Proezas a não repetir

Quando uma pessoa tem dezasseis anos é geralmente muito estúpida. É uma espécie de efeito Dunning-Kruger geracional: quando mais um tipo desconhece da vida mais assertivas são as suas certezas acerca da mesma. Há obviamente honrosas excepções, adolescentes cuja invulgar maturidade os previne de fazerem os mais diversos disparates. Infelizmente, esses sábios prematuros pouco ou nada retiram de positivo dessa santidade temporã – a não ser, claro está, a manutenção da integridade física. Os outros, do alto das suas pirâmides de desastres coleccionáveis, apoucam-nos sempre que podem. Estes passam ao lado de quase tudo que é inseguro e divertido; não se entopem de drogas numa festa com desconhecidos, não conduzem como se tivessem tido aulas no poço da morte de uma qualquer feira popular, não partem a cremalheira em volteios de skate ou bicicleta. São uma seca.

Eu, que sempre fora bom aluno e, por isso, relativamente solitário, queria muito ser adoptado. Pelos tipos das motas, das bandas de garagem ou pelos noctívagos profissionais. Não queria era estar sozinho. Sendo bastante tonto à altura, não me custava embarcar em todo o tipo de aventuras. Tudo quanto não comportasse perigo era insonso. Por isso todos os dias, a seguir às aulas, ia para um baldio atrás de casa fazer cavalinhos com a minha Target. Assim, quando estivesse com a malta a que eu aspirava a ser, poderia eventualmente fazê-los olhar, pelo menos uma vez que fosse, para mim. Ser bom aluno é suficiente até às hormonas começarem a falar. A partir desse momento, a conversa passa a ser outra.

Houve um dia em que nos lembrámos de empinar papagaios. Eu e mais dois amigos, na rua da minha irmã, em Albufeira. O Benjamin, o mais velho, teve uma ideia: «isto com mais vento até funcionava, e se o fizéssemos de mota?» Claro que a ideia me pareceu genial. Lamentei apenas não ter sido eu a tê-la.

A mota era do Benjamin, pelo que o mais expectável era ser ele a conduzi-la. Mas o papagaio também era do Benjamin, e era natural que quisesse ser ele a guiá-lo. Como não podia fazer ambas as coisas – os adolescentes podem ser malucos, mas até eles têm alguma noção dos limites – ficou combinado que eu conduziria a mota do Benjamin e ele, no banco de trás, empinaria o papagaio.

Durante uns quinze minutos, a coisa correu bastante bem. O papagaio lá esvoaçava com aquele vento forçado, rodopiando atrás de nós como um cão aéreo. Só não era sucesso absoluto porque o papagaio era baratucho e difícil de controlar. Mas já estávamos a pensar em comprar um papagaio mais robusto e mostrar a proeza perto da praia, onde decerto alguma gaiata mais curiosa apreciaria o nosso engenho.

Tudo estava a correr de feição até eu decidir que também merecia ver o que se estava a passar atrás de mim e não só ouvir os berros de satisfação do Benjamin mesmo à porta do tímpano. Passavam poucos carros naquela rua e, sendo uma recta, tinha mais que tempo para espreitar o que se estava a pensar sem nos colocar em perigo. Assim o fiz. Rapidamente percebi que a proeza só se tornaria matéria de conversa se o papagaio fosse capaz de nos seguir com alguma elegância e não com aqueles trejeitos de enguia epiléptica pela trela.

Feito o diagnóstico, voltei-me para a frente. A mota descaíra ligeiramente para a direita (o lado para que me tinha virado). Mesmo diante de mim, a parte de trás de um carro estacionado. Não dava para travar a tempo de não bater. Ainda assim, travei a fundo. Gritei. O Benjamin, ocupado com o papagaio, foi o último a perceber. Saltou por cima de mim, batendo-me com o joelho na nuca no processo. Escusado dizer que a queda foi bastante mais espectacular do que a proeza em si.

Acorreram as pessoas da rua, os vizinhos da minha irmã, o dono do carro. Chamaram-nos uma ambulância e sublinharam a nossa inconsciência. «Estes miúdos só estão bem fazendo asneiras», ouvi dizer a um velhote, do passeio. Verdade. Mas quando se lhes sobrevive, que belas histórias dão.

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