O Ouro dos Tigres

E estamos em trânsito para o Ano Novo chinês engalado a Oriente com muita cor, fantasia e dias cheios de esperança. Este irá ser representado por um belo ser que vive na nossa memória colectiva como um abrasante representante da beleza: o Tigre.

Foi o Ano do 25 de Abril e, claro, só isso faz dele um estímulo sem freio para as nossas festividades. Raiado e real, alistemo-nos em sua pelagem de gigante solitário, altivo, cruel para com a progenitura, e coberto de dons que parecem malefícios: é um Tigre, e enfrenta a vida com a mesma crueza com que ela se nos apresenta.

Este é o título de uma obra de um seu grande amante, Jorge Luís Borges, fascinado e transido de emoção por tal criatura existir na Terra, sendo então uma colectânea de quarenta e oito poemas que viu o seu nascimento em 1972, que eclodirá na fórmula ” O ameaçado”: “o horror de viver no sucessivo”, que irá expressar a impotência dos seres majestosos e enjaulados, mas foi o tigre de fogo de Blake, que rondou os seus sonhos mais de uma vez em torno do poema; que estes gigantes encerram faiscantes dons que só o poema sabe cantar.

A gravura de Blake nele surge para ilustrar um dos mais belos versos da literatura inglesa, e dos tigres de um e de outro, as colectâneas encheram-se de listagens – do Ouro dos Tigres só sobrou na cegueira a cor amarela –
Nesta recolha há sem dúvida um dado mais a reportar-nos ao Oriente, pois que foi aqui que Borges tomou para si “Tankas”, a estrofe japonesa. A construção obedece a esta técnica de escrita, uma adaptação arrojada que só ele se poderia dar ao luxo, sem falhar, tal como um Tigre. Nós vamos coabitando neste Ouro como que movidos por forças estranhas, que obras assim nos dispensam problemas menores e pessoais, de todos e de cada um, na pouca interessante selva das nossas vidas. No «Fazedor» ele tem um poema chamado “o outro tigre”: “terceiro tigre buscaremos/ este será como os outros uma forma/ do meu sonho, um sistema de palavras/… buscar pelo tempo desta tarde/ o outro tigre, o que não está no verso/.

– «The Tyger» de Blake é um poema gnóstico, que ainda tem tudo de romântico – tigres da ira- mas aplaudidos mais como tempestades de beleza do que precursores de Leviatã, e se o Cordeiro aparece, lembrar-nos-á as pazes feitas com o Leão. Compenetra-se na simetria que deve ser uma matéria cara a um poeta que busca ordenar a matéria ferida em espaço harmonioso, que o seu caso é tão lendário como o do belo felino. Fala ainda do martelo e da bigorna, e nós, devemos seguir a retirá-los de todas as jaulas, que as forças divinas não são para subtrair a prisões para espectáculo de seres ensimesmados.

Que nos traga então Ouro, este Ano do Tigre, de natureza vária, e não tenhamos receio de atravessar a nossa fera interior para não sermos esmagados pela ferocidade alheia. A Oriente ruge o Tigre para que o seu Ano seja anunciado no cimo das multidões. Bom Ano, então.

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários