Fórum Macau | Académicos apontam retrocesso com a retirada de BIR a delegados

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A retirada da residência dos delegados do Fórum Macau oriundos de países de língua portuguesa pode significar um retrocesso ao nível da cooperação, defendem dois académicos. Jorge Tavares da Silva e Cátia Miriam Costa entendem que a “situação atípica” revela “arrefecimento” nas relações diplomáticas de cooperação económica e cultural

 

O novo regime jurídico do controlo de migração e das autorizações de permanência e residência obriga a que, na prática, os delegados dos países de língua portuguesa que desempenham funções no Fórum Macau deixem de ter a residência e os benefícios que tal significa. Segundo a notícia do semanário Plataforma Macau, do passado dia 14, os delegados nem sequer têm direito a blue card [visto de trabalho], o que os obriga a ter um papel agrafado ao passaporte e a permanecerem no território com o estatuto de turistas.

Questionámos dois académicos que estudam o Fórum Macau e a cooperação entre a China e os países de língua portuguesa sobre o facto de poder estar em causa um retrocesso nos desígnios de Pequim para Macau, enquanto plataforma da contacto com o mundo lusófono.

Para Cátia Miriam Costa, académica do Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa – Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), tal medida e a ausência de uma excepção para estes profissionais pode mesmo representar vários passos atrás numa cooperação que tem vindo a ser construída desde 2003.

“Parece existir aqui uma política paradoxal. Fez-se de Macau uma plataforma de ligação entre a China e os países de língua portuguesa e o fomento de uma certa diplomacia económica e cultural, mas depois há o retrocesso de deixar de haver enquadramento legal favorável para que as pessoas deslocadas possam efectivar essa relação e estimular novos processos cooperativos e colaborativos”, disse ao HM.

A académica não tem dúvidas de que “estamos, de facto, perante uma situação um pouco atípica”. “Nas notícias a única questão que surge é o facto de não ter havido um contacto diplomático precedente e o Governo Central em Pequim não ter sido informado das intenções do Governo de Macau, além de parecer que ninguém pode agir em relação a este assunto. É, de facto, algo contraditório em relação à aposta de Pequim no fomento de relações com países de língua portuguesa.”

Cátia Miriam Costa entende que a retirada do Bilhete de Identidade de Residente (BIR) aos novos delegados do Fórum Macau pode ter um impacto na opinião pública dos países de língua portuguesa e junto das forças política. De frisar que os delegados que já se encontravam em Macau com BIR não permanente não o poderão renovar à luz da nova lei.

“Se esta medida for fundamentada em razões de segurança, tal poderá parecer, na opinião pública dos países de língua portuguesa, uma preocupação excessiva. Desde o início do Fórum, há quase 20 anos, os delegados sempre tiveram autorização de residência e isso nunca levantou nenhum problema de segurança. Pode ser visto, por estes países, como um passo atrás numa cooperação que se pretendia mais resiliente e forte”, frisou.

Maior vulnerabilidade

Perder o BIR implica a perda de direitos para os delegados do Fórum Macau, que consigo traziam as respectivas famílias. As escolas dos filhos passam a ser mais caras, deixando ainda de ter acesso a apoios nas taxas moderadoras de saúde exclusivas para residentes. O facto de passarem a ter estatuto de turista, tendo apenas o passaporte como documento legal, obriga-os a ter de dar explicações às autoridades locais de cada vez que passam a fronteira.

Para Jorge Tavares da Silva, académico da Universidade de Aveiro, “trata-se de uma questão jurídica que deixa os delegados numa situação financeira mais vulnerável, tendo em conta as expectativas de condições de vida esperadas”.

Nem o facto de o secretário para a Administração e Justiça, André Cheong, ter dito que é dado todo o apoio ao funcionamento e papel do Fórum Macau, faz o caso mudar de figura. “Ainda que o Governo Central e o Executivo da RAEM não deixem de apoiar o Fórum Macau, este diploma dá um certo sinal de arrefecimento sobre o mesmo”, adiantou o investigador sobre os assuntos da China.

No passado dia 17 de Outubro, André Cheong frisou que era necessário cumprir a lei, não falando da possibilidade de criar um regime de excepção para os delegados da organização de cooperação. “Não tenho conhecimento [desse caso]. O pessoal ou as pessoas que ficam em Macau, ou o estado em permanecem em Macau a trabalhar e com que título de identidade, depende do diploma legal que decide a permanência dessas pessoas. O Governo Central e o Governo da RAEM têm dado uma grande importância quanto ao papel de Macau de ser uma ligação entre o Interior da China e os países lusófonos e, especialmente, o Fórum Macau.”

A intervenção de Ho

Dias depois da declaração de André Cheong, foi o secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, que confirmou à Lusa que o Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, poderia intervir neste caso. “É sempre possível ao Chefe do Executivo considerar e atender todas as situações excepcionais que se enquadrem nas diversas alíneas do citado artigo 32.°, n.° 1, desde que existam razões humanitárias ou outros motivos excecionalmente atendíveis e fundamentados”, sublinhou a mesma fonte oficial.

O Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum Macau), criado em 2003, é tutelado pelo Ministério do Comércio da China e assume-se como “um mecanismo multilateral de cooperação intergovernamental centrado no desenvolvimento económico e comercial, tendo como objectivos consolidar o intercâmbio económico e comercial” sino-lusófono.

Os delegados, de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, exercem funções de representantes de outros países no Fórum Macau e, até aqui, tinham direito automático ao BIR. Algo que mudou com a nova lei, que entrou em vigor há pouco menos de um ano.

Esta “passou a tratar de modo idêntico todas as situações que se enquadram no respetivo artigo 32.°, n.°1, incluindo a situação das pessoas que exercem funções na RAEM [Região Administrativa especial de Macau] como representantes de outros países ou regiões em delegações de organizações internacionais ou inter-regionais ou em comissões, conselhos ou outros tipos de entidades de cooperação intergovernamental ou inter-regional”, esclareceu na resposta à Lusa o gabinete do Secretário para a Segurança.

Ou seja, a estada de qualquer pessoa que se enquadre nestas funções só pode ser permitida através da autorização de permanência, acrescentou, ressalvando a possibilidade de o chefe do Governo poder intervir, desde que o caso seja fundamentado.

A Lusa questionou o secretário-geral, Ji Xianzheng, e o secretário-geral adjunto do Fórum Macau, que é indicado pelos países de língua portuguesa.

A única reação do Fórum Macau surgiu na quinta-feira através do Secretariado Permanente, sem responder às questões colocadas. Na breve réplica, o Fórum Macau indicou apenas que “todos os membros (…) estão sujeitos a cumprir as leis do Governo e da Região Administrativa Especial de Macau”. E que, no “tocante às preocupações dos delegados, as comunicações internas e externas deste Secretariado têm-se mantido eficazes, pelo que o seu funcionamento diário se encontra normal”.

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