Comandante das Forças Armadas timorenses será candidato nas eleições presidenciais

O comandante das Forças Armadas timorenses anunciou hoje que vai ser candidato às eleições presidenciais previstas para março, mas referiu que, para isso, precisa da boa vontade do atual chefe de Estado para poder passar à reforma.

“Vou avançar. O senhor Presidente da República ainda não anunciou a data das eleições. Mas quando decretar, sem dúvida que me vou pronunciar”, afirmou Lere Anan Timur, em entrevista à agência Lusa.

“Já tenho 70 anos e este é o último passo na carreira. Vou tentar chegar até lá”, disse.

Para que isso ocorra, depois de o chefe de Estado marcar as eleições, é necessário concluir a sucessão na liderança das Falintil-Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL).

“É um processo que não é complicado, mas que depende da boa vontade do senhor Presidente da República, para não complicar a minha situação”, explicou.

“Eu estou na idade da reforma, já cumpri até mais do meu mandato. Já estou no terceiro mandato, que é uma coisa nova. É tempo de pedir a minha reforma”, acrescentou.

O requerimento com o pedido vai ser enviado ainda este mês para o Presidente, disse, iniciando-se depois o processo de nomeação do seu sucessor.

“Tem de haver boa vontade do senhor Presidente. Somos irmãos e um irmão não pode trair outro. Se recusar tem de explicar porque é que recusa a minha reforma”, disse.

Se o pedido de passagem à reforma for aceite, Lere Anan Timur vai preparar uma proposta com potenciais sucessores no cargo que enviará ao ministro da Defesa, Filomeno Paixão de Jesus, a quem cabe depois reunir o Conselho Superior Militar.

Uma proposta será levada por Filomeno Paixão ao Conselho de Ministros, que fará depois uma recomendação para o Presidente, a quem cabe fazer as nomeações.

Para Lere, porém, a boa vontade de Francisco Guterres Lú-Olo devia ser ainda mais ampla, cedendo o espaço ao comandante militar para que seja só ele o único candidato do partido em que os dois militam, a Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin).

Lere, aliás, considera que a Fretilin tem de apoiar a sua candidatura, “queiram ou não queiram”, porque é membro do Comité Central do partido e que assim é preciso “chegar a um entendimento” com o atual chefe de Estado.

“Eu e o Lu-Olo temos de chegar a um entendimento. Eu vou dizer: irmão, já estiveste como presidente do Parlamento, como PR, porque é que não me cedes este período agora? Quero chegar a um acordo com o irmão Mari [secretário-geral da Fretilin] e Lu-Olo de um só candidato”, afirmou.

O mesmo relativamente a outro dos potenciais candidatos, o ex-Presidente da República José Ramos-Horta, que tem sido apontado como potencial candidato apoiado por Xanana Gusmão, presidente do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT).

“O irmão Horta também podia pensar bem nisso. Já foi Presidente, é Nobel da Paz. O meu irmão deve refletir e pensar bem. Que obra é que deixou incompleta no seu mandato? Deixou alguma”, questionou.

“Eu sempre disse que de 2022 a 2027 são cinco anos decisivos. A última oportunidade para a velha geração, dos katuas. Até lá Xanana terá 80 e tal anos, assim como Ramos-Horta e Mari. É bom serem só pais da nação nessa altura”, considerou.

Para já, referiu, o seu apoio mais consolidado está entre “os veteranos, o pessoal da resistência” e da luta contra a ocupação indonésia, mas garantiu que o seu apoio é maior, “e em todo o país, não só na ponta leste” de onde é originário, ou da Fretilin.

Questionado sobre se gostava de ter o apoio de Xanana Gusmão, Lere recordou que o líder histórico é seu padrinho de casamento e os laços que os unem.

“Estivemos sempre ao lado do nosso irmão, prontos até a oferecer a nossa vida para salvar a dele, como irmão dele. E um irmão não abandona outro. Mas com ou sem o apoio dele, vou avançar”, garantiu.

Nas últimas semanas tem se falado de outro eventual apoio à candidatura de Lere, de José Naimori, líder do Kmanek Haburas Unidade Nacional Timor Oan (KHUNTO), um dos três partidos no Governo e cuja mulher, Armanda Berta, presidente do partido e atual vice-primeira-ministra, anunciou já a intenção de também se candidatar à Presidência da República.

Lere Anan Timur nega acordos políticos e explicou que as conversas e diálogos com Naimori – estiveram juntos recentemente em cerimónias tradicionais, por exemplo – tem a ver exclusivamente com “relações emocionais e pessoais e não políticas”.

“O partido do Naimori veio das artes marciais, do Korka. Até a minha própria família está dentro da Korka e há esta relação emocional de tio e tia, irmão e irmã. Falámos por causa desta relação pessoal, mas não é política”, reforçou.

Ainda que agora assuma uma corrida eminentemente mais política, Lere nunca deixou de ser uma voz política, mesmo nas funções atuais, o que suscitou várias críticas de vários quadrantes, algo que rejeita.

“Muitos desses que falam dizem que o padre se quer falar de política deve tirar a batina. Mas o padre quando fala política não fala de partidos. A sua função e obrigação é estar ao lado dos indefesos, dos que não têm voz. Assim como eu”, considerou.

“Sou militar, sempre disse que sou Fretilin, desde 1975 fui sempre da Fretilin. Se a Fretilin não existisse eu diria que era da Fretilin. Mas não sou general da Fretilin. Quem critica, não pensa”, insistiu.

E rejeitou comparações com outros generais do mundo que aproveitaram as independências para “se sentar na cadeira”, afirmando: “Eu edifiquei o Estado, a nação de Timor-Leste, com o meu próprio sangue e eu preocupo-me com a estabilidade nacional e o desenvolvimento”.

“Se falasse do meu partido ou do partido A ou B, estria contra a Constituição, mas sou como o padre, que está ao lado dos desprotegidos, que não têm voz e que sofrem. No impasse político, não podem calar a boca dos militares e andarem a fazer como querem”, afirmou.

“Aqui em Timor-Leste, toda a gente diz: ‘fakaran ba rai Timor’, derramar o sangue pelo povo de Timor. Eles só falam teoria, mas eu não, eu derramei o meu próprio sangue”, disse, apontando para o dedo que perdeu num combate”, disse.

Reiterando que nada o impede de falar, assegurou que vai manter sempre a “voz política”. “E quando for político só vou ter ainda mais voz”, enfatizou.

Perfil | O comandante que quer ser chefe de Estado

Lere Anan Timur, 69 anos, hoje comandante das Forças Armadas timorenses e pré-candidato presidencial, terá para sempre o seu nome ligado ao braço armado da luta contra a ocupação indonésia, quando conquistou uma reputação feroz e destemida.

Se vencer as próximas presidenciais, previstas para março próximo, será o quarto membro do braço armado da resistência à ocupação indonésia, depois de Xanana Gusmão, Taur Matan Ruak e o atual, Francisco Guterres Lú-Olo, a assumir o cargo.

Nascido em 02 de fevereiro de 1952, “dia de S. Tito”, de que ‘emprestou’ o nome de batismo, Tito da Costa Cristóvão, o outrora comandante das Falintil, o braço armado da resistência, é natural de Iliomar e descendente “de combatentes” de outrora.

O nome por que hoje é conhecido – e pelo qual criou uma reputação quase mítica entre os adversários militares indonésios – é uma mistura de tradição e de ‘batismo’ da guerrilha.

“Lere é um nome que vem da tradição da minha zona, de Illiomar, de bisavós lutadores. O Anan é da língua do Xanana Gusmão. Numa reunião, estávamos a discutir sobre nomes e o Xanana disse, olha tu ficas Anan. Perguntei o que isso significvaa e ele explicou que queria dizer ‘filho”, conta, em entrevista à Lusa.

“Eu era Lere Timur, e no nosso dialeto Timur é gente da montanha. Anan Timur ficava filho da Montanha. Filho da Montanha de Iliomar”, explica.

Perdeu os três irmãos no mato, sobreviveram duas irmãs e três meios-irmãos, filhos do pai, polígamo e que tinha outra mulher.

É, aliás, quando fala da morte do seu último irmão, numa operação militar nos anos 1990, que a voz, marcada pelo bom humor e pela descontração, lhe fica embargada, obrigando-o a secar lágrimas.

“Foi uma operação de 1995, que me doeu muito moralmente, porque o meu próprio irmão tombou. Éramos quatro irmãos. Agora sou o único. Morreram todos no mato. Mas essa, em que morreu o meu irmão, foi a mais dura”, conta.

Como muitos em Timor-Leste, o nacionalismo e o patriotismo veio da influência de portugueses e da igreja, e em concreto, no seu caso, quando tinha “18 ou 19 anos” um padre português no colégio Salesiano incutiu-lhe o patriotismo e nacionalismo.

“Apesar de ser português, incutiu-me o patriotismo de Timor e isso fez com que começasse a desprezar o colonialismo português. O padre falou-me de colonização, de opressão, das lutas anticolonialistas de África e isso inspirou-me a olhar para a frente, para o futuro de Timor-Leste”, recorda.

O 25 abril só lhe fez reforçar a coragem para “prosseguir o espírito patriótico”, que viu traduzido no partido que, considera, desde aí se tornou “sangue no corpo”, a Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), que assumia uma “política anticolonialista e anti-imperialista e combatia a exploração do homem pelo homem.

“Eu estava na altura na vida militar, no exército português quando a Fretilin nasceu. Fui militar português, estava destacado aqui no destacamento de paraquedistas em Díli. Eu e os meus colegas militares reuníamo-nos sempre e até falámos de fazer um golpe”, recorda, sorrindo.

“Simpatizei-me à Fretilin, o partido revolucionário, que representa mais os meus ideais. Sinto isso sem dúvida ainda hoje, apesar de estar fardado. Durante a luta também houve a despartidarização das Falintil, como elemento de unificação. Mas isso não apaga o que está na alma. A Fretilin é o sangue que me corre nas veias”, afirma.

A vida desde aí foi sempre um misto de política e combate: começou como quadro político até à queda das bases de apoio, em 1978, e depois com funções cada vez mais militares na fase da luta de guerrilha.

Foi comandante de destacamento sul, entre 1978 e 1979, em 1981 com a Conferência Nacional de Maubara foi eleito para o Comité Central da Fretilin (CCF), onde tem estado desde aí.

Com uma reputação feroz na luta, temido pelas forças indonésias, Lere diz que houve “muito heróis que tombaram”, e que sem querer dizer se foi melhor ou pior que outros, “assustava os indonésios”.

“Os próprios generais diziam quando me conheceram: Este é que é o Lere, que tanto procuraram no mato”, refere.

Durante a luta, só uma vez, em março de 1983, esteve prestes a ser capturado, depois de ser atingido nas pernas e num dos dedos, da mão direita. “A agressividade dos meus camaradas safou-me e eles conseguiram tirar-me do cerco do inimigo”, recorda.

Foi Comissário Político da Ponta Leste e depois na região fronteiriça e a partir de 1984 assumiu “tarefas puramente militares”, com operações “intensas e consecutivas” até ao final da década.

Lere assume depois o comando da quarta unidade, composta por duas companhias, A e B, sendo primeiro comandante da unidade e primeiro comandante da Companhia B.

“Podemos dizer que quem vai à guerra dá e leva. Perdemos homens e armas, mas o inimigo também levou bem. Até 1990, conseguimos tirar mais de cento e tal armas ao inimigo. Tivemos sucesso, mas também perdemos, armas e homens”, diz.

Mais do que os combates, da luta recorda “o próprio sacrifício” que diz ter unido todos os timorenses.

“Não havia discriminação ou uma separação de loromonu ou lorosae, de fataluku ou makassae de firakos ou caladis”, diz, referindo-se às várias linhas que têm dividido os timorenses.

“O próprio sacrifício e sangue derramado dos nossos companheiros da luta construiu o espírito de camaradagem e solidariedade. Foi uma luta verdadeiramente nacional, uma luta generalizada de todo o povo de Timor-Leste”, insiste.

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