Regresso às aulas (internacionais)

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Como gosto de regressar aos lugares onde fui feliz, é sempre um prazer voltar a Hokkaido, a ilha mais a norte do Japão, e à cidade de Sapporo, lugar de longos invernos com neve abundante e silenciosa onde vivi quase 5 anos. Foi também um regresso fugaz à universidade onde mantive actividade regular durante esse relativamente long período e onde fui leccionando cursos de verão, eventos internacionais abertos a estudantes de todo o mundo. Naturalmente, esses cursos haviam de ser interrompidos em 2020, com a pandemia de covid-19.

O meu conhecimento e experiência pessoais estarão longe de ser exaustivas, ou sequer minimamente representativas, mas tenho encontrado muita gente japonesa que nunca foi a Hokkaido – ou que, tendo ido em algum momento da sua vida, revela um bastante razoável desconhecimento da realidade local actual. Na realidade, viajar desde o centro do Japão requer uma deslocação em avião – ou uma muita demorada viagem em comboio, que a alta velocidade só chega à periferia da ilha: chegará à cidade de Sapporo em 2025, quando no eixo Tóquio – Osaca já circularem os comboios ainda mais rápidos, de carris magnéticos que dispensam o contacto físico entre as carruagens e o solo. Ir desde o centro do Japão a Hokkaido é, por isso, quase como viajar ao estrangeiro.

Foi com alguma surpresa que me fui apercebendo, pelo contrário, nas minhas esporádicas incursões pela China, da grande simpatia de que Hokkaido beneficia entre muitas pessoas que encontrei – e que rapidamente demonstram saber exactamente do que estão a falar. Na realidade, Hokkaido é (ou era, até à pandemia de covid-19) um destino importante para turistas da China: desde as compras na cidade de Sapporo, a quinta maior do Japão, onde se encontram produtos que não se encontram em terras chinesas e que abrem novas oportunidades para contrabandos vários, até às majestosas montanhas de uma região quase com a área de Portugal continental, seis meses por ano cobertas de neve, para gáudio de esquiadores ocasionais ou profissionais mas também para quem quer apreciar as paisagens brancas, tranquilas e silenciosas de um longo inverno.

Era também da China, aliás, que vinha a maior parte das pessoas que frequentavam os cursos de verão que fui leccionando na Faculdade de Economia da Universidade de Hokkaido. A proporção podia variar ligeiramente mas andava sempre pelos dois terços de estudantes com origem na China, tendo as restantes participações diversas origens na Ásia, América ou Europa (e muito ocasionalmente em África). São estudantes que também têm motivações relacionadas com a oportunidade da visita a Hokkaido, eventualmente combinada com um algo mais do Japão, e que ainda beneficiam de um ou dois “créditos” para o progresso no percurso universitário, e da frequência de um curso intensivo numa área (supostamente) interessante.

2022 foi o ano em que os cursos de verão retomaram a quase normalidade da presença em salas de aulas, depois de dois anos online, em que aliás boa parte dos cursos (entre os quais o que eu leccionava) foram cancelados. Foi um regresso parcial às aulas, em todo o caso: ainda se viaja pouco pela Ásia, o grupo de estudantes era bastante menor e, sobretudo, os grupos de estudantes da China ainda não retomaram a normalidade das viagens internacionais, nem para recreio, nem para negócios, nem para estudos diversos.

Se a ausência de estudantes da China era notória na sala de aula, ainda mais se nota no centro da cidade, quase totalmente utilizado pela população local, com as devidas máscaras ainda a ser utilizadas por toda a gente durante o dia e quase toda a gente à noite, que os ambientes nocturnos, já se sabe, tendem a convidar a mais alguma descontração. Já tinham sido em pandemia os meus últimos meses a viver nesta cidade e reencontrei-a como a tinha deixado: ainda com a quietude da ausência dos turistas, que aqui estão ainda longe de constitui o distúrbio que constituem noutras cidades, praias ou zonas mais apetecíveis para os lazeres algures neste precário planeta. Faltam os turistas e essa falta revela também a ausência da China, numa cidade que se foi habituando à sua presença e onde o comércio e meios electrónicos de pagamento estão devidamente preparados para as particularidades do mercado turístico chinês.

O que nunca deixou de faltar, aqui e noutros lugares, são os produtos chineses, do vestuário à electrónica, passando por mobiliário, electrodomésticos, brinquedos, enfim, tudo o que nos faça falta mas que deixamos de produzir porque deixou de ser interessante para aos diligentes empresários contemporâneos, a quem se oferecem mais fáceis oportunidades de enriquecimento rápido algures nas livres economias de mercados globais especulativos que se foram desenvolvendo à margem de grandes regulações e formas de controle. Na realidade, mesmo quando a população está confinada ao território nacional, a China – com os seus produtos, finanças ou infra-estruturas ou mão de obra pouco ou muito qualificada – está sempre presente nas economias de todo o mundo. Talvez por isso se note tão dedicado esforço por atear novos fogos na ilha de Taiwan, agora que as labaredas na Ucrânia já vão altas e quem ateou esse incêndio tem outras achas para lançar pelo mundo.

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