Erro médico | Decisões da mediação sem hipótese de recurso

As decisões adoptadas pelo Centro de Mediação dos Litígios Médicos não terão direito a recurso, pois o pedido do processo tem carácter voluntário. Os limites mínimos do seguro para hospitais, clínicas e médicos variam entre 500 mil a 20 milhões de patacas

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Conselho Executivo apresentou ontem os diplomas relativos à constituição do Centro de Mediação de Litígios Médicos e da Comissão de Perícia do Erro Médico. Foi ainda apresentado o regulamento administrativo que institui a obrigatoriedade dos prestadores de cuidados de saúde de serem portadores de um seguro. Os articulados estão relacionados com o Regime do Erro Médico, implementado o ano passado.

Conforme explicou Leong Heng Teng, porta-voz do Conselho Executivo, não haverá direito a recurso das decisões do centro de mediação. “Não há lugar a recurso porque tem carácter voluntário. A mediação pode ter resultados positivos para ambas as partes ou não.”

Em relação aos relatórios da comissão de perícia, “os utentes têm o direito de questionar a comissão”, caso não concordem com os resultados. Efectuada a perícia, o documento será fornecido a utentes, Serviços de Saúde (SS) e prestadores de cuidados de saúde, ou seja, médicos, clínicas ou hospitais.

O relatório terá de estar pronto no prazo de 90 dias, podendo ser alargado o seu prazo, conforme a gravidade do caso. Ainda assim, Leong Heng Teng deixou claro que a decisão “não se deve prolongar por um tempo indefinido”.

A realização da perícia técnica irá obrigar ao pagamento de taxas por parte dos “prestadores de cuidados de saúde, utentes e, em determinadas situações, os familiares dos utentes”. O valor será fixado por despacho do Chefe do Executivo.

A comissão de perícia será constituída por sete membros, cinco deles ligados ao sector da saúde e dois da área do direito, sendo que devem ter “um mínimo de dez anos de experiência”. O seu mandato será de dois anos, sendo que o regulamento administrativo não explicita quantas vezes é que os mesmos membros podem ver a sua nomeação renovada.

Tanto o centro de mediação, como a comissão de perícia entram em funcionamento no próximo dia 26. Caberá ao Chefe do Executivo decidir, por despacho, quem são os nomes escolhidos para o centro de mediação.

Seguro a quanto obrigas

A obrigatoriedade de adopção de um seguro por parte de médicos, clínicas e hospitais preocupou o sector desde o início da discussão sobre o Regime do Erro Médico. O Governo fixou os limites mínimos do seguro entre 500 mil e 20 milhões de patacas, ficando prometido o apoio da Autoridade Monetária e Cambial de Macau (AMCM) caso o médico ou entidade veja recusado, por três vezes, o pedido por parte da seguradora.

“A AMCM criou um mecanismo para apoiar o prestador de cuidados de saúde na comunicação com a seguradora, para que acabem por conseguir o seguro. Vamos tentar saber quais as razões para a recusa por parte de três seguradoras. Pode dever-se à natureza da área médica, por ser muito complexa. É com esse mecanismo que vamos obrigar as seguradoras a aceitar a venda do seguro”, explicou uma representante do organismo.

A título de exemplo, a medicina tradicional chinesa ou farmácia são áreas que ficam abaixo das 500 mil patacas de seguro, sendo que a medicina ocidental obriga a patamares mais elevados, com seguros entre um e dois milhões de patacas. Clínicas privadas e hospitais, como o Kiang Wu, por exemplo, terão de adquirir seguros na ordem dos 20 milhões de patacas.

O seguro irá abranger situações como “indemnizações por danos para a saúde física ou psíquica dos utentes, causados por acto médico, com violação dos diplomas legais”, as indemnizações “por danos decorrentes do auxílio médico urgente prestado”, ou ainda o pagamento das custas judiciais e honorários dos advogados. São excluídos os actos de erro médico praticados com dolo, pois entram no âmbito da prática criminal.

17 Fev 2017

Amamentação | Sónia Chan diz que salas não vão ser obrigatórias

A secretária para a Administração e Justiça não pondera a possibilidade de criar normas para que todos os serviços públicos disponham de uma sala de amamentação. Sónia Chan alega que há edifícios com falta de espaço. Mas diz que o Governo faz o melhor que pode para apoiar os cidadãos

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] exemplo foi dado por Alexis Tam: porque o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura entende que é necessário apoiar a política de amamentação através da criação de condições para as mães, decidiu dar instruções aos serviços debaixo da sua alçada. O resultado foi a criação de 80 salas de amamentação disponíveis para os trabalhadores dos serviços públicos da tutela e para os residentes.

Em declarações feitas esta semana, Tam disse ainda que seria desejável, “através da iniciativa da secretária para a Administração e Justiça”, implementar este tipo de estruturas “em todos os serviços e entidades públicas”. O repto ficou lançado.

Ontem, à margem de uma reunião na Assembleia Legislativa, Sónia Chan foi questionada acerca da ideia deixada pelo colega dos Assuntos Sociais e Cultura. A primeira resposta dada não foi elucidativa. “Tanto os funcionários públicos, como outros residentes têm necessidade desse serviço. Neste momento, existe já em vários serviços públicos este tipo de apoio”, disse.

Perante a insistência dos jornalistas, a governante explicou que é preciso alargar “os critérios aos serviços para, depois, cada um deles avançar com instalações”. Não existe um plano concreto sobre a matéria, até porque será uma questão facultativa. “Não estamos a pensar que seja uma medida obrigatória, mas esperamos que os serviços possam introduzi-la o mais cedo possível.”

Quanto aos edifícios da Administração que venham a ser construídos no futuro, “poder-se-á prever a existência desses espaços”, admite.

Sónia Chan também não tem, para já, uma resposta concreta em relação ao trabalho de sensibilização que deverá ser feito junto do sector privado. “Neste momento, vamos começar pelos serviços públicos. Quanto às empresas privadas, terá de ser mais tarde.”

Penosas esperas

O Governo também não dispõe de qualquer plano para criar legislação específica que garanta a prioridade do atendimento a grávidas, mulheres com crianças de colo, pessoas portadoras de deficiências e idosos com visíveis limitações físicas.

Em Portugal, desde o ano passado que este grupo de pessoas não fica nas filas à espera, por via de um decreto-lei que alargou o conceito de prioridade aos serviços privados, que estão sujeitos a multas caso não garantam a execução da legislação. Em Macau, não existem regras sequer para o atendimento prioritário nos balcões da Administração.

“O Executivo tem sempre vindo a fornecer serviços mais facilitados, apesar de não haver uma legislação específica”, começou por defender Sónia Chan, para conceder, depois, que “claro que o Governo pode fazer mais trabalho legislativo”.

Confrontada com a possibilidade de, numa primeira fase, se definirem meios para garantir o atendimento prioritário nos serviços públicos, a secretária para a Administração e Justiça admitiu a possibilidade de se poderem definir regras nesse sentido “a partir de certos guias”. “Neste momento não temos medidas obrigatórias, não temos a divulgação deste tipo de cultura”, sintetizou.

17 Fev 2017

DSPA não concretizou planos de acção devido a mudanças sociais

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA) justificou as falhas em algumas das metas prometidas ao nível ambiental pela ocorrência de mudanças na sociedade e na economia. Em resposta ao deputado Si Ka Lon, o organismo liderado por Raymond Tam afirmou que “dez planos de acção ficaram por desenvolver, pelo facto de, durante os anos de execução do planeamento, a situação da sociedade e da economia ter mudado”.

Tal fez com que o panorama “se tenha tornado diferente das estimativas feitas, pelo que algumas políticas, acções e projectos também foram ajustados”. Por este motivo, a DSPA “acabou por dar prioridade à melhoria da qualidade do ar e à gestão dos resíduos sólidos”.

Sobre a ausência de informações acerca das zonas arborizadas do território, a DSPA explicou que a avaliação da taxa de área urbana arborizada é feita com base em dados de classificação de área verde e outras estatísticas. Como os critérios de classificação foram ajustados, e tendo em conta que o organismo não recebeu os novos dados a tempo de realizar a avaliação a médio prazo, não foi, assim, possível avaliar a taxa das áreas urbanas com árvores.

O número dois de Chan Meng Kam na Assembleia Legislativa havia colocado questões sobre a concretização do “Planeamento da Protecção Ambiental de Macau 2010-2020”. A DSPA promete, então, reforçar a comunicação entre os diversos departamentos públicos, bem como fazer uma aposta no Plano de Desenvolvimento Quinquenal da RAEM, a ser implementado até 2020.

O organismo garante ainda olhar para as “mudanças gerais da sociedade, da economia e do ambiente”, por forma a fazer uma “avaliação da eficácia e execução a médio prazo do planeamento”. Fica ainda a ideia de aperfeiçoamento do planeamento já feito, por forma a atingir metas com base nas ideias de “planear, executar, avaliar, alterar e inovar”.

A DSPA afirma que está a realizar avanços quanto à instalação de uma central de tratamento de resíduos alimentares, encorajando as empresas que tenham espaço suficiente a instalar este tipo de aparelhos. A direcção de serviços pretende ainda instalar estas máquinas em habitações públicas e na actual central incineradora.

Este ano será lançado o “Plano de Resíduos Sólidos”, que tem como objectivo incentivar a reciclagem junto de moradores e empresas, e fomentar a utilização de produtos reciclados, apontou a DSPA.

17 Fev 2017

ATFPM participa em manifestação contra multas

Depois do primeiro troço da marcha contra as multas exageradas ter sido rejeitado pelas autoridades policiais, a sua reedição irá percorrer as ruas de Macau no próximo sábado. Já com a concordância da polícia, o novo trajecto do protesto continua a não agradar totalmente à ATFPM. Mas é o que há

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão era exactamente o que queriam, mas tiveram de se contentar. Esta é a ideia que ficou na conferência de imprensa na sede da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM). Na ausência de Pereira Coutinho, o deputado Leong Veng Chai foi o homem do leme na apresentação do traçado da marcha marcada para sábado, mas deixou garantias de que o presidente da associação estará na manifestação.

O protesto terá início com uma concentração às 14 horas na praça da Assembleia Legislativa. Uma hora depois, a marcha arranca em direcção ao Centro de Ciência de Macau, contorna a rotunda regressando pela Avenida Dr. Sun Yat-Sen. Depois passa para a Taipa através da ponte Sai Van, dá a volta na Rotunda dos Jogos da Ásia Oriental, e desagua na Avenida Dr. Stanley Ho. Nesse ponto, a marcha será dissolvida, seguindo apenas cinco carros até à sede do Governo, onde “o presidente da associação vai entregar uma petição”, explicou Leong Veng Chai.

Insatisfação necessária

O deputado explicou ainda que não ficou “satisfeito nem com o primeiro, nem com o segundo traçado”, mas que não podiam voltar a adiar a marcha. Como tal, a ATFPM decidiu que o melhor seria baixar as exigências no trajecto, chegando a uma solução que não causasse muitos inconvenientes na regulação do trânsito, na óptica da polícia. “Aceitámos em nome do interesse público”, remata Leong Veng Chai.

O tribuno insistiu que neste protesto a associação que representa apenas desempenha o papel de anfitrião e dá apoio logístico, tratando-se esta manifestação de um grupo de cidadãos importunados pelo aumento exagerado das taxas aplicadas aos veículos.

Foi ainda adiantado que os cidadãos devem seguir as instruções das autoridades policiais, levar identificação, nomeadamente carta de condução, e dispersar quando lhes for pedido. Leong Veng Chai aproveitou também a ocasião para pedir desculpas à população que se sentir incomodada pelo excesso de trânsito que a marcha poderá provocar. A quem não se pode deslocar no seu veículo, o deputado convidou a juntar-se na concentração em frente à Assembleia Legislativa.

17 Fev 2017

Pescadas dezenas de toneladas de tubarão em águas timorenses 

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]avios chineses que estão a operar, com licença, em águas timorenses pescaram nos últimos meses pelo menos 40 toneladas de tubarão, animal protegido nas leis timorenses, disseram fontes de organizações ambientalistas.

Imagens vídeo obtidas a 10 de Fevereiro e a que a Lusa teve acesso mostram vários arrastões chineses a pescar ao largo da costa norte de Timor-Leste, com quatro deles acoplados ao ‘navio-mãe’, de grande dimensão, onde depositam os animais pescados.

Os autores das imagens solicitaram anonimato.

As imagens mostram o interior de um dos depósitos desse navio principal onde praticamente só são visíveis tubarões, suscitando entre organizações ambientalistas grande preocupação sobre o facto de os navios estarem a pescar espécies que são protegidas na lei timorense.

Fontes ligadas a duas organizações ambientalistas, a Conservation International e WorldFish, e elementos ligados ao sector do mergulho referiram à Lusa preocupações com a “pouca clareza e transparência” relativamente ao contrato dado à empresa que opera os navios.

As mesmas fontes levantam igualmente dúvidas sobre o licenciamento dado aos navios chineses, que operam em Timor-Leste desde Novembro do ano passado, e sobre a não implementação de outros aspectos prometidos do acordo com a empresa.

Questionado pela Lusa, o director-geral de Pescas, Acácio Guterres, garantiu que os animais não vão ser exportados, quando confrontado pela Lusa com imagens de vídeo obtidas por um drone que mostram o depósito de um dos navios chineses com dezenas de tubarões.

“Pescaram cerca de 40 toneladas. Já dissemos que não vão ser exportados”, garantiu Acácio Guterres, depois de ver o vídeo, não explicando no entanto o que vai acontecer ao tubarão já pescado.

O responsável timorense não conseguiu igualmente explicar o que ocorre aos responsáveis dos navios que pescaram espécies protegidas, em particular porque a lei em vigor prevê nestes casos penas de 1 a 5 anos de prisão e multas de entre 500 e 500 mil dólares.

Outras espécies

Fontes do Ministério da Agricultura e Pescas explicaram à Lusa que o volume de tubarão pescado pode ser até “muito mais elevado” e que há igualmente outras espécies protegidas, como é o caso de tartarugas, a ser apanhadas nas redes dos navios chineses.

Joni Freitas, chefe do departamento de Captura e Licenciamento do Ministério da Agricultura e Pescas disse à Lusa que apesar de todas as espécies de tubarão estarem protegidas em Timor-Leste os animais pescados pelos arrastões chineses não se incluem entre as cinco mais protegidas internacionalmente.

Os navios em causa pertencem à empresa Pingtan Marine Entreprise, que se virou para Timor-Leste depois de o Ministério de Assuntos Marítimos e Pescas indonésio ter suspendido a concessão ou renovação de licenças de pesca em 2014.

Acácio Guterres e Joni Freitas, chefe do departamento de Captura e Financiamento do Ministério da Agricultura e Pescas, confirmaram à Lusa dados sobre o acordo de licenciamento dos 15 navios que estão em Timor-Leste.

No total, a empresa pagou 312.600 dólares para todas as licenças de operação e exportação em Timor-Leste o que permite a cada um dos navios pescar 100 toneladas por ano, ou 1.500 toneladas entre si (o que equivale a cerca de 21 cêntimos por quilo).

“Gostaríamos de aplicar valores mais elevados mas não podemos porque é o que está na lei”, disse Freitas, referindo-se ao decreto de 2005 que define as tarifas a cobrar para a pesca comercial em Timor-Leste (entre 80 dólares por tonelada para peixe pequeno e 250 por tonelada para crustáceos).

Os dois responsáveis referem que os navios são inspeccionados “cada três meses quando visitam o porto”, confirmou que o Governo só tem “cinco inspectores” mas são menos claros sobre se o tipo de espécie pescado está ou não a ser verificado.

Em entrevista à Lusa em Novembro – quando divulgou detalhes sobre os navios que tinham acabado de chegar a águas timorenses – Estanislau da Silva, ministro de Estado, Coordenador dos Assuntos Económicos e ministro da Agricultura e Pescas, explicou haver garantias que parte do pescado seria para o mercado nacional.

Até ao momento ainda não chegou ao mercado timorense nem um único peixe do acordo, tendo Acácio Guterres explicado que isso ocorreu porque os navios pescaram aquém do esperado, sendo que o valor total do trimestre, “cerca de 374 toneladas” é equivalente a um quarto da quota anual.

“Talvez nos próximos meses chegue ao mercado”, referiu, sem explicar em que circunstâncias.

Não foi possível obter comentários adicionais do ministro da Agricultura e Pescas que está actualmente numa visita ao estrangeiro.

17 Fev 2017

Pequim concede a Trump registo da sua marca ao fim de dez anos

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China concedeu esta semana ao Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o uso comercial do seu próprio nome, ao permitir o registo da sua marca por um período de dez anos para serviços no sector da construção. O registo foi anunciado na terça-feira, através do ‘site’ da Administração de Marcas da China. Só no país asiático, Donald Trump tem 49 pedidos pendentes para registo de marcas e 77 que já estão registadas em seu nome, cuja maioria terá de ser renovada ainda durante o seu mandato.
Os críticos dizem que os interesses globais de propriedade intelectual de Trump poderão ser usados por países estrangeiros como forma de o influenciar. Além disso, violam a cláusula da Constituição norte-americana que proíbe os funcionários públicos de aceitar presentes de valor de governos estrangeiros, a não ser quando aprovado pelo Congresso.
Na China, os tribunais estão subordinados ao poder político, que está concentrado no Partido Comunista.

Uma questão de ética

O registo, concluído esta semana, estava pendente há mais de uma década, e ocorre após várias tentativas falhadas de assegurar os direitos sob o seu nome, até então detidos por um homem chamado Dong Wei.
Qualquer tratamento especial por parte da China significaria que Trump efectivamente aceitou presentes de Pequim, uma acção que viola a Constituição, afirmou Richard Painter, chefe da Casa Branca para questões de ética durante o mandato de George W. Bush, citado pela Associated Press.
“Talvez houvesse uma conclusão diferente se Trump tivesse sido tratado como qualquer outra pessoa, mas as evidências não apontam nesse sentido”.
Alan Garten, director jurídico da Organização Trump, afirmou que as operações de registo de marca de Trump são anteriores à sua eleição.
O magnata entregou a gestão da sua empresa aos filhos e a uma equipa de executivos, de forma a afastar-se dos seus negócios e do seu portefólio de marcas registadas, afirmou.

17 Fev 2017

Le French May | Edição de 2017 dá os primeiros passos

A 25ª edição festival Le French May Arts já mexe, em consonância com o vigésimo aniversário da transferência de soberania de Hong Kong. O evento apresenta um cartaz ecléctico, que celebra o espírito francês num tour cultural do clássico ao contemporâneo. Os bilhetes já estão à venda, a preço de lançamento

[dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]á se sente o burburinho da “fête française”. A um mês e meio do início do festival, o cartaz do Le French May Arts começa a compor-se e já tem uma data de abertura, 6 de Maio. Para já, os espectáculos anunciados variam entre a música clássica, ballet, jazz e hip-hop. O festival, que já teve eventos a passar por Macau, ainda não tem nada anunciado para o território. O HM contactou a organização do evento para tentar apurar se estará algo previsto para a RAEM, mas o resto do cartaz ainda está no segredo dos deuses.

O concerto de abertura é uma reformulação moderna de uma obra-prima perdida, com um twist moderno multimédia, acrescentando um espectáculo de luzes à música clássica. O programa, intitulado “O Nascimento do Rei Sol”, leva ao palco do Concert Hall do Centro Cultural de Hong Kong, no próximo dia 6 de Maio, o encanto da Paris do século XVII. Esta obra glorifica a ascensão de Luís XIV ao estatuto quase divino de Rei Sol, a clara representação do absolutismo europeu, numa altura em que a corte francesa endeusava os seus monarcas.

O concerto irá reproduzir parte da música, quase quatro séculos depois, numa adaptação da Ensemble Correspondances dirigida artisticamente pelo maestro Sébastien Daucé, que reconstruiu a obra depois de três anos de pesquisa. O espectáculo de luzes estará a cargo do artista francês Etienne Guiol, que procura transportar o espectador para o reinado de Luís XIV.

Outro dos eventos em destaque no destapar do véu do French May Festival é a estreia da Orquestra Filarmónica da Radio France em Hong Kong, sob a direcção de Mikko Franck. O concerto, agendado para 2 de Junho, trará ao palco da região vizinha a interpretação da famosa evocação de “O Mar”, de Claude Debussy, assim como o conto de fadas musical “A Minha Mãe Ganso”, de Ravel.

Do clássico ao hip-hop

O festival propõe noites de ballet a 11 e 12 de Maio, com o bailado “A Night with the Stars”. O espectáculo será uma homenagem a Paris, assim como aos artistas que se inspiraram na cidade das luzes. De Chopin a Proust, Petit a Carné, Petipa a Piaf, e de Bizet a Prévert. Todas as partes da performance têm uma íntima ligação com a capital francesa. O ballet será interpretado pelos bailarinos da companhia internacional Paris Ópera Ballet, que será abrilhantado pela participação do aclamado pianista Henri Banda.

Numa esfera diametralmente oposta da dança, o Le French May Festival oferece aos seus espectadores, nos dias 18 e 19 de Maio, um espectáculo de dança hip-hop. Com a direcção da principal coreógrafa francesa da especialidade, Marion Motin, a performance demonstra que este estilo musical não é, forçosamente, dominado pelos homens. O espectáculo, intitulado “In the Middle – Women in Hip-Hop”, será interpretado pelo conjunto Marion Motin and Swaggers. A francesa, que começou a sua formação na dança clássica, apaixonou-se pelo hip-hop e chegou mesmo a colaborar com artistas de renome como Madonna.

Mudando a agulha para outra vertente musical, o festival propõe, neste primeiro vislumbre, três noites de jazz à grande e à francesa, com a estreia asiática de três artistas de renome internacional.

No dia 12 de Maio sobe ao palco o Geraldine Laurent Quartet. A saxofonista será acompanhada por piano, baixo e bateria. O concerto será baseado no seu novo disco, “At Work”, uma colecção de músicas que sugere a essência livre do swing parisiense da década de 1930.

A senhora que se segue é Billie Holiday, a diva do jazz, que será homenageada no dia 13 de Maio no espectáculo “Billie Holiday, Passionately”, interpretado ao piano por Paul Lay.

O dia 14 de Maio será dedicado ao trompetista norte-americano Chet Baker, no concerto tributo “Love for Chet”, interpretado pelo Stephane Belmondo Trio.

Para já, estes são os nomes que se conhecem no cartaz do festival que celebra a cultura francesa. Quem se quiser antecipar à subida do preço dos bilhetes, pode usufruir de descontos se os comprar até ao dia 9 de Março. Quem perder a oportunidade, terá de se contentar com ingressos a preços normais. C’est la vie.

17 Fev 2017

Luís Carmelo: “A escrita é um laboratório que me ajuda a traduzir o mundo”

Ao longo de mais de 35 anos, publicaste 45 livros, entre poesia, romance, contos, ensaios, teatro, argumento de cinema, e manuais académicos. Para não falar do teu monumental projecto das cidades, que vens desenhando há outros tantos anos, desde os tempos de Amesterdão. Esta compulsão é uma necessidade académica, pois és professor, ou deriva de uma outra necessidade?

Ser professor, para mim, sempre foi uma forma de ganhar a vida como qualquer outra, embora, com o tempo, me tenha afeiçoado à prática. Gosto realmente de dar aulas, quer presenciais (em tantos anos de universidade já devo ter leccionado, depois de me ter doutorado em 2005, umas duas dezenas de matérias diferentes entre a literatura, as artes, a semiótica e as teorias da cultura), quer online (criei há oito anos uma escola vocacionada para as escritas, a EC.ON – https://escritacriativaonline.net/ -, que é, hoje em dia, o meu ganha-pão essencial). Ser escritor é realmente algo de outra natureza, pois tem sido, desde os vinte e poucos anos de idade, um dos móbeis da minha realização profunda, poderia até dizer da minha possível redenção. De facto, estou sempre a escrever em três direcções. Por um lado, tenho sempre um romance a meio e um outro a iniciar-se (após a Trilogia do Sísifo, que concluí em Fevereiro de 2016, escrevi um novo romance que está agora em pousio, tendo já iniciado, em 2017, um outro). Por outro lado, tenho sempre (ou quase sempre) um ensaio em construção (este ano vai ser sobre a Tetralogia Lusitana do Almeida Faria, reatando um estudo que levei a cabo há três décadas). Por fim, desenvolvo ininterruptamente uma oficina poética (coisa muito mais recôndita e íntima). As cidades que desenho desde o início dos anos oitenta fazem parte de uma poética, essencialmente por se tratar de uma actividade (bastante reservada, sublinhe-se) que alia um lado lúdico a um outro inefável, sem tradução verbal ou figurada, e que, por isso mesmo, corresponde a uma pura ‘poiesis’ (uma linguagem que se inventou e que se gera a si mesma sem constrangimentos e sem uma auto-análise plausível). Resumindo: além do prazer (escrever, no momento em que estou a escrever, a criar e a descobrir, é, para mim, um prazer muito grande), a escrita, no meu caso, consiste num laboratório que me ajuda a traduzir o mundo e, portanto, a atravessar o enigma com uma venda a menos. Este exercício incessante, que é uma espécie salto à vara sobre a fogueira (ou sobre o abismo), não é apenas uma necessidade (como respirar o é), mas sobretudo um modo de tentar emendar ou consertar a finitude. O horizonte que a escrita literária me concede, seja como escritor, seja como leitor, é, ao mesmo tempo, centrípeto (em direcção ao mistério) e centrífugo (em direcção ao mundo que se vive). Um vaivém e também uma colisão em que busco todos os dias uma qualquer forma de superação, seja lá o que isso queira dizer.

Curiosamente, ou talvez não, os teus únicos livros de poesia foram também os primeiros, em 1981, Fio de Prumo (Terramar, Torres Vedras), 1982, Vão Interior do Rio (Atelier 18, Amesterdão) e em 1983, Ângulo Raso, Atelier 18, Amesterdão. Desinteressaste-te pela poesia ou ela desinteressou-se de ti? 

Nunca me desinteressei pela poesia, sempre vivi com ela e sempre a escrevi e li apaixonadamente ao longo dos anos. No entanto, tenho uma certeza: no campo daquilo que passámos a codificar por literatura, há alguns séculos a esta parte, a poesia é a linha da frente (do mesmo modo que, numa religião, a clausura e o misticismo são linhas da frente). Eu sou um agnóstico de fundo teísta, ou seja, um tipo que não crê em receitas, nem em dogmas, mas que não enjeita (pelo menos radicalmente) uma feição imaterial no universo. Daí que, para mim, seja particularmente evidente que a poesia não é nunca apenas a poesia. A dimensão críptico-mágica que emprestamos ao sopro verbal vem de longe e soube-se metaforizar em todas as culturas humanas (é por isso que muitas mitologias, e não só, veja-se o início do Génesis, o celebrem como sobrenatural; por exemplo, no Sofista, Platão, dando voz ao Estrangeiro no diálogo com Teeteto, diz que o discurso é “a corrente que sai da alma pela boca sob a forma de som”). Razão por que sempre celebrei a poesia com prudência e na intimidade. É verdade que, em jovem, publiquei alguma poesia (três livros), mas isso deveu-se a um tipo de urgência que não partilho hoje em dia. No entanto, tal como aconteceu já com as cidades (que expus em Lisboa, na Galeria Abysmo, em Abril de 2015), estou agora prestes a publicar alguns poemas meus. Neste ano de 2017 vou ter poesia publicada, o que não acontecia desde 1982. Estou numa fase da vida em que certas camuflagens estão a perder o sentido. E eu limito-me a respeitar esse ímpeto interior.

Quais as maiores diferenças que encontras no mercado, nos autores e nos leitores, desde que começaste a publicar, até hoje? 

Comecei a publicar na Vega nos anos oitenta. A Vega foi um ponto de encontro de onde saíram grandes escritores (Lobo Antunes e João de Melo, por exemplo) e existia num tempo em que a edição ainda publicava, de modo dominante, a pensar mais na descoberta literária do que no negócio. Nos anos noventa e no início da primeira década do século XXI, publiquei romances na Editorial Notícias e ensaios (e outras obras de feição escolar e/ou universitária) na Europa-América. Nesse período, viveu-se o início de uma certa concentração empresarial que coincidiu com o início do boom da livros da chamada – o termo é do Miguel Real – “literatura de mercado” (ou seja: o light que já existia fora de Portugal acompanhou, neste período, as lógicas de monopolização e do aparecimento dos grandes grupos, enquanto contribuiu para pressionar indirectamente, mas como uma tenaz – era preciso facturar acima de tudo! -, a tradição especificamente literária, razão por que muitos escritores se viram, de algum modo, apeados da ideia tradicional da ‘sua’ editora). Entre meados da primeira década do século XXI e o ano de 2011/2012, tornei-me em nómada (editando a espaços na Guerra e Paz, na Quidnovi, na Mareantes, na Hugin, na Quetzal, na Magna, etc, etc.), aliás em consonância com um período instável em que o mundo editorial se ia reestruturando, modelando-se de modo bipartido; de um lado os grupos económicos, do outro lado as pequenas e algumas pequenas-médias editoras que decidiram persistir, fazendo interagir os fundamentos do apego estético com a sobrevivência. A partir do princípio da segunda década do nosso século, tornei-me escritor da Abysmo em conformidade com esta lógica de relativa bipartição. Finalmente respirei fundo e passei a sentir que tenho um editor a sério e uma resposta adequada para os meus projectos. Finalmente respirei fundo e passei a ter ao meu lado um conjunto de outros escritores fraternos, cúmplices e extremamente estimulantes. Deixando a questão editorial e focando-me agora nos autores e nos leitores, concluiria que vivemos num mundo em que o escritor já não é um senador espiritual como o era Aquilino no seu tempo, por exemplo. Na nossa época, os heróis estão na imagem móvel, nas efígies digitais e no tempo real, não passando de figurações frágeis e efémeras (a própria inflação de festivais e de festas literárias ilustra este lado redundante da espectacularização). Por outro lado, como o objecto livro passou a ser anfitrião de muitos outros registos para além do literário (daí que o número de livros que se publica por ano seja descomunal), os escritores que fazem literatura e que trabalham plástica e inventivamente a língua portuguesa – uma extrema minoria – tornaram-se em matéria de nicho. Distantes dos palcos, dos holofotes e da procura de massa, os escritores regressam hoje à tranquilidade das pequenas arenas em que o encontro com os seus leitores se pode, por vezes, tornar mais autêntico, mais familiar e até mais próximo.

Divides a tua vida entre a universidade em Lisboa, onde és professor, e a tua escola de escrita em Lisboa, a EC.ON (Escrita Criativa Online), onde além de cursos que ministras, desenvolves um programa semanal, aos Sábados, de encontro entre escritores e leitores. Quais as grandes diferenças entre o que ensinas na universidade e o que ensinas na EC.ON? 

As matérias que lecciono na EC.ON são directamente ligadas à escrita. A designação “escrita criativa” é de origem anglo-saxónica (remonta aos fins do século XIX, nos EUA, tendo tido um incremento muito grande depois da década de 50 do século XX) e corresponde a uma actividade que é genericamente vista com alguma ‘desconfiança’ no sul da Europa. Trata-se de um preconceito, na medida em que, ao falarmos de escrita, falamos, inevitavelmente, de um processo que promove um saber associado ao domínio da plasticidade da linguagem. Passo a explicar porquê. Todos os processos de escrita implicam quarto ordens: a ordem interpelativa (meramente transitiva e instrumental), a ordem estética (aberta ao poder metafórico, combinatório e rítmico), a ordem semiótica (ligada à capacidade metatextual) e a ordem do jogo (no sentido da expressão enquanto desejo/inscrição). Num laboratório de escrita, tal como acontece nos universos da química, é possível isolar cada uma destas três ordens e testar-lhes os limites. Uma tal prática oficinal pode e deve ser cooperativa (ou colaborativa), visando três objectivos claros: desenvolver potencialidades, incentivar a inventividade e alimentar a expressão própria. Ao percorrer estas três vias objectivas, a escrita criativa promove realmente um saber associado ao domínio da plasticidade da linguagem, enquanto expressão (pragmática) que desafia o sentido. Deste modo, o papel essencial da escrita criativa passará por entender a linguagem como uma plasticina moldável e, portanto, capaz de optimizar as ferramentas e as técnicas que processam a expressão. Não se trata, pois, ‘de ensinar a criar’ e/ou ‘de ensinar’ a ser escritor! Postular estas possibilidades seria algo, no mínimo, infantil. Na EC.ON, que é um projecto livre e aberto, oferecem-se hoje quase noventa cursos online (desde a escrita literária à escrita comunicacional, desde as escrita para crianças à escrita para a rede, etc.), sendo a maioria dos docentes escritores. As sessões presenciais que desenvolvemos nos sábados à tarde desde Janeiro de 2014, conhecidas como “Cursos Ícone”, convidam escritores a reflectirem sobre as suas oficinas literárias, sobre os seus processos criativos e sobre o seu universo de referências literárias. Quanto à universidade, devo dizer que abandonei a vida académica plena e activa há uns anos. Não me refiro a dar aulas, pois continuo a dá-las, mas sim aos pressupostos que implicam investigação organizada, arguições, orientações, reuniões e outras actividades que considero cada vez mais burocráticas, desmobilizadoras e redutoras (Bolonha criou virtudes de transversabilidade e de proximidade, mas contribuiu para baixar imensamente as fasquias nos dois primeiros ciclos de estudos universitários). Não tenho saudades da universidade.

17 Fev 2017

Onde pára a estátua de São Tiago?

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]proveitamos um dia solarengo para numa caminhada nos inteirarmos das mudanças registadas na cidade. Desta vez, o objectivo era chegar ao local conhecido por meia-laranja para de novo olhar a estátua de S. Tiago e saber se o iríamos encontrar ainda com as botas enlameadas sobre o altar da capela existente dentro da Fortaleza de São Tiago da Barra. Pelo que refere Montalto de Jesus, “Tal como toda a cristandade, Macau podia vangloriar-se de muitas imagens com atributos maravilhosos. Contava-se que a estátua de S. Tiago, na capela do forte da Barra, gostava de patrulhar a praia à noite – daí encontrarem as botas enlameadas todas a manhãs”. Mas sabemos também que desde 1975 Macau deixara de ter ao serviço soldados portugueses e sem eles para pela manhã engraxar as suas botas, continuaria a estátua de S. Tiago a fazer as suas saídas nocturnas?

Entretanto, apareceu-nos uma história com o título ‘O tributo das botas entre os frades bernardos’, que refere: “segundo o uso, cuja origem se perde nas primeiras dinastias da monarquia, quando algum rei visitava o Convento de Alcobaça, pertencente aos frades bernardos, entregava-lhe o D. Abade um cruzado e um par de botas. Decorriam já longos anos sem que esse costume fosse posto em prática, quando D. João IV (que subiu ao trono a 1 de Dezembro de 1640 e faleceu em 1656) ali foi. Não se contentando o rei com a economia dos frades, exigiu que lhe fizessem a entrega do cruzado e do par de botas, renovando assim o tributo a que a Ordem por tanto tempo se tinha esquivado”.
Hoje aqui passamos ao lado da parte inicial desse passeio pois, já com o artigo escrito, ficamos a saber que a SJM decidiu fechar em Março a Pousada de São Tiago até terminarem as obras do metro realizadas à sua frente. Vai para mais de um ano o constante barulho das máquinas a retirar o sossego e paz aos hóspedes deste hotel de cinco estrelas, que abriu portas nos primeiros anos de 80 do século XX, ocupando as instalações da fortaleza com esse nome.

Fortaleza de São Tiago da Barra

Chegamos à Barra, na parte sul da península de Macau e em frente à fortaleza situada sob a Colina de S. Tiago, ali encontramos a esfera armilar que deixara a praça do Senado e em conjunto com uma reprodução mais pequena da escultura da flor de Lotus integra um monumento inaugurado em 2013 pelo então Bispo de Macau, D. Domingos Lam, de homenagem à diáspora macaense.
A fortaleza de S. Tiago da Barra, muitas vezes chamada apenas Fortaleza da Barra por controlar a entrada do Porto Interior, pois, como refere em 1635 Bocarro, “A Barra desta cidade de Macao era antigamente muito larga porém os Portugueses moradores dela entupiram a maior parte a respeito dos Olandezes não poderem entrar com suas naus se não por um canal que fica ao longe do dito forte de Santiago, coisa de seis braças de largura e com fundo de três, ficando lá dentro em muito mais fundo (… onde) nela estão continuamente seis bancoes (juncos) de chineses da armada que são as suas embarcações que trazem dela para vigiar e saber o que fazem os Portugueses e se metem nações estrangeiras que é o de que mais se receiam e resguardam”. Assim todos os navios que desejavam entrar por esta barra tinham que passar necessariamente à distância de 3 ou 4 lanças (cerca de seis a sete metros) para chegar ao porto interior. O capitão deste baluarte era nomeado directamente pelo rei e apenas por ele podia ser destituído. A fortaleza do Monte era sem dúvida a maior, seguindo-se a de S. Tiago e da Guia.
Segundo o Padre Manuel Teixeira, “Parece que o baluarte da Barra foi construído antes de 1613, mas certo é que já existia antes de 1621 na colina da Barra, um baluarte ou forte e não uma simples bateria e nesse ano aí se colocaram seis canhões comprados em Manila.” O Padre Queiroz menciona dois baluartes na Barra em 1622 e no ano seguinte, o Governador Francisco Mascarenhas mandou ocupá-los com uma companhia de soldados. “Estes baluartes foram ampliados em 1629”, data apresentada num padrão de pedra com as armas de Portugal, que se encontrava no ângulo exterior da Fortaleza de S. Tiago da Barra. Bocarro descreve este forte logo à entrada da barra como tendo “cento e cinquenta passos de comprimento e cinquenta e cinco de largo com que faz uma formosa plataforma que fica levantada do mar cinco braças com um muro fundado em vinte e oito palmos de largo e acabado em dezassete e esta dita altura é até os parapeitos que levantam os três palmos da dita plataforma”. E continuando com o clérigo historiador, “já Bocarro dizia em 1635: “. Logo a data existente na inscrição na passagem coberta que há entre a porta da casa da guarda, refere-se à reconstrução d’ “Estas casas (…) feitas no tempo do Sr. Manuel Pereira Coutinho, Governador e capitão geral d’esta cidade, sendo procurador José Alexandre D’Aragão, que as mandou fazer em 1740.”
Também a Capela de São Tiago deve ter sido construída juntamente com a fortaleza e a data de 1740 que tinha no frontispício refere-se apenas ao ano da sua reconstrução pois, ela “existiu desde o início, sendo o titular da ermida que deu o nome à fortaleza”, como refere Manuel Teixeira que adita, “Venera-se ali a estátua de S. Tiago numa atitude de mata-mouros, revestido de cota e malha com o escudo na mão esquerda e a espada na mão erguida à altura da cabeça.”
Segundo Jorge Graça, “Esta fortaleza sofreu muitas alterações, tanto no traçado como no tamanho. Em 1638 foi descrita como uma fortaleza <muitíssimo boa e resistente tendo a aparência de uma pequena cidade quando vista de longe…” A Fortaleza da Barra actualmente está reduzida a menos de metade do que foi outrora e já nos finais do século XVII se encontrava em ruína. Aí se fizeram obras de reparação mas, no início do século seguinte percebia-se ser ela, devido ao seu traçado e posição, completamente inútil para a defesa da cidade. Voltou ao seu estado de ruína muito devido aos tufões e por isso, em 1889 o Governador Teixeira da Silva pretendeu deitá-la abaixo por dificultar a possibilidade de construir a rede viária em torno da península. Escapou à destruição e conseguiu sobreviver até ser adaptada a hotel. Agora aí entramos e dirigindo-nos à ermida, para voltar a apreciar a estátua de São Tiago, o que encontramos foi um painel com a representação mal conseguida da sua imagem e as botas já não tinham as réstias de lama que na estátua ainda em 2011 tivemos o privilégio de ver. Por onde andará a estátua de São Tiago? Resposta que não obtivemos ao questionar os empregados que serviam na esplanada da Pousada.

17 Fev 2017

Antevisão da 4ª jornada da Liga de Elite

João Maria Pegado

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] 4ª jornada da liga Elite está de regresso ao salão de cerimónias da Associação Futebol de Macau, facto que agrada e de que maneira  a jogadores e técnicos, como  referiu Cláudio Roberto, técnico do Monte Carlo, no final da partida frente ao Sporting de Macau. Com esta mudança de casa, também teremos a mudança de horários com os jogos do fim de semana a realizarem-se mais tarde, (18:30 e 20:30) aqui se calhar já não tanto do agrado das equipas mas especialmente dos que dão cor ao espectáculo , os adeptos.

A abrir

A ronda começa na sexta feira , com o Kei Lun Vs KA I. O principal destaque desta partida vai para o Treinador Josecler, que defronta a sua antiga equipa onde passou os últimos anos da sua carreira , tendo inclusive ganho um campeonato e uma Taça.  Frente ao KA I , o técnico vai procurar a terceira vitória consecutiva  da sua equipa e desta maneira manter-se invicto na competição . Para que isso aconteça terá que melhorar a sua organização defensiva visto ter sofrido seis golos em três jornadas, muito para quem quer andar na frente da tabela, se bem que nesses mesmo jogos tenha marcado 13 golos. Para tal, a equipa azul celeste já deve contar com o mais recente reforço, Jorge Tavares, antigo jogador do Sporting de Macau que irá representar o Kei Lun como guarda-redes, posição que o médio centro formado no Sporting de Portugal já experimentou em vários torneios de futebol, não sendo portanto uma novidade para ele.

Já o KA I quer dar seguimento ao seu crescimento como equipa e conseguir aliar o bom futebol que está a praticar aos pontos que bem precisa. Desde da vitória na primeira jornada frente ao Sporting , surgiram duas derrotas, Monte Carlo e CPK respectivamente , duas equipas que lutam por objectivos diferente do KAI. Para tal acontecer a equipa vermelha terá que ser muito disciplinada defensivamente como fez frente ao CPK toda a primeira parte, para depois aproveitar as possíveis debilidades defensivas do Kei Lun com o seu homem golo  William Carlos Gomes. Um jogo que vale a pena assistir em que os golos irão aparecer em bom número.

Dose dupla

No sábado vão-se realizar mais dois jogos , Polícia Vs Lai Chi e Sporting De Macau Vs Cheng Fung.  No primeiro jogo a equipa da Polícia que surpreendentemente conseguiu a sua primeira vitória na jornada passada frente ao Cheng fung, tem neste jogo frente aos Velozes a oportunidade de somar mais três pontos muito importantes para a permanência na liga, visto os jovens do Lai Chi estarem muito diferentes de anos anteriores após a saída dos seus melhores jogadores , Ka Him Lei e Chi Hang. No jogo das 20:30 vamos ter uma partida bastante interessante , de um lado os jovens de Nuno Capela , que tem estado jogo a jogo a mostrarem-se mais conhecedores do jogo e neste momento já não são a equipa que se dizia de início que estava condenada a descer. A verdade é que o trabalho do técnico e toda a estrutura tem pernas para andar e que estão ali algumas pérolas para lapidar, contra o Cheng Fung tem a oportunidade de poder surpreender e darem seguimento a esse crescimento.

A equipa de João Rosa por seu turno terá que mostrar que a derrota com a Polícia foi um acidente e que quer ser uma equipa para andar na frente da tabela. Para isso terão que fazer um grande jogo para passarem este Sporting competente.

Prato forte

No domingo temos o jogo grande da jornada , CPK vs Monte Carlo , com as equipas a procurarem a liderança isolada na competição . O CPK para o conseguir terá que melhorar a sua organização ofensiva principalmente no ultimo terço do terreno , onde está a faltar alguém que dê seguimento às boas combinações do seu meio campo, se assim o fizer estará mais perto do sucesso porque defensivamente tem estado muito bem, tendo sofrido um golo até ao momento.

A equipa do Monte Carlo, ao contrário do CPK, vai ter que melhorar a sua organização defensiva para conseguir potencializar a sua grande forca que se encontra no ataque. Em três jogos os canarinhos já sofreram quatro golos, situação que de certeza não agrada ao técnico Cláudio Roberto que já terá comunicado aos seus jogadores a forma de impedir que isso aconteça e se assim for o Monte Carlo estará mais perto da vitória.

Se nenhuma das equipas for superior em termos de resultado quem irá aproveitar no jogo seguinte será o Benfica que não deverá ter grandes dificuldades para bater os jovens da associação de Macau.

17 Fev 2017

Em defesa dos Estaleiros de Lai Chi Vun

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]penas por causa de um comunicado sobre o potencial perigo para a segurança pública dos Estaleiros de Lai Chi, o Governo da RAEM pretende proceder à sua demolição sem apresentar um relatório de riscos, sem avançar com uma explicação à população, sem consultar outros departamentos públicos, ignorando as directrizes do próximo plano quinquenal de desenvolvimento da região e desobedecendo ao “13º Plano Quinquenal Nacional” apresentado pelo Governo Central. Como é possível continuar a considerar o Governo da RAEM uma entidade “ao serviço do interesse público, transparente e fiável” se permite que o Departamento de Obras Públicas ordene arbitrariamente a demolição dos estaleiros da zona portuária de Lai Chi Vun, em vez de preservar este marco da indústria naval de Macau?

O “Estudo do Planeamento da Povoação de Lai Chi Vun da Vila de Coloane” é elaborado pelo Grupo de Trabalho Interdepartamental, uma plataforma formada por representantes da DSSOPT, da Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e de Água e do Instituto Cultural. Mas, ao longo dos anos, não se registaram progressos significativos e o plano não foi implementado. No entanto, foi dito publicamente que seria criado um departamento especial, encarregue de assessorar a preservação dos estaleiros e de delinear estratégias para a sua conservação e restauro.
Agora as autoridades vêm dizer que os estaleiros estão em ruínas e que representam um perigo para a segurança. Perante estes desenvolvimentos, os responsáveis dos departamentos a quem foi atribuída inicialmente a responsabilidade deste Estudo deveriam demitir-se por incompetência.

O comunicado de imprensa da DSSOPT afirmava que a “licença” de 11 estaleiros de Lai Chi Vun tinha expirado a 31 de Dezembro de 2015 e que não tinha sido renovada. Então nesse caso, porque é que neste ano e tal a DSSOPT não uniu esforços com o Instituto Cultural, a Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e de Água e a Direcção dos Serviços de Turismo para garantir a preservação e a revitalização dos 11 estaleiros e levar a cabo o “Estudo do Planeamento da Povoação de Lai Chi Vun da Vila de Coloane” de forma responsável? E o que sabemos sobre as quatro zonas propostas para urbanização no local dos estaleiros, a Praça Portal, a Zona de Restauração, a Zona de Lazer e a Zona de Exposição Geral de Construção de Juncos? Até agora, apenas é certo que os 11 estaleiros estiveram ao abandono por mais de um ano! Bom, e se estão em ruínas e podem causar perigo, só podemos culpar estes departamentos. Mas ainda resta saber se estão verdadeiramente “em ruínas e podem causar perigo” ou não.

Alguns engenheiros e académicos pagaram uma inspecção ao local. Chegaram à conclusão que a reparação dos 11 estaleiros não era difícil, requeria apenas apoio financeiro e técnico por parte do Governo. Até mesmo o Presidente do Instituto Cultural, que vai deixar o cargo brevemente, afirmou pessoalmente aos jornalistas que a preservação da totalidade da zona dos estaleiros era possível com tecnologias modernas. Mas a DSSOPT não consultou o Instituto Cultural antes de ordenar a demolição.

“Iremos impulsionar a governação pública, aperfeiçoar o mecanismo de consulta, estimular a participação do público; persistiremos no cumprimento do princípio da racionalização de quadros e simplificação administrativa, para a subida da qualidade e o aumento da eficácia, elevar a qualidade de serviços em todos os aspectos dos trabalhadores de serviços públicos, construir plenamente um Governo e uma sociedade baseados no Estado de Direito, e impulsionar o progresso ordenado e gradual da política democrática” – este é um dos sete maiores objectivos do “Plano Quinquenal de Desenvolvimento da Região Administrativa Especial de Macau (2016-2020)”. Mas o que se está a passar não parece coincidir com este objectivo! O que Macau precisa é de um Governo responsável, não de um Governo que aja de forma arbitrária.

Talvez alguns dos leitores possam pensar, “ah, mas mesmo que toda a zona dos Estaleiros de Lai Chi Vun fosse recuperada, a indústria naval de Macau não seria revitalizada”. A atitude mais pragmática seria, depois de demolir os estaleiros, construir edifícios habitacionais ou leiloar os terrenos para construção de propriedades de luxo”. Apesar deste ponto de vista, Zhu Rong, professor universitário do Continente, da Escola de Design da Universidade de Jiangnan referiu-se ao assunto na sua publicação “Conservação e reutilização dos Estaleiros de Lai Chi Vun de Macau numa perspectiva cultural e turística” datada de 2015. Zhu Rong afirmava nesta publicação. “Os singulares traços históricos de Macau, moldados por características culturais únicas, apresentam grande potencial para o desenvolvimento. E já que a herança industrial é componente importante da herança cultural, existe uma larga margem para a reutilização e para projectos futuros. Quando falamos da protecção e reutilização dos Estaleiros de Lai Chi Vun em Coloane não estamos simplesmente a defender a conservação de ruínas materiais, estamos a defender a protecção de valores humanitários”.

Quando fui à Alemanha no ano passado, reparei que bastantes edifícios eram muito antigos o que seria de estranhar num país que foi devastado pela II Guerra Mundial. Vim a saber mais tarde pelo guia que, durante a reconstrução do país, os alemães fizeram um enorme esforço para recuperar as alvenarias originais dos edifícios destruídos e reconstruíram-nos de maneira a assemelharem-se o mais possível à forma original. Moveu-os a vontade de preservar o espírito germânico através destes edifícios, como legado às novas gerações. Por enquanto, o Governo da RAEM ainda tem um parque industrial histórico intacto. Demoli-lo será uma lástima! É responsabilidade do Governo e das gentes de Macau fazer todo o possível para o conservar!

17 Fev 2017

A normalidade

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a confusão dos dias, nas horas que se passam sempre da mesma maneira, é fácil esquecermo-nos de como esta terra é tão diferente de todas as outras. E de como esta terra se modificou. O nosso olhar está viciado, acostumámos os nossos sentidos ao que nos rodeia, deixámos de saber que as coisas podem ser diferentes. Que as coisas podem ter outros contornos, mais normais.

Foi assim que aconteceu. As ruas encheram-se de turistas e deixámos de passar por certas ruas, para evitar encontrões e pisadelas. Os pequenos restaurantes de sempre desapareceram e, hoje, mais não são do que notícias de jornais, guardadas no arquivo. Macau passou a ter o maior número de lojas de jóias por centímetro quadrado, o maior número de lojas de malas caras por rua. Como se vestíssemos carteiras e almoçássemos ouro e diamantes.

Deixámos de percorrer as ruas de antes e a cidade ficou mais pequena, ainda mais pequena. O que encontramos nas avenidas e becos e pátios não nos agrada, não nos sabe bem, pelo que a casa é a solução, é o sossego, desde que o vizinho não grite com a mulher ou bata com a porta ao final do dia.

Os números do PIB subiram, os números do PIB desceram, Macau é uma terra de imensa riqueza contada a patacas, mas de uma incrível pobreza no trato. Os velhinhos sorridentes dos mercados estão a desaparecer, escondidos pelas cabeças dos turistas que se fotografam, sorridentes, junto às coisas antigas do sítio onde podem ganhar milhões, para voltarem ricos a casa.

No meio de tudo isto, nós – e sobretudo o Governo – não demos conta de que o mundo evoluiu. É uma evolução já antiga, com provas dadas no resto do planeta que diz ser do primeiro mundo, por ter dinheiro para entrar nessa categoria. Macau parou num certo tempo, não sei bem qual porque não nasci nele, e justifica a pausa com questões de natureza cultural, desculpa aparentemente perfeita para que não se questionem as razões da paragem, do congelamento numa época que já não se usa. Arrepio-me de cada vez que um governante chama a cultura local à colação para justificar a inactividade, a incapacidade de mudança, a preguiça em não ajudar à evolução de que todos nós precisamos.

Há uns anos, fui insultada por várias pessoas por sugerir a uma mulher muito grávida que passasse à frente de uma longa fila para pagar a conta do telefone. Uns anos depois, um funcionário público que me atendeu, após uma hora de espera, sugeriu-me que, numa ocasião futura, deixasse o bebé que transportava comigo em casa ou, em alternativa, à porta do serviço público, junto ao segurança, qual animal de estimação.

Vivemos numa terra onde as salas de amamentação estão na ordem do dia. Vivemos numa terra onde os pais não têm direito a uns míseros dias por altura do nascimento dos filhos, onde as mães mal têm tempo para recuperar dos partos, onde a legislação não protege as mães trabalhadoras, onde o conceito de parentalidade ainda não entrou na ordem jurídica. É uma terra onde os patrões acham que ter filhos é uma questão pessoal e não entendem que é, essencialmente, uma questão de dimensão social.

Como vivemos numa terra onde as pessoas que aqui vivem pouco contam, nas mais pequenas coisas e nas grandes também, sugestões que venham de fora são encaradas com alguma estupefacção. Ontem, questionada sobre a criação de uma lei que garanta – pelo menos nos serviços públicos – a prioridade no atendimento a grávidas, mulheres com crianças de colo, portadores de deficiência e idosos com dificuldades de locomoção, a secretária para a Administração e Justiça não afastou totalmente a ideia, mas explicou aos ocidentais jornalistas que por aqui não há essa cultura. É mais ou menos o mesmo que dizer que, não havendo essa cultura, não há grande necessidade.

Acontece que as pessoas viajam, lêem, evoluem, amadurecem, envelhecem, sentem necessidades que, no atropelo dos dias, se tornam mais chatas, mais difíceis de gerir. A amamentação é um bom exemplo de que a sociedade muda mais depressa do que os nossos governantes, fracos no exercício da previsão política, são capazes de imaginar.

Mas depois fica tudo bem. Voltamos ao quotidiano certinho, ao casa-trabalho, trabalho-casa, evitamos as ruas de maior confusão e esquecemo-nos do quão longe anda a normalidade.

17 Fev 2017

Lídia Adelina Lourenço, artista de doçaria | Prémios de açúcar

[dropcap style≠’circle’]L[/dropcap]ídia Adelina Lourenço nunca tinha feito um bolo daqueles que parecem verdadeiras obras de arte e que nem apetece comer, para não estragar. Contudo, foi lendo, experimentando, até se transformar na primeira artista de pastelaria em Macau a fazer bolos a três dimensões. Foi a descoberta de um talento que estava escondido.

Tudo começou em 2009, quando um problema pessoal a levou a experimentar um novo mundo. “Sentia-me triste, não tinha confiança”, contou Lídia Adelina Lourenço, que à época trabalhava na Teledifusão de Macau.

“Senti que, quando saía do trabalho, tinha de fazer outras coisas. Então comecei a fazer bolos com base em vídeos no YouTube e aí sentia-me contente. Era difícil sentir-me contente naquela altura. Comecei a levar bolos todos os dias para o trabalho, até que a minha chefe me sugeriu que abrisse uma página no Facebook para tentar vendê-los. Achei que não conseguia fazê-lo, porque nunca tinha estudado nesta área. Mas a verdade é que comecei a vender desde a primeira publicação que fiz, já há sete anos”, contou ao HM.

Começou por vender bolos comuns, até que surgiram as primeiras encomendas para bolos diferentes de todos os outros. A artista aprendeu tudo aquilo que sabe sozinha.

“Mandei vir livros do Reino Unido e comecei a ler sozinha como podia fazer bolos a três dimensões. Naquela altura mais ninguém fazia isso em Macau. Comecei a ter mais confiança em mim”, recorda.

Anos depois, Lídia Adelina Lourenço obteve o terceiro lugar a nível mundial na modalidade de arte em pastelaria, e conta com seis prémios, incluindo quatro medalhas de ouro em competições. Este ano, vai participar numa competição em Nova Iorque, em Maio, e noutra na cidade italiana de Milão, em Outubro.

Para esta artista, alinhar em concursos representa muito mais do que trazer troféus para casa. “Gosto de participar em competições porque assim posso adquirir mais experiências e conhecer mais pessoas, não é apenas para ganhar. É algo positivo. O facto de perdermos neste tipo de campeonatos não quer dizer que seja um mau trabalho, pois todos os trabalhos são bons”, explicou.

A arte de Lídia Adelina Lourenço já chegou à televisão, tendo protagonizado um programa de culinária de alguns episódios na TDM. O programa deverá regressar este ano ao pequeno ecrã, contou a artista.

Ensinar os outros

Lídia Adelina Lourenço também faz parte do Conselho das Comunidades Portuguesas, na qualidade de suplente, mas são os bolos que são o seu ganha-pão, apesar das horas de trabalho que representam. “Muitas vezes penso que deveria mudar de profissão e poderia ganhar mais, mas gosto de fazer isto”.

A artista recorda o momento, numa competição em Birmingham, no Reino Unido, em que despendeu 15 horas por dia a fazer duas esculturas, no período de duas semanas. O esforço, porém, compensou: ficou em terceiro lugar ao nível mundial, numa competição que recebe artistas de todo o mundo.

Lídia Adelina Lourenço abriu, em Maio de 2015, a sua loja, intitulada “Linalenço Dessert”, onde também promove workshops com outros artistas de renome mundial. Nestas sessões os interessados podem, por exemplo, aprender a fazer bolos iguais às famosas malas Birkin, da Hermés.

“Antes paguei as minhas deslocações para aprender esta arte em países como a Inglaterra e os Estados Unidos, então tive a ideia de começar a convidar estes artistas para que, assim, as pessoas possam aprender alguma coisa sem saírem de Macau. Todos os dias tenho encomendas e dou aulas.”

Apesar de reconhecer que ganha pouco tendo em conta as horas que gasta com cada obra de arte, Lídia Adelina Lourenço não se vê a mudar de profissão. “Adoro fazer isto porque cada bolo, para mim, é especial. Gosto de fazer bolos em forma de escultura, embora demore muito tempo.”

“Já fiz mais de mil desenhos para bolos, gosto que cada pessoa tenha o seu próprio desenho, um bolo diferente. Não sei muito bem o que me inspira. Só sei que todos os dias faço algo diferente, depende do que o cliente gosta ou deseja”, disse ainda. Atenta às últimas tendências em termos de alimentação, Lídia Adelina Lourenço admite criar receitas para quem é alérgico a ovos ou farinha. O açúcar, corantes e cremes especiais é que não podem faltar.

17 Fev 2017

Tailândia | Polícias e soldados cercam complexo religioso

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]oldados e polícias cercaram ontem um templo budista nos subúrbios de Banguecoque, atingido por um escândalo, na tentativa de prender o seu líder espiritual, depois do primeiro-ministro ter invocado poderes especiais para colocar o lugar sob controlo militar.

Trata-se do mais recente desenvolvimento no âmbito da saga de longa data envolvendo o templo Wat Dhammakaya, de uma ordem budista separatista cujo controverso fundador foi acusado nomeadamente de lavagem de dinheiro e desvio de fundos mas nunca foi presente a tribunal.

Tentativas anteriores de fazer rusgas no complexo religioso foram frustradas depois de milhares de fiéis terem aparecido para defender o monge septuagenário, identificado como Phra Dhammajayo, segundo os ‘media’ tailandeses.

Suspeita-se que o homem, que não é visto em público há meses, esteja escondido no interior do templo.

O monge é acusado de lavagem de dinheiro e de ter aceitado fundos desviados no valor de 1,2 mil milhões de baht (cerca de 33 milhões de euros) do proprietário de um banco cooperativo que foi entretanto preso.

Ao início do dia de ontem, centenas de agentes e militares estavam no local, onde fecharam estradas que levam ao enorme templo, na sequência de uma ordem aprovada repentinamente pelo líder da junta e primeiro-ministro, Prayut Chan-O-Cha.

A ordem invoca poderes especiais, da chamada “secção 44”, para colocar a zona sob controlo militar.

“Estamos a montar um cordão em torno do templo e depois vamos fazer buscas em todos os edifícios”, afirmou o coronel Paisit Wongmaung, chefe da DSI, o equivalente tailandês ao FBI.

“Se [o monge] pensa que é inocente deve entregar-se e participar no processo judicial”, acrescentou.

Ligações perigosas

Num comunicado enviado por e-mail, citado pela agência AFP, o templo indica que “4.000 polícias e militares” foram destacados para o local, implantando bloqueios que “proíbem neste momento qualquer pessoa de entrar ou sair” do complexo religioso.

Segundo a agência noticiosa francesa, apoiantes do líder religioso devem estar no interior do templo, ao lado dos monges, dado que podem ser ouvidos mantras no exterior.

Têm sido feitas diversas tentativas, em vão, de persuadir o antigo líder do templo a deixar o complexo.

O templo também é acusado de ter ligações ao antigo-primeiro-ministro Thaksin Shinawatra, deposto no golpe militar de 2006.

O governo da sua irmã Yingluck, que também foi primeira-ministra, também foi alvo de um golpe pelos militares em 2014.

O templo tem uma sofisticada operação de relações públicas, incluindo o seu próprio canal, e acolhe diversos grandes encontros de monges anualmente.

Nos últimos 30 anos, o templo Dhammakaya cresceu exponencialmente, angariando dezenas de milhões de dólares.

17 Fev 2017

Hong Kong | Milionário chinês continua desaparecido

Há pouco mais de um ano, foram os livreiros. Agora, um empresário com muito dinheiro e com boas ligações políticas a Pequim. O que é feito de Xiao Jianhua? Ninguém sabe onde está, nem o que terá levado ao desaparecimento do milionário. Mas Hong Kong sai cada vez pior no retrato

 

[dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]á passaram mais de duas semanas desde que Xiao Jianhua atravessou, pela última vez, a porta da suite de luxo que ocupava no hotel Four Seasons em Hong Kong. O desaparecimento de um milionário – mesmo tratando-se de alguém relativamente discreto, como é caso de Xiao Jianhua – é, em períodos de normalidade, alarmante. Mas, quando o local para onde foi levado é o “buraco negro” da segurança de Estado da China, a situação é ainda mais preocupante.

É assim que começa um longo artigo do Guardian sobre o último grande mistério de Hong Kong. O jornal presta especial atenção ao que está a acontecer na antiga colónia britânica, num texto que tem como título, em citação, “o tempo mais sombrio”.

Xiao Jianhua é conhecido por ter relações próximas e negócios com famílias ligadas à elite chinesa, incluindo pessoas próximas do Presidente Xi Jinping. Muitos acreditavam que essas ligações faziam dele uma figura intocável. O local que escolheu para viver – um hotel onde uma suite pode custar mais de 210 mil patacas por mês – e o facto de estar no ambiente relativamente seguro de Hong Kong, com um sistema judicial separado da China, dariam ao milionário uma protecção extraordinária.

O empresário tinha ainda uma forte rede de seguranças, com contratos celebrados com várias empresas. Costumava andar rodeado de mulheres que desempenhavam a tarefa de garantir que ninguém lhe faria mal.

Mas nada disto teve qualquer relevo quando foi visto a ser levado, numa cadeira de rodas, por agentes de segurança da China, vestidos à paisana. De acordo com o New York Times, Xiao Jianhua tinha a cabeça coberta com um lençol e foi transportado para a fronteira com o Continente, onde entrou, possivelmente de barco, para evitar o controlo na imigração.

Fortuna a mais

Numa altura em que Hong Kong se prepara para assinar o 20.o aniversário da transferência de soberania, o caso de Xiao Jianhua – à semelhança do que aconteceu, há pouco mais de um ano, com cinco livreiros da antiga colónia britânica – vem salientar o estado de erosão da autonomia e das liberdades prometidas, escreve o Guardian. A estranha história do milionário ameaça ainda a reputação internacional do território.

“Há uma tendência crescente para Hong Kong se transformar, cada vez mais, numa cidade como outra qualquer da China Continental”, diz Anson Chan, antiga deputada e ex-secretária-chefe do Governo da região, funções que desempenhou antes e depois de 1997. “De que modo poderemos nós competir como cidade global se não garantirmos o respeito pelo Estado de direito, a independência do sistema judiciário, os direitos e as liberdades, especialmente a liberdade de expressão e a circulação livre de informação?”, lança.

“São estas as vantagens de Hong Kong mas, a cada dia que passa, assistimos a uma erosão dessas mais-valias. O longo braço das autoridades do Continente chega a Hong Kong”, afirma.

Xiao Jianhua ocupa o lugar número 32 da lista dos mais ricos da China Continental, com uma fortuna avaliada em 40 mil milhões de yuan. Desde 2013, mais do que triplicou as contas bancárias. Controla o Tomorrow Group, que tem participações no sector imobiliário, nas áreas dos seguros e na banca, e nos sectores do carvão e do cimento.

A sua riqueza pode ter sido a sua desgraça, na sequência da ideia deixada pelo regulador da bolsa chinesa em relação ao plano de captura dos “crocodilos do mercado de capitais”.

A China atravessou momentos complicados em 2015, com consequências não só para o valor das acções em bolsa, mas também para a reputação do país em termos financeiros.

Xiao Jianhua ajudou a irmã e o cunhado de Xi Jinping a verem-se livres de bens depois de, em 2012, a Bloomberg ter dado conta da riqueza da família do Presidente. Além disso, escreve o Guardian, o empresário fez investimentos com outros membros da elite política do país.

Depois de Xiao ter desaparecido, a sua mulher pediu para ter protecção policial, mas tentou retirar o apelo e, alegadamente, fugiu para o Japão. As autoridades de Hong Kong dizem estar a investigar o sumiço do milionário, mas fontes do jornal descrevem o caso como estando muito além das competências da polícia local.

Em ramo verde

Entretanto, há homens de negócios de Hong Kong que começam a reconsiderar o significado das ligações a empresas da China Continental, especialmente às que são controladas por elites bem posicionadas do ponto de vista político.

“Havia a sensação de que aqueles que fizessem investimentos com pessoas politicamente poderosas estariam a salvo, mas o desaparecimento de Xiao Jianhua demonstra que isso não funciona”, afirmou ao Guardian um empresário de Hong Kong, com muitos negócios na China, que preferiu não ser identificado. “Muitas pessoas perguntam: valerá a pena, se depois alguém me for buscar a casa a meio da noite?”.

Existia a ideia de que Hong Kong era um santuário. O acordo da transferência de soberania do Reino Unido para a China procurou salvaguardar a autonomia relativa do território, com liberdades que não existem no Continente, ao abrigo do princípio “um país, dois sistemas”. A polícia chinesa não pode operar na cidade.

“Quem achar que Hong Kong é uma espécie de céu, está a iludir-se. Se a China quiser deter determinada pessoa, fá-lo”, avisa o mesmo empresário, sob anonimato. “Muitas pessoas apenas esperam ter a possibilidade de pegarem nelas próprias, nas famílias e no dinheiro e saírem de Hong Kong antes de os chineses os apanharem.”

Quando cinco livreiros – responsáveis pela publicação de obras, do desagrado de Pequim, acerca de líderes da China – desapareceram em 2015, vários empresários estrangeiros demonstraram, junto dos consulados na cidade, preocupação em relação às autoridades de Hong Kong e do Continente.

“É a época mais sombria para os direitos humanos e para a liberdade de Hong Kong”, defende o deputado Nathan Law, que integra a comissão de segurança do Conselho Legislativo. “Costumávamos achar que desaparecer a meio da noite só acontecia na China, mas agora isso também se verifica em Hong Kong.”

O deputado aponta o dedo à actual liderança de Pequim: “Com este Governo, e com Xi Jinping a comandar a China, a situação tem vindo a piorar, e todos os cidadãos de Hong Kong têm essa sensação”. Para Nathan Law, assistiu-se a uma “rápida deterioração” nos últimos cinco anos.

O membro do Conselho Legislativo conta ainda que conhece pessoas que estão a ponderar a possibilidade de emigrarem, uma vez que, com este desaparecimento recente, deixaram de se sentir seguras. Deixar a cidade é, há muito, o plano B dos residentes mais afortunados, depois do massacre de Tiananmen, em 1989, e dos anos que antecederam a transferência de soberania, em 1997.

O silêncio

Uma das razões para o desaparecimento de Xiao Jianhua nesta altura do campeonato poderá ser a reunião de alto nível do Partido Comunista Chinês, agendada para Outubro próximo. É neste encontro que vai ser decidida a nova constituição do comité permanente do Politburo, com consequências para a liderança do país a médio prazo.

O Presidente Xi Jinping, consensualmente entendido como sendo um dos políticos mais poderosos desde Mao Zedong, passou os últimos cinco anos a consolidar o seu poder e todos os analistas acreditam que não pretende interferências nos seus planos, de modo a poder cumprir mais um mandato sem obstáculos partidários.

Os investimentos de Xiao Jianhua ao lado de famílias da elite significam que poderá estar na posse de informação sensível sobre uma série de figuras importantes na hierarquia do Partido Comunista Chinês. A opção de viver no Four Seasons em Hong Kong não foi uma iniciativa inédita: quando os media chineses deram conta de que Xiao tinha estado envolvido na privatização de bens estatais abaixo do valor de mercado, o empresário foi viver temporariamente para o Canadá, indica o New York Times num perfil escrito em 2014.

Além de ter documentos de viagem do Canadá, conquistados através de investimentos no sector imobiliário, Xiao Jianhua tem também um passaporte diplomático de Antígua e Barbuda, na qualidade de “embaixador com poderes para promover o investimento, as trocas e o comércio, o desenvolvimento do turismo e dos negócios com as autoridades de todos os estados e territórios”. Esta nomeação foi polémica, com a oposição do arquipélago a contestar os poderes concedidos ao empresário chinês.

Até à data, não houve qualquer comentário oficial da China acerca do desaparecimento de Xiao Jianhua. O caso deu azo às mais variadas especulações, uma vez que ninguém sabe o que é que o milionário poderá ter feito para merecer tão misteriosa sorte.

“Há muitos empresários poderosos em Hong Kong, podem pisar o risco a qualquer momento, e há cada vez mais riscos que não podem ser pisados”, diz Nathan Law, o deputado pró-democrata. “Talvez um dia pise uma dessas linhas, sem saber que estou a fazê-lo, e na manhã seguinte já não esteja em Hong Kong. De facto, essa ameaça existe.”

16 Fev 2017

Biblioteca Central | Orçamento final será conhecido em 2019

O secretário para os Assuntos Sociais e Cultura confirmou na Assembleia Legislativa que o orçamento de 900 milhões de patacas poderá não chegar para erguer a Biblioteca Central no edifício do antigo tribunal, mas os valores exactos só serão conhecidos em 2019. A localização é para manter, apesar de algumas críticas dos deputados

 

[dropcap style≠’circle’]“S[/dropcap]e o edifício do antigo tribunal fosse utilizado para albergar serviços públicos, seria um desperdício.” As palavras são do secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, e servem para confirmar que a futura Biblioteca Central vai ser mesmo construída no centro da península, apesar de alguns deputados terem ontem defendido a sua edificação na zona dos novos aterros.

Quanto ao orçamento, Alexis Tam deixou claro que 900 milhões de patacas, o valor já anunciado, não deverão ser suficientes para erguer o projecto. Contudo, o orçamento exacto só será conhecido daqui a dois anos, quando for aberto o concurso público para as obras. O processo para o projecto de arquitectura só terá início em 2018, sendo que a inauguração da biblioteca ficou prometida para 2022.

“Penso que não vai ser suficiente o orçamento de 900 milhões de patacas, não é um número preciso”, apontou o secretário. “A Biblioteca Central de Hong Kong custou 700 milhões de dólares de Hong Kong, mas trata-se de um número de há dez anos. No futuro, vai haver um concurso público e só aí é que vão existir números precisos.”

Afirmando tratar-se de uma “estimativa por baixo”, o secretário acabou por afirmar que o orçamento poderá ser inferior ou superior às 900 milhões de patacas.

“Quando há muito dinheiro fazem-se as pessoas passar por tolos”, disse o deputado Ng Kuok Cheong. “Se não fosse uma cidade com tanto dinheiro, jamais um governante diria isso. Tal só acontece porque há eleições num circuito restrito”, criticou o deputado.

“Se conseguir atrair os nossos jovens, criar hábitos de leitura e fazer algo pela população, 900 milhões de patacas não é nada”, defendeu, por sua vez, Mak Soi Kun.

No debate, proposto pela deputada Song Pek Kei, Alexis Tam levou maquetas do projecto e distribuiu dados de outras bibliotecas centrais construídas em várias cidades do mundo.

O secretário prometeu manter as fachadas dos dois edifícios onde ficará albergada a biblioteca. “Não vamos desmantelar nada. Trata-se de um edifício histórico, solene, e é o local ideal para a revitalização. Há muitos exemplos de transformação de edifícios históricos para actividades culturais ou actividades comerciais”, frisou Alexis Tam.

Vários deputados questionaram a localização da futura Biblioteca Central por se tratar de uma zona com muito fluxo de pessoas e tráfego, mas o secretário confirmou que há “1600 lugares de estacionamento nos auto-silos perto, incluindo 30 itinerários de autocarros, o que facilita o acesso das pessoas”.

Mais bibliotecas de bairro

Alexis Tam repetiu ao longo da tarde que a Biblioteca Central irá servir não apenas estudantes e idosos, mas também académicos, além de constituir uma plataforma para publicações históricas. A construção de mais bibliotecas comunitárias está nos planos do Executivo.

“Já ponderámos outros locais, perto do Centro de Ciência e nos novos aterros. Se, no futuro, houver espaço podemos construir aí mais bibliotecas comunitárias. Também na zona de Seac Pai Van pensámos criar uma biblioteca comunitária. Estas bibliotecas comunitárias desempenham o papel de uma sala de leitura mas, comparando com a Biblioteca Central, as funções são diferentes”, apontou. “Há universidades que têm bibliotecas ainda maiores do que esta, que não é assim tão grande quanto isso”, acrescentou ainda Alexis Tam.

Chui Sai Peng ausente

O deputado Tsui Wai Kwan lembrou a polémica ocorrida em 2008, quando o Comissariado contra a Corrupção (CCAC) foi obrigado a intervir perante o facto de o gabinete do engenheiro civil e deputado José Chui Sai Peng ter feito a consultadoria para o projecto, sendo que a vencedora do concurso acabaria por ser uma arquitecta da sua empresa, de nome Vong Man Ceng. “Houve um problema com o concurso público e isso levou a um desperdício de tempo”, afirmou.

Numa sessão plenária em que Chui Sai Peng não esteve presente, o secretário optou por não comentar o caso. “Não queria aqui abordar o que se passou. Só posso dizer que todos os projectos demoram tempo e esta obra será concluída no próximo mandato. Mas, se não iniciarmos agora o trabalho, o próximo Governo demorará mais tempo a realizá-lo.”

Alexis Tam referiu ainda que o projecto “não entrará em conflito com as habitações públicas”, pois também “faz parte da vida quotidiana da população”. “Não é lógico que sejam construídas habitações públicas neste edifício. Se construirmos a futura biblioteca nos novos aterros, a obra poderá levar dez a 20 anos, e penso que este local é o mais adequado”, reiterou Alexis Tam.

 

 

Angela Leong defende preservação do Hotel Lisboa

A deputada Angela Leong defendeu no debate de ontem a necessidade de preservar o Hotel Lisboa. “Temos edifícios que podem transformar-se e ter outra finalidade, mantendo o seu valor histórico, como é o caso do Hotel Lisboa. Houve casos em que a Fundação Macau adquiriu esse tipo de edifícios, que devem ser preservados, pois só assim será conhecida a nossa história. Está a olhar para mim, mas sim, vou preservar a Pousada de São Tiago. Não vou entregar ao Governo para fazer pressão.” Esta terça-feira a deputada confirmou que a pousada vai fechar temporariamente devido às obras do metro ligeiro, mas afastou a possibilidade de alterações profundas ao edifício.

16 Fev 2017

Casinos | Governo admite continuação das salas de fumo e reforça medidas

 

A ideia de acabar totalmente com o consumo de tabaco em espaços fechados não é para já. Em resposta aos estudos feitos pelo sector do jogo, os Serviços de Saúde moderam o discurso da tolerância zero. Continua a ser uma meta a longo prazo e há mais exigências às operadoras. Alexis Tam diz que não há cedência a pressões

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s Serviços de Saúde (SS) anunciaram ontem medidas que vão de encontro às sugestões dos casinos para as salas de fumo, aumentando, porém, os padrões de exigência. “Os critérios agora estabelecidos têm validade no mundo inteiro, são de nível elevado. Espero que as salas de fumo salvaguardem a saúde dos funcionários dos casinos.” As palavras são de Cheang Seng Ip, subdirector dos SS, que demonstra concordância com as conclusões dos estudos apresentados pelo sector do jogo.

Para os serviços liderados por Lei Chin Ion, as propostas das operadoras têm de ser consideradas com seriedade, não significando, no entanto, que todas as sugestões foram aceites. O subdirector dos Serviços de Saúde refere que são uma referência, mas que “os serviços propõem um critério mais elevado na salvaguarda da saúde dos trabalhadores dos casinos”.

O fim do tabaco em espaços fechados continua a ser o grande objectivo dos Serviços de Saúde. “A instalação de salas de fumo é um passo avançado na progressão para a proibição total mas, da nossa parte, gostaríamos que fosse mais rápido, ainda há muitas considerações a serem tomadas”, revela Tang Chi Ho, chefe do Gabinete para a Prevenção e Controlo do Tabagismo.

Exigências aumentam

À margem do debate sobre a Biblioteca Central, Alexis Tam reiterou a ideia de que as salas de fumo serão o caminho a seguir. Apesar de afirmar que ainda não tinha recebido o documento dos SS, o governante tomou conhecimento do mesmo achando que “a proposta é viável”. O secretário para os Assuntos Sociais e Cultura comentou ainda que, “se as salas de fumo forem bem instaladas e não afectarem os outros, então não há problema”.

Agora a bola está do lado das operadoras, que terão de se pronunciar acerca das exigências técnicas do Governo. Alexis Tam afasta a ideia de cedência aos casinos, uma vez que, aquando da “aprovação da lei na generalidade na AL, foram auscultadas opiniões da população e dos trabalhadores”. O Executivo “tem de balançar os interesses de todos, isso é a democracia, mas é difícil obter consenso de cem por cento das partes”, acrescentou.

De acordo com as sugestões dos Serviços de Saúde, os casinos têm de cumprir as normas do Regulamento de Segurança contra Incêndios e Regulamento Geral de Construção Urbana. Além disso, as salas de fumos precisam de estar separadas fisicamente das restantes instalações dos casinos. As exigências dos serviços impõem também que os revestimentos dos tectos, paredes e pavimentos devem impedir o vazamento de fumos. Além disso, as portas das salas de fumo devem ser deslizantes e com fecho automático. Nestas zonas não se poderá jogar, nem podem ser afixados anúncios que incentivem o consumo do tabaco. Aguarda-se resposta das operadoras.

16 Fev 2017

CAEAL | Apresentadas condições para as candidaturas às eleições

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oram anunciados os requisitos a preencher pelas listas que se proponham ir a votos nas próximas eleições. O maior relevo vai para o número 300, o mínimo de assinaturas que uma candidatura deverá ter de forma a aparecer no boletim de voto.

O presidente da Comissão dos Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL), Tong Hio Fong, anunciou que será estabelecido um local de atendimento para “a apresentação de candidaturas e esclarecimento da população”. O local escolhido é o mesmo do anterior sufrágio, ou seja, o rés-do-chão do Edifício da Administração Pública na Rua do Campo. “Com base nas experiências que tivemos nas eleições anteriores, veremos se há melhorias a fazer no local, como acrescentar equipamentos”, explicou o presidente da CAEAL.

A comissão vai também aferir da viabilidade legal das candidaturas, depois de analisados todos os documentos entregues, sendo emitido um certificado que garante a legalidade das mesmas.

Acção coordenada

Tong Hio Fong anunciou que a comissão irá reunir com o Comissariado Contra a Corrupção, a PSP e a PJ, de forma a coordenarem esforços no combate a eventuais irregularidades que possam surgir no processo.

A PSP terá em mãos as missões de manter a ordem nas ruas e no trânsito, salvaguardando o fluxo rodoviário durante o período de campanha eleitoral e no dia das eleições. Serão também debatidas ideias com a PJ sobre medidas de investigação de actos ilícitos que possam surgir como, por exemplo, denúncias caluniosas ou actos de difamação na Internet.

As declarações de Tong Hio Fong ocorreram no final da reunião da CAEAL, onde se deliberou o estabelecimento de um mecanismo de ligação com os órgãos de comunicação social. Foi ainda discutida a possibilidade de esta eleição ter mais votantes que a anterior, ou seja, será discutido com a Imprensa Oficial o número de boletins de voto impressos.

Está dado, assim, o pontapé de saída para as eleições, apesar de ainda não haver uma data estabelecida para o acto. No entanto, as formalidades administrativas arrancaram, sendo altura das candidaturas tomarem forma, serem apresentadas e certificadas, antes de inundarem o espaço público com as respectivas campanhas.

16 Fev 2017

FMI | São precisas décadas para diversificar como Las Vegas

 

O Fundo Monetário Internacional considera que é prematuro fazer uma avaliação dos elementos não jogo dos casinos, alertando que são necessárias “décadas” para que a economia se diversifique. Lionel Leong mostra-se “satisfeito” com as conclusões

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]odos os anos o Governo anuncia nas Linhas de Acção Governativa que a diversificação da economia é um objectivo primordial, mas os resultados têm sido vagos. No seu mais recente relatório, o Fundo Monetário Internacional (FMI) considera “prematuro” avaliar o potencial de Macau no segmento extra-jogo por ser uma aposta recente.

“Actualmente, o turismo não-jogo representa apenas 26 por cento do total, muito abaixo dos 64 por cento de Las Vegas. Dito isto, ao ritmo da própria transição feita por Las Vegas, a RAEM iria precisar de cerca de 30 anos para atingir um nível idêntico de diversificação”, lê-se nas conclusões citadas pela Agência Lusa.

Não obstante, o FMI nota que “muitos centros de jogo em todo o mundo lutaram para fazer essa transição”. A instituição com sede em Washington afirma que continua a ser precoce avaliar o potencial de Macau no segmento não-jogo porque “só recentemente é que as operadoras de jogo investiram na necessária oferta, em particular, em adequar os hotéis para atrair grandes convenções e mais entretenimento apropriados para o visitante que não procura casinos”, como as famílias.

“Macau tem uma economia particularmente concentrada. O turismo chegou a representar quase 90 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) no ‘pico’ e agora [o peso] diminuiu para uma percentagem ainda elevada de 67 por cento”, sublinha o FMI que, faz o paralelo com a fatia média que o sector detém nas economias das Caraíbas (apenas 19 por cento).

O FMI também recorda que o turismo é enorme em termos absolutos, com Macau a gerar a décima maior receita do mundo (e a quarta na Ásia), algo “impressionante” para um território pequeno com uma população estimada em aproximadamente 647 mil habitantes.

A indústria do jogo representa entre 73 a 80 por cento do total do sector do turismo e 94 por cento das receitas das operadoras de jogo. O FMI observa ainda que se considera “crucial” o aumento da capacidade hoteleira (os quartos aumentaram de 27.300 em 2014 para 36.300 em 2016, contra 62.000 em Las Vegas), na medida em que as restrições em termos de oferta limitaram anteriormente o espaço para a realização de grandes eventos.

Lionel Leong, secretário para a Economia e Finanças, reagiu entretanto ao relatório. Citado por um comunicado oficial, o governante mostrou-se “satisfeito pelo reconhecimento da capacidade de resposta da cidade, numa mudança económica e por uma melhor previsão do crescimento económico de Macau, bem como pela confiança na diversificação adequada da economia e indústrias”.

Três frentes

Com uma economia fortemente dependente da indústria do jogo, Macau tem, há muito, o “ambicioso plano” – como descreve o FMI – de a diversificar, uma meta que compreende três frentes.

Em primeiro lugar, diversificar a própria indústria do jogo, do segmento VIP para o mercado de massas. Depois, alargar a própria carteira de turistas – procurando atrair mais visitantes pela oferta extra-jogo em detrimento dos casinos – e, por fim, abrir o espectro das fontes de rendimento do sector do turismo para o dos serviços financeiros, conforme o primeiro plano quinquenal de Macau apresentado no ano passado.

Malditos choques

Na sua análise sobre Macau, o FMI aponta ainda que os recentes “choques” sofridos pela economia [queda das receitas dos casinos] evidenciam a importância da estratégia de a diversificar.

“Os recentes ‘choques’ externos sublinham a importância da estratégia das autoridades de uma transição para um modelo económico mais diversificado”, mas “felizmente, a RAEM inicia esta transição a partir de uma posição de força”, dado que conta com “importantes amortecedores”, sublinha a instituição com sede em Washington.

Apesar de notar que os ‘choques’ sofridos pela economia de Macau colocaram em relevo a importância de diversificar o tecido económico – com “a rapidez e dimensão da recente queda da procura externa a servir de lembrete de quão curta a base se tornou durante os anos de ‘boom’” –, os efeitos no resto da economia foram “surpreendentemente limitados”.

O FMI dá o exemplo da baixa taxa de desemprego e da mediana dos salários, que estabilizou, acima dos níveis de 2014.

“A principal fonte dessa resiliência foi que, não obstante a média das despesas dos visitantes ter caído significativamente, o número de turistas se manteve estável.” “A grande fatia da contracção nas receitas foi absorvida na forma de lucros extraordinários menores em vez de numa redução do emprego”, explica o FMI.

Além disso, “a resiliência na procura por mão-de-obra no sector do turismo ajudou a conter a queda no consumo interno e a deterioração da qualidade dos activos bancários”.

16 Fev 2017

Ho Chio Meng | TUI discute papel de irmão de Florinda Chan

 

O Tribunal de Última Instância voltou a discutir o papel do irmão da antiga secretária para a Administração e Justiça na fiscalização dos alegados falsos contratos, atribuídos durante o tempo em que Ho Chio Meng foi procurador. Foi ouvida também uma testemunha que falou de outros tempos, mais recentes

 

[dropcap style≠’circle’]R[/dropcap]oque da Silva Chan, irmão da antiga secretária para a Administração e Justiça, recusou-se a cumprir uma ordem superior, dada por um dos arguidos envolvidos neste caso, de acordo com uma testemunha ouvida ontem de manhã, noticiou a Rádio Macau, que tem estado a acompanhar o julgamento do antigo procurador da RAEM.

Chan Hoi Fan fez parte do grupo criado por Ho Chio Meng para lidar com a aquisição de bens e serviços para o Ministério Público (MP), em sobreposição com o departamento financeiro. A equipa foi liderada por Chan Ka Fai, co-arguido no processo de Ho Chio Meng, e terá cometido várias irregularidades nas adjudicações: foram emitidas facturas falsas e omitidos dados relevantes para garantir o pagamento de algumas despesas, como uma viagem à Europa, em que Ho Chio Meng se fez acompanhar da mulher e de um sobrinho.

Durante o mandato do ex-procurador, a aquisição de bens e serviços foi sempre feita às mesmas empresas, todas controladas por familiares e pessoas próximas de Ho Chio Meng. De acordo com acusação, a maior parte dos contratos foi manipulada e haverá casos em que os serviços nunca foram prestados.

Segundo a emissória, Chan Hoi In confirmou que Roque Chan era responsável por ver se os contratos eram executados, mas deu mais detalhes. A testemunha disse que houve situações em que o irmão de Florinda Chan não quis assinar documentos por ser incapaz de confirmar se a informação correspondia à verdade e, num dos casos, ter-se-á recusado a dar luz verde ao pagamento das despesas.

Apesar da falta de informações, os gastos foram sempre liquidados pelo departamento financeiro do MP, que aceitou a omissão de dados como prática comum e não questionou que a entrega dos cheques fosse sempre feita à mesma pessoa.

Misteriosa acusação

Também ontem, foi ouvida Tang Wai Man, funcionária do MP, que afirmou que um dirigente recomendou uma empresa para a realização de obras no piso onde funciona o Gabinete do Procurador.

Em causa está a remodelação do 16º piso do edifício Hotline, o andar onde Ho Chio Meng terá mandado construir uma sauna para uso particular e que continua a ser arrendado pelo MP.

Após a mudança de mandato, o actual procurador, Ip Son Sang, decidiu fazer obras no local. O contrato terá custado sete milhões de patacas, de acordo com Tang Wai Man.

A testemunha que, até Janeiro de 2016, foi chefe do Gabinete de Apoio, declarou que o contrato foi atribuído através de concurso por convite a três empresas. De acordo com Tang, uma das três companhias foi indicada por um dirigente.

De acordo com a Rádio Macau, a testemunha, familiar de Ho Chio Meng, não identificou a chefia em causa, nem foi questionada pelo tribunal sobre este facto.

Tang Wai Man disse ainda que as duas empresas sugeridas ao superior tinham já trabalhado com o MP. Durante o depoimento, a funcionária referiu ainda que o “novo chefe não gostou” que fossem contratadas as anteriores companhias.

Nas últimas sessões, houve vários depoimentos que indicam que o actual Gabinete do Procurador mantém as práticas iniciadas por Ho Chio Meng em relação à aquisição de bens e serviços, havendo apenas uma mudança nas empresas contratadas. Ainda assim, o dado que causou mais perplexidade ao tribunal tem que ver com o facto de MP continuar a usar intermediários para comprar café Nespresso. O juiz Lai Kin Hong ordenou que fosse enviado um oficio ao Gabinete do Procurador a informar que as cápsulas podem ser compradas directamente, através da Internet, sem portes de envio.

A Rádio Macau contactou o MP para esclarecer as informações dadas por Tang Wai Man, mas não obteve resposta até ao momento.

16 Fev 2017

BNU | Congeladas dezenas de contas por omissão de dados pessoais

São normas impostas pela Caixa Geral de Depósitos que, por sua vez, responde às entidades reguladoras de Portugal e da União Europeia. É esta a justificação do BNU para pedir dados que nem todos os clientes estão dispostos a fornecer. Há dezenas de contas que já foram congeladas

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] BNU em Macau congelou “dezenas de contas de clientes” que recusaram autorizar a transferência de dados pessoais para efeitos de supervisão por parte do Grupo Caixa Geral de Depósitos, disse à Agência Lusa o presidente executivo do banco.

“São umas dezenas. Em 225 mil clientes [do BNU em Macau], seja qual for o cálculo que fizer, seja com um, seja com 99, vai ver que a percentagem é muito pequenina”, disse Pedro Cardoso, sem precisar o número de contas congeladas.

Os lucros do BNU em Macau atingiram 560,5 milhões de patacas em 2016, mais 9,8 por cento do que no ano anterior. Pedro Cardoso disse que as contas congeladas representam um volume de negócios “perfeitamente insignificante”, mas escusou-se a revelar valores.

O processo para pedir aos clientes do BNU Macau para darem o seu consentimento para que o banco pudesse prestar à casa-mãe (Grupo CGD) “informação bastante simplificada sobre a relação que têm com o banco” para efeitos de supervisão consolidada foi iniciado em Agosto de 2015.

“Já vamos a mais de 90 por cento do nosso volume de negócio coberto [dos clientes que preencheram o formulário a autorizar a transferência de dados pessoais] e ainda temos mais um ano e meio para o nosso projecto inicial que era até três anos, até ao terceiro trimestre de 2018”, disse.

Pedro Cardoso explicou que o formulário enviado aos clientes “é um requisito que decorre da supervisão” a que a casa-mãe do banco “está sujeita”. “Como se sabe, é sujeita à supervisão do Banco de Portugal e Banco Central Europeu e – depois de termos consultado a Autoridade Monetária de Macau e o Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais, e de termos tido o seu acordo para este nosso processo –, pedimos aos nossos clientes que nos dessem o seu consentimento para podermos prestar esta informação bastante sucinta”, explicou.

Essa informação, segundo referiu, inclui dados de identificação pessoal (nome, local e data de nascimento, entre outros), e dados sobre o valor dos depósitos ou créditos que os clientes têm no BNU em Macau.

Paciência e pedagogia

Para Pedro Cardoso, o processo registou um “sucesso muito assinalável”, e o banco tem tido uma abordagem “muito paciente e pedagógica” em relação aos clientes. “Tivemos, no entanto, alguns clientes que se recusaram, que disseram que, de maneira alguma, dariam essa informação, e chamámos a atenção desses clientes, relativamente poucos, para as consequências dessa posição, que seria ter que terminar a prazo as relações”, acrescentou.

O presidente executivo do BNU Macau afirmou que, depois do contacto com esses clientes, “a maioria repensou a sua posição e decidiu dar o seu consentimento” para a transferência dos dados pessoais. “No entanto, tivemos algumas dezenas que decidiram manter a sua posição e não dar o consentimento ao BNU [em Macau], e banco iniciou um processo de encerramento das relações comerciais com esses clientes.” Pedro Cardoso disse ainda que o encerramento das contas só começou “na parte final de 2016”.

O responsável escusou-se a quantificar o número de clientes que poderão ainda ver as suas contas congeladas, afirmando que “o encerramento dessa relação é muito expedito” nos casos em que os clientes têm apenas conta à ordem.

“Algum cliente que esteja nestas circunstâncias, mas que tenha outros produtos ou serviços, como por exemplo cartões de crédito, crédito à habitação, crédito pessoal, o encerramento não pode ser imediato porque temos obrigações. E aí temos de esperar até ao fim desses contratos”, disse.

A título de exemplo, num caso de um cliente com crédito à habitação, o congelamento da conta poderá só acontecer no final do prazo do contrato de 20 ou 30 anos, apesar de estarem previstas “restrições para a actividade normal do cliente em termos da sua relação com o BNU”.

Actividade do BNU cresceu quase 20 por cento

A actividade de ligação aos países de expressão portuguesa do BNU em Macau cresceu quase 20 por cento em 2016 e “tem uma importância crescente”, “mas ainda é pequena” face a outras linhas de negócio, disse à Lusa o seu presidente.

Sem referir o volume de negócios do Banco Nacional Ultramarino (BNU) em Macau com clientes ligados ao universo lusófono, Pedro Cardoso explicou que o crescimento registado no ano passado ocorreu depois de, em 2015, a mesma área de negócio ter aumentado 153 por cento.

“A actividade de ligação aos países de expressão portuguesa ainda é relativamente pequena face a outras linhas de negócio”, frisou, dando como exemplos o crédito à habitação, que representa 46 por cento do crédito total e é o principal produto; a exposição ao sector do turismo, que é cerca de 20 por cento do crédito; e a actividade de cartões de crédito, em que o BNU tem uma quota de mercado que ronda os 13 por cento em Macau.

Pedro Cardoso justificou os crescimentos registados nos últimos anos com o facto de “a base ser muito pequena” e com a criação, há quatro anos, de uma equipa dedicada a dinamizar a ligação, em termos de negócios, entre Macau ou o interior da China e os países de expressão portuguesa, e todos os 23 territórios onde a Caixa Geral de Depósitos está presente.

“O nosso volume de negócios global neste momento ultrapassa os 10 mil milhões de euros e o volume de negócios associado ao chamado ‘cross border’ com esses países não representa sequer cinco por cento mas, de qualquer forma, tem tido uma importância crescente. E neste último ano o crescimento rondou cerca de 20 por cento”, acrescentou.

Em relação ao mercado lusófono, o objectivo “é continuar a crescer a um ritmo bem superior ao crescimento em Macau”. “O BNU em Macau tem várias vantagens competitivas: uma é a nossa longevidade neste mercado há quase 115 anos (…) e outra é a ligação ao Grupo Caixa Geral de Depósitos, que tem um posicionamento absolutamente ímpar no espaço lusófono”, justificou.

O BNU abriu, no mês passado, a primeira sucursal no interior da China. A abertura da agência situada na Ilha da Montanha foi justificada com o desenvolvimento das relações comerciais entre Macau e a China e também com o papel de Macau como plataforma entre a China e os países de língua portuguesa.

16 Fev 2017

João Miguel Barros: “Olhamos muito, mas vemos muito pouco”

Por achar que já tem idade para mostrar a fotografia que faz, João Miguel Barros decidiu avançar para um livro e uma exposição. “Entre o Olhar e a Alucinação” está na Creative Macau a partir do próximo dia 23. É uma experiência sobre um caminho que o advogado quer fazer: ir deixando os processos para trás e apostar na curadoria, trabalhar em fotografia, pensar na estética da representação

[dropcap]C[/dropcap]omo é que começa a fotografia?
Já começou há muitos anos. Talvez nunca tenha tido a coragem de começar pôr as fotografias cá fora. Neste momento, é uma especialização de uma preocupação cultural que já vem do meu tempo da faculdade quando, na altura, com a minha mulher, fizemos a revista SEMA. O gosto pela cultura é presente, tem-me acompanhado ao longo da vida, embora tenha sido muitas vezes distraído pelas questões do Direito, ou mais pelas obrigações profissionais do que pelo gosto do Direito. Nos últimos anos, em especial depois de ter saído do Ministério da Justiça, resolvi assumir que a cultura era – e é – uma área do sentir e do conhecimento demasiado vasta. Portanto, dentro da cultura em geral, identifiquei a área de que mais gosto: a fotografia. Sempre fiz fotografia. Antes da fotografia digital, lembro-me de uma viagem à Índia em que praticamente fiz turismo através da lente das máquinas fotográficas. Chegava ao final do dia completamente estoirado de carregar máquinas e lentes, coisa que neste momento já não faço, porque aperfeiçoei a lógica de funcionamento. Tenho uma câmara mais pequena, com uma lente de 35 mm fixa, e sou muito menos intrusivo na recolha das fotografias. É um gosto antigo, uma prática que tem sido mais ou menos descontinuada ao longo do tempo, mas tem sido uma constante e uma preocupação. Acho que já tenho idade suficiente para poder começar a pensar em pôr cá fora estas fotografias. Mas tem também uma outra componente: tenho o desejo de, um dia destes, começar a afastar-me mais da advocacia, e criar uma pequena galeria e uma pequena editora só para a fotografia a preto e branco. E pensei que um bom exercício seria fazer a experiência de como é que tudo isto funciona a partir de mim próprio.

Daí a exposição e o livro.
Peguei numa pequena verba que pus de lado e disse assim: em vez de ir apostar em alguém, vou apostar em mim. E acompanhei todo este processo, na produção, na escolha dos suportes e do material para a exposição, fiz uma série de ensaios de impressão das fotografias em suportes diferentes, emoldurei de formas diferentes, para tentar perceber qual era o melhor caminho a seguir. Todo o processo de produção do livro foi mais ou menos equivalente. O livro acaba por ser também um desafio, porque fazer livros com uma dimensão como esta, de 30 cm por 23 cm, é um risco, apesar de tudo, porque as fotografias aguentam ou não. Mas o tipo de fotografia que faço aguenta mais facilmente num livro com esta dimensão do que se fossem fotografias que andam à procura de uma perfeição técnica que eu não acho ideal. Portanto, tudo isto acabou por ser um exercício de como fazer, à custa de mim próprio.

“Entre o Olhar e a Alucinação”. Que conjunto de fotografias é este? São imagens que não andam à procura da perfeição. Como é que se chegou aqui?
Chegou-se de uma forma um bocadinho acidental, mas foi a partir de uma reflexão do que é e do que pode ser a fotografia. É uma conversa que é preciso desenvolver e aprofundar. A minha preocupação com a fotografia não é apenas tirá-las, trabalhá-las e eventualmente poder ou não expor, e poder ou não publicar. Neste momento, queria desenvolver uma outra vertente, à qual dou muita importância, que é fazer a curadoria de projectos e isso implica pensar na fotografia como arte e pensar nos projectos como um conceito. Neste momento tenho um projecto aprovado, para um ciclo de fotografia contemporânea chinesa, que vai realizar-se em Portugal com três dos mais importantes fotógrafos chineses da actualidade, pessoas cujo trabalho admiro muito. Tenho já a confirmação de que o Instituto Cultural de Macau também vai apoiar este ciclo de três exposições individuais, que virão ao território depois, em 2018 e 2019.

E quem são estes fotógrafos?
A primeira exposição é de Lu Nan, um fotógrafo por cujo trabalho tenho uma admiração imensa. Demorou-me quase um ano a chegar até ele. Vai ser inaugurada em Lisboa em Julho deste ano. Depois, em Outubro, vai haver uma outra exposição que é de Rong Rong, um homem muito conhecido na fotografia contemporânea chinesa, também produtor e divulgador cultural, tem um centro de arte contemporânea em Pequim. O terceiro é um fotógrafo menos conhecido que tem um projecto sobre o Tibete que demorou quase dez anos a conseguir. Yang Yankang tem fotografias lindíssimas sobre o lado mais filosófico e espiritual do Tibete. São três caminhos na fotografia contemporânea chinesa que quis explorar, sendo certo que havia uma quantidade de outras pessoas. E, voltando ao princípio, este livro nasce também de uma preocupação de tentar perceber qual é o caminho que quero explorar relativamente à fotografia.

Podemos dizer que este livro é um ensaio?
De algum modo, é uma experiência e que parte de um princípio que está contido naquela frase de Barthes, que é o mote da exposição, quando basicamente diz que as fotografias não precisam de ser chocantes, o que precisam é de fazer as pessoas pensar. Isto leva a que nós pensemos também como é que encaramos a fotografia como uma estética de representação. Se é uma estética de representação, significa que podemos olhar para uma fotografia de per si ou temos de seguir a corrente tradicional ou politicamente correcta dos trabalhos das pessoas mais conhecidas, que assentam na ideia do storytelling, de contar uma história? Está muito instalada a ideia de que as fotografias contam histórias e que os projectos fotográficos são verdadeiramente importantes, ou mais importantes, quando são capazes de contar histórias.

Como se a fotografia enquanto forma de arte tivesse de ter alguma coisa de fotojornalismo, no sentido da construção de uma narrativa.
Pode confundir-se dentro dessa via, sendo certo que o fotojornalismo tem uma representação da realidade que não permite a deformação dessa mesma realidade. O storytelling pode ser já uma alucinação da realidade e é legítima como forma de contar uma história. Com esta experiência, o que quis tentar foi perceber se é possível ou não juntar várias fotografias que nada têm que ver umas com as outras, apesar de, neste conjunto, haver vários subconjuntos que estão relacionados. O próprio título faz parte de um tríptico que vai estar apresentado na exposição. Há mais dois conjuntos, a que chamei “Night Vision I” e “Night Vision II”, que também são mini-séries de uma pequena história quase sem história. Mas o importante era testar a ideia se é, ou não válido, juntar fotografias que, de per si, possam ser uma história, mas uma história que não induza quem a vê num determinado percurso de interpretação. É engraçado olharmos para as fotografias e pensarmos que elas foram congeladas no tempo. Quando olhamos a realidade a passar dinâmica à nossa frente, certos momentos que são congelados têm um significado diferente do que teriam inseridos nessa sequência normal da visão.

Mas há sempre a possibilidade de se inventar uma narrativa…
Este livro tem uma intenção e tem muitas narrativas. Não é por acaso que as fotografias estão todas sequenciadas e que vão todas ao corte, sem nenhuma paginação especial que as tente influenciar. Não é por acaso que foram alinhadas desta maneira, e isso dá-lhes uma narrativa. Dou dois exemplos: há um contraste entre pessoas, situações e lugares; pelo meio coloco várias fotografias de escadas, que são simbolicamente a ideia de que nós, na vida, gostamos ou deixamos de gostar, vamos por um lado ou podemos ir por outro. O desafio que se coloca a quem vê o livro é saber se gosta deste caminho ou se não gosta, a escada está lá para subir e para descer. O livro acaba, também intencionalmente, com uma fotografia, sem nenhuma outra na página ao lado, de um rosto muito marcante de um homem velho, mas que tem um sinal de esperança, que é o facto de estar a rir. Este livro tem uma intenção – o modo como foi pensado – e pode ter muitas narrativas.

Quem for ver a exposição ou pegar no livro encontra várias imagens captadas no contexto em que vivemos. Para a escolha destas fotografias pesou o factor cidade ou isso não entrou no critério de escolha?
Não entrou. O meu critério de escolha foi o gosto pessoal, de adesão ou não a uma determinada fotografia, a um determinado contexto, ao modo como a fotografia é enquadrada na página ou na moldura.

Mas há uma relação com a cidade que acaba por transportar, até porque vive cá há muitos anos.
É inevitável. Dou comigo a pensar se o facto de vivermos aqui há tantos anos – de lidarmos tanto com estas pessoas, com estas situações, as cozinhas mal-arranjadas, os ambientes às vezes muito hostis – também não faz com que não tenha já capacidade de olhar. E isto é uma coisa que me preocupa. Por isso é, quando olho para Macau como lugar para fazer fotografia ou para registar momentos, tenho sempre um certo medo de não ser capaz de olhar da forma correcta, porque já nada me surpreende. E quando tiramos uma fotografia, do mesmo modo como queremos que essa fotografia surpreenda – como diz Barthes, que faça pensar –, também temos de ser capazes de nos podermos surpreender com aquele momento que estamos a registar. Confesso que, por uma certa saturação em relação à cidade, por já estar a viver em Macau desde 1987, sou capaz de já não ter bem essa capacidade.

Mas a lente, ainda assim, ajuda ao enquadramento, ao exercício do foco sobre algo que a olho nu nos pode escapar.
É a tal ideia de que uma fotografia congelada no tempo pode ter uma leitura que é completamente diferente dessa fotografia inserida num movimento real em que as coisas acontecem. As máquinas fotográficas são formas de seleccionar a realidade, já por si, e eu em cima disso ainda agravo a situação, porque é raro o caso em que não faço um crop da fotografia. Gosto de fazer crops das fotografias – tenho amigos que dizem que isto é desvirtuar a realidade. Mas a máquina já desvirtua a realidade, porque vai só buscar um bocadinho. Os lugares são relativamente importantes no contexto deste projecto, sendo certo que, muitas vezes, uma pessoa sente-se mais motivada para dirigir a máquina para sítios que são uma surpresa do que propriamente para locais que vemos todos os dias e que já não temos capacidade de ver. Realmente, há uma grande diferença entre olhar e ver, e este é o problema dos nossos dias, é o problema da nossa civilização: olhamos muito, mas vemos muito pouco. A fotografia, congelando momentos que, para nós, são significativos, é uma forma de ajudar a ver determinado tipo de realidades. Olhamos para algumas fotografias, como as que estão aqui [no livro], de pessoas. E é legítimo perguntar o que é que esta pessoa estava a fazer antes e o que estava a fazer a seguir? Esta pessoa está neste contexto, que não se percebe muito bem, porque a fotografia está muito cropada, não tem propriamente todo o seu ambiente à volta, mas qual era o contexto em que se estava a mover quando foi fotografada? Há outras questões mais teóricas que têm que ver com fotografia.

A questão da estética da representação.
É o que procuro, e também tentar perceber como é que consigo apurá-la, sendo certo que há muitas estéticas de muitas representações. Uma coisa sei que não quero, que é a técnica da representação, que é uma coisa completamente diferente: aquela fotografia muito bonita, tecnicamente supercompetente. Há um fotógrafo que tem um trabalho admirável, num campo completamente diferente, o Erwin Olaf, que teve uma exposição aqui na Casa Garden. É um fotógrafo fabuloso, que vem da fotografia de moda. Todas as fotografias que faz são encenadas, são pensadas ao milímetro. Um dia, contou-me que há fotografias, que eu pensava que o ambiente natural era um hotel onde punha os seus figurantes, em que os cenários são todos construídos por ele. Essas fotografias têm obviamente uma história para ele, mas são fotografias tecnicamente representadas, há uma representação técnica da realidade, evidentemente com muita criatividade. Não procuro nada disso, porque acho que os critérios de avaliação das fotografias nos tempos que correm já não passam pelo lado técnico, porque a fotografia deixa de ser um meio para passar a ser um fim. Quando a fotografia deixa de ser tecnicamente um meio para mostrar qualquer coisa – que passa a ser acessória, porque o meio é que é importante –, neste caso já temos a possibilidade de olhar para a fotografia e achar que os meios passem a ser acessórios.

Onde fica a advocacia, no meio disto tudo?
Como não sou rico, tenho de trabalhar, tenho de fazer advocacia. Mas já tenho 58 anos e acho que já tenho o direito de começar a fazer menos advocacia e a fazer mais aquilo que me realiza pessoalmente. Já estou na advocacia há muitos anos, já passei por processos complicados e já tenho a minha dose que chegue de descrença relativamente ao sistema. E em Macau é fácil ter-se descrenças em relação ao sistema. Entretanto, tenho tido oportunidades na vida, como foi a última experiência que tive em Portugal no Ministério da Justiça, de ser parte activa em projectos de reforma significativos, como foi a questão da reforma do sistema judiciário. Mas também isso me deixa, apesar de tudo, um certo amargo de boca. Não sei como explicar. Sou muito devotado ao serviço público no sentido de me dar a ele, passe o auto-elogio, com alguma generosidade. Isso tem-me prejudicado. Aconteceu no princípio dos anos 2000, quando fui para a Ordem dos Advogados, e depois quando fui para o Ministério da Justiça, quando estourei completamente a possibilidade de fazer advocacia em Portugal porque me dediquei a um serviço público. Mas realmente, o sistema judiciário, tal e qual como está montado, é muito conflituante de interesses e, às tantas, é uma máquina trituradora muito complicada. Quando verdadeiramente me consigo libertar, e fugir um bocadinho, é ao ir por este caminho da fotografia, porque também se não o tivesse era capaz de morrer mais cedo e muito mais frustrado. Acho que tenho de dar continuidade a este projecto, tentando avançar para outro livro, dentro da mesma linha, possivelmente. E avançar também nos trabalhos de curadoria, porque há necessidade de darmos a conhecer muito trabalho que está a ser feito por aí. Na Ásia – na China e no Japão, que é uma fotografia que me tem influenciado muito –, temos gente a fazer fotografias de uma forma absolutamente deslumbrante e magnífica.


O desconcerto

[dropcap]H[/dropcap]á um chão, um chão de relva, e há um corpo estendido, aconchegado, num agasalho que inclui um capuz. Está ali um olhar que fixa a lente e que não se percebe o que diz. É um olhar enigmático, entre a surpresa, a solidão, o sono, o abandono. Ou talvez apenas a preguiça, o embalo, a fruição de qualquer coisa que aquela lente não nos quis mostrar. Não sei de quem são estes olhos, onde estavam eles deitados, se quiseram ali estar ou se ficaram assim por falta de opção. A imagem não me diz nada mais sobre este olhar. Viro a página e o resto da história não está lá, porque não é para estar.

Este livro é feito de imagens soltas que se entrelaçam, se se tiverem de relacionar. Às tantas, não é preciso andarmos constantemente à procura de uma história, nós que vivemos com pressa para chegar ao fim de qualquer coisa. Às tantas, é este o princípio esquecido da fotografia: o que há para ver é o que está naquele rectângulo, o que parou no tempo daquele modo, naquele momento, e o resto nada interessa. Às tantas, é só assim, tão simples e, sim, tão complicado, porque aquele olhar fixou-me também.

Viro a página e há outra história qualquer. E mais outra. E há umas escadas. E outras, tantas escadas para subir e descer, uma vertigem de imagens que são densas, escuras, neste livro há muita noite, pouco dia, talvez não pudesse ser de outra maneira. Chego ao fim e há um sorriso, um sorriso velho e desdentado, um sorriso sincero e malandro, como que a ler o que me vai na alma. O desconcerto. Este livro é um desconcerto. Não podia ser de outra maneira.

O livro é de João Miguel Barros, advogado, homem há muito ligado às artes, às letras, às publicações. O nome escreve-se nos jornais sobretudo por causa de outras causas, de outras palavras, do mundo mais encenado que cabe nos códigos e nas leis, nos órgãos de investigação criminal e nos tribunais, nas críticas e no cansaço, nos culpados e nos inocentes. Desta vez, o nome escreve-se nos jornais porque não há história, são muitas histórias, e não há palavras, só imagens.

Construímos mundos e é neles que nos movimentamos, num entediante exercício ao qual demos o nome de quotidiano. Andamos sempre à procura de uma história, nós que vivemos com pressa para chegar ao fim do texto, ao fim do livro, ao fim da rua. “Entre o Olhar e a Alucinação” é um convite a uma paragem, é uma descida vertiginosa ou uma escalada penosa, é um desafio para uma certa solidão. É um desconcerto, daqueles que fazem bem no meio do ruído dos dias. E depois são os olhos que se fixam, porque aquele olhar fixou-me também.

16 Fev 2017

Pequim e Maputo expandem cooperação

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]oçambique e China comprometeram-se na terça-feira a reforçar a cooperação em diversas áreas, durante a visita da presidente da Assembleia da República do país africano, Verónica Macamo, a Pequim, noticiou ontem a agência noticiosa oficial Xinhua.

A agência cita o presidente da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC), Yu Zhengsheng, que se reuniu com Macamo.

“A China está disposta a trabalhar com Moçambique para expandir a cooperação mutuamente benéfica em várias áreas”, afirmou Yu, citado pela Xinhua.

O responsável máximo pelo principal órgão de consulta do Governo e do Partido Comunista Chinês disse ainda que Pequim quer trabalhar com Maputo no sentido de impulsionar a implementação dos acordos alcançados durante o Fórum de Cooperação China-África, que se realizou em Joanesburgo, em 2015.

Durante o evento, o Presidente chinês, Xi Jinping, anunciou 60 mil milhões de dólares em assistência e empréstimos para os países africanos.

Macamo, que lidera uma delegação de empresários numa visita de cinco dias à China, disse ainda apreciar a assistência prestada pela China a Moçambique, desde que o país se tornou independente, em 1975. Pequim é o principal credor de Maputo.

Princípios do acordo

No ano passado, os dois países assinaram um Acordo de Parceria e Cooperação Estratégica Global, durante a visita do Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, ao país asiático.

Aquele documento, que estabelece os 14 princípios que deverão nortear as relações bilaterais, prevê fortalecer os contactos entre o exército, polícia e serviços de inteligência dos dois países.

No aspecto económico e comercial, o mesmo acordo dedica ainda uma cláusula à iniciativa chinesa Rota Marítima da Seda do século XXI, um gigante plano de infra-estruturas que pretende reactivar a antiga Rota da Seda entre a China e a Europa através da Ásia Central, África e sudeste Asiático.

Neste sentido, os dois países devem cooperar nas áreas de transporte marítimo, construção de portos e zonas industriais portuárias, aquacultura em mar aberto e pesca oceânica, detalha.

Moçambique atravessa uma grave crise desde da descoberta, no ano passado, de empréstimos de 1,4 mil milhões de dólares que não foram contabilizados nas contas públicas ou reportados ao Fundo Monetário Internacional (FMI), descredibilizando o país perante os mercados financeiros e doadores internacionais.

No mês passado, Maputo entrou em “incumprimento financeiro soberano”, ao falhar o pagamento de 60 milhões de dólares referentes à prestação de Janeiro da emissão de 727,5 milhões em dívida pública, feita em Abril passado.

16 Fev 2017

O Tigre e a Neve

07/02/2016

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]ui crítico de cinema vinte anos. Escrevi doze filmes. Mas nunca deixei de crer na realidade, nunca usei a imagem como escape. Por isso eram-me insuportáveis os Festivais de Cinema e a sua fauna que transpira cinema e segue religiosamente o programa das festas, das 9h às 24 h. Eu escolhia dois filmes por dia e no resto do tempo flanava, ia às livrarias, demorava-me nos restaurantes, visitava galerias de arte, cafés, em calhando namorava.

Uma vez em Berlim começou a nevar e achei mais interessante ir ao zoo ver os tigres na neve do que o filme da sessão das 15. Foi o filme que ganhou o Urso de Ouro.

De outra vez, também em Berlim, a neve intensificava-se e entrei no primeiro vão de uma porta para me proteger. Vi depois que seria uma livraria hispano-americana. Estive dois dias sem ir às sessões, a ler os diários e os loucos ensaios de Luis Lezama Lima em restaurantes gregos e turcos, à luz de vinhos de nomes impronunciáveis. Claro que este era pecado inconfessável aos olhos dos meus amigos críticos.

Penso que eles no fundo julgam que a morte não lhes toca – se estiverem dentro do filme. É o Rosa Púrpura do Cairo ao contrário. Infelizmente para mim, creio na infatigabilidade da morte, é o que nos separa.

Não sei quem ganhará este ano o Festival de Berlim. O Francisco Ferreira, do Expresso, há-de dizer-me. Sei que nos últimos anos, se eu fosse realizador, só teria realizado três filmes: o Água, (da indiana Deepa Meth), O Tigre e a Neve (do Roberto Benigni), e o Youth (do italiano Paolo Sorrentino). Acho que não ganharam nenhum Festival (pelo menos desses principais).

(A propósito: o La La Landa, é mesmo bola preta – Emma Stone à parte. Tantos prémios e indicações para os Óscares só significam o triunfo da puerilização do mundo).

10/02/2017

Vou iniciar o meu primeiro filme em Moçambique, com o cineasta bissexto Lopes Barbosa. A história do Barbosa, por si mesmo dava um filme. Fez uma longa antes do 25 de Abril, com o Malangatana e a comunidade deste, a primeira e única longa filmada em ronga. O produtor fica em pânico, o filme é absolutamente anti-colonial. Claro que a fita é proibida. Dá-se 74. O filme acaba por estrear finalmente num 7 de Setembro fatídico em que há uma «intentona branca» em Lourenço Marques para tentar segurar o poder. O golpe falha e o produtor foge com o filme. O realizador não soube mais dele durante trinta anos. Até que uma investigadora, a Maria do Carmo Piçarra, descobre há poucos anos uma cópia nos armazéns da Cinemateca, aonde o produtor, num rebate, o depositou antes de morrer. Chama-se o filme Deixem-me ao menos subir às Palmeiras e causa espanto nos Festivais por onde tem andado porque é de facto excelente. Um ovni. Há anos que o Barbosa insiste em fazer um filme comigo. Acedi desta vez porque o tema me interessa muito: a história de amor entre o jornalista e ideólogo Aquino de Bragança e a pintora Silvia Bragança, dois luso-indianos, uma soberba história de amor potenciada pelas circunstâncias e a qualidade das personagens.

O Aquino foi uma figura activíssima em Paris, como estratega dos movimentos de libertação; sendo amigo do Melo Antunes e do Almeida Santos esteve por detrás das negociações para a independência, mas nunca aceitou prebendas nem cargos no poder e actuou apenas como assessor crítico de Samora enquanto na universidade fundava o Centro de Estudos Africanos. Acabou por morrer com o Samora no desastre de avião.

A ligação entre a Silvia e o Aquino só pôde durar quatro anos mas é uma magnífica história de amor e o melhor meio para evocar a qualidade do Aquino como homem. Começamos a filmar esta quarta-feira, 15. Se este filme correr bem, farei de seguida outro sobre o pintor/poeta António Quadros/Grabato Dias. Curtas, que só temos a maquinaria e a vontade de fazer.

11/03/2017

Preparar as aulas levanta sempre lebres, que superam a ingrata tarefa de sensibilizar os indiferentes. Descubro que para o teórico de arte Rudolf Arnheim «o máximo de informação é directamente proporcional à sua inatendibilidade e precipita-nos na entropia». Eis resolvida por si mesma a velha dicotomia entre a comunicação e o conhecimento – por um equilíbrio homoestático menos comunicação nutre mais do que a saturação dela. O que a pintura oriental já ensinava há muito com os seus vazios e o primado na sugestão.

No que à poesia diz respeito, para mim, o espanhol José Ángel Valente já dissera o essencial: «Entendo que quando se afirma que a poesia é comunicação não se faz mais do que mencionar um efeito que acompanha o acto de criação poética, mas que em nenhum caso se alude à natureza do processo criador (…) todo o momento criador é em princípio um acto de tactear no escuro. O material sobre o qual o poeta se dispõe a trabalhar não está clarificado pelo conhecimento prévio que o poeta tenha adquirido, mas antes espera, precisamente, essa clarificação». Quanto àquilo que se pode comunicar, associo-o sempre ao provérbio chinês que diz: “Tudo o que já sei deixa de me interessar”.

12/02/2017

Vocês sabem, aquelas peúgas que, irritantemente, escorregam para se meterem no calcanhar!? Era assim a pele dele, preta, passava a vida a cair-lhe da raiz dos cabelos até ao calcanhar, não porque fosse albino, mas queria imitar os tiques dos brancos (o que ele entendia por essa abstracção). Radialista. Um dia nas barracas do Museu, em ouvindo-me falar do problema das mulheres em Moçambique, comentou: “Gramo deveras, pá, ouvir-te falar sobre as mulheres… Até te levava ao meu programa, mas não posso, pá…via-se logo que és tuga…». E eu sosseguei-o, «Tens razão, a rádio não deixa escapar nada daquilo que se possa ver…». Disseram-me hoje que morreu. Ou foi cobrir alguma rebelião dos anjos, num beco lá para Orion. Não ouço rádio, não tinha dado conta. Paz à sua peúga!

16 Fev 2017