SJM | Com a subida de Daisy Ho, qual será o papel de Angela Leong no sector?

Angela Leong / Rómulo Santos
Primeiro foi Daisy Ho a assumir o cargo de administradora-delegada da Sociedade de Jogos de Macau. Depois, foi a aquisição de dez por cento das acções detidas por Angela Leong na empresa, conforme manda a nova lei do jogo. A quarta mulher de Stanley Ho estará mesmo a sair de cena? Três analistas falam de um legado que, até à data, não marcou a diferença

 

As águas parecem estar a agitar-se no universo da Sociedade de Jogos de Macau (SJM). Isto porque Daisy Ho, uma das filhas do magnata do jogo Stanley Ho, já falecido, ocupou o cargo de administradora-delegada na empresa, lugar que era detido por Angela Leong, quarta mulher de Stanley. Há dias, concretizou-se o negócio da compra de dez por cento das acções de Angela por parte de Daisy Ho, uma vez que a nova lei do jogo obriga a que uma determinada percentagem de acções devem ser detidas pelo administrador-delegado de uma concessionária.

O negócio significa, na prática, a perda da maior fatia de acções por parte da empresária e deputada.
Mesmo que continue a ser presidente do conselho de administração do empreendimento L’Arc e administradora da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM), Angela Leong estará a assumir uma posição menor no universo do jogo? Convidámos três analistas para traçar o perfil empresarial de Angela Leong nesta fase, mas todos eles defendem que a empresária tem deixado poucas marcas num mercado em mudança.

Para o economista Albano Martins, a saída de Angela Leong do cargo de administradora-delegada da SJM tem apenas a ver “com os interesses da família de Stanley Ho”. “Daisy Ho é apenas uma representante de Pansy Ho, que mexe os cordelinhos todos. É uma luta habitual numa família que está habituada há muito tempo a este tipo de lutas. Com a morte de Stanley Ho a situação agudizou-se e penso que Pansy Ho vai gradualmente assumindo posições através das irmãs”, contou.

O economista, e ex-residente de Macau durante várias décadas, descreve esta situação como “uma luta de mulheres”, que “tão cedo não irá terminar”. “Não sei como vai ser a situação do jogo caso haja uma nova concessão à SJM. Quais serão as regras? Provavelmente, o esquema anterior dos casinos não vai voltar a funcionar. Angela Leong tem um problema, que é a construção no Cotai. Penso que ela esperava ter jogo nesse empreendimento”, disse.

Questionado sobre o papel da empresária até à data, Albano Martins não tem dúvidas: “quem, na família, deixa uma marca forte é Stanley Ho”. “Nenhum dos restantes familiares deixa uma marca. [A SJM e restantes empresas] é um prolongamento do que Stanley construiu, mas, na verdade, o resto da família não tem acutilância nem o traquejo do velho Stanley. Estão lá porque são familiares dele.”

Também Fernando Vitória, antigo jurista da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ) acredita que se trata de uma “dinâmica normal neste novo processo que se inicia, com as novas concessões e um novo concurso”.

“Tem a ver com a própria dinâmica das empresas que precisam de se adaptar e com os arranjos que se fizeram dentro da família depois da morte de Stanley Ho e os difíceis acordos que estabeleceram entre si. Não tenho noção das competências dela, penso que a mudança tem mais a ver com estas dinâmicas da família”, adiantou ao HM.

Empresa ultrapassada

O advogado e analista de jogo Óscar Madureira acredita que esta mudança no cargo de gestão da SJM está relacionada com a necessidade da concessionária de mudar de perfil e inovar no mercado. “É a definição de uma nova estratégia e política por parte da SJM.”

“Mesmo sendo herdeira do universo STDM e do período anterior à liberalização do jogo, a SJM acabou por ser a empresa que mais se deixou ultrapassar. No início, a SJM tinha uma vantagem competitiva, pois era a empresa que melhor conhecia o mercado e que estava há mais tempo em Macau. Tinha mais infra-estruturas. Mas com o passar dos tempos deixou-se ultrapassar e perdeu uma significativa quota de mercado que detinha”, frisou.

Óscar Madureira dá como exemplo a aposta tardia no Cotai e o facto de ter sido, até agora, uma empresa “muito monolítica, porque só oferecia uma parte do produto, essencialmente jogo”. A SJM “constituía alguma referência em termos gastronómicos, pois sempre foi uma empresa que se pautou por ter bons restaurantes, mas oferecia muito pouco aos visitantes. Não tinha nenhuma unidade hoteleira de excelência, não tinha nenhuma arena, nenhum casino com um centro comercial com os padrões a que nos habituaram. Também não organizaram eventos marcantes ou diferenciadores.”

O advogado destaca ainda o facto da SJM albergar no seu universo grande parte dos casinos-satélite de Macau, o que trazia para si “um dos principais defeitos apresentado ao mercado de jogo no que concerne à falta de transparência e de alguma legalidade”.

“Apesar de estarmos no século XXI, é uma empresa com operações muito desactualizadas. Admito que esta mudança venha no sentido de dar à SJM outro tipo de qualificações às novas exigências de transparência e qualidade. A SJM era transversal à sociedade, mas depois da liberalização não acrescentou nada, só piorou.”

Óscar Madureira traça, assim, um perfil muito tímido de Angela Leong como empresária. “Não consigo identificar uma característica positiva e diferenciadora em Angela Leong. Admito que saiba imenso, mas não lhe conheço nenhuma ideia, iniciativa ou projecto que tenha acrescentado alguma coisa ao mercado de jogo. Mas admito que seja desconhecimento meu.”

O papel de deputada

Meses antes de perder posição no universo da SJM Angela Leong fez uma alteração na área política, ao candidatar-se a um cargo de deputada pela via indirecta pelos sectores cultural e desportivo. Pela via directa foi sempre encarada como um rosto representativo da indústria para a qual trabalha.

“Parece-me que o seu eleitorado era basicamente o universo da SJM, os empregados e eventualmente os técnicos. A meu ver não tinha uma grande projeção social ou eleitoral dentro de Macau. Como eram muitos dava para garantir um mandato, e isso deu-lhe visibilidade política, e ela tem alguma capacidade. Penso que foi demonstrando algum equilíbrio na AL”, acredita Fernando Vitória.

Óscar Madureira crê que, como deputada é um dos rostos do sector do jogo Angela Leong e também não acrescentou muito.

“Ela era administradora-delegada e tinha ligação ao sector. De certa forma potenciava o facto de estar ligada ao sector do jogo e ter apoio dos trabalhadores, terá usufruído da posição que tinha. A sensação que tenho é que o seu desempenho como deputada é semelhante ao de administradora-delegada: não lhe conheço nenhuma ideia de fundo ou sugestão para o desenvolvimento da indústria ou da legislação do jogo.”

Angela Leong estará, aos poucos, a deixar de ter visibilidade no sector do jogo? Óscar Madureira diz que ainda é cedo para isso acontecer. “Talvez não desapareça de cena, pois ela é relativamente jovem, tem muitos anos de ligação ao sector e não vejo porque passe para um regime de quase eremita. Não precisamos estar sempre nos cargos de chefia, há outras formas de trabalhar e de contribuir. Talvez seja prematuro dizer que se vai afastar. Tudo depende do que deseja fazer.”

Nascida em 1961, Angela Leong não possui nenhum curso superior, tendo feito o ensino secundário em Cantão, com uma especialização em dança. Reza a lenda de que foi, aliás, como bailarina que conheceu Stanley Ho. Depois foi fazendo o percurso como empresária e deputada, tendo ganho algumas medalhas de mérito por parte do Governo da RAEM.

A pandemia trocou as voltas a todas as concessionárias e a muitas fortunas do sector, e Angela Leong não foi excepção. Num artigo de Fevereiro, a Forbes escrevia que a fortuna da quarta mulher de Stanley Ho caiu 12 por cento para 2.6 mil milhões de dólares americanos.

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