José Ximenes, Procurador-geral de Timor-Leste: “Instituição está hoje mais forte”

Entrevista por António Sampaio, da agência Lusa

O procurador-geral da República timorense, que termina na quinta-feira o seu mandato de oito anos à frente do Ministério Público, declarou-se orgulhoso por liderar uma instituição que está mais forte, apesar dos desafios que enfrenta.

“Fico orgulhoso, mas com um sentido de grande responsabilidade e contente porque em termos processuais conseguimos deixar menos processos pendentes para o novo PGR”, afirmou José Ximenes em entrevista à Lusa, onde fez um balanço do seu mandato.

“Avançamos na formação contínua e na consolidação da instituição que está hoje mais forte”, disse.

Condecorado em maio de 2017, com o Colar da Ordem de Timor-Leste “pela excelência do seu desempenho profissional e pelas extraordinárias qualidades e competências pessoais”, José Ximenes termina oficialmente o mandato na quinta-feira, quando toma posse o seu sucessor, Alfonso Lopez, atualmente número dois da PGR.

Primeiro magistrado do Ministério Público a chegar ao topo da carreira, José Ximenes disse sentir “não apenas um grande orgulho, mas também uma grande responsabilidade”, tendo procurado impor ao longo dos oito anos “uma linha estratégica de orientação” na PGR.

Desde que assumiu o cargo, em 2013, José Ximenes explicou que traçou várias prioridades, com destaque inicial para “a redução dos processos pendentes”, especialmente quando o Ministério Público era criticado pela morosidade processual.

Para isso, explicou, foi emitido um despacho a obrigar os magistrados do Ministério Público a finalizar pelo menos 25 processos por mês. Quando chegou ao cargo ‘recebeu’ 5.006 processos a que se somaram, entre 2013 e 2017 (primeiro período do mandato) mais 15 mil processos.

“No meu primeiro mandato mobilizamos a movimentação processual de mais de 20 mil processos e na conclusão do mandato só estavam pendentes 2.240 processos. Apesar de terem entrado mais de 19.000 processos no segundo mandato, a 31 de março deixo apenas 2.600 processos”, explicou.

“Não se trata apenas de focar o trabalho na quantidade, mas também na qualidade. Uma exigência é que a justiça seja célere. Não podemos ter um processo de investigação e acusação concluído e depois ter que esperar cinco anos para o processo avançar.

José Ximenes manifestou orgulho no apoio dado pelo Conselho Superior do Ministério Público e frisou os esforços para impor “disciplina de trabalho”, algo que considerou “um dos maiores problemas quer do setor público quer do privado” em Timor-Leste.

Como segunda prioridade definiu o combate à corrupção e criminalidade organizada, “um dos grandes desafios do futuro”, reforçando, disse, o trabalho nesta área criando em 2014 um gabinete dedicado ao tema que foi “transformado num gabinete central” no ano seguinte.

A terceira prioridade foi o reforço do serviço de contencioso do Estado e a cooperação institucional ao nível nacional e com instituições estrangeiras na região e no espaço da CPLP.

No segundo mandato, a PGR acrescentou “o reforço do serviço de curadoria de menores e família”, criado em 2011, mas limitado inicialmente a matérias cível, e que passou a intervir também em matérias criminais, incluindo violência doméstica e abuso sexual de menores, entre outros.

Reforço de formação contínua dos magistrados e do processo de socialização de leis foram outras das áreas de intervenção.

No que toca a recursos humanos, o Ministério Público passou de 13 magistrados timorenses apoiados por quatro magistrados internacionais, em 2013, para os 37 magistrados de hoje, com o número de oficiais de justiça a passar de pouco mais de 40 para 95, a que se soma 22 outros na fase prática de formação.

“O mais importante para dar força ao PGR, e hoje posso dizer que a PGR é uma instituição forte, de grande autonomia e independência, tem sido consolidar os recursos humanos e o seu trabalho”, disse.

“Além de exigirmos aos nossos magistrados que trabalhem, é essencial continuar a formação contínua, investir cada vez mais nos recursos humanos”, disse, destacando a colaboração nesta área com Portugal, Estados Unidos e outros parceiros internacionais”, frisou.

Entre outros avanços destacou, por exemplo, a inclusão do tétum como língua de formação da International Law Enforcement Academy, em Bangkok, onde magistrados e autoridades policiais têm recebido formação.

Os mandatos de José Ximenes ficaram marcados por polémica, com críticas ao Ministério Público por morosidade no tratamento de processos com contornos políticos, envolvendo alegados casos de corrupção.

Em 2017 registou-se ainda uma tensão interna com sete procuradores timorenses a serem condenados disciplinarmente a seis meses de suspensão de atividade, sem vencimento, depois de escreverem aos líderes do país a questionar a liderança do procurador-geral e outros responsáveis do Ministério Público.

A condenação, pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), envolveu sete de um grupo de 18 procuradores que em abril escreveram ao Presidente da República, ao Parlamento Nacional e ao primeiro-ministro a questionar a liderança do Ministério Público (MP).

Os subscritores diziam haver “motivos de grande preocupação” sobre o funcionamento do MP, que consideram funcionar num sistema de “familiarismo, nepotismo e divisionismo”, sem justiça nas promoções na carreira.

O documento apontava alegadas irregularidades, abusos de direitos, criticava diretamente um dos assessores estrangeiros do MP, que acusa de “atitudes imorais”, e diz que a liderança do MP gere a instituição “como se fosse a sua companhia privada”.

O texto acabou por servir como base para uma resolução do Parlamento Nacional, em que os deputados pediam a exoneração imediata do procurador-geral, José da Costa Ximenes, “por não reunir condições objetivas para a nomeação do cargo”, considerando que “o seu primeiro mandato se caracteriza pela prática de inconstitucionalidades e ilegalidades graves”.

Igualmente a causar tensão estiveram dois casos de grande relevo, nomeadamente o contra a ex-ministra das Finanças, Emília Pires e o casal de portugueses Tiago e Fong Fong Guerra. Na entrevista José Ximenes disse que as críticas fazem parte do processo, e que “ajudam a tornar o Ministério Público mais forte”, frisando que as tensões internas estão resolvidas.

“Hoje, no nosso último encontro do CSMP, disse que temos que enfrentar os desafios dentro do Ministério público. Temos diferenças de ideias, falamos delas cara a cara, mas para fora o Ministério Público é só um”, afirmou. O novo PGR, Alfonso Lopes, toma posse na quinta-feira.

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