Irão | Pequim pede racionalidade a Washington e prudência a Teerão

O ministro dos Negócios Estrangeiros chinês tentou por água na fervente relação entre Estados Unidos e Irão. Wang Yi aconselhou prudência ao regime de Hassan Rouhani e que não rompa com o acordo nuclear, apesar das sanções impostas por Washington. Entretanto, Washington anunciou o envio de mais mil tropas para a região, acção seguida do pedido de demissão do secretário da Defesa

 

Com agências 
[dropcap]E[/dropcap]m 2007, enquanto corria à Casa Branca na eleição que viria a conduzir Barack Obama ao seu primeiro mandato, o senador e, à altura, candidato John McCain adaptou o refrão da música “Barbara Ann” dos The Beach Boys para “Bomb Bomb Iran”, para gáudio da audiência. Vem de longe e é sobejamente pública a vontade da ala conservadora mais belicista da política norte-americana em entrar em conflito com o Irão. Um dos detalhes geopolíticos inusitados da possível guerra é juntar do mesmo lado dois “aliados” improváveis: Israel e Arábia Saudita.

Nesta semana, a escala de tensão entre Washington e o regime iraniano conheceu um novo capítulo que levou à reacção pronta de Pequim. Na passada terça-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, alertou para a possibilidade de Washington abrir uma nova “Caixa de Pandora” no Médio Oriente, depois do desastre da Guerra do Iraque, e na sequência do envio de mais mil tropas para a região.

Wang Yi, na face da escalada de tensão, também apelou ao regime de Hassan Rouhani para não abandonar o acordo nuclear firmado com a comunidade internacional “tão facilmente”, depois do anúncio no início da semana que dava conta que Teerão estava prestes a exceder o limite de acumulação de urânio enriquecido estabelecido no acordo nuclear de 2015. “A determinação da China em proteger o acordo nuclear não mudou. Estamos prontos para trabalhar com as duas partes, de forma a aplicar o máximo esforço para a implementação do acordo. Apelamos a ambas as partes para manterem a racionalidade e restrição e para não tomarem mais acções que provoquem a escalada de tensões na região”, referiu Wang, em Pequim, numa conferência de imprensa conjunta com o seu homólogo sírio, Walid Muallem.

O governante chinês apelou “em particular, aos Estados Unidos no sentido de aliviarem a pressão extrema” a que têm sujeitado o Irão.

Contingente reforçado

O envio de mais um milhar de tropas norte-americanos para a região do Golfo de Omã, que se juntam a um contingente de 1500, foi justificado pela administração Trump como uma acção de defesa.

Apesar do comunicado não especificar que tipo de militares vão ser enviados, fontes ouvidas pela NPR revelam que o contingente será, maioritariamente, composto por oficiais de serviços de informação, reconhecimento e vigilância, força de protecção e engenheiros.

O secretário da Defesa, Patrick Shananhan, adiantou em comunicado que a acção tinha como intenção responder a ameaças aéreas, navais e terrestres, na sequência do pedido do Comando Central norte-americano por mais forças. Uma requisição reforçada pelo alegado ataque de forças iranianas contra dois petroleiros no Estreito de Ormuz, ponto crucial no transporte de petróleo, que esbarrou no cepticismo de muitos analistas e países (ver CAIXA). “O comportamento hostil das forças iranianas, e dos seus grupos proxy, ameaçam tropas norte-americanas e interesses na região”, referiu Shananhan, que ontem pediu a demissão do cargo de secretário da Defesa para, segundo o próprio, “tratar de assuntos familiares”. A demissão de Patrick Shananhan surge quando se preparava para ser confirmado pelo Senado no lugar cimeiro da liderança do Pentágono.

O envio de forças para a região começou no mês passado com o destacamento de um porta-aviões, acompanhado por baterias de mísseis Patriot. “Os Estados Unidos não estão à procura de entrar em conflito com o Irão”, ressalvou o secretário da Defesa demissionário.

Em busca de aliados

Entretanto, nos bastidores, a administração Trump move-se no sentido de convencer aliados, nomeadamente a União Europeia (UE), do perigo que Teerão representa para a paz na região.
Porém, a UE considera que o Irão está a cumprir com as suas obrigações decorrentes do acordo nuclear, até que apareçam provas científicas de que está a desrespeitá-los. Horas depois de o Irão afirmar que poderia ultrapassar nos próximos 10 dias o limite de urânio armazenado, fixado pelo acordo alcançado em 2015 com várias potências internacionais, a chefe da diplomacia da UE afirmou que o bloco de 28 países vai continuar a fazer o que puder para garantir que o acordo se mantém.

Federica Mogherini afirmou que está em curso um processo de criação de “um mecanismo que autorize os iranianos e beneficiarem das transações económicas que se podem fazer legitimamente”.

Mas não especulou sobre o que pode acontecer se o Irão se afastar dos termos do acordo. “Até agora, o Irão tem sido cumpridor com os seus compromissos, como esperávamos que fosse”, declarou Mogherini, que insistiu que iria aguardar pelo próximo relatório do organismo da Organização das Nações Unidas para os assuntos nucleares, a Agência Internacional de Energia Atómica.

Os alicerces do acordo, que limita as ambições nucleares iranianas em troca de apoio económico, têm enfraquecido desde que Donald Trump retirou os EUA do acordo, em 2018, passando pelo contrário a aplicar sanções ao Irão. “Não é um exercício fácil”, admitiu Mogherini. “Nunca fizemos um mistério disso. […] Durante o último ano, tornou-se crescentemente difícil para todos”, adiantou.

A UE, em particular Reino Unido, França e Alemanha, que assinaram o acordo de 2015, têm tentado que Teerão se mantenha fiel aos termos do acordo, esperando que os incentivos financeiros aos iranianos ajudem ao cumprimento dos compromissos.

A Alemanha, parceiro-chave no acordo, já declarou que compete ao Irão manter-se fiel ao acordo, se quiser evitar retaliações, que não foram especificadas. O ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Heiko Maas, afirmou no Luxemburgo que a Alemanha, o Reino Unido, a China e a Federação Russa estão a cumprir os seus compromissos consagrados no acordo e que “incube ao Irão permanecer comprometido com as suas responsabilidades”.

Mas acrescentou: “Tenho a impressão que há muita coisa sob ameaça, já agora pelos dois lados, o que não vejo como muito construtivo”.

Paz e amor

Por outro lado, os Estados membros da UE continuam a avaliar a informação sobre os alegados ataques contra dois petroleiros no Golfo Pérsico na semana passada, que os EUA atribuíram ao Irão, o que este negou.

“Considero agora, como antes, que a situação é extremamente explosiva”, disse Maas. “Um confronto militar no Golfo significaria que toda a região ficaria em chamas, o que não é do interesse de ninguém”, acentuou.

Quase em uníssono, ambas as partes firmaram um compromisso com a paz. Por um lado, Mike Pompeo diz que Donald Trump “não quer uma guerra” com o Irão, mas sublinha que os Estados Unidos devem estar em “capacidade para responder” a um eventual ataque ou “má decisão” de Teerão. Pompeo garantiu que o Presidente “não quer uma guerra e essa será a mensagem repetida, ao mesmo tempo que é feito o necessário para proteger os interesses norte-americanos na região”.

Por outro lado, Hassan Rouhani afirmou que o Irão não pretende “lançar-se no combate contra qualquer outra nação”, mas também não perdeu a oportunidade para novas críticas aos Estados Unidos, acrescentando que “os que se opõe ao Irão […] são um grupo de políticos inexperientes”.

 

Golfo de Tonkin 2.0

Assim que foram reveladas as imagens dos alegados operacionais iranianos a retirar uma mina do petroleiro japonês atacado no Estreito de Ormuz, o #Gulf of Tonkin tornou-se viral. O hashtag é referência ao incidente em que o Pentágono manipulou informação sobre um ataque a contratorpedeiros norte-americanos, que levou à Guerra do Vietname. No vídeo divulgado pela Administração Trump, vê-se uma lancha com indivíduos junto ao casco de um petroleiro. A explicação de Washington para as imagens, também referida por Donald Trump, adianta que operacionais iranianos se encontravam a retirar uma mina do casco do navio, apesar de ter havido uma outra detonação. O comandante e alguns tripulantes referiram terem testemunhado um projectil aéreo em direcção ao navio, seguido de uma explosão. Chegaram mesmo a admitir poder tratar-se de um míssil. O incidente com o petroleiro japonês aconteceu quando Shinzo Abe se encontrava em visita oficial ao Irão.

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