Uma pergunta controversa

[dropcap]D[/dropcap]epois do regresso de Macau à soberania chinesa, tem sido realizada todos os anos uma exposição de fotos do “Incidente de 4 de Junho”, nesta data. Mas, este ano por causa da covid-19, o Instituto para os Assuntos Municipais e alguns membros do Governo não aprovaram a mostra. O organizador do evento não apresentou recurso contra a decisão. Será que esta atitude marca o fim do progresso democrático em Macau? Mas em Hong Kong, a situação é ainda mais devastadora, como se pode verificar pelos seguintes acontecimentos: a eleição do Presidente da Casa do Comité do Conselho Legislativo não obedeceu às regras de procedimento; a RTHK (Radio Television Hong Kong) teve de interromper a produção do programa “Headliner” e apresentou desculpas a todos os agentes da polícia que se possam ter sentido ofendidos pelos seus conteúdos; uma pergunta do exame de História do Ensino Secundário levantou sérias preocupações na opinião pública. Tendo em conta a morte recente de Allen Lee Peng-fei, industrial, veterano da política e comentador, irá Hong Kong cumprir a sua missão histórica a curto prazo?

Quando estudamos História, devemos compreender os factos e aprender as lições que ela nos ensina, ou devemos aprender a ser politicamente correctos e subservientes? Há quem afirme que a História é escrita pelos vencedores e que os livros didácticos se limitam a estandartizar as respostas para que os alunos as memorizem mais facilmente. Mas isso não é rigoroso. Para além dos livros didácticos, existem inúmeros outros que se podem consultar. Os vencedores só registam o que os pode enaltecer. Mas existem muitos outros registos escritos e orais que os vencedores não conseguem controlar. Por causa desta incapacidade de controlo, o primeiro imperador da Dinastia Qin, Qin Shihuang, ordenou “a queima de livros e o sepultamento de intelectuais”; a Dinastia Qing implementou a “inquisição literária”, mas existiram muitos movimentos políticos na história moderna da China. Embora muitos intelectuais e historiadores tenham sido executados, os factos e a verdade não podem ser ocultados.

Mas voltemos à pergunta do exame de História do Secundário (HKDSE) que desencadeou muitas críticas e ataques em Hong Kong. Algumas pessoas afirmaram que a pergunta era tendenciosa, que “embelezava” a invasão japonesa da China e que ofendia seriamente os sentimentos e a dignidade dos chineses que sofreram imenso durante esta invasão. Estas acusações pareciam reunir em si todos as técnicas usadas durante a Revolução Cultural, no apogeu da “luta de classes”.

Na realidade, a pergunta que tanta controvérsia desencadeou era uma pergunta de desenvolvimento que requeria análise, um tipo de pergunta que aparece frequentemente nos exames. Pretendia testar a capacidade dos alunos para analisar o texto proposto, e não a sua concordância ou discordância, e também testar os seus conhecimentos da história desse período. A pergunta era formulada da seguinte maneira, “O Japão foi mais benéfico do que prejudicial para a China no período de 1900-45. Concordas? Justifica a tua resposta fazendo referência a [dois textos incluídos] e recorrendo ao teu próprio conhecimento.” Era suposto os estudantes fazerem uso do pensamento crítico para responderem à pergunta.

De uma forma geral, a não ser que o estudante fosse apoiante incondicional do militarismo japonês, ou um autómato que apenas lesse as perguntas e respondesse sem pensar, a resposta deverá ter sido “discordo”.

Os dois textos de apoio só incluiam documentos do período compreendido entre 1905 e 1912, não mencionando a invasão japonesa que decorreu entre 1931 e 1945. A intenção do examinador deve ter sido deixar esse período (1931 a 1945) à consideração dos estudantes, para que pudessem exprimir livremente as suas opiniões, e para que dessa forma os seus conhecimentos pudessem ser avaliados. A maior parte dos estudantes respondeu, “discordo”, na medida em que possuem bons conhecimentos sobre o período da invasão japonesa da China.

Alguns membros do Governo de Hong Kong criticaram esta pergunta porque a consideraram “politicamente incorrecta”, o que só demonstra falta de profissionalismo e autismo em relação às opiniões dos peritos. Os principais alvos das críticas são os professors que conceberam a pergunta e os que a avaliaram. Dois membros da Autoridade de Avaliação e Exames de Hong Kong demitiram-se devido a estas críticas. Algumas pessoas exigiram que a pontuação da pergunta fosse excluída da avaliação final do exame, o que é muito injusto para os estudantes, já que esta questão apenas põe à consideração os conceitos de “bem e mal” para quem tiver pensamento crítico.

Hoje em dia, a Autoridade de Avaliação e Exames de Hong Kong possui um processo rigoroso de verificação da formulação e dos conteúdos das perguntas dos exames públicos, no qual participam muitos profissionais. Por isso, pergunto-me qual teria sido a intenção destes profissionais ao aprovarem esta pergunta, que tanta polémica desencadeou. Além disso, cada pergunta vem acompanhada de um guia de classificação, que serve à avaliação dos revisores. Desta forma, não teria sido difícil aperceberem-se de que esta pergunta poderia ser considerada uma ofensa à dignidade do povo chinês. Se tivéssemos visto o guia de classificação da resposta, e estivesse lá assinalado “concordo” como resposta correcta, isso seria uma prova de que tinha havido intenção de ofender.

Quando interpretamos tudo politicamente, podemos ver problemas em toda a parte. Não é o colapso da educação que destrói um país, mas sim as pessoas que provocam o colapso da educação.

22 Mai 2020

Tradição, alicerce do patriotismo

[dropcap]O[/dropcap] debate das Linhas de Acção Governativa das cinco áreas principais de trabalho foi concluído a 6 de Maio na Assembleia Legislativa. A única vantagem de se ter abreviado a discussão, inicialmente agendada para dois dias e efectuada em apenas um, foi a possibilidade de os deputados terem ido para casa mais cedo. Quem acompanhou a discussão na comunicação social concordará que os ditos “debates” se resumiram a uma sessão de perguntas colocadas pelos deputados aos membros do Governo, ou melhor, a uma demonstração de apreço dos deputados pelo Governo. A forma como os legisladores e os membros do Governo interagiram fazia lembrar uma partida de ténis de mesa, com a bola a ser atirada com regularidade de um lado para o outro. Os deputados faziam o serviço, mas a vantagem era sempre dos membros do Governo. Se a estrutura da Assembleia Legislativa se mantiver, a qualidade interventiva dos deputados não vai melhorar, e desta forma nunca será possível monitorizar o desempenho do Executivo. Por exemplo, quando um deputado interpelou o Governo sobre a demora na construção do novo Estabelecimento Prisional de Macau (EPM) em Coloane e sobre os elevados custos envolvidos, o assunto foi evitado e teve como resposta uma vaga alusão a uma suposta monitorização do projecto. Só num sítio tão especial como Macau este tipo de coisas pode acontecer. Fica a pergunta por responder, quem é o verdadeiro responsável pelo atraso na conclusão do novo EPM?

Não tenho a certeza se o Governo se sente ameaçado com a luta pela liberdade e pela democracia na região vizinha. Mas alguns membros do Governo sentem que Macau se tornou cada vez menos seguro após o regresso à soberania chinesa e que passou a ser uma séria ameaça à segurança nacional. É por isso que foram instalados mais “Olhos no Céu” (“Sistema de Videovigilância em Espaços Públicos” em toda a cidade.

Depois de a “Lei relativa à Defesa da Segurança do Estado” ter sido implementada, foi criado um grupo de trabalho interdepartamental para assegurar o cumprimento desta lei, e foi igualmente criado um conjunto de leis e regulamentos complementares com a finalidade de transformar Macau numa cidade patriótica e inteligente.

Poderão os “Olhos no Céu”, as “super bases de dados” e os diversas “quadros legais” garantir a segurança nacional? A resposta é um redondo NÃO. Algumas pessoas propuseram a introdução da “educação patriótica” e a criação de uma base de educação do amor à pátria e amor a Macau. Macau é efectivamente um local repleto de História. Durante o final da Dinastia Qing, o mercador Zheng Guanying (a sua família residia em Macau há já várias gerações) escreveu um livro intitulado “Advertências em Tempos de Prosperidade”, que se compunha de avisos à corte Qing. O Dr. Sun Yat-sen, no regresso a casa após uma temporada a estudar no estrangeiro, utilizou Hong Kong e Macau como bases revolucionárias para planear o fim da governação Qing. Mesmo o General Ye Ting, que se juntou ao Kuomintang e posteriormente ao Partido Comunista, chegou a residir em Macau.

Karl Marx era um judeu alemão. Durante a sua vida, Israel ainda não era reconhecido como um país. Baidu Baike afirmou que Karl Marx não tinha nacionalidade. Adolf Hitler, Hideki Tojo e Mussolini, defenderam respectivamente o pan-Germanismo, a Esfera de Co-prosperidade da Grande Ásia Oriental e a restauração da glória do Império Romano. Acreditavam todos na “educação patriótica” que, em última análise, se virou contra os seus próprios países. Para conhecermos o nosso verdadeiro patriotismo, temos de entender a cultura tradicional chinesa.

O pensador Confusionista Mencius defendia que o bem-estar do povo se sobrepõe ao bem-estar do país e só aqueles que recebem o apoio popular estão em posição de poder governar. Analisando a rebelião popular para derrubar a Dinastia Shang e matar o rei, Mencius advogava a morte dos tiranos cruéis e não a morte do rei. Quando comparada com as teorias da era moderna, a tese de Mencius da “supremacia dos direitos do povo”, que já existia antes da “Teoria do Governo” de John Locke, revela-se muito mais avançada do que a “Declaração de Independência” dos Estados Unidos.

Mencius foi uma figura profética, um verdadeiro patriota e um homem de estado, deliberadamente ignorado pelos sucessivos monarcas chineses. As suas palavras e os seus feitos merecem ser estudados nas escolas e integrar os conteúdos de uma verdadeira educação patriótica.

8 Mai 2020

Ser ou não ser um homem de Estado

[dropcap]O[/dropcap] Chefe do Executivo Ho Iat Seng deu uma conferência de imprensa sobre os conteúdos das Linhas de Acção Governativa para o ano financeiro de 2020. Quando interrogado sobre a forma de restaurar a confiança em Macau durante a pandemia, afirmou que não é um homem de estado, mas apenas o Chefe do Executivo de Macau, e adiantou que existem muitos homens de estado altamente respeitados em todo o mundo, e que até agora nenhum deles foi capaz de delinear com clareza um plano para restaurar a normalidade nos seus respectivos países.

De acordo com o Capítulo IV sobre “Estrutura Política” da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, “O Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau é o dirigente máximo da Região Administrativa Especial de Macau e representa a Região…. o Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável, nos termos desta Lei, perante o Governo Popular Central e a Região Administrativa Especial de Macau”. Mas que tipo de pessoa não é adequada para este cargo?

Hoje em dia existem muitos políticos por esse mundo fora que são defensores do populismo e do nacionalismo, movimentos esses que, de alguma forma, são responsáveis pela situação caótica que vivemos.

Os verdadeiros homens de estado, são uma espécie em vias de extinção, porque na verdade muitos deles foram perseguidos ou assassinados antes de chegarem ao poder. Na minha opinião, o Presidente dos Estados Unidos George Washington, Giuseppe Garibaldi de Itália, Gandhi da Índia e Sun Yat-sen da China podem ser considerados verdadeiros homens de estado. O critério que uso para assim os julgar assenta numa actuação política virada para o bem comum e não para a obtenção de quaisquer ganhos pessoais.

O cargo de Chefe do Executivo não tem de ser entregue a um homem de estado. O poder de escolha do Chefe do Executivo está na mão dos eleitores, e as consequências dessa decisão recaem sobre a população em geral. Do meu ponto de vista, a Chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, parece ser uma funcionária admnistrativa sénior que executa fielmente as ordens recebidas dos seus superiores, enquanto Ho Iat Seng se apresenta como um empresário, altamente influenciado pelos ambientes a que foi exposto durante a sua formação.

Após ter feito a apresentação das “Linhas de Acção Governativa para o ano financeiro de 2020” na Assembleia Legislativa e respondido às questões colocadas pelos jornalistas e pelos deputados, o lado empresarial de Ho Iat Seng saltou à vista. É possível que ele venha a administrar Macau como administraria uma empresa, e não há dúvida que teve um bom desempenho no combate à epidemia. Provavelmente esta característica não será má para Macau, que deseja sempre estabilidade absoluta.

Durante a sessão de perguntas e resposta sobre as “Linhas de Acção Governativa”, ficou claro que a reforma da estrutura política da RAEM não está para breve e que nem sequer se consegue divisar a data da sua concretização. Os residentes estão mais preocupados com os problemas de habitação, mas para evitar uma equitatividade negativa, os preços elevados não vão desaparecer a curto prazo. A recuperação da economia local depende inteiramente da China, da reactivação da política de “Vistos Individuais” e da submissão da Direcção dos Serviços de Turismo à jurisdição do Secretário para a Economia e Finanças. Estes indicadores serão sinais explícitos da necessidade de reactivação económica.

Embora Ho Iat Seng não seja um homem de estado, tem de cumprir algumas obrigações políticas como Chefe do Executivo. A primeira será assegurar que Macau nunca representará uma ameaça à segurança nacional. Nessa sequência, uma série de regulamentos que sustentam a “Lei relativa à defesa da segurança do Estado” serão progressivamente introduzidos. A monitorização geral do “Sistema de Videovigilância em Espaços Públicos” (vulgarmente conhecido por Sistema “Olhos no Céu”) e a monitorização de redes terão de ser gradualmente aperfeiçoadas, para que as forças de segurança identifiquem imediatamente quem pode ter a “oportunidade” de pôr em risco a segurança nacional. Sobre o desenvolvimento de um relacionamento mais próximo entre Macau e a Zona de Hengqin, previsto no plano da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, Ho Iat Seng manifestou publicamente, durante a eleição para Chefe do Executivo, um grande empenho na sua implementação. No entanto, temo que o verdadeiro plano de quem está no poder será fundir Macau e Hengqin numa zona única durante os próximos 30 anos.

As “Linhas de Acção Governativa” também revelam o plano para a construção de “uma base de ensino do Amor à Pátria e a Macau” que incluem acções como exposições, formação, mostra de multimédia e de audio-visuais. Contempla ainda trabalho conjunto com o Ministério de Estado para a Educação, para dar início ao “Plano de Formação de Docentes de Excelência”. Este plano também envolve o Ministério da Educação da China e destina-se a preparar, nos próximos dez anos, mil elementos do pessoal docente dotado de conceitos educativos e técnicas pedagógicas avançados, cujos destinatários do primeiro ano serão os docentes do ensino infantil e da disciplina de História.

E porque estará a ser dada prioridade aos “docentes do ensino infantil e da disciplina de História”? Provavelmente só um homem de estado pode responder a esta pergunta.

24 Abr 2020

O mais alto responsável

[dropcap]O[/dropcap] antigo mayor de Nova Iorque, Michael Bloomberg, anunciou que se retiraria da corrida a representante do Partido Democrata nas Presidenciais deste ano, por falta de apoio entre os membros do Partido. Esta decisão foi tomada depois de ter gasto mais de 600 milhões de dólares na campanha. O que será que torna o poder tão apelativo? Será uma questão de promoção pessoal ou a vontade de servir o povo? São duas possibilidades. Mas se os politicos não tiverem cuidado, assumir um alto cargo pode, em última análise, conduzi-los ao descrédito e à ruína das suas carreiras públicas.

Prefiro designar aqueles que se encontram à frente de um país ou de uma região como “o mais alto responsável”, por me parecer a forma mais apropriada. Demasiadas pessoas receberam ao longo da História o epíteto de “grande líder”, no entanto a maioria acabou por não realizar nada de verdadeiramente “grande”.

Também não será muito apropriado apelidá-los de “líderes supremos”, já que a incompetente liderança de alguns causou a sua própria morte. Designar aqueles que ocupam o mais alto cargo político como “responsável máximo” é uma forma de lhes conferir o sentido de responsabilidade. Os políticos têm de ser responsáveis por todas as suas acções. Se não querem assumir essa responsabilidade, então porque é que se dão ao trabalho de encetar uma carreira política?

A epidemia de covid-19, que teve início em Wuhan, na China, já se espalhou por todo o globo. É um novo coronavírus com características semelhantes à gripe e ao vírus da SARS (Síndrome Respiratório Agudo Grave). Este novo surto tem feito mergulhar muitos governos no caos e representa um desafio às capacidades governativas do “responsável máximo” de cada país e de cada região, particularmente para os governos da China, de Taiwan, Hong Kong e Macau.

Tsai Ing-Wen, a actual “responsável máxima” de Taiwan, que ganhou a eleição presidencial a 11de Janeiro último, teve de enfentar a crise da covid-19 pouco depois da sua reeleição. As lojas e as escolas continuam a funcionar embora o Governo tenha impedido os estrangeiros de entrar no país. Apesar de a sociedade ainda estar a funcionar, a prevenção e o controlo da doença em Taiwan têm sido bastante eficazes, registando-se até à data apenas 200 casos confirmados. Este facto demonstra que as medidas adoptadas têm sido correctas, apesar do arrefecimento das relações com a China ter causado uma quebra no turismo, o que em certa medida tem ajudado a manter o baixo número de infectados. Tsai Ing-Wen e o seu braço direito Chen Shih-chung, têm dado provas de idoneidade e de responsabilidade.

Por outro lado, na RAE de Macau, o desempenho de Ho lat-seng tem sido amplamente apreciado pela população. No discurso que proferiu há poucos dias, explicou que, depois de bem informado, podia tomar medidas decisivas e rápidas, como ficou provado pelas acções atempadas que tomou para evitar a propagação do vírus. O encerramento temporário dos casinos e de todas as salas de espectáculo evitou a contaminação comunitária da covid-19 e beneficiou a população. Estas medidas deixaram os opositores

Ho lat-seng sem argumentos para o criticar. Com as reservas que Macau acumulou nos últimos 20 anos, Ho lat-seng pôde gerir a situação sem ter de abrir as portas e fazer entrar pessoas infectadas da China, e ainda conseguiu fazer regressar a casa os residentes que estavam no estrangeiro. No primeiro teste a que foi submetido após assumir o cargo, Ho lat-seng passou com nota elevada. Agora, o outro desafio que tem pela frente, é a recuperação económica no período pós-epidemia. Para isso, é preciso esperar que a China retome o regime dos “Vistos Individuais” para os continentais que queiram visitar Macau, o que significa que a retoma depende dos turistas vindos da China. No cômputo geral, Ho lat-seng tem evidenciado claramente estar à altura das responsabilidades do seu cargo.

A “mais alta responsável” de Hong Kong é Carrie Lam, que possui uma personalidade particular. Cada acção que empreende, embora bem intencionada, tem-se revelado contra prudecente. Por exemplo, durante a agitação criada pelo” Movimento Contra a Lei de Extradição”, que até hoje ainda não se encontra completamente solucionada, Carrie Lam recorreu à estratégia do “uso da força para combater a violência e prender agitadores para parar o caos”. Esta estratégia só fez com que a violência e as prisões fossem aumentando, tendo sido detidos diariamente inúmeros jovens. Com Hong Kong ainda mal recuperado deste período conturbado, os esforços de Carrie Lam para impedir a propagação da covid-19, tentando impôr aos outros as suas convicções pessoais, não tiveram bom resultado. Quando se impede os bares de vender alcoól, não é normal que passem a vender outras bebidas? Esta decisão de Carrie Lam foi muito pior do que determinar o encerramento temporário dos bares. A forma como o Governo continua a lidar com a compensação económica das pessoas afectadas por esta crise não é a melhor, a distribuição de 10.000 HKD pelos residentes não vai remediar a situação. Hong Kong tem mais casos confirmados de covid-19 do que Taiwan e do que Macau, mas o Governo fechou as portas aos residentes destas duas regiões, de forma a transferir a sua responsabildade para os outros, mas acreditando que está a cumprir a sua missão. Carrie Lam, como “responsável máxima” de Hong Kong, poderá tornar-se na “maior devedora” e o momento da “liquidação” está a chegar.

Wuhan foi a primeira cidade da China a ser posta em isolamento devido ao surto de covid-19, e Hubei a província onde se registou o maior número de casos a nível nacional. O sacrifício imposto a Wuhan e a Hubei salvou efectivamente o país, mas o que é que os responsáveis fizeram nos dez dias que mediaram entre a declaração do primeiro caso e a implementação das medidas de isolamento? Ainda continua a faltar uma resposta a esta pergunta. E só encontrando a resposta e a verdade podemos ficar a saber quem é realmente responsável.

Tornar-se o “mais alto responsável” é o sonho de muitos políticos. Mas aqueles a quem falta capacidade, sabedoria, personalidade forte e ideais sólidos, apenas estão a ir ao encontro de dificuldades. E o pior de tudo é que irão partilhar essas dificuldades com os outros.

27 Mar 2020

Castelos na areia

[dropcap]S[/dropcap]e construirmos um castelo de areia na praia, mal a maré sobe, ele desaparece. Mas se o construirmos longe da praia o destino será o mesmo, o vento e a chuva acabam por demoli-lo, porque construções sem alicerces não perduram.

O surto do novo coronavírus em Wuhan não foi acidental, mas sim inevitável. Os seres humanos não têm respeitado a Natureza e o alcance e a escala da engenharia bioquímica não têm parado de crescer. Quando os homens usam os vírus como instrumentos para gerar dinheiro, mas acabam por deixá-los escapar ao seu controlo, o resultado pode ser comparado a um caudal de água que irrompe por uma barragem danificada.

As principais vítimas da inundação serão sempre os pobres que habitam as margens das albufeiras.
Terá havido pessoas que se aperceberam da crise que nos esperava? Claro que sim! A questão é que estes pequenos grupos de pessoas conscientes, que ousaram falar desta crise, foram silenciadas porque estavam a comprometer os interesses dos monopólios. Há quem opte por orbitar em torno do poder para obter benefícios. Mas existem muitos mais que, em troca do seu silêncio, recebem uma vida sem preocupações.

Estas pessoas adormecem a consciência com prazeres materiais. Em vez de apoiarem quem pretende expor a verdade, fazem os possíveis para os travar, de forma a que os seus “belos sonhos” não sejam desfeitos. Na maior parte dos casos, as pessoas preferem ignorar a realidade.

As razões que desencadearam as tragédias relatadas em filmes como o “Titanic” ou “A Torre do Inferno” voltam a estar presentes no surto do novo coronavírus em Wuhan. Quem foram os responsáveis pelo afundamento do Titanic? A quem se ficou a dever a culpa do incêndio do edifício mais alto do mundo?

Aqueles que procuraram descobrir a verdade por trás destas tragédias foram interrogados e torturados!
Por norma, as pessoas preferem ignorar a opinião dos peritos e de quem trabalha directamente no terreno, no entanto, poderiam dar uma vista de olhos em livros como: “O Cisne Negro: o Impacto do altamente Improvável”, “O Rinoceronte Cinzento” e “Os Vinte Anos Perdidos”. Ao menos os autores destes livros não têm relações com o poder político nem com o poder económico. Desde que se deu a crise financeira em 2009, o mundo inteiro tem vivido numa bolha económica, alimentada por empréstimos a baixo juro e por uma política monetária facilitista. Os Governos estão constantemente focados no aumento do PIB e nos indicadores de crescimento económico. Quando a bolha económica rebenta, volta tudo à estaca zero. Desta vez a culpa cai em cima dos morcegos e não onde devia cair, nos manipuladores que actuam nos bastidores!

Após quarenta anos de reformas e de abertura ao exterior, o crescimento económico da China é tão avassalador, que os lucros gerados podem soterrar a Humanidade inteira. A economia dispara, mas as reformas políticas estão congeladas. No entanto, quanto mais desenvolvida está a economia, mais perto está o país do caminho que conduz à crise. Costuma descrever-se a relação entre a China e Macau como uma “relação de sangue”, mas quando a qualidade do sangue está comprometida, o receptor sofre as consequências.

O segredo para evitar o colapso do castelo de areia, não está no silenciamento de quem quer manifestar as suas opiniões, mas sim no recurso urgente à democracia e à ciência, como meios para consolidar as fundações do castelo e para criar um país constitucional capaz de, com resiliência, fazer frente às adversidades. No cenário da epidemia do novo coronavírus, Macau vive presentemente um momento de tranquilidade. Será esta a altura ideal para o Governo da RAEM considerar a apresentação de um plano para demolir o castelo de areia contido na Agenda Política a levar em Abril à Assembleia e fazer de Macau um paraíso de lazer e um verdadeiro destino turístico?

13 Mar 2020

Epidemia

[dropcap]D[/dropcap]esde o aparecimento do surto do novo coronavírus em Wuhan, continua a ser difícil conter a propagação da epidemia. Em muitos países já se registaram casos de infecção, que confirmam a possibilidade de uma epidemia a nível mundial. Para já, é difícil prever quando é que a situação pode vir a ficar sob controle, nem mesmo Tedros Adhanom Ghebreyesus, Director Geral da Organização Mundial de Saúde, que se tem mostrado optimista, consegue adiantar uma data.

No momento em que escrevo este artigo, estão confirmados cerca de 80.000 casos na China continental e já se registaram perto de 3.000 mortes. Os média têm transmitido vídeo-clips com cenas comoventes e inúmeras histórias trágicas.

Em Macau, o Governo tem sabido tirar partido do modelo “Um País, Dois Sistemas”. Numa cidade privada de recursos naturais e de tecnologia avançada, tem sido possível encontrar um caminho para garantir a saúde da população. No entanto, o surto do novo coronavírus em Wuhan, fez vir à luz do dia os pontos fracos de Macau. Com os casinos temporariamente fechados e a política de “Vistos Individuais” suspensa, o número de turistas desceu drásticamente. Os locais turísticos estão agora praticamente vazios, fazendo lembrar o panorama que se vivia há trinta anos. Quem é que disse que o desenvolvimento de Macau já não poderia voltar atrás? Uma epidemia pode reverter todo o progresso obtido nas últimas décadas.

Face à adversidade, o novo Governo da RAEM tem feito tudo o que está ao seu alcance para conter a epidemia, e as medidas de controle e prevenção que foram tomadas revelaram-se mais eficazes do que as acções desenvolvidas em Hong Kong. Sem os milhares de turistas que normalmente a visitam, a cidade tem um ar fantasmagórico. Até que se declare o fim da epidemia, mesmo que os casinos retomem a sua actividade, os efeitos nefastos provocados na economia de Macau não poderão ser revertidos. Embora as verbas que o Governo está a investir possam garantir o funcionamento da cidade por mais algum tempo, como é que as pessoas vão conseguir manter o seu estilo de vida num clima de recessão económica, com a indústria do jogo seriamente afectada? Se a população de Macau passar a depender das verbas do Governo para garantir a sua subsistência, a cidade vai perder autonomia. Mesmo que Macau consiga ultrapassar os efeitos do surto deste novo coronavírus, ficará numa posição muito mais difícil se voltar a ser atingido por outra epidemia.

Muitas pessoas acreditam que a brutalidade com se espalhou este novo coronavírus em Wuhan se ficou a dever a falhas de informação e à ineficácia na implementação de medidas de contenção da infecção, o que fez com que as autoridades tivessem deixado escapar a altura certa para conter o surto e impedi-lo de se tornar epidémico. Mas os surtos no Japão e na Coreia não se deveram a falta de informação. A negligência humana e os erros institucionais podem ter efeitos mais devastadores do que os desastres naturais, e podem criar as condições para o surgimento de uma nova epidemia.

Na sua obra, “A Terceira Vaga: A Democratização nos Finais do Séc. XX”, Samuel P. Huntington assinala que não se pode afirmar que venha a haver uma quarta vaga de democratização no séc. XXI. A julgar pelos acontecimentos do passado, os dois factores chave que influenciarão a expansão da democracia no futuro serão o desenvolvimento económico e a liderança política.

O surto do novo coronavirus é um sério revés para a economia da China continental, quebrando as suas cadeias de produção global e fazendo disparar os alertas vermelhos da recessão. Quanto à cena política, da qual constam em termos imediatos; a próxima convenção da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, o desenvolvimento político de Hong Kong e de Taiwan, a eleição do sucessor de Najib Razak, para Primeiro-Ministro da Malásia, as eleições presidenciais nos EUA e o Brexit, as falhas e os maus procedimentos cometidos por cada um destes líderes resultarão numa nova epidemia de grande magnitude.

Perante a aproximação de uma epidemia, para além de confiar na protecção do Governo, a população deve sobretudo reconquistar um papel primordial no desenvolvimento económico e no domínio da situação política!

28 Fev 2020

O ano do silêncio

[dropcap]D[/dropcap]urante a alvorada do Ano Novo chinês, o surto de pneumonia provocada pelo novo coronavírus em Wuhan alastrou-se a todo o país. Embora Macau não tenha fechado as fronteiras, o Governo da RAEM pede aos cidadãos que permaneçam em casa e que saiam apenas se for estritamente necessário.

As escolas estão encerradas, os departamentos oficiais reajustaram os horários de serviço, os casinos, os locais de entretenimento público e os recintos desportivos fecharam as portas e a única opção que resta aos residentes é ficar em casa.

A cidade tornou-se silenciosa; as Ruínas de São Paulo, normalmente habitadas por multidões ruidosas, estão agora em silêncio. Tenho estado em casa, onde passo a maior parte do tempo a navegar online e a acompanhar a par e passo as notícias relacionadas com a evolução da pneumonia. Tem surgido uma grande quantidade de video-clips e de publicações onde as pessoas manifestam a sua preocupação com a situação actual. Entre eles, houve um que me impressionou particularmente. Tem o título “Um Ano Novo muito silencioso” que nem sequer foi muito divulgado pelos média.

O video-clip, que tem a duração de quatro minutos, é narrado por alguém cuja voz imita a do Presidente Xi Jinping. Quando ouvi a frase “este Ano Novo chinês está muito silencioso” proferida numa voz familiar, admirei o talento do narrador. Para além de imitar a voz do Presidente, a mensagem é muito específica, repleta de palavras inspiradoras e de confiança na capacidade de vencermos a epidemia. Finalmente fala-nos de esperança, lembrando que “depois da tempestade vem a bonança”.

Mas será que a bonança vai chegar? Segundo as palavras de Zhong Nanshan, um consultor sénior chinês da área de saúde, vai levar pelo menos alguns meses até que isso aconteça. Até lá, para revitalizar a economia teremos de enfrentar enormes desafios. No entanto, se a causa do surto deste novo coronavírus não for identificada, outra tragédia, semelhante à que foi provocada pela Síndrome Severa Aguda Grave (SARS- sigla em inglês), será inevitável. O médico Li Wenliang, que alertou para a possibilidade desta epidemia se transformar numa ameaça semelhante à SARS, declarou que “revelar a verdade é mais importante do que reivindicá-la”. Li Wenliang veio a falecer, vítima deste novo vírus e a sua morte despertou a inquietação do público face à autodenominada transparência do Governo.

Num país repleto de câmaras de vigilância e de tecnologias sofisticadas de reconhecimento facial, os criminosos não têm onde se esconder. Além disso, o sistema de controlo fiscal implementado pelo Governo chinês expõe facilmente quem comete fraudes, sem, contudo, ser capaz de detectar os negócios ilegais que decorrem no Mercado de Mariscos de Huanan em Wuhan, e localizar a origem deste novo vírus de forma a controlar a sua propagação. No entanto empenha-se em manter sob vigilância quem dá os alertas. Não será esta uma questão a ponderar?

Independentemente de quaisquer considerações, a Província de Guangdong é a zona do país onde se consome mais carne de animais selvagens e o surto de SARS em 2003 foi também aí que surgiu. Macau tem uma “caverna de morcegos” em Ka-Ho na área de Coloane, onde se aloja uma vasta população destes animais, mas nunca aconteceu nada deste género na cidade. Diz-se que o surto desta pneumonia em Wuhan está relacionado com os morcegos, mas eu acredito que está muito mais dependente dos comportamentos humanos.

Passaram-se quarenta anos desde que Deng Xiaoping iniciou as reformas e abriu a China ao resto do mundo. A China, o gigante adormecido, acordou e fortaleceu-se. O plano original implicava o desenvolvimento da economia e do sistema político. No entanto, a concentração no desenvolvimento económico e a negligência em relação às reformas políticas originou inevitavelmente uma série de problemas.

O Dr. Li Wenliang lembrou ao povo chinês que uma sociedade saudável não pode ser dominada por “certos vícios”. Este novo ano, tão terrivelmente silencioso, dá-nos oportunidade de reflectir sobre a raiz dos problemas.

14 Fev 2020

Baptismo de fogo

[dropcap]Q[/dropcap]uando Ho Iat Seng se candidatou ao cargo de Chefe do Executivo de Macau, perguntaram-lhe por que motivo queria trocar a presidência da Assembleia Legislativa pela liderança do Governo da RAEM, optando pelo sistema executivo. Ele respondeu que não fugia de uma “casa em chamas”.

De facto, a “casa em chamas” com que o Chefe do Executivo tem de lidar não está só a arder (tem de enfrentar muitos problemas sociais), como também está muito desarrumada, na medida em que o fogo não foi combatido durante os últimos 20 anos (existem muitas práticas malsãs de longa data nos departamentos administrativos) e a casa em si tem falta de espaço (com estruturas que se sobrepõem umas às outras e um número de funcionários que excede em muito o necessário).

Com uma experiência de uma década na Assembleia Legislativa e como ex-membro do Conselho Executivo, Ho Iat Seng deve ter plena consciência do estado da “casa em chamas”. Está também ciente de que a liberalização da indústria do jogo promovida por Edmund Ho transformou a cidade num dos centros de lazer mais famosos do mundo, após Macau ter falhado na renovação das suas infra-estruturas económicas. Mas a corrupção brotou deste súbito crescimento económico, como se pode verificar no caso da prisão de Ao Man Long, o primeiro secretário para os Transportes e Obras Públicas da RAEM, considerado culpado das acusações de suborno e de lavagem de dinheiro. Durante os dez anos da administração de Chui Sai On, Macau registou um salto económico brutal que também derivou do enorme desenvolvimento da China. Na Era Chui, desde que os processos administrativos fossem decorrendo suavemente e sem sobressaltos, e com a total cooperação das maiores organizações e associações, o Governo tinha reservas financeiras suficientes para distribuir todos os anos dinheiro pelos residentes e para pagar as custas crescentes do recrutamento exponencial de funcionários públicos, apesar das boas intenções para alcançar “uma boa governação à base da racionalização de quadros e simplificação administrativa”. Contudo, ao longo desses dez anos, o procurador do Ministério Público, à altura, Ho Chio Meng, foi preso por crimes que incluiam fraude agravada e lavagem de dinheiro.

Ho Iat Seng é o actual Chefe do Executivo de Macau e os próximos cinco ou dez anos em que exercerá a governação serão cruciais e decisivos para definir o caminho que a cidade irá trilhar de futuro. Sendo há 20 anos membro do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional da China, Ho Iat Seng sabe que Macau possui importantes mais valias e que tem um papel específico a desempenhar na Zona da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. E, na medida em que o Governo Central atribuiu a Macau três grandes funções no quadro da Zona, não há tempo a perder. Por isso, desde que tomou posse, vemos Ho Iat Seng a fazer visitas surpresa a vários departamentos governamentais para inspeccionar o seu funcionamento. Esta actuação foi alvo de críticas por parte de alguns altos funcionários, que afirmam que pode provocar distúrbios no modus operandis da função pública, que até aqui tem proporcionado um ambiente de trabalho de paz e harmonia. Mas então, se tudo corre bem, porque é que os responsáveis têm medo das visitas surpresa do Chefe do Executivo?

Por este tipo de actuação, fica claro que Ho Iat Seng é uma pessoa que procura a verdade a partir dos factos. E, graças à sua forma de lidar com os acontecimentos, a resposta do Governo de Macau e as medidas que foram tomadas em relação à prevenção e controlo da propagação do novo coronavírus na cidade foram rápidas e positivas. Sob a sua liderança pragmática, todos os corpos governamentais, do topo até à base, deram provas de saber gerir a crise. Foi criado o Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus, foi assegurado o fornecimento de máscaras a todos os residentes, implementado o controlo das entradas e saídas de Macau, as escolas foram encerradas, os feriados prolongados e foram tomadas as medidas necessárias para evitar a propagação do vírus. Todos os procedimentos foram mais rápidos e eficazes do que em Hong Kong. Ho Iat Seng parece estar a aproveitar da melhor maneira os seus muitos anos de experiência e os contactos que estabeleceu como membro do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional da China. Conseguiu convidar o chefe do grupo de especialistas da Comissão Nacional de Higiene e Saúde, e membro da Academia Chinesa de Engenharia, Zhong Nanshan, para vir a Macau como conselheiro, e tem mantido uma comunicação próxima, garantindo a coordenação com o Governo Central e com o Governo do Povo da Província de Guangdong. Até agora, não existe pânico em Macau e as pessoas em geral estão satisfeitas com a forma como o Governo está a responder a esta crise. Não há dúvidas que Ho Iat Seng passou neste primeiro teste de fogo.

Passar o primeiro teste é um bom princípio. A próxima prova para Ho Iat Seng virá quando tiver que lidar com as consequências desta epidemia, como o declínio das receitas do jogo, os impactos negativos no turismo e no comércio, devido à drástica redução do número dos turistas provenientes da China que visitam Macau em regime de “Visto Individual”. Como revigorar a economia de Macau e a sua dependência de um sector único (o jogo) vai ser a próxima difícil prova que Ho Iat Seng terá de enfrentar.

4 Fev 2020

O efeito dos pardais de Hong Kong

[dropcap]E[/dropcap]m 1963, o metereologista americano Edward Norton Lorenz afirmou um dia que “quando uma borboleta bate as asas no Brasil pode provocar um tornado no Texas” para nos lembrar que pequenas mudanças num determinado lugar podem ter como consequência tremendas alterações num local distante. Estas declarações deram origem à expressão “efeito borboleta”.

Assim sendo, se o movimento das asas de uma borboleta pode ter grandes consequências, o que dizer do efeito provocado pela agitação continuada das asas de um pardal? O resultado das últimas eleições em Taiwan é a resposta a esta pergunta.

No início de Outubro de 2019, referi nesta coluna que, se os problemas sociais desencadeados pelo “Movimento contra a Lei de Extradição” em Hong Kong, não fossem solucionados o mais rapidamente possível e se o Governo continuasse a recorrer apenas às Forças de Segurança para controlar a violência e o caos, a China, como nação, iria ser lesada. A maior maldição que pesa sobre todos os historiadores é a sua capacidade de prever as consequências das situações e a sua impossibilidade de reverter os resultados. E isto porque, quem detém o poder só se preocupa com a defesa da sua dignidade pessoal, da sua posição e acredita que a História é escrita por si, ignorando os sentimentos e as opiniões do povo. As águas do mar podem ser suaves e calmas, mas quando se enfurecem, podem afundar um navio de centenas de toneladas. Aqueles que não conseguem aprender com a História, terão de aprender de outra forma.

Nos anos que se seguiram à fundação da República Popular da China, houve uma campanha para erradicar os pardais de todo o país, porque se acreditava que provocavam muita destruição. Esta campanha teve um sucesso sem precedentes, mas teve como consequência a multiplicação das pestes que atacavam as colheitas. Por este motivo pôs-se fim ao extremínio dos pardais. Veio a perceber-se que um pequeno pássaro como o pardal, tem um impacto muito grande na natureza.

O discurso do Presidente Xi Jinping dirigido a Taiwan no início de 2019, foi usado por alguns detractores do princípio “Um País, Dois Sistemas” para proferirem ataques verbais à China continental. Quando surgiu o “Movimento contra a Revisão da Lei de Extradição”, a forma como o Governo de Hong Kong lidou com os acontecimentos provocou ainda mais desconfiança em Taiwan. O slogan “Hoje em Hong Kong, Amanhã em Taiwan,” tornou-se a bandeira do Partido Democrático Progressista (PDP), que apela ao sentimento nacionalista. Cada lata de gás lacrimogéneo lançada, cada bala de borracha disparada pela polícia de Hong Kong, bem como cada manifestante preso, parece ter dado mais votos ao PDP, como se viu nas eleições de Taiwan. Os pardais (os manifestantes) não foram erradicados de Hong Kong, mas o Partido Nacionalista perdeu as eleições.

A famosa revista bi-semanal de Taiwan “Commonwealth”, publicou no passado dia a 31 de Dezembro, os resultados de uma sondagem que realizou a nível nacional. A sondagem demonstrou que mais de 60% dos inquiridos se consideram “Taiwaneses”, dos quais mais de 80%, têm idades compreendidas entre os 20 e os 29 anos. Mais de 60% dos inquiridos, com idades superiores a 40 anos, apoiam o status quo, mas cerca de 60% com menos de 30 anos são a favor da indepedência, e 90% dos inquiridos pensam que o princípio “Um País, Dois Sistemas” não é aplicável a Taiwan. Estes números reflectem o sentimento da sociedade de Taiwan antes das eleições da semana passada, e foram influenciados pelo “Movimento Contra a Revisão da Lei de Extradição” em Hong Kong. A resposta do Partido Nacionalista de Taiwan face aos acontecimentos de Hong Kong foi bastante débil, quando comparada com o apoio activo demonstrado aos manifestantes pelo PDP. Os eleitores de Taiwan, especialmente as gerações mais jovens, deram o seu voto ao PDP, porque consideram que “não foi contaminado pelos vermelhos”. Isso permitiu que Tsai Ing-wen tivesse sido reeleita Presidente. Algumas pessoas já fizeram comentários jocosos na internet, afirmando que a chefe do Eecutivo de Hong Kong, Carrie Lam, é a primeira pessoa a quem Tsai deveria agradecer, visto que Carrie a ajudou a “angariar” votos!

As eleições de 2018 e de 2020 em Taiwan revelam uma inflexão acentuada do eleitorado para o campo azul e para o campo verde, o que também demonstra que a ecologia política de Taiwan é muito instável. Qualquer movimento ao longo do Estreito tem um impacto incomensurável na situação política de Taiwan. O princípio “Um País, Dois Sistemas” e o estabelecimento do “Consenso 1992” pretendiam lançar as bases para uma reunificação pacífica da China. O modelo “Um país, Dois sistemas” aplicado em Hong Kong, assente na actuação de 30.000 agentes da polícia para travar as insurreições sociais não será certamente aceite pelos compatriotas de Taiwan, e ataques armados a Taiwan iriam criar danos irreparáveis. O efeito dos pardais de Hong Kong não se voltará a fazer sentir desde que eles se deixem de sentir assustados e pressionados, e nessa altura o ciclone político puderá abrandar.

17 Jan 2020

O adeus a 2019

[dropcap]E[/dropcap]m Hong Kong, 2019 marcou a transição da paz para a turbulência. A forma eficaz de “parar a violência e a curva ascendente de tumultos”, será através da criação de uma comissão de inquérito independente, uma aspiração da maioria dos residentes de Hong Kong, e não através do estabelecimento de um “comité de análise independente”. Mas porque é que a criação desta comissão de inquérito parece gerar tantos receios? Se estes problemas forem ultrapassados, os tumultos em que Hong Kong se encontra imerso irão acabando, as relações entre a polícia e a população vão melhorar e vai ser possível amenizar as clivagens sociais. As situações devem ser consideradas no seu todo, quem não consegue ter um perspectiva geral dos acontecimentos não merece ser líder de Hong Kong.

E em Macau, que balanço podemos fazer? A cidade acabou de celebrar o 20º aniversário do estabelecimento da RAEM e o Presidente Xi Jinping passou aqui três dias, durante os quais efectou diversas visitas e presidiu à cerimónia da tomada de posse do V Governo. Numa primeira análise, Macau apresenta-se próspero e estável, tendo sido louvado como um modelo do princípio “Um país, dois sistemas”, mas, na realidade, subsistem muitos problemas por resolver.

Mesmo antes da vinda do Presidente Xi, a classificação da agência de crédito Fitch Group sobre Macau passou de “estável” a “negativa”. A classificação baixou devido à erosão da autonomia do Governo da RAEM na cena política, à continuada perda de receitas da indústria do jogo, das quais o Governo local depende em larga escala, e à crescente ligação económica, financeira e sócio-política à China continental.

Durante a visita de três dias do Presidente Xi a Macau, considerou-se que o controlo de segurança tinha sido efectuado com sucesso, porque todos os seus encontros e percursos tinham sido cuidadosamente verificados e preparados com antecedência. O controlo de segurança é necessário sem sombra de dúvida, mas isolar o Presidente da população retira-lhe a oportunidade de ter contacto com a realidadede. Por essa altura, vi uma foto tirada em frente ao Largo do Senado, que estava a circular online. Na foto, vê-se uma pessoa que parece ser o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, vestido informalmente, com diversos homens à sua volta a andar em direcção à Praia Grande. Depois de ter visto esta imagem, lembrei-me de um artigo intitulado “Após regressar a Xingyi, tive saudades de Hu Yaobang”, escrito em 2010 pelo antigo Primeiro Ministro da China, Wen Jiabao. No artigo, Wen falava dos ensinamentos de Hu Yaobang, que defendia que os líderes e os quadros superiores devem ir ao encontro das bases, para, pessoalmente “experienciarem e observarem as dificuldades do povo, escutar a sua voz e conhecer em primeira mão a sua realidade”. O maior risco que qualquer líder corre é distanciar-se da realidade.

Em lugar algum do mundo existem controlos de segurança 100% eficazes. A calma e harmonia que o Presidente Xi testemunhou em Macau deriva do facto de a maioria dos residentes da cidade não ter qualquer intenção de se manifestar contra ele, isto, para lá dos múltiplos controlos de segurança implementados. Em relação à situação actual de Macau, não se vislumbra qualquer possibilidade de mudança, “as coisas são como são”.

Os novos líderes da RAEM, que tomaram posse em Dezembro de 2019, são no seu conjunto um grupo de novos dirigentes designados para os cargos de Secretários e membros do Conselho Executivo. No entanto, uma renovação das equipas não significa necessariamente um estilo novo de administração, o qual depende das competências e da experiência dos seus elementos. Experimentar novas jogadas com uma certa relutância pode ter efeitos adversos. Apesar de tudo, Macau tem recursos escassos e poucos técnicos qualificados e continua a depender das receitas do jogo e do turismo. A cultura social assente na tradição ancestral das múltiplas associações locais, moldou uma certa morfologia social e travou o desenvolvimento. Num local sem competitividade como Macau, a inacção é a escolha mais fácil.

Para me despedir de 2019, decidi desfazer-me de muitas coisas. Enquanto arrumava, deparei-me um um artigo retirado do Hong Kong Economic Journal, datado de 12 de Janeiro de 2019, que fazia uma previsão da situação de Hong Kong para esse ano, a partir da perspectiva do “Yi Jing” (“O Livro das Mudanças” – um clássico da antiga filosofia chinesa). Embora seja cristão, tenho um profundo interesse pela filosofia tradicional chinesa. Após uma análise das normas sociais e da natureza humana, o artigo concluia que “Não nos devemos impôr aos acontecimentos”. Quando fazemos algo, devemos primeiro avaliar a situação, analisar os prós e os contras, não agir de forma precipitada, de forma a termos campo de manobra”.

Hong Kong e Macau têm de ter noção dos seus posicionamenros, vantagens e limitações. É preciso aprender com os mais fortes para contrabalançar as nossas fraquezas, de forma a invocar a sorte e esconjurar o infortúnio. Quanto ao que espera as duas cidades em 2020, apenas posso dizer que vai depender da forma como os seus dirigentes souberem conduzir os actuais acontecimentos.

3 Jan 2020

Macau, um modelo a seguir?

[dropcap]U[/dropcap]m amigo enviou-me há pouco do seu telemóvel a foto de uma grande fila de carros junto a uma bomba de gasolina. Esta afluência deve-se à visita do Presidente Xi Jinping, que vai estar em Macau de 18 a 20 de Dezembro e, por este motivo, as bombas só podem ser abastecidas entre a meia-noite e as 6.00 da manhã. Como já enchi o depósito do meu carro, não vou ter de ir para as filas e enfrentar a confusão. Segundo os comunicados do Governo de Macau, o Corpo de Polícia de Segurança Pública e os Serviços de Alfândega vão inspeccionar em conjunto todos os veículos que circulem nas estradas que fazem a ligação aos postos fronteiriços terrestres de Macau, no período compreendido entre 17 e 21 de Dezembro.

Os pontos assinalados são a Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, as Portas do Cerco, Cotai e o Parque Industrial Transfronteiriço Zhuhai-Macau. Porque é que estas inspecções conjuntas não são feitas todos os dias, mas apenas durante a visita do Presidente Xi? Será que as autoridades tiveram acesso a alguma informação privilegiada que indicasse que segurança do Presidente poderia vir a estar em risco?

Faz sentido intensificar a inspecção dos veículos nos postos fronteiriços terrestres para aumentar a segurança, dado que, nesta altura, o volume do tráfego aumentou imenso. Mas porque é que foi suspenso o serviço de passageiros do Metro Ligeiro entre 18 e 20 deste mês, quando se encontrava no período experimental apenas há uma semana? Será que a manutenção deste período experimental iria afectar de alguma forma a segurança do Presidente Xi? Como é que o funcionamento do Metro Ligeiro de Macau ia pôr em risco a integridade do líder nacional? Será que Macau não é uma cidade segura?

Saliente-se ainda que, a este propósito, o Governo da RAEM anunciou “devido à realização de Actividades Comemorativas do 20º Aniversário do Estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, entre 18 a 20 de Dezembro de 2019, serão aplicadas medidas de controlo e de interdição à navegação no Canal do Porto Exterior, no Canal da Taipa, no Canal de Acesso ao Porto Interior e Canal de Acesso ao Porto de Ká-Hó”. Relativamente ao controle do espaço aéreo, penso que as entidades competentes também já tomaram medidas nesse sentido. Todas estas medidas de segurança criam instabilidade na população. Devíamos estar a viver um momento de festa e de alegria, durante a visita do líder nacional a Macau para presidir à inauguração da cerimónia do estabelecimento do novo mandato do Governo da RAEM. Porque é que o Governo lida com esta situação como se houvesse um perigo em cada esquina? Desde quando é que Macau passou a ser uma cidade hostil?

Mas além de Macau, as autoridades de Zhuhai também criaram pontos de controle na Ilha articifual de Leste da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, para que quem atravessa a ponte de Hong Kong para Macau possa ser inspeccionado. Pelo menos uma pessoa já foi detida nesta operação. O secretário para a Administração da Região Administrativa da RAEHK, Cheung Kin-chung, declarou que o exercício de jurisdição na Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, por parte da China continental é, não só razoável como legal. A afirmação de Cheung é correcta. Mas o que está aqui em causa é a brevidade deste posto de controle e o facto da sua existência se ter ficado a dever apenas à visita do Presidente Xi. É sabido que “o modelo de controle fronteiriço da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, será adoptado o modelo de construção em separado por cada Governo de três postos fronteiriços individuais”. É certo que a Ponte se encontra sobre a jurisdição da China continental na sua totalidade, mas todos os condutores sabem que não é permitido parar um veículo que a esteja a atravessar, porque a ponte é um ponto de ligação entre as três RAEs. É possível exercer jurisdição sobre a Ponte, desde que se recorra ao tacto e à inteligência. Não é necessário inspeccionar todos os passageiros, porque só lhes poderá dar a sensação que podem vir a ser “extraditados para a China”. Se a China continental tivesse criado logo de início um posto de controle de segurança na Ilha artificial de Leste, penso que as pessoas teriam compreendido e cooperado. Mas de facto o controle de segurança é só uma medida temporária, que só funciona durante o período da visita do Presidente Xi a Macau. Esta actuação demonstra claramente uma falta de confiança por parte das autoridades.

Recentemente Macau foi elogiada como um modelo de sucesso do conceito “Um País, Dois Sistemas”, por comparação com o que se passa em Hong Kong. Macau promulgou legislação sobre segurança nacional, de acordo com o Artigo 23 da Lei Básica, no início de 2009. Para além da “Lei relativa à Defesa da Segurança do Estado”, Macau fez em 2017 uma emenda à Lei n.º 5/1999 (Utilização e Protecção da Bandeira, Emblema e Hino Nacionais) em consonância com a “Lei do Hino Nacional da República Popular da China”. Mesmo uma “cidade modelo” como Macau, teve de ser tão monitorizada e controlada! Bom, será que Macau é verdadeiramente um “modelo” de cidade?

Para tornar Macau um verdadeiro modelo do ideal “Um País, Dois Sistemas”, além de vir a promulgar com sucesso leis que não passaram em Hong Kong, também será necessário levar por diante a reforma política que Hong Kong não conseguiu alcançar. Desta forma, a população de Hong Kong vai poder constatar que Macau irá eleger o seu Chefe do Executivo por sufrágio universal, sob condições específicas, e que a reforma da Assembleia Legislativa irá gradualmente garantir que todos os deputados ocuparão o seu lugar por via da eleição directa, ou seja “uma pessoa, um voto”. Quando Macau conseguir alcançar o que Hong Kong não conseguiu, será um verdadeiro modelo do ideal “Um País, Dois Sistemas”.

20 Dez 2019

Um conto de duas cidades revisitado

[dropcap]H[/dropcap]ong Kong e Macau regressaram à soberania chinesa há cerca de 20 anos. Macau pode não estar a passar a sua melhor fase e Hong Kong, está seguramente a passar uma das piores. O que acontecerá a estas duas cidades em 2020, irão melhorar ou piorar? Apenas os seus Governos e populações podem dar resposta a estas perguntas.

O Artigo 2 do Capítulo 1 das Leis Básicas de Hong Kong e de Macau são iguais e estipulam “A Assembleia Popular Nacional da República Popular da China autoriza a Região Administrativa Especial de Macau/Hong Kong a exercer um alto grau de autonomia e a gozar de poderes executivo, legislativo e judicial independente, incluindo o de julgamento em última instância, de acordo com as disposições desta Lei”. Em nenhuma das duas Leis Básicas vem mencionado que o Governo Central tenha jurisdição global nas Regiões Administrativas Especiais de Macau e de Hong Kong. Mas o Artigo 1 do Capítulo 1, que estipula “As Regiões Administrativas Especiais de Macau/Hong Kong são parte inalienável da República Popular da China”, define a relação entre o Governo Central e as Regiões Administrativas Especiais. Se as Leis Básicas precisassem de realçar a jurisdição da China sobre estas regiões, de que é que serviria estabelecer o conceito de Região Administrativa Especial com um alto grau de autonomia, regida pelo princípio “Um País, Dois Sistemas”?

As Leis Básicas de Hong Kong e Macau são semelhantes, mas no capítulo onde se lê Estrutura Política, nos Artigos 45 e 68 da Lei de Hong Kong vem claramente mencionado que o objectivo político a atingir é eleger o Chefe do Executivo e os membros do Conselho Legislativo através do sufrágio universal. É de lamentar que, quando o Governo de Hong Kong avançou com a reforma constitucional, a sociedade tenha levantado objecções à proposta do Executivo para “a escolha do Chefe do Executivo por sufrágio universal, após nomeação dos candidatos por um comité largamente representativo, de acordo com os procedimentos democráticos”. Devido às divergências, a questão acabou por ficar pendente da interpretação dos termos da Lei Básica pelo Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo e, desde então, toda a sociedade de Hong Kong tem disputado vários pontos de vista sobre a forma certa de obter “o sufrágio universal genuíno”. A luta de longa data entre os dois Chefes do Executivo de Hong Kong, Leung Chun-ying e Carrie Lam, e os dissidentes, fez com que a sociedade ficasse cada vez mais dividida e os recentes episódios e violência e confrontação, mergulharam Hong Kong no caos. Apesar de tudo isto, os eleitores da cidade participaram em massa nas eleições distritais do passado dia 24, que funcionaram como uma espécie de referendo. Os resultados eleitorais são uma mensagem clara para o Governo Central, expressando a insatisfação da população quanto à actuação do Governo da RAE de Hong. Se os Governos central e local escutarem a voz da população e resolverem os conflitos sociais apropriadamente, Hong Kong libertar-se-á dos motins e do caos. Caso contrário não haverá forma de ultrapassar as fissuras sociais.

A situação de Macau é oposta à de Hong Kong. O Chefe do Executivo designado, Ho Iat Seng, acabou de anunciar a lista dos dez principais dignatários, na qual se incluem seis novos nomes e quatro que vão ser reencaminhados nas suas funções. Aparentemente esta nova equipa vem com outras aspirações. Mas, segundo os números da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, a economia de Macau registou uma contracção anual de 4,5% em termos reais e nos primeiros três trimestres de 2019, a economia de Macau registou uma retracção homóloga de 3,5%, em termos reais. Os números da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos indicaram que a Receita bruta mensal dos jogos de fortuna ou azar, referentes ao Novembro de 2019 foi 22,877 milhões de patacas, apontando um decréscimo de 13.5% em relação a Outubro passado, e um decréscimo anual de 8.5%. Segundo as estatísticas de 2018, o peso do sector secundário (que inclui o sector da construção e da indústria de manufactura) no valor acrescentado bruto de todos os ramos de actividade económica (4,2%) diminuiu 0,9 pontos percentuais e o peso do sector terciário (que inclui lotarias, outros jogos de aposta e actividade de promoção de jogos e dos “hotéis e similares) cresceu 0,9 pontos percentuais, de 94,9% em 2017 para 95,8% em 2018.   Por outras palavras, a estrutura sectorial de Macau está a tornar-se cada vez mais uniforme e está a ser progressivamente afectada por factores externos. Quando todos os esforços e todos os recursos estão concentrados numa área única, pode deitar-se tudo a perder quando sobrevém uma crise.

Embora Hong Kong esteja actualmente submerso no caos, os problemas vieram à superfície todos de uma vez, o que realmente pode ser benéfico em termos futuros. As autoridades competentes deverão lidar com estas questões de forma correcta, que passará pela criação de um comité de investigação independente, por medidas que ponham fim à violência, pela substituição de altos funcionários inaptos e pela reabilitação da credibilidade do Governo. Acredito que desta forma a insatisfação da população irá desaparecendo e a tensão entre a polícia e os cidadãos também. Nessa altura, Hong Kong poderá ombrear com as maiores economias da Ásia. Quanto a Macau, poderá aproveitar a oportunidade apresentada pela mudança de Chefe do Executivo para solucionar os problemas de fundo, que se foram acumulando uns atrás dos outros ao longo 20 anos, e poderá evitar um possível desabamento sócio-económico.

9 Dez 2019

Corridas loucas

[dropcap]O[/dropcap] Grande Prémio de Macau é disputado nas ruas da cidade, atingindo os veículos, que se lançam em curvas e contra-curvas através de ruas e vielas, velocidades superiores a 100Km/hora. Se fizéssemos isto no nosso dia a dia, seriamos considerados loucos e causaríamos terríveis acidentes. Mas Macau é um local peculiar, onde esta corrida, que faz disparar a adrenalina, se celebrizou e se tornou um acontecimento anual. Devido aos melhoramentos que foram feitos ao longo dos tempos no famoso Circuito da Guia, este ano não se registaram acidentes graves.

Muitas das ruas da cidade foram fechadas durante os quatro dias da competição. Com a ajuda da polícia de trânsito e a colaboração dos condutores locais, não houve problemas de tráfego de maior.

Ao longo dos anos, as vedações de segurança de bambú deram lugar às vedações de metal e o sistema anti-colisão tornou-se mais sofisticado. Estes melhoramentos trouxeram muito mais segurança aos pilotos e ao público. A corrida de velocidade já não é tão “selvagem”, tornou-se mais “civilizada” e procura atingir níveis de excelência.

Tomemos a “Taça do Mundo de GT da FIA” como exemplo. Quer Laurens Vanthoor, quer Earl Bamber são pilotos da Porsche, pertencem portanto à mesma equipa. Laurens Vanthoor deixou Earl Bamber ultrapassá-lo para apanhar o piloto da Mercedes, Raffaele Marciello. Na última volta, quando estava a chegar à Rua dos Pescadores, Earl Bamber não conseguiu ultrapassar Raffaele Marciell. Bamber, em vez de tentar entalar com o seu carro o da Mercedes, o que poderia ter provocado um acidente grave, manteve-se atrás dele, chegando a abrandar para permitir que Laurens Vanthoor retomasse a 2ª. posição. Com esta postura demonstrou que lutar pela vitória não é apenas lutar pelo 1º lugar, mas sim dar o nosso melhor. O que importa realmente é ter espírito competitivo e respeito pelos outros.

Nesse mesmo dia, a polícia e os manifestantes estavam envolvidos em confrontos na Universidade Politécnica de Hong Kong, numa escalada de violência após os acontecimentos na “No.2 Bridge”, que liga a Universidade Chinesa de Hong Kong à zona ribeirinha.

Em 1973, no mesmo dia, 17 de Novembro, a Junta Militar grega enviou tanques de guerra para a Universidade Técnica de Atenas (Metsovian) para esmagar pela força a revolta estudantil. O resultado foi a morte de 23 estudantes. Por causa desta tragédia, foi implementada a “Lei de Asilo Universitário”, destinada a banir a presença da polícia dos campus universitários, mas infelizmente foi abolida em Agosto de 2019.

O Grande Prémio de Macau foi-se tornando mais seguro ao longo dos anos e o tráfego da cidade também melhorou, porque o Governo aprendeu a lição com aqueles que o precederam. A corrida decorre num circuito fechado, supervisionada por procedimentos seguros e fiáveis, da responsabilidade da Comissão Organizadora do Grande Prémio de Macau. Os quatro dias deste evento decorreram “sobre rodas” devido à cooperação entre a polícia, o público e as instituições.

Em Hong Kong passa-se o contrário. O Governo, em vez de dar atenção às cinco reivindicações dos manifestantes, apenas atendeu a uma delas, a retirada da revisão da lei de extradição, e ignorou as outras quatro. Esta atitude fez com que a intenção de “acabar com a violência e com os distúrbios” se limitasse a ser um simples slogan e o “esforço de cooperação inter-departamental” um projecto sem conteúdo. Depois de ter sido promulgada a “Lei Anti-Máscara”, as manifestações e os distúrbios continuaram a aumentar.

Quando o Supremo Tribunal de Hong Kong interditou esta lei anti-constitucional, forçando a polícia a suspender a sua acção, o Governo de Hong Kong apelou. Desde o início do movimento “anti-extradição” até 15 de Novembro, mais de 4.400 pessoas, com idades compreendidas entre os 11 e os 83 anos, foram presas, 521 das quais formam acusadas. Mais de 9.100 bombas de gás lacrimgéneo, 14 projécteis e 4.300 balas de borracha, foram disparados e foram usadas mais de 1000 granadas de fumo. Embora as autoridades policiais tenham afirmado em sessões de esclarecimento que as acções de alguns agentes foram “desadequadas”, até agora nenhum polícia foi acusado. Ao longo dos últimos meses, o Conselho Independente, constituido para receber e avaliar as queixas contra a polícia, não fez absolutamente nada, ao passo que alguns especialistas externos, contratados por este Conselho, declararam não ter poderes para fazer prosseguir a investigação.

A violência não resolver os problemas e quando as pessoas lhe estão expostas durante longos períodos de tempo, acabam por enlouquecer. Uma cidade deve evitar ser arrastada para uma espiral de loucura e aprender a arte da negociação, porque as lutas internas só podem acabar em “destruição mútua”.

22 Nov 2019

Mais 10 anos

[dropcap]N[/dropcap]o próximo dia 12, o Chefe do Executivo, Chui Sai On, vai apresentar o balanço do trabalho do Governo referente ao ano económico de 2019 e a preparação do Orçamento para o ano económico de 2020. A 20 de Dezembro, os seus dois mandatos chegarão ao fim, marcando os vinte anos de regresso de Macau à Pátria Mãe, um período que decorreu com estabilidade e em paz.

Durante o final do segundo mandato, existiram alguns casos que se tornaram notórios pela negativa, nomeadamente os do ex-procurador Ho Chio Meng, acusado de corrupção e suborno passivos, do suicídio da Directora-geral dos Serviços de Alfândega Lai Man Wa, a manifestação (em que participaram cerca de 20.000 pessoas) contra a Proposta de Lei intitulada “Regime de garantia dos titulares do cargo de Chefe do Executivo e dos principais cargos a aguardar posse, em efectividade e após cessação de funções”, o cancelamento do serviço de transportes a cargo da Sociedade de Transportes Públicos Reolian, a danificação na estrutura do Edifício “Sin Fong Garden”, a reversão do terreno do Edifício Pearl Horizon e a investigação sobre o projecto de construção do Alto de Coloane. No entanto, na presença destes problemas de ordem social e administrativa, Chui Sai On foi capaz de gerir as várias situações com presença de espírito, especialmente no que diz respeito à Proposta de Lei intitulada “Regime de garantia dos titulares do cargo de Chefe do Executivo e dos principais cargos a aguardar posse, em efectividade e após cessação de funções”, que foi retirada pelo Governo eficaz e atempadamente. Em comparação com a actuação de Carrie Lam, Chefe do Executivo de Hong Kong, perante os problemas levantados pelo “Movimento Contra a Revisão da Lei de Extradição”, o comportamento de Chui é digno de louvor.

No entanto, uma administração sensata não significa ausência de problemas sociais. Num programa de rádio que conta com a participação dos ouvintes (transmitido a 4 de Novembro), alguns participantes falaram sobre as dificuldades por que passam algumas pequenas e médias empresas, especialmente as que estão ligadas ao comércio, pedindo o apoio do Governo a esta actividade. De acordo com uma sondagem recente levada a cabo pela Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, a percentagem de desemprego dos residentes locais, desde Julho a Setembro, era de 2.5%, mostrando um ligeiro aumento de 0.5%, em relação à sondagem anterior.

No decurso do “Inquérito de conjuntura à restauração e ao comércio a retalho referente a Agosto de 2019”, os inquiridos afirmaram que não tinham esperança de ver os seus negócios melhorar em Setembro. 45% acreditam que vão piorar de ano para ano. 18% acreditam que vão melhorar.

Além disso, a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos anunciou que a a receita bruta mensal dos jogos de fortuna ou azar em Outubro de 2019 foi de 26.443 milhões de patacas, revelando uma queda de 3,2% em relação ao ano anterior, e que a Receita Bruta Acumulada entre Janeiro e Outubro deste ano foi de 246.740 milhões de patacas, revelando uma queda de 1,8% em relação a 2018. Segundo os analistas de mercado, com o expectável decréscimo de turistas até ao final do ano, e com a vinda dos líderes da China em Dezembro a Macau, espera-se a queda de 1 dígito na receita bruta mensal dos jogos de fortuna ou azar em Novembro.

A partir das estatísticas, da opinião pública e da observação factual, a economia de Macau aparenta estar em curva descendente. Esta curva decendente está inevitavelmente em sintonia os sinais de decréscimo da macroeconomia mundial. Nos 20 anos que se seguiram ao Regresso de Macau à soberania Chinesa, o desenvolvimento económico da cidade foi potenciado pela liberalização do jogo e pela política de “Vistos Individuais” implementada pela China, que permitiu a Macau ter níveis de prosperidade que atingiram recordes em toda Ásia. Com o rápido desenvolvimento económico, a quantia necessária para comprar uma casa em 1999 mal dá hoje em dia para comprar um simples lugar de estacionamento. Embora o Governo distribua dinheiro pelos residentes todos os anos, tenha implementado o Programa de Comparticipação nos Cuidados de Saúde e os passes sociais, o preço das casas continua a subir. Recentemente, até o preço da carne de porco subiu até atingir quase 200 patacas por quilo. Apesar das medidas do Governo de “racionalização de quadros e simplificação administrativa”, o número de funcionários públicos subiu em vez de descer. O sistema de Metro Ligeiro de Macau, que anda a ser construído há vários anos, poderá entrar em funcionamento até às ilhas circundantes, pelos finais deste ano.

Embora as reservas fiscais do Governo de Macau tenham atingido os 6.000 mil milhões de patacas, a construção urbanística e a diversificação económica durante estes 20 anos ainda não passaram da fase de planeamento. Macau não confia apenas na Mãe Pátria, depende dela. E o que é que Macau deverá fazer nos próximos 30 anos?

Ho Iat Seng foi eleito para o quinto mandato de Chefe do Executivo. Se tudo correr bem, será reeleito de forma a preparar Macau para a reintegração da cidade no sistema da China continental.

Como havemos de diversificar a estrutura económica de Macau de forma a lidar com a alteração nas concessões da indústria do jogo? O que é que deve ser feito para ajudar à expansão do espaço vital da cidade através do plano de desenvolvimento da Nova Área de Hengqin? Penso que é a partir destes dois polos que se deve orientar o desenvolvimento de Macau na próxima década. Espero que daqui a dez anos, possamos ter uma cidade competitiva e criativa, e não apenas um pequeno burgo dependente das receitas do jogo e do dinheiro dos turistas.

8 Nov 2019

Os próximos dois meses

[dropcap]E[/dropcap]m menos de dois meses Macau vai celebrar o 20º aniversário do Regresso à Mãe Pátria. Nessa altura, de acordo com a prática habitual, o Presidente Xi Jinping irá estar presente nas celebrações. Mas, não posso deixar de me interrogar em que ponto estará a situação de Hong Kong por essa altura?

Os protestos e as manifestações continuam a acontecer em Hong Kong há mais de quatro meses. Não terminaram com a promulgação da “Lei Anti-Máscaras” e, antes pelo contrário, estas acções têm vindo a intensificar-se. Os conflitos entre a Polícia e os manifestantes não mostram sinais de chegar ao fim.

Nas reportagens transmitidas na televisão, podemos ver que ambas as partes se insultam mutuamente. Estes insultos são mais chocantes por parte dos agentes da autoridade, na medida em que a sua formação profissional os deveria impedir de ter estes comportamentos.

Lembro-me de há muitos anos atrás ter ido com uns amigos ver um jogo de futebol ao Campo Militar (que já foi demolido) na zona da Areia Preta. Como o Campo não estava aberto ao público, um polícia apareceu e mandou-nos sair. O acontecimento em si não teve nada de especial, mas como éramos muito jovens, reagimos impulsivamente e discutimos com o polícia. Como sabiamos que insultar um agente da autoridade é incorrer em delito, argumentámos com respeito. No entanto, o jovem polícia não conseguiu conter-se e utilizou palavras insultuosas e menos apropriadas. Lembrámo-lo de imediato que, enquanto vestisse uniforme, não podia usar aquela linguagem. Os agentes da autoridade estão proíbidos de utilizar palavrões e insultos, uma regra que visa manter o respeito e a cortesia da polícia na sua relação com a população e, sobretudo, a boa imagem da Força Policial. Depois de ter sido chamado à atenção pela escolha desapropriada de palavras, o jovem polícia acalmou-se e foi embora em paz.

Hoje, ouvi claramente, na reportagem a que estava a assitir na TV, os polícias de Hong Kong chamaram aos manifestantes “lixo”, “vocês não passam de lixo”. Se a polícia mantiver uma relação tensa com a população, não vai ter capacidade para controlar os protestos e a violência. Antes pelo contrário, como a violência gera violência, a escalada de distúrbios vai continuar. Exemplo disso é o incidente do passado domingo, em que a Mesquita em Tsim Sha Tsui foi acidentalmente atingida por jorros de água tingida de azul, com que a polícia procurava dispersar os manifestantes.

No dia seguinte (segunda-feira), a Chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, e o Comissário da Polícia foram pessoalmente ao local pedir desculpas, de forma a evitar que este episódio pudesse vir a assumir proporções dramáticas, o que revelou uma atitude digna de apreço. Se o Governo de Hong Kong tivesse agido de forma semelhante noutras situações conflituosas, estou em crer que muitos dos problemas que entretanto surgiram já estariam sanados. Infelizmente, nem toda a gente pensa que esta é a forma correcta de agir.

Antes da promulgação da “Lei Anti-Máscaras” em Hong Kong, comentei com várias pessoas a lei só viria piorar a situação e provocar mais conflitos. Os problemas que Hong Kong enfrenta actualmente não podem ser resolvidos desta forma. O Governo vai ter de encontrar maneira de lidar com as exigências dos manifestantes criando uma comissão de inquérito independente para averiguar a actuação da Polícia e restabelecendo a credibilidade das forças da autoridade. A promulgação da “Lei Anti-Máscaras” provou ser um passo em falso de Carrie Lam, que tem apostado em medidas paliativas, incapazes de sarar os problemas sociais que afligem Hong Kong.

Espero que o Governo de Hong Kong venha a tirar ilações desta situação que se arrasta há mais de quatro meses, e que procure de forma empenhada ultrapassar as contradições sociais nos dois meses que se avizinham. Espero também que não promulgue mais medidas restritivas, nem que adie ou cancele as eleições para o Conselho Distrital. Se a situação de Hong Kong não se puder resolver nos próximos dois meses, o Governo de Macau vai ter muita dificuldade em organizar a vinda do líder da China para presidir às cerimónias do 20º aniversário do Regresso de Macau à Mãe Pátria. Se este problema não se resolver, virá a afectar a população de Macau e, possivelmente, os resultados das eleições gerais de Taiwan, que vão ter lugar em Janeiro de 2020.

25 Out 2019

Patriotismo fatal

[dropcap]N[/dropcap]a China, existe uma celebração, enraizada no folclore local, designada por “Festival da Comida Fria”. Neste dia, as pessoas devem manter-se afastadas de qualquer tipo de fogo, inclusivamente da chama do fogão. A festa celebra-se no dia anterior ao Dia de Cheng Ming (Dia de Finados). Reza a lenda que a tradição teve origem num incidente histórico trágico. Durante os Anais das Primaveras e dos Outonos (620 AC), o Estado de Jin debatia-se com lutas internas e o filho do duque, herdeiro do trono de Jin, foi forçado a um longo exílio, antes de regressar a casa para reclamar o trono que lhe pertencia por direito próprio. No momento de recompensar os súbditos que o ajudaram durante o exílio, esqueceu-se de um dos que lhe tinham sido mais fiéis.

Este leal e injustiçado servidor abandonou o Estado de Jin e foi viver para as montanhas. Quando o duque se apercebeu do seu erro, foi pessoalmente até às montanhas à sua procura, na esperança de poder reparar o mal que tinha feito. Mas a zona era muito vasta e o vassalo queria manter-se escondido. Após vários dias de buscas, o duque continuava sem o encontrar e foi aí que alguém propôs que se devia pegar fogo à floresta para o obrigar a sair do esconderijo. Mas, no final o que encontraram foi o seu corpo carbonizado, abraçado ao tronco de uma árvore. O duque amava o seu servo, mas usou o método errado para lhe demostrar o seu apreço e tentar recompensá-lo. As boas intenções transformaram-se em actos malignos e acabaram numa tragédia. Devastado pelo remorso, o duque proíbiu o povo de acender o lume no dia em que se assinalava o aniversário do trágico acontecimento, para homenagear o seu leal servidor e para se impedir a si próprio de voltar a cometer actos cruéis de futuro. Mas, ignorando esta lição, há quem ande a incendiar Hong Kong.

A implementação da revisão da “Lei de Extradição” iria impedir que Hong Kong fosse um paraíso para criminosos domésticos e estrangeiros. Mas a forma como Carrie Lam lidou com toda esta situação deixou muito a desejar. Esta forma de actuar, adicionada à influência das ideologias de extrema-esquerda, internas e externas, fez com que o movimento contra a “Lei de Extradição” acabasse por se transformar gradualmente num conflito entre os manifestantes e a polícia, um campo de batalha entre o campo pró-governamental e o campo pró-democrático e uma moeda de troca nas negociações comerciais sino-americanas. Todos estes factores se conjungaram para mergulhar a cidade na agitação e no caos. Após a promulgação da “Lei Anti-Máscaras”, o conflito acalmou, mas criou-se uma enorme insatisfação popular. Como o Governo não quis criar a Comissão de Inquérito Independente para averiguar a actuação da Polícia, não há forma de investigar as supostas atrocidades cometidas durante os motins. Teorias da conspiração e inverdades de ambos os lados continuam a grassar, sem que ninguém as consiga travar. Não se conseguem resolver as tensões criadas entre o Governo e a população e ambos os lados revelam incapacidade de autocrítica. É possível que a situação se venha a resolver com a imposição de medidas drásticas. Se vier a ser o caso, Hong Kong ficará “ferida de morte”. Seria esta acção radical, patritótica e motivada pelo “amor a Hong Kong”?

Durante o século XX, não se cultivou na China uma tradição de políticas negociais nem de reflexão, tendo-se recorrido por sistema à força para resolver os problemas. Deng Xiaoping concebeu a ideia de “um país, dois sistemas”, com a intenção de usar Hong Kong e Macau como modelos para abrir caminho à resolução pacífica do problema de Taiwan. Em Macau, o cenário político ficou definido depois dos acontecimentos do “Motim 1-2-3”, ocorrido em 1966, e o princípio “um país, dois sistemas” foi aplicado com sucesso na cidade. Mas em Hong Kong, após os “motins esquerdistas de 1967”, estabeleceu-se um forte pluralismo político. Por isso, a actual situação de Hong Kong não pode ser resolvida “com pulso de ferro” ou apenas com o uso da força policial. Enquanto as ideologias de extrema-esquerda dominarem a cena polítca de Hong Kong, o modelo “um país, dois sistemas” corre o risco de se vir a tornar no modelo “um país, um sistema” a qualquer momento. A situação política e a preparação para as eleições presidenciais de 2020 em Taiwan também têm sido largamente afectadas, ao longo dos últimos meses pelo movimento contra a “Lei de Extradição” de Hong Kong.

Os instigadores de acções levadas a cabo em nome do patriotismo, mas que prejudicam o país que dizem defender, serão inevitavelmente condenados pela História.

11 Out 2019

Macau, a pacífica

[dropcap]D[/dropcap]esde o passado mês de Junho que se assiste a uma escalada dos tumultos e do caos em Hong Kong. O número de turistas do Continente tem vindo a decrescer significativamente e todas as actividades relacionadas com o turismo se têm ressentido bastante com o ambiente em que cidade mergulhou. Recentemente viajei até Lantau através da ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau. Na ilha fiz um passeio de teleférico na zona de Tung Chung, habitualmente cheia de turistas. Desta vez não precisei de esperar na fila, não havia assim tanta gente. Em Macau, a calma continua e a afluência de visitantes mantém-se. A Direcção dos Serviços de Turismo prevê um aumento do fluxo de turismo de 10% a 15% nos feriados do Dia Nacional da China, no próximo dia 1 de Outubro. De qualquer forma, alguns analistas alertaram para o perigo de um decréscimo económico em Macau, que se ficaria a dever à redução do fluxo de turistas continentais que chegam à cidade vindos directamente de Hong Kong. Mas, para já, é preciso estarmos atentos e esperar pelos desenvolvimentos da situação. Os orgãos de comunicação social de Macau, bem como as redes sociais, vão apresentando análises muito diversas dos acontecimentos. E, para além de uma ou outra pessoa com um discurso mais radical, o cibermundo de Macau apresenta-se calmo, à margem de qualquer campo de batalha.

Embora nas duas cidades vigore o princípio “Um País, Dois Sistemas”, vive-se em cada uma delas climas políticos muito diversos. Poderíamos dizer que em Macau a temperatura está regulada para o “morno” e em Hong Kong o botão encontra-se no ponto “em ebulição”. Vale a pena reflectir um pouco no motivo das diferenças.

Hong Kong é uma cidade cosmopolita e o terceiro maior centro financeiro do mundo. É considerada a porta de circulação do capital chinês para fora do país. Em termos legais beneficia de vantagens únicas, ao abrigo do princípio “Um País, Dois Sistemas”, sobre sua “rival” Shenzhen.

É evidente que a China continental compreende a importância de Hong Kong. Vinte anos após o regresso à soberania chinesa, o fluxo financeiro entre Hong Hong e a China ainda é inferior ao fluxo financeiro com o exterior. Na sequência da erradicação dos motins esquerdistas de 1967, e após Tiananmen, os sectores políticos de Hong Kong têm sido relativamente sólidos e independentes. A prosperidade e estabilidade que se têm vivido na cidade desde o regresso à soberania chinesa, devem-se, não só à intervenção da China, mas também ao extraordinário desempenho dos funcionários públicos herdados da administração britânica e ao enraízado respeito pelo Estado de Direito, o que gera confiança a nível local e internacional. É lamentável que este equilíbrio se tenha quebrado quando Leung Chun-ying se tornou Chefe do Executivo de Hong Kong, e que tenha piorado quando Carrie Lam lhe sucedeu, porque ela é uma pessoa que não abdica da sua posição.

O “Movimento Contra a Lei de Extradição” é um fenómeno local. Contudo, teve lugar no período das negociações comerciais sino-americanas, o que veio complexificar toda a situação. Carrie Lam lidou com a situação como se estivesse a “dar uns açoites no filho mal comportado”. As forças da ordem deixaram de ser politicamente neutras para se transformarem em Forças de Intervenção destinadas a esmagar os motins e acabar com a violência. Há quem afirme que Hong Kong é um campo de batalha onde se degladiam oito “exércitos”, os manifestantes, as forças da ordem, as tríades, o campo pró-governamental, o campo pró-democracia, o Governo local, o Governo Central e a população em geral. Teria sido necessário ter à frente do Executivo de Hong Kong alguém politicamente muito inteligente e tolerante para gerir todos esses interesses e equilibrar a balança. No entanto, Carrie Lam foi abertamente contra a criação de uma Comissão Independente para avaliação dos danos. E sem uma solução de compromisso, as ideologias de extrema-esquerda foram alastrando pela cidade. Os conflitos entre as duas forças foram escalando e os meios a que cada um dos lados recorreu para alcançar os seus objectivos extremaram-se cada vez mais, até a situação ficar fora de controle. A fim de sintetizar a experiência da Revolução Cultural, Deng Xiaoping disse um dia, “A China deve impedir os avanços da Direita, mas sobretudo combater os avanços da Esquerda”. Esta máxima aplica-se na perfeição aos actuais acontecimentos de Hong Kong.

Em Macau, a única cidade-casino legítima da China continental, as taxas do jogo passaram a ser garantia do desenvolvimento económico. Além disso, a dependência da cidade do turismo e do investimento estrangeiro retiraram-lhe a capacidade de produzir um pensamento e uma acção independentes. Ao longo das duas décadas após o regresso à soberania chinesa, os Chefes do Executivo de Macau, usaram recorrentemente o “Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico” para manter a população satisfeita e o mesmo fará Ho Iat Seng, o próximo responsável pela cidade, a fim de garantir a estabilidade e manter a paz.

Não temos de nos preocupar com a presente situação de Hong Kong, porque existe um ditado chinês muito antigo que diz o seguinte: “a seguir ao caos virá um período de grande pacificação”.

No entanto, não devemos confiar demasiado na continuação da paz em Macau, porque o desastre que nos trouxe o super tufão “Hato” ensinou-nos a estar preparados para o perigo, mesmo em tempos de paz.

27 Set 2019

O mercado do Demónio

[dropcap]E[/dropcap]xistem muitos centros mercantis no mundo, onde se fazem diariamente grandes negócios. Mas, na verdade, o Mercado do Demónio é o maior de todos eles. É lá que as pessoas, em troca de poder, dinheiro, reputação e estatuto entregam tudo o que têm, inclusivamente a própria alma.

“Fausto” é um romance da autoria do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe. Embora seja uma obra de ficção, foi desde sempre considerada um retrato da realidade. No mundo em que vivemos imperam a mentira e a manipulação. O Incêndio do Reichstag em 1933, que resultou de um ataque ao edifício do Reichstag (onde funcionava o Parlamento alemão) foi considerado o episódio que desencadeou o estabelecimento do Regime Nazi. A “Noite de Cristal”, que teve lugar em 1938, marcou inequivocamente o início do terror que se viria a abater sobre os Judeus. Em 2003 os Estados Unidos invadiram o Iraque, sob o pretexto de que este país possuía armas de destruição massiva. Os invasores fizeram cair o Governo do Iraque, mas não foram encontradas quaisquer armas deste tipo. O nebuloso incidente de tiroteio registado na véspera das presidenciais de Taiwan em 2004, teve como resultado a re-eleição de Chen Shui-bian.

Sabemos que ao longo da História se criaram muitos cenários falsos com o intuito de gerar o pânico nas populações, mas a verdade por trás de cada um deles acaba, mais cedo ou mais tarde, por ser revelada. No início da Guerra da Coreia, foi dito que os primeiros ataques partiram da Coreia do Sul. Mas hoje sabemos que foi a Coreia do Norte que tomou a iniciativa do ataque. Desta forma, os voluntários que se juntaram ao exército norte-coreano para combater os EUA e a Coreia do Sul, morreram vitímas de um logro. E de onde terá vindo este grande contingente de voluntários?

Todos os truques e estratagemas que acabei de descrever estão disponíveis e à venda no Mercado do Demónio. Os sucessivos conflitos entre a polícia e a população civil em Hong Kong mergulharam a cidade no caos. Notícias verdadeiras e notícias falsas bombardeavam a cidade todos os dias, e os motivos que as desencadearam eram da mais variada natureza. Os comunicados de imprensa emitidos pela Polícia às 16.00 h, tinham inicialmente por objectivo fazer um ponto da situação dia a dia. Mas acabaram por transformar-se em sessões de inquérito, onde a polícia era bombardeada por perguntas dos repórteres ávidos da verdade dos factos, e que acusavam as forças da ordem de mudar constantemente as regras do jogo. Será que neste momento, alguém sabe ao certo o que aconteceu verdadeiramente na estação de Metro Prince Edward? E quem era a senhora que ficou gravemente ferida numa vista e como é que se deu esse ferimento? Mas como o Governo de Hong Kong se recusa a criar uma comissão independente de inquérito, não vai haver maneira de encontrar uma solução para os conflitos e para o divisionismo.

A maioria da população de Hong Kong deseja que esta comissão seja criada, mas o Governo continua a ignorar este anseio. E que questões estariam em cima da mesa se a comissão de inquérito tivesse sido criada?

Segundo a Bíblia, Judas Iscariotes foi o apóstolo de Jesus que o traiu por 30 moedas de prata. Mas, curiosamente, Judas entregou as 30 moedas aos sacerdotes e aos anciãos depois de Jesus ter sido condenado. Terá sido este acto resultado do seu arrependimento?
Judas era Zelote e responsável pelos assuntos financeiros. Teria havido outros interesses por trás da sua traição a Jesus? Ao fazer com que Jesus fosse preso, quereria Judas conduzi-lo à revolta? Jesus sabia de antemão do plano de traição de Judas, mas não o expôs, não ofereceu resistência.

A aceitação da prisão por parte de Jesus terá levado Judas a entregar as moedas e, posteriormente, a suicidar-se como forma de reparação pela sua traição?

Quem pela espada mata, pela espada morre. Quem recorre à intriga para destruir os seus inimigos, por ela será destruído. O que se passa actualmente em Hong Kong pode servir de lição a Macau. Quem negociar com o Demónio acabará inevitavelmente por ir ao encontro da perdição!

15 Set 2019

Ver e aprender

[dropcap]A[/dropcap]ntes do mais, quero felicitar Ho Iat Seng por ter ganho a eleição para o 5.º mandato de Chefe do Executivo da RAEM, ao obter 392 votos dos membros da Comissão Eleitoral para o Chefe do Executivo. Em segundo lugar, quero manifestar a minha satisfação por lhe ter sido dada a oportunidade de tirar ensinamentos, a partir da experiência de terceiros, antes de tomar posse.

É difícil liderar um país, mas também é difícil liderar uma região. Embora Macau seja uma pequena cidade, com uma população reduzida e uma economia estável, não quer dizer que não tenha problemas. Sempre que exista um grupo de pessoas, vão existir opiniões e exigências diferentes. A prioridade para qualquer líder é conhecer a fundo as principais linhas de força da sociedade, de forma a ir ao encontro da vontade da maioria sem deixar de estabelecer pontes de entendimento com as opiniões das minorias. É evidente que isto é mais fácil de dizer do que de fazer. Mas, felizmente, os dois antecessores de Ho Iat Seng, Edmund Ho e Chui Sai On, mostraram-lhe o caminho para pôr este princípio em prática. Simultaneamente, a actuação de Carrie Lam durante os últimos acontecimentos de Hong Kong, também lhe poderá servir de exemplo.

Nunca duvidei do desempenho administrativo de Carrie Lam, mas desempenho administrativo e capacidade de governar são duas coisas distintas. Um bom líder não tem de fazer tudo sozinho, tem sim de escolher as pessoas certas e as soluções adequadas, solucionar os problemas no local e no tempo certos e, desta forma, tudo decorrerá tranquilamente. Um par de mãos não pode abarcar o universo, mas, com amor, pode conquistar o mundo.

Até agora, não existe qualquer sinal de instabilidade social em Macau. Mas, tendo em conta a curva ascendente de violência e caos a que assistimos em Hong Kong, devemos pensar que prevenir é melhor do que remediar, e que é preferível abordar os problemas antes que eles fiquem fora de controle. Ou seja, os líderes devem aperceber-se dos sinais desencadeadores das crises em vez de serem auto-centrados e opinativos. Os polícias são funcionários públicos que defendem as vidas e a propriedade da população. Exercem o poder que lhes foi conferido dentro dos limites da lei. Devem fazer com que toda a gente respeite as forças da ordem, independentemente da sua raça, opiniões políticas, género, ou de qualquer outra variante. Levar a polícia a lidar com problemas de ordem política só pode gerar tensões e, inclusivamente, confrontos com a população. É da responsabilidade do Governo, e não da polícia, dar resposta às reclamações do público. Tendo em mente o que foi dito, é importante que se impeça os outros países de colocarem Macau na lista dos locais turísticos não recomendáveis.

É imperativo criar uma plataforma de díalogo entre o Governo e a população. Neste aspecto, Ho Iat Seng tem efectivamente muito que aprender. Como líder, não se pode dar ao luxo de chegar a conclusões após ter ouvido apenas uma versão dos acontecimentos. Tem de procurar oportunidades, ou mesmo de criá-las, para dialogar com pessoas oriundas dos diversos espectros sociais. Além disso, deve visitar os bairros de Macau e falar com os seus residentes. Precisa ainda de fazer um esforço para comunicar directamente com as pessoas, pelo menos, algumas vezes ao longo do ano, sem grandes preocupações de fazer desses momentos assunto para a comunicação social.

Além de cumprir as suas funções administrativas, o Chefe do Executivo de Macau necessita de estabelecer contacto directo com as gerações mais jovens, já que elas terão um papel preponderante na estruturação do futuro. A diferença de idade não é o principal factor que determina os abismos geracionais, mas sim a diferença de mentalidade e de atitude. O Chefe do Executivo tem de querer comprometer-se com os jovens e tomar iniciativas para conhecer os círculos em que se movem, sejam eles a rua, a escola, os recintos desportivos ou as salas de concertos, em vez de realizar reuniões à porta fechada com meia dúzia de associações juvenis, ou promover algumas sessões oficiais de diálogo com jovens. Se optar por este caminho de abertura poderá conhecer as necessidades dos jovens, evitando problemas que possam vir a alastrar à cidade.

Se um dia as pessoas puderem encontrar-se com o Chefe do Executivo nas ruas, ou os jovens puderem conviver com ele e falar da sua realidade, significa que ele estará em sintonia com o seu próprio discurso de apresentação de candidatura e com o seu programa politico, que tem por temas «Sinergias e Avanço, Mudanças e Inovação», «Consolidação do Sucesso, Continuidade da Conjuntura Harmoniosa» e ainda “criar um novo tipo de habitação para pessoas com rendimentos considerados medianos”.

Um dia, se Carrie Lam puder descer a Queensway, na companhia de jovens vestidos de negro e de jovens vestidos de branco, como uma mãe faz com os seus filhos, acredito que Hong Kong, distinguida com o epíteto de Pérola do Oriente, voltará a cintilar.

30 Ago 2019

Lições do sol e do vento

[dropcap]Q[/dropcap]uando estava na escola primária, fiquei particularmente impressionado com uma história que o professor nos contou e que me deu uma lição de vida. Era sobre um homem que ia a passear no campo, com um casaco vestido. O Vento e o Sol repararam na presença do homem e apostaram quem seria capaz de lhe tirar primeiro o casaco. O Vento entrou logo em acção, soprou forte, lançou rajadas de ar, tentando arrancar o casaco do corpo do homem. Mas, quanto mais o vento soprava, mais o homem apertava o casaco em torno do corpo, para impedir que voasse. Então o Vento deu a vez ao Sol, que se pôs a brilhar o mais que podia para fazer o homem ficar cheio de calor. Incapaz de aguentar a temperatura, que não parava de subir, o homem, por sua iniciativa, despiu o casaco. A lição desta história é a seguinte: existem certas coisas que não podem ser alcançadas à força, temos de procurar uma forma eficaz para as fazer acontecer.

Desde então, sempre acreditei na moral desta história. O uso da razão é preferível ao uso da força. Mas, posteriormente, fiz uma nova interpretação do seu sentido.

Inicialmente, o homem não intencionava despir o casaco. Mas, depois, o Sol e o Vento usaram-no para provar qual deles era o mais forte. Ganhava, quem primeiro conseguisse tirar-lhe o casaco.

Nenhum deles tomou em consideração os desejos do homem, nem lhe pediram autorização para a experiência. De acordo com o código de ética, mesmo que a finalidade seja razoável, se os meios usados para a obter forem errados, não existem vencedores, apenas vítimas, que, no caso desta história, era o homem.

Mas, além disso, inventei um novo final para a história, a saber: quando o Vento se apercebe que o Sol ganhou a aposta, fica enfurecido e põe-se a soprar uma ventania gelada. O homem fica cheio de frio e veste rapidamente o casaco outra vez. O Vento desata a rir às gargalhadas e troça do Sol, que fica incapaz de voltar a gerar mais calor. O pobre homem vai para casa e desenvolve uma pneumonia aguda, depois de ter sido exposto a extremos climáticos, e morre.

Aposto que ninguém gosta deste fim trágico, no entanto, há quem tente “abrilhantar” alguns fins tristes, tal como o que se tem passado em Hong Kong nos últimos dois meses, acontecimentos que foram desencadeados pela luta contra a revisão da lei de extradição. Como Hong Kong não tem condições para declarar a independência, e não existe possibilidade de vir a haver uma revolução que derrube o Governo em funções, porque será que os dirigentes de Hong Kong continuam a recusar-se a dar uma resposta positiva aos cinco pontos da agenda dos manifestantes? Se o Governo declarasse oficialmente que a revisão da lei de extradição estava definitivamente afastada e garantisse que iria criar uma comissão independente para averiguar os incidentes que estão por esclarecer, acredito que grande parte da agitação acalmaria imediatamente e, enquanto sociedade, Hong Kong teria uma pausa para reflectir.

Em Macau, o Governo enviou uma carta à Assembleia Legislativa a requerer, de acordo com o Regimento da Assembleia Legislativa, a eliminação das duas ordens de trabalhos, originalmente previstas para a debate em reunião plenária, no dia 7 de Agosto, incluindo a apresentação, discussão e votação, na generalidade, da proposta de lei intitulada “Alteração do Orçamento de 2019” e da proposta de lei intitulada “Alteração à Lei n.º 11/2009 – Lei de combate à criminalidade informática”, para impedir que, através destas duas propostas de lei, e na ausência de mecanismos de consulta e comunicação, fossem desencadeados conflitos sociais desnecessários. Parece ser evidente que o Governo de Macau tomou em consideração o interesse da população e, numa certa medida, os pontos de vista das minorias.

Um dos principais problemas de Hong Kong, deriva do facto de as pessoas serem muito auto-centradas e focadas nos seus próprios objectivos. Acabam por recorrer a todos os meios para conseguirem atingir as suas metas. Deixa de haver espaço para a comunicação e para o compromisso, tal e qual como na fábula do Sol e do Vento. Uma pérola precisa de cuidados e manutenção apropriada para poder brilhar, o mesmo se passa com uma cidade. Se as pessoas que lutam contra a lei da extradição se servirem apenas da violência para defenderem as suas ideias e puserem de lado qualquer espécie de diálogo, nada irá sobreviver. No momento em que toda esta agitação chegar ao fim, a cidade vai estar morta e o sistema “Um País, Dois Sistemas” terá falhado rotundamente. Imagino como Deng Xiaoping iria lamentar esse dia tão negro para Hong Kong.

16 Ago 2019

Ilações difíceis de tirar

[dropcap]N[/dropcap]a semana passada quatro habitantes de Macau, que acabavam de desembarcar do ferry em Hong Kong viram a sua entrada na cidade vedada pelo Gabinete de Imigração, por estarem vestidos de preto. Embora afirmassem que tinham ido a Hong Kong apenas para fazer compras, foram delicadamente reenviados para Macau, sem mais explicações. Quando aqui chegaram, foram submetidos a um interrogatório de rotina pela Polícia Judiciária local.

Pergunta nº 1: O Governo de Hong Kong proíbe a entrada de visitantes vestidos de preto, ou de cores escuras, nos dias em que se realizam protestos ou manifestações?

Pergunta nº 2: Depois da Polícia Judiciária ter investigado o caso, será que o reportou ao Governo da RAEM, para que se tomassem medidas contra as autoridades de Hong Kong, no sentido de proteger os direitos dos habitantes de Macau?

Dia 21 de Julho, um domingo, fui a Hong Kong assistir a uma conferência presidida por Donald Tsang (antigo Chefe do Executivo de Hong Kong). A minha intenção inicial era jantar nessa noite com um amigo num qualquer restaurante do Sheung Wan district. Mas depois de perceber que ia haver protestos nesse dia, e que a manifestação ia terminar em Wanchai, por indicação da Polícia, acabei por almoçar em vez de jantar. Dirigi-me à conferência a seguir ao almoço e, no final da sessão, apanhei um taxi às 16.45 para o Shun Tak Centre, no Sheung Wan district, para tomar o ferry de regresso a Macau. A taxista, era muito competente. Seguiu pelas ruas estreitas de Central, em vez de optar pelas avenidas principais e assim evitou que nos cruzássemos com os manifestantes que desfilavam nas imediações de Admiralty. A corrida fez-se normalmente e consegui apanhar o ferry das 17.15. Enquanto seguia a bordo, o meu amigo de Hong Kong enviou-me alguns SMSs, a dar-me notícia da concentração de jovens no Shun Tak Centre. Os jovens estavam a preparar-se para entrar em acção. Quando cheguei a casa liguei a televisão. Vi os manifestantes que se dirigiam para Wanchai, em formação imponente, através da Connaught Road. O destino final era o Gabinete de Ligação do Governo Central do Povo na RAEHK, sediado no Sai Wan district. Como protecção tinham sido apenas colocadas umas barreiras metálicas junto à entrada principal do Gabinete de Ligação e não havia agentes da polícia à vista. Mais tarde, durante os motins, as paredes e o emblema nacional, colocado no portão do edifício do Gabinete de Ligação, viriam a ser pintados de preto. A Polícia de Intervenção apareceu e os manifestantes dispersaram rapidamente.

Pergunta nº 3: O emblema nacional é um dos símbolos da autoridade de um país, é sagrado e inviolável. Enquanto visitante de Hong Kong, fui avisado que se estavam a preparar para breve acções de protesto. Mas porque é que a polícia não interveio atempadamente? Porque não foram criadas linhas defensivas, respectivamente em Admiralty, Central e Sheung Wan, para deter os manifestantes e impedi-los de chegar ao Gabinete de Ligação? Será que existem falhas nos serviços de Informação da Polícia de Hong Kong? (no seu historial, a Polícia de Macau nunca falhou a missão de proteger o Gabinete de Ligação do Governo Central do Povo na RAEM). Ou terá tido a polícia de Hong Kong indicações especiais?

Obviamente que a vandalização do emblema nacional foi severamente condenada pela população de Hong Kong e foi cabeçalho das notícias de destaque dos jornais do dia seguinte. Contudo, na noite de 21 de Julho, uma multidão de pessoas vestida com T-shirts brancas atacou indiscriminadamente manifestantes vestidos de preto e transeuntes na West Rail Line Station da Linha do Metro de Yuen Long. Chegaram a entrar nas carruagens e atacaram os passageiros. A Polícia admitiu publicamente ter levado 39 minutos a chegar ao local, por razões de vária ordem. Devido à sua gravidade, este incidente, onde dezenas de pessoas sofreram ferimentos, foi classificado de “ataque terrorista” e gerou inquietação a nível internacional. Nos últimos dias e, após receber várias queixas, a Comissão Independente contra a Corrupção de Hong Kong deu início a investigações ao Incidente de Yuen Long. Até ao momento não foram adiantadas quaisquer informações sobre os progressos da investigação, em parte devido à sua complexidade, mas também à existência de questões duvidosas.

以及沒有回應記者提問對設立“獨立調查委員會”的立場。A 29 de Julho, um porta voz do Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e Macau do Conselho de Estado convocou uma conferência de imprensa para esclarecer a posição do Gabinete e dar a sua visão sobre a situação actual de Hong Kong. Devido a limitações de tempo, o número de perguntas permitidas era reduzido, e como os jornalistas de Macau colocaram questões relacionadas com a cidade, o porta voz não chegou a transmitir a visão do Gabinete sobre o “ataque terrorista de Yuen Long” e recusou-se a responder às perguntas sobre a criação de uma “comissão de inquérito independente”.

Pergunta nº 4: Quem é o principal interessado na destruição do conceito “Um País, Dois Sistemas”? Carrie Lam é indubitavelmente responsável pelas coisas terem chegado ao ponto que chegaram, mas quem é que está a puxar os cordelinhos para colar Hong Kong ao estigma da “revolução da cor”, depois do episódio do alegado movimento para a “Independência de Hong Kong ”?

Contas feitas, é muito difícil tirar ilações políticas, mas o derramamento de sangue não deixa de nos perturbar, bem como o pressentimento de influências malignas.

5 Ago 2019

A crise em Hong Kong

[dropcap]N[/dropcap]o dia 1 deste mês, fiquei no Hospital da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau a acompanhar um familiar e, por isso, não pude ir a Hong Kong assistir à manifestação de 1 de Julho, como costumo fazer. Só consegui testemunhar as dramáticas mudanças que estão a acontecer na cidade através da televisão. Fiquei esgotado, fisíca e psicologicamente, ao ponto de não ter conseguido escrever o artigo dessa semana, pelo que apresento as minhas desculpas.

Os confrontos entre os manifestantes e a polícia que então se verificaram não diminuíram de intensidade, antes pelo contrário aumentaram nos dias seguintes. Os distúrbios irromperam em vários distritos e a animosidade entre manifestantes e a polícia foi subindo de tom. Quando as questões políticas não se resolvem nos locais próprios, o divisionismo no seio da sociedade de Hong Kong aumenta de dia para dia. Se o princípio da responsabilização dos funcionários superiores fosse observado, a Chefe do Executivo, Carrie Lam, assumiria a culpa e demitir-se-ia, porque ela é a responsável pela crise social que se vive na cidade. As suas afirmações sobre a “morte” da revisão da lei, não significam que a revisão seja definitivamente “abolida”. Por outro lado, sem a criação de uma comissão de inquérito independente ao comportamento da polícia os conflitos sociais não irão diminuir. No entanto, o Governo de Hong Kong não deu qualquer resposta positiva a esta questão tão clara com a qual poderia ter aliviado as tensões sociais.

Se Carrie Lam tivesse anunciado oficialmente a abolição da revisão da Lei de Extradição, tivesse criado uma “comissão de inquérito independente” e tivesse designado o antigo Secretário da Justiça Andrew Kwok-nang Li, do Supremo Tribunal, para chefe da comissão, acredito que a tensão começaria imediatamente a diminuir e haveria boas hipóteses de cura das feridas causadas por toda esta divisão social. Até agora, quem é que mostrou não ter vontade de resolver a crise de Hong Kong? Quem é que está a transformar Hong Kong num palco de luta de gladiadores? Quem é que está a arrastar Hong Kong para uma crise política, pondo em causa o conceito “um país, dois sistemas”?

A política é uma arte, embora não seja uma arte marcial e, como tal, não se determina quem perde e quem ganha através do uso da violência. Os chineses têm um ditado que diz “é possível chegar ao poder através da violência, mas não se pode usar a violência para governar um país”.

Não se pode negar a competência a a eficácia administrativa de Carrie Lam, mas ela deixa-se muitas vezes cegar pela “arrogância e pelo preconceito” ao ponto de não conseguir aceitar as opiniões das outras pessoas. Sempre que discursa, ou faz declarações públicas, as suas palavras produzem o efeito oposto do esperado. Este facto demonstra que ela se encontra num estado de confusão e que deixa transparecer as suas emoções secretas por entre as frases que pronuncia. Não serve de nada continuar a pedir-lhe que resolva os problemas que foram criados.

Os rumores recentes sobre a possibilidade da declaração da “lei marcial” em certos distritos de Hong Kong não são infundamentados. Se a situação se deteriorar, sera possível vir a declara a lei marcial na cidade inteira, que é a última coisa que as pessoas esperam. A questão que se coloca é porque é que não foi avançada até agora nenhuma solução para resolver a crise? As acções do Governo e da polícia dão frequentemente a sensação de que não sabem como sair deste dilema.

A forma de sair da crise deveria ter sido pensada a partir da identificação atempada dos seus sinais, lidando com as questões e resolvendo-as, ao invés de ter permitido a criação de uma bola de neve impossível de ser travada. A análise das medidas de contigência tomadas pela polícia na manifestação de 1 de Julho, quando os manifestantes irromperam pelo edifício do Conselho Legislativo, e das acções da polícia no New Town Plaza Mall, em Sha Tin, a 14 de Julho, levou algumas pessoas a suspeitar de que há quem pretenda colocar os manifestantes e os agentes numa posição difícil, de forma a deixar tudo fora de controle.

Deng Xiaoping propôs o conceito de “um país, dois sistemas” aquando da transferância de soberania de Hong Kong e Macau, para também vir a ser aplicado em Taiwan, com o objectivo de conseguir uma reunificação pacífica da China. Em Macau, a aplicação deste conceito trouxe prosperidade económica através da liberalização dos direitos do jogo e da política de “turismo de visto individual”. O “Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico” de Macau pode silenciar temporariamente a insatisfação, mas esta “gaiola dourada” não é uma opção para os habitantes de Hong Kong. Quando as reformas constitucionais falharam em Hong Kong, em 2014, as autoridades competentes não se aproveitaram do rescaldo do “Movimento dos Chapéus de Chuva” para apresentarem uma nova proposta reformista. A arrogância daqueles que detêm o poder e a ineficácia de quem os rodeia são responsáveis pela actual situação de Hong Kong. Se a aplicação do conceito “um país, dois sistemas” falhar completamente em Hong Kong”, vai ser muito difícil a sua implementação em Taiwan.

Se a crise de Hong Kong se continuar a agravar, os habitantes de Hong Kong e o conceito “um país, dois sistemas” vão sofrer sérios danos. Lucrarão com esta crise serão aqueles que por ela foram responsáveis.

19 Jul 2019

Nunca montes o dorso do tigre

[dropcap]N[/dropcap]um dos meus últimos artigos, mencionei que a RAE de Hong Kong tem escolhido sistematicamente mal os seus Chefes do Executivo. E, infelizmente, a minha opinião acabou por revelar-se absolutamente certa face à realidade que vivemos e que ninguém teria imaginado possível.

Existem muitas pessoas a montar cavalos e vacas por esse mundo fora. Mas já alguém viu um tigre a ser montado? Há um velho ditado chinês que diz “quando uma pessoa monta um tigre é muito difícil apear-se”, o que é uma forma de nos aconselhar a nunca embarcar em projectos que não estão ao nosso alcance.

A Chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, tem 40 anos de serviço público, um excelente curriculum académico e notabilizou-se pela sua extraordinária determinação. Para ela, a palavra “dificuldade” não consta do dicionário. Desde que acredite que qualquer coisa está “certa”, defende-a até ao fim. Este tipo de atitude faz dela o exemplo perfeito do servidor público, mas, como líder, este traço de personalidade não ajuda. Devido ao seu espírito autocrático, os subordinados têm dificuldade em expressar os seus pontos de vista e acabam por permanecer em silêncio. Os sábios da antiga China afirmaram que quando temos a certeza de estar a agir correctamente devemos lutar pelas nossas convicções, mesmo que seja preciso enfrentar milhares de opositores, mas esta atitude só deve ser tomada depois de muita introspeção e na posse de um total auto-conhecimento. Se um líder faz orelhas moucas aos conselhos de terceiros, incluindo aos dos peritos, e age de acordo com simpatias pessoais ou a partir de uma perspectiva meramente legalista, o desfecho pode ser desastroso. As duas últimas manifestações massivas em Hong Kong foram em muito desencadeadas pela personalidade de Carrie Lam e pela sua forma de lidar com as situações. Ela é sem dúvida uma pessoa bem-intencionada, mas de boas intenções está o Inferno cheio.

A obra, “As Viagens de Lao Can”, do escritor Liu E (劉鶚), que viveu durante a Dinastia Qing, parece falar apenas sobre os vários locais da China e sobre os costumes locais, mas de facto reflecte sobre o período final da administração Qing. Num dos capítulos, o autor escreve, “os oficiais corruptos, embora abomináveis, são reconhecidos por todos; os oficiais incorruptos, mas não menos desagradáveis, são reconhecidos apenas por alguns. Os oficiais corruptos, conscientes de que as suas acções podem ser denunciadas, não se atrevem a mostrá-las em público; os oficiais incorruptos, que não se deixam influenciar por subornos, tornam-se imparáveis. Determinados e convencidos da sua razão, os oficiais incorruptos matam pessoas e, em situações extremas, colocam em perigo o País. Já conheci demasiados exemplares desta espécie”.

Afirmar que os antigos Chefes do Executivo preferiram “esconder a cabeça como a avestruz” em relação à questão da lei dos condenados em fuga, revela falta de sensatez política e vaidade pessoal. O que está a acontecer actualmente em Hong Kong deita por terra os esforços desenvolvidos nos últimos dois anos e abre as portas a uma dissenção social irreversível. A polícia foi apanhada no meio do caos, os jovens tornaram-se descartáveis e apoiantes e detractores do projecto de lei tornaram-se inimigos. Um pequeno movimento provocou uma reacção em cadeia!

Ninguém duvida que os criminosos devem ser condenados em nome da justiça. Mas também ninguém vai engolir pesticida porque tem parasitas no estômago. Por isso, as pessoas devem abordar as questões de forma correcta, com bom senso e sensibilidade.

Na entrevista que deu à televisão a 12 de Junho, Carrie Lam apelou aos sentimentos dos espectadores para explicar as suas acções. No entanto, este momento emocional foi secundado, nesse mesmo dia, pela operação em larga escala contra os manifestantes. As duas acções combinadas colocaram a Chefe do Executivo num patamar de fama nada invejável. Mas a responsabilidade não é só dela, deve ser partilhada com todos aqueles que lhe ocultaram a verdade.

A insubordinação social em Hong Kong tinha decrescido imenso após o Movimento dos Chapéus de Chuva. Os activistas que desafiaram a legislatura da cidade foram sucessivamente presos, vários deputados do campo pró-democracia foram afastados do Parlamento e o campo pró-governamental ganhou as eleições. Parecia que a ordem estava estabelecida. No entanto, o excesso de confiança e a falta de atenção à opinião e às queixas das pessoas criaram um clima que proporcionou a mudança do autoritarismo para o totalitarismo. Ninguém é invencível quando existe uma multidão de opositores.

Qualquer acção que venha a afectar o desenvolvimento político de Taiwan, a negociação comercial sino-americana ou o interesse nacional da China está interdito. Sobre a reeleição dos deputados do campo pró-governamental, só avançarei uma previsão quando eles se decidirem a descer do dorso do tigre.

21 Jun 2019

Tiananmen, 30 anos depois

[dropcap]A[/dropcap]penas um algarismo separa o número 29 do número 30. A diferença entre o 29º e o 30º aniversário de Tiananmen, que se assinala a 4 de Junho, também é quase nenhuma, é o que sempre foi, um momento em que se recorda o mais trágico incidente da História da China moderna.

Na China continental, a atitude do Governo em relação a esta data mantém-se inalterável e o mesmo se pode dizer das “Mães de Tiananmen” que se têm mantido firmes na sua exigência de justiça aos filhos desaparecidos e mortos durante o movimento estudantil.

O protesto de 4 de Junho de 1989, à semelhança do “Movimento de 4 de Maio” ocorrido há um século, foi organizado por estudantes. O “Movimento de 4 de Maio” foi honrado com o adjectivo de patriótico, ao passo que os estudantes envolvidos no protesto de 4 de Junho têm sido olhados de forma diferente. Há três décadas atrás, muitas pessoas em Macau reconheceram a acção destes estudantes como patriótica. Se o foi ou não, não serão apenas os círculos ligados ao Governo a determinar, é sim um julgamento que será feito pela História.

Trinta anos é um pequeno período de tempo em termos da História da Humanidade. Do ponto de vista histórico, o que se passou há 30 anos atrás ainda é demasiado recente para ser avaliado, já que envolve indivíduos que ainda estão vivos e muitos ficheiros ainda não foram revelados. É possível que ainda sejam necessários mais 30 anos, para que surjam respostas mais objectivas às várias perguntas em aberto. Além disso, através de relatos de participantes e testemunhas do incidente de 4 de Junho, e através da recolha de informação oral e escrita, seja ela privada ou oficial, poderão ser feitos estudos comparativos que escavem fundo e revelem toda a verdade dos factos.

Muitos dos participantes e apoiantes dos protestos de Tiananmen têm actualmente uma posição diferente. A vigília das velas anual e as demonstrações que assinalam esta data transformaram-se numa acção de pesar rotineira. Se compararmos com Hong Kong, em Macau os debates e discussões em torno deste tema nos noticiários, nas escolas e na sociedade em geral, são muito menores e menos frequentes. Quer isto dizer que o incidente de 4 de Junho está condenado ao esquecimento com o passar do tempo? Mas se atentarmos nas operações de segurança que ocorrem em Pequim neste período, percebemos que as autoridades não o esqueceram de todo.

中國,始終沒有逃過歷史的魔咒,悲劇一次又一次發生,原因在那裡?A História parece brincar com o povo chinês, agora e desde sempre.

Após a queda da Dinastia Qing em 1911, Yuan Shikai tentou proclamar-se Imperador em 1915. A 5 de Abril 1976 também houve protestos na Praça da Paz Celestial, local do massacre de 4 de Junho. Porque será que a China não consegue fugir a este destino ao longo dos anos?

Antigamente, os homens públicos chineses eram nomeados pelos Imperadores feudais de todas as Dinastias. Na transição do poder monárquico para o republicano, não existiu um período de monarquia constitucional como em muitos países europeus e, como tal, a sociedade não teve qualquer formação nas práticas democráticas. Os Três Princípios do Povo, defendidos por Sun Yat-sen, foram inspirados nos regimes ocidentais. Nos Fundamentos da Reconstrução Nacional estabelecidos por Sun, sobre a administração do país, pode ler-se “Em primeiro lugar vem a ordem militar; em segundo lugar o poder político”. Quanto ao Comunismo, que também foi importado do Ocidente, tem como pilar ideológico a ditadura do proletariado, originária da filosofia marxista. Ao longo dos últimos 100 anos, a luta pelo poder interno e as invasões de países inimigos dificultaram a instalação da democracia na China. Quando numa sociedade não existe diálogo entre governantes e governados os conflitos são inevitáveis.

Trinta anos depois de Tiananmen, o Governo chinês continua a implementar as suas lucrativas reformas económicas e a apostar nas políticas de abertura, depois de envidar todos os esforços no sentido da estabilização do poder político. Contudo, sob a capa das reformas políticas prosperaram o suborno e a corrupção ao ponto de pôr em risco a segurança nacional. No que diz respeito ao incidente de 4 de Junho, factores históricos à parte, só podemos desejar que tal tragédia não se repita, e tentar encontrar formas de tornar realidade algumas das exigências ouvidas no protesto dos estudantes, ou seja introduzir reformas que não visem apenas o lucro e implementar medidas anti-corrupção.

A afirmação “discursos vazios só conduzem o país à perdição e o trabalho árduo rejuvenesce a nação” deveria ter sido levada à prática de forma mais eficaz 30 anos depois.

17 Jun 2019