Kevin Blackstone, embaixador dos EUA em Díli: Timor-Leste tem um ano para corrigir problemas de tráfico humano

Por António Sampaio, da agência Lusa

O apoio dos Estados Unidos a Timor-Leste pode ser condicionado se as autoridades timorenses não corrigirem problemas que continuam a existir na forma como lida com tráfico humano, disse à Lusa o embaixador daquele país em Díli. “É uma questão séria e razão pela qual o Congresso impõe consequências a países que não eliminem o que é, no essencial, escravatura moderna”, explicou Kevin Blackstone, em entrevista à Lusa. “É uma preocupação real e não pode perpetuar-se indefinidamente”, sublinhou.

Desde meados do ano passado que Timor-Leste foi colocado na “lista de vigilância” do nível dois dos três usados pelo Governo norte-americano para determinar até que ponto os países cumprem as suas obrigações no combate ao tráfico humano.

Uma queda para o nível três implicaria que os Estados Unidos não poderiam dar a Timor-Leste qualquer apoio de desenvolvimento, segundo as regras definidas em Washington.

“Normalmente, um país pode ficar na lista de vigilância do nível 2 durante dois anos. Se Timor-Leste estiver novamente nessa lista este ano, terá mais um ano para demonstrar progresso significativo. Ou seja, até meados de 2022”, explicou.

Considerando que Timor-Leste “está no caminho certo”, Blackstone referiu que os responsáveis com quem falou nos últimos três meses, desde que apresentou credenciais, mostram “empenho e compromisso” em lidar com os problemas que persistem.

Como exemplo, e como primeiro passo “significativo” destaca a informação do Ministério da Justiça de que já está preparado e enviado para o Conselho de Ministros o rascunho da lei para a criação da comissão anti-tráfico de seres humanos. “Acho que é um passo significativo criar uma entidade que lide com este assunto”, sublinhou.

O diplomata sublinha que na sua análise o Departamento de Estado olha para questões como o enquadramento legal e sua aplicação, incluindo processos judiciais e condenações e direitos e proteção das vítimas.

“Em muitos casos as potenciais vítimas estão cá ilegalmente e tem sido tradição que são deportadas. E isso torna difícil avançar em acusações sem testemunhas e também em controlar os números ou registar testemunhos sobre o que está a acontecer”, explicou.

“Penso que o sector judicial entende isso. E penso que com este novo enquadramento legal, com autoridade especifica a entidades, veremos melhor identificação de vítimas e potencialmente seguimento para processos judiciais”, frisou.

Num relatório sobre o tema, a Organização Internacional das Migrações considera que Timor-Leste regista três tipos de trafico de pessoas (TIP na sua sigla em inglês), nomeadamente tráfico para o exterior (70%), de outros países para Timor-Leste (20%) e tráfico interno (10%).

A OIM nota que Timor-Leste “é um país de destino para homens, mulheres e crianças traficadas com o propósito de trabalho forçado e exploração sexual comercial”, sendo que a maioria das vítimas de tráfico são mulheres oriundas da China, Indonésia, Tailândia e Filipinas.

“As vítimas são frequentemente abordadas com promessas de melhores perspectivas de emprego e educação, oportunidades para pagar dívidas ou para ganhar grandes salários na economia do dólar norte-americano”, considerou.

Timor-Leste, segundo a OIM, é ainda um país de origem para o tráfico humano, nomeadamente “associado à migração laboral para fora da província de East Nusa Tenggara, na Indonésia”, com a pobreza e o subemprego a serem os principais motores.

“Esta migração ocorre frequentemente sob a forma de viagens irregulares para a Indonésia com base em informações de família, amigos, vizinhos e/ou comunidade. As mulheres e raparigas timorenses são particularmente vulneráveis a serem enviadas para a Indonésia e para outros países com o objetivo de servidão doméstica”, notou.

No caso interno, a OIM refere haver “tráfico doméstico que envolve principalmente crianças e menores de 18 anos para fins de servidão doméstica, trabalho e exploração sexual”. Em 2018 a OIM diz que foram identificadas 64 vítimas de tráfico de um total de sete casos investigados.

No seu relatório de meados do ano passado, em que Timor-Leste foi colocado na “lista de vigilância”, o Departamento de Estado considera que “o Governo de Timor-Leste não cumpre plenamente as normas mínimas para a eliminação do tráfico, mas está a fazer esforços significativos”.

O executivo, considera o texto, “não confirmou quaisquer casos de tráfico e diminuiu significativamente o número de investigações de tráfico”, com serviços inadequados de apoio e proteção a vítimas e, pelo quinto ano consecutivo, sem finalizar ou aprovar “procedimentos operacionais padrão para a identificação das vítimas”.

No relatório, Timor-Leste foi “desclassificado para a Lista de Vigilância de Nível 2”. Os EUA recomendam aumentar investigações a crimes de tráfico humano, iniciar processos judiciais e condenar e punir traficantes, “incluindo funcionários cúmplices”.

Mais recursos para apoio e proteção de vítimas, oferecendo os mesmos serviços a vítimas do sexo masculino que do sexo feminino, a criação de uma comissão anti-tráfico humano e um plano de acção anual, com melhor recolha de dados, são também recomendados.

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