Andreia Sofia Silva PolíticaComissão Mista | UE quer mais cooperação no combate ao tráfico humano Realizou-se esta terça-feira a 17ª reunião da Comissão Mista União Europeia-Macau. Dos vários assuntos abordados em matéria de integração regional com a China e questões fiscais, ficou a garantia de que a União Europeia quer mais cooperação com a RAEM ao nível do tráfico humano [dropcap]A[/dropcap] União Europeia (UE) mostra-se disposta a colaborar com Macau no combate ao tráfico humano. Esta foi uma das conclusões da mais recente reunião da Comissão Mista UE-Macau, e que aconteceu esta terça-feira. De acordo com um comunicado oficial, “a UE e a RAEM esperam continuar a ter uma cooperação bilateral no combate ao tráfico de seres humanos”. Além disso, aquela que foi a 17ª reunião da Comissão Mista UE-Macau desde 1999 serviu também para abordar o projecto político chinês da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. O mesmo comunicado aponta que “a UE manifestou o seu interesse na exploração, em conjunto com Macau, de canais de cooperação do desenvolvimento da Grande Baía”. Do lado da RAEM foi explicado o posicionamento do território a este nível, nomeadamente através da apresentação do Plano Quinquenal de Desenvolvimento da RAEM (2016-2020), uma das bandeiras políticas do actual Chefe do Executivo, Chui Sai On. As autoridades de Macau também abordaram “os esforços do Governo para promover a diversificação da economia”, bem como “os últimos desenvolvimentos na cooperação com os países de língua portuguesa”. Nesse sentido, “foram obtidos resultados relevantes da cooperação no âmbito de intercâmbio cultural, formação de educação internacional e de talentos, registo de medicamentos tradicionais chineses e comércio multilateral para a indústria da medicina tradicional chinesa”, aponta o mesmo comunicado. A reunião foi presidida pelo secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, e pela Directora-Executiva Adjunta do Serviço Europeu de Acção Externa para a Ásia-Pacífico, Paola Pampaloni. Diálogo sobre o fisco As duas delegações discutiram também sobre políticas e assuntos de regulação. No que diz respeito às políticas fiscais, os representantes do Executivo referiram a “boa cooperação entre as duas partes nos anos passados para concretizar a boa governação fiscal e que se realizou uma reforma do sistema fiscal em Macau”. Foram também abordados temas como o “combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo, assuntos de protecção ambiental e promoção da cooperação multilaterais para apoiar a Organização Mundial do Comércio”. No que diz respeito a questões económicas, a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos foi também discutida. Os responsáveis da UE garantiram aos governantes de Macau que “a economia europeia ainda não se encontra afectada pelas condições externas desfavoráveis como a disputa comercial”, prevendo-se inclusivamente crescimento económico, “devido à forte procura interna, ao aumento gradual de postos de trabalho e ao custo de financiamento baixo”. A próxima reunião será realizada em Macau em 2020, já com um novo Executivo.
Andreia Sofia Silva SociedadeBurla imobiliária | Cem residentes de Macau lesados em compra de lojas Cerca de mil pessoas, incluindo 100 residentes de Macau, foram burladas em dois mil milhões de renmimbis ao tentarem comprar lojas no complexo comercial “Le 8 Star City”, em Zhongshan. Depois do silêncio do Gabinete de Ligação, a deputada Song Pek Kei dá hoje uma conferência de imprensa sobre o assunto [dropcap]I[/dropcap]nvestiram milhões com o intuito de comprar lojas que nunca chegaram a ser construídas e querem agora que se faça justiça em mais um caso de alegada burla imobiliário em plena Grande Baía. Cerca de mil pessoas, incluindo 100 residentes de Macau, terão sido burladas numa soma que totaliza cerca de dois mil milhões de renmimbis na aquisição de lojas a uma empresa fantasma em Zhongshan Shiqi. Os espaços comerciais iriam ser edificados no complexo comercial “Le 8 Star City”, mas a verdade é que o edifício nunca chegou a ser construído. Os primeiros investimentos começaram em 2016, sendo que a empresa promotora do negócio prometeu que os investidores poderiam ficar com as chaves na mão em Abril do ano passado. Depois da promessa, os investidores perceberam que as obras não tinham tido qualquer progresso, ao mesmo tempo que os funcionários da imobiliária explicavam que o atraso se devia a problemas com as infra-estruturas contra incêndios. O contrato que assinaram referia que os direitos de propriedade pertenciam à imobiliária, o que os compradores consideraram contraditório. Além disso, uma lesada de apelido Wong explicou ao HM que lhes foi dito que o montante total das rendas que iriam receber em dez anos seria quase igual ao montante investido na loja. Wong adiantou ainda que a maioria dos compradores não se apercebeu de casos semelhantes de burla que tinham ocorrido no passado. A imobiliária prometeu devolver o dinheiro investido em Maio deste ano, mas até agora nenhum montante foi pago. Silêncio de Ligação Depois de uma investigação levada a cabo pelos advogados dos investidores, chegou-se à conclusão de que os proprietários da imobiliária estavam desaparecidos. Para piorar a situação, nenhuma autoridade chinesa se mostrou disponível para prestar apoio aos alegados burlados. Foi referido, de acordo com Wong, que não estava em causa uma fraude, mas sim um caso civil e que a resolução apenas poderia chegar pela via dos tribunais. Wong considerou que o sistema judicial da China é incompleto porque não foi fornecida nenhum tipo de ajuda. Em Macau, os 100 lesados enviaram uma carta ao Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM, mas até ao momento não obtiveram qualquer resposta. Entretanto, a deputada Song Pek Kei vai hoje dar uma conferência de imprensa sobre o assunto, depois de os lesados de Macau terem falado publicamente sobre o caso, com o objectivo de alertar outros investidores para este tipo de negócio.
Andreia Sofia Silva SociedadePersonalidades comentam primeiro 10 de Junho do novo cônsul [dropcap]A[/dropcap]s celebrações de ontem do 10 de Junho – Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas ficaram marcadas não só por serem as últimas de Chui Sai On como Chefe do Executivo como as primeiras de Paulo Cunha Alves como cônsul de Macau e Hong Kong. Para Amélia António, presidente da Casa de Portugal em Macau, o mais importante é o cumprimentos das funções, independentemente da personalidade de cada um. “No essencial os nossos diplomatas estão muito bem preparados para o desempenho das suas funções. É evidente que cada um tem a sua personalidade e, portanto, cada um exerce o seu mister de acordo com isso. Não devemos passar a vida a fazer comparações e este é o quinto cônsul que eu conheço na RAEM. Todos foram diferentes, com todos foi possível manter uma relação de colaboração muito boa”, disse ao HM. Amélia António não deixou de apontar o facto de o consulado “não ter uma grande equipa” e necessitar, por isso, de uma estreita colaboração com as associações de matriz portuguesa. “As coisas só se fazem com grandes equipas, o nosso consulado não tem uma grande equipa e somos nós as associações que temos a responsabilidade e a obrigação de estar ao lado e ser, de certa maneira, um fio condutor como temos sido em termos de problemas e preocupações”, acrescentou. Também o advogado Frederico Rato defendeu que “os governantes e os diplomatas mudam, mas os laços de afinidade, amizade e harmonia continuam sempre, titulados ou encabeçados por pessoas diferentes, embora o espírito seja o mesmo”. De saída Sobre o facto de este ter sido o último 10 de Junho de Chui Sai On como Chefe do Executivo, Amélia António recordou o facto de este nunca ter esquecido os portugueses, apesar de ser obrigado a cumprir um rígido protocolo. “Enquanto secretário (para os Assuntos Sociais e Cultura) ele tinha uma posição muito mais aberta e dialogante. Falava-se dos problemas com relativa facilidade. Depois de passar para o actual cargo ficou rodeado de um protocolo muito apertado e perdeu imenso do à vontade e do contacto que estabelecia com as associações e pessoas. Isso não quer dizer que ele não tenha, em todos os momentos públicos, sido afável e reconhecido o papel da comunidade portuguesa em Macau.”
Andreia Sofia Silva PolíticaAgências de emprego | Activista contesta palavras de Vong Hin Fai Benedicta Palcon contesta as palavras do deputado Vong Hin Fai quanto à legalidade da ONG que dirige, afirmando que qualquer pessoa ou entidade tem, aos olhos da lei, o direito à petição. Na carta dirigida a Ho Iat Seng, e que é assinada por seis responsáveis por ONG, pede-se que a proposta de lei seja suspensa até que as associações de trabalhadores migrantes sejam ouvidas [dropcap]A[/dropcap] porta-voz da associação Greens Philippines Migrant Workers Union, Benedicta Palcon, disse ao HM que o deputado Vong Hin Fai não tem razão quando diz ser necessário verificar a existência legal das associações que representam os trabalhadores migrantes antes de agendar uma reunião sobre a revisão da lei das agências de emprego. “Foi-nos explicado que as leis de Macau garantem o direito de petição e que não existem restrições sobre o seu registo ou sobre o facto de serem ou não associações de Macau”, referiu. A petição assinada por representantes de seis associações de defesa dos direitos dos trabalhadores migrantes foi entregue ao presidente da Assembleia Legislativa (AL), Ho Iat Seng, em Abril deste ano. Erik Lestari, porta-voz do grupo Indonesian Migrant’s Rights Advocate, adiantou ao HM que ainda não foi agendada qualquer data. Na última reunião da 3ª Comissão Permanente da AL, que actualmente analisa na especialidade a proposta de lei relativa às agências de emprego, Vong Hin Fai adiantou que é necessário verificar a existência legal destas associações. “Em primeiro lugar, temos de saber se estas seis entidades existem de facto, ou não, em Macau, ou seja, são registadas em Macau. Vamos através do nosso gabinete de relações públicas contactar estas seis entidades para verificar se existem ou não”, apontou. Uma consulta ao Boletim Oficial da RAEM permite concluir que apenas duas destas associações estão registadas. O Grupo de Concernente Trabalhadores Migrante Indonésios Peduli foi registado em 2010, enquanto que a Associação dos Trabalhadores Migrantes Indonésios em Macau publicou os estatutos em 2008. No que diz respeito à Federação Internacional dos Trabalhadores Domésticos, trata-se de uma ONG presente em todo o mundo, estando representada nesta iniciativa por Fish Ip, coordenadora para a zona da Ásia-Pacífico. Silêncio total Na petição enviada a Ho Iat Seng pede-se a suspensão da discussão da análise na especialidade do referido diploma até que as entidades que representam os trabalhadores migrantes sejam ouvidas, uma vez que estes são os principais visados pela alteração da lei. “O Governo da RAEM não deveria adoptar a proposta de lei até que os representantes dos órgãos que defendem os trabalhadores migrantes sejam ouvidos de forma adequada”, lê-se. Além disso, os peticionários defendem que, “apesar dos trabalhadores não residentes (TNR) serem os mais visados neste processo de revisão, estamos, na maioria, excluídos”. “Não estamos informados sobre o processo e não conhecemos a proposta de lei. Esta e todos os documentos relacionados estão escritos em chinês e português e não estamos aptos a compreender o que está escrito e discutir esses pontos de forma apropriada. Não estamos conscientes da existência de qualquer consulta pública ou de outra submissão de opiniões que tenha tido lugar”, acrescentam. Além de pedirem o fim das cauções pagas por parte dos TNR, é também exigida a criação de uma lista, a cumprir por parte das agências de emprego, quanto às responsabilidades a assumir num processo de recrutamento. Os peticionários pedem que as agências utilizem documentos numa linguagem que os TNR compreendam, além de defenderem o fim de “quaisquer formas de intimidação”. “Quaisquer acções de intimidação por parte das agências de emprego deveriam ser proibidas. Muitas vezes as agências intimidam os TNR a fim de os forçar a pagar cauções ou a seguirem ordens irracionais”, referem. Os deputados receberam ainda o pedido para que a nova proposta de lei “garanta que os TNR não devem assumir quaisquer custos, dívidas ou cumprir trabalho forçado durante os processos de recrutamento e emprego”. Neste sentido, é dito no documento que a obrigação do pagamento de cauções deixa os TNR em situação de dívida e trabalho forçado. “O estabelecimento do pagamento de uma caução à agência, que é 50 por cento do primeiro salário mensal, a pagar após os primeiros 60 dias de emprego, deixa-os numa situação de dívida. As agências podem colaborar com os empregadores para contratar e despedir trabalhadores a fim de obterem mais lucros.” Nos primeiros 60 dias de trabalho com o novo empregador, um trabalhador “pode sofrer abusos” e ser “silenciados por parte das agências para que estas recebam a totalidade das cauções”. Sendo assim, o Governo deveria esclarecer, na proposta de lei, o conceito de “remuneração base”. A petição denuncia ainda a recolha de pagamentos extra por parte das agências de emprego. “Não são claras as actividades ou serviços pelos quais uma agência pode cobrar. As agências acrescentam custos adicionais, relacionados com exames médicos ou alojamento, para receber mais dinheiro dos trabalhadores.” É também exigido o aumento das sanções a aplicar caso as agências não cumpram a lei.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeLuís Amorim | Decisão “não oferece ideia de seriedade” do sistema jurídico O Tribunal de Segunda Instância considerou “inútil” a acção dos pais do jovem Luís Amorim, que foi encontrado sem vida aos 17 anos debaixo da Ponte Nobre de Carvalho, em 2007. O advogado dos pais, Pedro Redinha, lamenta uma decisão demasiado tardia e diz que o acórdão do tribunal “não oferece uma ideia de seriedade do sistema em que estamos inseridos” [dropcap]A[/dropcap] longa batalha judicial que os pais do jovem Luís Amorim travam nos tribunais da RAEM parece ter chegado ao fim sem que uma decisão lhes tenha sido favorável. Um acórdão recentemente divulgado do Tribunal de Segunda Instância (TSI) considera que o recurso contra a RAEM é “absolutamente inútil”. “Não cabe ao tribunal presumir nem ficcionar os motivos do inconformismo dos recorrentes”, pode ler-se. O colectivo de juízes considerou ainda “absolutamente inútil o conhecimento do recurso” e que, caso o fizesse, “seria desrespeito pelo que decidido e transitado em julgado está”. Contactado pelo HM, o advogado dos pais de Luís Amorim, Pedro Redinha, acusa o sistema jurídico de falta de seriedade. “Ao fim de tantos anos, o TSI veio afirmar que esta acção não tem acolhimento no sistema jurídico de Macau. Como é que é possível este tribunal ter pendente esta acção durante anos, para justamente nesta altura virem dizer que esta acção não tem fundamento legal? Parece que estamos todos a brincar uns com os outros”, acusou. Redinha disse ainda que “a decisão não oferece uma ideia de seriedade do sistema em que estamos inseridos”, lembrando que esta foi “uma das acções com mais tempo nos tribunais”, cerca de três anos. Pedro Redinha frisou que “esta era sempre uma acção complexa para o sistema”, tendo em conta que “mexe com o sistema”. “Ao fim deste tempo o nosso TSI entende que esta acção não tem base legal no ordenamento jurídico. Só tenho pena que esta descoberta tenha sido feita agora, tinha poupado tempo e dinheiro”, adiantou. O causídico afasta também a possibilidade de os pais intentarem mais acções legais contra a RAEM. “É preferível os advogados dedicarem-se as acções que merecem o gosto do sistema”, ironizou. O HM tentou ainda chegar à fala com os pais de Luís Amorim, sem sucesso. Um longo processo O caso de Luís Amorim arrasta-se nos tribunais desde 2012, ano em que os pais decidiram recorrer ao Tribunal Administrativo (TA) para intentar uma acção de responsabilidade civil extracontratual contra a RAEM, exigindo das autoridades uma indemnização de 15 milhões de patacas por “danos não patrimoniais sofridos por falhas ou deficiências de investigação das autoridades de investigação criminal da RAEM”. Antes disso, já o Ministério Público (MP) havia arquivado o processo de inquérito para fins de investigação por três vezes, uma vez que não se conseguiu apurar “a causa da morte do falecido, se foi por motivo de suicídio, de homicídio ou de acidente”. O acórdão do TSI agora divulgado recorda que os pais apontaram como falhas das autoridades criminais uma “anómala catalogação do caso, inicialmente, como suicídio, o que desviou a investigação em detrimento da verdade”, além de ter sido cometidos “erros grosseiros na autópsia realizada em Macau e na metodologia de inquirição das testemunhas”. Além disso, “foram recusados a segunda autópsia e o exame laboratorial do vestuário do falecido para o recolhimento das provas essenciais e houve interpretação indevida das provas como as palavras escritas na coxa do falecido”. A sentença do TA foi conhecida em 2016, tendo os juízes decidido que não havia “fundamento legal para suportar uma indemnização pela responsabilidade civil resultante dos actos lícitos ou ilícitos praticados no desempenho de função judicial” por parte do MP. O corpo de Luís Amorim foi encontrado a 30 de Setembro de 2007, “deitado na Avenida Dr. Sun Yat-Sen, sob a Ponte Nobre de Carvalho, tendo-se verificado lesões em várias partes do seu corpo”. O corpo seria encaminhado para o Centro Hospitalar Conde de S. Januário, onde foi declarada a morte. Na altura, “o médico do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, com base no relatório da autópsia, identificou a laceração da aorta provocada pela queda de lugar elevado como causa da sua morte”.
Andreia Sofia Silva EventosReedição de “Anastasis”, de Carlos Morais José, apresentada sábado na Feira do Livro de Lisboa “Anastasis”, livro de poesia de Carlos Morais José, é lançado este sábado em Lisboa na Feira do Livro, pela mão da editora Abysmo. O autor, também director do HM, fala de uma obra que não estava completa sem as suas impressões sobre o Egipto e Jerusalém [dropcap]D[/dropcap]epois de “O Arquivo das Confissões – Bernardo Vasques e a Inveja” ganhar uma nova vida, eis que surge nas livrarias portuguesas “Anastasis”, um livro de Carlos Morais José, escritor e director do HM. A obra será lançada oficialmente este sábado pela editora Abysmo na Feira do Livro de Lisboa. Em declarações ao HM, Carlos Morais José falou de uma obra que, apesar de ter sido lançada em 2013, não estava completa sem dois capítulos dedicados ao Egipto e a Jerusalém. “O livro é agora editado em Portugal e tem outra capacidade de divulgação no espectro da lusofonia”, apontou. “Sempre senti que este livro não estaria completo sem mais dois capítulos, que se referem ao Egipto e à Terra Santa, além de mais uns acrescentos nos capítulos já existentes.” Para Carlos Morais José, estamos perante “dois lugares muito diferentes”, uma vez que o Egipto “remete-nos para as pré-origens da nossa civilização”. “O Egipto é um mistério ainda. Quando os gregos começaram a aprender a escrever já os egípcios se tinham esquecido de como isso se fazia. O Egipto tem uma grande importância como fonte de uma sabedoria primeira.” Na “viagem interior” que é “Anastasis”, Carlos Morais José descreve o país como “um reencontro com as origens”, “as mais primárias possível, os desejos mais escondidos”. “Como digo no meu livro, descer o Nilo é quase como uma descida aos sentidos, às delícias, aos sentimentos e emoções mais básicas”, acrescentou. No que diz respeito a Jerusalém, o autor estabelece uma ligação poética entre o sofrimento de Jesus Cristo e o homem moderno. “Quis perceber que cidade é aquela, que não tem nada, que está no meio do deserto e que é tão disputada por tanta gente. No meu livro encontram-se alguns aspectos do que eu chamo a cidade de um só Deus, porque é o Deus dos judeus e dos árabes, o Deus ciumento.” Há também a chamada “cartografia da dor, que é um mapa da descrição da paixão de Cristo”, onde o autor encara “Cristo como a emergência do Homem contemporâneo, pois as dores de Cristo serão as nossas dores, de alguma maneira”. O autor e jornalista descreve Jerusalém como “um dos centros emissores da nossa cultura e um dos mais importantes, pois a cultura europeia divide-se entre Atenas e Jerusalém”. “O que vou à procura em Jerusalém é isso, mas não só a parte cristã, mas também judaica e muçulmana. A parte comum a tudo isto que faz com que aquela terra seja considerada sagrada por uma série de religiões diferentes, com a mesma origem, mas com uma perspectiva diferente.” Um privilégio Com a Abysmo, Carlos Morais José vê, pela segunda vez, um livro seu ser reeditado em Portugal depois de um primeiro lançamento em Macau, e isso faz dele um “super privilegiado”, confessa. “Nos últimos tempos tenho sido extremamente acarinhado por pessoas de Macau. Os académicos têm feito o favor de reconhecer o meu trabalho e apreciar a minha obra, e tenho tido muito boa recepção.” O autor acredita que, com esta reedição, possa aumentar o interesse da literatura que é produzida em Macau. “Tenho visto alguns textos académicos e as pessoas começam a olhar de uma forma mais séria para aquilo que se produz em Macau, não apenas como uma curiosidade. Percebe-se que houve nas ultimas décadas alguns escritores de Macau que têm uma postura ou um lugar na literatura portuguesa contemporânea. Penso que isto irá continuar”, concluiu.
Andreia Sofia Silva PolíticaTNR | Para entrar em Macau será obrigatório ter visto de trabalho [dropcap]O[/dropcap] Conselho Executivo também concluiu a análise ao projecto de lei sobre a contratação de trabalhadores não residentes (TNR). De acordo com proposta do Governo, passa a ser obrigatório entrar em Macau, para fins laborais, já com um visto de trabalho emitido pelos Serviços de Migração. Neste sentido, os TNR “que pretendam exercer trabalho não especializado ou trabalho doméstico devem possuir obrigatoriamente um título de entrada para fins de trabalho emitido pelos Serviços de Migração da RAEM, e fazer uso do mesmo para entrada a partir de local exterior à RAEM, só assim é que preenchem o requisito para que lhes seja concedida a autorização de permanência na qualidade de trabalhador (excepto nos casos de renovação).” Com esta medida, o Governo pretende “diferenciar os não residentes que entram na RAEM para trabalhar dos que entram para turismo e assim resolver a questão de os não residentes entrarem na RAEM na qualidade de turista e depois mudarem para trabalhador não residente”. Benedicta Palcon, porta-voz do grupo Green Philippines Migrant Workers Union, não concorda com esta medida, pois acredita que irá aumentar os custos tanto para os trabalhadores como para os empregadores. “Esta é a única maneira dos migrantes encontrarem trabalho e, desta forma, aumentam os custos para pedir um visto de trabalho, pois podem ter de pagar duas vezes”, adiantou. Além disso, “esta medida não resolve o problema das más práticas e do tráfico humano que é levado a cabo pelas agências de emprego”, disse ao HM.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaSalário mínimo | Nova lei propõe mais de seis mil patacas mensais, com exclusões O Governo propõe um salário mínimo universal na ordem das 6.656 patacas mensais, mas deixa de fora empregadas domésticas e trabalhadores com deficiência. Benedicta Palcon, porta-voz da Green Philippines Migrant Workers Union, acusa o Governo de falta de respeito para com os trabalhadores migrantes. É também criada licença de paternidade de cinco dias [dropcap]É[/dropcap] oficial: Macau vai mesmo passar a ter um salário mínimo universal no valor de 6.656 patacas mensais, mas sem incluir as empregadas domésticas e os trabalhadores portadores de deficiência. A proposta de lei foi ontem apresentada pelo porta-voz do Conselho Executivo, Leong Heng Teng, e prevê ainda que, para remunerações semanais, o valor mínimo seja de 1.536 patacas, 256 patacas para pagamentos diários e ainda o montante de 32 patacas para valores pagos à hora. Este valor será aplicado sempre que se paguem horas extra. Wong Chi Hong, director da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), falou do impacto financeiro que a implementação do salário mínimo universal pode trazer para alguns sectores de actividade. “O sector que vai sentir um impacto maior é o transformador, pois haverá um aumento médio dos ordenados na ordem dos 2,8 por cento. Segue-se a restauração com 1,8 por cento e as vendas a retalho com um aumento de 1,5 por cento. O sector hoteleiro é afectado com um aumento de 0,5 por cento.” O director da DSAL explicou também a razão pela qual as empregadas domésticas ficam de fora da proposta de lei. “Quando falamos de pessoas que desempenham funções de domésticas, o empregador não está a contratar uma pessoa com fins lucrativos, não é esse o objectivo. É diferente do trabalho exercido, por exemplo, numa empresa, pois o trabalho é feito em casa e muitas vezes nem são trabalhadores residentes.” O responsável adiantou que “o salário (das trabalhadoras domésticas) já é ponderado pela DSAL quando aprova os processos de autorização de trabalho”. Ng Wai Han, sub-directora da DSAL, explicou também que “na aprovação do pedido de autorização de trabalho, os empregadores já têm de declarar quanto vão pagar. Nessa altura, além de avaliarmos os salários, também analisamos as outras regalias a estes trabalhadores. O salário mensal não deve ser inferior a 3.000 patacas. Mas para este valor também temos de ter em conta as outras regalias. Em média o salário das trabalhadoras domésticas é de 4.100 patacas. Este montante poderá ser revisto de acordo com as condições de desenvolvimento”, acrescentou. No que diz respeito aos trabalhadores com deficiência, Ng Wai Han frisou que “alguns trabalhadores com deficiência têm uma capacidade de trabalho muito elevada e já recebem salários acima do valor mínimo que é estipulado nesta lei”. “Para os que recebem menos do que este valor vamos ter medidas provisórias de complemento, através de um subsídio. Não temos um valor para esse subsídio. Vamos ponderar as condições”, disse ainda. Sem respeito Em declarações ao HM, Benedicta Palcon, porta-voz do grupo Green Philippines Migrant Workers Union, mostrou-se chocada com esta decisão. “É uma medida muito injusta, pois o Governo está a violar os direitos dos trabalhadores migrantes”, disse a activista, que não reuniu com os deputados da Assembleia Legislativa como chegou a ser anunciado. O grupo apenas reuniu com o deputado Sulu Sou em Março deste ano. Benedicta Palcon também considera baixo o valor de 32 patacas pagas à hora. “Não é suficiente, mesmo para os trabalhadores locais. Mesmo que esta seja uma proposta de lei feita apenas para os residentes, devemos dizer que damos apoio para que tenham maiores salários”, referiu. Ontem foi também apresentada a proposta de revisão da lei laboral, que implementa a licença de paternidade remunerada de cinco dias, enquanto as licenças de maternidade passam dos actuais 56 para 70 dias. Caso os trabalhadores tenham o BIR, o empregador paga apenas os 56 dias e o Governo paga os restantes 14 dias. Contudo, no caso de se tratarem de trabalhadores não residentes, cabe ao patronato arcar com todas as despesas. Leong Heng Teng, porta-voz do Conselho Executivo, adiantou que este é apenas um primeiro passo para que o Governo pague menos no futuro. “Queremos ajudar os empregadores a aplicar estas medidas. No futuro queremos incentivar a que sejam os empregadores a fazer um esforço maior.” Para já, o Governo prevê gastar 120 milhões de patacas com este subsídio de apoio à licença de maternidade. “Depois de entrar em vigor, vamos ter uma ideia melhor do custo e fazer uma revisão”, disse Leong Heng Teng. A nova proposta de lei determina ainda que a compensação de despedimento sem justa causa suba de 20 mil para 21 mil patacas. O aumento de cinco por cento está relacionado “com o equilíbrio entre os vários factores”, adiantou o porta-voz do Conselho Executivo. Sobre este ponto, a sub-directora da DSAL explicou que, em 2015, houve um aumento de 14 mil para 20 mil patacas. “Após essa data o valor tem sido reavaliado a cada dois anos, mas isso não significa que seja aumentado. Agora decidimos aumentar para 21 mil patacas.”
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaDireito de manifestação | Recurso de Sulu Sou votado amanhã É já amanhã que os deputados votam o recurso apresentado por Sulu Sou contra o facto de a Mesa da Assembleia Legislativa se ter recusado a publicar nos Diários o seu protesto escrito relativo ao pedido de revisão da proposta de lei de direito de reunião e manifestação. Sulu Sou acusa os órgãos máximos do hemiciclo de usarem argumentos sem fundamento legal [dropcap]O[/dropcap] deputado Sulu Sou quer que o seu protesto escrito relativo ao pedido de revisão da proposta de lei de direito de reunião e de manifestação seja publicado nos Diários da Assembleia Legislativa (AL). O facto de o presidente do órgão legislativo, Ho Iat Seng, se ter recusado fazê-lo desencadeou um rol de objecções por parte do deputado. Amanhã será votado o recurso apresentado pelo pró-democrata depois de duas recusas da Mesa da AL. Em comunicado, Sulu Sou vem agora pedir o bom senso dos colegas na votação, esperando que “no próximo plenário todos os deputados tomem uma decisão ponderada e de acordo com a correcta compreensão do Regimento da AL e dos princípios legais relevantes, rejeitando a interpretação legal ou as instruções dadas pelos órgãos da AL”. Sulu Sou pede também que os seus colegas “alinhem (consigo) em prol da defesa dos direitos fundamentais dos deputados”. O pedido para a publicação do protesto escrito nos Diários da AL foi feito directamente a Ho Iat Seng, presidente do hemiciclo, a 7 de Agosto do ano passado, mas este recusou fazer a publicação. Posteriormente, o deputado emitiu um comunicado de objecção a essa recusa à Mesa da AL nos dias 1 de Março e 1 de Abril deste ano, ambos recusados. Para Sulu Sou, “não deveriam ser colocadas restrições ao direito dos deputados de apresentar protestos por escrito”, além disso, o deputado entende que os membros da Mesa comprometerem a integridade dos procedimentos com ilegalidades. “Na deliberação datada de 16 de Abril de 2019, a Mesa apontou que o Presidente e a Mesa não estão sujeitos à obrigação de justificação quando fazem decisões dentro do Regimento. A Mesa também invocou o termo ‘práticas parlamentares’ (ou seja, uma regra que não está escrita), e que não tem qualquer fundamento legal, como base para a rejeição do protesto escrito de Sulu Sou.” Para o deputado, “este tipo de deliberação da Mesa estabelece um vilipendioso precedente com enorme gravidade política e legal”. “Práticas ilegais repetidas” O recurso contra as deliberações da Mesa da AL chegou ao hemiciclo no passado dia 2 de Maio. Para Sulu Sou, os deputados Ho Iat Seng e Chui Sai Cheong, presidente e vice-presidente da Mesa, respectivamente, cometeram um erro do ponto de vista do Direito. “Qualquer estudante do primeiro ano de Direito, incluindo os juristas da AL, estão conscientes de que tais ‘práticas parlamentares’ não tem qualquer fundamento legal, uma vez que as ‘práticas’ e os ‘hábitos’ só são legais quando a lei assim o determina.” Sulu Sou frisa ainda que “essas práticas, mesmo que tenham sido repetidas centenas e milhões de vezes, continuam a ser ilegais e não deveriam ser invocadas em prol da restrição dos direitos fundamentais”. A 30 de Junho do ano passado, Sulu Sou fez uma proposta em plenário em prol de novas alterações à proposta de lei de reunião e de manifestação, quando esta já estava a ser analisada na especialidade pelos deputados. Ho Iat Seng não concordou. “Ho Iat Seng falou durante dez minutos, acusando-o de não respeitar o trabalho da comissão permanente. Ho também fez várias intervenções completamente irrelevantes para a agenda do dia e contrárias aos factos, incluindo o pagamento do salário durante o período de suspensão do mandato de Sulu Sou”, lê-se num comunicado enviado às redacções pela Novo Macau, associação ligada ao deputado pró-democrata.
Andreia Sofia Silva PolíticaLeong Sun Iok pede alteração a passadeiras e organização do tráfego [dropcap]O[/dropcap] deputado Leong Sun Iok interpelou o Governo sobre a necessidade de se alterar o sistema de organização do trânsito rodoviário, que já vem dos tempos da Administração portuguesa. Em interpelação escrita o deputado cita dados estatísticos do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), que relevam que, no primeiro trimestre deste ano, se registaram 619 casos de peões que não respeitaram as passadeiras, um aumento de 77 por cento face a igual período do ano passado. Nesse sentido, Leong Sun Iok lamenta que, apesar de o Governo ter fortalecido as operações de combate às infracções rodoviárias deste género, ainda não é suficiente a consciencialização das pessoas em relação à segurança. O deputado considerou também que “o velho” conceito do planeamento do tráfego implementado pelo Governo português já não se adapta à situação dos dias de hoje, pelo que pede à Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) que reexamine a localização das passadeiras e toda a organização de infra-estruturas viárias. Foi também pedido ao Executivo a instalação de sistemas de vídeo para a detecção de peões a fim de garantir a segurança da circulação nas estradas. Leong Sun Iok defende também a construção de novas passagens superiores em locais adequados, evitando acidentes de viação, e que adicione mais indicadores para os turistas, esclarecendo a situação rodoviária de Macau.
Andreia Sofia Silva PolíticaFórum Macau | Coutinho exige substituição de TNR por tradutores locais [dropcap]J[/dropcap]osé Pereira Coutinho interpelou o Governo sobre o recente caso da contratação exterior de tradutores e intérpretes para o Fórum Macau, exigindo que este recrutamento seja apenas temporário. “Se, nos termos da lei, a contratação dos trabalhadores não residentes (TNR) deve ser limitada temporalmente, pergunta-se por quanto tempo os TNR são precisos na RAEM até serem substituídos por intérpretes locais”, lê-se na interpelação. Além disso, Coutinho questiona “se existe um plano a curto e médio prazo para contratar as dezenas de mestres anualmente formados pela Universidade de Macau (UM) e de licenciados do Instituto Politécnico de Macau (IPM), devido ao facto do Gabinete de Apoio ao Secretariado Permanente do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa vir brevemente a transformar-se numa direcção de serviços”. O deputado quer também saber se o Governo vai “rever, com urgência, o plano curricular do ensino do curso de intérpretes-tradutores do IPM e da UM para elevar os conhecimentos dos alunos sobre a realidade nacional chinesa, melhorar os conhecimentos linguísticos do mandarim para satisfazer as exigências do Fórum Macau”. Isto porque foram estes os argumentos utilizados para a contratação de tradutores-intérpretes fora do território. Coutinho diz também não compreender como é que, ao fim de vários anos, o centro de formação do Fórum Macau não deu resposta a estes problemas. O deputado defendeu ainda que este caso é muito semelhante ao que foi detectado no Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia de Macau, onde o Comissariado contra a Corrupção (CCAC) encontrou dezenas de contratos de trabalho feitos a familiares.
Andreia Sofia Silva China / ÁsiaChina foi tópico de debate nas reuniões do Grupo Bilderberg Terminou este domingo mais um encontro anual do Grupo Bilderberg, que aconteceu em Montreaux, na Suíça. A China foi tópico de debate, mas não esteve representada. Dois jornalistas que escreveram sobre Bilderberg defendem mais transparência e falam no crescente interesse que a China desperta no grupo que junta figuras de topo da política e dos interesses económicos [dropcap]C[/dropcap]riado em 1954 no rescaldo da II Guerra Mundial, o Grupo Bilderberg mantém-se até aos dias de hoje como sempre foi: secreto, fechado e exclusivo a algumas personalidades das mais altas esferas económicas e políticas que recebem convites para ali debaterem os mais diversos assuntos da actualidade. Este ano, a 67.ª reunião abordou o assunto da China, a par de temas como “Uma Ordem Estável e Estratégica”, “Mudanças Climáticas e Sustentabilidade” e “O Futuro do Capitalismo”, num total de 11 temas. A China tem sido, aliás, objecto de discussão nos últimos anos, apesar da falta de representatividade no campo político e empresarial. Houve apenas uma excepção, em meados de 2011 e 2012, com o convite ao vice-ministro dos Negócios Estrangeiros e antigo embaixador no Reino Unido e Austrália, Fu Ying. Do lado português, estiveram presentes, este ano, personalidades como Durão Barroso, presidente da Goldman Sachs e ex-presidente da Comissão Europeia, Estela Barbot, membro do conselho de administração da REN, onde a China tem investimentos, e Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa. No Grupo Bilderberg o secretismo é quase uma imagem de marca. Como tal, no comunicado de imprensa disponível no website oficial não existem quaisquer informações adicionais sobre a reunião, que decorreu entre quinta-feira e domingo. “Os Encontros de Bilderberg constituem um fórum para discussões informais sobre grandes temas. As reuniões acontecem de acordo com a Regra Chatham House, que determina que os Estados participantes são livres para usarem a informação que recebem, mas não podem revelar a identidade ou a afiliação dos participantes”, pode ler-se. O mesmo comunicado determina ainda que “devido à natureza privada dos encontros, os participantes participam de forma individual e não na sua posição oficial, e não estão sujeitos às convenções do seu cargo ou a posições pré-acordadas. Desta forma, eles podem ter tempo para ouvir, reflectir e reunir ideias”. Além disso, no Grupo Bilderberg “não há uma agenda detalhada, não há proposta de resoluções, não são feitas votações e não há declarações políticas emitidas”. O facto de Estela Barbot, da REN, ter sido convidada este ano, é algo que não deve ser ignorado, devido ao facto da energia ser um sector estratégico para os chineses, de acordo com os autores ouvidos pelo HM. “Naturalmente, que isso pode estar na cabeça deles (do grupo Bilderberg)”, referiu Rui Pedro Antunes, jornalista e autor do livro “Os Planos de Bilderberg para Portugal”. “A questão da energia é muito importante para Bilderberg e para a maior parte das empresas, pois estão a tentar combater a influência chinesa na Europa, e na REN os chineses ganharam posição de destaque. Também já foram convidados responsáveis da EDP”, exemplificou. Já Frederico Duarte Carvalho, também jornalista e autor do livro “O Governo Bilderberg” lembrou que a energia é um sector estratégico e importantíssimo para todos nós. “Não sei o suficiente, as minhas análises são mais políticas do que económicas, mas sei o suficiente para afirmar de que há aqui algo que não é transparente, e que isso preocupa”. Atenção sínica Rui Pedro Antunes dá conta do interesse crescente que a China tem gerado no seio do grupo nos últimos anos. “Das muitas temáticas que essas personalidades têm discutido, a China tem sido uma das preocupações principais, tal como a Rússia, embora a China tenha uma importância maior”, defendeu ao HM. Isso deve-se ao facto do país “ter ganho um poder que antes não tinha, sobretudo a nível económico, e passou a ser importante abordar a forma como lidar com a China, sobretudo a nível militar, pois o país tem uma dimensão que a Europa e os Estados Unidos não têm”, acrescentou. O facto de serem feitos convites a personalidades chinesas depende muito do estado das relações diplomáticas no momento, e nesta altura a China e os Estados Unidos enfrentam uma guerra comercial sem fim à vista. “Na altura (aquando da participação de Fu Ying), as relações estavam muito boas e foi feito o convite. Creio que as relações entre a China e a Europa não estão propriamente más, mas (no seio do grupo Bilderberg) acaba por haver muita influência norte-americana e da família Rockefeller”, alertou Rui Pedro Antunes. O jornalista denota que, “neste momento, a China será sempre um assunto principal de debate, tendo em conta as ligações com os EUA”. Para Frederico Duarte Carvalho está na altura de a China estar mais atenta ao que se discute no seio deste grupo. “Quando estão a falar da China, falam de algo que está ausente, e por isso não se pensa nos interesses da pessoa ausente. Isso não contribui para a paz no mundo, seja ela política ou económica. Só lamento que num mundo tão globalizado, como é o de hoje, se ache que continua a fazer sentido conversar só sobre dois polos, quando a China é um interlocutor cada vez mais presente a nível internacional. A melhor forma de combater a China é inclui-la nas conversações.” O jornalista, que escreveu vários livros de investigação, pensa que a China “tem de ter algum cuidado político e muita diplomacia para resolver estas questões”. “O primeiro passo é estar atento, questionar se faz sentido continuar a usar as mesmas tácticas do pós-II Guerra Mundial, com esses encontros de secretismo e reuniões de grandes CEOs sem considerar outras realidades. A China deve manter-se informada e diplomática para não ser usada como bode expiatório numa crise que venha a ser criada contra ela”, frisou. Esta crise pode acontecer, aos olhos de Frederico Duarte Carvalho, caso falhe a introdução da rede 5G na Europa. “Fala-se na questão das redes 5G e do perigo da espionagem chinesa. Temo que a China, de repente, possa vir a ser uma espécie de bode expiatório do falhanço da não inovação das outras potências, e que historicamente sabemos que são bélicas, mais do que a China. A China tem uma outra estratégica, ligada à celebre paciência do chinês.” Transparência, precisa-se Rui Pedro Antunes assume uma posição diferente de Frederico Duarte Carvalho pois, para ele, Bilderberg não governa o mundo. Ainda assim, ambos concordam que há falta de transparência no grupo. “A partir do momento em que há representantes políticos fechados numa sala com empresários e representantes de multinacionais é uma coisa opaca que não deveria existir”, disse Rui Pedro Antunes. “Cada vez mais luta-se para que os cidadãos tenham acesso ao que se passa numa reunião governamental ou parlamentar, cada vez se sabe mais sobre regimes que nem são democráticos, e continua a existir uma reunião de Bilderberg à porta fechada, sem saber muito bem o que por lá se discute. Isto não é bom para a democracia e para o mundo em geral, e deveria existir mais transparência”, defendeu. Para Rui Pedro Antunes, jornalista no jornal online Observador, “Bilderberg não governa o mundo, mas tem muitos lobbies de governação, políticos e financeiros, e se houvesse maior transparência as pessoas saberiam o que acontece”. Frederico Duarte Carvalho acredita que o facto de a China não estar representada “acaba por ser um bastião de liberdade”. Contudo, “quando aceitar estar lá dentro de acordo com as regras, estará o mundo inteiro a conspirar contra o resto do mundo e seremos todos escravos”. “Enquanto estiver fora será um polo para exigir os seus direitos de forma livre e transparente. Se a China quiser ser o país do povo, não pode estar no Bilderberg. Senão aceita as regras do mercado e torna-se um inimigo do povo”, rematou o jornalista.
Andreia Sofia Silva EntrevistaSara F. Costa, vencedora do Prémio Glória de Sant’Anna, sobre Macau: “Um lugar inspirador” O seu livro, “A Transfiguração da Fome”, ganhou o prémio do melhor livro de poesia publicado em países de língua portuguesa. Sara F. Costa reside em Pequim e fala da “dimensão inesperada” que esse reconhecimento lhe trouxe como poetisa, além de destacar o lugar de Macau para a sua obra poética O que representa este prémio para si? É um grande orgulho receber este prémio literário internacional, uma vez que é um prémio atribuído ao melhor livro de poesia editado em países de língua portuguesa durante o ano de 2018. Esta designação é realmente imponente e esta atribuição bastante inesperada. Quando vi que a lista de livros finalistas incluía nomes como Ana Horta, António Cabrita ou João Luís Barreto Guimarães, nunca pensei que o prémio me fosse atribuído. Estes são autores que admiro há muito tempo e é para mim um enorme prazer poder divulgar a minha poesia, também, junto deles. O Prémio Glória de Sant’Anna é um prémio de grande prestígio e graças a esta atribuição pude constatar que prima por uma excelente organização. Trata-se de um grupo muito especial de pessoas que realmente se interessam pela divulgação de valores literários. Como foi o processo de escrita do livro vencedor deste prémio? O meu processo de escrita é simultaneamente visceral e disciplinado. Necessito de organizar o meu espaço mental para que a escrita seja regular, mas preciso de ter algo que me é vital para dizer. Entre a experiência e a escrita. Por vezes não sei se escrevo sobre a experiência ou se experiencio para escrever, mas o que é certo é que nunca dissocio a vivência da escrita. Para que a escrita seja plena é preciso viver plenamente. Até que ponto o livro “A Transfiguração da Fome” é influenciado pela cultura chinesa e pelo idioma? Essa influência é inegável uma vez que foi um livro escrito entre Lisboa e Pequim com passagens por Macau. É um livro influenciado pela cultura chinesa na medida em que muitos poemas neste livro possuem representações culturais da minha passagem por Macau e pela vivência em Pequim. O idioma e a leitura de poesia chinesa também me ajudaram a conceber a minha noção pessoal de poesia. Se pensarmos em Ezra Pound ou William Carlos Williams podemos ver como a poesia chinesa foi introduzida na língua inglesa nas primeiras décadas do século passado como uma reação à forma vitoriana que era, essencialmente, o soneto. Claro que isso aconteceu também porque a poesia chinesa foi introduzida através da tradução em verso livre. A minha concepção essencialmente imagética do poema tem origem nessas traduções da poesia chinesa e japonesa. É também curioso verificar como essa poesia da imagem se cruza tão bem com o simbolismo francês. É nesse cruzamento de influxos que situo a minha poesia. De que forma a vivência na China a marca como poetisa? A vivência em Pequim tem sido surpreendentemente enriquecedora no alargar dos meus horizontes poéticos. Estou envolvida num colectivo artístico internacional que se dedica à criação e manutenção de uma comunidade literária muito dinâmica e muito consolidada. Não só aprendo muito sobre poesia chinesa como também sobre poesia de outras geografias, uma vez que aqui se cruzam poetas de várias nacionalidades. Neste momento organizo um workshop de poesia bi-semanal, o primeiro da cidade, integrado no colectivo de que faço parte chamado Spittoon. Ao nível da poesia chinesa, quais são as suas influências? A noção que há pouco referia da poesia imagética ou poesia-pintura acaba por ser uma grande influência e posso dar como exemplo o poeta Wang Wei da dinastia Tang ou Su Shi da dinastia Song. Hoje em dia, aventuro-me a ler os poemas contemporâneos de autores como Haizi, Chang Yao, Zhangzao, entre outros. Tenho acesso a esta poesia porque tenho bons amigos e amigas que me guiam na descoberta de novos poetas chineses e tem sido uma descoberta muito enriquecedora. No nosso colectivo artístico publicamos novos poetas chineses para inglês como forma de dar uma voz internacional a novos valores literários. Esta experiência é fundamental para estar a par da criação poética na China. Depois de vencer este prémio, que portas se podem abrir? Este prémio acaba por ter, para mim, uma dimensão inesperada. Para além de um pouco mais de visibilidade, já fui abordada com propostas de publicação do livro no Brasil, por exemplo. Da última vez que o meu livro anterior “O Movimento Impróprio do Mundo” foi seleccionado para a lista final do prémio em 2017, recebi um convite para representar poesia contemporânea europeia no Festival Internacional de Poesia de Istambul. É sempre bom ver o nosso trabalho reconhecido e é sempre bom ver que há algum progresso na sempre tímida carreira literária. Todos os pequenos passos contam. Esteve em Macau no festival Rota das Letras. O território passa pelos seus planos literários, seja para escrever sobre ele ou para desenvolver projectos a esse nível? É inevitável que Macau me inspire. Eu tenho uma trajectória peculiar enquanto portuguesa na China. Vivi em Tianjin primeiro, depois visitei muitas partes da China continental e só depois tive contacto com Macau. Encontrar este recanto intercultural que comunica tanto com os portugueses, causa sempre um grande impacto. É sem dúvida um lugar inspirador. Recentemente tive poemas publicados pela revista literária de Hong Kong Cha: An Asial Literary Journal na edição “Writing Macau”. Irei também fazer parte de uma antologia de poetas portugueses com ligações a Macau organizada pelo António MR Martins. Acho que esta ligação entre Macau e a minha poesia ainda está para durar.
Andreia Sofia Silva China / ÁsiaPortugal realizou primeira emissão de dívida em moeda chinesa Portugal começou ontem a emitir dívida no valor de dois mil milhões de renmimbis. A operação, intitulada “Obrigações Panda”, deverá implicar nova venda de dívida, com o mesmo montante, em 2020. Economistas falam numa tentativa da China de internacionalização da sua moeda [dropcap]A[/dropcap] operação tem o nome do mais famoso animal chinês e é inédita para um país europeu. Portugal fez ontem uma emissão de dívida em moeda chinesa no valor de dois mil milhões de renmimbi (260 milhões de euros), com uma maturidade a três anos. As “Obrigações Panda” (Panda Bonds) prevêem, de acordo com o jornal Expresso, que em 2020 se fará nova emissão de dívida com o mesmo valor. Ainda assim, esta operação representa um pequeno montante, tendo em conta que a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) vai emitir, este ano, obrigações no valor de quase 16 mil milhões de euros, a maioria na moeda europeia. Com esta colocação, Portugal será o primeiro país da zona euro a emitir dívida em renmimbi. Na semana passada, quando confirmou a realização da operação, o secretário de Estado das Finanças afirmou que “o ‘pricing’ só será fechado no dia da operação, mas antecipa-se que seja superior ao equivalente em euros”. Ricardo Mourinho Félix adiantou que “é o custo de entrada num novo mercado”. Também a presidente da IGCP, Cristina Casalinho, já disse que a emissão de ‘Panda Bonds’ surgiu como “uma oportunidade” para Portugal continuar a alargar a base de investidores. “Hoje em dia dependemos crucialmente da base de investidores que temos e o que sabemos é que investidores que compram por exemplo em dívida alemã não investem em dívidas com níveis de risco mais elevado. Se a China pode surgir como uma alternativa de continuar no esforço de alargamento da base de investidores, é importante”, afirmou ainda a presidente do IGCP quando, na semana passada foi questionada sobre a operação. Na ocasião, a presidente do IGCP disse que a operação demorou dois anos a ser negociada e que acredita que, apesar de ter uma taxa de juro associada “significativamente” mais elevada, compensará no longo prazo. Entretanto, Mário Centeno, ministro português das Finanças, declarou ao canal de televisão CNBC que a colocação das “Obrigações Panda” a três anos em renminbis é “um passo positivo na gestão da dívida externa portuguesa no médio prazo”, disse. Segundo a Global Capital, esta operação no mercado obrigacionista interbancário chinês dirige-se a investidores institucionais tanto a nível onshore como offshore, incluindo o uso da plataforma Bond Connect, lançada em 2017, que permite a investidores adquirirem obrigações tanto no mercado da China como de Hong Kong. Por cá, Lionel Leung congratulou-se com a iniciativa lusa incentivando o reforço do papel de Macau enquanto plataforma entre a China e os países de língua portuguesa seja reforçado. “Fui, ainda, informado que Portugal será o primeiro país da zona Euro a concretizar a emissão de obrigações Panda denominadas em RMB no Interior da China. Esta circunstância, além de nos encorajar a continuar a envidar os maiores esforços nos nossos trabalhos, fomentando o papel de Macau enquanto plataforma de prestação de serviços entre a China e os países de língua portuguesa é também, bastante significativa”, disse o secretário para a Economia e Finanças durante a conferência sobre a promoção da cooperação entre instituições bancárias de Macau e dos países de língua portuguesa, que decorreu ontem na RAEM. Em prol da internacionalização Para o economista Albano Martins, ao permitir que Portugal faça emissão de dívida na sua moeda é mais um passo para a internacionalização do renmimbi. “À China interessa que isto aconteça porque faz circular moeda chinesa e fá-la tornar-se mais global. O renmimbi é uma moeda que está em constante depreciação”, defendeu ao HM. Esta quarta-feira foi divulgado um relatório por parte do Departamento do Tesouro norte-americano que pede à China que evite a contínua desvalorização da sua moeda, mantendo o gigante asiático na lista de economias que merecem atenção por más práticas de câmbio. O Tesouro norte-americano apontou que continua a ter “preocupações significativas” sobre as práticas monetárias chinesas, particularmente à luz do “desalinhamento e desvalorização ” do renminbi (nome oficial do yuan, a moeda nacional chinesa) em relação ao dólar. “A China deve fazer um esforço conjunto para melhorar a transparência das suas operações e taxas de câmbio”, lê-se no documento. A moeda chinesa desvalorizou 8 por cento em relação ao dólar, no ano passado, representando um superavit comercial bilateral “extremamente grande e crescente” que, segundo o documento, cifrou-se 419.000 milhões de dólares em 2018. José Morgado, economista, falou ao HM precisamente dos riscos cambiais para o Euro com a emissão de dívida em renmimbis. Tais operações “acarretam sempre um risco quando os países não têm resultados na moeda em que se endividam”. “Quando Portugal tem financiamento numa moeda diferente, a questão que se põe é se, na altura do financiamento, tem receitas nessa moeda ou não. Se não tem, deve fazer a troca na moeda cambial e terá de comprar a moeda que necessita. Aí pode haver um risco, porque se a moeda que está a comprar for mais cara, pode ter um custo superior.” Ainda assim, Morgado acredita que este é mais um passo dado pelo Governo Central em prol da internacionalização da sua moeda. “Para que o renmimbi se internacionalize é necessário que haja mais negócios nessa moeda. A China, de modo a não estar dependente das moedas tradicionais e mais internacionais, como o dólar e o Euro, está cada vez mais a tentar fomentar os negócios na moeda chinesa.” Tal “é importante em termos estratégicos para a economia chinesa, porque lhe dá uma posição geopolítica estratégica relativamente à moeda. Além disso, as empresas chinesas, que possuem negócios em renmimbis, não tem riscos cambiais associados por realizarem negócios noutras moedas”, acrescentou José Morgado. Zona Euro “frágil” Apesar de Portugal ser o único país da União Europeia (UE) a emitir dívida na moeda chinesa, cinco Estados-membros, nomeadamente a Alemanha, Bélgica, França, Irlanda e Itália colocaram, na semana passada, um total de 35 mil milhões de euros em títulos de médio e longo prazo através de leilões e operações organizadas por sindicatos bancários. Pagaram juros mais baixos em todas as emissões e registaram uma procura muito elevada nas operações sindicadas que chegou a mais de 70 mil milhões de euros. O mercado pareceu funcionar apesar dos avisos feitos a semana passada pelo Banco Central Europeu (BCE), que disse que a economia da zona Euro está “frágil”, escreveu o Expresso. Esta quarta-feira o Euro registou um valor mais baixo face ao dólar americano, numa altura em que se mantém a tensão entre Estados Unidos e China e os investidores procuram divisas consideradas refúgio, como o iene e o franco suíço. O Euro valia, no final da tarde de quarta-feira, 1,1134 dólares, abaixo dos 1,1165 a que negociava na terça-feira quase à mesma hora. O conflito entre Estados Unidos e China, que começou com a imposição de novas taxas alfandegárias, agravou-se depois da recente decisão do Governo norte-americano de colocar o grupo chinês de telecomunicações Huawei numa ‘lista negra’, invocando argumentos de segurança nacional. O Presidente norte-americano, Donald Trump, afirmou no Japão que os Estados Unidos “não estão prontos” para concluir um acordo com a China, mas também disse que existem “muito boas hipóteses” de isso acontecer em breve.
Andreia Sofia Silva SociedadeRejeitado pedido da Surf Hong para anular multas [dropcap]O[/dropcap] Tribunal de Segunda Instância (TSI) recusou o pedido apresentado pela empresa Surf Hong para suspender as multas que lhe tinham sido aplicadas pelo Instituto do Desporto (ID) no âmbito de um processo laboral. A empresa alegou que não possui recursos e bens para pagar duas multas de valor superior a 11 milhões de patacas, mas não conseguiu provar esse argumento. No acórdão, ontem tornado público, é referido que Wong Chong Heng, único accionista da Surf Hong, “é empresário individual”, pelo que “respondem, pelas dívidas do empresário comercial, pessoa singular, contraídas no exercício da sua empresa, os bens que a compõem e, na sua falta ou insuficiência, os seus bens particulares”. Nesse sentido, o empresário “deve invocar e comprovar, simultaneamente, que os seus bens pessoais e os bens da empresa não são suficientes para pagar as multas”, contudo, este “não indicou os seus bens e as suas situações financeiras”. Perante estes factos, o TSI “entendeu não existirem provas suficientes para sustentar que a medida sancionatória, imposta pela Administração, causa prejuízos de difícil reparação” à Surf Hong. Wong Chong Heng alegou que, com o pagamento das duas multas impostas pelo Governo, “será obrigado a declarar falência e a enfrentar o encerramento da empresa, o que lhe causará prejuízos de difícil reparação”. Este alegou também que “a execução imediata dos referidos actos administrativos lhe poderá provocar a perda de todos os contratos de prestação dos serviços de gestão e de salvamento nas piscinas e praias, causando desemprego aos empregados”. De frisar que o ID decidiu aplicar duas multas superiores a quatro e sete milhões de patacas à Surf Hong “por violação dos deveres contratuais previstos no ‘Contrato de Prestação de Serviços de Gestão das Piscinas situadas em Macau afectas ao Instituto do Desporto’ e no ‘Contrato de Prestação de Serviços de Gestão das Piscinas situadas nas Ilhas afectas ao Instituto do Desporto’”, aponta o mesmo acórdão.
Andreia Sofia Silva China / ÁsiaChina | Futebol assume importante papel geoestratégico Dois investigadores da Universidade de Aveiro analisam o plano chinês para o desenvolvimento do futebol e falam da possibilidade de, no futuro, o investimento de grandes empresas chinesas em clubes, tanto na China como na Europa, poder diminuir. Sem ter o mesmo posicionamento dos Jogos Olímpicos e sem os mesmos recursos das equipas de topo, o futebol na China assume cada vez mais uma importância geoestratégica na Europa, defendem Emanuel Leite Júnior e Carlos Rodrigues [dropcap]É[/dropcap] certo que na China os chineses não jogam futebol nem tem por hábito ir aos estádios, mas a verdade é que esta prática desportiva é cada vez mais popular no país. Xi Jinping tem um plano para o desenvolvimento do futebol na China, no entanto, este projecto enfrenta diversos desafios, como notam os investigadores da Universidade de Aveiro (UA), Emanuel Leite Júnior e Carlos Rodrigues, num trabalho de investigação intitulado “The Chinese plan for football development: a perspective from innovation theory”, recentemente publicado. Os autores notam que o futebol conseguiu ter um verdadeiro impacto na sociedade nos últimos anos, apesar de, em termos de resultados, nunca ter conseguido atingir a mesma dimensão que os Jogos Olímpicos de 2008, quando a China ganhou inúmeras medalhas de ouro. Mesmo sem resultados, o futebol tornou-se uma arma geoestratégica. “A China não tem as condições gerais para estar na competição de elite do futebol, que é o desporto mais popular do planeta e, nesse sentido, a única coisa que pode esperar é aproximar-se do elevado potencial (do futebol) enquanto meio de soft power”, escrevem os autores. Acrescentam que “o futebol na China tem ainda falta de recursos para que possa ser minimamente competitivo a nível internacional”. Apesar de as equipas de futebol chinesas não estarem no mesmo patamar que as equipas europeias, por exemplo, a verdade é que a China se faz notar através dos elevados investimentos que têm sido feitos por parte de empresas em equipas de futebol de toda a Europa, incluindo de Portugal. Segundo os autores, assim que o plano de desenvolvimento do futebol, pensado para um período entre 2016 e 2050, foi lançado, empresas de grande dimensão da China como os grupos Alibaba, Dalian Wanda, Jiangsu e Fosun “começaram a fazer investimentos significativos nos mercados interno e externo de futebol”, sendo que “o desenvolvimento do mercado interno de futebol ganhou especial atenção, devido à contratação de jogadores estrangeiros, que envolveu elevados valores de transacção e salários”. “A Liga Chinesa de Futebol começou a estar debaixo dos holofotes”, apontam os investigadores. Contudo, “está longe de ser claro que estes desenvolvimentos correspondem ao sonho de Xi Jinping de participar no campeonato mundial de futebol”. Citando outros autores, Leite Júnior e Carlos Rodrigues salientam que a participação de grupos privados no investimento do futebol faz parte de uma estratégia governamental. “O Governo deixou de intervir directamente no mercado desportivo, limitando a sua acção a linhas orientadores e ao apoio ao desenvolvimento do sector, enquanto promove uma estrutura que permite estabelecer uma estrutura competitiva no mercado.” Ao autorizar que o futebol se desenvolva com o apoio de privados, dentro da ordem do sistema capitalista, o Governo não deixa de assumir “um papel educacional” para que possa alterar “comportamentos e hábitos, a fim de garantir o poder de transformação necessário para destruir barreiras que estão profundamente enraizadas na cultura chinesa”. Os autores acreditam também que “mais do que recursos e capacidade financeira, a capacidade para materializar esta mudança em termos de comportamentos e hábitos, ao nível da prática e do consumo do futebol, é o maior desafio e o único em termos da inovação social”. Investimento pode diminuir Depois de anos a investir em clubes europeus de topo, cujos investimentos atingiram os 168 milhões de dólares americanos em 2015, mais do que os custos totais suportados pela Confederação Asiática de Futebol, o cenário pode alterar-se nos próximos anos. “É previsível que esta onda frenética de investimento chinês deverá diminuir, apesar de ter existido uma especulação sobre a possibilidade de jogadores de topo como Rooney ou Diego Costa irem para a China”, escreveram os académicos. Mesmo que este investimento venha a diminuir, os autores garantem que o cenário geopolítico do futebol já se alterou por completo. “Estas operações, tal como esperado, tiveram uma enorme repercussão na Europa. O investimento chinês no futebol trouxe um aumento a uma significativa deslocação da centralidade de poder, além de ter alterado a geopolítica do desporto.” Maior ambição Apesar do plano para o desenvolvimento do futebol na China ter sido implementado em 2016, a verdade é que, de acordo com o Diário do Povo, o mesmo plano passou a ser mais ambicioso a partir de 2017, quando se definiram objectivos concretos a atingir nos anos de 2020, 2030 e 2050. Neste sentido, daqui a dois anos as autoridades chinesas prevêem que o país tenha cerca de 20 mil escolas de futebol e 70 mil campos para a prática da actividade, além de que as escolas primárias e secundárias devem incluir no seu plano de estudos 30 a 50 minutos de treino de futebol. Em 2030 o número de escolas deverá passar para as 50 mil, além de que “a equipa masculina chinesa deverá ser uma das melhores da Ásia e a selecção feminina deve atingir o nível mundial”. Até 2050 a China pretende que a selecção masculina participe não só em campeonatos mundiais como passe a figurar no ranking 20 da FIFA. O país deve, ainda, organizar o campeonato do mundo de futebol e, inclusivamente, ser vencedor de uma edição. “A fim de atingir objectivos tão ambiciosos, além de outras medidas, o plano de desenvolvimento do futebol estabelece que a Associação Chinesa de Futebol deve organizar e gerir o desenvolvimento do futebol em todo o país, de uma forma viável e sustentável, garantindo ainda um ambiente competitivo e justo”, apontam os autores. Além disso, é exigido aos clubes que adoptem formas modernas de gestão, estando prevista a participação do sector privado nesse processo. Esta mudança de planos está relacionada com os sonhos de Xi Jinping de elevar o futebol chinês a outro patamar. “A China pôs em prática o seu ousado projecto de futebol não apenas porque o Presidente pretende ver a equipa nacional entrar na elite mundial do futebol, como pretende tirar vantagem deste popular desporto como um instrumento que promova o crescimento do desporto em toda a nação e contribuir para o desenvolvimento da economia, sociedade e cultura”, lê-se. Sobre o futuro, e apesar de considerarem “difícil” prever o que vai acontecer, os autores deste trabalho de investigação acreditam que as autoridades chinesas “vão continuar a lutar pela implementação do plano a fim de atingir o objectivo de um crescimento ‘saudável e estável’ não apenas do futebol, mas de todo o mercado desportivo”. “Isso, incluindo novos recursos financeiros, como é o caso dos que são obtidos com os novos impostos sobre o valor das transferências de jogadores. Ficou estabelecido que esses montantes servirão para apoiar o desenvolvimento de escolas de formação para novos jogadores, tal como a promoção da comunidade futebolística e o fomento de iniciativas de caridade ligadas a este desporto”, concluem os autores.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaVistos gold | Vítor Sereno recusa ilegalidades no processo [dropcap]O[/dropcap] ex-cônsul de Portugal em Macau e Hong Kong, Vítor Sereno, disse à TDM Rádio Macau que não existem quaisquer ilegalidades no processo dos vistos gold, em reacção às declarações da ex-euro-deputada Ana Gomes ao HM, tendo dito que “nunca foi confrontado ou teve conhecimento de qualquer situação ilegal ou menos clara”. Sereno, actualmente a desempenhar funções diplomáticas no Senegal, adiantou também que “nunca pactuaria com qualquer situação ilegal ou menos clara”, recordando que seguiu “durante cinco anos e meio uma política de rigoroso cumprimento das instruções que recebia no sentido de promover activamente a diplomacia económica, na qual se inserem os ‘vistos gold´”. Vítor Sereno disse também que os “‘vistos gold’ são parte integrante da política económica do Governo de Portugal e estão previstos e regulamentados por leis aprovadas pela Assembleia da República e por diversos Governos Constitucionais”. Na entrevista publicada na edição de hoje, Ana Gomes, que não se recandidatou ao Parlamento Europeu nas últimas eleições, defendeu que a política dos vistos gold favorece a corrupção e é “criminosa do ponto de vista da lei chinesa”, pois obriga a montantes mínimos de investimento em Portugal acima do que está previsto pelas autoridades chinesas em termos de exportação de capitais. No Parlamento Europeu, Ana Gomes foi vice-presidente da Comissão Especial sobre os Crimes Financeiros e a Elisão e a Evasão Fiscais, que elaborou relatórios sobre os vistos gold.
Andreia Sofia Silva SociedadeEsperado primeiro défice orçamental na CGA em quatro anos [dropcap]J[/dropcap]á são conhecidas as previsões orçamentais para este ano relativas à Caixa Geral de Aposentações (CGA), de que dependem 2497 reformados em Macau. As contas foram feitas pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP) em Portugal e não são animadoras: está previsto o primeiro défice orçamental em quatro anos e mais despesas, além de que as contribuições não serão suficientes para cobrir todos os gastos. O relatório determina que, de acordo com o Orçamento de Estado (OE) em Portugal para este ano, “o saldo orçamental da CGA deverá atingir um défice de 60 milhões de euros (mais de 542 milhões de patacas), em contraste com a trajectória excedentária registada nos últimos anos”. Isto porque “a CGA apresentou um saldo orçamental positivo nos últimos quatro anos”, aponta o relatório. O CFP prevê uma degradação de 162 milhões de euros do orçamento da CGA, que “tem subjacente um ritmo de crescimento da despesa (1,9 por cento) superior ao da receita (0,2 por cento), e que se explica pelo “crescimento dos encargos com pensões e abonos da responsabilidade da CGA”. Esse aumento de 1,9 por cento “elevará a despesa da CGA para 10.083 milhões de euros em 2019”. Não só é esperado um défice como também está prevista “uma diminuição da receita de contribuições para a CGA de 3,3 por cento”. “De acordo com o OE/2019, essa receita deverá atingir 3877 milhões de euros este ano, dos quais 3769 milhões de euros serão provenientes de quotas e contribuições. A diminuição prevista acompanha o perfil de saídas de subscritores para a aposentação e para a reforma que se tem verificado desde que o sistema fechou a novas entradas, ainda que o impacto dessas saídas deva ser atenuado pelo efeito positivo decorrente do descongelamento gradual de carreiras”, lê-se. Apenas 40 por cento No que diz respeito à receita proveniente de contribuições e quotizações, esta cobrirá apenas 42,4 por cento da despesa com pensões e abonos da responsabilidade da CGA. “Caso este valor se concretize, será o rácio de cobertura mais baixo desde 2012”, afirmam os analistas do CFP. Ainda assim, o CFP dá conta de um aumento da receita da CGA previsto para este ano, “que deverá decorrer sobretudo de um acréscimo de transferências do OE”, uma vez que este “aponta para que a receita atinja 10.023 milhões de euros em 2019, mais 23 milhões de euros do que no ano anterior. No que diz respeito à execução orçamental da CGA em 2018, “o saldo atingiu um excedente superior ao registado no ano anterior, embora a previsão inicial apontasse para uma situação deficitária”. O relatório do CFP relata que “a CGA atingiu um excedente orçamental de 101 milhões de euros em 2018”, sendo que este resultado “reflecte um aumento de 25 milhões de euros face ao saldo obtido no ano anterior, porque o acréscimo da receita foi superior ao da despesa”.
Andreia Sofia Silva EntrevistaAna Gomes, ex-deputada do Parlamento Europeu, sobre vistos gold: “É uma prostituição da cidadania europeia” Ana Gomes não se recandidatou às eleições europeias e vai reformar-se, mas não pretende abandonar o papel de investigadora na área do crime económico. A ex-eurodeputada defende que o programa dos vistos gold “é criminoso do ponto de vista da lei chinesa”, favorece a corrupção e a entrada de tríades na Europa. Ana Gomes fala de Vítor Sereno, ex-cônsul, como um dos grandes angariadores de vistos gold em Macau [dropcap]M[/dropcap]arcelo Rebelo de Sousa esteve na China há pouco tempo. Foi algo crítica no seu Twitter face à postura do Presidente da República. Que balanço faz da visita? Não conheço os balanços que se estão a fazer internamente, a nível diplomático e económico. Não tenho dúvida de que, ao nível dos media, as autoridades portuguesas procuraram mostrar que tudo é maravilhoso. Não gostei de ver o nosso Presidente da República ir na molhada dos 120 dignitários de países que participam na iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”. Acho que as relações Portugal-China são suficientemente importantes e distintas de outro tipo de relação, e mesmo que os chineses decidissem enquadrá-la na iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, Portugal não teria de ir na molhada. Fala do Fórum que se realizou em Pequim sobre essa política. Sim. Acho que há aqui uma questão de estatuto estratégico para Portugal, e não para a China, que nos deveria ter feito dizer que estaríamos disponíveis para ir este ano à China, mas não permitir um enquadramento de forma indistinta. Por muito que, quer o Presidente da República, quer o Governo, projectem uma imagem de grande triunfo, eu estou para ver qual foi o triunfo. Vi o Presidente da República falar das 48 universidades onde se aprende português. Já aprendiam, não? Não foi por causa desta visita. É algo que tem vindo a acontecer aos longo dos anos. E tem a ver obviamente com os desígnios estratégicos chineses, em relação aos quais não me cabe criticar. Acho muito bem, pois a China tem capacidade e interesse, vê as coisas de maneira global e a longo prazo. Tem os seus recursos para os monopolizar para aquilo que entende ser do seu interesse e naturalmente que isso passa pelo conhecimento das línguas, onde o português é relevante. Portugal não pode embarcar neste tipo de iniciativas, que são estratégicas para a China, só com uma perspectiva de interesse económico. A relação com a China é demasiado importante para ser entendida apenas de uma perspectiva económica e mercantilista, justificada a pretexto de um combate ao proteccionismo. A relação com a China tem de ser vista a várias dimensões. FOTO: Lusa Quais são elas? Falo da dimensão da segurança humana em Portugal no que respeita aos direitos fundamentais dos cidadãos portugueses. Chegou-se ao ponto de se criar um sistema de crédito social, que serve para controlo das liberdades cívicas. Acho isto altamente preocupante, e não me venham dizer que ao falar de direitos humanos a Xi Jinping se cumpriu a nossa obrigação em matéria de direitos humanos. Não só vejo essas obrigações em relação aos cidadãos chineses que não dispõem de direitos básicos e fundamentais, a que a China está veiculada por fazer parte da ONU, mas também do ponto de vista dos cidadãos portugueses. Como é que a segurança dos portugueses pode estar em risco? Quando se contempla importar as redes 5G da Huawei, sabendo que na China não existe um regulamento geral de protecção de dados pessoais. Acho que é altamente hipócrita e perigoso passar-se por cima destes aspectos, já para não falar dos sectores da vida política e económica portuguesa que já estarão nas mãos dos chineses, não só pela via das compras que cá vieram fazer na altura da Troika, com grandes cumplicidades e grandes responsabilidades europeias, mas também nacionais, como pelo controlo que exercem através de tecnologias que tem os seus dados armazenados na China. Visitei a Huawei em 2015, perto de Pequim, e sei bem que qualquer dado que a Huawei obtenha em qualquer parte do mundo é, por imposição chinesa, armazenado na China. Os políticos portugueses deixaram-se seduzir muito facilmente num período de crise económica, e agora é tarde? Não sou ingénua e sei bem que o longo relacionamento com a China através de Macau sempre teve aspectos positivos a nível cultural, político e social, mas também tem aspectos bastante perniciosos, designadamente ao nível de uma lógica economicista que facilitou a corrupção, ao nível dos próprios partidos políticos. Se isso aconteceu no passado ainda mais acontece no presente, ainda por cima depois de Portugal passar este período de aflição tremenda com uma austeridade imposta, onde se privatizaram infra-estruturas críticas e centros estratégicos para Portugal e para a União Europeia (UE). Na altura incomodaram-me muito a atitude das autoridades nacionais e a negligência das autoridades europeias, designadamente as que integravam a Troika. Não viram as questões de segurança, de deixar uma empresa como a REN ser controlada pela State Grid. Na altura coloquei questões à Comissão Europeia, que me respondeu com respostas inenarráveis, de que era o mercado a funcionar. Hoje a sensibilidade na Comissão é outra, mas entretanto já muitas concessões foram feitas em Portugal na área da energia e dos portos, como é o caso do Porto de Sines, e também noutros países europeus. Não é por acaso que a Grécia e países do leste, como a Bulgária e Roménia, estão a ser alvo de um interesse alvo por parte da China. O discurso político vigente não parece estar atento a esses perigos. Até os negligencia totalmente. Reduziram a uma questão ao combate a um proteccionismo induzido pelo lado americano, quando obviamente isso é distorcer o que está em causa. É negligenciar a própria segurança nacional e europeia. Eu vejo grandes vantagens na forma como a China tirou da pobreza milhares de milhões de pessoas, mas no seu relacionamento com países africanos, há aspectos positivos e negativos. Portugal, sabendo o que sabe, e sendo membro da UE, não se pode dar ao luxo de ser ingénuo. Houve uma nova resolução aprovada em Março no seio da UE relativa a crimes financeiros e casos de evasão fiscal. Vem resolver os problemas que se vinham verificando até então? É a quarta directiva sobre branqueamento de capitais, na qual participei, mas já vem a caminho a quinta directiva. Conseguimos que os Estados-membros fiquem obrigados a criar registos centrais dos beneficiários únicos de todas as companhias, e portanto todas tem de registar e identificar quem é detentor de, pelo menos, 25 por cento das suas acções. Esta é a forma mais importante de combatermos a evasão fiscal e o branqueamento de capitais. Isto é importante para Portugal e também para a China, pois vamos cobrir grande parte dos esquemas de branqueamento de capital que se fazem através dos vistos gold, tendo em conta que os cidadãos chineses representam cerca de 80 por cento do número de pedidos. O próprio visto gold implica a compra de imobiliário com o valor mínimo de 350 mil euros, valor que é bastante mais elevado do que o montante que a China permite aos seus cidadãos exportarem anualmente. O esquema em si é criminoso do ponto de vista da própria lei chinesa. Certamente que o esquema se presta muito aos criminosos chineses e às tríades para se infiltrarem na UE, porque além dos adquirentes há os familiares. Este é um assunto que tem estado na mira das autoridades chinesas e eu própria contactei com elementos da polícia chinesa que me contactaram quando participei, há uns anos, num seminário sobre os vistos gold. Sei que estiveram algumas vezes em Portugal e que até houve um cidadão chinês que foi extraditado e que era portador de um visto gold. É um assunto de interesse mútuo, as autoridades portuguesas estão confrontadas com o recente relatório da UE sobre os riscos destes sistemas para a segurança do espaço Schengen, mas o actual Governo tem feito vista grossa e tem actuado de uma forma que considero altamente criticável. Houve apenas um projecto proposto por um partido político português para por fim aos vistos gold, e que foi rejeitado pelos deputados. Apoiei esse projecto e em breve farei uma reunião aqui com o representante da Comissão Europeia. Há cerca de 20 países europeus com esquemas de vistos gold. Que autoridades de vários países continuem a fazer vista grossa a este assunto não me vai impedir a mim e a mais gente de ajudar quem quer expor os casos. No caso de Portugal, o esquema é opaco, porque mesmo Chipre e Malta publicam as listas dos cidadãos que adquirem os vistos gold, mesmo na forma de passaportes. Tenho endereçado cartas a todos os governantes a pedir para consultar os nomes das pessoas e isso não me é facultado. A explicação que me dão é a protecção de dados, num país onde se publicam nomes e moradas por tudo e por nada. A única explicação que encontro é a consciência de que, se eu pudesse consultar essa lista, encontraria uma série de indivíduos que não seriam recomendáveis em nenhum país do mundo, a não ser atrás das barras de uma prisão. Um ex-ministro foi inclusivamente arguido num processo relacionado com os vistos gold. Esse processo, só por si, tirou credibilidade a uma política já frágil? Paulo Portas foi o pai dos vistos gold mas não inventou a roda, porque foi copiar outros esquemas de vistos gold que já existiam e havia obviamente intuitos de favorecer a corrupção. Não sou contra o facto de Portugal facilitar a vinda de cidadãos que tenham cá investimentos, mas não deve ser vendida a residência. Isso favorece a constituição de cartéis, de angariadores de vistos gold, que não só facilitam todo o tipo de criminalidade como eles próprios se sustentam com o financiamento. Da forma como este esquema foi operacionalizado há ligações de ex-ministros e de ex-chefes de gabinetes de ministros, não é só Miguel Macedo. Foi feita a colocação de antigos chefes de gabinete em posições chave do aparelho diplomático, na China, por exemplo, para a angariação de vistos gold, o que favorece a corrupção. Pode dar nomes? O antigo ministro Mário Lino é um dos que me dizem que tem uma empresa envolvida na operacionalização dos vistos gold. Além disso, vi várias vezes Vítor Sereno, na qualidade de cônsul em Macau e Hong Kong, a fazer auto-promoção do seu papel no esquema dos vistos gold. Na China, Marcelo pediu mais investimento na economia real, e esse relatório da UE também fala do facto dos vistos gold não ajudarem a desenvolver a economia real. Contam-se pelos dedos das mãos os vistos gold que foram concedidos em troca de investimento na economia e criação de emprego. A maior parte depende do imobiliário. Isso só por si demonstra que o esquema é perverso e não cumpriu os objectivos. Depois dizem que o Estado ganha imenso dinheiro com os emolumentos. É um esquema de prostituição da cidadania europeia. Não há controlo da origem das fortunas. E não sabemos hoje da missa a metade dos esquemas de corrupção e não sei se algum dia iremos a saber. O ganho económico não pode ser justificação. Macau vai acabar com as sociedades offshore até 2021. Chegou a estar numa lista de paraísos fiscais da UE, depois saiu da lista. O facto de haver uma lei que põe fim às offshore faz com que haja mais transparência? Não sei o que Macau está a prever nessa matéria. Sei que na UE há cada vez maior interesse em expor e conhecer estes esquemas. Já percebemos que não é pela lista de jurisdições que não cumprem as regras (que se resolve o problema), embora isso possa ser importante, mas é sim pela imposição de mecanismos de transparência. Nesse sentido a quarta directiva vai ter impacto além da UE e nas jurisdições que tem íntima ligação com países da UE, como é o caso de Macau. Na quinta directiva aperta-se o controlo. Falou da questão dos partidos e da corrupção com ligações a Macau. Isso continua a acontecer mesmo depois da transição? Pode acontecer por vias mais sofisticadas e através de escritórios de advogados. Estes são frequentemente intermediários desses esquemas e a criminalidade associada à fuga ao fisco e branqueamento está muito sofisticada, e isso faz-se através dos partidos políticos. Estamos atentos e penso que haverá mais investigação sobre isso. A Comissão Europeia passou recentemente uma directiva sobre as entidades obrigadas no quadro do branqueamento e incluem-se também agências imobiliárias ou escritórios de advogados, entre outros. Pessoalmente vou continuar a trabalhar nisso aqui. Este ano comemoram-se os 20 anos da transferência de soberania de Macau para a China. A Lei Básica tem sido cumprida? Acho que a Lei Básica tem muitos aspectos importantes e estruturantes para Macau, mas penso que ela poderia ter ido mais longe na altura. Em que sentido? Na área da defesa dos direitos dos cidadãos, acho que teria havido soluções mais próximas do modelo de Hong Kong que poderiam ser importantes. Mas em última análise a verdade é que tudo depende da China e da sua evolução. Apesar de Hong Kong ter uma Lei Básica mais rigorosa em termos de defesa dos direitos humanos, na prática a China não a tem respeitado e tem intimidado líderes de partidos políticos. Se faz isso em Hong Kong mais facilmente pode fazer em Macau, pela dimensão e pela facilitação da Lei Básica que deixámos. Não tenhamos ilusões, nunca seria Portugal ou a Grã-Bretanha a fazer valer os direitos, isso depende da capacidade dos cidadãos de Macau e Hong Kong. Há a harmonia e liberdade que é permitida por Pequim. Os chineses não respeitam quem não se faz respeitar. A Grã-Bretanha cometeu alguns erros, mas sabe fazer-se ouvir e respeitar. E Portugal não sabe. É por isso que acho que faço uma apreciação negativa da visita do Presidente da República. Sobre a Lei Básica, o ex-jurista da Assembleia Legislativa Paulo Cardinal defendeu que Portugal deveria fazer relatórios sobre a sua aplicação em Macau, mas o ministro Augusto Santos Silva afastou essa hipótese. Não estou surpreendida que a postura de Portugal seja de abdicação. Esse jurista tem certamente razão, mas isso seria se estivesse a lidar com autoridades que levassem a sério as suas responsabilidades históricas face aos cidadãos de Macau, o que não é o caso.
Andreia Sofia Silva InternacionalEleições europeias | PS venceu em Portugal, mas abstenção marcou acto eleitoral Os distritos portugueses ficaram cor-de-rosa este domingo aquando da ida dos eleitores às urnas para eleger os deputados ao Parlamento Europeu, mas a abstenção, uma das mais elevadas dentro da União Europeia, trouxe um travo agridoce a todos os partidos Com agência Lusa [dropcap]P[/dropcap]ela terceira vez, um partido político português que está no Governo conseguiu vencer umas eleições europeias. Este domingo, o Partido Socialista (PS) obteve 33,4 por cento dos votos face aos 21,9 por cento do PPD/PSD, estando previsto que o partido vencedor deverá colocar nove deputados no Parlamento Europeu. A grande novidade da noite eleitoral foi o Bloco de Esquerda (BE), que ficou em terceiro lugar nas escolhas de voto dos portugueses, com 9,8 por cento. “A nossa prioridade é assegurar a eleição do candidato do PS europeu para presidente da Comissão Europeia”, disse António Costa, primeiro-ministro português e secretário-geral do partido. “Estas eleições significam um voto de confiança no PS. É evidente que houve uma derrota muito clara do PSD e do CDS. Têm sido raras as vezes que o partido que está no Governo vence europeias”, lembrou. No caso do PSD, Paulo Rangel, cabeça de lista às europeias, vai para Estrasburgo, mas diz que o partido falhou os seus objectivos, pois não elegeu mais um eurodeputado além dos já existentes. “A criação de novos partidos e alguma turbulência interna” foram os motivos apontados por Rangel para o desaire eleitoral. “O PSD manterá a sua representação no PE, aumentou o seu peso eleitoral mas isso não se traduziu na eleição de mais um eurodeputado”, acrescentou, referindo a diferença de dez pontos percentuais face ao PS. “É uma diferença grande e por isso disse que não cumpri os objectivos”, adiantou em conferência de imprensa na noite de domingo. Marisa Matias, cabeça de lista do BE às europeias, falou de uma derrota da direita e de um aumento da força política do partido no país. Tiago Pereira, ex-coordenador do PS em Macau, defendeu que “a vitória do PS é indicativa de um consenso na sociedade portuguesa quanto ao Governo actual”. O PS “não só ganhou, como o fez com uma grande margem. Infelizmente as campanhas não se centraram naquilo que estava em discussão: a União Europeia. É um problema antigo. Dizer que o PS venceu por causa das ideias e da sua visão para o futuro do projecto europeu seria pura ilusão. De assinalar também o bom desempenho do Bloco de Esquerda nestas eleições”, acrescentou. O CDS-PP teve um dos seus piores resultados e ficou atrás do BE e da PCP, mas leva Nuno Melo para Estrasburgo. O PAN – Partido Animais Natureza, foi a grande surpresa da noite ao conseguiu eleger, pela primeira vez, um deputado. A Coligação PCP-PEV acabou afinal por eleger um segundo deputado. Ai a abstenção Vitórias à parte, a participação nas eleições europeias de domingo em Portugal ficou pelos 31,01 por cento, sendo a sexta pior taxa da UE e bastante abaixo da média comunitária, que foi de 50,82 por cento, a maior em 20 anos. Segundo dados provisórios relativos à participação por país divulgados ontem de manhã pelo Parlamento Europeu, a pior taxa dos 28 Estados-membros registou-se na Eslováquia (22,74%), seguindo-se a Eslovénia (28,29%) e a República Checa (28,72%). Assunção Cristas, líder do CDS-PP, falou da abstenção como “o maior obstáculo” a uma possível vitória, enquanto que Rangel defendeu a reflexão de todos. “É de lamentar a abstenção maciça e que nos obriga a todos, media, cidadãos e responsáveis políticos a fazer uma reflexão”, concluiu. “Com os resultados de inscritos e votantes já disponíveis (177.356 inscritos e 1.447 votantes) dos consulados que têm suspenso o apuramento por estarem a aguardar, para apuramento, os votos de mesas com menos de 100 eleitores, é possível concluir pela certeza da distribuição dos mandatos a atribuir na plataforma às candidaturas: PS-Partido Socialista: 9 (nove) mandatos; PPD/PSD – Partido Social Democrata 6 (seis) mandatos; B.E. – Bloco de Esquerda 2 (dois) mandatos; PCP-PEV – CDU Coligação Democrática Unitária 2 (dois) mandatos CDS/PP – CDS-Partido Popular 1 (um) mandato; PAN-PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA 1 (um) mandato”, lê-se no portal do Ministério da Administração Interna que acompanha os dados do escrutínio. Na Europa, partidos tradicionais perdem terreno. Nacionalistas e verdes crescem O fim do domínio pelos dois principais grupos políticos europeus de centro-direita e centro-esquerda, com uma subida expressiva dos ambientalistas e ganhos, embora menores do que o esperado, dos nacionalistas, marcaram as eleições europeias de domingo. As duas grandes famílias políticas do Parlamento Europeu (PE), o Partido Popular Europeu (PPE) e os Socialistas & Democratas (S&D), perderam a maioria que detinham há décadas no parlamento europeu. O PPE mantém-se como a principal força política europeia, com 178 eurodeputados, mas perde 39 lugares no hemiciclo, e o S&D continua a ser a segunda, com 152 deputados, menos 35 que na actual legislatura, segundo uma projecção do PE baseada em resultados oficiais e provisórios em 22 países e em estimativas nos restantes seis. A Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa (ALDE) torna-se, de forma destacada, a terceira força política no PE, com 108 eurodeputados, um crescimento de 40 eurodeputados que passa pela integração do francês En Marche, enquanto os Verdes europeus ganham 15 assentos, para ser o quarto grupo político, com um total de 67 representantes. Segundo dados ainda provisórios, os eurocépticos deverão somar 172 eurodeputados, mais 17 que na actual assembleia, mas distribuídos por três grupos políticos diferentes. Vitória de Le Pen A União Nacional, partido de Marine Le Pen, voltou a vencer as europeias em França. Já Matteo Salvini, segundo as sondagens à boca das urnas, ficou aquém do esperado, embora se afirme claramente como principal partido de Itália. No Reino Unido realizou-se uma eleição “a contra-gosto” por incapacidade para concluir o processo do ‘Brexit’, tendo ocorrido uma vitória expressiva do Partido Brexit, de Nigel Farage, o enfraquecimento dos Trabalhistas e o quase desaparecimento dos Conservadores, relegados para quinto lugar. Também a Alemanha, onde os eleitores castigaram os partidos da grande coligação – a União Democrata-Cristã (CDU) de Angela Merkel e o Partido Social-Democrata (SPD) -, fazendo os Verdes duplicar a sua votação, para 20 por cento, e subir a segundo partido mais votado e mantendo a extrema-direita eurocéptica da Alternativa para a Alemanha (AfD) com uma votação de cerca de 10 por cento. Tiago Pereira destaca o facto de “os partidos populistas e eurocépticos terem tido resultados abaixo do que se esperava”, além do fim desse posicionamento do PPE e do PSE. “O parlamento está mais fragmentado, mas não deixa de existir uma maioria liberal. Isso obrigará a um esforço maior de diálogo entre as diferentes cores políticas. Estes resultados também mostram que questões como as alterações climáticas serão cada vez mais importantes. No global, os resultados foram positivos”, disse ao HM.
Andreia Sofia Silva China / ÁsiaEuropeias | Socialistas vencem na China, mas não têm votos na Tailândia [dropcap]N[/dropcap]a China confirmaram-se os resultados registados em Portugal nas eleições europeias: o PS venceu com 37,5 por cento dos votos, sendo que apenas nove pessoas votaram neste partido, enquanto que o PPD/PSD ficou como segunda força política, com 25 por cento e apenas seis votos. O BE ficou em terceiro lugar com 12,5 por cento e três votos, enquanto que o CDS-PP registou 8,33 por cento dos votos. Em Pequim, o PS também ficou à frente com 28,5 por cento dos votos, mas o BE roubou o segundo lugar ao PSD, ao conseguir 21,4 por cento dos votos. O CDS-PP ficou em terceiro lugar com 14,29 por cento. No caso de Xangai, os votos encaminharam-se apenas para o PS e PSD, sendo que o primeiro ficou à frente com 50 por cento. Cada partido ganhou cinco votos, sendo que não houve mais votos para os restantes candidatos. No que diz respeito aos restantes países da Ásia, houve oscilações entre o PS e PSD, apesar de ainda não estarem contabilizados os votos da Coreia do Sul. No Japão, o PSD e PS empataram com 25 por cento dos votos, tendo o BE sido a terceira força política, com 16,6 por cento. Na Indonésia votaram apenas três pessoas de um total de 102 recenseados, sendo que o PAN, PSD e PS ganharam os votos. Na Tailândia, onde votaram apenas dez pessoas, o PS não recebeu qualquer voto, tendo o PSD ficado à frente com 30 por cento, o CDS-PP em segundo lugar com 20 por cento e o Aliança, de Pedro Santana Lopes, com dez por cento e um voto, tal como o PAN e o BE. Em Timor-Leste o PSD ficou à frente com 31,37 por cento dos votos, seguindo-se o PS com 29,4 por cento. O CDS-PP foi a terceira força política com 9,8 por cento. No total, votaram 51 pessoas no país. Em Singapura votaram 76 eleitores, que deram a vitória ao PSD, que registou 21 por cento dos votos.
Andreia Sofia Silva PolíticaEleições europeias | Resultados ainda provisórios dão vitória histórica ao PS Dados ainda provisórios mostram que os portugueses em Macau votaram mais no Partido Socialista nas eleições para o Parlamento Europeu, um resultado que se verificou também na China. Tiago Pereira, ex-coordenador da secção do partido no território, mostra-se surpreendido com o resultado inédito. Ana Catarina Mendes, número dois do PS, falou dos votos representativos das comunidades portuguesas [dropcap]T[/dropcap]ratando-se de um território onde habitualmente sempre se votou à direita, Macau mostrou ontem uma ligeira viragem à esquerda no que diz respeito às eleições para o Parlamento Europeu. Acompanhando a tendência em Portugal, os portugueses em Macau votaram mais no Partido Socialista (PS), de acordo com resultados já apurados, mas que ainda não são finais. O PS recebeu um total de 126 votos, sendo que o PPD/PSD foi a segunda força política, com 99 votos, enquanto o Bloco de Esquerda (BE) contou com 55 votos. Em quarto lugar ficou o CDS-PP, com 37 votos, seguindo-se o Nós! Cidadãos, com 31 votos. Seguiu-se o PAN – Partido Animais Natureza com 29 votos e o Livre, do historiador Rui Tavares, com 28 votos. Em declarações ao HM, Tiago Pereira, ex-coordenador da secção do PS em Macau, mostrou-se surpreendido com estes resultados históricos. “A confirmar-se, julgo que é a primeira vez que o PS vence eleições em Macau. É um marco importante e significativo, que naturalmente deixou todos os socialistas de Macau muito satisfeitos. Também de assinalar que o número de votos cresceu muito em comparação com 2014. Foram resultados muito positivos.” Ana Catarina Mendes, número dois do PS, falou no domingo quando as sondagens já davam conta da vitória do partido, tendo destacado os votos no partido por parte das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo. “É uma clara vitória do PS e uma clara derrota da direita. Isso diz bem da campanha que o PS fez ao longo destes seis meses e daquilo que são as nossas respostas para a Europa e da confiança que os portugueses têm hoje no PS”, apontou. O HM tentou chegar à fala com José Rocha Diniz, actual coordenador da secção do PS em Macau, mas não foi possível estabelecer contacto. Também foi feita uma tentativa de contacto com Vitório Rosário Cardoso, coordenador da secção do PSD em Macau, mas este recusou comentar os resultados das eleições. “Em matérias políticas internas de Portugal só lidamos com os meios de comunicação portugueses”, disse apenas. Apesar do bom resultado do PS no território, Arnaldo Gonçalves, residente em Macau há vários anos e militante do PSD, afasta o cenário de uma mudança de tendência. “Dos 664 que votaram, 19 por cento votaram PS, acompanha a tendência nacional, e 20 por cento votaram no PSD e CDS. A esquerda mais radical representada pelo PAN, BE e Livre tiveram 16 por cento. PS e PSD-CDS afirmaram-se como os blocos políticos que alternam na preferência dos eleitores de Macau.” Contudo, “o voto maioritário no PS é idêntico ao que teve Mário Soares nas presidenciais de 1986 e 1991 e ao que creio – cito de memória – voto em José Sócrates nas eleições legislativas de 2005. Ou seja, o eleitorado de Macau tem votado tradicionalmente no centro-direita, salvo aquelas excepções. Será uma mudança significativa nessa tendência? Não creio”, acrescentou. Abstenção em grande O que mais saltou à vista nestas eleições foi a elevada abstenção. Em Portugal rondou os 70 por cento, uma das mais elevadas da União Europeia, e que marcou os discursos políticos da vitória e da derrota. Em Macau, onde a abstenção sempre foi elevada, o cenário não se alterou. De um universo de 71.142 pessoas recenseadas votaram apenas 664 eleitores, o que mostra que a taxa de participação foi inferior a um por cento, ou seja, uma abstenção acima de 99 por cento. Para Arnaldo Gonçalves, “os eleitores não se sentiram mobilizados por uma eleição que crêem não ter impacto na sua vida”. O analista político prefere fazer as contas sem os portadores de passaporte português que apenas são falantes de chinês. “A taxa de abstenção foi de 99 por cento em termos numéricos pelas razões da majoração do número de votantes em razão dos eleitores chineses que constam dos cadernos eleitorais e têm dupla nacionalidade. Mas se fizermos um exercício de redução do número de eleitores aos de cultura e língua portuguesa teremos ainda assim uma percentagem de 91.75 por cento de abstenção. O que quer dizer um desinteresse significativo dos residentes portugueses em Macau pelas eleições em Portugal, o que diz muito do distanciamento da comunidade ao país de origem.” Amélia António, presidente da Casa de Portugal em Macau (CPM) diz que o maior número de jovens no território poderá ter contribuído para um maior número de votos, mas não ignorou o facto da abstenção ter continuado elevada. “Aqui a abstenção será inevitavelmente muito alta, sempre. Porque temos muitos recenseados de língua materna chinesa que não estão vocacionados nem esclarecidos para votar.” Ainda assim, Amélia António nota um desinteresse natural pela política portuguesa, uma vez que, em Macau, “há muita gente que não lê os jornais e não vê televisão, e nem se lembrava que havia eleições”. Além disso, o sistema tem vindo a causar um profundo desinteresse das pessoas pela política portuguesa, notou. “Os debates eleitorais andam muito à volta das tricas políticas, os partidos estão demasiado longe do eleitorado. Não me parece que seja com grandes comícios (que o cenário muda). As pessoas precisam de sentir que aqueles vão eleger ou que elegeram se preocupam com os problemas reais, e isso acontece muito pouco”, frisou. Para a presidente da CPM, o problema começa logo na formação das listas de candidatos. “Os partidos organizam as listas que lhes dá jeito, mas na maioria dos casos essas pessoas não têm ligação nenhuma com o eleitorado que os elege. Os deputados da Assembleia da República, em Portugal, são eleitos pelos círculos mas não têm ligação nenhuma a esses locais e não se interessam pelos problemas dessas pessoas. E há queixas sistemáticas. Acho que foi havendo uma degradação muito grande da vida política que leva a esta abstenção. As pessoas reagem virando as costas.”
Andreia Sofia Silva EventosJoão Oliveira estudou o humor na literatura macaense João Oliveira apresentou esta semana, em Lisboa, a palestra “Humor e língua na literatura em crioulo de Macau”, resultado da sua tese de mestrado. O autor estudou a obra de José dos Santos Ferreira (Adé) e Leopoldo Danilo Barreiros, sem esquecer o trabalho do grupo teatral Dóci Papiaçam di Macau. O académico encontrou muita auto-crítica à condição macaense e uma demarcação daquilo que é chinês [dropcap]A[/dropcap] literatura macaense dos primórdios do século XX está marcada por uma fina ironia daquilo que é ser macaense, com laivos fortes da cultura portuguesa e um total afastamento face ao que é chinês. João Oliveira, mestre pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), apresentou, esta semana, uma palestra dedicada ao humor presente nas obras de autores como Leopoldo Danilo Barreiros ou José dos Santos Ferreira, também conhecido por Adé. Dentro da contemporaneidade, João Oliveira não esqueceu o trabalho desenvolvido pelo grupo teatral Dóci Papiaçam di Macau, dirigido por Miguel de Senna Fernandes. Em entrevista ao HM, o académico diz ter encontrado nos textos literários de Barreiros e Adé uma auto-crítica face ao que é ser macaense, mas de uma forma não ofensiva. “Na altura existia auto-humor, digamos assim. Os macaenses brincavam sobretudo com eles próprios, com a sua cultura, muitas das vezes diminuindo-se de uma forma que, para quem lê, não é verdadeiramente para inferiorizar.” Neste sentido, a língua portuguesa surge como um idioma elegante e formal, ao contrário do patuá. “Os macaenses brincam muito com eles próprios e com o elemento português, que muitas vezes é visto como o elemento supra cultural. As personagens, tal como a própria língua portuguesa, são representadas com alguma hiperformalidade, pois vista como uma língua muito formal e pouco natural no dia-a-dia, enquanto que a língua e as personagens de Macau são identificadas de forma contrária.” Para João Oliveira, “o crioulo macaense é visto como uma língua muito coloquial”, e nas obras literárias “as personagens são pouco sofisticadas e isso aparece sobretudo nas personagens mais velhas”. “Embora haja uma falta de cultura, ao mesmo tempo há um certo saudosismo por um Macau passado que se perdeu sobretudo nas últimas décadas, com o crescimento económico e a globalização”, acrescentou o académico. Se o português era a língua de excelência e o patuá caía para segundo plano, o chinês nem tinha direito a referência nas obras humorísticas em crioulo de Macau. “Parece-me que o elemento chinês é bastante ignorado, talvez como uma tentativa de resistência e de demarcação. Há um sentido humorístico até um pouco insultuoso, pois a maior parte das vezes os termos chineses estão ligados a insultos ou a nomes que poderiam ser entendidos como tal.” Para não desaparecer Depois do falecimento de Adé e de Leopoldo Danilo Barreiros, não se voltou a escrever humor em Macau da mesma maneira, pelo menos em patuá. João Oliveira não tem dúvidas de que, se não fosse o trabalho de Miguel de Senna Fernandes com os Dóci Papiaçam di Macau, o humor em crioulo já teria desaparecido. “Talvez como resposta à globalização que se torna cada vez mais evidente, parece-me que os Dóci surgem porque o humor e a cultura literária macaense estava e está em declínio. Como vivemos numa altura em que parece haver uma cada vez maior homogeneização da cultura, acho que os Dóci surgem para tentar que esta minoria não seja engolida pela modernidade e pela China.” Os Dóci Papiaçam Di Macau acabam por se inspirar nestes textos do século XX, mas com as devidas mudanças impostas pelo tempo. “Há uma grande continuidade das obras mais antigas que falei. Parece-me evidente que Miguel de Senna Fernandes, quando começa por estudar os textos já existentes não faz uma quebra brutal mas sim algumas adaptações mais modernas.” Este modernismo também se nota nos vídeos produzidos, nota o académico. Em nome da modernidade, os textos de Miguel de Senna Fernandes já abordam mais o universo chinês. “Nos textos literários surge muito mais o universo português referenciado, e as personagens chinesas, que na altura seriam muitas em Macau, são ignoradas. Surgem mesmo nos textos denominações de origem chinesa, de pessoas, para insultar uma criança, um rapaz de rua, ou para insultar uma mulher vã, por exemplo. Essa presença não vemos nos vídeos dos Dóci.” Neles “existe uma maior presença do elemento chinês que estava completamente ausente dos textos literários e que começa a aparecer nos vídeos, não num sentido tão negativo”, concluiu João Oliveira. Para o académico, “Miguel de Senna Fernandes é, além de um artista, um académico que estuda o crioulo de Macau e que tenta preservá-lo”.
Andreia Sofia Silva EntrevistaCarlos Melancia, ex-Governador de Macau: “Gostava de ter feito mais” Aos 91 anos de idade, Carlos Melancia vive em Castelo de Vide numa casa cuja vista alcança o Alentejo inteiro. Na sala repousam fotografias e livros sobre Macau, lugar que lhe deu “chatices”. O caso do Fax de Macau foi uma delas, considerada pelo ex-Governador a mais difícil, que lhe afectou a reputação. Melancia fala do projecto do segundo hospital público que nunca avançou e defende que Hengqin deveria pertencer ao território Deixou Macau em 1991, o que tem feito desde então? [dropcap]J[/dropcap]á tinha esta casa e sempre disse que viria a servir para quando me reformasse. Em primeiro lugar não vinha muito contente de Macau, e em segundo lugar já não estava para aturar mais chatices. Acabei por mudar-me de Lisboa para aqui (Castelo de Vide). Juntei uns trocos e tentei arrancar com uma sociedade e iniciar um hotel. O hotel ainda existe mas as coisas não correram lá muito bem. Depois ainda me meti a fazer um campo de golfe que temos aqui perto da fronteira (com Espanha), começamos com o envolvimento de pessoas daqui, mas depois de três ou quatro anos a Câmara, que também fazia parte da sociedade, desistiu. Também estive ligado a uma fábrica de cortiça, que já fechou. A última coisa em que me meti foi a Ammaia. A fundação ligada ao património situada em Marvão. Como surgiu essa ligação? É simples. Sempre tive uma certa obsessão pelo património, porque acho que é um dos motores do turismo cultural. Quando cheguei a Macau fiquei mais ligado ao património. Constatei que, desde 1948, estavam classificadas umas ruínas de uma cidade romana como monumento nacional e nunca ninguém tinha feito nada. Acabei por apresentar um projecto à Câmara Municipal de Marvão e mais umas entidades para ver se se conseguia fazer alguma coisa. Criou-se então uma fundação, embora aquele património seja do Estado. Tem-se revelado uma coisa fora de série e neste momento estou à espera dos resultados de uma candidatura que nós fizemos. Se tudo correr bem não me preocupo mais com o futuro da fundação. Mas o património é sempre tratado como parente pobre, é considerado uma despesa em vez de um investimento, em termos estratégicos. Relativamente a Macau, há quem afirme que no tempo da Administração portuguesa o património não foi devidamente protegido. Concorda? Uma das primeiras coisas que se pretendeu fazer foi restaurar de raiz os edifícios de origem arquitectónica portuguesa, como o Leal Senado, para que fosse possível candidatar esses edifícios a património mundial da UNESCO. É óbvio que nunca me passou pela cabeça que fossemos nós (a arrancar com o processo), quando estávamos a preparar a transferência de soberania de Macau e sobretudo devido ao grande volume de património chinês que havia. A China propôs depois a classificação desses edifícios. Mas quando fui a Macau da última vez, e já foi há quatro anos, percebi que há problemas com a UNESCO no que diz respeito à manutenção dos edifícios. E isso é a China que tem de resolver. Esse património é um dos factores que distingue Macau face a Hong Kong e China. Ficou contente com o que viu no centro histórico? Fiquei. Mas os portugueses não foram capazes de se lembrar (e eu não sou nenhuma excepção), e lamento que tenha sido assim, daquilo que hoje os números do jogo e dos turistas representam para Macau. Era previsível que tudo iria ficar submerso. Macau, qualquer dia, não tem espaço para respirar. No tempo da Grande Guerra os japoneses ocuparam as ilhas à volta de Macau, uma delas a Ilha da Montanha, com o objectivo de que, por essa via, controlar Hong Kong e Macau, sem prejudicar as actividades recorrentes, pois as ilhas estavam praticamente desabitadas. Na perspectiva da filosofia da expansão da autonomia do território, achava que aquelas ilhas deveriam ser de novo integradas no território de Macau. A Ilha da Montanha? Sim. A zona de Hengqin, onde está o campus universitário. Chegou a fazer alguma proposta concreta nesse sentido? Fiz uma proposta concreta ao primeiro-ministro sobre isto. Ele disse-me que tinha muita pena, e que se se tivessem lembrado disso na hora de negociar, ele seria o primeiro a pensar nisso seriamente, mas que já era tarde. Isto aquando da assinatura da Declaração Conjunta. Quando se começou a conhecer a intenção do Governo Central de fazer um campus universitário daquela dimensão, recordei-me daquilo que ele me tinha dito, de que não se esquecia da minha preocupação. Acha então que a construção do campus da Universidade de Macau foi uma resposta da China a essa questão territorial? Acho que sim e é um dos factores que mostra que a China fez um esforço sério para cumprir aquilo que estava programado. Não foi só o facto de não querer misturar o assunto de Macau com o das ex-colónias (portuguesas). Falemos novamente do tempo em que foi Governador. Disse que quando deixou Macau não queria mais chatices. O caso do Fax de Macau foi o mais difícil? Em termos pessoais foi. As pessoas gostam muito de levantar problemas, mas depois quando eles se resolvem, para o bem e para o mal, não querem saber. Se lhe perguntarem como é que esse caso acabou, talvez não saiba. Foi considerado inocente. Apesar disso, foi um caso que manchou o seu nome e credibilidade? Manchou. Há duas coisas que para mim são muito importantes. O facto de ter sido absolvido na primeira instância não significa que o Ministério Público não tenha recorrido para repetir o julgamento. Na prática a sentença transitou em julgado até ao Supremo e durante esse tempo confirmou-se a sentença. Mas há outra coisa que é importante dizer, uma vez que, na prática, houve um grupo de pessoas que foi julgado em paralelo sobre este assunto e que foi condenado. Essas pessoas devolveram os 50 mil contos à Wideplan e confessaram que tinham tido a iniciativa e com que intenções. Houve condenações mas juridicamente a sentença não foi executada, mas disso ninguém fala. Isso poderia ter aparecido nos jornais da mesma maneira, e não apareceu. Considera que foi vítima de uma injustiça pela maneira como foi tratado, na praça pública? Sim, e até mais do que isso. O principal visado não era eu, mas sim o Presidente da República (Mário Soares), pois havia eleições. Sei que chegou a haver a iniciativa, durante o seu Governo, da construção de um segundo hospital público na Taipa. Como explica o facto de nunca ter sido construído? Houve esse projecto, mas no meu mandato queria acabar primeiro as obras do Centro Hospitalar Conde de São Januário, que já tinham dez anos, e também do hospital Kiang Wu. Eu pretendia que, logo que os dois estivessem construídos, houvesse um novo hospital. Foi o Rocha Vieira que depois seguiu os planos que já estavam pensados. Este não pôs em causa a estratégia global de se construir o aeroporto, e fizeram-se outras coisas em simultâneo, como o Porto de Ka-Hó e a universidade. E aqui não se colocava apenas o problema da falta de uma universidade. Portugal teve uma responsabilidade e conseguiu que a língua portuguesa ficasse na RAEM durante 50 anos, bem como o Direito de matriz portuguesa. Nessa perspectiva, era indispensável ter um curso de Direito apoiado por universidades portuguesas. Mas esse projecto do segundo hospital foi Rocha Vieira que não lhe deu seguimento. Houve aí interesses privados para o projecto não avançar? A situação de hoje não é comparada com a situação desse tempo. E não apenas devido ao turismo. A Taipa, nessa altura, tinha quatro gatos pingados, e Coloane ainda menos. Não estive nesse processo até ao fim, não posso dizer mais nada. Mas é uma falha não haver um segundo hospital público? É. Mas o crescimento de Macau face ao crescimento que vemos na Europa é uma coisa impensável. Ainda sobre a UM. Disse na entrevista à Lusa que negociou o processo para a sua criação, mas foi o Governador Garcia Leandro que deu início às negociações. Eu sei, é verdade. O que o Garcia Leandro fez foi negociar o financiamento do edifício. O meu objectivo era ter o curso de Direito em português apoiado por universidades portuguesas. Há aqui uma diferença qualitativa que se caracteriza pela diferença temporal, pois no tempo do Garcia Leandro havia a preocupação de aprovar um estatuto (Estatuto Orgânico de Macau). Não tinha recursos para fazer muito mais. A universidade de raiz portuguesa em termos científicos era uma coisa nova e justificava, perante os chineses, que, por nossa iniciativa, a Declaração Conjunta ia até mais longe do que aquilo que lá estava, pois não constava a obrigação de criar uma universidade. Não se deve misturar alhos com bugalhos. Admiti que ir mais longe politicamente era fazer o curso de Direito dentro do quadro das obrigações não expressas na Declaração Conjunta, por iniciativa do Governo português. Saiu de Macau com a sensação de dever cumprido? Gostava de ter feito mais, de ter concluído as coisas em termos formais. Quem concluiu o aeroporto foi o Rocha Vieira, o terminal marítimo também, porque a lei das coisas era assim. Pudemos fazer mais coisas que fossem de interesse comum das pessoas nos primeiros anos do que nos últimos. O facto de ter lançado essas coisas todas não foi porque tinha a mania das grandezas, mas sim porque queríamos fazer um programa a 12 anos. Sei que correu bem porque o Rocha Vieira completou em 90 por cento o que estava programado. Macau começou a desenvolver-se no pós-25 de Abril, houve reformas no tempo de Garcia Leandro e concluíram-se depois os planos previstos na Declaração Conjunta no tempo de Rocha Vieira. Macau atrasou-se por ter sido tudo feito em tão pouco tempo? É o outro lado da moeda. Reconheço que algumas coisas importantes foram feitas mas não na totalidade, porque 12 anos é pouco tempo para uma tarefa dessas. Mas acho que o saldo é capaz de ser positivo. Hoje é legítimo olhar para Macau e ver que a Administração chinesa manteve ou tem mantido algumas componentes identitárias, como a língua, o Direito e o património. Fala-se do projecto da Grande Baía, e da questão da integração regional. Fala-se disso mais cedo do que se deveria falar? Estive três vezes com o primeiro-ministro chinês Li Peng. E devo dizer que o Li Peng sempre me tratou como se eu fosse o presidente da França ou algo do género. Durante aquele período sempre resolveu os problemas que eu lhe apresentava de uma maneira positiva. Fazia-me questões que reconheço que um simples Governador de Macau não tinha importância, dentro da escala hierárquica, para as receber. E uma delas foi essa, sobre os 50 anos (da existência da RAEM). Ele perguntou-me que justificação é que eu achava que o Governo chinês tinha apresentado para ter conseguido um acordo com 50 anos. E não mais cedo, ou mais tarde. Sim. Eu disse que havia muito para se fazer em termos formais, e que se aquilo que fizéssemos em 12 anos fosse satisfatório, coisa que o Governo chinês admitiu, a priori, que ia acontecer, valia a pena ter mais 50 anos sem perder de vista o que era o passado de Macau. Ele disse-me que não era só isso, e que, na prática, a China não podia prescindir de uma estratégia mundial. Não andavam a brincar às coisas para depois passados dois ou três anos voltarem para trás. Isto para mostrar o que era a sua filosofia externa no que diz respeito à durabilidade e manutenção. Não traz muito de novo, mas acho que tem significado ele ter perguntado isso. Poderia não o ter feito. Poderia. Na altura em que apareceu Gorbachev, ele perguntou-me o que eu achava dele. Era uma pergunta delicada e complicada, sobretudo para um europeu, que considera ambos os regimes (da China e da antiga URSS) discutíveis. Disse que não sabia, que politicamente não conhecia o suficiente sobre a política russa, mas disse que tudo evoluía, tal como iria acontecer na China e em Portugal, e que achava que Gorbachev tinha alguma hipótese de colmatar algumas das dificuldades que a URSS tinha. Ele disse-me: “Já vi que não me quer responder”. E era verdade (risos). Ele disse-me: “É fácil. O senhor tem razão em relação à evolução e às revoluções políticas mas há uma coisa que lhe posso garantir: não há exemplo nenhum de uma revolução ter sucesso quando a população tem fome. E neste momento os russos nem pão têm para comer.” Como vê a China hoje? Diz-se que Xi Jinping poderá ser um novo Mao Zedong. Acho que já faltou mais para que ele seja o novo Mao. Não é normal nas instâncias políticas ter um mandato sem prazo. Mas temos de levar em consideração que não se pode governar um país com um bilião de habitantes como um país com 100 milhões. Já que falamos de sistemas políticos. A questão do sufrágio universal rebentou em Hong Kong mas não chegou a Macau com a mesma dimensão. Como olha para isso? O peso político de Portugal em relação a Macau, comparado com o peso político de Inglaterra face a Hong Kong, é completamente diferente. Os ingleses sempre consideraram aquilo 100 por cento uma colónia e com interesses materiais a sério, porque era uma praça financeira a nível mundial. Na prática há coisas que se podem fazer em Hong Kong que eu não vejo serem possíveis de fazer em Macau. Mas estou convencido que o Governo chinês é suficientemente hábil para contornar o modo de ser dos ingleses que eu tenho alguma dificuldade em perceber. Os ingleses são muito mais conservadores e insurgentes do que a maior parte dos europeus. A única coisa que Portugal faz são cortesias e não tem a mesma escala. Então na hora de negociar falta perspicácia aos portugueses? Sim, e também determinação. No caso de Macau também faltou perspicácia? Portugal não defendeu bem os seus interesses? Criticar é muito fácil. Também fez parte do processo… Sim. Tudo o que aconteceu à volta do 25 de Abril deveria ter sido feito 100 anos antes. Nas chamadas províncias ultramarinas os líderes eram todos formados em Coimbra e nós não fomos capazes de ter perspicácia suficiente para perceber que não éramos os únicos no mundo a ter um império. Estou convencido de que se não fosse a iniciativa da China para negociar directamente e criar um estatuto próprio para o território, o problema de Macau tinha passado por piores dias. Nenhuma das outras colónias teve essa possibilidade. O português iria ficar ao abandono e a população de Macau iria sofrer consequências negativas, sem a nacionalidade portuguesa. No processo de negociação a comunidade macaense foi pouco ouvida? Na prática tratámos sempre mal (a comunidade), pois nunca houve um Governador que fosse natural de Macau. Recorria-se sistematicamente a militares como solução única. Não que eu tenha alguma coisa contra eles, mas é a prova de uma falta de visão e de descentralização. O Carlos D’Assumpçao foi dos poucos que me lembro que foi chamado a pronunciar-se e não o quis fazer sem a autorização do Presidente da República. De resto, houve mais duas ou três pessoas. Isso pode também ser resultado de algum servilismo ou da nossa falta de iniciativa para envolver mais as pessoas de uma etnia diferente, a milhões de quilómetros de distancia. Estava previsto um crescimento tão grande na área do jogo? Nunca esteve. A esta escala não. Quando saí de Macau havia apenas sete casinos. Falava-se da liberalização, ou era uma questão longínqua? Era longínqua. Se Macau tem a exclusividade do regime do jogo em relação ao resto da China, é a China que tem de decidir, e o dia em que decide cai lá tudo. O peso face a essa decisão é duas vezes mais importante do que o nosso. 20 anos depois, gosta da Macau de hoje? É capaz de haver gente a mais, o território foi atropelado pelo turismo. Mas a população está satisfeita e não creio que haja dificuldades. Há meses uma jornalista ligou-me para comentar o problema das pessoas que não tinham documentos e estavam clandestinos em Macau. Constatei, quando era Governador, que havia clandestinos com dez anos de Macau e tinham os filhos na escolas, alguns na escola portuguesa. Todos os dias as crianças fugiam da escola para não serem apanhados pela polícia. Eu achava isto uma coisa execrável. Isso foi antes de Mário Soares pegar numa criança ao colo, num momento célebre, e prometer a nacionalidade portuguesa a todos os chineses sem documentos. Sim. Por razões que não conheci bem, interpretaram a ideia que eu tinha regularizado a situação de um dia para o outro. E na fronteira apareceram milhares de pessoas com miúdos para os regularizar. O Soares chegou nesse dia, e quando chegou foi informado de que estavam pessoas à porta do palácio do Governador. E ele disse: “Eu resolvo!”, à Soares. Ele resolvia as coisas assim, com essa proximidade? Sim. E logo a seguir foi engraxar os sapatos, a falar com o homem sem perceber nada, fazia gestos. A vossa relação funcionava? A minha maior dificuldade eram as relações que existiam entre o primeiro-ministro e o Mário Soares. Quando vinha a Portugal nunca deixei de fazer o ponto de situação com o primeiro-ministro que tinha assinado a Declaração Conjunta, mas sempre tiveram dificuldades um com o outro. Às vezes não era prático. Foi notícia há pouco tempo devido ao valor da sua reforma vitalícia, que é uma das mais altas do país (9 mil euros). Isso incomodou-o? Incomodou, e ainda por cima estive para aí três anos sem receber um tostão. Esse tipo de reforma está suspenso desde 2005, mas os primeiros têm direito a receber. Acho muito bem que a Assembleia da República pense em mudar, mas não pode é andar para trás. Mas a situação da burocracia já está resolvida. Mas deixe-me contar mais uma história. Diga. O Governador de Hong Kong, que era um tipo que tinha 18 anos de experiência, telefonou-me a dar as boas vindas no dia a seguir a ter chegado. E disse-me que eu tinha um programa grande, que lhes ia bater o pé. Perguntou-me quem era o meu homem do Fung Soi para que me assegurasse que o aeroporto iria ser um êxito. Disse-me que tinha três mestres de Fung Soi, e eu perguntei se ele me queria ceder um. Nos bastidores, em Portugal, disseram-me logo que era uma subserviência, mas eu sempre disse que no sítio com uma civilização diferente o que temos de fazer é adaptar-nos às circunstâncias. O mestre disse-me que a Taipa era o sítio certo para o aeroporto, mas alertou-me: “O senhor vai ter de acompanhar a evolução das obras do aeroporto de dia e de noite”. E disse para eu por à porta do palácio uma carpa em pedra que iria vigiar as obras. E a carpa continua lá e ninguém sabe porquê. É a prova em como as pessoas têm de se adaptar a condições excepcionais, mas diziam-me que era bruxedo. A verdade é que tudo correu bem com a obra do aeroporto. Sim.