Tiananmen, 30 anos depois

[dropcap]A[/dropcap]penas um algarismo separa o número 29 do número 30. A diferença entre o 29º e o 30º aniversário de Tiananmen, que se assinala a 4 de Junho, também é quase nenhuma, é o que sempre foi, um momento em que se recorda o mais trágico incidente da História da China moderna.

Na China continental, a atitude do Governo em relação a esta data mantém-se inalterável e o mesmo se pode dizer das “Mães de Tiananmen” que se têm mantido firmes na sua exigência de justiça aos filhos desaparecidos e mortos durante o movimento estudantil.

O protesto de 4 de Junho de 1989, à semelhança do “Movimento de 4 de Maio” ocorrido há um século, foi organizado por estudantes. O “Movimento de 4 de Maio” foi honrado com o adjectivo de patriótico, ao passo que os estudantes envolvidos no protesto de 4 de Junho têm sido olhados de forma diferente. Há três décadas atrás, muitas pessoas em Macau reconheceram a acção destes estudantes como patriótica. Se o foi ou não, não serão apenas os círculos ligados ao Governo a determinar, é sim um julgamento que será feito pela História.

Trinta anos é um pequeno período de tempo em termos da História da Humanidade. Do ponto de vista histórico, o que se passou há 30 anos atrás ainda é demasiado recente para ser avaliado, já que envolve indivíduos que ainda estão vivos e muitos ficheiros ainda não foram revelados. É possível que ainda sejam necessários mais 30 anos, para que surjam respostas mais objectivas às várias perguntas em aberto. Além disso, através de relatos de participantes e testemunhas do incidente de 4 de Junho, e através da recolha de informação oral e escrita, seja ela privada ou oficial, poderão ser feitos estudos comparativos que escavem fundo e revelem toda a verdade dos factos.

Muitos dos participantes e apoiantes dos protestos de Tiananmen têm actualmente uma posição diferente. A vigília das velas anual e as demonstrações que assinalam esta data transformaram-se numa acção de pesar rotineira. Se compararmos com Hong Kong, em Macau os debates e discussões em torno deste tema nos noticiários, nas escolas e na sociedade em geral, são muito menores e menos frequentes. Quer isto dizer que o incidente de 4 de Junho está condenado ao esquecimento com o passar do tempo? Mas se atentarmos nas operações de segurança que ocorrem em Pequim neste período, percebemos que as autoridades não o esqueceram de todo.

中國,始終沒有逃過歷史的魔咒,悲劇一次又一次發生,原因在那裡?A História parece brincar com o povo chinês, agora e desde sempre.

Após a queda da Dinastia Qing em 1911, Yuan Shikai tentou proclamar-se Imperador em 1915. A 5 de Abril 1976 também houve protestos na Praça da Paz Celestial, local do massacre de 4 de Junho. Porque será que a China não consegue fugir a este destino ao longo dos anos?

Antigamente, os homens públicos chineses eram nomeados pelos Imperadores feudais de todas as Dinastias. Na transição do poder monárquico para o republicano, não existiu um período de monarquia constitucional como em muitos países europeus e, como tal, a sociedade não teve qualquer formação nas práticas democráticas. Os Três Princípios do Povo, defendidos por Sun Yat-sen, foram inspirados nos regimes ocidentais. Nos Fundamentos da Reconstrução Nacional estabelecidos por Sun, sobre a administração do país, pode ler-se “Em primeiro lugar vem a ordem militar; em segundo lugar o poder político”. Quanto ao Comunismo, que também foi importado do Ocidente, tem como pilar ideológico a ditadura do proletariado, originária da filosofia marxista. Ao longo dos últimos 100 anos, a luta pelo poder interno e as invasões de países inimigos dificultaram a instalação da democracia na China. Quando numa sociedade não existe diálogo entre governantes e governados os conflitos são inevitáveis.

Trinta anos depois de Tiananmen, o Governo chinês continua a implementar as suas lucrativas reformas económicas e a apostar nas políticas de abertura, depois de envidar todos os esforços no sentido da estabilização do poder político. Contudo, sob a capa das reformas políticas prosperaram o suborno e a corrupção ao ponto de pôr em risco a segurança nacional. No que diz respeito ao incidente de 4 de Junho, factores históricos à parte, só podemos desejar que tal tragédia não se repita, e tentar encontrar formas de tornar realidade algumas das exigências ouvidas no protesto dos estudantes, ou seja introduzir reformas que não visem apenas o lucro e implementar medidas anti-corrupção.

A afirmação “discursos vazios só conduzem o país à perdição e o trabalho árduo rejuvenesce a nação” deveria ter sido levada à prática de forma mais eficaz 30 anos depois.

17 Jun 2019

Os dois barcos da Grande Baía

[dropcap]N[/dropcap]esta vida, as coisas não acontecem à medida dos nossos desejos. Quando algumas pessoas tentam manipular os acontecimentos à luz dos dos seus interesses, sem consideração pelas reacções e pelos sentimentos dos outros, os conflitos acontecem. Se a lei não for respeitada, as normas e o civismo forem ignorados e só os poderosos tiverem capacidade de decisão, gera-se uma sociedade opressora e os confrontos tornam-se inevitáveis. Infelizmente, Hong Kong enfrenta outra grande dissensão interna.

Nas “Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, Guangzhou, Shenzhen, Hong Kong e Macau são considerados os quatro “motores principais”, para impulsionar a construção e o desenvolvimento da Grande Baía. Segundo os últimos dados, o poder económico e as potencialidades de Guangzhou e de Shenzhen já ultrapassaram os de Hong Kong e Macau. As duas regiões administrativas especiais deveriam assumir o papel de indutores de reformas no desenvolvimento da Grande Baía e de criadores de oportunidades para o futuro da China. Mas infelizmente o barco Hong Kong está à beira do desmantelamento, ao passo que o barco Macau ainda não levantou âncora.

No planeamento para o desenvolvimento da Grande Baía, prevê-se que Hong Kong venha a ser um centro de inovação na área das altas tecnologias, um núcleo financeiro, que se assuma como centro para a resolução de conflitos legais internacionais, dentro da região Ásia-Pacífico, e que se torne uma metrópole internacional altamente competitiva. No entanto, se a revisão da lei “de extradição de condenados em fuga” se vier a impôr, todos estes objectivos cairão por terra. O Dr. Derek Mi-chang Yuen, um prestigiado docente do Departamento de Administração Pública da Universidade de Hong, publicou recentenmente um artigo intitulado “Os sinos tocam em King’s Landing, anunciando a rendição da cidade”: a escalada da controvérsia em torno da revisão da lei e a tensão sino-americana”. Yuen usa metaforicamente o cenário da série “Game of Thrones” para alertar Hong Kong para a possiblidade de se vir a tornar uma “cidade queimada”. E tudo isto porque o Governo de Hong Kong decidiu ignorar os procedimentos legislativos (debate no Comité Legislativo) para forçar a aprovação da lei de extradição dos condenados em fuga, enviando directamente a proposta para, a 12 de Junho, ser feita uma segunda apresentação no plenário. Se isto se vier a confirmar, abre-se um perigoso precedente que vai reduzir a pó o pouco que sobra dos valores fundamentais de Hong Kong. Baseado no conhecimento profissional e nos seus antecedentes especiais, o artigo de Yuen põe o dedo na ferida e reclama a atenção de todos os que estão envolvidos nesta controvérsia. O Movimento dos Chapéus de Chuva desgastou Hong Kong em larga escala e, se o Conselho Legislativo for despojado das suas funções legislativas e da sua capacidade de monitorizar a acção do Governo, vai ser impossível preservar os alicerces morais e ideológicos da cidade. Os slogans “Um País, Dois Sistemas”, “Hong Kong governado pelas suas gentes” e “um elevado grau de autonomia” não irão passar de cortinas de fumo.

Quanto à revisão da lei “de extradição dos condenados em fuga”, o campo Pan-democracia propôs que se aprovasse em primeiro lugar a extradição de Chan Tong-kai, o suspeito de ter assassinado a namorada em Taiwan, e que posteriormente se realizasse uma sessão de consulta pública para reunir as opiniões dos diversos sectores sobre esta matéria. Esta abordagem teria a vantagem de evitar conflitos e daria margem para a negociação entre as partes. Mas é uma pena que aqueles que estão no topo das muralhas não se queiram dar ao trabalho de escutar as sugestões do povo que por elas está cercado. Quando as muralhas caírem, o povo não tem por onde fugir. Mas depois da queda, quem é que vai lidar com a situação? Desde a transferência de soberania, Hong Kong fez duas más escolhas para Chefe do Executivo. Uma delas foi Leung Chun-ying, um homem de espírito aguerrido, a outra Carrie Lam Cheng Yuet-ngor, que não lhe fica atrás. Numa sociedade diversificada, a harmonia é preferível ao conflito. Se Henry Tang Ying-yen tivessse sido eleito em vez de Leung Chun-ying e John Tsang Chun-wah ocupasse o lugar de Carrie Lam, os assuntos teriam sido tratados de outra forma. E em Macau, o que se está a passar?

Macau é um local em que nada muda e o poder governativo é muitíssimo estável. A eleição do Chefe do Executivo é basicamente um “one-man show” e as receitas provenientes das taxas do jogo e do turismo chegam para sustentar toda a população do território. Segundo as estatísticas, um total de 84.000 pessoas estão dependentes da indústria do jogo que emprega o maior número de pessoas, distribuídas por diversas profissões. Mas, à semelhança da construção do metro ligeiro, o progresso da diversificação industrial de Macau anda a passo de caracol. Macau, enquanto barco da Grande Baía, é um casino flutuante que não tem nada de construtivo para oferecer, para além de jogo, entretenimento, consumismo e lazer. A plataforma para a cooperação sino-portuguesa não passa de um simulacro da idea de criação de uma base de intercâmbio e cooperação em Macau tendo como foco principal a cultura chinesa e a coexistência da multiculturalidade. O próximo Chefe do Executivo de Macau tem a responsabilidade de tornar a cidade competitiva durante o seu mandato, caso contrário o barco “Macau” ficará encalhado nas águas estagnadas do prazer e acabará por afundar no mar da corrupção.

Pôr de parte as disputas e suspender a revisão da lei “de extradição dos condenados em fuga” será a única forma de evitar que Hong Kong se despedace contra os rochedos. Quanto ao fututo de Macau, tudo vai depender da capacidade das pessoas procurarem avançar, sem deixarem de desfrutar do seu conforto.

24 Mai 2019

Extradição de condenados em fuga

Nos últimos dias, o Conselho Legislativo de Hong Kong tem estado ao rubro devido ao debate da Lei de Extradição de Condenados em Fuga. Treze mil pessoas saíram à rua para protestar contra a promulgação da lei, mas ainda não obtiveram qualquer resposta da Chefe do Executivo, Carrie Lam. O jovem residente de Hong Kong que alegadamente matou a namorada em Taiwan, caso que desencadeou este processo, já foi condenado a 29 meses de prisão, com uma acusação de lavagem de dinheiro. O Governo de Hong Kong terá por isso tempo suficiente para discutir com Taiwan a possibilidade (incluindo a sugestão avançada pelo campo Pró-democracia) de extradição do jovem. Mas, em vez de escutar as sugestões apresentadas, o Executivo da cidade faz ouvidos moucos e mantém a vontade de avançar com a lei. O campo Pró-governamental, devido à impaciência para aprovar o documento, despreza inclusivamente as Regras de Procedimento do Conselho Legislativo de Hong Kong, ao votar na substituição do pró-democrata James To, no cargo de Presidente do Comité da Proposta de Lei de Extradição. Este tipo de abuso de poder vai contra o espírito do Conselho Legislativo e contra a implementação do ideal “Um País Dois Sistemas”, ao mesmo tempo que sugere que o caso do jovem que matou a namorada não passa de um pretexto para implementar a Lei de Extradição dos Condenados em Fuga .

É óbvio que existe um consenso geral na condenação da infracção e de quem a pratica, mas a forma de lidar com crimes que envolvem dois sistemas jurídicos distintos tem de ser feita ponderadamente. Embora todos sejam iguais aos olhos da lei, as penas prescritas pelas diferentes legislações variam.

Na implementação do ideal “Um País Dois Sistemas”, o Governo da RAE de Macau tem actuado muitas vezes de forma pioneira, servindo de cobaia e posteriormente de modelo. Colaborou em pleno com o Governo Central na elaboração do Artigo 23 da Lei Básica e na criação da Comissão de Defesa da Segurança do Estado da RAEM. Mas no caso proposta da “Lei da Assistência Judiciária Inter-regional em Matéria Penal”, submetida à Assembleia Legislativa em Dezembro de 2015 para elaboração e posteriormente retirada pelo Governo da RAEM, a situação foi absolutamente extraordinária.

Devido à composição única da Assembleia Legislativa de Macau, apenas alguns deputados, poucos e sempre os mesmos, se atrevem a manifestar a sua oposição às diferentes propostas da lei. Além disso, desde que os diferentes comités da Assembleia Legislativa são presididos por deputados do campo pró-govenamental, a Assembleia Legislativa passou a ser um eco da voz do Governo. Qualquer proposta de lei é basicamente adoptada, a menos que seja retirada pelo próprio Governo. Não são necessárias quaisquer preocupações, as propostas de lei nunca são rejeitadas. Antigamente, só eram retiradas propostas de lei quando existia uma forte oposição popular (ex. Regime de garantia dos titulares do cargo de Chefe do Executivo e dos principais cargos a aguardar posse, em efectividade e após cessação de funções) ou aquelas que eram difíceis de implementar (ex. Regime Jurídico do Reordenamento dos Bairros Antigos). Mas a proposta de “Lei da Assistência Judiciária Inter-regional em Matéria Penal”, submetida à Assembleia Legislativa em finais de 2015, após discussão no Conselho Executivo, foi retirada pelo Governo. Segundo o comunicado oficial da altura, a secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, explicou que “devido às grandes diferenças no regime de jurisdição de Macau, China interior e Hong Kong, o tempo necessário para as negociações no âmbito da assistência judiciária em matéria penal com as partes tem requerido mais tempo do que o previsto. Assim, para que a Lei da Assistência Judiciária Inter-regional em Matéria Penal possa ser funcional, foi decidido alterar a estratégia e o processo legislativo”.

Três anos volvidos, a proposta de “Lei da Assistência Judiciária Inter-regional em Matéria Penal” continua a não ser enviada à Assembleia Legislativa para discussão. Aparentemente, a sua complexidade ultrapassa largamente qualquer previsão e requer muito mais tempo para estudos e negociações, de forma a evitar efeitos adversos a qualquer das partes envolvidas. No entanto, no caso da Lei de Extradição de Condenados em Fuga, o povo de Macau tem de estar preparado para desempenhar mais uma vez um papel patriótico de forma ainda mais fervorosa, no sentido de executar uma “missão irrealista mas que tem de ser viável”.

Macau e Hong Kong assinaram o “Acordo entre o Governo da Região Administrativa Especial de Macau e o Governo da Região Administrativa Especial de Hong Kong sobre a Transferência de Pessoas Condenadas” em 2005. Mas quanto à extradição de fugitivos, Macau não tomou medidas concretas como requeria o Código de Processo Penal (entrega de delinquentes – a entrega de delinquentes a outro Território ou Estado é regulada em lei especial). A retirada da proposta da “Lei da Assistência Judiciária Inter-regional em Matéria Penal” ilustra as diferenças jurídicas entre os Governos da China, de Taiwan, Hong Kong e de Macau. Embora o Governo da RAEHK reitere que, de acordo com a proposta de lei de Extradição de Condenados em Fuga, não haverá extradições por motivos políticos, poderão estar envolvidos imensos casos de crimes civis e financeiros. No quadro actual, em que a China e Hong Kong não vivem um momento de confiança mútua, a forma como o Governo da RAEHK está a forçar a aprovação da Lei de Extradição dos Condenados em Fuga vai provocar mais dissensão social e aumentar o grau de desconfiança entre a China e Hong Kong.

10 Mai 2019

Suave transição

[dropcap]N[/dropcap]a passada quinta-feira, dia 18, o Chefe do Executivo dirigiu-se à Assembleia Legislativa para responder às questões dos deputados. Alguns órgãos de comunicação social descreveram o evento como “rotineiro” ou mesmo “maçador.” De facto, a notícia mais “estimulante” desse dia, foi o anúncio do Presidente da Assembleia, Ho Iat Seng, da sua intenção de concorrer às eleições para o cargo Chefe do Executivo da RAEM.

A cada deputado foi dado dois minutos para colocar questões ao Chefe do Executivo. As questões tinham de ser submetidas de antemão (às perguntas feitas no momento, o Chefe do Executivo respondia abreviadamente). Além disso, os deputados eleitos indirectamente e os deputados nomeados, limitaram-se a levantar questões de natureza consultiva, pelo que esta não passou de uma sessão explanatória sobre assuntos administrativos conduzidos pelo Chefe do Governo. Na verdade, não houve debates acesos, nem nada que pudesse despertar interesse. Tudo decorreu conforme o previsto.

Por seu lado, Ho Iat Seng decidiu dar uma conferência de imprensa logo após esta sessão, para anunciar a sua candidatura às eleições para quinto Chefe do Executivo da RAEM. O timing para fazer este anúncio foi cuidadosamente calculado. No dia seguinte (19), deslocou-se a Pequim para comparecer ao encontro do Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo. Um dos pontos da agenda do encontro era precisamente a apreciação da sua demissão de deputado da APN, que foi imediatamente aprovada na sessão do dia 23 de Abril. O Comité Permanente demonstrou neste caso um alto grau de eficácia, sobretudo se compararmos com o tempo que levou para responder ao pedido de demissão do antigo secretário das Finanças de Hong Kong, Tsang Chun-wah, quando se pretendeu candidatar a Chefe do Executivo da RAEHK. É óbvio que Ho Iat Seng terá feito um trabalho de preparação muito cuidadoso antes de anunciar oficialmente a sua candidatura, de forma a obter, sem quaisquer problemas, a aprovação do Governo Central. Como o presidente da Assembleia foi a primeira figura a anunciar oficialmente a sua candidatura, o próximo que venha a manifestar a mesma intenção terá, necessariamente, de ser pessoa de coragem e disposta ao sacrifício.

Devido à estrutura da Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo, à forma de selecção dos seus 400 membros e ao modo de propositura e votação dos candidatos a Chefe do Executivo, os resultados são bastante previsíveis. Em Hong Kong, embora o campo Pan-democracia tenha membros em número suficiente para nomear um candidato a Chefe do Executivo da RAEHK, não tem qualquer influência para alterar o status quo. Chegou a ser nomeado um representante democrata para concorrer a Chefe do Governo da cidade, com o intuito de tornar a eleição mais competitiva, mas acabou por não ter qualquer resultado. Por isso, o campo pró-democracia desistiu de nomear candidatos ao cargo. No entanto, ter muitos candidatos da confiança do Governo Central em simultâneo, também parece não ser o ideal para o próprio Governo. Veja-se o caso de Regina Ip Lau Suk-yee, que chegou a ser candidata. Além disso, depois da guerra aberta entre Henry Tang Ying-yen e Leung Chun-ying durante o processo eleitoral, ficou claro que quem quer que ponha o status quo político em risco, não é bem aceite. Em Macau, após o anúncio da candidatura de Ho Iat Seng e, a rápida aceitação da sua demissão de deputado da APN, o resultado da eleição é bastante previsível

A eleição para Chefe do Executivo assemelha-se à travessia de uma ponte, onde só pode passar uma pessoa de cada vez. Se duas pessoas, uma de cada lado, começarem a tentar atravessá-la ao mesmo tempo, o resultado vai ser desastroso. Se houver uma grande disparidade de força entre os dois, o problema fica resolvido. Mas se as forças se equivalerem, haverá uma luta de morte até o vencedor ser encontrado. Neste caso, a melhor forma de lidar com o assunto é através da negociação, ou seja, deixar que um atravese primeiro a ponte e a seguir atravessará o outro. Desta forma, evitar-se-ão ferimentos e perturbações na desejada harmonia. Mas, sem qualquer dúvida, a decisão final vai estar nas mãos do Governo Central.

Apesar de tudo, haver eleições é melhor que não haver, mas, de preferência, que sejam competitivas. É uma pena que a actual lei, que rege o processo eleitoral, não encoraje a competição e que defenda a manutenção da estabilidade. Nesta medida, os candidatos deverão ser fortes, competitivos e suficientemente corajosos para abrirem mão da sua própria estabilidade. Deverão ainda ter capacidade de sacrifício.

Ho Iat Seng está disposto a abdicar do cargo de presidente da Assembleia Legislativa. Deve ter ponderado bastante antes de tomar a decisão de passar de interpelador a interpelado. Desde o anúncio da sua candidatura à rápida aprovação da sua demissão de deputado da APN, ficou bem claro que os dados já estão lançados e que apenas se espera a sessão de votação da Comissão. Deixou de ser relevante se vão ou não surgir mais candidatos ao cargo.

26 Abr 2019

Corrupção com rédea solta

[dropcap]R[/dropcap]ecentemente, o Comissariado contra a Corrupção (CCAC) publicou o “Relatório de Actividades de 2018 do Comissariado contra a Corrupção de Macau”, cujos conteúdos não deixaram de surpreender os habitantes da cidade. Aparentemente, depois do caso de Ao Man Long e de Ho Chio Meng, existem ainda muitos funcionários do Governo que continuam a transgredir a lei. Pergunto-me quanto tempo será ainda necessário para que o Executivo da RAEM se liberte definitivamente deste problema.

A corrupção existe devido a práticas inquinadas dos sistemas político e económico, bem como a procedimentos perversos, culturalmente enraizados. Alguns empresários afirmam que “pagar luvas” é a melhor forma de tornar eficientes os serviços administrativos, como se pode verificar em certos países e regiões. Em Macau, no tempo da administração portuguesa, e na fase inicial da abertura da China ao processo de reformas, as pessoas consideravam o dinheiro aplicado em “presentes” como um custo normal de produção. Mas, com o passar do tempo e com as inevitáveis mudanças que acarreta, esta pseudo forma de aumentar a eficiência da administração pública deixou de ser tolerável.

No relatório do CCAC, são referidas as declarações da secretária para a Administração e Justiça sobre o ingresso de familiares de funcionários administrativos nos quadros públicos. A secretária afirma que esse ingresso não viola a lei e que, como tal, não pode ser considerado crime, mas desaconselha o procedimento considerando-o impróprio. Familiares de funcionários do Governo estão colocados em diversos departamentos públicos, como é o caso do Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia de Macau e de muitos outros serviços. Se a corrupção e as más práticas não forem erradicadas de vez de todas as instituições, os subordinados continuarão a seguir o exemplo dos seus superiores. A corrupção continua a medrar neste viveiro, e mesmo depois do novo Chefe do Executivo tomar posse, não nos conseguiremos livrar destas práticas malsãs.

Uma das causas primordiais da corrupção reside no abuso do poder, especialmente quando falta supervisão de procedimentos. Aliás, o sistema de verificação e de avaliação de desempenhos, ao nível da actuação do Governo local, tem sido uma preocupação de longa data da China, especialmente quando estão envolvidos muitos interesses e muitos accionistas. É muito difícil conseguir um aperfeiçoamento do sistema, quando faltam pessoas com ideais e quando o sistema jurídico não é suficientemente sólido. As leis são uma das principais ferramentas para governar um país, e a implementação de uma boa aplicação da lei é uma salvaguarda do progresso social.

Embora Macau já tenha regressado ao seio da China mãe há duas décadas, o seu atraso na legislação dura desde essa altura. O primarismo dos legisladores e o fraco exercício do estado de direito fizeram com que Macau ficasse entregue ao “estado das coisas”. Se a Polícia conseguisse utilizar o reconhecimento facial para identificar os peões que não respeitam os semáforos, de forma a poder multá-los, aposto que a fila para pagar as multas ia ser tão longa que ia dar a volta a metade da Península de Macau.

O princípio do estado de direito é a implementação da justiça, da imparcialidade, da transparência e da igualdade de todos os cidadãos aos olhos da lei. Todas as organizações e todos os indivíduos devem respeitar a autoridade da lei e agir dentro dos limites por ela definidos. Não podem existir privilégios nem excepções perante a lei. Olhando para o que se tem passado em Macau nos últimos anos, quem poderá afirmar que a nossa sociedade se rege pela obediência à lei?

O relatório do CCAC traça um quadro geral do problema da corrupção ao nível dos serviços administrativos. O caso “da permuta de terrenos da Fábrica de Panchões Iec Long” e o “projecto de construção do Alto de Coloane” ainda estão para ser avaliados nos próximos dias. Já saber se a atribuição das concessões para exploração de jogos de fortuna ou azar em casinos através de concurso público, se irá realizar de forma justa, imparcial e transparente, só o tempo o poderá dizer. Esta questão será sem dúvida um dos grandes desafios do Governo da RAEM.

Para tornar límpidas as águas do Rio Amarelo, não vale a pena aplicar grandes esforços para filtrar as areias e a lama ao longo das margens, devemos sim concentrarmo-nos na consolidação dos aterros, de forma a evitar que as areias e a lama continuem a ser levadas rio adentro. O relatório do CCAC “mexeu com as águas turvas”, mas ainda é cedo para saber o que vai acontecer aos que foram identificados no relatório.

12 Abr 2019

Sobre as eleições

[dropcap]H[/dropcap]an Kuo-yu, Presidente da Câmara da cidade de Kaohsiung, esteve de visita a Hong Kong e Macau, com o propósito de discutir trocas comerciais. Encontrou-se com os Chefes dos Executivos das duas RAEs e com os directores dos Gabinetes de Ligação do Governo Central, em Hong Kong e em Macau. A visita de Han provocou algum tumulto em Taiwan, em parte devido à eleição para os cargos de Presidente e Vice-Presidente do terrritório, agendada para 2020. Sempre que há eleições existe controvérsia, a questão é saber se a controvérsia se desenrola entre cavalheiros ou entre vilões.

Desde que passou a haver eleições directas em Macau para a Assembleia Legislativa, tem havido muitos distúrbios, inclusivamente, no período anterior à transferência da soberania, com a descoberta de armas nos porta-bagagens de carros privados, estacionados perto dos locais de voto. Alguns candidatos já foram agredidos ao tentarem entrar num restaurante onde decorria uma tentativa de compra ilegal de votos. Também foram detectados e levados a tribunal muitos casos de suborno. Nas últimas eleições para a Assembleia Legislativa, as autoridades assinalaram e tomaram medidas contra muitas irregularidades.

Para que uma eleição possa ser justa, transparente e sem corrupção, as autoridades têm de supervisionar o processo de forma imparcial. Se assim não for, as pessoas irão interrogar-se porque é que alguns são incriminados e outros não. Macau necessita de melhorar o seu sistema eleitoral em larga escala, um processo que deverá implicar o esforço da sociedade enquanto um todo. A comunicação social tem um importante papel de supervisão, mas esse papel deveria ser levado mais além. A comunicação social deveria ser o “cão de guarda” do processo eleitoral.

Para as eleições de 2021, penso que também se deveriam candidatar nas directas, além dos actuais deputados, algumas pessoas que comentam habitualmente na televisão, e noutras plataformas online, assuntos de ordem política e social. As campanhas bem planeadas e bem organizadas através dos média, que utilizam recursos facultados pelos seus apoiantes, não violam a lei vigente e proporcionam uma competição justa.

Mas quando esta competição se transforma em ataque, o processo perde dignidade. Quando estive envolvido na eleição de 2017 para a Assembleia Legislativa, fui estigmatizado e atacado pelos meus oponentes em plataformas online. Mas, como felizmente não cometi nenhum dos actos de que me acusavam, quando os encontrei cara a cara, não conseguiram olhar-me nos olhos e eu ainda posso entrar e sair livremente de Macau. O seu procedimento não elevou o nível do processo eleitoral. Pelo contrário, inferiorizou-o, e a fraca qualidade de um acto eleitoral prejudica toda a sociedade, e isso é uma das coisas que mais abomino.

Quando uma eleição envolve violência, os agentes das autoridades devem tomar medidas imediatas para punir os responsáveis. No caso da troca de acusações entre candidatos durante um debate eleitoral, os machados de guerra devem ser enterrados quando os protagonistas saem de cena. Mas ultimamente, tenho visto artigos publicados em semanários, escritos por um potencial candidato, apenas com o propósito de atacar um adversário e causar confusão no espírito dos leitores. Este procedimento é obviamente muito pouco ético.

Pessoalmente, não me manifesto em relação a Ho Iat Seng nem a Leong Vai Tac, os dois potenciais candidatos ao cargo de Chefe do Executivo de Macau. Mas acuso os média que deliberadamente revelam as vidas privadas destes candidatos, já que os utilizam em seu próprio proveito. As campanhas não se podem focar na difamação e na vilipendização”. Edmund Ho, Ex-Chefe do Executivo de Macau, lembrou a frente patriótica que pretende candidatar-se à eleição para Chefe do Executivo, mas fê-lo de forma a não perturbar a unidade nem a estabilidade. As suas declarações revelam sensibilidade e merecem uma séria reflexão.

29 Mar 2019

As quatro condições de Zhang Xiaoming

[dropcap]P[/dropcap]ara lá das decisões tomadas nas cimeiras da Assembleia Popular Nacional (APN) e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC), que tiveram lugar em Pequim, o que preocupa verdadeiramente os habitantes de Macau é se já terá havido por parte do Governo Central alguma indicação concreta, quanto à indigitação dos candidatos ao cargo de Chefe do Executivo do quinto Governo desta cidade. Mas, após escutar o discurso que Zhang Xiaoming, Director do Gabinete dos Assuntos Internos de Hong Kong e dos Assuntos Internos de Macau, dirigiu aos participantes da APN e da CCPPC, a especulação sobre a nomeação dos candidatos a Chefe do Executivo de Macau, está terminada.

Zhang Xiaoming afirmou que existem quatro requisitos “incontornáveis” que o Governo Central espera de qualquer candidato a Chefe do Governo de Macau: amor à Pátria e a Macau, ter a confiança do Governo Central, ter capacidade de governar e ser reconhecido pela sociedade de Macau. São estas as qualidades fundamentais que superiormente se espera destes candidatos, como sempre e sem qualquer novidade. Por outras palavras, ninguém em particular foi nomeado para o lugar, deixar-se-á que as coisas sigam o seu curso natural, e, no final, a pessoa de maior confiança do Governo Central e da sociedade de Macau será o próximo Chefe do Executivo. Na sociedade de Macau cuja confiança importa, estão naturalmente incluídas as 400 personalidades a eleger no escrutínio dos membros da Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo, agendado para o próximo dia 16 de Junho.

Embora o Governo Central não tenha dado nenhuma indicação clara sobre os candidatos, um jornal local indicou imediatamente um conjunto de outras condições necessárias para o cargo, para além das que foram mencionadas por Zhang Xiaoming. Passo a elencá-las: 1) ter capacidade administrativa, 2) poder melhorar eficazmente a qualidade de vida do povo, e não se limitar-se a ser um “chefe do executico caritativo”, 3) gozar de boa saúde 4) ter uma idade apropriada. A pessoa que reúna estas condições deverá ter as suas próprias preferências e opiniões. Contudo, como Macau deverá seguir as políticas directivas da China, estas condições são indubitavelmente demasiado progressistas.

A partir do que observei, os preparativos para a eleição do quinto Chefe do Executivo de Macau começaram em força a partir de meados de 2017. Através do Gabinete de Ligação do Governo Central do Povo na RAEM, e de outros canais, o Governo Central tem vindo a “radiografar” todos os potenciais candidatos ao lugar. Ninguém quer manifestar publicamente a intenção de se candidatar sem a aprovação explícita do Governo Central. As atitudes serão tomadas no tempo devido. Os rumores que por hora circulam, apontam para os seguintes nomes: Leong Vai Tac (secretário para a Economia e Finanças) e Ho Iat Seng (Presidente da Assembleia Legislativa).

No ponto em que as coisas estão, o que pode ser preocupante é a possibilidade de se perfilarem apenas um ou dois candidatos a Chefe do Executivo, cuja eleição ocorrerá no próximo dia 18 de Agosto. Se Ho Iat Seng se candidatar, terá de ser suspenso do cargo de Presidente da Assembleia Legislativa. Mas se perder a eleição, pode voltar a assumir a presidência do plenário. Se Leong Vai Tac [Lionel Leong] se candidatar, também terá de se demitir do seu cargo actual. No entanto, neste caso, se perder a eleição, não tem o seu antigo lugar garantido, porque o novo Chefe do Executivo pode não o querer na sua equipa. Deste ponto de vista, Leong Vai Tac arrisca mais do que Ho Iat Seng, ao candidatar-se a Chefe do Executivo.

Na opinião do Governo Central, as eleições competitivas (com mais do que um candidato) são preferíveis às eleições com um candidato único. No entanto, nas eleições de 2012 para Chefe do Executivo de Hong Kong, a competição entre os dois candidates da confiança do Governo Central tiveram como resultado uma dissenção no partido do poder e a consequente instabilidade. Depois da lição aprendida com este incidente eleitoral, o Governo Central não vai quer repetir a experiência em Macau. Daí que, a possibilidade de permitir que dois candidatos igualmente influentes se perfilem, é muito improvável. Mas quem estará disposto a ser “carne para canhão” nestas eleições?

Em 2020, as licenças de jogo dos Casinos vão ser renovadas. Além de estarem implicados interesses gigantescos, também vão estar em causa as estratégias de desenvolvimento do país. Para assegurar a estabilidade e a prosperidade do país e de Macau, o Governo Central não vai permitir qualquer tipo de problema durante a eleição do quinto Chefe do Executivo de Macau. O discurso de Zhang Xiaoming demonstra que o quadro geral já está definido e que a transição de Chefe do Governo da RAEM irá ser pacífica.

 

15 Mar 2019

A rapsódia da “Grande Baía”

[dropcap]U[/dropcap]m soldado que não quer ser general, não é um bom soldado. De igual modo, um povo que não tem aspirações, não pode ser pioneiro de reformas.

As “Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau” foram lançadas a 18 de Fevereiro de 2019. O novo papel de Macau nas Linhas Gerais do Planeamento é tornar-se “uma base de intercâmbio e cooperação que, tendo a cultura chinesa como predominante, promova a coexistência de diversas culturas”. Este papel deve coexistir com a sua condição de Centro Mundial de Turismo e Lazer e de Plataforma de Serviços para a Cooperação Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa.

Cada local tem o seu contexto histórico e as suas características ambientais. Macau é a mais pequena das nove cidades e das duas regiões adminstrativas especiais abrangidas pela Grande Baía. Macau também tem a maior densidade populacional e o maior número de carros em circulação. Para ser um verdadeiro Centro Mundial de Turismo e Lazer, Macau precisa, em primeiro lugar, de resolver o problema criado pelo afluxo de turistas, num número que excede largamente a sua capacidade de acolhimento. Quando uma cidade deixa de ser habitável, incapaz de proporcionar emprego e de acolher o turismo em boas condições, muito dificilmente pode ser considerada um centro de lazer. Para que isto volte a ser possível, a cidade terá de reencontrar o espaço necessário para a circulação de transportes e de tráfico rodoviário, e de reduzir o afluxo de turistas para um número comportável. Quanto à sua condição de Plataforma de Serviços para a Cooperação Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, parece que o que está em jogo é mais a questão política do que propriamente a questão económica. Enquanto catalizador da cooperação comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, se se limitar a organizar o Encontro de Empresários para a Cooperação Económica e Comercial da China e os Países de Língua Portuguesa, esse papel não se cumprirá. Se analisarmos a quantidade de pessoas que, actualmente, falam as duas línguas em Macau, verificaremos este número precisa de aumentar urgentemente. É também necessário melhorar o domínio do português junto daqueles que já o falam. Embora o português seja uma das línguas oficiais de Macau, o seu ensino não está tão disseminado como o do inglês, ao nível do ensino não superior. Uma das formas mais eficazes de popularizar o seu uso, será torná-lo objecto de estudo obrigatório ao nível ensino não superior.

 

No Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía, propõe-se que o foco na inovação em ciência e tecnologia seja uma priopridade, que é precisamente uma área em que Macau tem estado a ficar para trás. A realidade actual de Macau passa pela existência de muitas associações e comités, que acarretam inúmeras despesas sem produzirem resultados palpáveis. Nos últimos 20 anos, após a transferência de soberania, além da singular prosperidade da indústria do jogo, a realidade é que existe muito pouco investimento na área da inovação em ciência e tecnologia. O projecto de transformar Macau numa cidade inteligente está ainda numa fase embrionária. Para que se venha a tornar num verdadeiro motor do Desenvolvimento da Grande Baía, Macau tem de apostar nos seus pontos fortes, manter-se afastado das áreas em que não apresenta competências e dedicar-se de forma empenhada e competente à área do turismo e do lazer. Terá de maximizar as suas vantagens únicas, criadas pela indústria do jogo, e melhorar a imagem e as capacidades da cidade, de forma a desenvolver a qualidade da sua oferta turística. Só desta forma poderá acompanhar o ritmo de desenvolvimento de Guangzhou, Shenzhen e de Hong Kong.

 

Para que o plano de desenvolvimento de uma cidade parta da sua própria iniciativa, e não de iniciativas alheias, é necessário que tenha vontade e poder de concretização. Se o plano não puder ser implementado com a força de trabalho local, mas implicar a contratação de especialistas estrangeiros, significa que não foi concebido pela própria cidade. Dos 660.000 habitantes de Macau, mais de 180.000 são estrangeiros não residentes. Esta população não residente criou problemas de acessibilidade, de habitação e de transportes. Estes problemas mostram que Macau está a passar por um processo de desenvolvimento que não é saudável. A prioridade deveria ser apostar no desenvolvimento do capital humano local e não na sua importação, para que Macau possa vir a ser “uma base de intercâmbio e cooperação que, tendo a cultura chinesa como a predominante, promova a coexistência de diversas culturas”.

 

Analisando a parte do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía, que se refere à colaboração entre Macau e Zhuhai, em relação a Hengqin, ficamos com a ideia que pode vir a constituir um motivo de preocupação para as gentes de Macau. Para Macau poder encontrar uma solução para o problema da sua elevada densidade populacional, tem de maximizar a oportunidade de colaboração com Zhuhai no desenvolvimento de Hengqin. Através do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía, Macau pode tornar Hengqin numa nova área residencial para os seus habitantes. A legislação para governar esta nova área deverá ser apresentada em conjunto pelos Executivos de Zhuhai e de Macau e posteriormente submetida à aprovação do Governo Central. A ideia é transformar a Nova Área de Hengqin numa região especial partilhada por Zhuhai e por Macau. Deng Xiaoping disse que devemos ser ousados e rápidos na acção, quando se trata de implementar reformas. Transformar a Nova Área de Hengqin num distrito satélite de Macau será, para a cidade, a principal mais valia do projecto contido no Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía.

1 Mar 2019

Um brinde à saúde de todos os porquinhos

[dropcap]O[/dropcap]s ocidentais, tal como os chineses, têm 12 signos do Zodíaco, mas enquanto os signos ocidentais são baseados nas constelações, os signos chineses são representados por animais. Este ano, o Zodíaco chinês é representado pelo porco. O meu primeiro desejo de Ano Novo é que todos os porcos estejam de boa saúde, já que ultimamente tem havido surtos de gripe suína africana a nível global.

Os chineses têm-se dedicado à criação de porcos nos últimos setecentos ou oitocentos anos. Desde que os antepassados dos porcos foram domesticados, estes animais tornaram-se a principal fonte de abastecimento de carne. Os porcos têm como objectivo principal ingerir a maior quantidade possível de comida até ao dia em que entram no matadouro. A contribuição prioritária destas doces criaturas tem sido a sua carne, mas o seu património genético tem sido desvalorizado. Se os porcos tivessem o poder de escolha e tivessem tido oportunidade de correr livremente pelo mato, como os javalis, os seus familiares mais chegados, imagino o que iria nas suas mentes no dia em que estivessem no matadouro à espera de ser abatidos.

Há quem tenha porcos como animais de estimação, porque são muito inteligentes e limpos. É o caso das pessoas que moram na Aldeia de Ka Ho, em Coloane, Macau, que têm uma série de adoráveis porquinhos de estimação. Quem quiser porcos de estimação, tem de impedi-los de comer a toda a hora, porque estes animais não percebem quando devem parar. Podem comer até se transformarem numa enorme bola de carne e isso só traz vantagens a quem os quiser usar para fins alimentares.

No famoso filme de animação japonês, “A Viagem de Chihiro”, realizado por Hayao Miyazaki, mostra-se de forma metafórica os elos de ligação entre humanos e porcos. A história fala de Chihiro, uma menina de dez anos, que subitamente se apercebe que os pais foram transformados em porcos, depois terem devorado grandes quantidades de comida num restaurante. A nossa pequena heroína passa por muitas tormentas até descobrir a maneira de voltar a dar forma humana aos seus progenitores. Muitas pessoas não compreenderam porque é que esta história era sobre humanos que se tinham transformado em porcos. Um jovem japonês chegou a enviar uma carta para o Hayao Miyazaki’s Studio a expôr as suas dúvidas. Uns meses depois o estúdio respondeu à carta.

Na carta de resposta podia ler-se, “Os pais de Chihiro não se transformaram em porcos logo a seguir a terem devorado toda aquela comida, foram-se transformando gradualmente ao longo de um certo período de tempo”. Por isso, o que os transformou em porcos não foi terem comido muito, mas sim a vontade com que ficaram de “continuar a comer cada vez mais, mesmo depois de já terem ingerido mais do que o suficiente”. O Hayao Miyazaki’s Studio deixou bem claro que o enredo é uma metáfora sobre o mundo em que vivemos. A transformação de humanos em porcos é uma alegoria à ganância, como parte da natureza humana. A ganância faz com que as pessoas percam as suas virtudes e o seu sentido de moralidade e, uma vez que se transfomam em porcos, é quase impossível voltarem a ser humanos. Esta história nasceu como uma ideia sarcástica às bolhas especulativas do Japão dos anos 80. Nessa época, os japoneses eram gananciosos e insaciáveis, assemelhando-se a porcos, embora não tivessem consciência do facto. Quando a economia entrou em recessão, a única coisa que souberam fazer foi queixar-se das condições económicas negativas. O realizador Hayao Miyazaki usou este filme como uma forma de alertar as pessoas contra os perigos da ganância e, possivelmente, para os pôr perante uma imagem de si próprios que desconheciam.

Durante os feriados do Ano Novo, que duraram desde a véspera do Ano Novo Chinês até ao seu 7º dia, 1,4 milhões de turistas visitaram Hong Kong e 1,21 milhões visitaram Macau. É do consenso geral que este enorme afluxo se ficou a dever à abertura da Ponte Hong Kong–Zhuhai–Macau e espera-se que o número venha a aumentar no próximo ano. Durante estes sete dias, as maiores atracções turísticas, como as Ruínas da São Paulo, estiveram sujeitas a medidas de controlo de multidões. Os transportes e as ruas estavam apinhados de pessoas, dificultando enormenente a deslocações dos residentes de Macau. Mas nem tudo são histórias de sucesso económico. Não nos devemos esquecer das lojas situadas fora dos circuitos turísticos que se viram obrigadas a fechar devido ao enorme inflacionamento das rendas. Será este cenário a manifestação de uma economia moderadamente diversificada? Para Hong Kong, que possui uma área de 1.106 Km2, 1,4 milhões de visitantes numa semana, ultrapassa largamente a sua capacidade de acolhimento. No caso de Macau, que tem uma área de apenas 30,8 Km2, a grande preocupação foi fazer chegar o milhão e duzentos mil visitantes a todos os diferentes distritos turísticos em vez de os deixar concentrados apenas nos principais.

Para criar porcos saudáveis, é preciso controlar-lhes a dieta e deixá-los fazer exercício. Se o porquinho se dedicar apenas a devorar alimentos tem como único destino o matadouro.

15 Fev 2019

Meretíssimos Juízes

[dropcap]O[/dropcap] Tribunal de Recurso de Hong Kong recusou recentemente dois pedidos de recurso ao Supremo Tribunal, o do super-intendente Franklin Chu, Jing Wei, acusado de ter agredido um transeunte com um bastão, durante os protestos do movimento Occupy Central, e o do antigo membro do Conselho Legislativo, Leung Kwok-hung, que solicitava revisão judicial da imposição do uso de cabelo curto aos prisioneitos. O exercício do estado de direito em Hong Kong encontra-se, desde há muito, entre os três mais eficazes de toda a Ásia e, em termos globais, entre as posições 15 e 16. O estado de direito define as bases que salvaguardam os valores fundamentais da região. Quando, no passado dia 15, o antigo Chefe do Executivo Donald Tsang Yam-kuen foi libertado, após ter cumprido 12 meses de prisão por “má conduta no exercício de funções públicas”, afirmou que vai apelar ao Supremo Tribunal. “Compreenderão que, como cidadão de Hong Kong, que acredita no estado de direito, continue a procurar que se faça justiça. Tenho de limpar o meu nome. Não posso desistir.” Estas declarações demonstram que mantém a confiança nos juízes de Hong Kong.

Segundo o estado de direito, todos são iguais aos olhos da lei. Se a lei se tornar um instrumento ao serviço do partido no poder, que permita eliminar os seus opositores, a justiça será pervertida. Durante o processo das eleições para a Assembleia Legislativa de Macau em 2017, registaram-se casos de violação de lei. O julgamento destes casos deve ser feito com justiça, imparcialidade e abertura, de forma a assegurar que o estado de direito em Macau saia ileso.

Os casos da “retirada de terreno concedido para construir um parque aquático (Mundo Oceano)”, as investigações da “Fábrica de Panchões Iec Long” e do “projecto de construção no Alto de Coloane” demonstram que Macau está a reforçar o exercício de estado de direito. Estes procedimentos devem seguir o ditado chinês, “todos os males deverão ser completamente erradicados”.

Na versão chinesa do livro “Pôr a Democracia a Funcionar: A visão de um juiz”, o autor diz no prefácio, “a experiência americana demonstra que a independência jurídica – Tribunais e juízes independentes – é crucial para garantir o funcionamento eficaz do sistema governativo.” Mas isso não quer dizer que os juízes não cometam erros. No livro é relatado o caso do cidadão américo-nipónico, Korematsu, que foi internado após ter recusado uma extradição, durante a Segunda Guerra Mundial. Quando o caso passou ao Supremo Tribunal, o juiz reiterou o internamento. O autor do livro acredita que o julgamento de Korematsu “danificou a imagem do Supremo Tribunal”… “sugerindo que o juiz revelou incapacidade de tomar uma decisão impopular, que iria proteger uma minoria malquista. Demonstrou também que não foi capaz de cumprir as funções de revisão judicial eficazmente, que foram consideradas por Alexander Hamilton como os fundamentos de qualquer Supremo Tribunal.” Felizmente, o caso também “demonstra a necessidade prática de o Tribunal assegurar o cumprimento da Constituição, mesmo em tempo de guerra ou de emergência nacional”.

Os juízes são humanos e estão sujeitos a testes e desafios. Se são ou não capazes de defender princípios e manter-se fiéis aos seus intuitos iniciais, é uma questão de capital importância. O Dr. Chu Kin, um dos mais respeitados juízes chineses que exerceram em Macau após a transferência de soberania, morreu num acidente. Como também é sabido, os juízes portugueses foram desde sempre muito bem considerados.

Soube-se recentemente que quatro destes magistrados se irão retirar em breve, inclusivamente o juiz Viriato Manuel Pinheiro de Lima do Tribunal de Última Instância. Quando eu estava na Assembleia Legislativa, compreendi que o sistema jurídico de Macau deriva do Direito Português, encarado como um sistema avançado e civilizado. Os assessores jurídicos portugueses da Assembleia Legislativa trabalharam de forma complementar com os seus congéneres chineses no processo de criação legislativa. Espero sinceramente que o Governo da RAEM contrate juízes em número suficiente para substituir os magistrados que se retiraram.

Os juízes são árbitros e as suas decisões devem ser obedecidas. Se uma sentença não for considerada justa, pode recorrer-se para uma instância superior. Acho esta frase do Dr. Geoffrey Ma Tao-li, Presidente do Tribunal de Último Recurso de Hong Kong, verdadeiramente digna de apreço, “a decisão dos Tribunais está acima de qualquer interferência de factores externos à lei, mesmo dos factores políticos”. Espero que esta verdade também se aplique Macau.

25 Jan 2019

Instituto para os Assuntos Municipais

[dropcap]U[/dropcap]ma das primeiras tarefas que o Governo da RAEM enfrenta em 2019, é a constituição do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), um corpo estatutário que deveria ter sido criado em 2002, para substituir a Câmara Municipal de Macau Provisória. Após um adiamento de mais de uma década, o Governo finalmente adicionou à Lei Básica a fundação do IAM.

No que respeita à escolha dos membros do Conselho Consultivo para os Assuntos Municipais do IAM, existem muitas opiniões favoráveis à eleição de alguns deles por sufrágio directo, uma prática de longa data, à semelhança do processo em vigor no Conselho Consultivo do IACM. No entanto, o Governo tem agido de forma a ignorar esta prática esperando que os 25 membros do Conselho Consultivo para os Assuntos Municipais venham a ser escolhidos por nomeação do Chefe do Executivo. Quanto aos candidatos por auto-recomendação, a maioria é representativa do campo pró-governamental.

Quando o Governo anunciou publicamente que o mecanismo de auto-recomendação era aplicável aos candidatos a membros do Conselho Consultivo para os Assuntos Municipais, encoragei os membros do campo pró-democracia a apresentar candidaturas e ofereci-me para lhes obter cartas de recomendação.

Espero que o Chefe do Executivo escolha, a partir das listas entregues, pessoas talentosas e competentes, de forma a que os membros do Conselho Consultivo para os Assuntos Municipais possoam incluir representantes dos diversos sectores da sociedade e, assim, poder existir uma participação equilibrada entre os diferentes interesses da sociedade de Macau. Mas, por vezes, as boas intenções são estilhaçadas pela realidade política. O actual Governo mostrou, durante o último mandato, ser incapaz de quebrar o ciclo vicioso da escolha de representantes dentro dos pequenos círculos das elites político-económicas.

Contas feitas, o Conselho Consultivo para os Assuntos Municipais é basicamente formado por mandatários do campo pró-governamental e por membros transitórios do Conselho Consultivo do IACM. Se não se quebrar este ciclo, haverá um défice de participação da sociedade na admnistração governamental. A composição do recém-fundado Conselho Consultivo para os Assuntos Municipais revela-se um caso de consanguinidade política, que carece de credibilidade. Este cenário indicia que este orgão virá a constituir uma parafernália política.

Recentemente estive em Taiwan, durante as últimas eleições. Nessa altura tive oportunidade de falar com algumas pessoas e de tentar perceber a sua opinião sobre o conceito de “Um País, Dois Sistemas” e percebi que muitas delas o rejeitam.

A estrondosa derrota do Partido Democrático Progressista (PDP) nestas eleições, foi um castigo infligido pelo povo pela atitude arrogante deste partido, pelo desrespeito da opinão popular e por defender, sobretudo, os seus próprios interesses.

O conceito “Um País, Dois Sistemas” foi uma jogada de tudo-por-tudo de Deng Xiaoping para lidar com os problemas levantados por Hong Kong, Macau e Taiwan. Não havia precedentes que servissem de modelo para esta nova situação e a ideia destinava-se a resolver os problemas. Se o incidente de 4 de Junho de 1989 nunca tivesse ocorrido, acredito que a China estaria mais aberta ao mundo e teria avançado mais. Se os meus leitores tiverem boa memória, hão-de lembrar-se que a China declarou, à data, que Hong Kong permaneceria como estava por mais 50 anos, que não haveria tropas aquarteladas em Macau e que Taiwan poderia ter o seu próprio exército. É lamentável que Deng Xiaoping tenha falecido antes da transferência de soberania de Hong Kong. O conceito original de “Um País, Dois Sistemas” foi perdendo gradualmente flexibilidade durante o processo de implementação e, hoje em dia, é caracterizado por lutas ideológicas e desconfianças. No caso de Hong Kong, a ideia original da escolha do Chefe do Executivo por sufrágio universal passou a ser uma miragem e o fracasso da evolução constitucional provocou dissenções sociais. A parte dos “Dois Sistemas” acabou por se tornar um mero apêndice de “Um País”. Macau, continua a depender da indústria do jogo e da política de “Vistos Individuais” dos turistas continentais para manter a prosperidade e a estabilidade. Embora a economia continue em alta, ainda persistem muitos problemas sociais. O atraso desta ecologia política impediu que fossem revelados os méritos do conceito “Um País, Dois Sistemas”. A forma como os membros do Conselho Consultivo para os Assuntos Municipais do IAM vão ser escolhidos é o exemplo máximo desse atraso. Por isso, como é que o povo de Taiwan pode confiar no conceito “Um País, dois Sistemas” quando vê a forma como funciona em Hong Kong e em Macau?

Este ano assinala-se na China o 100º aniversário do Movimento 4 de Maio, um movimento que exaltou ideias ocidentais, particularmente a ciência e a democracia. Mas, hoje em dia, “ciência e democracia” continuam a não passar de um slogan na China, onde a tecnologia substituiu a Ciência e a indigitação substituiu a eleição democrática. Se esta situação não se alterar, o futuro da China não será auspicioso e o princípio “Um País, Dois Sistemas” conhecerá novas crises.

11 Jan 2019

O rosto por desvendar

[dropcap]R[/dropcap]ecentemente o Chefe do Executivo, Chui Sai On, deslocou-se a Pequim para apresentar o relatório oficial sobre o trabalho desenvolvido em Macau. Nessa ocasião, pediram-lhe que indicasse quem julgava ser o candidato ideal para lhe suceder no cargo. Chui limitou-se a declarar que daria o seu melhor para facilitar a transição do Executivo, mas não adiantou nenhum nome para seu sucessor. Mas, seja ele quem for, o quinto Chefe do Executivo tomará posse a 20 de Dezembro de 2019. Faltam apenas alguns meses para que seja formada a Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo e, penso eu, os trabalhos preparatórios para a Comissão já devem estar em marcha. Obviamente que o Governo Central não irá, para já, revelar a sua posição em relação ao próximo Chefe do Executivo de Macau, mas, aposto que toda a informação necessária, recolhida através dos diferentes canais disponíveis, já foi enviada para ser tomada em linha de conta.
Na verdade, no contexto político actual, não existem muitas pessoas em Macau qualificadas para se candidatarem a este cargo. No entanto, talvez possamos encontrar algumas pistas, se analisarmos o percurso dos dois Chefes do Executivo precedentes.
Após a fundação da RAEM, Edmund Ho assumiu o cargo durante o primeiro e o segundo mandatos. Foi uma figura adequada à função, até porque o seu pai, o falecido Ho Yin, foi um patriota que, no seu tempo, muito contribuiu, quer para a China, quer para Macau. Mas, antes de Edmund Ho ter sido eleito para Chefe do Executivo, passou por um estágio de formação política, porque a sua área de especialidade se limitava aos negócios e à finança. Foi ganhando experiência política na Assembleia Legislativa, primeiro como deputado, e depois como vice-presidente do plenário, altura em que anunciou a sua candidatura a Chefe do Executivo de Macau. Muitos dos deputados nomeados durante a segunda legislatura, em 2001, pertenciam à esfera dos negócios, à semelhança de Edmund Ho.
Chui Sai On, a quem couberam os terceiro e quarto mandatos de Chefe do Executivo, tinha sido eleito directamente como deputado da Assembleia. Ocupou este cargo durante quatro anos, antes de ter sido indicado para Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura. Quer Edmund Ho, quer Chui Sai On, possuiam experiência legislativa e administrativa antes de se candidatarem ao mais alto cargo da cidade. Analisando o percurso dos anteriores Chefes do Executivo, não será de admirar que Ho Iat Seng, Presidente da Assembleia Legislativa, venha a ser considerado o candidato ideal para assegurar a sucessão.
Noutras paragens, em Singapura, o Governo prepara a quarta geração de líderes. E quais são os pré-requisitos para a liderança desta cidade-estado? O Primeiro-Ministro de Singapura, Lee Hsien Loong, estabeleceu quarto critérios de referência, que anunciou na conferência bianal da formação no poder, o Partido de Acção Popular (PAP). A saber: (1) possuir o conhecimento aprofundado dos valores politicos fundamentais do PAP e a habilidade política para evitar a dissenção e os confrontos sociais; (2) abandonar todos os interesses pessoais e servir o País e o povo; (3) ter enorme capacidade de perseverança; (4) saber gerir todo o tipo de interesses, de forma equilibrada e justa e de acordo com a lei, é o maior desafio de um Primeiro-Ministro.
Se estes critérios se adaptarem ao perfil do próximo Chefe do Executivo, isso quererá dizer que a pessoa em causa será um patriota que ama Macau, capaz de gerir os interesses dos diversos sectores, de prevenir as divisões sociais, imparcial, e que irá lidar com os vários assuntos de acordo com a lei e com capacidade para governar. Até agora, no quadro politico actual, existem muito poucas pessoas capazes de servir Macau à luz destes critérios.
Ser o rosto do poder em Macau é certamente uma honra, mas também um pesado fardo, porque o quinto Chefe do Executivo terá de lidar com uma série de questões por resolver, incluindo a renovação das licenças de jogo dos diferentes parceiros, e a construção da Região Metropolitana da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, da qual Macau se encontra gradualmente a realizar o objectivo de se tornar “Um Centro e Uma Plataforma”. Se o próximo Chefe do Executivo conseguir alcançar todas estas metas será digno de louvor, caso contrário irá sofrer sérios dissabores.
A sociedade é composta por muitas entidades e a sua estabilidade não pode depender de câmaras de vigilância. nem de uma justiça com a mão pesada. A estabilidade a longo prazo só acontece quando os interesses gerais e o desenvolvimento social são tomados em linha de conta. Por isso, seja quem for que venha a assumir o governo de Macau durante este quinto mandato, terá de lidar com desafios de um outro nível.

27 Dez 2018

O Inverno do nosso contentamento

[dropcap]Q[/dropcap]uando alguém está desesperado, pode chegar ao suicídio. Se uma sociedade vive sem esperança, enfraquece aos poucos. Quando os governos sabem que só têm mais um ano de mandato, não é expectável que prestem atenção ao descontentamento do povo, nem que empreendam mudanças radicais. Ao actual Governo de Macau resta apenas um ano em funções. Para além do Chefe do Executivo, acredito que alguns Secretários também se estão a preparar para sair.

Durante o debate anual das Linhas de Acção Governativa para o ano financeiro, na Assembleia Legislativa, o público só tem acesso a parte do Relatório, ao passo que a versão mais detalhada das Linhas de Acção Governativa, nas diversas áreas, só é facultada às partes directamente interessadas, como os membros do Governo, os deputados e os jornalistas. Na versão do Relatório das Linhas de Acção Governativa para o ano financeiro de 2019 distribuída ao público, os conteúdos de cada área mal ocupam 30 páginas. Mas, na versão detalhada, a parte que cabe à Área de Transportes e Obras Públicas tem 37 páginas, muito inferior às 91 páginas referentes à Área de Segurança e às 61 da Área de Assuntos Sociais e Cultura. Será que o Secretário dos Transportes e Obras Públicas já finalizou as suas tarefas e pouco mais tem a acrescentar sobre as matérias da sua competência?

Dos diferentes sectores sob a alçada dos cinco Secretários do Governo da RAEM, a Área de Transportes e Obras Públicas é a que tem sido mais sobrecarregada por uma série de problemas. O plano de construção da quarta ligação Macau-Taipa transformou o idealizado túnel sub-aquático numa ponte, sob o pretexto de que as motas teriam dificuldade em aceder ao túnel. Espera-se que a ponte esteja pronta em 2024. Para além disso, está em curso um estudo de viabilidade para a construção de uma quinta passagem sobre as águas (sem referência à data de construção). Este projecto nada tem a ver com o melhoramento do fluxo de tráfico entre Macau e as ilhas, nem com o reforço das capacidade de resistência da cidade à agressão dos tufões e compromete seriamente a possibilidade de construção de uma ponte ferroviária, para a passagem do metro ligeiro, na Zona A dos Novos Aterros. A ideia no seu conjunto revela a falta de uma visão global sobre o planeamento do sistema de transportes. Quanto ao projecto do Metro Ligeiro, ainda se espera que a Linha da Taipa esteja a fincionar em 2019 e que a Linha de Seac Pai Van Line esteja terminada em 2022. Já a ligação para a Estação da Barra não vai estar pronta antes de 2024. Também não há novidades sobre a Linha Leste do Sistema de Metro Ligeiro, nem sequer quanto ao seu traçado. O projecto de construção do Metro Ligeiro em Macau deixou de ser um “elefante branco” e passou a ser digno de uma candidatura aos “Recordes Guinness” da história ferroviária, pela quantidade brutal de dinheiro envolvido e pela demora em se ficar a saber a data da sua conclusão. Pela apresentação das Linhas de Acção Governativa do Secretário Raimundo Arrais do Rosário, depreende-se que é um fiel seguidor do Chefe do Executivo Chui Sai On e que se irá retirar com ele.

Alguns jornalistas publicaram no Facebook que a melhor parte do debate das políticas do Governo, foi o lanche com tostas de carne, fornecidas pelo quiosque da Assembleia, que os ajudou a sobreviver ao tédio das sessões do parlamento.

Quem se preocupa verdadeiramente com o futuro de Macau, deveria estar presente nestas sessões de debate. É a única forma de perceber o desempenho dos membros do Governo e dos deputados. Quem conhece a verdade não deixa os seus assuntos por mãos alheias.

Quando se realizou em Macau a Consulta sobre Desenvolvimento do Sistema Político, em 2012, mais de 100.000 pessoas subscreveram um abaixo-assinado em apoio à proposta “2+2+100”, o que provocou um retrocesso do processo democrático. Nas eleições directas para a Assembleia em 2013 e em 2017, o suborno e a corrupção foram incontroláveis e, em consequência, o populismo e os interesses instalados triunfaram sobre a democracia. Da total cumplicidade entre o Executivo a a Legislatura advém a perda da função reguladora da Assembleia e os améns a todas as decisões do Governo.

Devido ao aquecimento global, o Inverno deixou de ser Inverno. As pessoas andam iludidas e esquecem-se que é preciso fazer preparativos para o frio. No entanto, as leis do desenvolvimento económico ensinam-nos que o suposto “desenvolvimento sustentável” é mera propaganda usada pelos políticos, mas a acumulação dos problemas sociais acabará por vir a ser a força motora da transformação política. Nos 20 anos que passaram sobre o regresso de Macau à soberania chinesa, a cidade atingiu o pico económico. Quanto ao que virá a seguir, tudo irá depender das capacidades do quinto Chefe do Executivo. Como diz o ditado, nada é eterno neste mundo. Quando o Inverno bate à porta, a Primavera já não está muito longe. O Tempo abre janelas de oportunidade para quem está bem preparado.

14 Dez 2018

Politicamente certo ou politicamente errado

[dropcap]R[/dropcap]ecentemente muitos eleitores portugueses residentes em Macau receberam uma carta do Ministério português da Administração Interna a informar que se encontram automaticamente registados, para efeitos eleitorais, na morada que consta no seu cartão de cidadão. Ter o direito de voto, mas não o exercer, pode implicar consequências nefastas. Os resultados das eleições da semana passada em Taiwan e Hong Kong, mostram que se não nos preocuparmos com a administração da cidade, acabamos por colocar o nosso futuro nas mãos dos profissionais da política.

O Partido Democrático Progressista (PDP), no poder em Taiwan até às eleições, sofreu uma esmagadora derrota no escrutínio de 24 de Novembro, do qual saiu vencedor o Partido Kuomintang (KMT), até aí na oposião. Os eleitores, que nos últimos quatro anos tinham vindo a votar no PDP, mudaram o sentido de voto devido ao fraco desempenho do Governo. Os eleitores não conseguiram ignorar a incompetência, resultado das promessas vãs de um grupo de políticos preocupados apenas com os resultados eleitorais.

Um amigo meu viajou de Macau para Taiwan para votar e observar o processo eleitoral. Quando chegou ainda tinha alguma esperança que o PDP estivesse à frente em Kaohsiung, cidade que tem sido um dos principais bastiões deste partido nas últimas duas décadas. Mas o candidato do PDP perdeu a Presidência da Câmara para o candidato do KMT, que apenas resolveu apresentar a sua candidatura à última da hora. Alguns analistas politicos atribuíram esta derrota às chuvadas que caíram e que transformaram a cidade num lago, deixando à vista infraestuturas degradadas. Quando as águas recuaram ficaram mais de 5.000 buracos nas ruas, expondo os diversos calcanhares de Aquiles dos projectos urbanísticos. Sei que estes relatos não são exagerados porque estive em Taiwan com a mnha família há poucos anos atrás. Nesse Verão, visitámos o sul da ilha e assistimos à passagem de um tufão. Após o tufão, fomos de táxi da cidade onde tinhamos ficado para Kaohsiung, a fim de apanharmos o avião para Macau. A viagem de táxi, por estradas esburacadas e no meio de chuva e vento intensos foi impressionante. O cascalho saltava do pavimento da estrada e o condutor ia pondo de vez em quando uns pingos medicinais no nariz para se manter acordado. Eu não me atrevia a baixar a guarda nem por um segundo, temendo pela segurança da minha família, enquanto ia ouvindo as queixas do motorista sobre os projectos de obras nas rodovias. O homem afirmava que as estradas não estavam assim tão más quando o KMT estava no poder. A realidade actual fala por si própria e não pode ser escondida. Mesmo que os eleitores do sul de Taiwan tenham sido apoiantes do PDP, este não soube aproveitar a oprtunidade que lhe foi oferecida. Era óbvio que a perda do apoio popular viria a ser apenas uma questão de tempo.

Nas eleições efectuadas no distrito geográfico de Kowloon West para o Conselho Legislativo de Hong Kong, o campo pró-governamental derrotou o campo pró-democrata, tendo arrecadado 18 dos 35 lugares das circunscrições geográficas, através de eleição directa. Mesmo que o campo pró-democrata venha a ganhar as eleições, a realizar nas circunscrições dos novos Territórios de Leste, não virá a ter direito de veto no subsector eleitoral. A vitória do campo pró-governamental nestas eleições deu, de certa forma, luz verde à promulgação a curto prazo do Artigo 23 da Lei Básica e à Emenda das Normas de Procedimento do Conselho Legislativo.

A derrota do campo pró-democrata nestas eleições terá tido a ver com a alegada “compra de votos” e com a impressionante capacidade de organização e mobilização do campo pró-governamental. Por outro lado, o “veterano democrata” Pan-democracia, que concorreu a estas eleições, colocou os seus interesses acima dos interesses do movimento democrático, enquanto um todo. Juntando a tudo isto alguns factores desfavoráveis, a derrota do campo pró-democrata passou a ser uma condenação inevitável. Podemos ainda acrescentar que a indiferença dos eleitores em relação à política e a mentalidade de uma juventude que parece ter abdicado do direito de voto, potenciaram a posição dos cidadãos mais velhos adeptos do campo pró-governamental. Se pensarmos em 2020, compreenderemos que a influência eleitoral da Pan-democracia tem tendência de cair a pique, no seio de uma sociedade envelhecida .

E quanto a Macau? O ano passado, os danos infraestruturais infligidos pelo tufão “Hato” puseram em segundo plano a quantidade de medidas desastrosas que foram tomadas. Embora a cisão da frente democrática não tenha prejudicado os resultados eleitorais, os políticos da nova geração foram submetidos a duros testes. O ideal de uma sociedade civil foi há muito enfraquecido e a participação na política tornou-se sinónimo de tentativa de enriquecimento. Se os eleitores não conhecerem bem os candidatos, se os cidadãos continuarem imersos na “bolha da segurança social” e se os processos eleitorais continuarem cheios de injustiças, pouca esperança haverá para o futuro da população de Macau.

Os eleitores são os únicos que podem distinguir o que está politicamente certo do que está politicamente errado!

30 Nov 2018

Tarefas urgentes

[dropcap]T[/dropcap]aiwan vai realizar este mês eleições locais (popularmente designadas por “eleições nove-em-um”). Ko Wen-je, que concorre de novo à presidência da Câmara de Taipei, tem sido criticado pelo seu adversário por ter suspendido no termo do anterior mandato os “Subsídios aos cidadãos séniores durante o Festival Duplo Nove”. Em resposta, Ko declarou, “se não for necessário pagar dividas, eu empresto já o dinheiro”. No entanto, Ko salientou que a sustentabilidade dos subsídios é importante, mas que é preciso suspendê-los porque a cidade está endividada. Sublinhou ainda que é importante não sacrificar os interesses da maioria em prol dos da minoria, nem sacrificar o interesse nacional em favor dos interesses partidários.

As declarações de Ko foram largamente apoiadas pelas redes sociais, que consideram que ele não se deveria candidatar a Presidente da Câmara de Taipei, mas sim a Presidente da República. Este homem não representa nenhum partido político, foi sempre um não alinhado. Tem sido o seu estilo contrário a populismos e o seu discurso independente que lhe franquearam o apoio de muitos eleitores. Nas eleições para a Assembleia Legislativa de Macau em 2017, muitos colégios eleitorais fizeram campanha com várias promessas aos cidadãos. Mas quantas delas foram cumpridas? Para falar francamente, o Governo da RAEM está “a colher o que semeou”.

A apresentação do Relatório das Linhas de Acção Governativa para o ano financeiro de 2019 está agendada para esta semana. Este será o último relatório que Chui Sai On apresentará até ao final do seu mandato como Chefe do Executivo. Já não se encontra sob a pressão da reeleição, nem precisa de lutar para ganhar votos. Estas Linhas de Acção Governativa para 2019 não vão certamente conter quaisquer surpresas.

Mas, mesmo antes da apresentação do Relatório das Linhas de Acção Governativa, Chui Sai On já deu a entender que não vai haver más notícias ao nível da Segurança Social. A continuidade do Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico e o aumento dos salários da Função Pública são dados adquiridos numa cidade que desfruta das avultadas somas provenientes dos impostos sobre a indústria do jogo. Para Chui Sai On, a prioridade é completar com sucesso o último ano deste derradeiro mandato e realizar a transferência de poder pacificamente. E para os cidadãos, qual será a prioridade?

Segundo os números da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, o valor da importação de mercadorias situou-se em 20,97 mil milhões de patacas no segundo trimestre de 2018, representando um aumento de 23.2 por cento; o valor da exportação de mercadorias situou-se em 3,22 mil milhões de patacas, correspondente a um aumento de 20.5 por cento, no qual o valor da exportação doméstica baixou 8.4 por cento e o valor da reexportação aumentou em 26.3 por cento. O défice da balança comercial  aumentou de 14,35 mil milhões de patacas no segundo trimestre de 2017, para 17,75 mil milhões de patacas.

A avaliar por estes números, a economia de Macau é actualmente sustentada pela indústria do jogo. A chamada diversificação moderada da economia não passa de um slogan. Esta situação de dependência do consumo de jogadores e de turistas, deixará o Governo de Macau numa posição frágil, se vier a haver problemas ao nível da economia externa. Nessa altura, a enorme despesa com os salários da Função Pública e os custos altíssimos decorrentes das políticas de segurança social vão tornar-se num pesadelo para o Chefe do Executivo.

Desde que o Comissariado da Auditoria publicou um relatório sobre o desempenho e a eficácia do Instituto Cultural, muitos departamentos governamentais aprenderam a seguir os procedimentos à risca. Preferem contratar serviços externos a pagar salários baixos a trabalhadores temporários. Dê lá para onde der, o trabalho tem de aparecer feito e, já que é pago pelo Governo, é preferível não correr o risco de infringir alguma lei ou regulamento. A gestão rígida da administração do Governo da RAEM e a prática da irresponsabilização colectiva são as principais causas do aumento exponencial do número de funcionários públicos e da ineficácia do desempenho do Governo. Toda a gente está habituada a viver em paz e abundância, e há muito que está esquecida a importância da preparação para a adversidade futura. Face a isto, quais vão ser as nossas tarefas prioritárias?

Será possível que, dentro de um ano, o Regime de Previdência Central Obrigatório, co-financiado pelo Governo, venha a substituir o Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico? Poderão os membros do Conselho Consultivo para os Assuntos Municipais, que vai ser criado em 2019, representar plenamente toda a sociedade? Poderá o Governo recuperar os terrenos não aproveitados no prazo estipulado, de acordo com a Lei de Terras? Virão a ser extintos os cargos oficiais excedentários no termo do mandato deste Governo? Irá o Governo local solicitar ao Governo Central o poder para autorizar o salvo-conduto singular?

Há tantos assuntos para resolver, mas com quantos iremos conseguir lidar?

16 Nov 2018

Eleições dentro de três anos

[dropcap]O[/dropcap]utubro marca o início da 2.ª sessão legislativa da sexta Assembleia Legislativa. Durante o ano que passou, nem uma única organização levou a cabo qualquer sondagem para auscultar a opinião do público sobre a actuação da Assembleia Legislativa e dos seus deputados. Mas, ultimamente, os comentários que ouvi a algumas pessoas sobre esta Assembleia não foram muito positivos, sobretudo no que diz respeito à sua capacidade de supervisionar as obras de que o Governo da RAEM está encarregue.

É preciso apresentar provas que justifiquem as acções, porque as visões subjectivas não servem como critério de avaliação. Após o termo da 1.ªsessão legislativa, foi emitido um relatório de actividades da Assembleia relativo a este período. Nos Anexos VII e VIII do relatório, são mencionadas em detalhe todos as intervenções de cada deputado, bem como o número de vezes em que pediram o uso da palavra, no período de antes da ordem do dia, e, finalmente, as interpelações de cada um deles.

A Assembleia Legislativa é composta por deputados eleitos por sufrágio directo, indirecto e nomeados. Independentemente da forma como acederam à Assembleia, todos os deputados têm direito à mesma remuneração, os mesmos direitos e os mesmos deveres. No entanto, após um estudo mais aprofundado do relatório, apercebi-me de que nenhum dos sete deputados nomeados tinha apresentado qualquer interpelação escrita ou oral, no decurso da 1.ªsessão legislativa. Será que nenhum deles tinha nada a assinalar sobre o desempenho do Governo da RAEM, durante estes 10 meses? No que respeita ao “uso da palavra no período de antes da ordem do dia”, apenas um dos sete deputados nomeados assinou uma intervenção neste âmbito.

Quanto ao desempenho dos deputados nomeados pelo Chefe do Executivo, acabam por não servir de mediadores entre o público e o Chefe do Executivo. Este sistema de nomeações advém da “Declaração Conjunta entre a China e Portugal” e foi promulgado através da Lei Básica de Macau. O objectivo legislativo original era proteger os portugueses residentes, uma pequena comunidade de Macau. Hoje em dia, é por demais evidente que esse objectivo inicial se perdeu. Perante isso, porque é que é necessário continuar a manter sete lugares para deputados nomeados que são incapazes de proferir qualquer interpelação quando se trata de avaliar a actuação do Governo da RAEM?

O desempenho dos deputados nomeados demonstra as limitações inerentes ao sistema de nomeações. E o que dizer sobre a actuação dos deputados eleitos por sufrágio indirecto? A avaliar pelo relatório de actividades da Assembleia Legislativa durante a 1.ªsessão legislativa, verifica-se que dois dos deputados eleitos por sufrágio indirecto, dos sectores cultural e desportivo, não apresentaram qualquer interpelação escrita, nem oral, nem pediram o uso da palavra no período de antes da ordem do dia. Este fenómeno está relacionado com o facto de a actual eleição por sufrágio indirecto em Macau ser feita a partir de pessoas colectivas com capacidade eleitoral activa dentro de cada um dos sectores da sociedade. Pode aperfeiçoar-se este tipo de eleição em Macau adoptando o método eleitoral através de Circunscrições Sectoriais – Functional Constituency – usado em Hong Kong.

Mas para além disso, a taxa de comparência dos deputados durante a 1.ªsessão legislativa foi satisfatória. Há contudo que salientar que, dos quatro deputados com 100% de presenças, três foram eleitos por sufrágio directo e apenas um foi nomeado.

Durante os próximos três anos, o desempenho destes deputados, quer tenham sido eleitos directa ou indirectamente, irá influenciar as suas probabilidades de reeleição. Os que já anunciaram que não se irão recandidatar, terão de preparar convenientemente os seus sucessores. Se o sistema politico de Hong Kong e de Macau não sofrer futuramente grandes alterações, o número de lugares reservados para os deputados nomeados manter-se-á igual. Quanto às alterações na eleição por sufrágio indirecto, será necessário um esforço da população de forma a exigir que o voto passe a pertencer aos eleitores de cada sector. Já em relação à eleição por sufrágio directo, as possíveis mudanças serão provavelmente ditadas pelo campo democrata, com raízes na Associação de Novo Macau. Se os meus leitores prestarem atenção às recentes movimentações registadas nas organizações mais consagradas ao longo de toda a comunidade, repararão que os diferentes partidos já começaram a preparar as próximas eleições para a Assembleia Legislativa, que terão lugar dentro de três anos.

Para tornar a Assembleia Legislativa num verdadeiro plenário que defenda o bem estar do povo, todos nós teremos de monitorizar o desempenho dos deputados. Quem for tomar assento na próxima Assembleia Legislativa é uma escolha que só vai depender da consciência dos eleitores .

19 Out 2018

Realojamento dos galgos

[dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] canídromo Yat Yuen de Macau, a única pista de corrida de galgos da Ásia, encerrou oficialmente este ano, após ter proporcionado entretenimento aos aficcionados durante mais de oito décadas. Este encerramento tinha sido anunciado pelo Governo da RAEM, dois anos antes, quando em 2016 comunicou que o canídromo teria de mudar de instalações até 2018. Em 2017, o Governo fez saber que o prazo da concessão da Companhia de Corridas de Galgos Macau (Yat Yuen), S.A., do exclusivo da exploração das corridas de galgos na Região Administrativa Especial de Macau, iria ser prorrogado, com início em 1 de Janeiro de 2017 e terminaria em 20 de Julho de 2018. Por outras palavras, a Companhia de Corridas de Galgos Macau tinha dois anos para preparar a mudança e o encerramento das instalações. No entanto, a situação não foi encarada de forma séria e os proprietários tentaram por todos os meios estender o prazo de concessão do exclusivo da exploração das corridas de galgos, de forma a ocuparem indefinidamente o Campo Lin Fung. Foram sempre persistindo neste objectivo até o prazo estar a chegar ao fim, e desta forma não planearam atempadamente o realojamento dos galgos, que foram sendo usados neste negócio como trunfos na manga dos responsáveis. Embora seja prática corrente no mundo dos negócios maximizar o que se tem a seu favor, neste caso os animais acabaram por ser as vítimas desta má gestão.

Por insistência do Governo da RAEM, a Companhia de Corridas de Galgos Macau acabou por sair na data marcada. As diversas propostas que tinham apresentado para realojamento dos animais revelaram-se impraticáveis. Falaram em colocá-los em 11 vivendas e em alugar um prédio desocupado no distrito Pac On, na Taipa, para criar um centro de adopção dos cães. Mas nenhuma destas propostas resultou. Finalmente, os mais de 500 galgos irão ser temporariamente realojados numa quinta em Coloane, adjacente ao Asilo Vila Madalena.

Segundo se sabe, esta quinta era usada para cultivar plantas decorativas, que eram posteriormente vendidas nas feiras na véspera do Ano Novo Lunar. Mas como a produção local de plantas ornamentais foi substituída pelas que se importam da China, o negócio e a quinta foram abandonados.  O IACM afirmou que não lhe parecia haver qualquer problema em alojar os cães numa quinta desocupada, tal como se mantêm cães em locais em construção para fins de segurança, uma prática local bastante comum. Mas alojar no espaço desta quinta mais de 500 animais vai criar uma série de problemas e esta situação não deverá ser menosprezada.

O realojamento dos animais vai exigir que se cimente o solo da quinta e que se instale um sistema de esgotos e de drenagem para os mais de 100 contentores que vão ser instalados para acolher os animais. Este empreendimento implica obras em larga escala e necessitaria da aprovação das autoridades competentes, antes de se iniciarem os trabalhos de construção. Caso contrário a construção seria considerada ilegal. E realmente foi o que se veio a verificar, porque as obras começaram sem autorização e já foi emitida uma ordem provisória de suspensão, que não foi acatada pela Companhia de Corridas de Galgos. No entanto as autoridades não consideraram o incumprimento da ordem como um crime de desobediência qualificada. A omissão de acções por parte do Governo encontra-se sem dúvida sob o slogan “actuação em obediência à lei”.

O Asilo Vila Madalena em Coloane acolhe um grupo de idosos vulneráveis, ao cuidado de um grupo de freiras que vivem em isolamento, indiferentes aos assuntos mundanos. Mas mesmo assim, estas frágeis freiras têm um grupo de simpatizantes que lutam para que se lhes faça justiça. Após a comunicação social ter feito a cobertura do realojamento dos galgos, na quinta adjacente ao Asilo Vila Madalena, o Chefe do Executivo e dois secretários visitaram o local. Os representantes da Companhia de Corridas de Galgos Macau e da organização que supervisiona o bem estar dos animais estiveram também presentes, a fim de se debruçarem sobre toda a problemática do realojamento. O Governo da RAEM também reiterou que os direitos e os interesses dos idosos do Asilo são a sua prioridade deste caso. À partida, a controvérsia sobre o realojamento chegará ao fim ainda esta semana. Desde que a instalação dos galgos na quinta não afecte os vizinhos idosos, os animais irão permanecer no local até estar terminado o processo da sua adopção, o que se prevê venha a acontecer num prazo de seis a oito meses. Caso este processo não tenha um final feliz, os cães regressarão ao Canídromo de Yat Yuen e os responsáveis serão penalizados por não terem tratado a tempo e horas do seu realojamento. Há ainda a salientar, que depois do processo de adopção estar concluído, a quinta não voltará a servir como local de cultivo porque o solo vai ser todo cimentado. Nessa altura, irá o Governo exigir que os responsáveis voltem a tornar o terreno arável?

5 Out 2018

Um ano depois

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap]ntes de mais nada, quero agradecer a todos os funcionários públicos que estiveram na frente das operações a cumprir o seu dever durante a passagem do tufão, bem como a todo o outro pessoal e voluntários que trabalharam árduamente para limpar a cidade após a passagem da tempestade. Sem a sua dedicação, nenhum plano por mais perfeito que fosse teria resultado.

O Governo da RAEM retirou ensinamentos da catastrófica destruição provocada o ano passado pelo tufão “Hato” e, desta vez, estava preparado para lidar com a destruição e as inundações causadas pelo“Mangkhut”. Por exemplo, o Chefe do Executivo assumiu a coordenação da toda a situação, a colaboração entre os diversos departamentos foi reforçada, ao passo que as forças de segurança e a protecção civil se aplicaram na organização das tarefas e na mobilização de todas as unidades. Até mesmo a Província de Guangdong forneceu a Macau uma série de equipamentos de emergência. A situação foi bem avaliada e as medidas tomadas, antes e depois da tempestade, foram bem planeadas e, como tal, o resultado foi satisfatório e digno de louvor.

O desempenho do Governo da RAEM nesta situação mereceu os elogios de toda a comunidade. Mas, no entanto, existem ainda muitos aspectos que merecem análise e que podem ser melhorados. Um ano após a desastrosa passagem do “Hato”, os problemas causados pelas inundações nas zonas ribeirinhas de Macau continuam por resolver. As comportas contra inundações ainda não são completamente eficazes, e as zonas onde foram instaladas ainda alagam. Os moradores afectados pelas inundações continuaram a sofrer cortes no abastecimento de água corrente e de electricidade. Os comerciantes das áreas inundadas, que são afectados por este problema pelo menos uma vez por ano, vêem os seus equipamentos destruídos regularmente e os negócios são sistematicamente prejudicados.

Nas áreas alagadas, pudemos ver os funcionários das lojas a trabalhar árduamente para a secar o chão e limpá-lo dos detritos acumulados. Embora estes lojistas tenham tomado providências antes da passagem do tufão, nem todos os seus bens puderam ser salvos, devido à impossibilidade de serem removidos ou desmontados. Uma pequena livraria situada na Travessa dos Mercadores perdeu um terço do seu stock de livros aquando da passagem do “Hato”. Este ano, um quinto dos que restaram foi destruído pelo “Mangkhut”. Enquanto o problema das cheias no Porto Interior não forem resolvidos, quem é que vai ter vontade de abrir um negócio na zona ?

Durante o “Mangkhut”, a CEM tomou a iniciativa de suspender as suas subestações, para evitar os acidentes decorrentes das inundações. Por isso, mesmo os comerciantes que possuiam bombas para extracção das águas das cheias, não as conseguiram pôr a funcionar por falta de electricidade. Os moradores das zonas baixas viram-se também confontados com a falta de água corrente e de electricidade. Não é um pouco irónico que esta situação ocorra em Macau, uma cidade com um PIB no top 10 da Ásia?

De acordo com as vítimas das cheias, mesmo que a comporta contra inundações consiga impedir as águas do mar de inundarem as ruas, não consegue impedir as águas dos esgotos de subirem e alagarem os apartamentos. Para solucionar este problema terá de ser feita uma total impermeablilização da rede de esgotos.

Nos anos 60, embora não houvesse subida da água do mar no Distrito de San Kio, as cheias eram inevitáveis sempre que chovia intensamente. Sempre que havia inundações, as crianças da zona tinham uma diversão: apanhar os peixes que se espalhavam pelas ruas, vindos das lojas que vendiam aquários. Os adultos, por sua vez, estavam ocupados a tentar fixar as tampas dos esgotos de forma a impedir que se transformassem em “géiseres” mal-cheirosos. Nesse tempo, quando os moradores iam buscar água aos poços, situados geralmente entre duas casas, não se surpreendiam quando no balde também vinham de brinde alguns peixinhos. Todos estes acontecimentos eram encarados como “coisas normais” até o Governo português ter levado a cabo um projecto de drenagem em larga escala, que acabou com o divertimento das crianças e com o infortúnio dos adultos.

Há quase 20 anos que Macau regressou à soberania chinesa. Durante este espaço de tempo surgiram novos edifícios nas zonas baixas do Porto Interior. Os trabalhos de desassoreamento nas duas margens vão continuando, a capacidade urbana está a atingir o ponto de saturação e a cidade sofre com o envelhecimento da rede de esgotos. O Governo da RAEM promoveu o desenvolvimento económico, mas negligenciou a qualidade de vida das pessoas. Após tantos anos, o reordenamento do Porto Interior não saiu ainda da fase de planeamento. Passou um ano sobre a destruição provocada pelo “Hato” e os recentes danos provocados pelo “Mangkhut” demonstraram que as medidas paliativas tomadas pelo Governo não são assim tão eficazes. A prevenção das inundações deverá ser uma prioridade do Executivo. Se a Holanda o consegue fazer perfeitamente, Macau também terá de consegui-lo.

21 Set 2018

Segurança nacional

[dropcap style=’circle’]L[/dropcap]embram-se do KGB, a agência de segurança soviética? Nessa época o “Comité de Segurança do Estado”, o KGB, foi reconhecido como o corpo de segurança mais eficaz do mundo inteiro, e a mais poderosa organização de segurança do país. Para os soviéticos representava um instrumento de terror. Mas apesar de todo o seu poder, não impediu a dissolução da URSS. O fiasco do “Comité de Segurança do Estado” na salvaguarda da segurança nacional, tem um toque de humor negro. Mas, na verdade, a manutenção dos regimes e a segurança nacional constroem-se com base na igualdade entre os homens e não através da força e da imposição da lei.

A Região Administrativa Especial de Macau promulgou a “Lei relativa à Defesa da Segurança do Estado” em 2009. Mas, nesta última década, não houve uma única situação que tenha posto a segurança nacional em risco. Em Macau, o risco de ataques terroristas é dos mais baixos do mundo, A cidade é considerada bastante segura a nível internacional, ao ponto de Kim Jong Nam, o malogrado meio-irmão do líder norte-coreano, aqui ter vivido tranquilamente, antes de ter sido assassinado na Malásia.

Características sociais únicas e aspectos geopolíticos muitos particulares contribuem sem dúvida para a segurança da cidade.

Recentemente, a Secretaria para a Segurança de Macau declarou que está em estudo a criação de uma comissão dedicada ao anti-terorismo e à garantia da defesa da segurança de estado. O “Boletim Oficial da RAEM” publicou o Regulamento Administrativo n.º 22/2018 sobre a criação da Comissão de Defesa da Segurança do Estado da RAEM, presidida pelo Chefe do Executivo e que integra, na qualidade de vogais, os secretários para a Administração e Justiça e para a Segurança, este último igualmente como vice-presidente. Para além disso, futuramente serão implementadas uma série de medidas e mais legislação para a salvaguarda da segurança nacional. Nessa altura, Macau será um pilar da segurança nacional. Será que as suas gentes se vão orgulhar dessa condição?

Se lermos a História da China, vemos que a Dinastia Qin recorreu às mais elaboradas medidas para salvaguardar a segurança nacional. Para além de proclamar muitas leis desumanas, recorreu ainda “à queima de livros e ao sepultamento de intelectuais” para destruir obras subversivas e eliminar os pensadores confucianos que defendiam outros ideais. Para impeder o caos, mandaram demolir as estruturas defensivas das cidades e confiscaram as armas de uma ponta à outra do País. Passaram as ser aplicadas as “Punições colectivas”, que, para além do transgressor, se aplicavam a todos aqueles que, tendo tido conhecimento da falta, não a reportassem. Como todas estas medidas em vigor, não deveria ter havido qualquer problema com a segurança nacional. No entanto, a Dinastia Qin teve a duração mais curta de toda a História da China.

Nestas férias, fui até à Turquia e visitei a famosa Constantinópola, a Istambul dos nossos dias. Foi a capital do Império Romano do Oriente e do Império Otomano, dois grandes Impérios europeus que acabaram por sucumbir. Durante a minha estadia, a moeda turca, a Lira, caiu abruptamente, passando de 1 USD = 5 liras a 1 USD = 7 liras. Não percebo turco por isso não consegui acompanhar as notícias, mas apercebi-me que se passava qualquer coisa, porque o controle de segurança ao longo das estradas foi reforçado. No Aeroporto, nem todas as pessoas que faziam parte do meu grupo conseguiram embarcar. Mas, no geral, pude aperceber-me que os turcos são pessoas simples e afáveis. Mas com esta viragem negativa na economia, pergunto-me por quanto tempo mais poderá o País permanecer seguro, sob um regime de braço de ferro.

“Hoje é sobre Macau, amanhã será sobre Hong Kong”, é um slogan muito usado pelo democratas de Hong Kong. Em Macau, o campo pró-regime é poderoso e a estrutura social da cidade é estável. Além disso, existe ordem social. No entanto, a rede de segurança nacional começou a ser gradualmente organizada após a promulgação do Artigo 23 da Lei Básica. Esta realidade de Macau irá ter um impacto positivo ou negativo em Hong Kong, que ainda não fez entrar em vigor o Artigo 23 da Lei Básica? Já que a RAEM é tão eficaz na implementação de medidas para reforçar a segurança nacional, irão estas acções resultar numa boa ajuda a Carrie Lam Cheng Yuet-ngor, a Chefe do Executivo de Hong Kong?

A segurança nacional é da responsabilidade de todos, mas não deve focar-se na implementação de leis.

7 Set 2018

Políticos inimputáveis

[dropcap style=’circle’]F[/dropcap]ez agora um ano que o tufão “Hato” passou por Macau, deixando um pouco por todo o lado um rasto de destruição. Fong Soi Kun, antigo director da Direccão dos Servicos Meteorológicos e Geofisicos, avançou já com um recurso contencioso à decisão da pena de demissão decidida pelo Chefe do Executivo, ainda em fase de apreciação. Mas seja qual for o resultado do recurso, sabemos que muito dificilmente os funcionários do Governo são responsabilizados pelas suas decisões políticas. Com base na lição aprendida com os incidentes provocados pelo “Hato”, criou-se o projecto da Lei de Bases da Protecção Civil, numa tentativa de intensificar o planeamento geral e de mobilizar a participação social. Neste contexto, o “crime de falso alarme social” foi adicionado à Lei de Bases da Protecção Civil e estabeleceu-se a obrigação de participação dos diversos sectores sociais na protecção civil. Qualquer desrespeito, desobediência ou provocação podem ser considerados “crimes de desobediência simples” ou “crimes de desobediência qualificada”, dependendo da gravidade da situação. Em vez responsabilizar apenas as autoridades relevantes pelas suas decisões políticas, a Lei de Bases da Protecção Civil atribui também essa responsabilidade aos membros da sociedade que actuam a nível voluntário. Parece-vos que os conteúdos do projecto da Lei de Bases da Protecção Civil faça algum sentido?

Quando o Governo fez o empréstimo de 212 milhões de patacas à “Viva Macau”, os funcionários responsáveis afirmaram, na altura, que a empresa tinha avalistas suficientes. Mas, segundo o relatório da investigação do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), viemos a perceber que os chamados avalistas não passavam de umas promissórias bancárias que não puderam ser resgatadas. Tanto quanto se sabe, será muito difícil reaver o valor do empréstimo. Mas quem são os funcionários do Governo responsáveis pela concessão deste empréstimo malparado? O Edifício “Sin Fong Garden” está em risco de cair porque o construtor fez cortes nas estruturas provocando fendas e inclinação dos pilares. Até ao momento, apenas se tem falado da possibilidade de reconstrução, mas não se responsabilizou ninguém do departamento de inspecção. E porque é que estas coisas acontecem? O caso dos apartamentos inacabados do Pearl Horizon esteve na ordem do dia, mas o construtor continuou a vender antecipadamente as casas que ainda não estavam prontas e sem poder dar quaisquer garantias de quando viriam a estar. Várias centenas de pessoas compraram antecipadamente estes apartamentos. Neste caso, não houve um único funcionário do Governo responsabilizado. Em vez disso, a responsabilidade foi passada de mão em mão através da revisão da Lei de Terras, que pretende viabilizar concessões arbitrárias de terrenos. A atitude do Governo e a qualidade da sua administração estão a afastar-se do conceito de serviço público, já para não falar da sua ausência de responsabilização.

O caso da permuta do terreno da Fábrica de Panchões Iec Long e o projecto de construção no Alto de Coloane envolveram recursos preciosos de Macau, ao nível dos terrenos, e uma teia de interesses. Mesmo depois dos pormenores destes casos terem sido revelados e das investigações conduzidas pelo CCAC terem sido efectuadas, nem um único funcionário do Governo foi responsabilizado e punido pela lei! Os funcionários superiores estão imunes! É mais fácil para o Governo falar sobre responsabilização do que aplicá-la internamente.

A Assembleia Legislativa de Macau está encarregue de supervisionar os actos administrativos do Governo da RAEM, para além da sua função legislativa. No entanto, a maioria dos seus deputados, 33 deles, são escolhidos por eleições indirectas, numa percentagem de 36.3%, enquanto outros 21.2% são indigitados pelo Chefe do Executivo e apenas 42.4% são escolhidos directamente pelos eleitores. A julgar por estas percentagens, fica bem claro onde assenta o poder. É um milagre como é que, mesmo assim, a Assembleia ainda consegue legislar mas, neste contexto, é-lhe muito difícil supervisionar o Governo e responsabilizá-lo pelas suas acções.

A ex-deputada de longa data Kwan Tsui Hang, entregou a sua última interpelação escrita à Assembleia Legislativa poucos dias antes do termo do seu mandato, que expirou em Outubro do ano passado. No documento, interpelava o Governo da RAEM sobre o desenvolvimento do sistema politico de Macau e a reforma do sistema de eleição pela via indirecta. Kwan Tsui Hang defendia uma reforma do sistema de eleição pela via indirecta, para que todos os sócios das associações de cada sector tenham direito ao voto. Será que a sua sugestão pretendia tornar o sistema de eleição pela via indirecta mais democrático? A 24 de Outubro, na resposta à interpelação de Kwan, o director dos Serviços de Administração e Função Pública, como é habitual, não apresentou réplicas substanciais ao que tinha sido inquirido. Para vir a melhorar o sistema eleitoral de forma gradual, é necessário escutar um vasto leque de opiniões e depois encontrar um consenso.

Enquanto deputada do campo pró-governamental, Kwan Tsui Hang conseguiu chamar a atenção da Assembleia Legislativa para as questões do desenvolvimento do sistema politico, antes do final do seu mandato. Embora esta chamada de atenção tenha vindo um pouco tarde, não deixa de ser louvável. Se não houver reformas do sistema politico de Macau, não haverá responsabilização das acções administrativas. Se um Governo não tiver de responder pelas suas acções, apenas uma minoria viverá em estabilidade. Quando as contradições sociais acumuladas irromperem, as consequências serão muito sérias. Qualquer politico deve estar informado sobre este matéria. Os problemas não se podem solucionar com distribuição de dinheiro, só se podem resolver quando se assumem as responsabilidades.

24 Ago 2018

Lei de Terras, um campo de batalha

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o dia 28 de Junho de 2016, o deputado da quinta Assembleia Legislativa, Tong Io Cheng, apresentou um projecto de lei intitulado “Norma Interpretativa do Nº5 do Artigo 104º da Lei nº 10/2013” e o projecto de deliberação do Plenário para a adopção do processo de urgência relativamente ao referido projecto de lei, ao Presidente da Assembleia Legislativa. Após nove meses em estudo, a Mesa da Assembleia Legislativa redigiu, em 476 páginas, o “Parecer relativo à Verificação do Projecto de Lei apresentado pelo Deputado Tong Io Cheng”, pubicado a 28 de Março de 2017. O parecer foi desfavorável ao projecto de lei apresentado pelo deputado Tong Io Cheng e ao pedido de deliberação do Plenário para a adopção do processo de urgência relativamente ao referido projecto de lei. Este Parecer incluia o Parecer n.° 3/IV/2013 da 1.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa e Extracção Parcial dos Plenários de 12 de Agosto de 2013 (apreciação e votação na especialidade da proposta de lei). Nessa altua Tong era deputado da quarta Assembleia Legislativa, e também participou na discussão.

Entre 9 e 13 de Agosto de 2013, a quarta Assembleia Legislativa dedicou a sua última sessão plenária à apreciação e votação na especialidade da Lei do Planeamento Urbanístico, Lei de Terras e Lei de Salvaguarda do Património Cultural. Pode afirmar-se que a implementação destas três leis foi uma importante conquista, mérito do trabalho da quarta Assembleia Legislativa. Este resultado foi muito apreciado e elogiado pelo Governo Central. A implementação da emenda à Lei de Terras garante que os recursos constituidos pelos terrenos da Região Administrativa Especial de Macau possam ser usados de forma eficaz e sensata. No Parecer n.° 3/IV/2013, constam em detalhe os debates da 1.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa relativos ao Artigo 48.º (renovação de concessões provisórias) da Lei de Terras, de onde se destaca, “No caso de o concessionário não conseguir concluir as obras de construção no prazo concedido e disso não tiver culpa, como é que a situação deve ser tratada? Será tratada através das disposições transitórias?”…“Segundo os esclarecimentos do proponente, este não vai legislar sobre casos concretos do passado, e embora o prazo de concessão por arrendamento seja fixado em 25 anos, o prazo de aproveitamento é normalmente de 2 a 6 anos. Tendo em conta o princípio de aproveitamento rigoroso dos terrenos, não devem surgir situações como a acima referida. Tendo ainda igualmente em conta este princípio, não é adequado estabelecer que há lugar à renovação no caso de atrasos no aproveitamento de terrenos, não se excluindo, no entanto, os casos concretos que correspondam a outras disposições previstas na proposta de lei e que possam ser tratados de forma excepcional”. O excerto demonstra que, de forma a reforçar a supervisão sobre o uso dos terrenos concessionados, o proponente sublinha que as concessões provisórias não serão renováveis e que esta matéria deve ser regulada de acordo com as disposições do estado de direito.

A Lei de Terras foi votada na especialidade a 12 de Agosto de 2013 pela Assembleia Legislativa. Mas houve muitas vozes que se oposeram à aplicação da Lei de Terras, nomeadamente no que ao Artigo 48º (as concessões provisórias não devem ser renováveis) diz respeito. Com a deliberação do Tribual sobre o terreno do edifício Pearl Horizon e o projecto La Scala, a emenda à Lei de Terras tornou-se a base legal em todos os julgamentos. Actualmente, muitos destes terrenos estão a chegar ao fim do periodo de 25 anos de concessão, o que pode colocar os concessionários em sério risco de perdas financeiras. É por este motivo que hoje em dia se desencadeou uma vaga de protestos contra a emenda à Lei de Terras, iniciada com o ensaio “A Declaração de Voto Vencida”, escrito pelo juiz Vasco Fong. Neste ensaio, Fong fala sobre as suas reticências quanto à emenda à Lei de Terras e defende que deve ser revista. Subsequentemente, mutos estudiosos da lei e empresários do sector imobiliário também se expressaram a favor da revisão da lei, enquanto se levanta uma onda de criticas da opinião pública sobre esta matéria.

Há quem defenda que estes recursos pertencem ao sector público e quem defenda que pertencem ao sector privado, consoante os seus próprios interesses. A emenda à Lei de Terras entrou em vigor há cinco anos, ao passo que o caso do terreno do edifício Pearl Horizon aconteceu há apenas três anos atrás. Os concessionários provisórios do terreno tiveram mais que tempo para construir e não deveriam concentrar os seus esforços na luta pela autorização de renovação. Quer no texto original, quer na sua emenda, a Lei de Terras determina que o prazo de concessão provisória tem um limite de 25 anos. Mas a Emenda cancelou a provisão que permitia que o Chefe do Executivo prescindisse da licitação pública e aprovasse directamente a concessão por arrendamento, mesmo que esta fosse dada ao concessionário original do terreno. Por aqui se vê que o Governo está determinado em manter o prazo de 25 anos da concessão de terrrenos. Mas porquê introduzir uma alteração à Lei de Terras? Esta pergunta encontra resposta exaustiva no Parecer n° 3/IV/2013, que se destina a asssegurar a manutenção da imparcialidade do Chefe do Executivo e também que o exercício das suas funções será benéfico ao desenvolvimento sustentado da comunidade. Pretende também garantir que o recurso limitado das terras possa ser usado de forma eficaz e razoável pela população. A Emenda à Lei de Terras é mais justa e equalitária do que a lei original. O problema dos terrenos é complicado, mas as decisões devem ser tomadas tendo em mente apenas o bem-estar de todos.

10 Ago 2018

O mercador de Veneza dos tempos modernos (1)

[dropcap style=’circle’] “O [/dropcap] Mercador de Veneza” é uma famosa peça de William Shakespeare. O protagonista, um agiota, exigiu uma libra da carne do seu devedor, António, quando este falhou o pagamento da dívida, de acordo com o contrato celebrado. No entanto, nem uma só gota de sangue de António poderia ser derramada durante a ablação. A história tem um extraordinário enredo mas, quinhentos anos mais tarde, um caso semelhante ocorreu com o Governo de Macau.

Segundo o comunicado de imprensa da Direcção dos Serviços de Economia (DSE) e do Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância (GPTUI), como foi impossível localizar os bens do avalista (a empresa-mãe Eagle Airways Holdings Limited) da “Viva Macau”, a quantia de 212 milhões de patacas cedida pelo Fundo de Desenvolvimento Industrial e de Comercialização (FDIC) à “Viva Macau” não poderá ser recuperada. O tribunal mandou arquivar o respectivo processo de falência por os bens da Viva Macau serem insuficientes para pagar as dívidas. Vale a pena mencionar que a “Eagle Airways Holdings Limited” tinha assinado cinco notas promissórias como garantia dos empréstimos concedidos à “Viva Macau”, sem que tenha sido avançados quaisquer bens físicos para efeitos de penhor. E esta é uma Empresa de Investimento de Hong Kong registada com um valor nominal de 10.000 HKD por acção.

Quando eu era deputado da Assembleia Legislativa, redigi três interpelações escritas (a 13 de Janeiro e a 16 de Setembro de 2010 e a 19 de Julho de 2013) sobre o empréstimo de 212 milhões de patacas do FDIC à “Viva Macau”, e sobre a possibilidade de recuperação das verbas quando não existiam bens para efeitos de penhor. A resposta que obtive tinha este teor, “Para garantir o pagamento do empréstimo, a empresa (Viva Macau) forneceu um avalista. Se a divída não for paga na totalidade, o FDIC pode processar a empresa e o seu avalista de acordo com a lei e os regulamentos aplicáveis”; “O Governo da RAE atribui grande importância a este caso e empenhar-se-á ao máximo para levar a cabo todas as acções legais ao seu alcance, de forma a salvaguardar o erário público. Os advogados irão cobrar a divída junto da entidade responsável de acordo com a lei”; “no que respeita à incapacidade da “Viva Macau”’ de efectuar o pagamento dentro do prazo, o Governo da RAE empreenderá todas as acções legais ao seu alcance para cobrar a divída”.

Embora o Governo da RAEM tenha apoiado a “Viva Macau” na solução do seu problema financeiro, acabou por falhar no contributo ao desenvolvimento sustentado da indústria da aviação de Macau. Pelo contrário, devido a uma série de irregularidades no processo do empréstimo, a quantia de 212 milhões de patacas não será recuperada e o Governo sofrerá uma avultada perda. Se todos os comerciantes deste mundo forem iguais ao “Mercador de Veneza”, que só queria ganhar dinheiro e se recusava a pagar as suas dívidas, a justiça social irá à banca rota.

30 Jul 2018

Objectivos comuns

[dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] Secretário Geral do Comité Central do Partido Comunista da China (PCC), Xi Jinping, tinha anunciado durante o 18º Congresso Nacional do Partido, que teve lugar em 2012, os dois objectivos estratégicos para a China, que deveriam coincidir com dois importantes centenários. O primeiro seria a concretização de uma “sociedade moderadamente próspera” no ano do 100º aniversário da fundação do Partido (2021), com o PIB e o rendimento per capita a duplicarem em relação aos valores de 2010. O segundo, e o mais desafiante dos dois, seria a transformação da China num país socialista forte, moderno, democrático, civilizado e harmonioso até 2049, ano que que se celebrará o 100º aniversário da fundação da República Popular da China.

A maioria de nós não irá chegar a 2049 e, como tal, nunca saberemos se este objectivo se irá ou não cumprir. Mas, quanto às metas estabelecidas para 2021, espero que todos os meus leitores as possam vir a testemunhar.

O conceito de “sociedade moderadamente próspera” vem do Confucionismo e da antiga China que sonhava com a criação de “uma sociedade altamente unificada”. Esta sociedade ideal, partilhada por todos, é em muitos aspectos semelhante ao “estado utópico” de que nos fala Platão, à “sociedade comunista” proposta por Karl Max no “Manifesto do Partido Comunista” e à “Nova Jerusalém” mencionada na Bíblia.

A procura de uma co-existência verdadeiramente pacífica deveria ser o objectivo comum de toda a Humanidade, independentemente das crenças religiosas, filosóficas ou políticas. No entanto, durante milhares de anos, a ganância dos homens foi-se multiplicando ao ritmo do progresso de uma civilização materialista. As guerras e as mortandades foram-se sucedendo, tornando a utópica “sociedade altamente unificada” um sonho cada vez mais distante. Parece portanto muito difícil concretizar esse tipo de sociedade num espaço de apenas três anos!

Existem três grandes discrepâncias que a China terá de ultrapassar para atingir a tal “sociedade unificada”, a saber: o fosso económico entre as regiões do sudeste e do noroeste, o fosso económico entre as zonas urbanas e as zonas rurais e o fosso económico entre os pobres e os ricos das cidades. Se estas discrepâncias não forem ultrapassadas, toda esta retórica não passará de um conjunto de palavras ocas. Se olharmos para o aumento constante da disparidade entre os pobres e os ricos, proveniente do actual crescimento económico da China, compreenderemos que o Governo vai ter de se esforçar bastante se, nós próximos três anos, quiser ver construída” uma “sociedade altamente unificada”. O sonho de Xi Jinping não deverá ser uma utopia pessoal, mas sim o sonho comum de 1,390 milhões de pessoas.

A pessoas devem ter sonhos. Esses sonhos devem transformar-se em ideais, trabalhados com afinco para um dia virem a ser realidade. O mundo está em constante mudança e a China precisa de renovar para se adaptar âs novas situações e não ficar para trás. Liu Xia, viúva de Liu Xiaobo, laureado com um Nobel, deslocou-se ao estrangeiro para receber cuidados médicos. Este incidente demonstra que existem várias maneiras de resolver um problema, mesmo numa sociedade autoritária. Na era que vivemos, a comunicação racional é a melhor forma de garantir a sobrevivência.

Após mais de 200 dias de suspensão, o deputado da Assembleia Legislativa, Sulu Sou, retomou finalmente as suas funções. Como mandatário da Lista de candidatos da Associação de Novo Macau às eleições legislativas de 2017, considero a minha missão cumprida. Considero que para mim chegou a hora de participar na construção de uma sociedade mais equalitária e mais justa com uma nova abordagem.

Martin Luther King tinha um sonho que ainda não foi realizado. A Nova Jeusalém mencionada na Bíblia representa também um sonho que, para se tornar realidade, precisa do esforço permante de todos os cristãos. Decidi deixar a Associação de Novo Macau depois de uma participação de 25 anos, uma decisão tomada para melhor poder realizar o sonho da criação de uma nova era.

“O Homem é o caminho da Igreja”, uma directiva mencionada no “CENTESIMUS ANNUS” emitido pelo Papa João Paulo II em 1991. Quer o sonho de Martin Luther King, a obtenção da igualdade racial, quer o de Xi Jinping, o renascimento da nação chinesa, necessitam da participação das pessoas e é necessário que um número cada vez maior trilhe a mesma senda. Vivemos todos sob o mesmo céu, independentemente da raça e das opções políticas. Só caminhando em conjunto podemos ver realizado o sonho de todos nós.

13 Jul 2018

O caminho a trilhar

[dropcap style=’circle’] Z [/dropcap] hang Rongshun, antigo vice-presidente do Gabinete Jurídico do Comité Permanente da Assembleia Nacional Popular, assumiu o cargo de subdirector do Gabinete de Ligação do Governo Central em Macau, no passado dia 26. Formei a minha primeira opinião sobre Zhang quando o ouvi dizer que os membros do Comité Consultivo dos órgãos municipais de Macau não deviam ser escolhidos através de eleições directas. Independentemente do intuito legislativo e da interpretação da Lei Básica de Macau, todos têm direito a exprimir as suas opiniões. Eu, pelo meu lado, subscrevo a perspectiva do falecido Prof. Xiao Weiyun da Universidadde de Pequim, que fez parte da Comissão da Redacção da Lei Básica de Macau, sobre a designação dos membros dos órgãos municipais. A criação da Lei Básica destinou-se a assegurar que a filosofia de “um País, dois sistemas” prevaleceria sobre a que defendia “um País, um sistema.” Se os membros do Comité Consultivo para a criação dos órgãos municipais forem escolhidos por eleição directa (uma pessoa, um voto), reforçaremos a fidelidade de Macau à Lei Básica e garantiremos estabilidade a longo prazo.
Quando o actual vice-presidente da China, Wang Qishan, era ainda vice-primeiro ministro do Conselho de Estado, recomendou um livro intitulado “O Antigo Regime e a Revolução”. O livro foi escrito pelo politico francês Alexis-Charles-Henri Clérel de Tocqueville, e apresenta uma análise crítica das causas da Revolução Francesa (1789). A insurreição que desencadeou a revolução surgiu de forma espontânea, sem uma frente organizada. Foi um enorme movimento social impulsionado pelos “Estados Gerais”, que pretenderam solucionar a crise económica que a França atravessava. Perante esta crise, desencadeada pelo Rei Luis XVI, o terceiro estado (burguesia, pequeno clero e povo), reagiu, durante a Assembleia dos Estados Gerais, com um movimento que ficou conhecido como “O Juramento do Jogo da Péla”. O objectivo era criar uma constituição que limitasse os poderes do rei. Este acontecimento, num país sem equilibrio entre os diversos estratos sociais, fez tremer a sociedade enquanto um todo e deu lugar a “ tumultos sem precedentes e a um terrível caos.”
Wang Qishan compreende que a reforma do antigo regime seja acompanhada por uma crise. Eu acredito que a chave para eliminar a crise é a manutenção do “equilíbrio.” No entanto, perante a situação política actual e as disposições do Governo da RAEM, temo que a concentração excessiva de poder possa vir a provocar o “desiquilíbrio social”.
O Governo da RAEM criou uma enorme quantidade de corpos consultivos. Se estes orgãos conseguirem maximizar as suas funções, será sem dúvida benéfico para a actual administração. No entanto, a recente revisão da Lei do Trânsito Rodoviário e a construção do crematório Sa Kong, na Taipa, foram muito criticadas pela opinião pública. Para além de estar mal preparado para organizar uma consulta pública, o Governo da RAEM não reuniu um número suficiente de pareceres junto das autoridades competentes nestas matérias.
A situação actual pode descrever-se desta maneira: o Governo da RAEM vela pelos interesses dos “patriotas muito devotados a Macau”. Mas, mal surge um problema, as alianças formam-se em torno dos interesses individuais. As políticas governamentais têm sido repetidamente canceladas ou “postas na prateleira”, provocando um decréscimo da credibilidade do executivo. Se não houver representação dos diversos sectores sociais nos futuros órgãos municipais de Macau, é expectável que entraves semelhantes surjam durante o seu processso de implementação.
Depois de 20 anos volvidos sobre o regresso de Macau à soberania chinesa, tanto o território como a China passaram por processos de mudança, sendo certo que a China continental sofreu as maiores alterações. Na situação actual, sobretudo quando o Executivo da RAEM vai ser substituido dentro de 16 meses, a única forma de manter o “equilíbrio social” é assegurar a participação de todos os sectores da sociedade.
Desde a eleição da Assembleia Legislativa, em 2017, que Macau não tem tido um momento de paz devido aos vários problemas que se têm sucedido. Parece ter chegado a hora de parar com as divergências e de repensar a forma de reunir esforços em prol do bem comum. O desenvolvimento da nossa sociedade depende da participação de todos os cidadãos sob a liderança do Governo da RAEM. Os direitos e deveres de cada pessoa e de cada organização devem ser equilibrados de forma a podermos ter “opinião pública” e “democracia” em vez de nos ficarmos pelo “populismo” e pelos “votos.”

29 Jun 2018