Andreia Sofia Silva PolíticaMetro ligeiro | Ng Kuok Cheong quer saber custos adicionais do projecto O Governo vai ter de ir à Assembleia Legislativa dar justificações sobre os custos adicionais do projecto do metro ligeiro no que diz respeito às ligações entre o segmento da Taipa, Barra, Seac Pai Van e Zona A dos novos aterros [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]pesar do projecto do metro ligeiro ser quase uma realidade na Taipa, este continua a gerar inúmeras questões junto dos deputados da Assembleia Legislativa (AL). Desta vez foi o deputado Ng Kuok Cheong que entregou uma interpelação oral ao Executivo onde pede que sejam divulgados os custos adicionais relativos às ligações entre os segmentos da Taipa, Barra, Seac Pai Van e Zona A dos novos aterros. Tal vai obrigar os membros do Governo a ir ao hemiciclo dar uma resposta ao deputado. “Quanto às obras do metro ligeiro que nas LAG para 2018 o Governo promete realizar a linha da Taipa, que deve ficar concluída durante o mandato do actual Governo. Quando é que podem ficar concluídas as ligações entre a linha da Taipa e a estação da Barra, e entre esta linha e Seac Pai Van? Quais serão os custos a acrescentar?”, começa por questionar. Ng Kuok Cheong quer também saber o orçamento que será destinado para a realização de estudos. “Relativamente aos estudos sobre o traçado que ligará as Portas do Cerco à Taipa, com passagem pela Zona A, que o Governo revelou que vai iniciar, e sobre a extensão do metro ligeiro à Ilha de Hengqin, constante nos anexos das LAG, quais serão as despesas previstas e os efeitos relevantes que se pretendem atingir?” O deputado exige também a Raimundo do Rosário, secretário da tutela, que sejam divulgados prazos concretos. “Serão iniciados ainda durante o mandato do actual Governo?”, inquiriu. Trocas e baldrocas Ontem foi referido na reunião do Conselho do Planeamento Urbanístico de que a Zona A dos novos aterros terá dois traçados do metro ligeiro, um deles subterrâneo. Contudo, Ng Kuok Cheong considera que os anúncios feitos pelo Governo revelam excessivas alterações no projecto original. “Na reunião da AL para resposta a interpelações orais, do passado dia 5 de Janeiro, o secretário para os Transportes e Obras Públicas revelou que ia ser iniciado um estudo sobre o traçado que ligará as Portas do Cerco à Taipa, com passagem pela Zona A dos novos aterros, o que leva o público a achar que o projecto do metro ligeiro está sempre a mudar.” “Devido às graves derrapagens orçamentais e de prazos, os cidadãos já perderam a confiança na sua construção”, acusa o deputado, que acusa os governantes de serem pouco transparentes neste processo. “As obras, os estudos e os investimentos a realizar pelo actual Governo durante os dois anos de mandato que restam precisam de ser tratados pelo próximo Governo, e os cidadãos têm de aguentar as respectivas consequências. Portanto, o projecto do metro ligeiro tem de ser transparente”, apontou. Ai as inundações Na mesma interpelação escrita o deputado alerta para a necessidade de construir uma infra-estruturas que venha a prevenir inundações na ligação do metro ligeiro entre a Barra e as Portas do Cerco. “Este traçado vai avançar durante o mandato do actual Governo ou ficar completamente suspensos? Será que se vai reservar algum espaço para o segmento do metro ligeiro que ligará a Barra às Portas do Cerco, aquando da reconstrução por parte do Governo dos diques nas zonas costeiras da península de Macau, para prevenir inundações?”, questionou. Metro ligeiro | Coutinho quer estudo de impacto ambiental Numa interpelação escrita enviada ao Governo, o deputado José Pereira Coutinho defende a realização de um estudo de impacto ambiental quanto à construção da linha este do metro ligeiro, que atravessa o estuário entre a península e a Taipa. “Que estudos foram realizados ao nível do impacto ambiental para concluir a futura execução da linha leste?”, questiona o deputado, que defende também a realização de uma consulta pública. “Vai o Governo proceder a uma consulta pública deste novo traçado, no sentido de auscultar a população quanto à satisfação dos seus interesses?”, questionou.
João Santos Filipe Manchete PolíticaCaso Sulu Sou | Mesa da AL teme que hemiciclo perda a confiança do público A defesa do deputado acusa a resposta da Assembleia Legislativa à providência cautelar de considerar a população da RAEM “incapaz de compreender valores elementares de uma sociedade democrática” [dropcap style≠’circle’]“U[/dropcap]ma perspectiva paternalista e infantilizante, que desrespeita a população da RAEM, tratando-a como incapaz de compreender valores elementares de uma sociedade democrática”. Foi esta a resposta da defesa de Sulu Sou qualificou a argumentação da Mesa da Assembleia Legislativa, para que o Tribunal de Segunda Instância rejeite a providência cautelar do deputado suspenso. O HM teve acesso à resposta da defesa de Sulu Sou, que se insurge contra o ponto de vista da Mesa da AL, que sustenta que o pedido para suspender a eficácia da suspensão deve ser rejeitado para “passar uma mensagem ao público que os Deputados não estão foram da alçada da justiça”. Este é um dos vários argumentos da AL contra o regresso temporário de Sulu Sou ao hemiciclo. A defesa do deputado contrapõe que o regresso “não constitui grave prejuízo do interesse público” e que o argumento da Mesa da AL “pressupõe o facto de que um deputado que não seja suspenso fica fora da alçada da justiça”. “Tal é falso”, destaca a resposta elaborada por Jorge Menezes e entregue no dia 19 de Janeiro, perante contestação formal da AL face à providência cautelar. Ai a confiança… Ao TSI, a Mesa da AL – constituída por Ho Iat Seng, Chui Sai Cheong, Kou Hoi In, e Chan Hon – mostrou igualmente temer a perda “confiança da população nas instituições e na AL”, no caso da suspensão de Sulu Sou ser interrompida até que haja uma decisão final face à validade da mesma. Contudo, o advogado de defesa acusa a AL de ser responsável por essa eventual consequência: “a falta de confiança na AL parece ter resultado do processo ilegal de suspensão do Deputado […] bem como da proposta de Resolução, que visava resolver, em favor da AL, um processo judicial em que a AL é parte, numa aparente tentativa de interferência com a independência dos tribunais”, é apontado no documento. Diz ainda a defesa, que o argumento “parece pretender atirar responsabilidades pelas consequências das ilegalidades cometidas pela AL para o colo dos tribunais que viessem a declarar as ilegalidades cometidas”. Regresso do interesse público Por outro lado, o documento a que o HM teve acesso sublinha que o interesse público ficava melhor defendido com o regresso de Sulu Sou, pelo facto de haver “mais um Deputado” a “trabalhar para a RAEM no processo legislativo e de fiscalização do Governo”, “haver número ímpar de deputados”, a AL “funcionar com o número de deputados previstos na lei” e pelo ainda porque os “milhares de eleitores que votaram no Deputado” teria “representação parlamentar” e “a voz que elegeram para representar os interesses da RAEM”. A defesa acaba a sua resposta à contestação da AL a considerar a opinião apresentada pelo hemiciclo não apresenta “fundamentação” que sustente a recusa da providência cautelar. Sulu Sou viu o seu mandato suspenso na Assembleia Legislativa, para poder ser julgado pela prática do crime de desobediência qualificada. No entanto, como o deputado considera que processo de suspensão não respeitou os seus direitos fundamentais, interpôs recurso contra a decisão e uma providência cautelar, que lhe permitiria regressar ao hemiciclo enquanto o recurso é decidido.
Sofia Margarida Mota PolíticaAngela Leong quer serviço de transplantes gratuito [dropcap style≠circle’]U[/dropcap]m serviço de saúde gratuito para os pacientes que precisam de transplante é o pedido de Angela Executivo. Para Angela Leong está em causa a gravidade do estado de saúde dos doentes que necessitam de um transplante e como tal, o Executivo deve “tomar como referência a prática adoptada em relação ao tratamento de tumores, revendo a lei para incluir este tipo de cirurgia no âmbito dos tratamentos gratuitos”, refere em interpelação oral. Por outro lado, Macau tem uma lei que regula a dádiva, a colheita e a transplantação de órgãos e tecidos de origem humana que teve a sua última promulgação em 1996 e Angela Leong quer satisfações quanto a esta matéria. Para a deputada, a situação de Macau no que toca à colheita e transplantes de órgãos é uma questão pública pois interfere na sobrevivência de quem necessita deste tipo de intervenção. “Só no final de 2016 é que Macau, com o apoio das instituições médicas do interior da China, concluiu o primeiro transplante renal em vida, acarretando esperança para muitos pacientes que necessitam urgentemente de transplantes”, lamenta. Sempre as promessas O Governo afirmou nas Linhas de Acção Governativa que já em 2017 procedeu ao envio de profissionais de saúde ao continente de modo a que recebessem formação na área, elaborou diplomas e constituiu grupos s de trabalho de promoção de doação de órgãos. No entanto, nada se sabe, considera, quanto ao resultado destas medidas do Executivo. Angela Leong quer saber em detalhe o que é que se passou com as formações dos médicos que foram receber formação à China continental e quando é possível formar uma equipa local permanente e apta a operar. Mais, tendo em conta a ainda pouca aceitação social deste tipo de intervenção, para Angela Leong, cabe ao Governo proceder a acções que esclareçam e informem os residentes.
Hoje Macau PolíticaOffshores | Lionel Leong elogia retirada da lista negra da UE [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, revelou satisfação pela saída de Macau da lista negra de paraísos fiscais da União Europeia (UE). Citado por um comunicado oficial, o secretário disse que “é com satisfação que o Governo recebeu a notícia sobre a decisão da UE de excluir Macau da lista de jurisdições não cooperantes em matéria fiscal”. Foi também referido que o Executivo “irá manter uma ligação e comunicação estreitas com a comunidade internacional, incluindo a UE e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), permitindo-lhe conhecer e perceber os trabalhos de aperfeiçoamento e avanços de Macau nos assuntos de matéria fiscal”. Quanto à extensão da aplicação da Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Fiscal a Macau, os detalhes “estão a ser ultimados”. “Após a aplicação da convenção no território, o Governo irá dar início ao processo de celebração dos acordos com os países-membros da UE, esperando-se que os trabalhos fiquem concluídos ainda no corrente ano”, aponta o mesmo comunicado. Nessa altura “proceder-se-á à troca automática de informações de contas financeiras”. Os trabalhos em matéria fiscal estão a ser acompanhados pelo Governo, que já criou vários grupos interdepartamentais de trabalho, responsáveis pelo “aperfeiçoamento do regime jurídico das actividades das offshore”.
Hoje Macau PolíticaCCPPC | Ex-secretário Cheong U na lista dos seis novos membros [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]egundo a Rádio Macau, foram ontem divulgados os seis novos membros que vão representar o território na Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC), um órgão de consulta do Governo Central. Cheong U, que foi secretário para os Assuntos Sociais e Cultura entre 1999 e 2014, é um dos novos rostos, bem como o da chefe de gabinete do Chefe do Executivo, O Lam. O deputado e advogado Vong Hin Fai passa também a integrar o grupo de representantes, composto por 29 pessoas que são, sobretudo, empresários ligados ao sector do imobiliário ou que pertencem à elite política de Macau. Além de Cheong U, O Lam e Vong Hin Fai incluem-se também Leong Lai, directora dos Serviços de Educação e Juventude, Wu Zhiliang, presidente da Fundação Macau e o deputado Ho Ion Sang. O empresário Ng Lap Seng, detido por corrupção nos Estados Unidos, deixa de fazer parte do grupo de representantes de Macau junto da CCPPC, bem como Or Wai Sheun, presidente da empresa Polytec, e ainda Ng Siu Lai, deputada de Macau à Assembleia Popular Nacional e presidente da União Geral das Associações de Moradores. Susana Chou, ex-presidente da Assembleia Legislativa, também abandona este lugar, tal como Eric Yeung, empresário e presidente do Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia de Macau. O administrador da Sociedade de Jogos de Macau, Ambrose So, também deixa de fazer parte. Alexandre Ma, presidente da Associação Comercial de Macau, continua a ser membro do comité permanente do CCPPC, sendo que o antigo Chefe do Executivo, Edmund Ho, continua como vice-presidente. Nomes como o de Leonel Alves, ex-deputado e advogado, ou o arquitecto Eddie Wong, responsável pelo projecto do novo hospital, mantém-se no grupo, bem como Chan Meng Kam, Liu Chak Wan, Lawrence Ho, Chui Sai Cheong e David Chow, entre outras figuras de relevo.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaCibersegurança | Proposta de lei atropela direitos fundamentais, defendem associações Existe algum consenso: a proposta de lei da cibersegurança ameaça a privacidade dos residentes, a liberdade de imprensa e o sigilo profissional dos meios de comunicação social, indo contra os direitos fundamentais, consagrados pelo segundo sistema e vertidos na Lei Básica. A AIPIM e a Associação Sinergia Macau já se pronunciaram [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] proposta de lei da cibersegurança está em consulta pública e a Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM) já manifestou as suas reservas. Em causa, refere a carta da AIPIM dirigida ao Governo, estão os direitos fundamentais consagrados na Lei Básica referentes ao direito à privacidade, à liberdade de imprensa e ao sigilo profissional. “Consideramos que é fulcral que hajam garantias de respeito integral por preceitos e provisões chave consagrados na Lei Básica, nomeadamente no que concerne (…) à liberdade de expressão e liberdade de imprensa”, lê-se na missiva. A AIPIM explica porquê. Vai caber à Polícia Judiciária a “coordenação no funcionamento no Centro de Alerta e Resposta a Incidentes de Cibersegurança (CARIC), sendo que lhe é permitido “monitorizar o tráfego de dados informáticos entre as redes dos operadores das infraestruturas críticas e a internet”. Ora, de acordo com a legislação da RAEM, tratando-se de intromissão na vida privada dos residentes “só pode acontecer mediante mandado de um juiz”. É inadmissível, defende a AIPIM, que seja dada esta faculdade a uma polícia criminal como é o caso da PJ estando em causa direitos como a “violação de correspondência ou intercepção/escutas telefónicas”. Liberdades críticas Por outro lado, os meios de comunicação social são considerados pelo documento em consulta como um estrutura crítica ou seja, alvo de monitorização por parte do CARIC, o que pode colocar em risco a liberdade de imprensa e a garantia do sigilo profissional, incluindo o sigilo aplicado às fontes. Para o AIPIM, é fundamental que a “futura lei seja clara relativamente à impossibilidade dos representantes do CARIC terem acesso a informação de fontes de jornalistas”. A preocupação com a liberdade de imprensa também é expressa pelo presidente da mesa da Assembleia Geral da Associação Sinergia Macau, Vitor Vai . “Temos receio de que essa lei vá prejudicar as comunicações nas redes sociais e emails e que haja acesso a toda a informação privada das pessoas”, refere ao HM. Por lei, o sistema pode registar as conversas de telemóvel nos casos que vão a tribunal, “mas na proposta do Governo chamamos a atenção e alertamos que essas informações não podem ser registadas em todas as circunstâncias e por qualquer razão. A proposta delimitar quais as situações em que os dados devem ser registados”, sublinha. Por outro lado, Vitor Vai mostra-se contra o facto da proposta do Governo propor um prazo de transição para os departamentos da Função Pública se adaptarem às coordenadas referidas pelo diploma. “O documento de consulta propõe um prazo de transição de 30 dias, mas estamos preocupados face à possibilidade dos departamentos da Função Pública não terem tempo de se adaptar ao novo sistema nem que haja tempo para testar esse mesmo sistema. Não há tempo para dar orientações aos subordinados”, refere o responsável. A proposta da associação vai no sentido de alargar o prazo para três a seis meses.
António de Castro Caeiro PolíticaA clepsidra existencial não é vista de fora nem de dentro [dropcap style≠’circle’]”T[/dropcap]odo o meu ser suspenso, Não sinto já, não penso, Pairo na luz, suspenso… Que delícia sem fim!” … Ó Morte, vem depressa, Acorda, vem depressa, Acode-me depressa, Vem-me enxugar o suor, Que o estertor começa.” Camilo Pessanha Um relógio de água ou clepsidra (grego κλεψύδρα de κλέπτειν kleptein, ‘to steal’; ὕδωρ hydor, ‘water’) é qualquer relógio em que o tempo é medido pelo fluxo regulado de líquido que entra para (tipo de entrada) ou de líquido que sai de (tipo de saída) um recipiente em que a quantidade é medida. Este relógio é diferente dos modernos analógicos ou dos contemporâneos digitais. Estes objectos cronométricos são orientados pela abstracção do tempo apontado no momento agora que é indicado pelo ponteiro. Do ponto de vista da percepção humana podemos ir aos décimos de segundo, eventualmente aos centésimos de segundo, mas tempos mais rápidos e curtos a passar não são tidos pela percepção humana. De qualquer forma o ponteiro aponta para um momento no tempo agora mesmo, ensanduichado entre o momento há pouco que já passou e o momento daqui a nada que ainda não chegou. Isto é, o momento agora apontado é um istmo entre dois tempos que não são na realidade. Não são ainda e não são já, porque há pouco já passou e não existe em lado nenhum no mundo e daqui a nada não existe ainda. A clepsidra é uma metáfora viva do tempo que é vivido do futuro para o presente e do presente para o passado, sob base interpretativa do tempo que escoa. Ou seja, o momento agora da clepsidra é um momento no esvaziamento no escoamento do fluxo da água no recipiente que é substituída gota a gota, até esgotar completamente, por água. Se o relógio diz que horas são agora, mesmo para avaliar o tempo que falta para A, B ou C, se há ou não há tempo, quanto tempo temos, a clepsidra vê cada agora numa qualidade de duração que tem os olhos postos na sequência da passagem irreversível da água que é a passagem irreversível do tempo, sem repetição, nem ultrapassagem. Quer dizer, o que está a ser medido é uma duração qualitativa da vigia de noite do quartel, da sessão no tribunal, do tempo que é em função do tempo que há e que inexoravelmente há-de deixar de ser. Ou seja, o tempo clepsídrico é o tempo que há partida é vista em antecipação projectada e previsivelmente como tempo que há de ter acabado. O momento agora é o integrado no derradeiro momento quando tiver acabado toda a unidade temporal de duração bem como no primeiro momento, que é primeiro relativamente a um segundo, terceiro, quarto e último momentos pensados todos eles em contagem decrescente. Nós todos desde sempre, em todas as gerações de gerações de humanos, passadas, presentes, futuras estamos no recipiente complexo com a água fluída a afluir continuamente para continuamente escoar até esgotar-se completamente o tempo dado para a vida total de que todos os humanos são portadores e para a vida individual de cada um. A proto estrutura do tempo mergulha-nos na água que continuamente está a ser roubada, a esgotar-se, de uma forma maciça, sem percepção desse facto irreversível, o mais das vezes. A clepsidra é um nomen agentis, isto é, só quem tem uma compreensão intrínseca do tempo, tempo que não é nenhum objecto, nem exterior nem interior, nem dentro nem fora, mas a própria forma da vida pode tornar a clepsidra analógica da vida na sua totalidade como tempo cronologicamente finito, desde sempre a acabar, desde o primeiro de todos os instantes. A medição do tempo e não as horas é o que é tido em vista pela clepsidra com conteúdo real e físico, a água que se escoa, o ar que entra, em função de unidades de sentido temporais: a madrugada que irrompe, a manhã que passa, a tarde que vem, o crepúsculo que cai, agora no Verão e depois no inverno, no princípio da vida, na infância, juventude, quando era tempo, no ocaso da vida, tudo numa universal e cósmica clepsidra que também ela própria está no interior de outras clepsidras que contem as de menor capacidade e são contidas nas que têm maior capacidade e todas elas dentro da mega clepsidra do tempo que passa e não regressa nunca mais. A clepsidra existencial não é vista de fora nem de dentro.
João Luz Manchete Reportagem SociedadeExclusivo: De Joana a Jo-B, a história em curso do primeiro transexual masculino de Macau Ao longo da vida ocultou os vestígios de feminidade que as cirurgias plásticas têm extinguido passo a passo. Aguentou e recuperou com rapidez das operações, feito que lhe valeu a alcunha de Super-homem entre o pessoal da clínica tailandesa onde removeu os seios, útero e ovários. Hoje em dia, Jo-B De Souza está a um passo de completar a metamorfose e tornar-se um homem. O HM conta-lhe a jornada de coragem, sofrimento e amor de uma pessoa determinada a viver a sua identidade [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] caminho do bar, Jo-B De Souza caminha com virilidade para dar e vender. Cabelo penteado para trás com gel e rapado dos lados, ombros largos, braços que denotam frequência regular no ginásio e um sorriso malandro. Lança um “hey, man!” e cumprimenta com um aperto de mão vigoroso. Quem não o conhece nunca imaginaria que Jo-B De Souza nasceu Joana um dia antes do início do Verão de 1988, e é esse nome que ainda figura no seu Bilhete de Identidade de Residente. Algo que vai tentar alterar num futuro próximo e que será um dos passos na caminhada para se tornar um homem. Ao longo dos últimos dois anos, a sua vida tem sido um corrupio de entradas e saídas de uma clínica na Tailândia onde removeu os seios, útero e ovários. É também em Pattaya que é acompanhado na terapia hormonal por uma equipa clínica chefiada por um médico norte-americano. À entrada de 2018, resta-lhe uma última cirurgia: A faloplastia – a construção do órgão sexual masculino – uma etapa que terá de adiar devido às anestesias gerais que tomou recentemente. Será o fim da metamorfose que se iniciou quando era demasiado novo para sequer ter noção do que estava a acontecer. “Cresci a pensar que era um rapaz, desde pequenino, praticamente bebé. Quando a minha mãe estava grávida fez dois testes que indicaram que teria um filho”, conta. A família estava preparada para receber um rapaz em casa, previsão que se reflectia na decoração do quarto e nas roupas que os pais compraram para o novo membro da família. Este pequeno detalhe familiar tornar-se-ia premonitório da pessoa que Jo-Bo viria a ser, uma pessoa com uma feminidade rarefeita. Aliás, tão rarefeita que praticamente não teve menstruação, apenas uma vez por ano, ou de dois em dois anos. Esta particularidade biológica deu-lhe descanso quanto a um trauma muito frequente entre maria-rapazes: a necessidade de terem de conviver e esconder todos os meses a menstruação. Verdes anos Olhando para trás, Jo-B De Souza recorda-se de achar que era um menino. Porém, o embate com a realidade do género com que nasceu deu-se cedo, entre os três e os quatro anos, durante os tempos de jardim de infância. O episódio deu-se quando estava na casa de banho com o seu melhor amigo e lhe perguntou porque é que ele estava de pé em vez de estar sentado. O amigo respondeu que era por ser um menino e ela uma menina. A dureza da verdade desencadeou um autêntico drama infantil, que mais de vinte cinco anos depois estampa um sorriso na cara de Jo-B. “Corri para casa a chorar e fui contar tudo aos meus pais. Foi aí que percebi que era uma rapariga e senti que era o fim do mundo. Lembro-me de ter chorado muito”, recorda. A história de Jo-B De Souza é recorrente no dia-a-dia de Graça Santos, Psiquiatra e Terapeuta Sexual, coordenadora da Unidade de Reconstrução Génito-Urinária e Sexual (URGUS) do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. “São pessoas que, na grande maioria dos casos, desde a infância manifestam preferência pelo papel e expressão do género do outro sexo, que no caso de FtM (abreviatura para female to male), será uma menina “Maria-rapaz”, explica Graça Santos. “Ao olhar a sua infância a própria pessoa e os familiares relatam-nos uma preferência por brincar com rapazes, jogar à bola, ser mais activa fisicamente, recusar ou manifestar desagrado por usar vestidos ou adereços de menina”, conta a coordenadora da URGUS. Seguindo os seus desígnios, Jo-B De Souza continuou a vestir calções e t-shirts até ingressar no Colégio do Sagrado Coração de Jesus, uma escola feminina onde a farda era obrigatória. Aí descobriu que não estava sozinha e que havia outras marias-rapaz, “talvez entre 12 a 15”. Nesse período, com cerca de 6 ou 7 anos, via-se obrigada a usar um vestido, facto que conseguiu contornar através da prática desportiva. “Adorava jogar basquetebol. Então, foquei-me no desporto e não me importava como as pessoas me viam porque debaixo do vestido usava os calções de basquetebol”, conta. Jo-B De Souza sente-se um sortudo devido ao apoio incondicional que teve da família desde cedo. “O meu pai é o meu grande suporte, a minha mãe uma cuidadora incansável, a minha irmã e o seu namorado têm estado sempre disponíveis para me ouvir, a minha namorada é quem dá mais força”, conta. Era dos descobrimentos A adolescência quando chega molda aquilo que será a nossa personalidade, quem somos, a partir da revolução hormonal. Esta fase, que pode ser um purgatório de crescimento, tem uma outra dimensão em pessoas como Jo-B De Souza. À medida que foi crescendo procurou ser cada vez mais masculino, um salto evolutivo que foi recebido de forma distinta pelos seus pais. Enquanto o pai lhe deu sempre total apoio e lhe fez as vontades, a mãe tentava convencê-lo a usar roupas femininas ou a deixar crescer o cabelo. “Se ela me perguntava se eu achava um vestido bonito eu dizia que sim, que era muito bonito mas nela”, recorda com humor. Apesar das ténues tentativas maternas para que fosse uma menina durante a infância e início de adolescência, Jo-B nunca se sentiu reprimido pela família. Muito pelo contrário, a relação que tem com os pais assenta em fortes pilares de respeito, aceitação e amor. “O meu pai costuma dizer coisas do género: vou agora para o escritório, o meu filho dá-me boleia e a minha mãe costumava dizer quer tinha duas filhas, mas agora diz que tem um casal”, exemplifica. Por volta dos 13/14 anos, Jo-B De Souza atravessava um período de descoberta. Não apenas em termos de revelação sexual, mas também de conhecimento que haveria de lhe abrir as portas para a metamorfose que o esperava. “Já na altura dizia às pessoas que iria mudar de sexo, sem ainda saber se isso era possível”, recorda deixando claro que nunca gostou de não cumprir com a sua palavra, ou de perder face em relação a aspirações partilhadas socialmente. A realidade entrou-lhe pelos olhos adentro numa pesquisa online em que descobriu que afinal havia quem mudasse fisicamente de sexo. Começou a seguir bloggers que relatavam as várias etapas da transformação que haveria de iniciar uma década mais tarde. “Comecei a seguir um blogger, via as fotos e as mudanças na pessoa, ouvia também a forma como a sua voz mudava e comecei a ficar cada vez mais intrigado”, relembra. Foi também nessa altura que começaram as primeiras experiências sexuais e a rebeldia adolescente materializada em múltiplos piercings e tatuagens. “Todos queriam pertencer ao nosso grupo porque nos estávamos nas tintas. No fim das aulas, ainda com uniforme, íamos fumar e beber cerveja e como era muito popular era fácil ter parceiras”, conta. Jo-B De Souza explica que beneficiou de dois factores: ter uns pais compreensivos e o facto de “Macau ser mais aberto a lésbicas e marias-rapaz, por ser uma cidade que se habituou a isso, mais do que a gays”. Mesmo em termos de transexuais, entende que é mais facilmente aceite uma mulher transformar-se em homem do que o inverso. Este é um fenómeno que não é estranho para Anthony Lam, presidente da Associação Arco-Íris de Macau. “Acho que a explicação pode estar no facto da sociedade de Macau ser muito patriarcal daí ser mais fácil aceitar uma mulher que se transforme num homem”, teoriza. Fora do lugar Em 2016, a Associação Arco-Íris de Macau fez um inquérito sobre a incongruência entre o sexo atribuído à nascença e a identidade de género, para o qual foram ouvidas 715 pessoas locais. O resultado revelou que 41,54 por cento dos inquiridos demonstravam alguns níveis de inconsistência entre o sexo biológico e a identidade de género. Apesar dos números serem consideráveis estão longe de representar a parcela demográfica que leva até às últimas consequências a incongruência de género que vivem. Neste aspecto, a experiência de Anthony Lam diz-lhe que os transexuais são pessoas que “ficam mais no seu ciclo e que se sentem mais confortáveis na sua bolha social, em vez de se revelarem ao público”. Principalmente, no que toca a transexuais que fazem a transição de homem para mulher. “Macau não é uma cidade suficientemente progressiva, não é acolhedora para a comunidade LGBT”, explica o presidente da Associação Arco-Íris de Macau. Em termos de aceitação social, Jo-B De Souza não tem dúvidas de que tem sorte por estar no lado mais facilmente aceitável da transexualidade em Macau, onde a sociedade aceita melhor a transformação para o lado masculino. Porém, o residente de Macau entende que não existe uma comunidade de pessoas que se encontrem numa situação similar à sua, circunstância que explica com a fluidez entre maria-rapazes, que podem oscilar entre períodos másculos para depois regressarem a um vivência totalmente feminina. “Há pessoas que são atraídas pelo mesmo sexo, mas que estão felizes com a forma como nasceram, é aí que eu não me encaixo, porque não é a minha preferência sexual que está em causa, ou seja, a pertencer a algum grupo pertenceria a algo completamente diferente e que em Macau é muito pequeno”. Esta falta de pertença a um ciclo social dominado pela preferência sexual, ou género, não é algo que aflija Jo-B De Souza, ainda para mais no momento em que se prepara para dar o último passo, o que agudiza a falta de identificação com qualquer categoria da comunidade LGBT. “Agora estou no meio, estou perdido”, diz antes de soltar uma gargalhada sonora. Primeiras etapas Ao longo da adolescência, Jo-B De Souza continuou a ter casos com mulheres. Porém, havia algo dentro de si que o distinguia de todo o universo lésbico. “Há mulheres que só querem estar com outras mulheres, a mim o que me preocupa é não estar no papel de mulher”, conta. Apesar de ainda estar preso ao sexo com que nasceu, Jo-B De Souza considera-se e comporta-se como um macho alfa, ao ponto de não se sentir cómodo em mostrar as partes íntimas durante relações, a menos que seja com alguém com quem tem uma relação longa e de profunda confiança. “Quando estou com uma mulher, fora do contexto de namoro, não me sinto confortável sem roupa à frente delas, nem permito que me toquem abaixo da cintura”, explica. Após algumas relações longas e experimentação, Jo-B De Souza teve de encarar a transição que se impunha e que desde sempre germinava dentro de si. Em 2016 começou a aplicar um gel com hormonas masculinas e iniciou o processo da sua reconstrução física. “Andei a procrastinar a mudança de sexo. Primeiro não tinha dinheiro, mas depois comecei a ter medo de dar o próximo passo, andava sempre a adiar, dizia sempre para mim que seria amanhã, que ainda era jovem, que era muito cedo”, confessa. Outra das hesitações de Jo-B De Souza era o receio em revelar aos pais que queria embarcar numa viagem biológica sem retorno, mesmo sabendo que os seus pais são pessoas bastante abertas. Não era uma questão de falta de confiança, mas da dificuldade em contar que se quer fazer algo tão drástico. “Eles têm feito um excelente trabalho em fazer-me feliz e a ideia de lhes dizer que havia algo tão grande reprimido dentro de mim, ao longo de todos estes anos, é muito triste”, explica. Apesar de não ser segredo para quem era próximo de Jo-B De Souza, a efectiva mudança de sexo era algo que parecia distante, mas inevitável. Mas o seu corpo era um empecilho com o qual tem sido obrigado a viver todos os dias da sua vida. “Impediu-me de fazer muitas coisas, adoro nadar e não posso, gosto de ir à praia e não quero ter de vestir biquínis, gosto de jogar basquete mas não conseguia devido ao peso do peito, também não podia comprar a roupa que queria”, enumera. Salto em frente Jo-B De Souza virou a página da sua identidade de género numa altura que decidiu encerrar um capítulo amoroso com uma pessoa que entrava e saía da sua vida há algum tempo. Cansado da falta de eficácia do gel com testosterona e posta de parte a hipótese de congelar óvulos para uma futura maternidade, decidiu dar os passos que a cirurgia reconstrutiva lhe permitem dar. Em todas as etapas médicas, Jo-B De Souza recorreu sempre a uma clínica na Tailândia e passou a ser seguido por um médico norte-americano que opera em Pattaya. É de salientar que em Macau não existem este tipo de serviços médicos. Aliás, solicitados pelo HM, os Serviços de Saúde locais não responderam se existe algum plano de no futuro virem a providenciar serviços cirúrgicos, ou mesmo de substituição hormonal. Assim sendo, em Maio do ano passado, Jo-B De Souza removeu os seios na clínica que o vinha seguindo. “Passei a poder vestir o que me apetece, sem sentir que tenho um segredo a esconder. Agora quando vou ao ginásio já não vou para o balneário feminino, estou no balneário dos homens e ninguém sequer duvida, desde que tenha uma toalha à cintura”, conta. A partir de Outubro de 2016 começou a injectar testosterona, um processo que se iniciou com umas análises que revelaram uma quantidade anormalmente grande de hormonas masculinas. Desde então, recebe todos os trimestres uma encomenda de injecções. Como nunca teve uma relação confortável com agulhas, tirando as que tatuam, Jo-B De Souza recorreu a alguém em quem sabia que podia confiar, a sua irmã, um dos seus principais pilares de apoio, sem esquecer o cunhado. “Há dias que é doloroso e outros dias em que não há sensação”, conta acrescentando que as injecções passaram a ser um ritual que tem de cumprir a cada três dias. “Comecei com 0.2 mg e agora tomo 0.35 mg. Isto vai ser para sempre, mas não com esta frequência”. Começou assim o processo de modificação total das hormonas, antes do adeus final à produção de estrogénio que viria em Novembro último, altura em que removeu o útero e os ovários. Esta fase significaria o armistício de uma guerra hormonal que durara a sua vida inteira. Super-homem Antes de começar com as injecções, Jo-B De Souza teve de fazer análises. “Quando fiz o meu primeiro teste ao sangue na clínica o médico perguntou-me se já tinha feito algum tratamento hormonal porque, normalmente, os níveis de testosterona de uma mulher vão até 30, mas eu tinha 61”, conta. Níveis que não são surpreendentes face à fisionomia de Jo-B De Souza, que sempre teve, por exemplo, ombros largos e dedos grossos. Desde a primeira intervenção, em que removeu os seios, o residente de Macau ganhou uma reputação de homem de ferro entre os pessoal médico e de enfermagem na clínica tailandesa que o tem acompanhado. “No hospital deram-me a alcunha de Super-homem”, conta bem humorado. A remoção do peito, mastectomia, é um procedimento doloroso que implica o reajuste do torso. Como tal, após a cirurgia os pacientes podem ter de ficar duas semanas imobilizados numa cama de hospital. “No dia seguinte à operação, acordei e não senti dor e como precisava de ir à casa de banho e não havia ninguém por perto, levantei-me e fui à casa de banho. Ainda não tinha decorrido 24 horas desde que tinha saído do bloco operatório. Os médicos ficaram alarmados mas eu acalmei-os e disse-lhes que não sentia dor, que estava tudo bem”, recorda. A partir desse momento, começou a circular entre o pessoal da clínica e pacientes a alcunha “Super-homem”, uma alcunha que se foi disseminando das empregadas de limpeza, enfermeiras, até ao pessoal médico. A reputação aprofundou-se quando chegou a altura de remover órgãos. Em Novembro, Jo-B De Souza deu entrada na clínica da Pattaya para fazer uma histerectomia e ovariectomia, o que trocado por miúdos significa a remoção do útero e ovários. Mais uma vez, o natural de Macau tinha pela frente uma recuperação lenta, dolorosa, que implicaria cerca de duas semanas de cama. Ainda assim, no dia seguinte à cirurgia resolveu pôr-se de pé, ao lado da cama, tranquilamente a ver televisão. Sem grande disposição para ficar deitado, Jo-B De Souza, após exame médico, teve alta e regressou a Macau, encurtando o período de convalescença na cama da clínica de duas semanas para dois dias. A forma como o seu corpo recuperou de uma intervenção que não é definitivamente pêra doce em termos médicos surpreendeu o médico e aumentou a sua reputação de super-herói. Durante estes complicados processos, Jo-B De Souza contou com o apoio incondicional da sua namorada e de uma nova família que conheceu na Tailândia a partir de um amigo que fez na clínica. Mesmo durante os períodos de curta convalescença, o natural de Macau teve sempre uma rede de apoio que não o largou, desde a família e a namorada à distância, passando pela família do amigo tailandês que o acompanhou nos momentos mais frágeis. Ficaram tão próximos que Jo-B passou a visitá-los regularmente à Tailândia. Homem novo Com a remoção do útero e ovários, Jo-B De Souza deixou de produzir estrogénio. Juntando a esse facto as injecções de testosterona, pode-se dizer que em termos hormonais é um homem, algo que lhe dá uma vantagem de perspectiva que poucas pessoas alguma vez irão experimentar. “Como fui exposto a ambos os mundos, nunca imaginava que as emoções de uma mulher são assim tão doidas, porque as considerava normais”, conta. Hoje em dia, Jo-B De Souza sente-se nas nuvens, “high” como diz em inglês, e congratula-se porque nada o chateia como antes. “Saí dessa montanha russa emocional, estou focado e não fico tão facilmente agitado ou irritado com as coisas”, revela. O residente de Macau sempre entendeu que as suas emoções representavam dois extremos pendulares que eram, em simultâneo, a maior fraqueza e a maior força. Até à remoção de parte do sistema reprodutor feminino, a sensibilidade, a empatia e mesmo a atribuição de significado a coisas triviais para os outros foram motivos para altos e baixos de ânimo. Neste momento, vive uma espécie de segunda puberdade enquanto as hormonas masculinas tomam conta do seu corpo. No seu rosto começa a despontar uma mais que bem-vinda barba e a voz torna-se mais funda. Aliás, este é um dos detalhes que o faz recuar em sentimentalismo. Jo-B De Souza sempre gostou de cantar, nesse aspecto a perda da sua antiga voz é algo que o emociona, principalmente quando ouve antigas gravações que fez. Porém, já se aventura com a voz masculina, enquanto a intensidade de interpretação se mantem. “Acho que vou apreciar estas mudanças, que são de médio longo-prazo, não chegam de repente. Agora vou fazer a viagem de um rapaz dos 12 anos aos 18 anos. Existe essa margem, um homem não se faz assim de repente e eu quero saborear esse longo período”. Última fronteira Depois de duas anestesias gerais em menos de um ano, Jo-B De Souza não pode voltar tão cedo ao bloco operatório. Porém, no horizonte falta um passo, a faloplastia, ou seja, a construção do órgão sexual masculino. Esta cirurgia, a derradeira, pressupõe algum planeamento pois requer uma recuperação mais lenta e complicada, mesmo para um Super-homem. A faloplastia implicará muitas horas de fisioterapia e de recuperação muscular. Outra questão na mente de Jo-B De Souza é de natureza monetária. Além do preço da cirurgia, o residente de Macau quer amealhar dinheiro para estar confortável por um período de tempo, que se prevê largo, durante o qual não poderá trabalhar. “Preciso de saber como será a recuperação mas não estou com pressa, desde que esteja bem de saúde estou óptimo”, explica com simplicidade. Além da mudança física, Jo-B De Souza vai tentar alterar o seu género juntos da Direcção dos Serviços de Identificação. “As leis em Macau não regulam estas situações, mas acho que encontrei uma lacuna. Ao que parece, desde que um médico escreva uma carta a dizer que o corpo da pessoa é 75 a 80 por cento daquele sexo, eles têm de adequar essa realidade com o género que está no BIR”, conta. Aliás, Jo-B De Souza apronta-se para fazer a análise de sangue que servirá de argumento para a oficialização junto dos serviços públicos da pessoa que existe além da identidade no papel. Essa será a derradeira fase da metamorfose de Jo-B De Souza, o momento em que lhe será restituído algo que nunca teve, mas que sempre sentiu. Será, também, um passo que lhe trará esclarecimento, mesmo dentro de uma comunidade LGBT com a qual nunca se identificou completamente. “Não julgo as pessoas gays, nem lésbicas, mas não quero ser uma delas. Só quero ser normal, não quero casamento gay, quero um casamento normal, heterossexual”, comenta Jo-B De Souza, que simplesmente repudia que o tratem como mulher. Apesar de conhecer um residente local que fez a transição de masculino para feminino, igualmente operado na Tailândia, Jo-B não conhece ninguém que tenha feito o percurso pioneiro que se prepara para completar. Com a determinação e força que o caracterizam, Jo-B De Souza está perto de finalizar um caminho nunca antes trilhado por ninguém em Macau. Entre dois tragos num cigarro, diz com leveza: “Vou fazer todas as etapas porque se começo algo tenho de ir até ao fim”. A perspectiva clínica [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] transtorno da identidade de género ainda é considerado umapatologia pelo Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais. Facto que irá mudar na próxima revisão do documento, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. Está em curso “a despatologização dos transgéneros, a autodeterminação e as identidades de género não binárias e flutuantes, que são noções e conceitos que desafiam as ideias milenarmente instituídas na sociedade”, explica Graça Santos, psiquiatra e coordenadora da URGUS (Unidade de Reconstrução Génito-Urinária e Sexual) do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. A coordenadora da unidade que providencia em Coimbra hormonoterapia, assim como histerectomia, ovariectomia e faloplastia, considera que estes casos têm, normalmente, uma elevada dose de sofrimento implícito. “Muitas vezes isolam-se dos seus pares e não adquirem as necessárias competências de socialização, têm dificuldade em ter relações de amizade, namoro etc”, explica a psiquiatra. Os constrangimentos físicos e psicológicos pode valer a “perda de experiências como a prática desportiva, ir à praia, nadar e situações em que o corpo se desnuda”. Se à falta de apoio se juntar a discriminação e o bullying, os jovens transgéneros podem mesmo a sofrer “episódios depressivos, ansiedade elevada, ideação suicida, tentativas de suicídio e auto-mutilações”. Após uma primeira fase de avaliação em consulta em sexologia (psiquiatra ou psicólogo) é feito o diagnóstico de Disforia de Género. No caso do indivíduo o desejar (o mais comum é desejarem-no) o utente deve ser acompanhado na especialidade de endocrinologia para iniciar tratamento hormonal de feminização ou masculinização. “Estas alterações são vividas com agrado, muitas vezes com euforia, embora a terapêutica hormonal também possa induzir alguma instabilidade emocional. As modificações são muito bem-vindas e permitem que a pessoa transexual possa afirmar-se socialmente como sendo do género que pretende ser e não daquele que lhe foi atribuído à nascença. Esta conformidade entre corpo e identidade traz sentimentos de bem-estar e uma perspectiva positiva do futuro. Agora podem ser o que sempre sentiram que eram”, explica a coordenadora do URGUS. Quem embarca neste processo no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, tem uma equipa multidisciplinar ao seu serviço, que inclui clínicos de psicologia, psiquiatria, endocrinologia, urologia, ginecologia, cirurgia plástica, terapeuta da voz e assistente social.
Hoje Macau EventosConcerto | Música de câmara amanhã no Teatro Dom Pedro V [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Orquestra de Macau apresenta amanhã uma noite de música de câmara de sopros para madeiras e metais no Teatro Dom Pedro V, às 20h. O concerto, intitulado “Escutem os Sopros”, terá uma larga amplitude de estilos no repertório, indo do jazz à música clássica. Saindo um pouco do habitual contexto de quarteto de cordas em música de câmara, a noite tem com um dos pontos altos a interpretação de “Quinteto de Clarinete de Brahms”, uma das últimas obras escritas pelo compositor alemão. A noite no Dom Pedro V será ainda marcada por duas obras de Francis Poulenc, compositor francês do século XX, mais precisamente “Sonata para Trompa, Trompete e Trombone”, bem como o “Sexteto para Piano e Sopros”. Nestas duas composições estão o estilo neoclássico, refinado e moderado, com ricos elementos do jazz. Poulenc era um grande admirador de instrumentos de sopro pois considerava que a tonalidade e poder de expressão despertavam a sua imaginação musical. O concerto será antecipado por uma sessão de intercâmbio com músicos, na qual o Chefe de Naipe de Oboés, Kai Sai, e a Chefe de Naipe de Flautas da OM, Weng Sibei, irão partilhar pessoalmente com o público a estrutura e as características das peças musicais que a Orquestra de Macau vai apresentar. Esta sessão está marcada para as 19h15 na Galeria dos Espelhos do Teatro Dom Pedro V e tem entrada livre. Porém, quem quiser ver o concerto terá de desembolsar pelos bilhetes entre 120 e 100 patacas.
Hoje Macau EventosMusical | CCM apresenta teatro musical de marionetas para crianças [dropcap style≠’circle’]“A[/dropcap]divinha Quanto Gosto de Ti” é uma aventura musical, baseada no universo ilustrado criado por Sam McBratney e Anita Jeram, e será apresentado no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Macau (CCM) de 30 de Março a 1 de Abril. O espectáculo é um musical de marionetas concebido para toda a família, com particular atenção para as crianças. A peça centra-se em torno de uma competição entre dois coelhinhos, pai e filho, que tentam medir o amor que sentem um pelo outro. Os desenhos ganham vida através da mestria da companhia Teatro Terra, um grupo holandês fundado em 1977, que cria musicais e espectáculos de marionetas para toda a família. A trupe tornou-se um marco incontornável da produção teatral para crianças e famílias na Holanda. Desta vez, a companhia Teatro Terra vem animar a Páscoa com uma série de marionetas em tamanho grande, manipuladas ao som de clássicos do cinema. A companhia convida ainda pais e crianças a participar em jogos onde os membros do Teatro Terra revelam como a companhia dá vida a tantas personagens fantásticas. Os bilhetes para a peça vão estar à venda a partir de 28 de Janeiro.
Sofia Margarida Mota EventosRota das Letras | Coreia do Norte em destaque no festival literário [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]yeonseo Lee, Suki Kim, James Church e Michael Breen vão marcar presença na edição deste ano do festival Rota das Letras. Todos têm um aspecto em comum: escrever acerca da Coreia do Norte. O objectivo é transformar Macau num palco de discussão daquele país que preenche a actualidade, afirma Hélder Beja. A Coreia do Norte vai estar em destaque na edição deste ano do festival literário local, Rota das Letras. A presença deste país no evento não é novidade mas o objectivo é mesmo transformar Macau num palco de conversa sobre o que se passa naquele país tendo em conta a situação internacional. “Não é a primeira vez que a Coreia do Norte passa no Festival. Já trouxemos há dois anos o Adam Johnson, vencedor do prémio Pulitzer com uma obra que segue a vida de Pak Jun Do”, começa por dizer o director do festival, Hélder Beja, ao HM. A escolha não recai apenas em escritores naturais da Coreia até porque do grupo que vai estar presente em Macau, apenas uma autora nasceu no país, mas sim num grupo que tenha a presença daquele país nas suas carreiras e vidas. A razão aponta Hélder Beja tem que ver com o facto de ser “um dos temas mais relevantes da actualidade do mundo em que vivemos e também porque de alguma forma espelha um pouco a forma como as nações se relacionam e como as grandes potências se organizam”, aponta. Fugir para contar Hyeonseo Lee é uma dissidente e activista dos direitos humanos norte-coreana que, mais tarde, guiou a sua família até à liberdade através da China e do Laos. É licenciada em inglês e chinês pela Universidade Hankuk de Estudos Estrangeiros e passa grande parte do seu tempo a fazer campanha pelos refugiados e pelos direitos humanos dos norte-coreanos. A coreana tem escrito para o Wall Street Journal, o The New York Times, o blogue LSE Big Ideas e para o Ministério da Unificação da Coreia do Sul. Autora de “A Mulher com Sete Nomes: História de uma Refugiada da Coreia do Norte”, publicado em português e com direitos de publicação vendidos para, pelo menos, mais 22 línguas. Suki Kim é uma autora conhecida por trabalhar infiltrada e após lançar o romance “The Interpreter”, a escritora nascida em Seul e radicada em Nova Iorque iniciou uma nova missão: mudou-se para a Coreia do Norte para ensinar inglês às crianças das elites. A experiência foi transformada em livro, o “Without You, There Is No Us”. Coreia à lupa James Church, autor da série “Inspector O”, foi agente dos serviços secretos ocidentais e há várias décadas que está estreitamente ligado à península coreana. Começou a escrever o primeiro dos seis livros da série como um desafio para si próprio, refere a organização do Rota das Letras em comunicado, “uma vez que nunca se havia escrito uma história de detectives passada na Coreia do Norte”. Já Michael Breen vive na Coreia do Sul há 30 anos. Foi correspondente em Seul para o The Guardian e o Washington Times durante vários anos. Dirige agora a sua própria empresa de relações públicas em Seul e colabora com vários jornais internacionais como o The Wall Street Journal e a revista The Atlantic. É o autor dos livros “The Koreans: Who They Are, What They Want, Where Their Future Lies” e “Kim Jong-il: North Korea’s Dear Leader”. O seu último trabalho, “The New Koreans: The Story of a Nation”, foi publicado na Primavera de 2017. Mais da China e de Portugal Do lado dos autores lusófonos e chineses, além dos já anunciados Julián Fuks, Ana Margarida de Carvalho, Han Dong e A Yi, a Rota das Letras traz a Macau os autores de obras infanto-juvenis Maria Inês Almeida (Portugal) e Bao Dongni (China Continental), o historiador e escritor Rui Tavares (Portugal), a Ungulani Ba Ka Khosa, romancista de Moçambique e o conhecido escritor de thrillers Chan Hou Kei de Hong Kong. Os nomes que vão representar a literatura local ainda estão em segredo mas Hélder Beja garante que a representação local na edição deste ano será muito semelhante àquela que tem acontecido em anos anteriores. “Normalmente temos sempre um grupo entre cinco e sete escritores locais e é isso que vai voltar a acontecer sendo que os nomes serão anunciado no inicio do próximo mês altura em que será também conhecida a totalidade do programa do festival literário Rota das Letras”, remata.
Hoje Macau China / ÁsiaCaso livreiros : Pequim pede à UE e Suécia respeito pela sua justiça [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] União Europeia (UE) exortou ontem Pequim para que “liberte “imediatamente” o dono de uma livraria de Hong Kong Gui Minhai, que vende obras críticas do regime chinês, novamente detido na semana passada na China. “Esperamos que as autoridades chinesas libertem imediatamente Gui Minhai, lhe permitam encontrar-se com a sua família, e receber apoio consular e ajuda médica”, insistiu o embaixador da UE Hans Dietmar Schweisgut, numa conferência de imprensa na capital chinesa. Gui Minhai, que tem dupla nacionalidade, chinesa e sueca, seguia num comboio com dois diplomatas suecos, no sábado passado, quando foi detido por polícias chineses, em Pequim, segundo avançou a filha, Angela Gui, à emissora pública Rádio Sweden. “É evidente que ele voltou a ser raptado e que se encontra detido num lugar secreto”, disse. Segundo o diplomata, a União Europeia “apoia por completo o comunicado oficial divulgado ontem [terça-feira] pela Suécia e os esforços que o Governo sueco está a desenvolver para encontrar uma solução para esta situação”, acrescentou Schweisgut, que falava numa conferência de imprensa sobre turismo. Num comunicado, a ministra dos Negócios Estrangeiros sueca, Margot Wallström, afirmou que o seu país “leva muito a sério” a detenção, “sem nenhuma razão específica” de Gui. “Quando foi preso, Gui Minhai estava acompanhado por pessoal diplomático, que prestava assistência consular a um cidadão sueco que necessitava de cuidados médicos. Isto está perfeitamente alinhado com as regras internacionais, que nos dão o direito a dar apoio consular aos nossos cidadãos”, acrescentou a governante sueca. Wallström, que chamou o embaixador chinês em Estocolmo esta terça-feira, disse também que as autoridades chinesas asseguraram à Suécia em várias ocasiões que Gui é um homem livre, desde que acabou de cumprir a sua pena de dois anos de prisão em outubro passado e que o seu país “pode ter todo o contacto que deseje com o seu cidadão”. Resposta rápida Entretanto, a resposta do governo chinês não se fez esperar. Pequim apelou ontem à Suécia e à União Europeia que respeitem o seu sistema legal. “Não vejo o motivo para esta petição, porque devem ser respeitados os direitos da China de lidar independentemente com este caso”, afirmou a porta-voz do ministério chinês dos Negócios Estrangeiros, Hua Chunying. Hua lembrou que os “estrangeiros na China devem cumprir com as leis e regulamentos do país” e afirmou que “qualquer governo estrangeiro, se quer mesmo proteger os seus cidadãos, deve informá-los da importância de respeitar a lei dos países que visitam”. Quatro funcionários na livraria de Gui foram também detidos nos meses seguintes, mas acabaram por ser libertados passado pouco tempo, enquanto Gui permaneceu preso até Outubro passado. Foi então libertado e mantido “sob vigilância” na cidade de Ningbo, segundo a filha. No sábado passado, voltou a ser detido à chegada a Pequim, onde se deslocou para participar de um encontro na embaixada da Suécia.
Hoje Macau China / ÁsiaEndividamento chinês como principal ameaça à economia mundial [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] alto nível de endividamento da China foi esta terça-feira apontado como a maior ameaça para a economia mundial. O vice-presidente do supervisor de valores mobiliários da China, Fang Xinghai, diz que a dívida do país não é um “cisne negro” impossível de prever, mas um “rinoceronte cinzento” que todos vêem, mas do qual ninguém se atreve a aproximar. A conclusão foi apresentada por Fang Xinghai, durante o Fórum Económico Mundial, a decorrer em Davos. Em mesa redonda, o economista Kenneth Rogoff revelou que os bancos centrais “não têm sequer um plano A” para enfrentar uma nova surpresa nos mercados, algo com que a directora-geral da M&G Investments concordou. Fang Xinghai admite que a dívida do seu país é muito alta e atingiu proporções difíceis de controlar. O vice-presidente do supervisor sublinhou que a dívida está hoje mais estável e descartou a ideia de que o país viva em algum tipo de bolha. O presidente da Barclays, Jes Staley, defendeu que os bancos estão numa posição completamente diferente daquela em que se encontravam em 2008, quando rebentou a crise económica e financeira nos Estados Unidos. Ainda assim, Jes Staley admite que os altos níveis de endividamento – e não apenas o que se verifica na China – são muito altos e “os mercados vão ser testados”. O Fórum Económico Mundial é uma reunião anual que se realiza na localidade Suíça de Davos, juntando os principais líderes empresariais e políticos, assim como intelectuais de diferentes áreas, para discutir questões prementes em termos mundiais. O encontro é promovido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e este ano realiza-se entre os dias 23 e 26 de Janeiro, com o tema “encontrar caminhos para reafirmar a cooperação internacional na partilha de interesses cruciais”.
António Cabrita Diários de PrósperoEsvaziar e Recomeçar 20/01/18 [dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]i na tv a viatura capotada no Paris-Dakar e lembrei-me de vos contar: como todos os estetas, em serpenteante caravana, sempre me desejei no deserto. Em miúdo. Quando o atravessei finalmente compreendi que não é incomum desejarmos muitas coisas idiotas. Quando parámos no acampamento da tribo a quem pagámos escolta (para evitar o risco de nos assaltarem) subi uma duna na direcção contrária das tendas para urinar na encosta descendente. E metia o peru para fora – como se chama no Brasil à minha agastada salsicha – quando o meu pé encalhou nuns dedos de uma mão feminina, de corpo soterrado. Foram cinco minutos de calafrios, qual seria a atitude correcta? Voltando a subir a duna, avaliei que nos circundavam quatrocentos quilómetros de areia escaldante em todas as direcções e interiorizei que estava de passagem e que destapar o caso talvez não me fosse vantajoso. A cobardia não será um posto, mas a estupidez de protestar a nu contra kalashnikovs e jambias é igualmente um dom que não convém despertar. Desde aí que me interrogo sobre o que teria mudado na minha vida se eu tivesse feito alarde ou em que medida aquele silêncio ainda me cobra. Se na altura (em 97) eu tivesse um telemóvel que fotografasse, com essa prova talvez tivesse agido assim que chegasse à cidade. Ali entre cinquenta beduínos armados, duas dúzias de camelos, seis tendas, uma caligrafia de roupagens ao vento, e vinte turistas atarantados por terem de tomar chá com “indígenas” curtidos e de dentes verdes (por causa do qat) resguardei-me. O chá soube-me como nunca. À noite, chegados ao hotel, em Marib (perto das ruínas da cidade de onde era originária a Rainha de Saba), soubemos que numa “expedição” paralela à nossa e noutra tribo, haviam degolado um alemão que se recusara a entrar na tenda para se sentar frente a frente com os anfitriões. Fui para o quarto, enchi de água a banheira, enfiei-me no caldo e refugiei-me no livrinho do poeta franco-libanês Georges Schehadé e sobretudo nesta passagem, que repetia como se fosse um mantra: «o barulho é eterno quando lhe tocamos, quando não lhe tocamos transforma-se em vento…e passa.» E agora, na esteira de Baudelaire, contento-me em passear pelo grande deserto dos homens. 23/01/18 Releio (o notável) O Museu Imaginário e Malraux a páginas tantas deixa cair: «Baudelaire não viu as obras capitais do Greco, de Miguel Ângelo, de Massacio, de Piero della Francesca, de Grunewald, de Ticiano, de Hals – nem de Goya, apesar da Galeria d’Orleans…». Não consigo evitar um estremecimento. É brutal, sendo caso para perguntar com Malraux: «Que viu ele, afinal?». E contudo ele viu magnificamente – e sobre elas escreveu – as obras de Constantino Guys, Corot, Grandville, Daumier e de Delacroix. Foi mais ambíguo com Manet e Courbet. Mas visou quase sempre justamente, os seus escritos sobre arte ainda se lêem com agrado e proveito. E não obstante, apesar de habitar num dos pólos culturais do mundo do século XIX, Baudelaire não viu o El Greco, o Miguel Ângelo, Ticiano, ou Goya. Não viu Goya, meu Deus! Não consigo deixar de me espantar. Hoje é tudo mais simples, com a net. Ou não será? Em 2006 apresentei o meu primeiro livro em Maputo, o de um escritor-médico Aldino Muianga. E, discorrendo sobre os “efeitos de realidade” e as diversas convenções para se ler e traduzir a realidade, contei uma anedota de Picasso. Era um momento calculado de distensão. Pelo silêncio que se seguiu e a falta de reacção à graça do episódio detectei que naquela sala (recheada de médicos, escritores e intelectuais moçambicanos) o grosso das pessoas desconhecia quem seria o Picasso. Despertei nesse balde de água fria, emigrara para um país onde o Picasso era um ilustre desconhecido. E exceptuando três ou quatro nomes da pop e do cinema estou certo de que no oriente se desconhece noventa por cento dos nomes da cultura que consideramos nucleares, experiência que aliás o poeta Guillevic corrobora ao contar que numa viagem ao extremo-oriente descobriu que ao contrário do que lhe haviam feito acreditar toda a sua vida a presença da cultura francesa nesses lugares era nula, menos que residual, e muitos intelectuais orientais com quem ele comunicou não estavam certos de saber apontar a França no mapa. Portanto, temos aqui duas situações, primeiro o que a Baudelaire não foi dado ou permitido ver, apesar da sua curiosidade e do seu interesse pela área, e depois o que noutras zonas do planeta, dispensado o suposto universalismo euro centrista, é considerado prioritário para a formação humana e cultural, em absoluta incoincidência com o nosso repertório de valores. Ao que se junta uma condição antropológica: só vemos aquilo que compreendemos; o que nos faz estar cegos a tantas manifestações que nos são contemporâneas. O que Baudelaire não viu não retira entretanto a propriedade e a pertinência ao quanto escreveu. A informação foi-lhe menos vital que a sua capacidade de reflexão e para escavar no que pôde ver. Ter visto Goya só confirmaria o que ele intuiu. O que me leva a concordar com o escultor Rui Chafes: existe uma arte horizontal que investe nos inputs do exterior e que se limita a fazer remix, um jogo combinatório, a partir da informação recolhida; e uma arte vertical, que procede à espeleologia dos interiores. E precisa: «Há artistas que trabalham de dentro para fora, há artistas que trabalham de fora para dentro. Os primeiros trazem um imenso mundo dentro de si na necessidade imparável e na urgência de o trazer par fora; os outros limitam-se a recolher os elementos do mundo e a reorganizá-los à sua maneira. Só podemos oferecer o que nos cabe na mão». Enfim, aos cinquenta e nove, constatando que por muito que vasculhe é inevitável que um qualquer (imenso) Goya me vai escapar só me resta escavar no muito que não sei, para bater em castelo essas trevas. Ou seja, esvaziar e recomeçar.
Hoje Macau VozesOrganização Judiciária: Entre o Quase Nada e o Quase Tudo [dropcap style≠‘circle’]1.[/dropcap] Anunciam-se mexidas à Lei de Bases de Organização Judiciária (LBOJ) e a discussão pública (ou publicada) tem-se centrado quase exclusivamente na exclusão dos juízes estrangeiros em poderem julgar casos que incidam sobre segurança nacional. De passagem foi-se também falando na questão do duplo grau de jurisdição, há muito reclamada, para que os titulares dos cargos políticos possam ser julgados no Tribunal de Segunda Instância, de modo a poderem recorrer para o Tribunal de Última Instância. E ainda se foi referindo a necessidade de se aumentar o número de juízes do TUI. 2. São óbvias e mais do que justificadas as fortes críticas a que o sistema inclua uma limitação à possibilidade de os juízes estrangeiros julgarem casos que impliquem questões de segurança nacional (seja lá o que isso for). De um ponto de vista politicamente correcto invoca-se que todos os juízes têm a mesma idoneidade, imparcialidade, etc., e que a Lei Básica não permite tal discriminação. O que é rigorosamente verdade. Mas num aparte politicamente incorrecto dir-se-á que, provavelmente, os juízes estrangeiros até terão um maior distanciamento em relação a este tipo de matérias, o que os habilitará a ter uma mais ampla liberdade e independência de decisão, por não estarem tão condicionados por paradigmas socioculturais tão específicos como são os da cultura chinesa. É também mais do que óbvia a necessidade de se assegurar um duplo grau de recurso nos julgamentos de titulares de cargos políticos. Como seria saudável que fosse alargado o número de juízes na Última Instância para permitir um refrescamento das correntes jurisprudenciais e permitir que mais processos pudessem ser decididos nesse último tribunal da RAEM. 3. Fora isso, as alterações à LBOJ vão pouco além de meros ajustamentos administrativos, sem fôlego, sem ambição, sem atenderem à modernidade da evolução judiciária e, acima de tudo, sem visão estratégica. Ou seja, uma oportunidade (quase) perdida de se mexer na organização judiciária da RAEM (incluindo-se aí a Lei de Bases e os Códigos de Processo). 4. Reclamo há muito que é preciso olhar para o judiciário com outra visão e sem os condicionamentos conservadores com que os juristas muitas vezes vêm estes coisas, condicionados por uma tradição que por vezes lhes retira a ousadia reformista. Ora, um dos trabalhos a empreender, com grande impacto no sistema, seria o de integrar a jurisdição administrativa e fiscal na jurisdição comum, criando aí juízos especializados para as questões administrativa e/ou fiscais, e aprofundando-se ainda mais a especialização na primeira instância. É preciso coragem para dar este passo. E vencer muitas resistências. 5. Permitam-me um exemplo do que está a acontecer em Portugal. No recentíssimo “Acordo para o Sistema de Justiça”, assinado em Lisboa entre as cúpulas das organizações representativas dos Juízes, dos Magistrados do Ministério Público, dos Advogados, dos Solicitadores e dos Funcionários Judiciais, foi incluído, a abrir um documento entregue às autoridades políticas, num conjunto de outras 88 medidas, a seguinte proposta que mereceu o consenso de todos: “Estudo da unificação da jurisdição comum com a jurisdição administrativa e fiscal, criando uma ordem única de tribunais, um único Supremo Tribunal e um Conselho Superior da Magistratura Judicial”. Isto é uma revolução, que se invoca com alguma legitimidade devido à identidade das matrizes existentes! E na RAEM nem sequer seria preciso mexer com tantos interesses instalados, como em Portugal, uma vez que aqui que só existe uma única hierarquia de tribunais de recurso e só existe um único Conselho de Juízes. 6. Os tribunais administrativos, na sua lógica antiquada, formalista, privilegiadora da “verdade” formal, muitas vezes em detrimento da verdade material, têm de ser profundamente restruturados. E, falando claro, a única forma de o fazer é retira-los do gueto em que se encontram e integrá-los numa jurisdição comum, e sujeitos a uma disciplina processual comum às restantes especialidades judiciárias. 7. Associado a esta ideia é imperativo rever, com amplitude, as normas de processo, simplificando-as, criando procedimentos mais ajustados e flexíveis, de modo a que possam ser aplicados por igual às diversas especializações (entre elas a administrativa e fiscal). E uma forma de os simplificar começaria por se lhes retirar, a todos eles e a alguma legislação avulsa, todas normas de competência, onde nunca deveriam ter entrado. E o momento até seria oportuno, porque o Governo está também a rever, em separado, o Código de Processo Civil. 8. Esta “revolução” levaria a que passasse a haver um Código do Sistema Judiciário (em substituição da Lei de Bases de Organização Judiciária) e um Código de Processo Judiciário, que serviria para regular o funcionamento de todos os tribunais comuns (com excepção dos tribunais criminais, uma vez que os procedimentos a observar aí, têm, na verdade, um DNA muito específico). 9. Para não alongar este enunciado de questões gerais, há um outro tópico para ponderação que considero ser importante. É preciso um tempo razoável para que um juiz seja nomeado definitivamente para o lugar. Não basta a conclusão com aproveitamento de um curso ou estágio de formação. É necessário existir um “período experimental” de alguns anos (cinco, por hipótese) para que se perceba, após inspecções regulares, se uma determinada pessoa tem a formação técnica e os traços pessoais e de personalidade adequados para o desempenho dessa tão importante função pública e que tanto impacto tem na regulação dos conflitos sociais. É importante que essa função seja exercida com sabedoria técnica, com parcimónia e algum recato, com respeito institucional por todos aqueles que têm de acorrer a um tribunal, com autoridade, mas sem autoritarismo. O facto é que nem sempre a sabedoria jurídica chega para fazer um bom juiz! Este princípio é valido para Macau, como é válido para Portugal onde, infelizmente, não tive a capacidade de colocar o assunto na ordem do dia, na altura em que aí coordenei o grupo de trabalho que procedeu à reforma do sistema judiciário de 2013. 10. A terminar, não uma nota de rodapé, mas um desabafo em jeito de pergunta: o que continua a impedir que os advogados possam corresponder-se com os tribunais através de meios electrónicos, e vice-versa, usando certificação digital, e tenham de continuar a usar o fax e a carregar papel e mais papel para zelosos funcionários arquivarem em pastas que depois são guardadas em móveis atafulhados? No século XXI, e numa terra onde há dinheiro e condições técnicas para o fazer com facilidade, é absolutamente inacreditável que se continue a viver nesta pré-história judiciária! Texto por João Miguel Barros, Advogado
Sérgio Fonseca DesportoÁlvaro Mourato prossegue carreira no exterior [dropcap style≠’circle’]Á[/dropcap]lvaro Mourato tem sido na última década e meia um dos principais intervenientes das corridas de carros de Turismo de Macau. No entanto, o piloto macaense abandonou o ano passado o campeonato local – MTCS – e não tem planos em regressar este ano. A actual regulamentação técnica do MTCS afastou Mourato, como afastou outros pilotos locais. O piloto da RAEM vai continuar a apostar em corridas de carros de Turismo soltas e fora de portas, mantendo a forma, para, quiçá, regressar um dia à competição bandeira da Associação Geral Automóvel de Macau-China (AAMC). “Para este ano tenho um plano com uma equipa japonesa para correr nas 10 Horas de Buriram, na Tailândia”, explicou o piloto ao HM, recordando que “ano passado fiz a corrida de resistência no circuito citadino de Bangsaen da Toyota Vios Cup e terminei no quinto lugar.” Mourato não perdeu a vontade de competir entre nós, mas reconhece que a subida em flecha dos custos de participação não ajudam a um eventual regresso ao campeonato que em 2018 terá novamente duas jornadas duplas no Circuito Internacional de Zhuhai. “É difícil de continuar no MTCS, o custo está cada vez mais elevado. Fica caro tanto competir no MTCS, como no Grande Prémio de Macau. Seja na Taça CTM, como na Taça da Corrida Chinesa”, deixa claro o vencedor da corrida Troféu Hotel Fortuna/Interport Hong Kong-Macau da edição de 2010 do Grande Prémio de Macau. Custos que assustam A opinião não é única, nem sequer é novidade para quem segue de perto o desporto automóvel local. O actual regulamento das provas de apuramento dos pilotos de carros de Turismo do território para o Grande Prémio de Macau, único no mundo, é demasiado pesado para as carteiras da maioria dos participantes, até porque os patrocinadores não abundam nesta cidade. Apesar de nenhum piloto gostar de falar abertamente dos custos envolvidos nas provas locais, até porque estes variam muito de piloto para piloto, a verdade é que um carro competitivo na classe 1600cc Turbo pode ser superior a um milhão de Patacas e há quem diga que na classe acima de 1950cc há viaturas a custar o dobro. “Não vale a pena a AAMC andar a inventar regulamentos, como este que estamos a usar – 1600cc Turbo e Superior 1950cc – pois não existem em mais lado nenhum do mundo e são muito perigosos para os pilotos e sócios, no sentido que acabam por ficar pendurados”, salienta, referindo que “sem existir um controlo das ECU dos carros, ou uma única marca de ECU, e não houver controlo do limite das RPM, muitos mecânicos de Macau, mas também de Hong Kong, vão puxar os carros até ao limite, ou para lá dos limites. No fim, é uma corrida para queimar dinheiro.” Como solução para este problema, Mourato sugere que “a AAMC deveria contratar alguém para trabalhar nesta área. Eu próprio não me importaria de pagar um pouco mais de inscrição para que existisse um engenheiro ou um técnico capaz de controlar esta área”. Futuro deveria ser TCR Em 2020 a AAMC prepara-se para introduzir um novo regulamento técnico nas corridas locais, o que quer dizer que teremos um parque automóvel totalmente novo dentro de dois anos. Isto também significa que os pilotos vão ter novamente que abrir os cordões à bolsa. Para Mourato, o mais importante é que a “AAMC tem que encontrar uma solução para que não fiquemos outra vez pendurados”, aconselhando que o futuro do MTCS, a exemplo de vários outros campeonatos nacionais de carros de Turismo, incluindo o português, adopte os regulamentos da categoria TCR. “Na minha opinião deveríamos optar pelos carros TCR, mas tudo dependerá dos preços”, salientando que a melhor solução poderá passar “por antigos carros de TCR, pois em 2020 esses já serão baratos. É como agora, se quiseres comprar um carro do WTCC de 2010, vais conseguir preços bons. Optando por carros TCR das primeiras gerações, podemos vir a ter um campeonato de alto nível e custo baixo”, conclui o piloto da terra. Para além de ser um conceito com provas dadas por todo o mundo e cortar pela raiz os custos derivados do desenvolvimento local dos carros, a categoria TCR tem a vantagem abrir aos pilotos locais e investidores a um vasto mercado em segunda mão e à possibilidade de usar as viaturas noutras competições. Quer isto dizer que, o investimento feito num carro não ficará apenas confinado a três provas por ano, podendo este ser usado em diversos outros campeonatos e corridas do sudeste asiático. Ao mesmo tempo, esta opção permitirá aos pilotos que queiram ou necessitem de vender as suas viaturas para recuperar parte do investimento inicial entrarem num mercado verdadeiramente global.
Leocardo PolíticaBolas, Macau! [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]rrancou no último fim-de-semana a edição 2018 do campeonato de futebol de onze de Macau, que tem sempre o seu quê de pitoresco, de diferente. A competição é disputada entre 10 equipas e a duas voltas, sendo que todos os jogos são realizados no mesmo estádio, na ilha Taipa, não existindo portanto um “factor casa”. O jogo grande da ronda inaugural colocou frente a frente o campeão em título, o Benfica (que tal como o seu congénere lisboense procura este ano o pentacampeonato, e o Ka I, outro habitual candidato, com a vitória a sorrir aos encarnados por duas bolas a uma. Noutra partida com motivos de interesse, a formação do corpo da Polícia de Segurança Pública venceu a equipa dos Serviços de Alfândega por quatro golos sem resposta – um “derby” local, portanto. O resultado mais desnivelado deu-se o Chao Pak Kei e o Lai Chi, com os primeiros a golearem por um números que já não se usam (a não ser em Macau): 12-0. Isso mesmo, doze-zero, o que diz bem da diferença entre os dois conjuntos no que toca ao investimento feito para disputar o campeonato de Macau. E aqui no território tudo tem a ver com o investimento, em detrimento da formação. Acompanho o campeonato local de forma paralela ao futebol “a sério”. A minha chegada a Macau coincidiu com a (curta) era do Negro Rubro, equipa que se sagrou campeã do território na época 1993/94, e que se reforçou com vários jogadores que alinhavam em divisões secundárias do futebol português. Esta é uma prática que hoje ainda subsiste, mas agora de uma forma mais profissional. Depois de uma “travessia do deserto” que foi o período de transição, nos últimos anos o “boom” da indústria do jogo, viu-se um exponencial crescimento no interesse pela liga de Macau. Todos os anos vão chegando atletas do país do futebol, o Brasil, e não só; a RAEM atrai outros estrangeiros (portugueses incluídos) que se empregam nos sectores liberais, que em alguns casos jogaram futebol federado nos seus países quando eram jovens, e que mesmo em regime de “part-time” vão dando um pezinho na liga. Isto contribui para que se eleve a qualidade do campeonato de Macau, “vero ma non troppo”. O que separa Macau, um território com mais de meio milhão de habitantes, com a Islândia, que tem 332 mil e qualificou-se recentemente para o último mundial de futebol, é mais do que a localização geográfica. É a falta de um plano, de uma ideia, de uma orientação para o desporto local. O futebol ainda é tido como uma coisa pouco séria aqui em Macau, e a falta de escalões de formação – muito por culpa da associação de futebol local – leva a que os jovens talentos optem por investir na sua educação, em vez do futebol. Sim, há exemplos de relativo sucesso no desporto-rei vindos de Macau, mas contam-se pelos dedos de uma mão. Neste aspecto estamos muito degraus abaixo do que seria desejável. O futebol é, afinal, um negócio como qualquer outro. Mas pronto, longe de mim querer menorizar o campeonato de Macau, que sofre de uma enorme falta de interesse da população. Bem hajam os carolas que ainda vão compondo, mesmo que de forma residual, as bancadas do estádio da MUST, onde não me incluo, por questões de tempo e de logística. E fica aqui o desejo para que seja tão difícil ao Benfica local chegar ao penta, como tem sido para a equipa-mãe em Portugal.
Hoje Macau SociedadeMacau com 3.800 estacionamentos para carros da RAEHK [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Ilha Artificial de Macau da ponte que faz a ligação até Hong Kong vai ter 3.800 lugares de estacionamento para viaturas privadas da região vizinha. A informação foi avançada, ontem, por Frank Chan Fan, secretário para os Transportes e Habitação de Hong Kong, em reposta à pergunta de Hon Wilson Or, deputado da RAEHK. “Em relação a Macau vai haver um parque de estacionamento à entrada da fronteira, que vai ter 3.800 lugares de capacidade máxima para os carros privados de Hong Kong. Os carros de Hong Kong não precisam de quotas para estacionarem, mas a reserva do estacionamento tem de ser feita com antecedência”, pode ler-se na resposta de Frank Chan Fan. “Após estacionarem e completarem os procedimentos normais para entrarem em Macau, os visitantes podem apanhar outros tipos de transportes para se deslocarem para outras áreas de Macau. Os governos de Hong Kong e Macau estão a finalizar os detalhes sobre os lugares de estacionamento para os veículos que chegam a Macau e vão fazer um anúncio tão brevemente quanto possível”, é acrescentado. O secretário de Hong Kong não fez qualquer comentário sobre o número de lugares de estacionamento que vão estar disponíveis no território vizinho para viaturas de Macau. Contudo, admitiu que as negociações sobre esse aspecto estão a entrar na última fase e que os resultados vão ser conhecidos, quando houver uma decisão final.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeCPU | Zona A dos novos aterros terá dois traçados do metro ligeiro O planeamento da zona A dos novos aterros começou ontem a ser discutido no Conselho do Planeamento Urbanístico. Esperam-se 96 mil moradores e dois traçados do metro ligeiro, um deles subterrâneo, e prédios com um limite máximo de cerca de 100 metros de altura [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s membros do Conselho do Planeamento Urbanístico (CPU) começaram ontem a discutir o futuro planeamento da zona A dos novos aterros, onde os edifícios de habitação pública deverão ocupar 31,7 por cento da área total. Segundo a apresentação dos membros do Governo, espera-se que os edifícios venham a ter entre 103 a 107 metros de altura. Foi também referido que a zona terá dois traçados do metro ligeiro, um deles subterrâneo. “O Gabinete de Infra-estruturas de Transportes (GIT) referiu-nos que está a ser feito o seu planeamento”, adiantou um membro da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT). “O plano geral prevê que no eixo norte-sul o traçado deverá ser subterrâneo”, explicou o mesmo responsável. Um dos membros do CPU mostrou-se preocupados com o eventual impacto deste sistema de transporte junto dos moradores. “Vai passar perto das habitações e temos de pensar no seu trajecto. Como não temos tantas restrições podemos fazer um melhor planeamento”, defendeu. GCS Neste momento, o CPU está a discutir o planeamento dos primeiros oito lotes de terreno da zona A, mas já foram emitidas plantas para 11 lotes. “A curto prazo vamos divulgar mais informações”, afirmaram. Alerta congestionamento Apesar de estar prevista a passagem do metro ligeiro na zona A, os membros do CPU lembraram o atraso do projecto e questionaram o Governo sobre os estudos já feitos sobre o trânsito. Os seus representantes afastaram a possibilidade de ocorrência de congestionamentos frequentes. “Já fizemos uma avaliação e publicamos o relatório. Tivemos em conta o número de 96 mil moradores e achamos que o resultado é positivo, tendo em conta as vias principais e entradas dos auto-silos. Claro que a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego também vai fazer um ajustamento.” O deputado Mak Soi Kun, também membro do CPU, acusou o Governo de fazer estimativas irrealistas. “Parece-me que os cálculos que fizeram não correspondem à realidade, tendo em conta que na zona das Portas do Cerco há muito trânsito e engarrafamento. Vai ser feita a articulação desta zona A com as Portas do Cerco, para evitar engarrafamentos?”, questionou. Mais zonas verdes Na zona A dos novos aterros o Governo quer construir uma aldeia escolar, que vai ocupar 15,6 por cento da área total, e vários espaços verdes, incluindo uma ciclovia à semelhança da que já existe à entrada da Taipa. O responsável da DSSOPT adiantou que vão ser criados muitos sistemas pedonais na zona A “para facilitar a circulação dos residentes”. “Podemos ter vários tipos de arborização e reservamos 1/5 da área para jardins e corredores na marginal. Teremos jardins em quase todas as zonas marginais e faremos ligações com jardins para ligar uma ponta à outra. A percentagem de arborização é maior do que na cidade antiga. O que está na Planta de Condições Urbanísticas (PCU) são as exigências mínimas, mas não se exclui a possibilidade das zonas verdes serem maiores”, frisou. O arquitecto Rui Leão, membro do CPU, falou da necessidade de estabelecer uma maior ligação com os espaços verdes e a zona envolvente. “Esta parece-me uma solução interessante como forma de distribuir a densidade populacional, se não cria-se uma cidade muito precária e pouco qualificada, como temos no NAPE e ZAPE. Este será um espaço verde qualificado se não tiver a linha do metro ligeiro aérea, caso contrário será subserviente ao metro. Este espaço central parece importante, mas não vejo informação sobre isso.” A PCU ontem apresentada mostra que a zona A dos novos aterros terá ligações com a zona da areia preta, reservatório e ilha fronteiriça artificial da ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau. Rui Leão defendeu a aposta em espaços pedonais. “Há quatro ligações com a península, uma através de um túnel e três através de pontes. Fazia sentido ter ligações pedonais com o resto da cidade, se não é pouco sustentável obrigar as pessoas a andar de carro nestas zonas. Como isto não está reflectido e vai ser uma realidade mais cedo ou mais tarde, mais vale prever já isso no planeamento.” O arquitecto fez ainda queixas ao planeamento ontem apresentado. “Estamos a analisar estas PCU mas infelizmente não temos acesso à memória descritiva do plano, que é um documento que reflecte as suas prioridades. Assim parece que o plano se refere apenas ao loteamento, mas isso não é verdade.” O deputado Wu Chou Kit, também engenheiro e membro do CPU, abordou a necessidade de se construírem infra-estruturas subterrâneas, como colectores. “Como vamos proceder com os canais e colectores unitários na zona subterrânea? Nas zonas antigas não conseguimos fazer isso, porque já tinha o planeamento feito. Na zona A temos de ter em consideração uma parte subterrânea, porque não é depois do planeamento que vamos pensar nas escavações e canalizações.” O membro do Governo adiantou que “na zona A vamos ter, a título experimental, esses colectores”. “Já estamos a planear isso para as zonas principais”, concluiu. Aprovado novo projecto para o canil municipal O CPU aprovou ontem o novo projecto de renovação do actual canil municipal do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), que servirá para albergar “um serviço de laboratório e de quarentena para os animais domésticos, porque temos cada vez mais procura da parte dos veterinários”, frisou o responsável do IACM. O novo edifício mantém a actual construção deverá ter uma altura máxima de 3,5 metros.
Hoje Macau China / ÁsiaDavos : China promete acabar com miséria no país em três anos [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo chinês comprometeu-se ontem, em Davos, na Suíça, a acabar com a miséria na China no prazo de três anos, apostando no fim do proteccionismo e defendendo o livre comércio. O compromisso de Pequim foi anunciado por Liu He, principal assessor económico do Governo de Pequim chinês e membro do Comité Central do Partido Comunista Chinês (PCC), ao discursar no Fórum Económico Mundial, que decorre naquela cidade suíça. Na intervenção, Liu He explicou que o principal objectivo do executivo chinês é criar uma sociedade mais próspera e com menos desigualdades, afastar o proteccionismo e apostar no livre comércio. O responsável chinês salientou que, nos últimos cinco anos, o número de residentes em áreas rurais onde grassa a pobreza desceu de 100 para 30 milhões. Segundo Liu He, Pequim vai assumir, “de frente”, vários dos problemas com que a China tem vindo a ser confrontada, como o mercado paralelo ou a elevada taxa de endividamento, que espera estabilizar também num prazo de três anos. Nesse mesmo período, acrescentou, serão tomadas medidas para controlar a poluição atmosférica e reduzir as emissões de gases, para que “o céu da China volte a ser azul”. A comunidade internacional, disse Liu He, está a seguir com atenção todas as medidas tomadas por Pequim, “que tem controlado os riscos sistémicos do endividamento”, e pretende melhorar os fluxos de actividade económica num país com elevadas taxas de juro. Para enfrentar estes desafios, sublinhou, a China conta com uma economia que conjuga os modelos tradicionais de produção com as últimas novidades tecnológicas, “o que é uma vantagem”. “A China vai conseguir um crescimento [económico] de qualidade e ser muito atrativa para os investidores”, com iniciativas como a “nova rota da seda”, conhecida localmente como “One Belt, One Road” (“Um Cinto, Um Caminho”), que tem subjacente a ideia de formar um corredor comercial que estreitará as relações com todo o espaço euro-asiático. Davos lança Centro Global para a Cibersegurança [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Fórum Económico Mundial anunciou ontem a criação de um Centro Global para o Ciberespaço que pretende fomentar a colaboração público-privada na luta contra as ameaças cibernéticas. Alois Zwinggi, director geral do fórum, disse em conferência de imprensa, em Davos, que a “cibersegurança transformou-se num dos assuntos mais importantes em todo o mundo”, acrescentando que o custo dos crimes informáticos atinge 500 mil milhões de dólares todos os anos. A cibersegurança “afecta todos os aspectos da sociedade, incluindo o crescimento económico”, afirmou sublinhando que o fórum – como organização internacional – considera ser necessária uma melhor cooperação entre os sectores público e privado sobre o assunto. O Fórum Económico Mundial, com sede em Genebra, disse o responsável, “compromete-se a criar um ciberespaço mais robusto e resistente”, através de soluções “comuns”. Em concreto, o Fórum de Davos quer criar um “depósito” para a informação cibernética porque “é crucial que os sectores público e privado venham a compartilhar dados a nível global”. O centro vai ficar localizado em Genebra e pode começar a funcionar a partir de Março, disse Zwinggi. Apesar da ligação ao Fórum Económico e Mundial, a nova entidade vai ficar dotada de organização e infra-estruturas próprias. O novo organismo vai ser constituído pelas empresas globais que se encontram mais afectadas pelas ameaças cibernéticas e governos do G20, assim como por “países relevantes”, além de organizações internacionais. O director da Europol, Rob Wainwright, qualificou a criação do centro como um “passo importante” na luta contra as ameaças cibernéticas, “cada vez mais complexas” e recordou que cerca de quatro mil ciberataques com o “vírus randsomware” recorrem ao uso ilícito de moedas virtuais. Wainwright mencionou especificamente o caso ocorrido no passado mês de Maio quando o “vírus WannaCry afectou serviços públicos e privados em todo o mundo” e que bloqueava os computadores exigindo resgates. “Assistimos ao roubo de dados que afectam milhões de utilizadores” e há uma tendência para ataques contra serviços fundamentais, estando o sector bancário “na primeira linha de fogo dos criminosos”.
João Santos Filipe Manchete SociedadeHospital | Utente esteve mais de 30 horas à espera de operação Paciente teve de interromper medicação para o coração e ficar em jejum, apesar de sofrer de hiperglicemia, para poder ser operado a uma perna partida, mas mesmo assim teve de aguardar mais de 30 horas para ser levado para o bloco operatório [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]pesar de ter parado de tomar medicação necessária para o coração por ter de ser operado a uma perna partida, sofrer de hiperglicemia e estar sem comer, Fernando Nunes esteve mais de 30 horas à espera para ser operado no Hospital Conde São Januário. A situação foi denunciada pelo residente de 50 anos, ao HM, ontem à tarde, numa altura em que ainda não sabia quando ia ser operado. Na quinta-feira passada, Fernando Nunes dirigia-se para o trabalho de bicicleta, quando na Avenida Comercial de Macau a porta de um carro mal estacionado o atingiu. Como consequência o residente acabou com uma perna partida e foi transportado para o Hospital Conde São Januário. “Quando cheguei ao hospital o médico disse-me que era preciso ser operado imediatamente. Mas como tive há 10 anos um problema no coração preciso de tomar comprimidos, o que impediu que a operação fosse feita imediatamente”, contou Fernando Nunes. Além da medicação para o coração, que deixou de ser tomada, o paciente teve de aguardar de cinco dias, por indicação dos médicos, para que passasse o efeito dos comprimidos. Só depois poderia ser operado. Por outro lado, nas horas antes da cirurgia, que ficou agendada para terça-feira, teve de deixar de comer, apesar de sofrer de hiperglicemia. Por essa altura, começou a receber soro. “Quando chegou ao quinto dia de espera, a médica disse-me: amanhã [terça-feira] vamos operá-lo. Não disse que era uma possibilidade e que poderia dar-se o caso de não ser feita. Foi informado como se aquilo fosse mesmo acontecer”, recordou. “Depois ontem [terça], vieram limpar-me a preparar-me para a operação. Só que às 18h00 disseram-me que não me iam operar, porque tinham surgido outros casos mais urgentes. Eu respondi que ia esperar. Até que às 23h00, finalmente, uma enfermeira disse-me que já não ia ser operado. Nessa altura fiquei algo desorientado”, admitiu. Ao HM, Fernando Nunes fez questão de sublinhar que compreende que haja casos mais urgentes do que o seu. Porém, destaca que a sua condição também exige cuidados: “Eu estou a soro por isso não estou com fome. Mas tenho hiperglicemia e não convém estar muito tempo sem comer. É uma agravante, e há outra que são os problemas do coração. Eu preciso dos medicamentos e já estou há mais de seis dias sem tomá-los. São problemas que deveriam ser tidos em conta”, apontou. Falta de recursos Internado há mais de seis dias nas urgências, Fernando Nunes explica a demora com a falta de recursos, até porque considera que tem sido bem tratado pelos funcionários do hospital público. “Eu sinto que não é um problema de má vontade humana. Eu tenho sido bem tratado. É devido à falta de recursos, acredito que não haja médicos disponíveis ou blocos operatórios”, justificou, o paciente que chegou a trabalhar no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, no serviço de ortopedia. “Ou marcam a data da cirurgia ou libertem-me para ir para outro hospital. Nem me operam, nem me deixam sair. Isto mostra que há falta de recursos, mas como não querem assumir isso, não me mandam para outro hospital”, acrescentou. O HM contactou os Serviços de Saúde de Macau em relação a este caso, mas até ontem à noite não tinha recebido uma posição oficial do Governo.
Hoje Macau SociedadeHabitação pública | CEM desiste oficialmente de sete parcelas de terreno [dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi ontem publicado em Boletim Oficial (BO) um despacho que oficializa a entrega de sete parcelas de terreno por parte da Companhia de Electricidade de Macau (CEM) ao Governo, situados na avenida Venceslau de Morais e Estrada D.Maria II. Os terrenos em causa vão servir para a construção de habitação pública, sendo que a actual central eléctrica será demolida. Os terrenos que passam para a alçada do Governo têm uma área global de 14 637 metros quadrados, tendo sido concedidos à empresa de electricidade em Maio de 1988. O despacho do BO dá conta que a entrega dos terrenos se faz “com vista a viabilizar a construção de habitação pública, equipamento social e centro de serviços da Região Administrativa Especial de Macau no terreno formado pelas referidas parcelas”, o que levou a CEM a desistir da concessão, depois de um acordo com o Executivo. Os terrenos em causa têm um valor superior a 91 milhões de patacas. A Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) ainda não anunciaram quaisquer detalhes sobre o futuro complexo de habitação pública na zona da areia preta, o que já levou o deputado Ho Ion Sang a questionar uma possível demora no processo de construção e planeamento.
Andreia Sofia Silva PolíticaTribunais | Lei de Terras fez disparar número de processos [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] mais recente relatório relativo ao ano judiciário de 2015/2016 revela que os casos de anulação da concessão de terrenos entre Governo e empresas concessionárias trouxe um “novo recorde dos processos admitidos”. “Além dos recursos em processo civil e penal, registou-se ainda um ligeiro aumento no número de recursos contenciosos em matéria administrativa de o Tribunal de Segunda Instância (TSI) conhece em primeira instância. Quanto aos motivos deste fenómeno, o mais crucial foi o acréscimo dos processos relativos à declaração da caducidade da concessão de terrenos após a entrada em vigor da nova Lei de Terras”, lê-se no documento. Além disso, o aumento do número de processos verificou-se devido à subida do “número dos processos de suspensão de eficácia de actos administrativos individualmente instaurados, o que causou um acréscimo acentuado no número de outros processos em matéria administrativa, fiscal e aduaneira neste ano judiciário, com um novo recorde dos processos admitidos”. O TSI adianta também que houve uma queda no número de processos em matéria civil devido ao menor número de recursos interpostos em tribunal pelos trabalhadores do sector privado de segurança em edifícios. “Neste ano judiciário, devido a uma descida do número de recursos relativos à compensação salarial interpostos pelos ex-trabalhadores da Sociedade Guardforce (Macau) Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, o número de processos baixou de forma significativa.” O relatório aponta também que “o número de processos crime tenderá a manter-se elevado nos próximos anos”, graças também ao maior número de acusações criminais oriundas do Ministério Público, causadas pelo aumento do número de magistrados “nos últimos anos”. Morte fora de jogo No que diz respeito ao Tribunal Judicial de Base (TJB), o número de processos admitidos no Juízo de Instrução Criminal aumentou 17 por cento e a culpa é dos crimes relacionados com o jogo. O relatório deixa um alerta, uma vez que muitos casos de sequestro culminaram na morte dos sequestrados. “Convém referir que ocorreram vários casos de sequestro dos quais resultou a morte dos sequestrados, o que merece uma elevada atenção aos casos de sequestro por usura relacionados com os jogos ilícitos.” Além disso, os dados indiciam que “os conflitos ou crimes relativos às dívidas de jogo já se projectaram para fora do casino”, pelo que “se não forem reprimidos oportunamente, trarão certas influências negativas para o Jogo, a indústria pilar de Macau”.
João Santos Filipe Manchete PolíticaTerras | Empresa questiona imparcialidade do ex-funcionário Raimundo do Rosário O actual secretário para os Transportes e Obras Públicas trabalhou, no passado, para uma empresa que teve de obrigar a despejar um terreno na Taipa. A companhia Socipré quis aproveitar esse facto para contestar a decisão em tribunal, porém, os juízes consideraram que o secretário actuou com rectidão e isenção [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Sociedade Fomento Predial Socipré questionou a imparcialidade de Raimundo do Rosário na ordem de despejo que foi entregue à empresa, para abandonar um terreno cuja concessão foi declarada caduca. Entendeu a Socipré que como o secretário tinha trabalhado, enquanto engenheiro, para a própria Socipré e para Fábrica de Artigos de Vestuários Estilo, antiga ocupante da terra, que não deveria ter sido ele a assinar a ordem de despejo porque não era imparcial. No entanto, o Tribunal de Segunda Instância não aceitou o argumento, apesar de Rosário ter estado envolvido no desenvolvimento do projecto para aquelas terras, e vai obrigar mesmo a empresa a proceder à ordem de despejo de um terreno cuja concessão foi declarada caducada. “A recorrente [Socipré] nunca oferece prova convincente que demonstre o impedimento ou a suspeição, ou ponha em dúvida a rectidão e isenção do Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, e é sem dúvida que os seus pareceres não projectam efeito vinculativo às decisões do Chefe do Executivo no que respeite a declarar ou não a caducidade”, argumento o tribunal. “Ponderando tudo isto, temos por indiscutíveis a isenção, a lealdade e a fidelidade ao interesse público do Exmo. Senhor STOP bem como do Exmo. Senhor Chefe do Executivo, pelo que não se descortina in casu a violação do princípio da imparcialidade”, explica. De acordo com duas decisões do Tribunal de Segunda Instância, reveladas ontem, as empresas Chap Mei – Artigos de Porcelana e de Aço Inoxidável e Outros Metais (Macau) e a Socipré vão ter de desocupar dois terrenos, após terem perdido os respectivos recursos que tinham interposto. As companhias queriam evitar as ordens de despejo dos dois terrenos até que houvesse uma decisão final sobre a decisão do Governo que considerou as concessões caducadas, à luza da nova lei de terras. Argumentos sem força Segundo o tribunal, as empresas não tiveram razão quando evocam a ausência de uma audiência prévia para evitar o despejo nem quando argumentaram que o secretário para os Transportes e Obras Públicas não tinha competências para tomar a decisão. Entenderam os juízes que houve audiências no âmbito das decisões originais que declararam a caducidade das concessões – casos contestados em outros processos – e que o Chefe do Executivo delegou as competências necessárias em Raimundo do Rosário, para que este assinasse as ordens de despejo. Também os argumentos de falta de fundamentação e de “desrazoabilidade” da medida, apresentados exclusivamente pela Chap Mei não convenceram os juízes. O terreno em causa da da Chap Mei tem uma área de 2.637m2, fica situado na ilha da Taipa, na Zona de Aterro do Pac-On e é designado por lote V2. Já o terreno da Sociedade Fomento Predial Socipré tem uma área de 3.177m2, está localizado na ilha da Taipa, na Avenida Kwong Tung e é designado por lote BT8.