e falta de apoio do Governo aumenta filas de distribuição de comida da Caritas Apesar de Macau não ter novos casos de covid-19 há um ano, a pandemia continua a causar enorme impacto social. Paul Pun, secretário-geral da Caritas, relata o aumento de trabalhadores migrantes, todas as semanas, nas campanhas de distribuição de comida. Dirigentes de associações que representam TNR esperam que o Governo os inclua no próximo plano de apoios financeiros Paul Pun, secretário-geral da Caritas, acredita que os próximos meses vão trazer ao de cima um volume crescente de casos de vulnerabilidade social entre trabalhadores não residentes (TNR). Com as fronteiras praticamente fechadas, sem trabalho ou dinheiro, haverá cada vez mais TNR a depender de assistência social para sobreviver. Actualmente, a Caritas tem um programa semanal de distribuição alimentar destinado apenas a trabalhadores migrantes, intitulado “Partilha de Alimentos – Food Sharing”, para o qual o Governo não contribui com qualquer apoio financeiro. Independentemente, da logística e apoios oficiais, Paul Pun testemunha o aumento dos pedidos de ajuda. “Só ontem [última campanha de distribuição de alimentos e produtos] tivemos aqui 400 pessoas e 60 novos casos”, contou ao HM. “São pessoas que estão sem emprego e presas em Macau. Distribuímos embalagens de arroz e produtos de higiene, e demos vouchers de 100 patacas. Com a ajuda de 10 voluntários trabalhamos cerca de sete horas para dar algum apoio a estas pessoas. Também foi dado leite em pó para a alimentação das crianças. Temos feito isto desde Setembro.” “Sempre que organizamos estas acções, aparecem novos casos”, adiantou. A braços também com escassez de recursos humanos, a Caritas apenas pode organizar uma campanha de “Partilha de Alimentos – Food Sharing” por semana. “Estimo que o número de pessoas a precisar de ajuda nos próximos meses venha a aumentar. Continuam a lutar pelo trabalho dos residentes e penso que quando os contratos de trabalho dos não residentes terminarem não serão renovados. Acredito que mais pessoas peçam ajuda. Mas não creio que os voos regressem à normalidade nos próximos meses”, projectou Paul Pun, que alertou também para casos escondidos. “Creio que existem pessoas a precisar de ajuda, mas que não pedem”, frisou. O programa da Caritas é destinado também a quem fica retido no território sem bluecard e apenas com o passaporte. “Estas pessoas não têm voz, mas também merecem a nossa atenção. É por isso que insisto em fazer este trabalho, porque estas pessoas contribuem para a sociedade de Macau e sem o seu apoio a nossa comunidade não teria oportunidades de se desenvolver. Não têm forma de voltar a casa e estão a sofrer constrangimentos, então temos de cuidar destas pessoas.” Porquê os TNR? Sem financiamento do Governo, Paul Pun vê-se muitas vezes obrigado a pedir ajuda a amigos para adquirir bens alimentares ou produtos de higiene, incluindo máscaras. Alguns hotéis, casinos e instituições privadas, como a Escola Portuguesa de Macau, dão uma mão na angariação de bens. “Há uns dias pedi a uma amiga ajuda para comprar embalagens de arroz, e ela fez um donativo de arroz. Essa quantidade deu para três campanhas de distribuição. Alguns hotéis encorajam os funcionários a darem-nos comida.” Manter o programa de assistência custa à Caritas entre 100 a 150 mil patacas por mês. “Temos conseguido manter este programa, mas espero que os trabalhadores migrantes também se consigam aguentar. Precisamos de tempo para comunicar com pessoas que possam fazer donativos. Alguns perguntam-me porque é que eu não ajudo os residentes de Macau, porque eles também não têm trabalho ou salário. E eu tenho de explicar-lhes que os residentes têm programas de apoio. Mas os não residentes não têm financiamento adicional e precisam da caridade”, adiantou. Grito de alerta Jassy Santos, trabalhadora doméstica filipina e dirigente da associação Progressive Labor Union of Domestic Worker, não tem dúvidas de que o número de pessoas a necessitar de ajuda irá disparar nos próximos meses. “Todos os dias há trabalhadores migrantes a perder o emprego. E há algum tempo que estas pessoas precisam de ajuda. O Governo deve abrir os olhos para estes trabalhadores migrantes que precisam de ajuda”, referiu ao HM. A dirigente gostaria de ver a rede de apoio social a esta franja da comunidade alargada para além dos programas de distribuição de víveres organizados pela Caritas. “Os trabalhadores migrantes também contribuem para a sociedade de Macau e e precisam de ajuda, especialmente os que perderam o trabalho. A maior parte destas pessoas não tem estabilidade financeira.” Jassy Santos estima que haverá cerca de mil cidadãos filipinos à espera de repatriamento. O HM tentou obter dados junto do consulado-geral das Filipinas em Macau e Hong Kong, bem como o número de pedidos de ajuda apresentados, mas até ao fecho desta edição não obteve resposta. Também não foi possível apurar dados relativos a trabalhadores migrantes de outras nacionalidades. Quando foi anunciado o plano de apoio financeiro com cupões electrónicos os TNR estavam contemplados. Porém, o Governo vai rever o programa, sem que haja detalhes concretos quando aos destinatários do apoio. “Espero que nos possam incluir, porque como trabalhadores migrantes também somos consumidores. Mas de qualquer das formas os trabalhadores migrantes necessitam de uma política especial enquanto estiverem no território.” Benedicta Palcon, porta-voz da associação Green Philippines Migrant Workers Union, não consegue quantificar, mas confirma que “há ainda muitos” TNR a necessitar de ajuda. “Estão à espera de serem repatriados e alguns não têm dinheiro para pagar o voo que o consulado disponibiliza todos os meses, então estão à espera da repatriação gratuita.” A dirigente associativa, que também trabalha no território como empregada doméstica, não sabe como os trabalhadores migrantes conseguem lidar com as dificuldades que enfrentam no dia-a-dia. “Têm sorte se conseguirem encontrar um grupo de pessoas que os apoie e que aceite partilhar com eles uma cama num beliche.” A perda da esperança Eric Lestari, representante em Macau da Overseas Worker Entities (OWE), confessa que na comunidade indonésia também há casos de pessoas desesperadas. “Estão há três ou quatro meses à espera do bilhete de regresso para a Indonésia, outros procuram soluções por eles próprios.” Também ela prevê o aumento de pedidos de ajuda nos próximos meses. “Os serviços de migração não vão estender o visto de trabalho e eles têm de regressar rapidamente, mas não acredito que as agências consigam providenciar tão rapidamente bilhetes de avião.” A OWE dá aconselhamento a estes trabalhadores, mas pouco pode fazer em termos práticos. “Todos os meses há um voo para a Indonésia e pode custar até cinco mil patacas, sem bagagem. Uma grande parte dos trabalhadores não consegue pagar este valor e pede dinheiro às famílias ou aos amigos. Alguns não sabem o que fazer, digo para se dirigirem à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) ou para falarem amigavelmente com os patrões e lhes peçam auxílio para comprar o bilhete de avião.” Eric Lestari trabalha há cerca de 14 anos para o mesmo patrão e o seu salário não foi reduzido. Mas conhece muitos casos de pessoas que enfrentam enormes dificuldades e que têm vergonha de falar publicamente. “Perderam a esperança porque o Governo não dá qualquer ajuda, nem os serviços de migração ou a DSAL”, rematou.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteDespenalização do aborto | Governo sem planos para rever a lei Os Serviços de Saúde de Macau garantem “não possuir planos” para a alteração do regime jurídico de interrupção voluntária da gravidez, de 2004, em prol de uma total despenalização do aborto. Várias personalidades garantem que este é ainda um assunto tabu na sociedade e que será difícil ir contra as posições da igreja católica e de muitas entidades do território. A China, onde o aborto é legal, é uma escolha acessível para muitas mulheres Despenalizar na totalidade o aborto continua a não estar nos planos do Governo. Tudo indica que o decreto-lei de 1995, que sofreu uma revisão em 2004, deverá manter-se inalterado nos próximos tempos, segundo uma resposta dos Serviços de Saúde de Macau (SSM) ao HM. “Actualmente os Serviços de Saúde não possuem planos para alteração da respectiva lei. Em relação à questão de alteração do Decreto-Lei n.º 59/95/M, de 27 de Novembro, que regula a interrupção voluntária da gravidez, deve-se em primeiro lugar realizar a discussão pública de forma ampla e rigorosa quanto aos eventuais procedimentos de dispensa da pena”, lê-se na resposta. A lei em vigor prevê três situações em que realizar um aborto não é crime. Uma delas é se a gravidez pode levar ao risco de morte ou lesão grave e duradoura no corpo, ou se constituir um perigo para a saúde física e psíquica da mulher. No entanto, isto só é válido se o aborto for realizado nas primeiras 24 semanas de gestação. O aborto não é crime se houver provas de que o nascituro poderá sofrer de doença ou de malformação grave ou se ficar provado que a gravidez foi consequência de um crime contra a liberdade ou autodeterminação sexual, mas sempre se for realizado nas primeiras 24 semanas de gestação. Agnes Lam, deputada, confessa que trazer este assunto para a agenda mediática e política será difícil porque continua a ser um tabu. “A sociedade não está pronta e em Macau esse não é um assunto porque na China é legal fazer um aborto. A Igreja Católica não iria aprovar esta matéria e penso que é um tema sensível na sociedade, as pessoas não querem falar sobre ele. E depois há o lado prático de se poder fazer um aborto na China legalmente”, disse ao HM. Para a deputada e professora universitária, não existe sequer uma noção clara da penalização ou despenalização do aborto, porque é legal fazer uma interrupção voluntária da gravidez do outro lado da fronteira e o acesso por parte das mulheres de Macau é fácil. “É do conhecimento público que não se faz um aborto em Macau”, adiantou Agnes Lam. Mas o facto de as mulheres irem a Zhuhai realizar um aborto faz com que não haja estatísticas ou conhecimento de eventuais problemas de saúde que sejam uma consequência dessa intervenção. “Na teoria deveria haver políticas para proteger as mulheres no caso de haver problemas de saúde, mas se vamos criar essas políticas temos de compreender toda a situação. Temos de saber o número de abortos que temos em Macau e na China, para sabermos o panorama em geral. Mas as pessoas não falam sequer sobre isso, não há dados oficiais. Podemos ter alguns dados de abortos feitos em contexto de violações, por exemplo. Mas não temos noção se o problema é sério ou não.” Debate nunca começou Melody Lu, professora da Universidade de Macau (UM), também disse ao HM que a posição da Igreja católica sobre esta matéria será sempre uma forte influência para as autoridades assumirem uma política. “O Governo de Macau não vai iniciar este processo de consulta porque vai encontrar uma oposição muito forte por parte da Igreja católica mas também das escolas. [As coisas podem ser diferentes] se a Igreja mudar de postura, porque este é um princípio fundamental. Não espero uma mudança nesta matéria para os próximos anos.” Também a professora universitária acredita que deveriam ser garantidas medidas de apoio à saúde destas mulheres que vão a Zhuhai abortar. “Sem dúvida que há falta de políticas, mas nunca se chegou a um ponto em que se considera a despenalização. A posição da Igreja católica é muito forte e, nos últimos anos, não vi ninguém iniciar esse debate.” Melody Lu garante que, para na comunidade chinesa, a ideia geral é que “é muito mais fácil ir fazer um aborto a Zhuhai do que começar uma batalha em Macau”. “Os cuidados de saúde do outro lado da fronteira são muito comuns. Sei que as mulheres da comunidade chinesa vão a Zhuhai, porque é muito conveniente. E mesmo se o aborto fosse legalizado as mulheres iriam continuar a ir a Zhuhai, porque não havia o registo aqui. Existe ainda o estigma”, acrescentou. Centro do Bom Pastor é contra Contactada pelo HM, Debbie Lai, directora do Centro do Bom Pastor, é o espelho desta posição contrária da igreja. “Com base na nossa perspectiva, a vida é algo muito precioso. Acreditamos que uma vida é a coisa mais válida no mundo, esse é o mote do nosso centro.” Debbie Lai acrescentou ainda que muitas das mulheres que são acolhidas e acompanhadas pelo centro acabam por ter os seus filhos. “Elas acreditam que a vida dos bebés é também algo valioso, especialmente os fetos. Damos assistência para as adolescentes ou mães solteiras. Encorajamos sempre para que tenham as crianças, e também as ajudamos a encontrar recursos de apoios. Então aí elas acabam por aceitar ter o filho.” A directora do Centro do Bom Pastor acredita que o aborto “pode magoar a mãe” e trazer consequências a nível físico e psicológico para a vida inteira. “A lei de Macau dá prioridade à vida da criança, pelo que não há necessidade de mudar esta lei. As mulheres que decidem fazer um aborto podem também sofrer traumas como insónia, ansiedade e depressão, além de que o aborto pode causar infertilidade”, frisou. A posição do Centro do Bom Pastor vai também contra a prática de relações sexuais antes do casamento. “Estas mulheres não estão prontas para serem mães e podem decidir abortar devido a pressões da vida e financeiras. Encorajamos o planeamento e a preparação para o casamento”, rematou. Para Paul Pun, secretário-geral da Caritas, nem está em causa a questão religiosa, apesar de se assumir como católico. “Não encorajo a prática do aborto porque acho que os direitos da criança, do feto, devem ser protegidos.” “O feto tem o direito a nascer, à criação. Mas há casos de adolescentes que escolhem fazer um aborto na China. Ontem tive uma conversa com adolescentes e parecia-me que tendiam a escolher a opção do aborto. Pareciam não ter qualquer ideia de educação sexual e de como se podiam proteger a elas próprias”, contou. Nesse sentido, o secretário-geral da Caritas pede um reforço da educação sexual. “Penso que deveríamos fazer mais para educar os adolescentes e ensinar-lhes como se devem proteger. As coisas são diferentes de quando eu era estudante, há 40 anos, os adolescentes não falavam disto. [Hoje os jovens] conhecem pessoas nas redes sociais e estabelecem relacionamentos com estranhos”, rematou. O HM contactou ainda a Diocese de Macau no sentido de saber a sua posição oficial sobre esta matéria, mas até ao fecho desta edição não foi obtida uma resposta.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteCasinos | Estudo defende aposta no segmento não jogo na Grande Baía para diversificar economia O advogado Pedro Cortés defende, num artigo académico, que o sector do jogo deve procurar desenvolver-se recorrendo à Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, através de investimentos no segmento não jogo. Pedro Cortés aponta ainda para a necessidade de flexibilizar o mercado laboral, sobretudo na área dos croupiers, em prol da diversificação do sector O projecto da Grande Baía Guangdong – Hong Kong – Macau pode ser a tábua de salvação para a diversificação do sector do jogo em Macau. Ainda que os casinos não sejam permitidos na China, podem ser feitos investimentos para a abertura de resorts integrados ou outro tipo de actividades de entretenimento. A ideia é deixada pelo advogado Pedro Cortés no artigo académico “Macau Gaming Industry 8.0 – Public Policy Beyond 2022”, publicado no passado dia 18 de Março no âmbito do mestrado na Universidade do Nevada. “Há a possibilidade de fazer investimentos, ter hotéis em Hengqin, resorts integrados que não tenham jogo ou que haja alguma participação em iniciativas de inovação. Não é desenvolver o jogo, mas diversificar a sua influência e negócios para outras áreas que possam ser benéficas para Macau. Tudo o que se faz em Macau que não seja jogo pode ser feito na Grande Baía e com isso canalizar recursos humanos e financeiros para um lado e para o outro”, explicou ao HM. “Em relação aos critérios para atribuir concessões, o Governo de Macau deveria contemplar não apenas o montante de prémios ou contribuições a serem pagos, mas também propostas de investimento na Grande Baía”, acrescenta. O jurista fala também, neste contexto, de “propostas de investimento para criar novas fontes de turismo”. Na ligação entre o sector do jogo e a sociedade, Pedro Cortés menciona também a importância e a necessidade de “criar um sistema de contribuições de longo prazo na área da segurança social para residentes”, planos de responsabilidade social e a aposta na inovação na área do jogo. Sem esta inovação, o jurista não tem dúvidas de que o mercado pode mudar bastante, ao ponto de o território deixar de ter jogo. “Acredito que Macau pode deixar de ter jogo daqui a uns anos, e falo da possibilidade de o Cotai poder ser um local de visita a museus de jogo. [Devido ao facto de] não haver inovação suficiente para que isso não aconteça”, explicou ao HM. “Macau ainda não está no seu fim, mas a dependência generalizada dos turistas chineses e a economia largamente dependente de uma só indústria podem ser suficientes para actuar como chamada de atenção para o Governo. Estudos deveriam ser conduzidos para encontrar um modelo mais apropriado para a indústria e novos modelos de desenvolvimento. A prospecção de ter hotéis de quarto vazios e os casinos transformarem-se em ‘museus de jogo’ não deve ser afastada”, pode ler-se. Se em Las Vegas as receitas do segmento não jogo são superiores aos ganhos obtidos nas mesas de jogo, o mesmo não acontecerá em Macau. “Aplicar o modelo de Las Vegas é difícil”, descreve o autor no artigo. Sobre a necessidade de inovação no sector, o advogado acredita que, mais uma vez, a aposta deve ser feita em parceria com empresas de alta tecnologia presentes na província de Guangdong. “As operadoras transformaram-se em empresas de tecnologia, e os dias em que apenas funcionavam as slot-machines de forma mecânica já terminaram. A inovação e os novos modelos em Macau deveriam estar no topo da inovação dos produtos de jogo.” Contratar lá fora A inovação do sector do jogo surge também através da flexibilização do próprio mercado laboral, o que permitiria contratar trabalhadores qualificados ao exterior. Pedro Cortés acredita que o actual Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, tem vontade de alterar estas políticas. “Se considerarmos locais como o Dubai, Las Vegas, Singapura e Shenzhen, no continente, a conclusão é que estas cidades tiveram e têm políticas tolerantes, com critérios definidos, para a importação de trabalhadores especializados e altamente qualificados.” Assim sendo, o jurista entende que o território deveria procurar a competição no seu mercado laboral e implementar medidas que atraiam talento e negócios. “O problema”, assegura Pedro Cortés, “é que neste momento querem que 85 por cento dos cargos de gestão sejam ocupados por residentes de Macau, mas nós só conseguimos fazer isso se houver flexibilização de base”, disse ao HM. Tal só acontece se for permitido aos croupiers subirem na carreira. “Percebo a exclusividade [da categoria de croupier para os residentes], mas não percebo é porque é que não há, de alguma forma, uma flexibilidade. Não digo para os nacionais da China, porque é uma situação complicada, mas porque não ter trabalhadores de outras nacionalidades?”, questionou. Pedro Cortés frisa que “o proteccionismo revelado pelo Governo em relação aos residentes traz uma baixa competição ao mercado laboral, tendo impacto na qualidade dos serviços oferecidos pelo mercado”. Um fundo para erguer O artigo sugere também a criação de um fundo de investimento em que concessionárias ajudassem a erguer infra-estruturas que faltam ao território. “As políticas públicas deveriam contemplar a ideia de as operadoras investirem numa linha aérea comum a fim de ultrapassar o impacto comercial das políticas de restrições de tráfego aéreo”, exemplificou. “O fundo de investimento é uma ferramenta, mas pode ser outra qualquer”, disse ao HM. “Imagine-se a constituição de uma sociedade com capitais públicos, e com capitais das concessionárias também, em que estas são responsáveis pela gestão e têm de ir buscar os melhores na área. Há várias formas jurídicas de o fazer.” Pedro Cortés não tem dúvidas de que, com este modelo, muitos projectos de infra-estruturas já estariam concluídos. “Se por acaso as concessionárias, através desse fundo, tivessem sido chamadas pelo Governo para fazer o Hospital das Ilhas, tem dúvidas de que não estaria já feito? Eu não tenho. Eu sei que é quase uma substituição das competências do Governo, mas a verdade é que no passado, o exemplo que tiramos é que, se não fosse a STDM, não teríamos uma série de infra-estruturas como o porto de águas profundas ou o aeroporto.” O advogado não defende a reprodução do modelo utilizado no período anterior à liberalização do jogo, mas pede sinergias, sobretudo a nível educativo. Como tal, o advogado entende que o Governo deveria criar um plano público de educação onde pudesse trabalhar directamente com as operadoras de jogo para antecipar o tipo de trabalhos que o sector deve criar no próximo quinquénio, e dessa forma providenciar novas oportunidades para os residentes. Olhando para o futuro, Pedro Cortés gostaria de ver estratégias definidas no papel. “A diversificação da economia é agora o único caminho a seguir. Mas, além dos discursos, precisamos de acções, e as propostas de políticas públicas necessitam de leis e regulamentos que incluam as actuais preocupações. A este respeito, o prazo das (novas) concessões depois de 2022 deve ser considerado.”
Hoje Macau Grande Plano MancheteA Santa Aliança | União Europeia, EUA, Canadá e Reino Unido adoptam sanções contra a China Um espectro assombra o Ocidente – o espectro da China. Todas as potências fizeram uma santa aliança para exorcizar esse espectro: União Europeia, EUA, Canadá, Reino Unido adoptam as mesmas sanções. Duas coisas resultam desse facto: a China já é reconhecida por todas as potências ocidentais como sendo ela própria uma potência; chegou o tempo dos chineses publicarem abertamente, diante do mundo todo, os seus pontos de vista, os seus objectivos e as suas tendências. Assim acontece O Conselho da União Europeia (UE) aprovou na segunda-feira sanções contra 11 pessoas e quatro entidades por violação dos direitos humanos, sendo a primeira vez desde Tiananmen que há visados na China por medidas restritivas. Segundo um comunicado do Conselho, os casos de violações e atropelos graves de direitos humanos visados por sanções incluem detenções arbitrárias em grande escala, em particular de uigures em Xinjiang, na China. Esta é a primeira imposição de sanções da UE à China desde o embargo de venda de armamento de 1989, na sequência dos incidentes da Praça de Tiananmen, em Pequim. As pessoas e entidades constantes da lista estão sujeitas ao congelamento de bens na UE e os indivíduos estão ainda sujeitos à proibição de viajar para a UE. Além disso, é proibido a pessoas e entidades da UE colocarem fundos à disposição de quem esteja incluído na lista de sanções. O Reino Unido e os Estados Unidos juntaram-se também na segunda-feira, numa acção conjunta com a UE e o Canadá, na imposição de sanções a responsáveis chineses por abusos dos direitos humanos contra uigures. O ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Dominic Raab, disse que as medidas são parte de uma “diplomacia intensiva” do Reino Unido, Estados Unidos, Canadá e os 27 países da UE para forçar a acção num contexto de evidências crescentes de graves violações de direitos humanos contra o povo uigure. As sanções de Londres, a impor imediatamente, incluem proibição de viagens e congelamento de bens contra quatro responsáveis chineses, disse Raab no parlamento britânico. Por seu lado, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, disse que “uma resposta transatlântica unida envia um forte sinal para aqueles que violam ou abusam dos direitos humanos”, adiantando que serão tomadas “outras acções em coordenação com parceiros que pensam da mesma forma”. “Continuaremos a apoiar os nossos aliados em todo o mundo no apelo ao fim imediato dos crimes da RPC e à justiça para as muitas vítimas”, disse ainda num comunicado. Andrea Gacki, do Departamento do Tesouro norte-americano, indicou que “as autoridades chinesas continuarão a sofrer consequências enquanto atrocidades ocorrerem em Xinjiang”, ao anunciar sanções contra dois responsáveis chineses. Wang Junzheng e Chen Mingguo são associados a “graves violações dos direitos humanos”, incluindo “detenções arbitrárias e graves maus-tratos físicos”. Crítica da diplomacia política Contudo, a China respondeu de imediato, convocando o embaixador da UE em Pequim, Nicolas Chapuis, para apresentar uma queixa formal sobre as sanções, anunciaram ontem as autoridades chinesas. O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Qin Gang, condenou o que disse serem “sanções unilaterais baseadas em mentiras e notícias falsas inconsistentes com a realidade e a lei” e que na segunda-feira levaram à retaliação por parte da China contra dez pessoas, incluindo cinco eurodeputados. Qin instou a UE a “reconhecer a gravidade dos seus erros e corrigi-los”, bem como a “abandonar a confrontação para não causar mais danos aos laços entre os dois blocos”. A China retaliou a atitude da União Europeia anunciando sanções contra dez pessoas, incluindo cinco membros do Parlamento Europeu, em represália às sanções impostas pela União Europeia (UE) a Pequim por supostas violações dos direitos humanos dos uigures na região autónoma de Xinjiang. Entre os sancionados pelas autoridades chinesas, que não poderão entrar no país asiático, estão os eurodeputados alemães Reinhard Bütikofer (presidente da delegação do Parlamento Europeu para as relações com a China) e Michael Gahler, o francês Raphaël Glucksmann, o búlgaro Ilhan Kyuchuk e a eslovaca Miriam Lexmann, além de outros políticos, investigadores e quatro instituições. O investigador alemão Adrian Zenz, cujos relatórios sobre os uigures em Xinjiang provocou fortes protestos de Pequim, também foi sancionado. “Depois de assistir a uma dura troca de palavras entre autoridades chinesas e norte-americanas no Alasca na semana passada, e a réplica da China contra as acusações dos EUA em questões como Xinjiang e Hong Kong, a UE devia ter aprendido a sua lição sobre como lidar com a China”, alertaram especialistas chineses, observando que se “Pequim não teme as sanções de Washington, o que dizer de uma Bruxelas muito mais fraca”. O número de indivíduos e entidades que a China colocou na lista de sanções superou em muito os da UE, o que, segundo as mesmas fontes, “mostra a determinação da China em defender os seus interesses e lutar inabalavelmente contra a campanha de desinformação e difamação”. “Em comparação com as sanções europeias, as sanções da China são mais fortes e mais extensas, pelo menos em termos do escopo dos assuntos sancionados”, referiu Cui Hongjian, director do Departamento de Estudos Europeus do Instituto de Estudos Internacionais da China. “A lista estende-se das figuras-chave que têm desafiado a China sobre os assuntos de Xinjiang até aos que dentro da UE têm interferido repetidamente nos direitos humanos da China, de várias maneiras há muito tempo. As sanções têm como objectivo enviar um forte sinal de alerta à UE, instando-a a parar de interferir nos assuntos internos da China, e não apenas nas questões relacionadas com Xinjiang”, sublinhou Cui. Wang Jiang, do Instituto de Direito da Academia Chinesa de Ciências Sociais, disse que a China também usará argumentos legais para defender os direitos legítimos de indivíduos e entidades chinesas. “Também é possível que processem as pessoas que promovem as sanções, assim como os residentes de Xinjiang que espalham os boatos por perdas económicas e de reputação”. “Uma vez que os procedimentos legais estejam em andamento, o réu terá que apresentar provas, que demonstrarão que as sanções sobre Xinjiang são baseadas em rumores”, concluiu Wang. Entretanto, a Assembleia Nacional Popular informou que vai acelerar o seu trabalho sobre as leis contra sanções externas e interferência, de acordo com Wang. “A China pode aprender com a Rússia no combate às sanções estrangeiras, como conceder ao chefe de estado autoridade para alocar recursos administrativos no combate a essas sanções e proteger os seus cidadãos e empresas, e também acelerar a formulação da legislação anti-sanções”. Um duvidoso capital “Sentindo-se deixada para trás, a UE quer destacar a sua existência política pressionando por sanções sobre “questões de direitos humanos” contra a China e a Rússia, pois vê nos direitos humanos uma arma que pode empunhar para se envolver na competição entre superpotências”, comentou ainda Cui Hongjian, acrescentando que a UE encara os direitos humanos como uma “arma barata, pois não tem o poder financeiro e militar de Washington”. “Mas a arrogância da UE cegou-a para o facto de não estar em posição de apontar o dedo ao desenvolvimento dos direitos humanos na China, já que também se encontra atolada em graves crises de direitos humanos, como o tratamento de muçulmanos nos seus próprios países e a sua miserável resposta à pandemia”, referiu o académico. Cui Hongjian vai ainda mais longe, lembrando o passado recente: “Os nazistas alemães conduziram um massacre planeado em grande escala de judeus durante a Segunda Guerra Mundial e 6 milhões morreram no Holocausto; colonos alemães em 1904 massacraram numerosos namibianos para reprimir um levantamento popular e mataram mais de 100 mil pessoas em 1908. Outros países europeus também cometeram crimes infames nas suas histórias coloniais”. Moscovo e Pequim pedem reunião do Conselho de Segurança A China e a Rússia pediram uma reunião com os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU para explorar problemas comuns da Humanidade através do diálogo, para manter a “estabilidade global”. Num comunicado conjunto divulgado ontem, no final da visita de dois dias do ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, a Pequim, os dois países expressaram que “no contexto de crescente agitação política internacional” é necessário convocar os membros do Conselho de Segurança das Organização das Nações Unidas (ONU). “Pedimos às maiores potências mundiais, em especial aos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, que fortaleçam a confiança mútua e assumam a liderança no momento de salvaguardar a lei e a ordem internacionais, e no quadro da legislação internacional”, refere o comunicado. Os dois países consideram que “o mundo entrou num período de mudanças turbulentas” em que a “propagação do novo coronavírus acelerou a evolução do panorama internacional, desequilibrou o sistema de governação global e atingiu o processo de desenvolvimento económico”. Perante a situação, Pequim e Moscovo pedem à “comunidade internacional” que deixe de lado as diferenças, no sentido de “uma maior coordenação e da manutenção da paz, assim como pela construção de uma ordem internacional mais justa, ‘multipolar’, democrática e razoável”. Na opinião da China e da Rússia, “a forma de abordar os assuntos internacionais deveria basear-se em princípios reconhecidos pela legislação internacional”, que consideram essenciais para o desenvolvimento da sociedade. Deste modo, Lavrov e o homólogo chinês, Wang Yi, consideraram a “democracia” como “uma conquista do desenvolvimento humano”, mas apontaram que “não existe um padrão para o modelo democrático” e que a “ingerência em assuntos internos dos Estados soberanos com o pretexto de promover a democracia é inaceitável”. Por seu lado, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, Hua Chunying, negou que Pequim tenha convidado Lavrov em nome dos Estados Unidos ou que tenha concordado em organizar a visita assim que os diplomatas chineses terminassem o encontro no Alasca. “O desenvolvimento das relações entre a China e a Rússia não aponta para nenhum outro país. Não somos como outros países que gostam de montar esquemas onde há conspiração tácita”, disse sublinhou. No início deste mês, numa conferência de imprensa, Wang Yi referiu que os laços sino-russos estão “unidos como uma montanha”, que as boas relações entre Pequim e Moscovo são “imperativas nas atuais circunstâncias” e que a associação pressupõe um “pilar para a paz mundial”. Já Hua Chunying destacou que os dois países “caminham lado a lado” e que se “opõem à hegemonia e à intimidação”. O objectivo de ambas as potências, acrescentou, é dissuadir outros países de os pressionar, sobretudo no que diz respeito aos assuntos internos. Por um mundo multipolar “Não é muito sensato sancionar a Rússia e a China”, afirmou Lavrov em declarações à chegada a Guilin, assegurando que Pequim e Moscovo “estão à procura de uma ordem internacional “justa e democrática”, regida pelas interacções entre os países. “E o modelo de interação entre a Rússia e a China é livre de preconceitos ideológicos, não está sujeito ao oportunismo e não é dirigido contra ninguém”, disse o ministro russo. Nesse sentido, espera-se que ambos os países renovem por mais cinco anos o Tratado de Boa Vizinhança e Cooperação Amigável assinado em 2001, disse Lavrov. Nas declarações, o chefe da diplomacia russa atacou o Ocidente, em especial os Estados Unidos, por Washington pretender, “a qualquer custo”, preservar o domínio na economia global e na política internacional, “impondo a sua vontade a todos e em todos os lugares”. Segundo Lavrov, o mundo está a atravessar “mudanças complexas” com a “crescente influência dos novos centros” económicos, financeiros e políticos que, defendeu, estão a levar o mundo para “um sistema verdadeiramente multipolar”. Nesse sentido, defendeu a promoção e o uso de outras moedas além do dólar norte-americano e da mudança dos sistemas de pagamentos “controlados pelo Ocidente” para reduzir os riscos de sanções. De acordo com Lavrov, as relações entre Moscovo e Pequim estão “no seu melhor de toda a história” e que o “diálogo mutuamente respeitoso deve servir de exemplo”. Presidente do Parlamento Europeu ameaça com “consequências” O presidente do Parlamento Europeu (PE), David Sassoli, anunciou que “haverá consequências” às sanções “inaceitáveis” impostas por Pequim à instituição em retaliação a medidas adoptadas no Conselho da UE. “As sanções da China a eurodeputados, à Subcomissão dos Direitos Humanos e a entidades da UE são inaceitáveis e terão consequências”, disse Sassoli, no Twitter. “Os direitos humanos são inalienáveis”, sublinhou, salientando que os eurodeputados e as entidades em causa expressaram opiniões, exercendo os seus direitos democráticos.