Um Grito no Deserto VozesÉ o pior dos tempos, é o melhor dos tempos Paul Chan Wai Chi - 8 Ago 2021 Na sua famosa obra “Conto das Duas Cidades”, o escritor inglês Charles Dickens fala-nos sobre um tornado político que agitou a vida de duas grandes cidades, Londres e Paris. Nos dias que correm, Hong Kong e Macau, as duas cidades que são Regiões Administrativas Especiais, estão também numa situação comprometedora devido a questões políticas. O Artigo 25 da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau estipula claramente que “Os residentes de Macau são iguais perante a lei, sem discriminação em razão de nacionalidade, ascendência, raça, sexo, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução e situação económica ou condição social”. No entanto, sob a actual directriz “Macau governado por patriotas”, a lealdade política passou a ser factor decisivo. Desde que a nossa visão política não seja exactamente igual à dos governantes, deixámos de poder entrar na corrida independentemente do apoio que recebemos dos nossos eleitores. Só serão considerados “absolutamente leais” os que não possuem consciência política e que apenas buscam aprovação? O Tribunal de Última Instância julgou improcedentes os recursos eleitorais interpostos pelos mandatários de três listas de candidatura ( processo n.º 113/2021). Eu próprio era um dos dois primeiros candidatos da lista “Associação do Progresso de Novo Macau”. Na minha qualidade de recorrente, só consigo aceitar a decisão porque tenho muito respeito pelos Tribunais. A minha decisão de insistir e recorrer ao Tribunal de Última Instância foi determinada pela vontade de que o público pudesse vir a ter um entendimento mais pormenorizado das circunstâncias que determinaram a Desclassificação dos Candidatos. Nesta matéria, os resultados que se obtiverem com muito esforço são preciosos. No acórdão do Tribunal de Última Instância, foram citadas as justificações de ambos os recorrentes e da Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL). A CAEAL defende que “é inegável que a maior parte dos factos citados sobre os candidatos ocorreu antes das eleições de 2017 para a Assembleia Legislativa, e que estes factos não foram examinados nem considerados pela CAEAL antes das referidas eleições. Ou seja, como estes factos não foram considerados pela CAEAL antes das eleições de 2017 para a Assembleia Legislativa, é muito estranho que as autoridades da RAEM, em 2021 e perante os mesmos factos, tenham optado por dar uma resposta diferente”. No acórdão, também é assinalado que a “Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da RAEM” não prevê que os candidatos aprovados tenham de renegar as suas opiniões ou actos prévios. Assim, apesar de um candidato (como é o meu caso) ter assinado a “Declaração de Defesa e de Fidelidade do Candidato” para as eleições de 2021 à Assembleia Legislativa, igual à que assinou para as eleições de 2017, a CAEAL tomou a decisão de o desclassificar, devido à emergência de novas situações. Pela informação disponível do processo n.º 113/2021, sabe-se que a CAEAL se reuniu no dia 25 de Junho e declarou que “defender a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China e ser fiel à Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China, são os critérios fundamentais que os deputados da Assembleia Legislativa devem satisfazer”. A CAEAL também solicitou a 2 de Julho à Polícia informações sobre todos os candidatos tendo o Gabinete do secretário para a Segurança respondido a 5 de Julho. As provas fornecidas pela Polícia à CAEAL foram recolhidas em posts da Internet e fotos tiradas em actividades públicas, incluindo as que foram exibidas na exposição do “4 de Junho” promovida pela União de Macau para o Desenvolvimento da Democracia, e pelas actividades em memória de Liu Xiaobo, entre outras. A CAEAL não usou toda a informação disponibilizada pela Polícia. Apenas tomou a decisão de desclassificar candidatos baseada no facto de os candidatos terem, directa ou indirectamente, participado em certas actividades ou baseada nos objectivos das actividades em que os candidatos participaram. No acórdão, também se declara que “Os critérios estabelecidos pela CAEAL não são vinculativos em Tribunal. O Tribunal de Última Instância tem plena jurisdição, pode concordar ou discordar destes critérios e, baseado nas circunstâncias específicas do caso e nas disposições legais adequadas e, de acordo com os critérios que considere exactos e adequados, pode determinar a sua decisão”. Finalmente, o Tribunal de Última Instância acabou por concordar com a posição da CAEAL e ratificou a decisão de excluir três listas do campo democrata de participarem nas eleições em Setembro de 2021. Vale a pena mencionar o que José Maria Dias Azedo, o 1.o juiz adjunto do Tribunal de Última Instância, afirmou no decurso na sua declaração de voto, neste caso. “Tendo em conta a “matéria” (a sua natureza), a participação nas eleições directas é um “direito fundamental”, e não é razoável ser “restringido” da forma acima mencionada. Penso que deve suscitar o cuidado apropriado (e a clarificação) das autoridades competentes”. Agradeço ao Governo da RAEM por recolher toda esta informação, o que me deu a oportunidade de olhar para o discurso que fiz na reunião de 4 de Junho de 2012: “A história pode ficar confinada, mas não se ajoelhará perante os governantes. As pessoas não vão esquecer e a história não vai esquecer”. Penso que a história e o povo de Macau não esquecerão esta Desqualificação de Candidatos, a primeira desde a transferência de Macau.