Soou o tiro de partida

Este mês e em Dezembro próximo irão ter lugar eleições legislativas, respectivamente em Macau e Hong Kong. A campanha para as eleições à Assembleia Legislativa de Macau começou a 28 de Agosto, com apenas 14 listas de candidaturas a concorrerem à eleição por sufrágio directo, o menor número de listas desde o regresso de Macau à soberania chinesa. Quanto ao processo da eleição por sufrágio indirecto, regressou ao formato anterior, em que o número de candidatos é igual ou inferior ao número de lugares disponíveis no Parlamento. Já os sete deputados nomeados por despacho do Chefe do Executivo, a seu tempo se saberá se essa nomeação irá trazer surpresas ou receios à população.

Se houvesse o costume de disparar um tiro de partida para assinalar o início do processo eleitoral para a Assembleia Legislativa de Macau, então esse tiro teria sido disparado a 9 de Julho. Quando a Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) anunciou a exclusão de candidatos pertencentes a seis listas de candidaturas a 9 de Julho, o processo eleitoral para a sétima Assembleia Legislativa da RAEM ficou basicamente determinado. Não pretendo fazer quaisquer comentários ou análises de momento, para não influenciar a campanha eleitoral. Mas alguns jornalistas escreveram artigos sobre o quadro em que vão decorrer as próximas eleições para a Assembleia Legislativa. Afinal de contas, a CAEAL é constituída apenas por seis pessoas, que decidiram quem é elegível para concorrer às eleições, mas o resultado eleitoral é decidido por mais de 300.000 eleitores elegíveis. Esse resultado será conhecido dentro de dez dias e os factos falarão por si.

Em Hong Kong, o Comité de Revisão da Elegibilidade dos Candidatos (CERC sigla em inglês) determinou que a proposta do deputado Cheng Chung-tai, para o Comité Eleitoral (CE) era inválida, pelo que foi banido do Conselho Legislativo a 26 de Agosto. Cheng Chung-tai era deputado desde 1 de Outubro de 2016. Este incidente pode ser considerado como o tiro de partida do processo eleitoral para o Conselho Legislativo de Hong Kong, mas menos sensacionalista do que o incidente da desclassificação de candidatos de Macau. E isto porque em Hong Kong já tinha havido episódios de desclassificação de candidatos ao Conselho Legislativo e demissão em massa de deputados do campo pró-democracia em 2020. Embora Cheng Chung-tai não tenha integrado o grupo de deputados demissionários e o porta-voz do Gabinete dos Assuntos de Hong Kong e Macau Junto do Conselho de Estado tenha afirmado que Cheng tinha tomado uma “decisão sensata”, como a situação mudou, quem perdeu os seus cargos teve de sair.

A Assembleia Popular Nacional (APN) aprovou a Decisão de Aperfeiçoar o Sistema Eleitoral da Região Administrativa Especial de Hong Kong em Março de 2021 e a CAEAL de Macau definiu, em Junho de 2021, os sete critérios para avaliar a eligibilidade dos candidatos à sétima Assembleia Legislativa. Estas alterações marcam uma nova fase do princípio “um país, dois sistemas”, que regula as administrações de Hong Kong e de Macau, embora ambos os Governos das RAEs “estejam no mesmo barco”. A adopção desta estratégia está certamente relacionada com o actual clima político interno e internacional. Mas optar por medidas “impositivas” em detrimento de medidas “moderadas”, não vai ajudar a encontrar uma solução. Só quem valoriza a estabilidade acima de tudo pode apreciar medidas “impositivas”.

A China conheceu muitos movimentos políticos, incluindo a Campanha Anti Direitista (1957), a Revolução Cultural (1966) o Contra-Ataque ao Vento Desviacionista de Direita (1975) e disparou o tiro de partida vezes sem conta. E o país e o seu povo sofreram sempre mais, cada vez que um desses tiros era disparado.

As eleições para o Conselho Legislativo de Hong Kong terão lugar como previsto em Dezembro próximo. Mas depois de Cheng Chung-tai ter sido desclassificado, é pouco provável que o Partido Democrata e o Partido Cívico inscrevam os seus membros como candidatos às eleições para o Conselho Legislativo. O Governo de Hong Kong irá apresentar ao Parlamento a proposta de do Registo Médico 2021(Emenda à Lei) para discussão, a fim de criar uma forma de admitir médicos formados fora de Hong Kong, que sejam residentes permanentes, para poderem exercer na cidade.

Esta proposta surge no sentido de colmatar o déficit de 700 médicos de diversas especialidades. Não existem estudos que indiquem se esta falta de especialistas se prende com a recente vaga de emigração de Hong Kongers. Mas as recorrentes vagas de emigração em Hong Kong nos últimos anos são um facto indesmentível.

O objectivo que preside à Decisão de Aperfeiçoar o Sistema Eleitoral de Hong Kong, à Lei de Segurança Nacional de Hong Kong e à definição dos sete critérios para a avaliação da elegibilidade dos candidatos à sétima Assembleia Legislativa de Macau poderá ser uma tentativa de garantir a estabilidade da classe governante e de cortar qualquer tipo de resistência à sua liderança. No entanto, a classe governante não tomou em consideração uma questão importante, a saber: a principal causa das crises de governação ao longo de todas as Dinastias chinesas encontrou-se sempre no seio das próprias classes dominantes.

Um polícia não dispara uma arma ao acaso no meio da cidade, nem um caçador se põe aos tiros sempre que lhe apetece. Os governantes não têm sempre de exercer todo o poder ao seu alcance, e tal como nos exemplos anteriores, não precisam de disparar todas as balas de uma só vez.

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