Líderes de associações contestam conclusões de novo livro de Roy Eric Xavier

“The Macanese Chronicles: A History of Luso-Asians in a Global Economy” é o título do mais recente livro de Roy Eric Xavier, académico da Universidade de Berkeley. Roy Eric Xavier defende que as associações macaenses não estão a desenvolver devidamente o seu papel de ligação entre a diáspora e as oportunidades económicas da Grande Baía e da China, mas Miguel de Senna Fernandes e Jorge Valente contestam: não só o interesse da diáspora é pouco como as associações não têm meios para fazerem esse trabalho

 

[dropcap]O[/dropcap] mais recente livro de Roy Eric Xavier, macaense e académico da Universidade de Berkeley, Califórnia, traça o retrato das comunidades luso-asiáticas ao longo dos séculos e o seu papel na construção da primeira economia a ligar a Europa à Ásia. Publicado pelo jornal Ponto Final e pela Far East Currents Publishing, e distribuído pela Amazon, a obra “The Macanese Chronicles: A History of Luso-Asians in a Global Economy” traça também o retrato da comunidade macaense desde os seus primórdios, sobretudo o seu papel económico.

Mas Roy Eric Xavier não deixa de lançar algumas críticas sobre a actuação das associações de matriz macaense quanto ao fraco aproveitamento das oportunidades económicas lançadas pela China nos dias de hoje, nomeadamente no que diz respeito ao projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. “Os líderes macaenses em Macau têm tido dificuldades em definir o seu próprio legado histórico enquanto tentam definir o papel da comunidade na agenda geopolítica da China”, lê-se nas conclusões do livro.

O autor fala de falhas na comunicação entre associações e membros da comunidade macaense na diáspora que “procuram informação sobre oportunidades regionais de comércio e de negócios”. Há uma “apatia” e uma “falta de ligação com as empresas”, aponta Roy Eric Xavier.

“A falta de capacidade dos líderes macaenses de incluir empresários e profissionais de turismo” em actividades como os Encontros da Comunidade Macaense pode ter efeitos negativos, aponta o livro. “A indiferença em relação a novos negócios em Macau pode minar a relação dos macaenses com a China em geral”, lê-se.

Ao HM, o autor defendeu que “as oportunidades que os líderes macaenses obtiveram da China desde a transição não foram utilizadas plenamente”. E dá exemplos. “O fundo recebido nos últimos 20 anos pelo Conselho das Comunidades Macaenses (CCM) foi dado para encorajar as trocas culturais, de turismo e empresariais com a diáspora macaense, mas o CCM não conseguiu atrair as gerações mais jovens.”

Roy Eric Xavier alerta ainda para o decréscimo crescente da participação dos mais jovens nos Encontros, “na maioria devido ao facto de o CCM não envolver os macaenses jovens que querem trazer novas oportunidades de negócio para Macau”. “O CCM evita questões durante os Encontros sobre visitas a zonas tecnológicas em Shenzhen. Isto poderia ser apenas uma de muitas oportunidades para desenvolver parcerias, e para ajudar a diversificar a economia de Macau através do turismo cultural. Mas estas oportunidades não foram aproveitadas”, acrescentou.

Objectivos distintos

Roy Eric Xavier disse também ao HM que reuniu e comunicou com os líderes do CCM várias vezes, mas que teve sempre não como resposta às suas sugestões. “Disseram-me sempre que o seu interesse não passa pelo envolvimento nos negócios. Além disso, comunicaram com os líderes das casas de Macau na diáspora para não darem crédito à minha investigação ou a outras tentativas de envolvimento. Mas eu não vou desistir”, confessou.

Para o autor, “é importante que a China reconheça os macaenses a nível internacional, especialmente os que residem nos EUA, Europa e Austrália, e que estão dispostos a ultrapassar as actuais tensões entre a China e os EUA ao trabalhar com a China, desenvolvendo parcerias empresariais e culturais”. “O CCM e outros líderes macaenses em Macau que desperdiçam esta oportunidade não representam toda a comunidade”, frisou Roy Eric Xavier.

Em relação ao projecto da Grande Baía, “alguns líderes macaenses em Macau simplesmente não vêem como o turismo cultural pode trazer novos visitantes às oportunidades de negócio”. “Muitos macaenses da diáspora estão envolvidos nas áreas da tecnologia e indústrias que o projecto da Grande Baía espera atingir. Não tem havido o encorajamento ou convites por parte do CCM ou de outras associações de macaenses para se envolverem”, aponta.

Contactado pelo HM, Miguel de Senna Fernandes, presidente da Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM), disse que as associações locais não têm recursos financeiros e humanos para levar para a frente a tarefa que Roy Eric Xavier propõe.

“Ele tem uma perspectiva que não é a nossa, a de aproveitar a comunidade para os negócios”, frisou. “Os Encontros não são para fazer negócios, mas se nascerem daí, tudo bem. As pessoas com quem contactamos não têm nada a ver com o mundo dos negócios, para começar. Sabemos as nossas limitações e as nossas associações não estão vocacionadas para isso”, disse Miguel de Senna Fernandes.

O presidente da APIM destaca também o facto de serem escassos os pedidos de informações por parte da diáspora macaense para o investimento. “A comunidade macaense que está na diáspora luta pela sobrevivência nos locais onde se encontram e trabalham, e a maioria deles não pensa na Grande Baía. Se é uma pena, claro que sim. Não recebemos pedidos de informações, que eu saiba. Ninguém da diáspora manifestou interesse em desenvolver algum projecto económico aqui.”

Acrescentar e não mudar

Miguel de Senna Fernandes não tem dúvidas de que, com mais recursos, até se poderia pensar em criar uma plataforma exclusivamente destinada aos negócios, à semelhança de uma câmara de comércio. Mas, para já, é impossível.

Quanto a uma possibilidade de mudança na forma de actuação, o presidente da APIM diz que “não vamos mudar, mas podemos acrescentar”. “Há sempre horizontes para mais, desde que haja condições. Mas fora deste âmbito não é fácil ter esse tipo de ambição porque não temos meios. Caso contrário a própria comunidade portuguesa teria outra dinâmica. Mas com uma câmara de comércio não seria apenas para a comunidade, teríamos inevitavelmente de incluir membros que não têm nada a ver com a comunidade macaense. E assim seria apenas mais uma organização.”

Jorge Valente, presidente da Associação de Jovens Macaenses, fala também de escassos pedidos de informação por parte da diáspora, uma média de dois por ano, um número que considera muito baixo.

“As oportunidades da Grande Baía estão a ser mal aproveitadas não apenas pelos macaenses, mas por Macau inteiro. Até agora não houve o devido aproveitamento, mas com esta crise da covid-19 penso que as pessoas estão seriamente a querer aproveitar essas oportunidades”, declarou ao HM.

Quanto ao papel dos Encontros da comunidade macaense, “sempre foi uma decisão dos líderes de que não serviria apenas para reviver o passado ou como um espaço de convívio, mas para que tivesse também uma componente comercial de forma duradoura”. “Foi uma pena que isso não tenha acontecido, mas é algo que não podemos forçar e que os participantes também têm de desenvolver”, acrescentou.

Os programas dos Encontros da comunidade macaense passaram a incluir algumas visitas ao Interior da China e a Hengqin nos últimos anos, com a economia à espreita, mas a verdade é que é difícil contabilizar os resultados práticos.

“Quando vamos a Hengqin e quando visitamos empresas na China ou em Macau isso faz parte da componente empresarial, mas não dizemos que esta pessoa vai assinar um contrato com aquela empresa, por exemplo. Para isso acontecer teria de estar tudo bem negociado, os Encontros servem mais como um primeiro passo para esse contacto.”

Jorge Valente não concorda que as associações mudem a sua matriz em função da vertente económica. “As pessoas têm é de saber os objectivos de cada associação e contactarem a associação certa para fazer as perguntas certas. Há perguntas que nos fazem e transmitimos essas questões a outras associações que têm a informação mais completa, ou dizemos para se deslocarem ao IPIM”, por exemplo. O HM tentou chegar à fala com Leonel Alves, presidente do CCM, mas até ao fecho desta edição não foi possível estabelecer contacto.

Comunidades esquecidas

Este livro nasceu de alguns artigos já publicados no blogue Far East Currents, mas é sobretudo um retrato “das migrações [dos macaenses] e o desenvolvimento da sua cultura até ao presente”. “Queria destacar a grande comunidade macaense de Hong Kong, onde nasci. A segunda parte do livro conta-nos várias histórias de individualidades e eventos que, em conjunto, mostram a deterioração gradual das relações dos macaenses da segunda geração com o Governo colonial britânico. Esta é uma história que não está devidamente explorada e escrevi o livro também para encorajar mais investigações e bolsas para esta área”, defendeu ao HM.

Mas o livro é também o retrato do desenvolvimento de várias comunidades luso-asiáticas em locais como Goa e Malaca. Comunidades essas que têm sido destinadas ao esquecimento, defende Roy Eric Xavier.

“Os Governos e instituições de todo o mundo deveriam reconhecer e celebrar as contribuições destas comunidades para a cultura de cada país. Há muitas influências que não são reconhecidas, incluindo a língua, arte e diferentes gastronomias. O facto de muitas destas comunidades terem mantido estas tradições desde o século XVI sugere a longevidade e a força destas culturas, bem como as contribuições que os portugueses trouxeram a diferentes culturas no mundo”, rematou.

29 Set 2020

António Félix Pontes, ex-presidente do Instituto de Formação Financeira: “Fiquei com alguma mágoa”

António Félix Pontes esperava cumprir mais um mandato como presidente do Instituto de Formação Financeira, mas o director da Autoridade Monetária e Cambial de Macau invocou “razões não plausíveis” para a não continuação do economista, que continua agora no sector privado. Félix Pontes teme que o Governo tenha de injectar mais apoios na economia e deita por terra as ideias para a criação de um “sistema financeiro com características próprias”

 

[dropcap]E[/dropcap]stá de saída do Instituto de Formação Financeira (IFF) e da Administração Pública. Porquê agora?

Os dois melhores anos do IFF, em termos de ‘performance’, foram precisamente os do meu último mandato (2018-2019). Por conseguinte, tinha a expectativa de ter mais um mandato, pois, em termos de uma gestão racional dos recursos humanos sem estereótipos, premeia-se quem tem bons resultados. No entanto, não foi essa a opinião do actual presidente da AMCM, invocando razões não plausíveis.

Como assim?

Descortinei que o que ele queria era uma pessoa que não fosse tão independente como eu, pelo que lhe disse que, não havendo comunhão de opiniões, deixaria o IFF aquando da eleição dos novos corpos sociais e que continuaria apenas a prestar assessoria à AMCM até ao termo do meu contrato. Portanto, a minha saída fez-se sem dramas. Fiquei com alguma mágoa, principalmente porque tinha em mente algumas iniciativas relevantes que não pude concretizar [ao nível da formação].

Vivemos tempos de pandemia. Que consequências económicas destaca?

A redução a pique das receitas do jogo vai implicar que o Produto Interno Bruto (PIB) tenha uma queda astronómica. No final do segundo trimestre deste ano a queda no PIB era de 67.8 por cento, valor este que irá depender do número de turistas oriundos da China a partir do mês de Outubro, o que, no entanto, não evitará uma diminuição recorde nesse indicador económico. No que respeita aos turistas, no ano de 2019, registámos quase 25 milhões de Janeiro a Agosto e, no ano corrente, no mesmo período entraram em Macau cerca de 3,6 milhões, ou seja, menos 87 por cento. Como consequência dessa evolução negativa, a taxa de ocupação nos hotéis teve uma redução dramática, tornando a situação no sector hoteleiro de Macau muito grave.

Pelo meio, muitas empresas abriram falência.

Centenas de pequenas e médias empresas (PME) encerraram este ano e a taxa de desemprego em Macau que, antes da pandemia, era na ordem de 1.7 a 1.9 por cento, no final do segundo trimestre de 2020 foi de 2,5 por cento e a tendência de aumento irá manter-se. Como reflexo disto, o montante referente ao subsídio de desemprego, proporcionado pelo Fundo de Segurança Social, triplicou em relação ao ano transacto e não vai ficar por aqui.

Qual o impacto no sector bancário e financeiro?

Haverá uma deterioração no crédito malparado devido ao encerramento já mencionado das PME, ou devido ao facto de estas terem visto as suas receitas sofrerem uma grande redução. Acresce-se a realidade de milhares de indivíduos que estão desempregados ou que passaram a ter muito menos rendimentos. Antes que a bolha de crédito rebente, dever-se-ia equacionar o estabelecimento de moratórias para esses casos.

E no período pós-pandemia, que análise faz?

Creio que será necessário o Governo injectar mais recursos financeiros na economia local. Mas devemos fazer muito mais para reduzir essa dependência [do jogo] e é aqui que entra a proclamada diversificação económica. Desde há várias décadas que é uma das palavras-chave das linhas de acção governativa e, com raras excepções, não são mais do que um ‘copy-paste’ do que é proposto em anos anteriores. Se queremos tornar real a diversificação económica em Macau, tem de se definir a estratégia e os objectivos a prosseguir, bem como o respectivo calendário de execução.

Que tipo de medidas concretas devem ser adoptadas? 

Poder-se-ia proceder ao lançamento em Macau do turismo de saúde de qualidade mundial. Temos tido uma média de mais de 30 milhões de visitantes por ano, a maioria proveniente da China. Sem grande esforço poder-se-ia atrair parte deles para efectuarem exames médicos em Macau (ou em Hengqin), em hospitais que oferecessem um serviço médico de excelência. Dever-se-ia definir uma estratégia e um roteiro, por exemplo, até 2025, para uma iniciativa que incluísse uma visão para a inovação e tecnologia, com a criação (eventualmente em Hengqin) de um parque tecnológico do tipo ‘Cyberport’, de Hong Kong e em que, nesse plano, se contemple a hipótese de, dentro de alguns anos, os casinos estarem a operar em ‘Blockchain’.

Também se fala muito da relação comercial com os países de língua portuguesa para diversificar a economia. Que passos devem ser dados?

Aqui dou especial ênfase aos países africanos de língua portuguesa e a Timor-Leste, pois o comércio entre Macau e esses países é praticamente inexistente. Há um elevado risco de crédito dos restantes países de língua portuguesa e os exportadores locais têm receio legítimo de encetarem qualquer actividade comercial com os países em causa. Desta forma, há que proporcionar garantia para os riscos políticos que advêm desse relacionamento comercial. A forma mais eficaz, como fez a China e Hong Kong, é o seguro de crédito a ser disponibilizado por uma seguradora local de capitais públicos, com a concessão de garantia governamental para esses riscos políticos e até os meramente comerciais. Essa garantia teria de merecer a aprovação da Assembleia Legislativa, o que creio que não seria difícil de obter, atendendo que são muitos os deputados a criticar o valor muito residual que representam as exportações de Macau para os ditos países no total das exportações locais.

Ainda foi a tempo de observar as mudanças no regime offshore, que deixa de vigorar já em Janeiro. É um avanço para o sistema financeiro?

Macau deveria ter um centro offshore com outras bases, e temos condições para isso. Houve uma grande evolução do sistema financeiro, com as novas tecnologias, e a nossa tributação é muito mais baixa do que em Hong Kong e Singapura, que têm centros offshore.

Mesmo que o mundo offshore tenha hoje uma má imagem. 

Há centros de grande envergadura com supervisões mais eficientes, tal como as Bermudas, por exemplo. Mas há centros offshore que deveriam ser banidos quando são usados para actos de corrupção e lavagem de dinheiro. Quando estiveram cá os bancos portugueses, os clientes eram portugueses. Eles punham cá o dinheiro para não terem de pagar tantos impostos em Portugal. Aí havia evasão fiscal, mas não quer dizer que houvesse branqueamento de capitais.

Que análise faz ao caso FinCEN e aos milhões transaccionados a partir do BNU e do Banco da China?

Os bancos em causa participaram, como era o seu dever, a suspeita que determinadas transacções indiciavam ao Gabinete de Informação Financeira, que posteriormente fez o seu tratamento. O controlo interno desses bancos funcionou em pleno. Isto surge como uma arma de arremesso dos americanos, em plena guerra comercial entre os EUA e China. Macau pertence à China e criaram essa suspeita de que, em Macau, havia uma série de situações irregulares que os bancos cometeram. Não, os bancos não cometeram nenhuma irregularidade. Penso que, neste caso, houve alguma conotação política.

Muito se tem falado sobre a verdadeira eficácia do Fórum Macau. O que tem a dizer sobre esta matéria?

A China tem feito um desenvolvimento notável do comércio e investimento com os países de língua portuguesa, com linhas de crédito com Angola, Cabo Verde e Moçambique. As empresas e os produtos chineses são cada vez mais vendidos nos países de língua portuguesa. Em Macau, pelo contrário, nada foi feito. São sempre feitos serviços mínimos, as visitas de delegações e a assinatura de protocolos de cooperação têm poucos resultados. O Fórum, em relação à China, é positivo, mas em relação a Macau é negativo em termos de resultados.

Fala-se muito na criação de um “sistema financeiro de Macau com características próprias”. O que tem a dizer sobre esta matéria? 

Não tenho conhecimento da existência de um plano para o sistema financeiro, e se existe deve estar nos gabinetes. As notas sobre esse sistema financeiro, constantes nas diversas linhas de acção governativa, não constituem qualquer plano director, mas sim conjuntos de ideias avulsas, muitas vezes sem correspondência com a realidade local. A pedido da AMCM até preparei em 2018 um plano director para a formação de talentos para o tal sistema financeiro, o qual não mereceu qualquer ‘feedback’, pelo que o IFF foi lançando uma série de acções de formação. Do que apreendi, esse sistema financeiro teria como pilares os bancos e as seguradoras tradicionais, a locação financeira, os ‘trusts’, a gestão de patrimónios privados por entidades especializadas, uma bolsa de diamantes e ouro, e outra bolsa, esta de valores, bem como a emissão de títulos verdes (‘green bonds’), e a tecnologia FinTech. Ora nada disto contribui para que se diga que o sistema financeiro de Macau tem características próprias, pois tudo isso já existe em qualquer centro financeiro de renome. Além disso, embora se tenha feito uma alteração à legislação sobre a locação financeira, não há condições em Macau para se desenvolver.

Porquê? 

Esse instrumento serve para o financiamento de projectos de grande envergadura e, em Macau, quando estes têm iniciativa governamental são financiados por dinheiros públicos. Quando têm origem no sector privado, com os casinos, há uma nítida preferência por empréstimos bancários sindicados. A narrativa dos países africanos de língua portuguesa e Timor-Leste utilizarem o sistema de locação financeira de Macau para comprarem equipamentos à China não me merece credibilidade, pois, além de outros factores, tal implicaria que as empresas chinesas aceitassem a jurisdição de Macau para dirimir os litígios, o que creio não vá acontecer.

E relativamente aos “trusts” e gestão de patrimónios privados? 

Os ‘trusts’ são de difícil implementação em Macau pois são de base anglo-saxónicas, com a Common Law como sistema jurídico. Será difícil, mesmo que a nível jurídico se opere algum milagre. Quanto à gestão de patrimónios privados, será que se pretende atrair fundos de milionários da China? Se assim for, há que tomar cuidados acrescidos em relação à origem desses fundos, pois o risco de branqueamento de capitais aumentará exponencialmente. Também se questiona a necessidade de existirem ‘entidades especializadas’, pois os bancos e seguradoras do ramo vida autorizadas a operar em Macau já prestam esse serviço com excelente qualidade. Tendo em atenção o rígido controlo das autoridades chinesas em relação às transferências transfronteiriças de fundos por parte dos seus cidadãos, acho que se está a seguir um caminho em que há muita poeira no ar.

Há também a ideia de criar uma bolsa de valores em Macau. 

Coloco muitas dúvidas sobre a sua viabilidade. A maioria das empresas de Macau são PME, grande parte delas nem segue padrões contabilísticos internacionais ou são auditivas. Por isso, não podem ser listadas em nenhuma bolsa de valores que se preze. Por outro lado, os casinos, bancos e seguradoras, já estão listadas nas bolsas de Hong Kong, Xangai e Shenzhen. Será que se pretende uma bolsa da segunda ou terceira divisão para aceitar as empresas que forem rejeitadas, por exemplo, na bolsa de valores de Shenzhen? Se for isso, então é pior, pois iria afectar a imagem de Macau, com o seu grau de risco reputacional, como centro financeiro, a registar uma grande deterioração.

27 Set 2020

Fotografia | Quarta edição da revista Zine Photo dedicada aos lugares de Macau 

A última edição da revista Zine Photo, um projecto fotográfico de João Miguel Barros, foca-se totalmente em Macau. Sempre a preto e branco, é uma revista “mais focada nos lugares, ainda que não esquecendo as pessoas”. O território poderá voltar a ser objecto de uma nova edição a sair no próximo ano, diz o criador do projecto

 

[dropcap]O[/dropcap] quarto número da revista de fotografia Zine Photo, projecto de João Miguel Barros, sai no mês que vem e é inteiramente dedicada a uma Macau a preto e branco e aos seus lugares peculiares. Este é o número que se chama apenas “Macao” e que se aponta menos para as pessoas.

“Independentemente do lado estético da fotografia, há o seu conteúdo. E é aí que esta Zine Photo pode ser diferente das anteriores, que eram mais emocionais, que tinham a possibilidade de suscitar uma adesão mais rápida devido ao lado essencialmente humano que transmitem. A Zine Photo #04 é mais agreste, mais focado em lugares, ainda que não esquecendo as pessoas. As pessoas comuns, e não as glamorosas das páginas cor de rosa, que são aquelas que têm um potencial de riqueza nas histórias que podem contar”, contou João Miguel Barros ao HM.

A nova edição da Zine Photo é sobre uma Macau “que não é o mundo da perfeição, porque a realidade não se ajusta apenas com leis, regulamentos e disciplina”. Há, também, “um lado diferente, que é exótico para quem aqui chega pela primeira vez mas para quem, como eu, já aqui vive há algumas décadas, fere por vezes o olhar. E, para o bem ou para o mal, a minha ‘elaboração mental’ força-me a tentar conseguir imagens fortes daquilo que tenho perante mim”, conta o fotógrafo e curador.

João Miguel Barros reconhece que a utilização do preto e branco “dramatiza”, mas essa constitui “uma forma de arte e de estar na fotografia”. “Foi uma estética que adoptei. Mas para ser coerente e rigoroso tenho de me esforçar por olhar com os meus olhos e não com os olhos dos outros. E nem sempre é fácil esse exercício tal a força dos media, das redes sociais e da globalização, que teimam em impor o ‘belo’, o bonitinho”, frisou.

A quarta edição da Zine Photo é “uma aproximação a um trabalho maior sobre Macau que, neste momento, já tem umas dezenas de imagens seleccionadas”. João Miguel Barros teme que este “não seja um trabalho consensual”, citando Ansel Adams: “There are always two people in every picture: the photographer and the viewer.” Isto porque “não há unanimidades na avaliação de uma imagem, por muito impactante que seja”.

Para realizar esta edição, João Miguel Barros inspirou-se em dois projectos recentes nos quais esteve envolvido, um deles como curador, como é o caso da exposição YiiMa, com trabalhos de Guilherme Ung Vai Meng e Chan Hin Io, e que esteve patente no Museu Berardo, em Lisboa, com trabalhos “que mostram Macau de uma forma única e inigualável”. A exposição do fotógrafo austríaco Andreas Bitesnich, “Deeper Shades”, que incide sobre cidades, foi outro dos impulsos que ajudou a dar corpo ao projecto.

Outra a caminho

O lançamento do projecto Zine Photo previa quatro edições este ano, mas a iniciativa não se fica por aqui. “O trabalho mais fácil sobre Macau está quase feito, apenas precisa de ir sendo actualizado. O trabalho mais difícil é aquele que me motiva a continuar e a não dar por terminado este projecto sobre Macau, que deverá merecer a publicação de uma outra Zine sobre a cidade e as suas gentes daqui a um ano, ou talvez na altura da edição do Festival Literário de Macau de 2022”, confessou João Miguel Barros.

O fotógrafo, que é também advogado, assume que “o trabalho mais difícil é entrar na intimidade das pessoas, daquelas que vivem na penumbra, que sofrem e que não são tocadas pelas luzes do deslumbramento que a cidade provoca e promove, com os seus casinos e luxos vários”.

A Zine Photo é, também, um reflexo desse outro lado. “A vida em Macau rola muito para além dessa máquina de vender ilusões. E é a esse ‘outro lado’ que me seduz e atrai, ao qual eu quero tentar chegar. Só então poderei dar como terminado o meu projecto sobre esta cidade que me acolheu há mais de trinta anos”, rematou.

Esta edição chega “em tempos de pandemia e muitas incertezas”, sempre “com trabalhos próprios, como se fossem fascículos de um trabalho maior”. João Miguel Barros confessa que sempre tem resistido a fotografar Macau “numa perspectiva mais sistemática e tendo como objectivo a publicação”.

Uma posição que mudou nos últimos anos. “Decidi avançar com essa ideia, quebrando o bloqueio que sempre tive de não conseguir olhar de forma descomprometida, curiosa, mas também crítica, para o que me rodeia.”

Para o fotógrafo, “as rotinas castram a imaginação”, pois “passar todos os dias pelos mesmos lugares banaliza o olhar”. É daí, defende, que surge a influência das “imagens bonitas que servem para promover o turismo que nos enchem a imaginação e os sonhos”. “A pergunta que surge é de imediato: mas Macau é isto?”, questiona. A nova edição da Zine Photo diz-nos que não.

24 Set 2020

Marika Cukrowski, curadora do World Press Photo: “É importante ter uma presença em Macau”

A exposição das fotografias vencedoras do World Press Photo, promovida pela Casa de Portugal de Macau, é hoje inaugurada na Casa Garden, às 18h30, onde pode ser vista até ao dia 18 de Outubro. Ao HM, Marika Cukrowski, curadora de um dos maiores concursos de fotografia do mundo, falou de uma edição cheia de imagens de esperança e força. As manifestações que decorreram em vários lugares do mundo, incluindo Hong Kong, são um tema central

 

[dropcap]U[/dropcap]m jovem toca no peito, à noite, enquanto grita qualquer coisa, que soa como uma mensagem de esperança. A mensagem é poesia recitada no meio de uma manifestação no Sudão, a 19 de Junho de 2019. Enquanto recita poemas, o jovem é iluminado por telemóveis empunhados por outros jovens.

Esta imagem, captada pelo fotógrafo japonês Yasuyoshi Chiba, da agência France-Press, venceu a edição deste ano do World Press Photo e pode ser vista até ao dia 18 de Outubro na Casa Garden, numa iniciativa que conta mais uma vez com o apoio da Casa de Portugal. O regresso da mostra a Macau deixa Marika Cukrowski, uma das curadoras do World Press Photo, muito satisfeita.

“Estamos muito empolgados com o facto de esta exposição acontecer como habitualmente, mesmo com todas as alterações que decorreram este ano. Podemos não estar presentes na inauguração, mas assegurámos a sua continuação. É importante para nós ter esta presença [em Macau] para diversificar ao máximo o concurso e Macau é sempre um lugar interessante para estarmos, por ser um local onde várias culturas existem”, contou ao HM.

Esta é uma edição muito marcada por protestos em vários pontos do mundo, incluindo Hong Kong. São protestos que se calaram subitamente devido à pandemia da covid-19, mas cujas mensagens e ideias continuam a existir.

“Temos várias histórias e imagens simbólicas de manifestações em vários lugares no mundo. Temos a Foto do Ano, tirada no Sudão, temos os protestos de Hong Kong, uma imagem sobre os protestos no Chile. Mesmo a História do Ano é sobre os protestos na Argélia [Kho, the genesis of a revolt, de Romain Laurendeau]. Não se trata apenas de um lugar, mas é uma espécie de onda que chegou em 2019.”
Marika Cukrowski considera que a Foto do Ano é, sem dúvida, uma das imagens mais impressionantes do concurso. “Esta é uma imagem que sobressai em relação às outras, porque não é gráfica e está cheia de esperança. É muito representativa do tema deste ano. Desde 2018 que temos tido essencialmente temas ligados a manifestações e jovens que protestam sem recorrer a qualquer tipo de violência.”

Batalhas de Hong Kong

Os protestos de Hong Kong que decorreram em força no ano passado são um dos temas dominantes da edição deste ano do World Press Photo. Exemplo disso é o trabalho vencedor na categoria storytelling “Interactive of the Year”, intitulado “Battleground PolyU”. Com produção de DJ Clark e China Daily, trata-se de um trabalho digital de storytelling sobre os intensos protestos que decorreram nas instalações do Instituto Politécnico de Hong Kong.

“Foi sem dúvida um grande acontecimento que decorreu durante muito tempo. Há muitas imagens diferentes, tiradas durante um longo período de tempo, e todas elas são muito poderosas e simbólicas”, disse a curadora do concurso.

O trabalho de Nicolas Asfouri, intitulado “Hong Kong Unrest”, nomeado para a categoria “Story of the Year” é outro exemplo da forte presença das manifestações de 2019 no concurso. “Ele cresceu na Dinamarca e viajou para Hong Kong para cobrir os protestos, embora já tivesse feito a cobertura das manifestações durante o movimento dos guarda-chuvas. Disse estar surpreendido por estar tudo muito bem organizado e por haver muitos jovens desta vez”, contou Marika Cukrowski.

Para a responsável, a fotografia mais importante desta série de 10 imagens é o retrato de várias estudantes, com os seus uniformes escolares, de mãos dadas. “Normalmente associamos esta imagem a estudantes a caminharem nos corredores das escolas, mas aqui estão nas ruas, de mãos dadas, com as máscaras colocadas. É uma imagem muito poderosa e representativa das pessoas que se mantiveram de pé, a lutar pela sua liberdade.”

Ambiente e neonazismo

Além dos protestos, as questões ambientais voltam a marcar presença na edição deste ano, não só numa categoria em nome próprio, mas também na categoria de questões contemporâneas. “Temos imagens sobre os fogos na Austrália e também sobre os incêndios na Califórnia, ou sobre lagos que estão a secar em vários pontos do mundo. Este é sem dúvida um tema que está presente em várias categorias e assim vai continuar.”
Marika Cukrowski destaca também o trabalho do fotógrafo Mark Peterson, e que é o retrato de vários membros do grupo neonazi Shield Wall Network a celebrar o aniversário de Adolf Hitler num barco, no estado de Arkansas, EUA. Esta imagem ficou em terceiro lugar na categoria de questões contemporâneas.

“É uma imagem de confronto. Nem sempre é óbvio que os neonazis existem, mas a verdade é que nos EUA estes grupos estão a crescer. Esta foto é importante porque revela isso mesmo, bem como o facto de as pessoas não terem mais receio de pertencer a grupos neonazis. Esta é uma questão contemporânea preocupante. Parece ser uma minoria, mas a verdade é que está a crescer”, frisou.

Em primeiro lugar na categoria de questões contemporâneas, mas com uma única imagem, ficou o trabalho de Nikita Teryoshin, intitulado “Nothing Personal – The Back Office of the War”, tirada em Abu Dhabi por ocasião do International Defence Exhibition and Conference (IDEX).

“Esta imagem documenta o negócio da venda de armas e é algo muito poderoso. Este ano os protestos estão muito presentes no concurso, mas nos últimos anos a guerra foi um tema dominante. Então é interessante perceber de onde vêm estas armas e esse é um assunto que esta imagem explora, há muito dinheiro envolvido. Ele [Nikita Teryoshin] foi lá fotografar as pessoas sem revelar os seus rostos”, concluiu a curadora.

23 Set 2020

FAOM sem consenso sobre possível apresentação na AL de projecto de lei sindical 

[dropcap]O[/dropcap]s deputados ligados à Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) ainda não chegaram a consenso quanto à possibilidade de apresentarem um novo projecto de lei sindical na Assembleia Legislativa (AL). Na conferência de imprensa de ontem, que serviu para fazer um balanço da última sessão legislativa, foram apresentadas posições diferentes sobre o assunto.

Para Lam Lon Wai, eleito pela via indirecta, cabe ao Governo apresentar a proposta, ouvindo as posições do Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS) e da população. “A lei sindical só tem vantagens para a sociedade e estamos optimistas em relação à legislação”, disse. Ella Lei lembrou que o Governo prometeu avançar para a lei sindical, defendendo uma discussão com a sociedade sobre a elaboração do diploma, a fim de incluir os direitos sindicais e o direito de participação dos trabalhadores.

Já Lei Chan U, frisou que a lei sindical já foi chumbada no hemiciclo mais de dez vezes, mas que o consenso em torno desta questão ainda está a ser construído junto da sociedade. O deputado lembrou que o último relatório do CPCS sobre este assunto revela que há uma maior proporção de pessoas a pedir a lei sindical o quanto antes. Lei Chan U sublinhou que este diploma é necessário, além de já ter sido prometido pelo actual Chefe do Executivo, Ho Iat Seng.

Dúvidas e pandemia

Relativamente ao trabalho desenvolvido na qualidade de deputados, Lei Chan U lembrou que a FAOM recebeu, em contexto de pandemia, muitos pedidos de ajuda da parte de trabalhadores do sector da restauração, construção civil, logística e jogo. O deputado disse que na próxima sessão legislativa é importante melhorar a questão dos salários em atraso e implementar uma maior regulação das licenças sem vencimento, bem como reforçar o combate ao trabalho ilegal.

Além das preocupações relacionadas com a pandemia, a FAOM lidou também com queixas sobre habitação e trânsito. Os deputados, como Ella Lei, expressaram o desejo de que o Governo possa melhorar o planeamento urbanístico e a utilização dos terrenos.

Ella Lei frisou que é necessário estabelecer um calendário na área da habitação pública, a pensar nos candidatos em lista de espera e pede a construção de mais apartamentos T2 ou T3 para os candidatos com famílias maiores, além de dizer ser necessário criar mais políticas de habitação para a chamada classe sanduíche.

O deputado Leong Sun Iok afirmou esperar que o Executivo apresente o projecto completo do metro ligeiro com mais detalhes sobre o orçamento e o segmento da Ilha de Hengqin. Além disso, o tribuno defendeu que o Governo deve recorrer aos terrenos não aproveitados para criar mais parques de estacionamento provisórios. Ainda na área do planeamento urbano, Lam Lon Wai pede o aproveitamento de 40 terrenos que ainda estão por recuperar, como é o caso do terreno à entrada da Taipa destinado ao parque temático Oceanis ou onde está a velha fábrica de panchões Iec Long. O deputado deseja ainda que sejam criadas mais zonas verdes nos novos aterros ou em zonas costeiras na península e ilhas.

23 Set 2020

Comunidades | Elogios a programa de apoios de Portugal, apesar do cepticismo

Concurso para financiar movimentos associativos é uma boa iniciativa, os apoios são bem-vindos, mas as associações de Macau lidam com falta de informação e um histórico de inactividade de Portugal no que diz respeito a apoios vindos de Lisboa

 

[dropcap]U[/dropcap]ma iniciativa que merece muitos elogios, mas olhada com algum cepticismo devido a muitos anos de inactividade. É desta forma que as associações locais ouvidas pelo HM encaram o concurso promovido pelo Estado Português para financiar os movimentos associativos das comunidades portuguesas.

A abertura de candidaturas para que as associações que servem as comunidades portuguesas decorre entre 1 de Outubro de 31 de Dezembro de 2020 e este ano, ao contrário do anterior, a iniciativa foi promovida pelo Consulado nas redes sociais.

A promoção não passou despercebida às associações locais, que elogiam a iniciativa, apesar de já terem aprendido a viver sem apoios vindos de Portugal. É este o cenário traçado por Amélia António, presidente da Casa de Portugal, e Miguel de Senna Fernandes, presidente da Associação dos Macaenses.

“Considero que pode ser um apoio muito importante, até porque há associações que não conseguem outros apoios. Até para nós [Casa de Portugal] haver esta possibilidade é importante porque os apoios podem sempre tapar buracos no orçamento”, considerou Amélia António.

A importância não se prende apenas com a questão financeira, é também política, principalmente quando a associação depende do financiamento de instituições ligadas ao Governo da RAEM. “É muito desagradável estar num sítio onde se está completamente dependente das ajudas locais e do país onde se está, e ao mesmo tempo que não sem tem ajuda nenhuma do país de origem”, vincou. “Cria situações delicadas, principalmente quando se pede ajuda. Às vezes ouvem-se coisas de que não se gosta”, acrescentou.

Falta de informação

Por sua vez, Miguel de Senna Fernandes apontou o facto de haver pouca informação sobre este concurso junto das associações locais, o que faz com que persistam ainda muitas dúvidas. “A intenção é boa, e é sempre de louvar quando o Ministério dos Negócios Estrangeiros toma uma iniciativa a pensar na diáspora, mas era bom que nos dessem mais informação sobre o programa. Só espero que não seja apenas uma manifestação de boas intenções” disse o presidente da ADM.

Já sobre o facto de as associações locais terem aprendido a viver sem contar com apoios de Portugal e deste apoio ser tardio, Miguel de Senna Fernandes mostra-se resignado. “É uma boa iniciativa. Mas nós já parámos de nos queixar há muito tempo [por não haver apoios de Portugal] porque sabemos como as coisas são”, admitiu. “Eles têm tantos problemas internos que não têm tempo para a diáspora. É esta a ideia que tenho. E não me engano muito se considerar que outras associações congéneres pensam o mesmo sobre o Governo de Portugal”, atirou.

Neste momento, os representantes das duas associações admitem que a informação que possuem ainda é escassa e ainda não se debruçaram sobre este dossier, até porque têm outros problemas e a entrega das candidaturas só começa a partir do mês de Outubro. No entanto, ambos mostraram a intenção de se candidatarem.

Segunda vez

Criado pelo Governo de Portugal, em 2017, o primeiro concurso para atribuir apoios às associações sem fins lucrativos e ligadas às comunidades portuguesas foi lançado no ano passado, também entre 1 de Outubro de 31 de Dezembro.

Segundo a informação publicada no portal das Comunidades Portuguesas foram distribuídos cerca de 560 mil euros a 95 projectos, alguns dos quais pertencentes às mesmas associações, como foi o caso da Associação Portuguesa Cultural e Social de Pontault-Combault e a Cap Magellan, situadas em França.
Na lista de candidaturas apoiadas e rejeitadas não há qualquer associação com ligações a Macau.

22 Set 2020

Educação | Fusão da DSEJ e da DSES concluída este ano 

[dropcap]L[/dropcap]ou Pak Sang, director dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), garantiu, em resposta a uma interpelação escrita do deputado Ho Ion Sang, que o processo de fusão da DSEJ com a Direcção dos Serviços de Ensino Superior (DSES) deverá estar concluído ainda este ano. “O regulamento administrativo já se encontra na fase final de preparação e, de acordo com o plano, a fusão destes dois serviços será concluída e implementada este ano para reorganizar, combinar e integrar as suas funções, bem como para melhorar a coordenação e a eficácia das políticas de educação.”

A mesma resposta dá conta de que a revisão da lei que regula o ensino técnico-profissional também deverá estar concluída em breve. “A discussão e o relatório dos trabalhos de revisão do actual regime de ensino técnico-profissional foram concluídos recentemente. O texto encontra-se, de momento, na fase de elaboração do projecto de regulamento administrativo, prevendo-se a sua publicação em 2021”, aponta Lou Pak Sang.

O director da DSEJ adiantou alguns dados relativos ao ensino técnico-profissional no ano lectivo anterior. No ensino superior, dos 108 cursos de licenciatura que funcionaram no ano lectivo de 2019/2020, mais de 60 por cento, cerca de 70 cursos, concentraram-se no ensino com orientação profissional, ligados a várias áreas especializadas como a terapia da fala e da linguagem, enfermagem ou tradução, entre outras. No ensino secundário, nove escolas oficiais e particulares realizaram 35 cursos técnico-profissionais, além de que mais de 130 empresas ou entidades proporcionaram aos alunos os estágios profissionais.

22 Set 2020

Andrew Leung, académico e consultor: “Os EUA sentem que a China está a comer o seu almoço”

Andrew Leung, académico, consultor e cronista de Hong Kong, é um dos oradores numa palestra online, organizada pela Universidade Autónoma de Lisboa, que tem hoje início e onde se vai abordar o crescimento dos países euro-asiáticos, o multilateralismo e o papel que a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” tem nesse contexto. Andrew Leung, diz que o cenário de tensões e de multilateralismo não vai mudar com a eleição de um novo Presidente nos EUA, e defende que será difícil cimentar a liderança chinesa a nível global

 

[dropcap]A[/dropcap] sua palestra aborda o posicionamento da China nos dias de hoje por oposição ao dos EUA. Mas afirma também que vivemos num mundo multilateral.

Temos hoje uma nova ordem mundial dividida por poderes crescentes onde se inclui a China, claro, que é o país que mais compete com os EUA. Mas temos também a Rússia, Índia e outros poderes no Médio Oriente, como o Irão. O mundo está a mudar porque tem sido dominado pelo Ocidente, mas hoje temos o crescimento de poderes continentais mais tradicionais, como os países que referi. Temos então um crescimento da Eurásia e o conflito entre a China e os EUA é apenas uma parte de todo o cenário. Esta mudança de poderes é influenciada por esse conflito, mas não só. Há também outros competidores, sobretudo na Eurásia.

A Europa está a perder peso no palco mundial?

Estamos a assistir ao crescimento da Ásia contra a Europa, que está a tornar-se mais fracturante, particularmente com o Brexit, e também em termos demográficos, pois a população está envelhecida. Mesmo a Europa, como um todo, tem hoje uma economia maior do que a norte-americana, mas não é um país, é um conjunto de nações com muitos interesses. Temos todas estas dinâmicas multilaterais. O mundo era dominado pela hegemonia americana. A China não consegue retirar a liderança aos EUA, não tem capacidade para o fazer e não o quer fazer, pois o país não está interessado em intrometer-se nas questões de outros países. Mas à medida que a China se torna maior e mais influente isso reflecte-se na economia americana. O medo dos EUA é que, com o fortalecimento da China, a influência norte-americana a nível económico ou militar na Ásia-Pacífico seja ameaçada ou sofra mesmo uma erosão. Há vários factores em jogo e a guerra comercial entre a China e os EUA é apenas um deles.

Não enfrentamos uma Guerra Fria, mas é uma guerra com várias frentes. Qual o caminho para a paz global?

Antes da II Guerra Mundial não havia a bomba atómica. Mas hoje os EUA, EUA e Índia são potências nucleares, e também temos a questão dos mísseis, que estão cada vez mais sofisticados. A China está a apostar numa posição simétrica: não tem de ser igual ao seu adversário, mas tem poder. No tempo da Administração Nixon, na Guerra Fria, os EUA tinham como inimigo a URSS. A China era um país extremamente pobre e era considerado pela Administração Nixon como um parceiro para os interesses americanos contra os soviéticos. Foi um período de lua de mel, porque servia a ambos os países.

Mas isso mudou.

Depois surgiu a Organização Mundial do Comércio (OMC), a economia chinesa estava a desenvolver-se, produzia sapatos e t-shirts, o tipo de coisas que já não se produziam nos EUA. Os EUA queriam ajudar a China a entrar para a OMC, porque muitas fábricas americanas poderiam mudar-se para a China e o país poderia também liberalizar-se. Essa era a esperança. Contudo, todos estes anos depois, a China já não está a produzir sapatos e compete com os EUA em campos como a rede 5G, por exemplo. Os EUA sentem que a China está a comer o seu almoço, além de que se assiste a uma mudança de dinâmicas no Mar do Sul da China. A China agora está a aproximar-se ao Ocidente através do projecto “Uma Faixa, Uma Rota”, para que o comércio de gás e combustível possa ser feito por terra através do Médio Oriente para a Europa. Daí o interesse em desenvolver as economias na Eurásia. Já a Rússia quer manter a sua influência e tem interesses comuns com a China.

As presidenciais americanas estão marcadas para Novembro. Poderemos ver alguma mudança neste cenário de multilateralismo com um novo presidente americano?

Não creio. A ordem mundial continua, com o crescimento de países em desenvolvimento e a mudança de poder do Ocidente para o Oriente, e também com o foco na China enquanto potência emergente e a ameaça ao domínio americano. Se olharmos para os democratas, há um consenso de que a China é uma ameaça existencial para os EUA em termos económicos, militares, tecnológicos, de direitos humanos e ideológicos. Um recente inquérito da Pew Research Center revela que cerca de 60 por cento dos americanos têm uma visão negativa da China. Isto porque olham para a mudança que está a acontecer no mundo e, claro, não gostam da política chinesa e da violação dos direitos humanos. Também não gostam do desafio que a ascensão chinesa representa para a influência americana. Muitos não compreendem a China e pensam que o país vai substituir os EUA na liderança mundial, mas a China não é capaz de fazer isso.

Porquê?

Nem todos os países vão aceitar a liderança chinesa. A China está a aumentar a sua influência para defender os seus próprios interesses, e por isso é que a tendência [de um mundo multilateral] se irá manter. Este conflito entre a China e os EUA não é apenas comercial, militar ou ideológico, baseia-se também numa percepção. Porque é que tantos países seguiram, ao longo de todos estes anos, a liderança norte-americana? Por causa dos valores. Não apenas as instituições democráticas, mas a capacidade de o país assumir a liderança mundial.

Os candidatos às presidenciais norte-americanas têm perfis diferentes, e isso pode mudar a relação do país com a China.

Não acredito que muitas pessoas na China se preocupem se Trump ganhar um segundo mandato. Biden é mais equilibrado, mas a percepção de que a China é um desafio não vai mudar.

Na sua palestra aborda também a relação que a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” tem nesta questão do multilateralismo.

Este projecto comporta uma faixa económica entre a China e a Ásia Central, a caminho da Europa, que liga a China ao Ocidente. Há também uma rota marítima que vai até ao Mar Mediterrâneo e Mar Vermelho. A China tem vindo a falar também da Rota da Seda digital que, na verdade, liga todo o mundo. Esse é o plano da China em prol de uma maior globalização e multilateralismo. Mas claro que no final todas as ligações vão dar à China. Segundo um estudo recente da Goldman Sachs, mesmo que a economia chinesa esteja a abrandar, é ainda possível que esta se transforme na maior do mundo em 2032. Mas não é possível o PIB chinês ultrapassar o PIB americano. O PIB não é sinónimo de poder a nível mundial. Temos Macau, com um PIB muito maior do que o de Hong Kong, mas com muito menos poder. O poder de um país depende também da dimensão da sua economia e da sua conectividade. Esse dia vai chegar para a China mas, por outro lado, a trajectória da nação está a tornar-se mais difícil, porque há uma imagem negativa do país. A China tem hoje mais poder e uma maior capacidade para defender os seus interesses, mas isso gerou um maior conflito.

Hong Kong é uma das peças neste conflito entre a China e os EUA.

Hong Kong sempre foi uma economia aberta e muito dependente do comércio e sistema financeiro internacionais. Mesmo antes da transferência de soberania, já Hong Kong era um membro independente da OMC. Os EUA não reconhecem hoje esse estatuto autónomo, devido às sanções, mas a OMC não depende da autoridade norte-americana. O estatuto mantém-se, mas há o risco de erosão, e isso é muito perigoso para Hong Kong. O sector financeiro é dominado por muitos bancos americanos que beneficiam da existência de uma bolsa de valores. Mas estes bancos não recorrem apenas a Hong Kong, usando o território como base para fazerem negócios em todo o mundo. Acredito que os bancos americanos estão a ser muito cuidadosos para não saírem muito do barco [neste momento].  Mas não são apenas as tensões em Hong Kong que estão em causa no conflito entre a China e os EUA. Há Taiwan, o Mar do Sul da China, Xinjiang. Hong Kong é uma peça neste tabuleiro de xadrez, e está num fogo cruzado. Mas como disse há uma forte presença americana em Hong Kong e a banca dos EUA está a usar Hong Kong e a existência do princípio “um país, dois sistemas” para fazer negócios com o resto do mundo e também para negociar com o mercado chinês.

A lei da segurança nacional veio alterar um pouco as coisas.

Hong Kong continua a estar bem posicionado porque faz parte da China. Mesmo com a imposição da lei de segurança nacional o território continua a ser muito diferente do que se passa do outro lado da fronteira. A China quer que Hong Kong continue a actuar de forma autónoma, sobretudo para as empresas chinesas que usam o território para aceder a mercados internacionais. Acredito que o acordo de livre comércio RCEP (Regional Comprehensive Economic Partnership) pode entrar em vigor mais cedo ou mais tarde, têm sido feitos progressos. Caso entre em vigor no próximo ano Hong Kong estará muito bem posicionado.

Que análise faz a esse posicionamento no contexto euro-asiático?

Hong Kong, enquanto centro financeiro internacional, tem um papel a desempenhar na iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, que inclui a zona da Eurásia e também da Ásia-Pacífico. Há muitas oportunidades de investimento para os profissionais de Hong Kong, como os advogados, que alargam o campo de acção na área da arbitragem. Hong Kong pode também ser usado como peça central em termos de implementação da Common Law. Haverá um crescente interesse por parte dos profissionais de Hong Kong e das suas instituições.

Macau é um território bem mais pequeno, mas também tem um papel neste contexto euro-asiático?

Macau pode apostar na área tecnológica, e foi assinado recentemente um acordo com o grupo Alibaba para transformar o território numa cidade inteligente. Isso é encorajado por Pequim, porque nos últimos anos o território tem estado dependente de uma única indústria, o jogo. Agora há uma aposta na diversificação económica e a tecnologia é um exemplo. Mas há uma coisa que Macau tem, ao contrário de Hong Kong, que é o legado português. Com a língua portuguesa há uma aproximação ao Brasil, por exemplo, que é um grande parceiro da China. O Governo de Macau tem vindo a desenvolver uma maior relação com os países de língua portuguesa.

22 Set 2020

Cinemateca Paixão | Conversa com realizadores marcada para sábado

É já este sábado que a Cinemateca Paixão acolhe a palestra “Cineastas de Macau: A sua jornada para o cinema”, que conta com a presença da realizadora Tracy Choi e de Stanley Kwan, de Hong Kong. Jenny Ip, gestora do espaço, acredita que este tipo de iniciativas aproxima mais o público da renovada cinemateca

 

[dropcap]A[/dropcap] Cinemateca Paixão promove, este sábado, uma conversa online entre realizadores de Macau e de Hong Kong. “Cineastas de Macau: A sua jornada para o cinema” acontece entre as 15h e as 16h e conta com a participação de Tracy Choi e de Oliver Fa, realizadores de Macau, que vão trocar experiências como cineastas com Stanley Kwan, realizador de Hong Kong.

Ao HM, Jenny Ip, gestora de operações da In Limitada, a nova concessionária da Cinemateca Paixão, declarou ser “uma honra” poder contar com a presença de Stanley Kwan.

“Vai ser uma sessão de partilha sobre a sua forma de fazer cinema. Esperamos que possam ser partilhadas muitas ideias nesta sessão.”

Para Jenny Ip, a palestra online vai proporcionar maior aproximação [da Cinemateca Paixão] com o público. “Um dos nossos objectivos é, nos próximos dois anos, trazer a Macau mais produtores e realizadores do estrangeiro, para que possam partilhar as suas ideias com os nossos realizadores. Acreditamos que este tipo de experiência pode ajudar ambos os lados, para que possam aprender novas coisas, algo que ajude no processo criativo”, frisou.

Depois das críticas iniciais por parte de alguns realizadores, a nova gestora da Cinemateca Paixão quer aproximar-se mais daqueles que fazem cinema em Macau. “É necessário tempo, mas o mais importante é mantermos o constante contacto com os realizadores. Temos uma comunicação muito estreita com alguns realizadores e produtores”, disse Jenny Ip.

A responsável pela gestão da Cinemateca Paixão adiantou ainda que acompanha de perto muitos dos filmes que estão a ser rodados neste momento, para que possam vir a integrar o programa.

“Sabemos que muitos dos realizadores e produtores estão a meio da fase de produção de filmes e vamos acompanhando o progresso do trabalho. Depois de terminarem as produções, gostaríamos de agendar a exibição dos filmes na Cinemateca.”

Bilhetes vendidos

Neste momento, a Cinemateca Paixão tem apresentado alguns clássicos do cinema, sessões inseridas no festival “A Love Letter to the Cinema”. Jenny Ip conta que a adesão do público tem sido muito boa, com grande parte dos bilhetes já vendidos.

“Estamos muito felizes. Temos tido bom feedback e até adicionámos novas sessões. Até agora temos tido um bom acolhimento por parte do público e sentimos que é uma boa experiência rever os clássicos.”
Para Jenny Ip, o mais importante é fazer com que os amantes do cinema possam rever obras incontornáveis da sétima arte em tempo de pandemia. “Nos próximos meses, esperamos que o público aprecie o nosso programa e faremos o nosso melhor para trazer bons filmes para Macau”, rematou.

21 Set 2020

CCCM | Macau é prioridade do plano para os próximos 10 anos

Foi apresentado, na sexta-feira, o novo plano de desenvolvimento a 10 anos do Centro Cultural e Científico de Macau em Lisboa. O CCCM quer ser um think-tank, além de investigar personalidades do território como Henrique de Senna Fernandes ou Fu Tak Iam, entre outros. Estão também pensados projectos de investigação sobre o panorama cultural, socioeconómico e político de Macau de 1974 até à actualidade, e um Museu Virtual em parceria com a Universidade de Macau

 

[dropcap]O[/dropcap] Centro Cultural e Científico de Macau (CCCM), em Lisboa, vai sofrer uma profunda renovação estrutural nos próximos anos. Carmen Amado Mendes, presidente da instituição, apresentou na última sexta-feira o plano estratégico de desenvolvimento para 10 anos que tem Macau como prioridade. A estratégia pretende também dar mais visibilidade ao CCCM, e romper com a tendência de “falta de dinamismo” e “recursos humanos e investigadores insuficientes”. Acrescentam-se ainda outros problemas, como a “estratégia de comunicação e imagem”, a “fraca divulgação” ou “edifícios degradados e a fachada pouco apelativa”.

O plano está agora em consulta pública até ao dia 15 de Outubro e pretende atrair a atenção de mecenas que queiram contribuir para a iniciativa. Da parte do Governo português, o investimento será de 3,5 milhões de euros, cerca de 850 mil euros ao fim de cinco anos, prevendo-se a concessão de 10 bolsas de doutoramento e a contratação de mais investigadores.

“Estamos aqui a investir uma quantidade considerável dos recursos públicos que o contribuinte português disponibiliza à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) para valorizarmos os estudos asiáticos centrados na relação Europa-Ásia e no papel importante que Portugal e Macau têm tido nessa relação”, concluiu o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor.

Para Carmen Amado Mendes, trata-se de um “plano ousado, com importantes implicações para o entendimento teórico e empírico da Ásia em Portugal e que visa implementar um novo ciclo na vida do CCCM, contribuindo para a sua projeção”. A presidente, que assumiu funções em Fevereiro deste ano, frisou que é necessário “dar início a uma nova fase da história do CCCM, evitando que o Centro continue a ser percepcionado como uma instituição estagnada, opaca e fechada sobre si mesma”.

Manuel Heitor destacou que o plano visa “manter a narrativa inicial do CCCM, mas projectá-la no mundo”. “Este centro é único e a ideia deste plano é manter a narrativa inicial, sobretudo assente em três principais actividades. Por um lado, a investigação e informação, por outro lado a museologia tendo como base um arquivo único que foi doado a Portugal através deste centro, e o terceiro pilar, do Centro de Documentação e Arquivo”, assinalou o ministro, que disse querer implementar a estratégia até ao final deste ano.

Estudar templos e pessoas

Macau assume um papel primordial no projecto, pretendendo-se apostar mais na investigação histórica. O CCCM quer “contribuir para um melhor conhecimento científico sobre a presença histórica e cultural portuguesa em Macau, bem como estimular os contactos e o diálogo com as culturas orientais”. É também objectivo “contribuir para a preservação do património existente em Portugal que atesta a presença portuguesa em Macau e na região Ásia-Pacífico, em particular na República Popular da China”, entre outros.

Um dos projectos relacionado com Macau é o estudo de personalidades que marcaram o território em várias áreas, tal como João Maria Ferreira do Amaral, Pedro José Lobo, Kou Ho Neng, Fu Tak Iam, Bernardino de Senna Fernandes, Luís Gonzaga Gomes e Henrique de Senna Fernandes.

O CCCM “deve, necessariamente, dar prioridade a Macau em colaboração com investigadores e instituições do território que têm apresentado propostas interessantes”. A nível histórico permanecem “temas negligenciados”, como “o estudo de círculos intelectuais macaenses, particularmente no período de transição do século XIX para o século XX – por exemplo o estudo do historiador macaense Montalto de Jesus”.

Nos próximos 10 anos, o CCCM quer também “analisar a evolução de Macau de 1999 à actualidade, incluindo a investigação sobre o seu desenvolvimento económico, a integração na Nova Rota da Seda e na Grande Baía”. Pretende-se também desenvolver projectos de investigação sobre “a comunidade macaense após a transição para a China, as transformações urbanas ocorridas no Território, incluindo a evolução dos templos e construções religiosas, os mandatos de Edmund Ho e Chui Sai On, as perspectivas para Ho Iat Seng e a experiência das pandemias SARS e covid-19 em Macau”.

Ser e pensar

Mais do que um polo de investigação sobre a presença portuguesa na Ásia, o CCCM quer transformar-se também num think-tank. Este “deve começar a dar os primeiros passos que lhe permitam no futuro vir a assumir-se como o ‘think tank’ de Macau, da China continental e da Ásia em Portugal, posicionando-se como um dos principais pontos de encontro das várias entidades públicas e privadas que trabalham estas temáticas, incluindo investigadores e elementos da sociedade civil”, lê-se no documento.

O plano refere o facto de este ser um projecto “a longo prazo”, com alguma dificuldade de implementação. Ainda assim, o CCCM pretende candidatar-se ao processo de avaliação dos 20 anos do Fórum Macau, que decorre em 2023. “Portugal é o país favorito depois de Macau e Pequim terem ganho os dois concursos anteriores, de 2013 e 2018”, aponta o Plano.

“Adicionalmente, o ‘think tank’ do CCCM pode prestar serviços de consultoria relacionados com cultura asiática a diversas entidades, públicas e privadas, bem como de agilização de contactos entre várias instituições e empresas e entre investigadores e empreendedores”, lê-se ainda.

Outro projecto relacionado com Macau prende-se com a criação de um Museu Virtual em parceria com a Universidade de Macau (UM), um projecto “extremamente ambicioso” que, segundo a académica Ana Cristina Alves, esteve na gaveta muitos anos.

Entre 2018 e 2019, o museu, que tem um importante acervo sobre Macau, teve mais 21 por cento de visitantes, mas nem isso fez com que tenha deixado de ser “um dos mais desconhecidos locais de Lisboa, sendo que a situação piorou com a pandemia”. Desta forma, o estabelecimento de um Museu Virtual e de outras iniciativas de dinamização pretendem “contrariar a redução nos próximos anos”.

Actualmente, o CCCM promove também cursos de língua chinesa, mas também nesta área pretende ir mais além. “Tendo em conta os programas actualmente existentes sobre esta área, nomeadamente nos Institutos Confúcio, a oferta formativa deve ser reestruturada de forma a suprir falhas e garantir ao CCCM uma posição de destaque. Uma oferta diferenciada poderia incluir, mesmo que pontualmente, cursos de formação contínua de cantonês ou de chinês clássico (caracteres tradicionais), de modo a contribuir para o aumento do número de sinólogos em Portugal com um profundo conhecimento sobre a língua chinesa.”

Na área documental, o CCCM pretende não só integrar a sua biblioteca em redes internacionais como também criar “uma rede de âmbito nacional, associando-se a instituições que também possuam espólios documentais na área dos Estudos Asiáticos e das relações entre a Europa e a Ásia”.

Na cerimónia de apresentação foram também assinados diversos protocolos de cooperação do CCCM com várias instituições, incluindo Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), Fundação Jorge Álvares, Câmara do Comércio e Indústria Luso-Chinesa, Associação de Jovens Empresários Portugal-China, Agência Ciência Viva, Agência ERASMUS+, Associação Amigos da Nova Rota da Seda, Instituto Politécnico de Leiria, Universidade de Coimbra e Universidade de Lisboa.

Segundo o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, estes protocolos são “praticamente simbólicos e importantes” e “todos têm valor”, destacando o firmado com a FCT.

“O protocolo que a FCT aqui assinou (…) é um protocolo que tem um impacto financeiro importante de financiar até 10 bolsas de doutoramento por ano para estudantes de todas as universidades portuguesas trabalharem em colaboração com o centro”, declarou, explicando que está previsto que dois investigadores com doutoramento trabalhem a partir do CCCM.

20 Set 2020

Ensino | Católica nega ter plataforma online para alunos de Macau

[dropcap]A[/dropcap] Universidade Católica Portuguesa (UCP) não vai criar, afinal, uma plataforma online especial para os alunos de Macau que não conseguem sair do território. Numa resposta do gabinete da reitoria da UCP ao HM, refere-se que “não há plataforma online para os alunos de Macau, até porque muitos deles encontram-se em Lisboa”. Essa informação veio da Direcção dos Serviços de Ensino Superior em resposta a uma interpelação escrita do deputado Leong Sun Iok.

Em Macau, estão 25 alunos de um total de 68 estudantes que estudam na UCP ao abrigo do Protocolo de Línguas e Outros Cursos, bem como 64 de 81 alunos do Protocolo de Direito. Para dar resposta à necessidade de um novo sistema de ensino devido à pandemia da covid-19, a UCP “reforçou os meios tecnológicos nas salas”, tendo optado por “um regime híbrido de lecionação, com 50 por cento das aulas leccionadas à distância, via Zoom”.

A universidade de ensino superior privado considera que “o principal desafio que se coloca aos alunos que optaram por ficar em Macau é, naturalmente, a muito menor exposição à língua e à cultura portuguesas”. “A isto se acrescenta a diferença horária e o facto de estarem a assistir a aulas presenciais à distância, o que pode inibi-los de participar com igual à-vontade nas sessões presenciais. Os docentes foram já informados de que alguns alunos da RAEM decidiram ficar em casa e já se mostraram disponíveis para os ajudar com as dificuldades acrescidas”, remata a UCP.

17 Set 2020

Viva Macau | CCAC nega corrupção e fraude na concessão de empréstimo

O Comissariado contra a Corrupção conclui que não houve crime de corrupção ou fraude no empréstimo de 212 milhões de patacas pelo Fundo de Desenvolvimento Industrial e Comercialização à falida Viva Macau. Houve, no entanto, negligência por parte do Governo

 

[dropcap]N[/dropcap]ão houve crime de corrupção nem dolo nos actos praticados, mas sim más práticas que o Executivo deve corrigir. É esta a conclusão do relatório do Comissariado contra a Corrupção (CCAC) relativo à investigação sobre o empréstimo de 212 milhões de patacas concedidos pelo Fundo de Desenvolvimento Industrial e Comercialização (FDIC) à falida Viva Macau Airlines.

No que diz respeito aos administradores e sócios da companhia aérea, houve “crime de falência não intencional”, punido pelo Código Penal. No entanto, o processo depende de queixa, que deveria ter sido apresentada três meses depois da declaração de falência da empresa, em 2010, algo que nunca ocorreu.

O CCAC aponta que “foram descobertos factos que provam que os mesmos [sócios e administradores] não cumpriram a lei para que a contabilidade e as transacções comerciais cumprissem as regras”, além de que “não elaboraram as demonstrações financeiras e a contabilidade, mesmo depois da declaração de falência da Viva Macau”.

Apesar destas irregularidades, o CCAC defende que os administradores Kevin Ho e Ngan In Leng tentaram salvar a empresa. “Conclui-se que não existem indícios óbvios que demonstrem que os sócios ou administradores da Viva Macau levaram intencionalmente a sociedade à falência, cometendo actos de má-fé com o intuito de criar assim uma simulação de insuficientes fundos para fazer face ao pagamento da dívida, evitando assim a mesma.”

Os dois empresários chegaram a fazer vários empréstimos à companhia aérea. Quando esta faliu, em 2010, devia um total de 1.1 milhões de patacas.

As falhas do Governo

Do lado do Executivo houve negligência e falta de rigor na concessão de cinco tranches do empréstimo, mas “não se encontram preenchidos os requisitos legais constitutivos de qualquer tipo de crime”. Ainda assim, o CCAC conclui que “nem a Direcção dos Serviços de Economia, o FDIC ou a Autoridade de Aviação Civil de Macau acompanharam a situação financeira da Viva Macau, nem procedido à supervisão da situação de liquidação dos empréstimos”.

Desta forma, o CCAC defende que “os trabalhadores da função pública responsáveis pela apreciação e aprovação, bem como pelo acompanhamento e supervisão dos empréstimos, não cumpriram de forma empenhada as suas funções nem as suas responsabilidades”.

As sugestões

O CCAC defende que o Governo deve avançar para a “regulamentação específica sobre os destinatários da concessão de apoios, a sua forma, critérios, condições de apreciação e aprovação, competência para a sua autorização, deveres dos beneficiários e sistema de supervisão”.

Tudo para evitar que “surjam novamente situações de falta de base legal no processamento de pedidos de apoio pelo FDIC”. Para o CCAC, montantes muito elevados exigem “legislação clara” que regulamente “a apreciação e aprovação de tais pedidos”.

São também sugeridas mudanças de fundo na forma como o FDIC opera. É necessário criar uma lei que “promova e aperfeiçoe o sistema de supervisão na utilização dos apoios”, além de ser necessário resolver as “lacunas em matérias de garantia de empréstimos, regime de liquidação e responsabilidade de supervisão”.

Para o CCAC, é fundamental “criar um mecanismo de alerta e controlo de risco”, algo “indispensável para garantir que os fundos públicos não sejam alvo de abuso em virtude de uma supervisão não rigorosa e de situações de excesso de confiança”. Apesar dos actos dos funcionários públicos terem prescrito, o CCAC defende que os funcionários e chefias devem ser alertados para melhores práticas neste tipo de processos.

Instruções emitidas

Em comunicado, o Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, disse que já emitiu instruções para que os serviços públicos estudem “com seriedade os problemas apontados e as sugestões apresentadas” pelo CCAC. Ho Iat Seng deu também instruções a Lei Wai Nong, secretário para a Economia e Finanças, “para rever os procedimentos de apreciação e autorização da concessão de empréstimos pelo FDIC”. O Chefe do Executivo deseja também que “sejam revistas as normas legais aplicáveis ao FDIC, incluindo a revisão e aperfeiçoamento do actual regulamento”.

O Governo promete ainda “rever e aperfeiçoar o regime de responsabilização dos titulares de cargos públicos, exigindo aos trabalhadores da função pública a quem são atribuídas competências de gestão e aplicação dos recursos públicos que cumpram lealmente as suas funções e que assumam as suas responsabilidades”.

O CCAC instaurou o inquérito relativo a este caso a 30 de Julho de 2018, depois de um intenso debate com os deputados que fazem parte da Comissão de Acompanhamento das Finanças Públicas da Assembleia Legislativa.

17 Set 2020

Miguel de Senna Fernandes lança livro de crónicas: “O meu pai esteve sempre presente”

Depois de criar, em 2018, o blogue “Crónicas à Sexta”, Miguel de Senna Fernandes passa algumas dessas crónicas para um livro com o mesmo nome. Tratam-se de “estórias e ironias do comum dos dias, de alegrias e avarias, desde Marias a Zacarias”, como o próprio escreveu. O livro, com chancela da Praia Grande Edições, é lançado a 4 de Outubro no festival literário Rota das Letras. O evento deste ano celebra o conto e em especial a obra do escritor macaense Henrique de Senna Fernandes, pai de Miguel

 

[dropcap]C[/dropcap]omo surgiu a oportunidade de publicar o livro “Crónicas à Sexta”?

O festival Rota das Letras quis fazer um tributo à obra do meu pai. Este ano todo o programa está sujeito ao tema ‘Contos’ e acharam que deviam fazer uma nova edição, em chinês e inglês, da obra do meu pai, “Nam Van: Contos de Macau”. Depois, em conversa, propuseram-me publicar os meus contos que estão no meu blogue. É uma boa oportunidade de lançar algo que gosto de fazer.

Tem o blogue desde 2018. Porque sentiu necessidade de partilhar os seus escritos?

Inicialmente, eram apenas crónicas que me vinham à cabeça e fiz o esforço para as publicar todas as sextas-feiras. Daí o título da obra ser “Crónicas à Sexta”. Claro que muitas vezes não é fácil escrever crónicas e muitas vezes não consigo concentrar-me na escrita como gostaria. Houve muitas interrupções, mas quis manter um compromisso para que todos estes contos e crónicas fossem lançadas às sextas-feiras. Coloquei todas as crónicas à disposição da organização do festival e até pedi que fossem eles a escolher os textos.

É importante o festival Rota das Letras celebrar os escritos do seu pai?

Sim. Foi bom manter viva a ideia do tributo à sua obra. Já estava à espera que isso fosse adiado para outra altura, mas a organização decidiu manter a palavra. Louvo o esforço da organização nesta época da pandemia. Naturalmente, aguardo com alguma expectativa a edição do seu livro em chinês e inglês. É uma excelente ideia para que, pelo menos, a obra possa sair fora das fronteiras e entrar no mundo chinês. Isso é fundamental, já que hoje em dia há uma tendência para se valorizar coisas da terra. Junto da comunidade chinesa há uma crescente consciencialização da produção local, e isto é muito bom.

Dia 4 de Outubro marca o décimo aniversário da morte do seu pai. Considera que é importante dar uma nova roupagem à sua escrita?

Não só às obras do meu pai, mas também em relação às obras de outros autores de Macau. É importante renovar o interesse pelas obras já publicadas, quanto mais não seja para incentivar outros escritores. Porque apesar das grandes transformações sociais, Macau continua a ter um manancial de histórias. É um campo fértil para histórias, romances, crónicas e há muito canto por aí que pode inspirar obras. É sempre bom que as organizações locais, sobretudo nesta área literária, se debrucem também sobre a renovação do interesse das obras já feitas. É mentira quando dizem que Macau não tem literatura. Claro que tem, mas se calhar a literatura em português podia chegar a outro tipo de patamar. Talvez não se tenha conseguido porque o universo de leitores não é vasto em Macau, o que se compreende, mas é sempre bom manter as obras vivas. Apesar das dificuldades reais que existem, não se deve abandonar a defesa da literatura aparentemente ténue em Macau.

O seu pai serviu de inspiração para escrever estas crónicas?

Não necessariamente. Não me baseei nada naquilo que escreveu, mas o pai esteve sempre presente. Nunca utilizei fórmulas ou a inspiração com base nas obras dele, e penso que ele até gostaria que eu fizesse as coisas por mim, tal e qual como ele começou. Há sempre aquela mão que me abençoa e tenho o meu pai sempre presente quando escrevo. Mas inspiro-me em outras coisas. O meu pai dizia sempre isto, que em cada canto e em cada esquina de Macau há uma história e ele mostrou isso.

Podemos esperar crónicas de análise à sociedade de Macau, ou são reflexões pessoais?

Não é uma análise, não faço isso. No fundo tento focar-me muito na condição humana. Quando falamos sobre uma obra muitas vezes temos de versar sobre o estado de espírito da personagem, há essa representação da condição humana. Talvez algumas questões existenciais venham à tona, há uma tentativa de explorar, através das personagens, até que ponto e em que termos nós existimos. Não é uma análise à sociedade, embora haja ali caricaturas, histórias com alguma profundidade. Há uma história, de que gosto muito, sobre cartas de amor de crianças. É uma história que brinca muito com a inocência das pessoas, mas fala-se de coisas sérias, que não respeitam idade. Há uma certa ingenuidade ali e é precisamente isso que fascina.

É essa a sua crónica preferida, ou tem outras?

Gosto de todas, no fundo. Quando escrevo, o primeiro leitor sou eu, sou um grande julgador de mim próprio. Escrevo, deixo de lado uns tempos e depois volto a ler para ver se gosto. São crónicas muito diferentes. No fundo é uma experiência e tenho de explorar várias possibilidades diferentes nesta forma de escrita. Não sei como as crónicas vão ser publicadas, mas eu, pelo menos, vejo uma evolução nas várias formas de abordar o conto. Há uma história sobre o natal e gosto muito desta. Foi a primeira história que fiz, em 2015. Gosto muito de um conto sobre o bolero [Chi-ca-pom, o bolero improvável]. Também gosto do conto sobre as cartas de amor. Tenho outros contos em mente e vários projectos que vou tentar concretizar no próximo ano. Tenho várias coisas escritas que estão ainda em esboço e que se podem transformar em algo.

Esses projectos passam pela publicação de um romance?

O meu sonho é publicar um romance. Tenho o plano de um romance feito há muito tempo, mas falta-me alguma perspectiva histórica, relacionada com o tufão de 1874. Falta-me alguma pesquisa que terei de fazer. Penso que seria um romance fantástico. Mas esse período histórico serve apenas como pano de fundo. Espero ter tempo para acabar isso. Comecei a escrevê-lo, mas tive dificuldades em termos de enquadramento histórico e ficou para depois. Vamos ver se o reformulo depois.

Porquê esse período histórico em específico?

O tufão em si é um fenómeno da natureza que naturalmente cria várias possibilidades de narrativa, várias histórias que podem servir como pano de fundo. Não há uma razão em especial, mas apenas um certo fascínio sobre esse fenómeno da natureza. Espero que os leitores apoiem aqueles que escrevem e usam o seu tempo para produzir obras. Sobretudo que apoiem aqueles que se vão estrear. Para que haja uma reacção ao que se cria.

17 Set 2020

Ensino superior | Católica cria plataforma online para alunos de Macau 

A Universidade Católica Portuguesa vai criar uma plataforma online para que os alunos de Macau impossibilitados de viajar para Portugal possam acompanhar as aulas à distância. O Governo continua a descartar a hipótese de criar um novo corredor especial de ligação ao Aeroporto Internacional de Hong Kong

 

[dropcap]O[/dropcap]s alunos de Macau que estudam na Universidade Católica Portuguesa (UCP) vão poder acompanhar as aulas à distância, uma vez que a instituição de ensino superior privada vai criar uma plataforma a pensar nos estudantes que não conseguem viajar para Portugal nesta fase.

A informação consta numa resposta da Direcção dos Serviços do Ensino Superior (DSES) a uma interpelação escrita do deputado Leong Sun Iok.

“A UCP vai providenciar uma plataforma de ensino on-line aos seus estudantes que ainda estão em Macau para que possam continuar a estudar”, adianta Chan Kun Hong, director substituto da DSES.

Além disso, esta direcção de serviços promete “continuar a comunicar com o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos sobre o novo desenvolvimento de outras instituições do ensino superior”. “Desta forma, e através de associações de estudantes e grupos de comunicação, podem ser conhecidas as necessidades dos estudantes de Macau sobre o prosseguimento dos estudos nas outras regiões”, acrescenta a DSES.

O HM tentou saber junto da UCP como vai funcionar esta plataforma e quantos alunos estão abrangidos pelo programa, mas até ao fecho desta edição não foi possível obter uma resposta.

Terceira via de fora

Na resposta ao deputado, o Executivo volta a descartar a possibilidade de criar um terceiro corredor especial de ligação entre Macau e o Aeroporto Internacional de Hong Kong. “De modo a apoiar os residentes de Macau que necessitam de regressar através do Aeroporto Internacional de Hong Kong, o Governo da RAEM organizou, em Março e entre Junho e Julho, os autocarros e embarcações especiais para transportes os residentes e estudantes. No entanto, tendo em consideração a relação custos-eficácia e a coordenação com as autoridades de Hong Kong, o Governo não contempla uma terceira operação especial.”

Como alternativas, continuam a ser apresentadas as opções de viagem pelo Interior da China, Japão, Coreia do Sul ou Taiwan.

Nesta fase, a DSES diz ter criado 17 grupos de comunicação com os estudantes de Macau que estão matriculados em universidades no exterior através da aplicação Telegram, onde se incluem 2700 alunos.

Além disso, foram criados vários serviços financeiros e de seguros de emergência “em cooperação com os bancos e companhias de seguros”. A DSES lançou também um sistema de registo para recolher informações sobre a situação dos estudantes de Macau que se deslocam a Portugal para o regresso às aulas, “a fim de prestar um apoio adequado”.

17 Set 2020

Burla | Residente gastou mais de 13 milhões com falsa prostituta 

[dropcap]U[/dropcap]m residente foi burlado em mais de 13 milhões de patacas num caso de falsa prostituição. Segundo o jornal Ou Mun, a Polícia Judiciária (PJ) deteve, na sexta-feira, dois suspeitos de transaccionarem 1,18 milhões de patacas pagos pela vítima, estando os mesmos suspeitos da prática do crime de burla e branqueamento de capitais.

O caso remonta a 2017, quando a vítima conheceu uma mulher na Internet que alegou disponibilizar serviços sexuais a troco de dinheiro, pago através de cartões de carregamento. O indivíduo transferiu cinco milhões de patacas sem nunca ter visto a mulher pessoalmente. Mais tarde, recebeu uma chamada telefónica de alguém que se fez passar pelo “patrão” da mulher, e que lhe pediu para fazer o pagamento em bitcoins.

O “patrão” alegou ainda que a mulher estava doente e tinha sido presa, sendo necessário o pagamento de 7 milhões de patacas para a libertar sob fiança. A vítima adquiriu então moeda virtual nesse valor, em meados do ano passado em Hong Kong, mas continuava sem se encontrar com a mulher. Meses mais tarde, devido à pandemia, a vítima não conseguiu adquirir mais bitcoins, tendo recebido a ajuda dos dois suspeitos detidos pela PJ para a compra de moeda virtual no valor de 1,18 milhões de patacas. Estes ligaram depois à vítima alegando que não tinham conseguido comprar bitcoins e que o dinheiro estava numa esquadra no NAPE.

Quando a vítima se deslocou à esquadra, percebeu que o dinheiro não estava lá e que tinha sido burlado.
Os suspeitos são uma mulher, de 27 anos, residente, e um homem de 31 anos, também residente. Ambos recusaram cooperar. A PJ crê que os dois suspeitos são culpados de associação criminosa, vai continuar a investigar o fluxo do montante e se há mais pessoas envolvidas na história.

O caso continua a ser investigado pelo Ministério Público, podendo os dois suspeitos serem acusados do crime de burla de valor elevado e crime de branqueamento de capitais.

16 Set 2020

Grupo Tak Chun adquire 20,65 por cento da Macau Legend Development 

[dropcap]L[/dropcap]evo Chan Weng Lin, CEO de um dos maiores grupos junket de Macau, o Tak Chun Group, adquiriu 20,65 por cento da Macau Legend Development, informou a empresa esta terça-feira à bolsa de valores de Hong Kong. Segundo o comunicado, citado pelo portal GGRAsia, a transacção foi de 1,34 mil milhões de dólares de Hong Kong e concretizada através de uma empresa offshore detida a 100 por cento por Levo Chan Weng Lin sediada nas Ilhas Virgens Britânicas.

Antes desta transacção, o empresário já tinha adquirido, a título individual, 0,11 por cento da Macau Legend Development, ficando assim com 20,75 por cento do capital, o que faz dele o segundo maior accionista. O primeiro continua a ser David Chow, ex-CEO da empresa, que detém 29,9 por cento do capital. As negociações das acções da Macau Legend na Bolsa de Valores de Hong Kong foram suspensas às 9h da manhã de segunda-feira, por estar para breve a divulgação de informação privilegiada relacionada com fusões e aquisições.

Ano de mudanças

A aquisição por parte do grupo Tak Chun surge num ano atípico para a maior parte das operadoras de jogo. A Macau Legend Development, que opera três casinos ao abrigo da concessão da Sociedade de Jogos de Macau (SJM), registou perdas de 569,47 milhões dólares de Hong Kong no primeiro semestre de 2020, devido à crise económica gerada pela pandemia da covid-19. Em Março, David Chow foi substituído no cargo de CEO pela mulher, Melinda Chan. O empresário mantém-se como co-presidente da direcção e responsável pela definição de políticas do grupo, que detém também o empreendimento Doca dos Pescadores.

Actualmente, a Macau Legend Development leva a cabo vários projectos de investimento na área do jogo e do turismo em Cabo Verde e Portugal, entre outros.

Questionado, em 2018, sobre o processo de revisão das licenças de jogo, David Chow confessou ao HM que não é o número de licenças que importa, mas sim “a criação de mais oportunidades de promoção para os locais que estão há vários anos na indústria a aprender”.

16 Set 2020

Teatro físico | Jenny Mok regressa a solo para reflectir sobre uma sociedade em mudança 

A Comuna de Pedra regressa aos palcos com o espectáculo “Nothing and Everything”, que acontece este fim-de-semana no Black Box Theatre do edifício do antigo tribunal. Jenny Mok é a protagonista de um espectáculo de teatro físico contemporâneo onde as mudanças na sociedade são o mote. As metáforas utilizadas revelam como essas mudanças e restrições afectam o corpo e a mente humana

 

[dropcap]“N[/dropcap]othing and Everything” [Nada e Tudo] é o novo espectáculo da companhia Comuna de Pedra e sobe ao palco este fim-de-semana, sábado e domingo, no espaço Black Box Theatre do edifício do antigo tribunal. Jenny Mok, directora da companhia, assume também o papel de protagonista neste espectáculo a solo de teatro físico contemporâneo, além de ser coreógrafa do projecto.

Ao HM, a responsável adiantou que “Nothing and Everything” não é mais do que uma série de metáforas sobre as mudanças profundas que as sociedades dos tempos modernos enfrentam, sobretudo em Macau e Hong Kong. Jenny Mok não constrói metáforas apenas sobre a pandemia e o confinamento, mas também sobre os acontecimentos políticos em Hong Kong. Nada é literal, mas a ideia é reflectir sobre os efeitos de tudo isto no corpo e na mente humana.

“Este é um espectáculo sobre a vida e a morte e a forma como se altera a idade natural dos nossos corpos. Há uma metáfora sobre a morte e o nosso espírito e todas as mudanças que ocorrem. Hoje em dia a sociedade enfrenta muitas mudanças e isso tem um grande impacto na existência”, contou.
Jenny Mok assume reflectir, sobretudo, na liberdade “que ainda nos resta”. “[Penso] na nossa liberdade de expressão e de pensamento e até quando a teremos. Estamos a viver com cada vez mais restrições. Como seres humanos, como nos vamos enquadrar em tudo isto? O tempo passa e como vamos viver com todas estas restrições? Como é que isso vai afectar os nossos corpos?”, questiona.

Os medos

Jenny Mok está satisfeita por poder voltar aos palcos depois do período de confinamento, esperando que, com “Nothing and Everything”, o público “possa fazer uma reflexão sobre aquilo que vai ver”.

“O que podemos fazer enquanto artistas é provocar. Não sei que reacções o público terá, mas pelo menos terá a capacidade de pensar sobre estas coisas. Há muitos medos na sociedade de Macau e as pessoas têm receio de falar. Têm medo de expressar as suas ideias sobre determinadas coisas, e penso que isso se deve também devido a essas restrições. Mas será que nos vamos calar? Como vamos viver desta forma?”, frisou.

Para Jenny Mok, acabamos por assistir quase a uma mudança de mentalidade, o que faz com que a população se adapte às novas restrições, algo que “é triste”.

“Este será um espectáculo muito poético. Vou ficar no palco sozinha e vou dançar. É a história de uma rapariga que está restrita num quarto. Penso que se não olharmos para essa conotação [política e social], podemos continuar a ver o lado poético do espectáculo”, rematou. “Nothing and Everything” acontece às 20h e os bilhetes têm o custo de 180 patacas.

16 Set 2020

Normas da UIA desrespeitadas na escolha de novo local da Biblioteca Central  

[dropcap]A[/dropcap] Associação dos Arquitectos de Macau (AAM) não foi ouvida pelo Governo antes da tomada de decisão sobre a nova localização da biblioteca central no edifício do Hotel Estoril. A prática, que não é ilegal, vai, no entanto, contra as regras da União Internacional de Arquitectos (UAI), da qual a AAM faz parte. Só esta segunda-feira, 14, é que representantes do Instituto Cultural (IC) reuniram com a direcção da AAM.

Christine Choi, presidente da AAM, confirmou ao HM, antes da reunião, que associação “não foi consultada, desta vez, sobre a nova localização da Biblioteca Central”, embora exista disponibilidade para “continuar a trabalhar em conjunto com departamentos do Governo para que os arquitectos locais tenham mais oportunidades.”

“Existirão razões que explicam porque é que o Governo decidiu alterar os seus planos conhecendo o estado dos projectos”, adiantou Christine Choi. “Acredito que houve diferentes reflexões e que os resultados foram tidos em consideração para uma sustentabilidade da cidade a longo prazo”, frisou.

Em comunicado emitido após a reunião com o IC, a associação expressou “o desejo dos arquitectos locais de participar no projecto da Biblioteca Central de Macau e nos projectos públicos”.

Além da suspensão do projecto de arquitectura para o centro juvenil que iria nascer no edifício do Hotel Estoril, o arquitecto Carlos Marreiros, que venceu o segundo concurso público para a biblioteca central, terá de alterar o projecto de arquitectura.

Segundo a AAM, o Governo admitiu que o novo projecto da Biblioteca Central “está ainda numa fase inicial e que haverá mais desenvolvimentos num futuro próximo” nos novos aterros, o que “dará oportunidades aos arquitectos locais e outros profissionais”. O IC emitiu também uma nota onde afirma que “gostaria de obter propostas de projecto conceptual por parte de arquitectos relevantes que tenham experiência no planeamento e construção de grandes instalações culturais, e que tenham obtido reconhecimento internacional”.


Medida “deselegante”

Nuno Soares, arquitecto que faz parte da direcção da AAM, assegurou ao HM que, em primeiro lugar, o Executivo deveria ter avisado previamente os autores dos projectos de arquitectura alterados. “Foi deselegante por parte do Governo não informar, previamente, os autores dos dois projectos desta mudança. É algo revelador do que se tem passado em termos dos concursos.”

“O que mais garante a equidade, transparência e qualidade é existirem concursos de ideias para a maior parte dos projectos públicos. O facto de terem sido anulados dois concursos e ter sido feito um novo processo de consulta internacional não me parece um bom princípio”, acrescentou Nuno Soares.

16 Set 2020

Polícia | Agnes Lam defende mudança de actuação em casos políticos

Agnes Lam e Lawrence Ho defendem que hoje há mais confiança na capacidade das forças policiais em comparação com o período da Administração portuguesa. No livro “Macau 20 Years after the Handover – Changes and Challenges under ‘One Country, Two Systems’”, os académicos escreveram um capítulo sobre os desafios que as manifestações trouxeram às autoridades. Agnes Lam defende que a polícia tem de aprender a lidar com as “emoções” da população em casos políticos

 

[dropcap]A[/dropcap] população de Macau confia hoje muito mais nas forças de segurança do que o período antes de 1999, mas isso não quer dizer que não haja críticas em relação à actuação da polícia. Em “Policing in the Macau Special Administrative Region. Issues and challenges” [Policiamento na Região Administrativa Especial de Macau. Questões e desafios], capítulo do livro “Macau 20 Years after the Handover – Changes and Challenges under ‘One Country, Two Systems’”, publicado recentemente, os académicos Agnes Lam e Lawrence Ho analisam a relação entre a sociedade de Macau e as forças policiais, antes e depois da transição.

Ao HM, Agnes Lam assegura que existe hoje mais confiança no trabalho da polícia, embora existam aspectos a melhorar. “A polícia tem de conhecer melhor as emoções do público”, disse, referindo-se aos episódios ocorridos a 4 de Junho deste ano, dia em que se assinalou o massacre de Tiananmen no Largo do Senado, ou às detenções feitas a quem mostrou solidariedade para com os manifestantes de Hong Kong.

“Surgiram críticas que apontaram que a polícia exagerou nestas duas situações, porque não havia muitas pessoas nas ruas e havia, pelo contrário, muitos agentes. As pessoas estão mais emotivas e a forma como a polícia lida com estes casos é exagerada. A ordem pública não foi posta em causa.”

A deputada, assegura que, em pleno século XXI, as redes sociais alteraram a forma como se faz política. “A polícia tem de saber como reagir em determinadas circunstâncias, pois não estão a lidar com criminosos. São apenas pessoas activas politicamente ou que se sentem emocionalmente afectadas por essas questões. A forma como a polícia lida com estas pessoas deveria ser diferente”, acrescentou.

A era dos protestos

Se o tempo da Administração portuguesa era marcado pela insegurança e por rumores de ligações próximas entre as forças de segurança e o crime organizado, o panorama alterou-se por completo a partir do primeiro mandato de Edmund Ho, na era RAEM. Os protestos começaram a surgir em força e isso obrigou as forças policiais a mudar de postura.

“Um dos desafios é o facto de termos mais questões sociais e mais manifestações”, explicou Agnes Lam ao HM. “Olhando para as experiências do passado, acreditamos que a polícia de Macau não estava habituada a esses protestos de massas e tiveram de aprender a lidar com isso. Foi necessária mais formação e compreensão para o assunto. Habitualmente, as autoridades lidavam mais com questões não relacionadas com política, como roubos ou tráfico de droga.”

De um período de pouca ou nenhuma crítica da sociedade em relação aos seus governantes (à excepção do motim 1,2,3, em 1966), Macau passou a ter uma sociedade mais activa politicamente. O capítulo escrito por Agnes Lam e Lawrence Ho faz referência ao maior protesto que a RAEM alguma vez conheceu, e que decorreu em 2014, um protesto contra o regime de garantias dos titulares dos principais cargos públicos, que acabou por cair.

É também recordada a manifestação do dia 1 de Maio de 2007, quando a polícia disparou tiros para o ar e usou gás pimenta para dispersar a multidão. Este episódio “revelou que a ordem de base da polícia tinha ainda de se desenvolver”, uma vez que “não havia ordens claramente escritas para os agentes policiais da linha da frente assegurarem a ordem de multidões”.

Além disso, os autores consideram que “o incidente do disparo também indicou uma fraqueza sistemática da polícia de Macau relativamente a uma estrutura de segurança interna, que não estava devidamente institucionalizada”.

Apesar destes episódios políticos, o desenvolvimento económico, conseguido com a liberalização do jogo, o aumento de investimento estrangeiro e do fluxo de turistas, também obrigaram as forças policiais a repensarem formas de actuação.

Agnes Lam e Lawrence Ho concluem que, numa altura em que a RAEM celebra 21 anos de existência, existe “um ambiente totalmente novo e complicado para as autoridades policiais, totalmente diferente do contexto simples, administrativo e segregado da polícia em comunidade [do período antes de 1999]”.

Destaca-se “a procura crescente da população por um maior profissionalismo das forças policiais e não se pede apenas o cumprimento da lei e da ordem, mas uma parceria de maior confiança e responsabilidade por parte da polícia”.

As redes sociais assumem aqui um papel importante, tendo-se transformado “numa plataforma que converge uma série de críticas públicas sobre as autoridades policiais, dada a ausência de mecanismos institucionalizados e autónomos e de meios de comunicação social agressivos”.

Neste momento, os dois autores estão a rever a publicação a fim de inserirem a análise sobre a actuação da polícia nos protestos ocorridos em Hong Kong. Trata-se de um trabalho que só estará concluído no final deste ano, pelo que Agnes Lam não quer fazer comentários. No entanto, a deputada e académica acredita que, ao contrário de Macau, a confiança da população de Hong Kong nas forças policiais tem diminuído.

“A polícia de Hong Kong costumava ter uma boa imagem e a população considerava-a eficiente. Mas isso era quando os agentes policiais apenas lidavam com criminosos. Quando a polícia teve de lidar com questões relacionadas com a ordem social ou manifestações, viram-se forçados a ajustar o modo de actuação que era usado com criminosos. O que está em causa são cidadãos que lutam pelos seus direitos, não são criminosos. É necessária maior competência e novas formas de actuação.”

Um “mau panorama”

O trabalho académico dá conta que, nos primeiros anos da RAEM, “as demonstrações públicas ocasionais raramente atraíam mais do que centenas de participantes e grupos políticos eram relativamente impopulares, apesar da presença de um movimento contra o poder político”.

Olhando para o passado, Agnes Lam recorda o facto de, nos anos 90, existirem em Macau “muitos rumores de corrupção policial e que de as seitas estavam ligadas à polícia”.

“O panorama de segurança em Macau era também muito mau, havia lutas entre seitas, tiroteios. As pessoas diziam que a polícia era incompetente para lidar com esta matéria, mas actualmente com a redução das taxas de criminalidade e com o aumento da satisfação, penso que a tendência geral é de melhoria das relações”, frisou ao HM.

Além disso, o trabalho dos dois académicos refere falta de preparação das forças de segurança para a nova era que aí vinha. “Nem a Administração portuguesa nem as autoridades policiais fizeram grandes reformas para modernizar e profissionalizar a polícia, até ao momento em que a bandeira portuguesa desceu, em 1999. As críticas às autoridades portuguesas intensificaram-se nas preparações para as cerimónias da transferência de soberania durante os anos 90.” Além destes problemas, os dois autores frisam a “segregação entre a polícia e cidadãos”, porque “havia uma distância considerável entre os polícias, que não eram locais, a liderança militar e a comunidade local”.

“O cepticismo público em relação ao profissionalismo, capacidade, corrupção e lealdade étnica por parte dos polícias portugueses levou a que a polícia falhasse na conquista da confiança da população”, concluem os autores.

15 Set 2020

Burla | Residente gastou mais de 13 milhões com falsa prostituta 

[dropcap]U[/dropcap]m residente foi burlado em mais de 13 milhões de patacas num caso de falsa prostituição. Segundo o jornal Ou Mun, a Polícia Judiciária (PJ) deteve, na sexta-feira, dois suspeitos de transaccionarem 1,18 milhões de patacas pagos pela vítima, estando os mesmos suspeitos da prática do crime de burla e branqueamento de capitais.

O caso remonta a 2017, quando a vítima conheceu uma mulher na Internet que alegou disponibilizar serviços sexuais a troco de dinheiro, pago através de cartões de carregamento. O indivíduo transferiu cinco milhões de patacas sem nunca ter visto a mulher pessoalmente. Mais tarde, recebeu uma chamada telefónica de alguém que se fez passar pelo “patrão” da mulher, e que lhe pediu para fazer o pagamento em bitcoins. O “patrão” alegou ainda que a mulher estava doente e tinha sido presa, sendo necessário o pagamento de 7 milhões de patacas para a libertar sob fiança. A vítima adquiriu então moeda virtual nesse valor, em meados do ano passado em Hong Kong, mas continuava sem se encontrar com a mulher. Meses mais tarde, devido à pandemia, a vítima não conseguiu adquirir mais bitcoins, tendo recebido a ajuda dos dois suspeitos detidos pela PJ para a compra de moeda virtual no valor de 1,18 milhões de patacas. Estes ligaram depois à vítima alegando que não tinham conseguido comprar bitcoins e que o dinheiro estava numa esquadra no NAPE.

Quando a vítima se deslocou à esquadra, percebeu que o dinheiro não estava lá e que tinha sido burlado.
Os suspeitos são uma mulher, de 27 anos, residente, e um homem de 31 anos, também residente. Ambos recusaram cooperar. A PJ crê que os dois suspeitos são culpados de associação criminosa, vai continuar a investigar o fluxo do montante e se há mais pessoas envolvidas na história.

O caso continua a ser investigado pelo Ministério Público, podendo os dois suspeitos serem acusados do crime de burla de valor elevado e crime de branqueamento de capitais.

14 Set 2020

EFACEC | CESL-Ásia recebeu convite do Governo português para investir

A CESL-Ásia vai associar-se à Alpac Capital através de um consórcio para a compra da portuguesa EFACEC, nacionalizada após o arresto da participação da angolana Isabel dos Santos. Ao HM, António Trindade confessa ter recebido uma proposta de investimento por parte do Governo português e que já estava nos planos da CESL-Ásia apostar na empresa

 

[dropcap]A[/dropcap] EFACEC, empresa portuguesa ligada à tecnologia que foi nacionalizada após o arresto da participação da empresária angola Isabel dos Santos, pode vir a ser adquirida pelo consórcio CESL-Ásia – Alpac Capital. A notícia é avançada pelo semanário português Expresso.

Ao HM, António Trindade, CEO da CESL-Ásia, confessou que a empresa de Macau recebeu um convite por parte do Governo português no âmbito do processo de nacionalização. “Fomos convidados pelos representantes do Governo para apresentar uma proposta para a aquisição da EFACEC. A Alpac também foi convidada e achámos que seria uma boa ideia juntarmo-nos para preparar uma proposta. Informámos o Governo na sexta-feira de que estávamos interessados e ficamos à espera do desenrolar do processo.”

A proposta do Executivo português acabou por cair bem nos planos da CESL-ÁSIA. “Tivemos relações com a EFACEC e estávamos inclusivamente a estudar uma parceria com a empresa no último ano. [Este investimento] faz todo o sentido para nós e também para Macau.”

António Trindade adiantou que a parceria com a Alpac assenta numa base de complementaridade. “A Alpac é uma entidade com base financeira e nós somos uma empresa de know-how e de serviços. Temos a experiência de trabalhar em mercados ocidentais e também em mercados de serviços de valor acrescentado e de energia.”

Ao Expresso, o director-geral da Alpac, Luís Santos, explicou que a CESL-Ásia entra no consórcio através da empresa portuguesa Focus Platform Group. O consórcio será também composto por outros empresários portugueses que terão participações minoritárias.

Caberá ao banco de investimento Haitong a condução do processo de venda da EFACEC. Na sexta-feira a Alpac Capital entregou junto do banco a carta de intenção para a privatização da empresa.

Mais serviços

O CEO da CESL-Ásia reforça a ideia de que esta parceria “faz todo o sentido” e que tem como objectivo aproveitar o papel de Macau como plataforma económica. “A Ásia é o mercado de maior desenvolvimento nas próximas décadas e penso que a EFACEC vai beneficiar bastante [disso]. Uma das grandes perspectivas que temos é a presença da empresa no mercado global, uma vez que tem uma presença pouco significativa na Ásia, tem maior representação em Portugal e América do Norte. Somos uma empresa de serviços e é uma área que a EFACEC pode desenvolver mais.”

Questionado sobre os investimentos que a CESL-Ásia está a fazer na área da agricultura em Portugal, António Trindade revelou algumas novidades. “Estamos a desenvolver no Monte do Pasto uma linha de carne sustentável. Nos próximos dois meses vamos começar a introduzir no mercado essa linha de produtos e vamos começar, precisamente, por Macau.”

A CESL-Ásia promete ter ainda, este ano, um novo investimento na área agrícola “com parceiros internacionais, para que haja mais investimento estrangeiro para Portugal”, rematou António Trindade.

14 Set 2020

Fotografia | Gonçalo Lobo Pinheiro e João Miguel Barros distinguidos nos Paris Photo Awards

Os trabalhos fotográficos de Gonçalo Lobo Pinheiro e João Miguel Barros foram distinguidos na edição deste ano dos Paris Photo Awards. O projecto “Jamestown”, feito no Gana, deu a João Miguel Barros o primeiro prémio de ouro na categoria “Press/Other”. A covid-19 em Macau e os protestos em Hong Kong deram a Gonçalo Lobo Pinheiro duas menções honrosas

 

[dropcap]O[/dropcap]s fotógrafos portugueses Gonçalo Lobo Pinheiro e João Miguel Barros, radicados em Macau, viram o seu trabalho distinguido nos Paris Photo Awards (PX3). Os resultados da edição deste ano dos prémios foram ontem publicados.

No caso de João Miguel Barros, o projecto “Jamestwon”, fotografado em Acra, capital do Gana, venceu o primeiro prémio de ouro na categoria de “Press/Other (non-professional)”. Trata-se de um projecto fotográfico feito em Jamestwon, nome de um bairro de Acra onde a pesca é ainda um modo de vida e de sobrevivência para muitas famílias.

Numa nota publicada no website dos prémios PX3, lê-se que “o lugar, construído sob um aglomerado de centenas de moradas que formam um informal bairro de lata, é um microcosmos de vida onde apenas se entra com as pessoas certas”. “As imagens seleccionadas focam-se na actividade destes pescadores durante a época baixa, uma pausa importante para eles tomarem conta das ferramentas necessárias para o seu trabalho”, acrescenta a mesma nota.

O trabalho de João Miguel Barros foi ainda distinguido com quatro menções honrosas, uma delas atribuída ao projecto “Akuapem”, também feito no Gana. Todos os anos, no mês de Setembro, acontece o tradicional festival Odwira em Akuapem, no Gana. No website do PX3 lê-se que é um festival que abarca “múltiplas actividades culturais, religiosas e tradicionais”, onde o boxe também se destaca.

“Este projecto inclui dois grupos de imagens de várias lutas ocorridas junto a uma praça cheia de pessoas. O primeiro consiste em imagens que foram recicladas e transformadas numa narrativa abstracta que revela os movimentos e dinâmicas da luta. O segundo grupo ilustra de forma perceptível alguns detalhes das pessoas que viram e que vibraram com as diversas lutas”, lê-se.

Os PX3 distinguiram também o projecto “Buddhism faith” (categoria Press/Travel/Tourism), sobre templos em Macau, “Net” (categoria Press/Sports) e “Monk” (categoria Press / Travel /Tourism).

Numa nota enviada às redacções, João Miguel Barros destaca o facto de esta ser a primeira vez que recebe o primeiro prémio de ouro. “Não é a primeira vez que o meu trabalho foi reconhecido no PX3. Em 2018 foi atribuído o segundo lugar de bronze na categoria “Press/Sport” (Non-Profissional) ao projecto “Blood, Sweat & Tears”, relacionado com o projecto do boxe centrado na figura do Emmanuel Danso. Em 2019 foi atribuído outro segundo lugar de bronze, na categoria Portrait /Children Non-profissional, à fotografia que faz a capa da Zine.Photo #03. Chama-se “Child’s Dream”. Este ano, enfim, um ‘Gold’, com ‘Jamestown’”.

Covid-19 e Hong Kong

Gonçalo Lobo Pinheiro, fotojornalista radicado em Macau, viu o seu projecto ligado aos cuidados prestados à terceira idade em tempos de covid-19 obter uma menção honrosa na categoria Press/Feature Story. As imagens foram capturadas no lar da Santa Casa da Misericórdia de Macau.

A reportagem fotográfica dos protestos de Hong Kong de 2019 também foi distinguida na categoria Press / General News. “Esta história foi feita no dia 1 de Outubro, Dia Nacional da República Popular da China. Em Hong Kong este dia tornou-se num dos mais violentos e os protestos começaram a espalhar-se por todo o território. Há uma Hong Kong antes e depois deste dia. Este foi o dia em que “os manifestantes confundiram a polícia, entraram em centros comerciais e barricaram-se em universidades”. “O problema de Hong Kong não tem fim à vista”, acrescenta a nota publicada no website do PX3.

Ao HM, Gonçalo Lobo Pinheiro declarou que “as menções honrosas no PX3 são muito importantes, pois trata-se de um concurso com alguma notoriedade, tanto na vertente amadora como na profissional, que é naquela que concorro”.

“O facto de os prémios terem incidido em duas reportagens de dois principais eventos mundiais dos últimos dois anos – uma sobre os protestos de Hong Kong e outra sobre a Covid-19 -, deixa-me ainda mais satisfeito. É a terceira vez que sou agraciado nestes prémios (2017, 2018 e agora)”, acrescentou o fotojornalista, que trabalhou no HM, onde foi jornalista e editor.

“O caminho faz-se caminhando e continuo a percorrer o meu caminho sem prejudicar ninguém. Desejo as maiores felicidades a todos os vencedores, em especial ao Rui Caria, Luís Godinho, Alexandre Manuel Viegas e João Miguel Barros, pela amizade. Obrigado ao júri do PX3 por ver qualidade no meu trabalho”, rematou.

10 Set 2020

DSSOPT diz que fendas no edifício Mei Lok Garden não são estruturais 

[dropcap]O[/dropcap]s moradores do edifício Mei Lok Garden, na zona da Ilha Verde, estão preocupados com o surgimento de enormes fendas no prédio e que podem pôr em causa a sua segurança. Segundo o jornal Exmoo News, as fendas, com uma largura de cerca de três centímetros, surgiram entre o primeiro e quinto andar do prédio. Vários moradores temem que as obras de construção do posto operacional provisório dos bombeiros da Ilha Verde estejam a causar estragos na estrutura do edifício, de três torres habitacionais.

Numa nota ontem divulgada, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) informa que, com base numa inspecção preliminar, está em causa “um problema relacionado com uma junta de dilatação e não uma fissura estrutural”. Quanto às obras em curso “os dados mantêm-se estáveis e não têm havido alterações significativas”, pelo que “a monitorização continuará a ser feita”. A DSSOPT realizou ontem uma “inspecção mais aprofundada” ao edifício e fica a promessa de proprietários e empreiteiros vão manter a comunicação.

Negligência?

Chan Ka Seng, presidente do condomínio, disse que as obras adjacentes têm obrigado à extracção de areia e a mexidas no solo, o que pode pôr em causa a segurança. Apesar disso, Chan Ka Seng também admitiu que as fendas podem dever-se à negligência dos construtores do prédio. Chan Fong, moradora no Mei lok Garden há cerca de 20 anos, disse que os moradores já alertaram o Instituto da Habitação, o Corpo de Bombeiros e a DSSOPT, tendo já ocorrido algumas reuniões com o presidente do condomínio e responsáveis da empresa construtora.

O Exmoo News escreve que o construtor alegou que os dados de monitorização da segurança revelam que não existe qualquer perigo de queda, mas o presidente do condomínio declarou que os dados não correspondem à situação real. O Governo pediu, entretanto, a suspensão da perfuração do solo, tendo sugerido aos moradores taparem as fendas com pedaços de lona para evitar infiltrações com água da chuva.

10 Set 2020

Forças de Segurança | Wong Sio Chak evoca confidencialidade para não divulgar casos 

O secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, negou dar informações sobre processos em investigação pela Comissão de Fiscalização da Disciplina das Forças e Serviços de Segurança de Macau, alegando confidencialidade dos casos. Em resposta ao deputado Sulu Sou, Wong Sio Chak frisou a independência da comissão face à sua tutela

 

[dropcap]O[/dropcap] Governo recusou dar informações sobre processos que estão sob investigação por parte da Comissão de Fiscalização da Disciplina das Forças e Serviços de Segurança de Macau. Em resposta a uma interpelação escrita de Sulu Sou, Wong Sio Chak, secretário para a Segurança, garantiu que a comissão é totalmente independente e que não devem ser divulgadas informações sobre casos em investigação por serem confidenciais.

“A informação pedida pelo deputado requer confidencialidade e está relacionada com casos que estão sob investigação segundo a lei”, lê-se na resposta. “O secretário para a Segurança não deve divulgar informações que envolvem questões de privacidade, segredos governamentais ou segredo de justiça em nome da segurança do público e do sigilo a que estão sujeitas as forças de segurança”, acrescenta o documento.

Wong Sio Chak argumentou ainda que a comissão presidida pelo advogado e ex-deputado Leonel Alves “funciona sob alçada do Chefe do Executivo desde Novembro de 2019 e de forma independente face ao gabinete do secretário para Segurança”. “As autoridades de segurança devem respeitar a independência da comissão e não devem interferir de nenhuma forma com os seus trabalhos. Devem também cooperar com a comissão no exercício de supervisão de poderes”, frisou a resposta do secretário.

Silêncio absoluto

Na sua interpelação, Sulu Sou defendeu a concessão de mais poderes à referida comissão, alertando para a ocorrência de vários processos disciplinares e de violação da lei no seio das Forças de Segurança.

“Os relatórios da comissão enumeram várias deficiências na aplicação da lei por parte das forças de segurança e fornecem algumas sugestões de melhoria. Será que a Administração aceitou e implementou essas sugestões?”, questionou o deputado.

Sulu Sou disse ainda que a “imprudência” das autoridades prejudica a relação de confiança entre a população e as forças policiais. Um dos exemplos mencionados foi o episódio da noite de 4 de Junho, aniversário de Tiananmen, quando houve uma “distribuição inadequada” de polícias no Largo do Senado.

“Será que a comissão tem poderes para realizar investigações mais específicas, relacionadas com denúncias de ‘abuso do poder policial’ ou ‘uso indevido da força’, além de ouvir as declarações dos queixosos? Vão ser revistas [pela comissão] as informações e provas apresentadas pelas autoridades de segurança?”. Questões às quais Wong Sio Chak não deu resposta.

10 Set 2020