O Galo

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]credita-se ser esta ave originária da Índia, onde foi domesticada e a sua presença na China é pelo menos de 1400 a.n.E., pois aparece já registado nos ossos gravados da dinastia Shang.

Em chinês, (公鸡) GongJi significa Macho Galo, já que Ji () serve para designar as aves da espécie Gallus gallus.

“O galo é um dos signos do zodíaco e um animal auspicioso por excelência porque se relaciona com o nascer do Sol, e com o princípio yang pelo que, de acordo com as concepções tauistas, se crê ter o poder de afastar os maus espíritos. É ainda usado como emblema de promoção social devido à sua crista vermelha ser em forma dos barretes de mandarim usados na China Imperial”, como refere Ana Maria Amaro. Segundo B. Videira Pires, “O galo é, no Ocidente e no Oriente, um arauto do sol, não apenas pelo seu canto alegre, golpeando a noite, mas ainda pela sua crista ou coroa afogueada. O galo é um demonífugo, pois às <almas do outro mundo>, que se crê vaguearem pelas sombras da noite, ele grita pelo dia, cada vez mais próximo, incute-lhes medo e espanta-as”.

No Daoismo é símbolo de fortuna e é um mensageiro dos deuses. Já para o Budismo o galo representa o desejo, que nesta religião é um dos três factores que envenenam a humanidade e a encaminha para o erro.

O caractere significa Galo, em mandarim Ji, é homófono de ‘bom augúrio’ (Ji Li, 吉利), de ‘esperto’ (Ji Ling, 机灵), assim como ‘com fome’ (Ji, ). Com o caractere encontram-se as expressões ‘não perder a oportunidade’ (JiBuKeShi, 机不可失) e mente brilhante (ShenJi-MiaoSuan, 神机妙算). Já ‘mulher que vende o corpo, prostituta’, tem o mesmo som e caractere (Ji, ).

Galo em cantonense é Kai e há uma série de expressões a ele ligado. Zhao Kai significa ‘perder a oportunidade e se a ‘pessoa for ansiosa’ diz-se Tan Kai; Tchan Kai refere-se a uma pessoa predisposta ao confronto. Tao Kai, roubar a galinha, significa retirar tempo ao que se tem de fazer; Zhap Sei Kai, conseguir algo muito barato. Ao valor a pagar inferior a cem junta-se no final o som Kai.

No português há uma série de expressões ligadas ao galo: ‘Sentir como um galo na capoeira’, significa estar confortável, mas há quem ‘cante de galo’ e ‘onde há galo, não canta a galinha’. ‘Outro galo cantaria’ significa, melhor teria corrido.

O Galo na mitologia

Uma antiga canção do grupo étnico Miao menciona o galo com a seguinte história: “Os quatro avôs Bod, Xongt, Qid e Dangt (Gao Bao, Gao Xiong, Gao Qie e Gao Dang) esculpiram pilares usando o ouro e prata. Com colunas de fumo como modelo, trabalharam eles doze dias e doze noites e fizeram doze enormes pilares para suporte do Céu, que foram erguidos por Fux Fangb (Fu Xi), ficando assim como suportes do Céu. Desde então Céu e Terra tornaram-se estáveis. Mas não havia Sol, Lua e estrelas. Então Bod, Xongt, Qid e Dangt fizeram fogueiras em três buracos e em três colinas, trabalharam por 12 dias e 12 noites e fundiram 12 sóis de ouro e 12 luas de prata tendo como modelo pedras furadas. Os sóis ficaram nomeados depois dos 12 Ramos Terrestres, de acordo com a ordem da sua fundição. Lix Gongb e Xongx Tinb tentaram colocar os sóis no Céu, mas ambos falharam. Mais tarde, Bangx Yangx Bongl Yongl finalmente conseguiu colocar os sóis no Céu, mas esqueceu-se de os informar sobre as ordens de saída. Por isso, Wangx Senb foi ao Céu para as transmitir. Vid Daif abriu uma estrada no Céu para eles e assim apareceu a divisão do dia, em dia e noite.

Mas os sóis e as luas não obedeciam às ordens e saiam todos juntos, tornando a Terra muito quente, os rios secavam e as rochas fundiam-se. Os avôs Bod, Xongt, Qid e Dangt cortaram a madeira divina para fazer arcos e o avô Xongt fundiu 22 flechas. Hsangb Zad subiu ao topo da árvore Masang, que chegava às nuvens e daí disparou contra onze sóis e onze luas, deitando-os abaixo. O Sol e a Lua que restaram, muito assustados recusaram-se a sair das caves do Céu e por isso, todos os seres vivos ficaram sobre a ameaça de extinção. Os deuses enviaram a abelha, o búfalo, a cigarra, o pato, o gato, o cão e o ganso em sucessão a pedirem ao Sol e à Lua para saírem, mas todos eles falharam e por tal receberam várias punições. Por fim, o galo, com 12 riscas a simbolizar as 12 divisões do dia na sua cabeça foi chamar o Sol e a Lua. O cantar do galo era tão bonito que o Sol e a Lua vieram espreitar à porta da cave e lentamente foram saindo do seu refúgio. Os deuses ficaram muito satisfeitos com o galo e recompensaram-no com uma crista vermelha e uma plumagem colorida”.

“Os caldeus pensavam que o galo, e só ele, recebia, de madrugada, um fluxo divino emanado do planeta Mercúrio, pelo que foi consagrado a Hermes-Thot, consagração depois retomada pelos gnósticos e pelos alquimistas”, como refere Ana Maria Amaro, que prossegue, “Na mitologia clássica grega, Alektruon cujo nome significa galo, era o companheiro de Marte, com o qual partilhava as libações e os amores clandestinos. Quando Marte passava a noite com Vénus, ele chamava-o ao nascer do Sol. Um dia, deixou-se adormecer e não preveniu Marte, sendo este e a sua companheira surpreendidos pelo Sol. Para castigar Alektruon da sua negligência, Marte metamorfoseou-o em galo, completamente armado como estava e com vistoso capacete emplumado na cabeça”. Aves domésticas foram importadas para a Grécia no século V a.n.E. “O galo é universalmente conhecido como um símbolo de vigilância e de ressurreição e, por conseguinte, de imortalidade. Foi por isso consagrado a Hermes, Apolo e a Esculápio. O próprio Pitágoras proibia os seus adeptos de comerem esta ave, tão carregada de simbolismo ela era”.

Jesus “disse a São Pedro: <Esta noite, antes que o galo cante, negar-me-ás três vezes>. Esta cena foi muitas vezes representada sobre os sarcófagos paleocristãos, passando, talvez por isso, a constituir um símbolo de ressurreição entre os povos que seguiam o Cristianismo. Era também frequente representar-se um combate de galos nos primeiros monumentos cristãos, simbolizando a luta do Bem contra o Mal e da Morte contra a Vida Eterna”, Ana M. Amaro, “Os maometanos acreditavam, também, que seria um galo gigantesco, a ave que acordaria os mortos no dia do julgamento final. Pelo contrário, para os Escandinavos, seria um galo vermelho que anunciaria o fim do mundo”.

“Em Portugal, no cata-vento de grande número de igrejas, o galo de metal recorda ao clero e fiéis a vigilância e a oração, a fim de não caírem em tentação. Várias quadras populares lembram-nos também que o galo é vigilante e profeta, ao mesmo tempo. Gregos e Romanos empregavam os galos na decifração dos seus presságios, que eles ansiavam fossem de vitória”, segundo Benjamim Videira Pires, que refere, “A estatueta dum galo, no cimo dos telhados velhos de Macau, protege a casa contra a formiga branca, que rói as madeiras, acobertada pela escuridão do tunelzinho de serradura em que se introduz e trabalha.”

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